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InfernoInfernoA Divina Comédia
Dante Alighieri
Tradução em prosapor Helder. da Rocha
Dante Alighieri
A Divina Comédia
Adaptação em prosa
por Helder da Rocha
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Índice
Prefácio ................................................................................................... ix Introdução ................................................................................................. 1 Dante Alighieri ......................................................................................... 4 Introdução ao Inferno .............................................................................. 11 Índice do Inferno ..................................................................................... 13 Índice por círculo/pecado .................................................................... 17 Índice de ilustrações .............................................................................. 19 Inferno..................................................................................Inferno 1 a 105 Notas explicativas ................................................................Notas 2 a 106 Fontes de referência ............................................................................... 21 Índice remissivo ...................................................................................... 25 Nota: a parte central do livro (210 páginas com a história e as notas) forma um bloco à parte. Sua numeração difere das outras seções.
Introdução ao Inferno
Inferno relata uma odisséia pelo mundo subterrâneo pa-
ra onde se dirigem após a morte, segundo a crença
cristã, aqueles que pecaram e não se arrependeram em
vida. A viagem, relatada em 4720 versos rimados em tercetos, é rea-
lizada pelo próprio Dante guiado pelo espírito de Virgílio – famoso
poeta romano dos tempos de Júlio César.
O A geografia do mundo e do reino dos mortos reflete as cren-
ças vigentes na Idade Média. A terra, esférica, era o centro do Uni-
verso segundo a cosmologia de Ptolomeu. Três continentes eram
conhecidos: Ásia, África e Europa, e acreditava-se que eles ocupa-
vam somente um dos hemisférios do planeta. Todo o hemisfério
oposto era coberto de água. Na mitologia de Dante, a única exceção
era o pólo oposto à cidade de Jerusalém, que ficava no meio do o-
ceano. Lá havia uma ilha em cujo centro despontava uma única e
altíssima montanha – o monte do Purgatório.
Além das crenças cristãs da época, o poema de Dante também
foi influenciado por vários outros poemas épicos que precederam a
Comédia. Monstros avernais e outras figuras mitológicas gregas e
romanas que apareceram nas obras de Homero, Virgílio e Ovídio,
ressurgem no Inferno de Dante ora como condenados ora como se-
res responsáveis pelo funcionamento de algum “serviço” mantido
no reino de Lúcifer.
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A viagem narrada pelo poema acontece na semana santa do ano
de 1300. Naquela época, Dante era um atuante político florentino
prestes a ser eleito dois meses depois, como um dos priores (gover-
nadores) da cidade de Florença. Porém, em menos de um ano, Dante
foi exilado e expulso da cidade. O Inferno, escrito no exílio, faz refe-
rência a vários fatos históricos que aconteceram antes e depois de
1300. Os fatos futuros são profetizados pelas almas condenadas.
Para compreender o Inferno de Dante é preciso conhecer um
pouco da política de Florença e das crenças e costumes da Idade
Média. É importante também conhecer a vida de Dante, suas ativi-
dades e os motivos do seu exílio. Isto é apresentado na seção se-
guinte, que contém uma pequena biografia do poeta.
Em várias partes do seu texto, Dante menciona personalidades
pelo apelido ou pelo primeiro nome. A maior parte dessas pessoas
eram conhecidas pela população da Itália na sua época. Hoje, 700
anos depois, é impossível saber quem era ‘Buoso’ ou ‘Francesco’
sem consultar as notas dos primeiros dantólogos como Boccaccio e
Andrea Lancia (Ottimo Commento). As notas explicativas, compiladas
a partir de diversas fontes, aparecem nesta edição em cada página à
esquerda enquanto o texto flui nas páginas à direita. As notas tam-
bém contém interpretações de símbolos do Inferno. Algumas inter-
pretações são bastante interessantes e até esclarecedoras mas é pre-
ciso lembrar que não fazem parte da obra original. Refletem a opi-
nião (e a imaginação) do autor da explicação e não a de Dante, uma
vez que ele não fez anotações sobre os poemas da Comédia.
H.R.
Notas 3
1 Personagens e símbolos do Canto I
1.1 O narrador é Dante – protagonista da história e autor do poema. O poema é
uma narrativa alegórica, ou seja, o autor descreve situações que não devem ser
interpretadas apenas pelo seu sentido literal. Portanto, o personagem Dante, o
peregrino, pode também ter representação simbólica. A história pode ser uma
espécie de sonho (ele fala que foi o sono, um cochilo que o levou à selva). Es-
tudiosos da obra de Dante dizem que o Dante da história simboliza qualquer
ser humano que, como ele, se encontra perdido naquela selva escura (que alego-
ricamente representaria o pecado – veja nota 1.3).
1.2 Cronologia da viagem: Dante diz que está “no meio do caminho da nossa vi-
da”. Isto pode ter vários significados mas também pode indicar que ele está
com 35 anos (de acordo com os 70 anos reservados ao homem, segundo as fi-
losofias da época). O ano, portanto, é 1300, pois Dante nasceu em 1265. Esta
data também é confirmada em outras ocasiões, como no Canto XXI, onde tam-
bém se confirma que a viagem ocorre na semana santa. Em várias ocasiões, no
poema original, o autor descreve a posição das constelações e astros como for-
ma de nos informar a hora e a data. Através dessas observações, podemos de-
duzir que o Canto I começa na noite da quinta-feira santa (quando se acreditava
que as posições dos astros seriam as mesmas de quando o mundo foi criado) e
termina no início da noite da sexta-feira.
1.3 A Selva Escura é, segundo a tradutora Dorothy Sayers, uma representação
simbólica da perdição no pecado, “onde a confusão é tão grande que a alma
não se acha capaz de reencontrar o caminho certo”. Uma vez perdido na selva
escura, um homem só poderá escapar se, através do uso da razão do intelecto,
descer de forma que veja o seu pecado não como um obstáculo externo (as fe-
ras), mas como vontade de caos e morte dentro de si (inferno). [Sayers 49]
Notas 4
1.4 As três feras, na opinião de vários estudiosos, têm sentido figurado e represen-
tam três tipos de pecados (que são discutidos no Canto XI) e também três sub-
divisões do inferno. É uma representação alegórica dos pecados segundo a filo-
sofia de Tomás de Aquino, que influenciou Dante. A incontinência (leopardo), a
violência (leão) e a fraude (loba) refletem níveis de gravidade crescentes de acordo
com os conhecimentos da pessoa (quanto mais se sabe, mais grave é o pecado).
Segundo a tradutora e comentarista Dorothy Sayers, refletem três estágios da
vida humana (juventude, meia-idade e velhice). Os pecados cometidos na velhi-
ce seriam mais graves pois a alma que os comete é mais experiente e já sabe di-
ferenciar o certo do errado. [Sayers 49]
1.5 Virgílio (70 a 19 a.C.) foi grande poeta da antiguidade e autor de várias obras
entre as quais as Geórgicas e a Eneida. Esta última conta a história da fundação de
Roma pelo troiano Enéas (veja nota 4.11). Dante conhecia as obras de Virgílio e
louva-o por ter influenciado seu estilo poético. De acordo com vários dantólogos,
Virgílio também tem um sentido alegórico: simboliza o intelecto, a razão do pe-
regrino Dante (veja nota 1.1). É a razão “que apagada estivera, talvez por exces-
sivo silêncio” que pode guiá-lo para fora da selva escura.
1.6 O monte, na interpretação de Sayers, “representa no nível místico a ascensão
da alma a Deus. No nível moral, é a imagem do arrependimento. Pode ser esca-
lado diretamente pela estrada certa, mas não pela selva selvagem porque ali os
pecados da alma são expostos e aparecem como demônios (as feras) com um
poder e vontade próprios, impedindo qualquer progresso.” [Sayers 49] O mon-
te pode ser uma representação alegórica da montanha do purgatório (veja nota
34.8) que não pode ser escalada pela selva escura.
1.7 O Lebreiro (L'veltro): Um lebreiro (ou lebréu) é um cão usado para caçar le-
bres. O Lebreiro mencionado por Virgílio representa algum tipo de redentor ou
salvador, mas não é claro se deve ser interpretado como uma pessoa. Já foi ob-
jeto de diversas interpretações por vários comentaristas. Para alguns, represen-
ta, no sentido figurado, algum líder que resgataria a Itália da situação política em
que se encontra. Para outros, representa o estabelecimento de um reino espiri-
tual na terra (a vinda de Cristo que no juízo final levaria a Loba de volta ao in-
ferno).
Notas 5
2 Personagens e símbolos do Canto II
2.1 Santa Luzia é padroeira dos que sofrem da vista [Sayers 49]. Dante era devoto
de Santa Luzia [Mauro 98] que o teria curado de um problema de vista no pas-
sado. Na minha interpretação, Dante estava cego (não sabia mais onde era o
caminho certo), longe da luz (na selva escura), portanto Santa Luzia, que atende
aos que sofrem da vista, seria a indicada para ajudá-lo.
2.2 Beatriz é uma pessoa muito importante para Dante. Fonte de inspiração em
quase todas as suas obras, é retratada como símbolo de pureza e perfeição. A
Beatriz de suas obras provavelmente foi inspirada na Beatriz da vida real que
Dante conheceu quando tinha 9 anos (veja texto sobre a vida de Dante, na in-
trodução). Na Divina Comédia, Beatriz é símbolo do amor divino ou da religiosi-
dade (na opinião dos estudiosos de Dante). É ela que chama Virgílio (a razão)
para guiá-lo para fora da selva.
2.3 Limbo: veja nota 4.1.
2.4 A viagem pelos lugares eternos proposta por Virgílio consiste em atravessar
a terra, passando pelo inferno até chegar à montanha do purgatório do outro
lado. Virgílio só pode conduzir Dante até o purgatório, mas não pode entrar no
paraíso (a razão leva à fé, mas não se pode compreender o divino com a razão).
Lá terá “alma mais digna” que é Beatriz.
Notas 8
3 Personagens e símbolos do Canto III
3.1 O Portal do Inferno: não tem portas ou cadeados mas somente um aviso so-
bre a entrada que adverte: uma vez dentro, deve-se abandonar toda a esperança
de rever o céu pois de lá não se pode voltar. As almas entram porque querem.
“No poema, o inferno está repleto das almas daqueles que morreram com a de-
terminação de entrar naquele portal; na alegoria, essas almas são a imagem do
pecado na pessoa ou na sociedade.” [Sayers 49]. A alma só tem poder de esco-
lha enquanto viva, portanto, viva se decide pelo céu ou pelo inferno. Depois de
morta, perde a capacidade de raciocinar e tomar decisões. Dante não deve te-
mer, diz Virgílio, porque ele ainda está vivo e ainda tem poder de arbítrio. O
personagem Dante cruza o portal do inferno na noite de sexta-feira da paixão
(veja notas 1.1 e 1.2) pois no início do Canto II, quando Dante escapa das feras, já
anoitece.
3.2 O ante-inferno é chamado também de vestíbulo. Serve como destino para as
almas que não podem ir para o céu nem para o inferno. “Sendo o céu e inferno
estados onde uma escolha é permanentemente recompensada (de forma positi-
va ou negativa), deve também existir um estado onde a negação da escolha seja
recompensada, uma vez que recusar a escolha é escolher a indecisão.” [Sayers
49] O ante-inferno é, portanto, a morada dos indecisos, covardes e que passa-
ram a vida “em cima do muro”. Em vida nunca quiseram assumir compromis-
sos, tomar decisões firmes ou fazer qualquer coisa definitiva, por achar que as-
sim perderiam a oportunidade de fazer alguma outra coisa. A sua neutralidade e
falta de ação é retribuída na forma de um contrapasso (veja nota 3.3 abaixo) e ago-
ra são obrigados a correr atrás de uma bandeira que não vai a lugar algum.
3.3 O contrapasso é a retribuição do inferno pelos atos do pecador. Reflete, de
forma simbólica, os efeitos do pecado cometido aplicados como punição. Se
baseia em uma justiça do tipo “olho-por-olho, dente-por-dente”.
3.4 O Rio Aqueronte (Acheron) é o primeiro dos rios do inferno. Como os ou-
tros rios do mundo subterrâneo, este também não foi inventado por Dante. É
citado nas obras clássicas de mitologia como a Eneida de Virgílio e a Odisséia de
Homero.
Notas 9
3.5 Caronte (Charon) é o clássico barqueiro dos mortos na mitologia grega. Como
a maior parte das figuras mitológicas que aparecem no inferno, Caronte foi ti-
rado das mitologias clássicas. Os monstros do inferno “não são diabos ou almas
perdidas, mas as imagens de apetites pervertidos, e vivem nos círculos apropri-
ados à sua natureza.” [Sayers 49]. Nas obras da mitologia clássica, Caronte esta-
va encarregado de realizar a travessia de outro rio (o Estige – veja nota 7.7) e só
transportava almas que tivessem sido enterradas com uma moeda debaixo da
língua com a qual poderiam pagar a travessia.
3.6 O outro porto é o porto onde um anjo leva as almas que têm esperança para o
purgatório. Caronte reconhece que Dante não é uma das almas condenadas e
então diz a ele que o caminho dele é outro.
Porta do Inferno. Escultura de Auguste Rodin.
Notas 10
4 Personagens e símbolos do Canto IV
4.1 O Limbo é o local onde as almas que não puderam escolher Cristo, mas esco-
lheram a virtude, vivem a vida que imaginaram ter após a morte. Não têm a es-
perança de ir ao céu pois não tiveram fé em Cristo. Aqui ficam os não batizados
e aqueles que nasceram antes de Cristo, como Virgílio. Na mitologia clássica, o
Limbo não fica no inferno, mas suspenso entre o céu e o mundo dos mortos.
Na poesia de Dante não se tem uma noção precisa de como se chega lá, pois o
poeta desmaia no ante-inferno e quando acorda já está no Limbo.
4.2 Personagens do Velho Testamento: Adão, Noé, Moisés, Abraão, David, Is-
rael e Raquel foram, segundo Dante, levados para o céu quando Cristo desceu ao
inferno após a crucificação.
4.3 Homero (século IX ou VI a.C.) foi um poeta grego a quem tradicionalmente se
atribui a autoria dos poemas épicos Ilíada, que narra a queda de Tróia, e Odisséia,
que narra o retorno de Ulisses da guerra de Tróia e suas viagens.
4.4 Horácio (65 a.C-8 d.C.) foi um poeta romano lírico e satírico, autor de várias
obras primas da língua latina, entre as quais Ars Poetica.
4.5 Ovídio (43 a.C-17 d.C.) foi o mais popular dos poetas romanos. Autor de vári-
as obras, entre as quais obras de mitologia como Metamorfoses.
4.6 Lucano (39-65) foi um poeta romano nascido em Córdoba forçado a cometer
suicídio por Nero. Autor de Farsália.
4.7 Heitor foi príncipe de Tróia, Heitor foi o mais valente dos guerreiros troianos
na Ilíada de Homero. Foi morto cruelmente por Aquiles (nota 5.8) que o matou
para vingar a morte de seu melhor amigo, morto na guerra pelo troiano.
4.8 Heráclito (540-475 a.C.): Filósofo grego que acreditava que o fogo era fonte de
toda matéria e que o mundo estava em constante mudança. Foi fundador da
metafísica.
4.9 Tales de Mileto (625-546 a.C.) é o pai da filosofia ocidental, do pensamento
científico e considerado um dos sete sábios da Grécia.
Notas 11
4.10 Zenão (séc. 5 a.C.) foi filósofo e matemático de Eléia, conhecido por seus pa-
radoxos matemáticos.
4.11 Enéas é personagem da mitologia romana e herói da Eneida, de Virgílio. É filho
de Vênus e Anquises (príncipe troiano). Na Eneida, Enéas escapa de Tróia após
a guerra e funda a cidade de Roma.
4.12 Aristóteles (384-322 a.C.) foi filósofo e cientista grego. Um dos mais importan-
tes filósofos da antiguidade ao lado de Platão e Sócrates. Pai do empirismo e
autor de várias obras entre as quais Ética, Organon e Física.
4.13 Platão (428-347 a.C.): foi filósofo grego. Autor de inúmeros diálogos como A
República. Idealista, rejeitava o empirismo defendido por Aristóteles.
4.14 Sócrates (470-399 a.C.) foi um filósofo grego que teve grande influência sobre
a filosofia ocidental através dos seus diálogos, narrados nas obras de Platão.
4.15 Orfeu é, na mitologia grega, poeta e músico. Filho de Calíope (musa da poesia)
e Apolo (deus da música). A música de Orfeu era hipnotizante e surtia seu efei-
to sobre todas as pessoas, animais e plantas. Amava a ninfa Eurídice. Quando
esta foi morta por uma picada de serpente, Orfeu fez uma viagem ao inferno
para tentar resgatá-la.
4.16 Júlio César (100-44 a.C) foi orador, general e magistrado romano que estabele-
ceu as bases para a fundação do império romano. Em 59 a.C. foi eleito cônsul
de Roma e um ano depois, governador da Gália. Na época, a Gália Celta (norte
da Gália) ainda estava independente. César foi solicitado para evitar a invasão
dos helvécios na Gália. Depois ajudou a expulsar as forças germânicas. Em 57
a.C. a Gália estava de novo sob o controle de Roma. Em 52 a.C., Pompeu, côn-
sul de Roma e antigo aliado, assumiu o comando absoluto do governo romano
e exigiu a renúncia de César. Em 49 a.C., César e suas tropas aliadas cruzaram o
rio Rubicon, que marcava a fronteira entre a Gália e a Itália, avançando sobre
Roma. A travessia marcou o início da guerra civil romana que César venceu,
esmagando as tropas de Pompeu em Farsália. César então se tornou ditador de
Roma e promoveu várias reformas, entre as quais uma reforma do calendário
que previa a existência do ano bissexto. Vários grupos estavam insatisfeitos
com o poder de César, entre eles, seus principais aliados. Em 44. a.C. um grupo
Notas 12
de senadores tramou a morte de César que foi executada pelos senadores Cás-
sio e Bruto (veja notas 34.4 e 34.3).
4.17 Ptolomeu (100-170) foi um astrônomo e matemático cujas teorias sobre o uni-
verso dominaram o pensamento científico até o século XVI. Segundo a teoria
de Ptolomeu, a terra é esférica e ocupa o centro do Universo. Em volta da terra
giram todos os planetas, sol e lua. No final, gira uma esfera de estrelas fixas.
4.18 Os outros personagens mencionados por Dante no Canto IV: 121-144 (origi-
nal) são: Electra – filha de Atlas e fundadora de Tróia; Camila – filha do rei
Metabus, morta na guerra de Tróia; Pentesiléia – rainha das amazonas que a-
judou os troianos contra os gregos e foi morta por Aquiles; o rei Latino, que
reinava sobre a península italiana, onde Enéas fundou Roma; Lavínia – filha do
rei Latino; Lucius Brutus – fundador da república romana; Lucrécia – esposa
de Colatino; Julia – filha de Júlio César e esposa de Pompeu; Márcia – segun-
da esposa de Cato de Utica; Cornélia – mãe dos tribunos Tibério e Caio; Sala-din – sultão do Egito em 1174; Diógenes, Anaxágoras, Empedocles – filó-
sofos gregos; Dioscórides – cientista e médico grego (sec. 1 d.C.); Marcus Tú-
lius Cicero – orador e filósofo romano (106-43 a.C.), Linus – poeta e músico
grego; Lucius Annaeus Seneca (4 a.C. - 65 d.C.) - filósofo romano; Euclides –
matemático grego (300 a.C.), Hipócrates – médico grego (460-377 a.C.); Avi-cena – filósofo e médico árabe (980-1037 d.C.); Galeno – médico conhecido
mundialmente (130-200 d.C.); Averroes (1126-1198 d.C.) – estudioso árabe co-
nhecido como comentarista de Aristóteles que serviu de base para o trabalho de
Tomás de Aquino.
Notas 13
5 Personagens e símbolos do Canto V
5.1 Os círculos da incontinência (círculos 2 a 5) são a morada daqueles que peca-
ram não por determinação de fazer o mal, mas por não conseguir controlar os
impulsos, falhando assim na escolha do bem. Aqui são punidos os pecados da
luxúria, da avareza e da gula.
5.2 Minós (Minos): na mitologia grega foi o rei lendário da ilha de Creta cuja es-
posa é mãe do Minotauro (nota 12.1). Era filho de Zeus com a princesa Europa.
Depois de morto, desceu ao mundo subterrâneo onde se tornou um dos juizes
dos mortos. No inferno de Dante, Minós ouve as confissões dos mortos (que
sempre dizem a verdade, pois não têm mais o dom do intelecto) e os designa a
um círculo e subcírculo específico de acordo com a falta mais grave relatada.
5.3 Os luxuriosos: Dante classifica o pecado da luxúria como o menos grave de
todos, colocando-o no círculo mais externo. Isso é demonstrado também na
compaixão que sente pelos pecadores, se emocionando com o relato de Fran-
cesca. A ventania é o contrapasso do pecado. Em vida, os amantes eram levados
por suas paixões, que os arrastava como o vento que os arrasta no inferno.
5.4 Semiramis: foi rainha da Babilônia por 102 anos. Era esposa do caçador Nino.
5.5 A viuva de Siqueu é Dido, que era, segundo a mitologia grega, filha de Belo,
rei de Tiro. Quando Siqueu, seu marido, foi morto pelo novo rei de Tiro, irmão
de Dido, ela fugiu para o norte da África onde fundou a cidade de Cartago. Se-
gundo a Eneida, de Virgílio, o príncipe troiano Enéas (nota 4.11) naufragou em
Cartago depois de fugir de Tróia. Dido recebeu bem os troianos e acabou se
apaixonando por Enéas. Os dois passaram a viver juntos como marido e mu-
lher. Enéas já estava para decidir que permaneceria em Cartago quando Júpiter
o lembrou que precisaria deixar a cidade para cumprir sua missão e fundar
Roma. Desesperada por causa de sua partida, Dido se matou numa pira funerá-
ria. Na sua visita ao inferno (Hades), Enéas encontrou a alma de Dido mas esta
se recusou a falar com ele. [Encarta 97]
5.6 Cleópatra VII (69-30 a.C.): Rainha do Egito conhecida por seus casos de amor
com Júlio César e Marco Antônio.
Notas 14
5.7 Helena foi a esposa do Rei Menelau que, na mitologia grega, cedeu às tenta-
ções de Afrodite e deixou-se ser seqüestrada por Páris (nota 5.9), que a levou pa-
ra Tróia.
5.8 Aquiles foi o maior dos guerreiros gregos na mitologia grega. Quando criança,
sua mãe o imergiu no rio Estige (7.7), tornando-o imortal. A única parte do seu
corpo que não foi submersa foi o calcanhar, por onde sua mãe o segurou. Aqui-
les lutou e foi vitorioso em muitas batalhas até ser mortalmente ferido no cal-
canhar por Páris, que o encontrou quando, por estar apaixonado pela filha de
Priamo, entrou desarmado no templo de Apolo.
5.9 Páris: foi príncipe de Tróia na mitologia grega. Responsável pelo seqüestro de
Helena (arquitetado por Afrodite) que deu origem a guerra contra a Grécia nar-
rada na mitologia grega (Ilíada).
5.10 Tristão: foi personagem da mitologia celta que se consumiu na sua paixão im-
possível por Isolda.
5.11 Paolo e Francesca: eram cunhados adúlteros que foram surpreendidos e mor-
tos pelo marido traído em Rimini (onde o rio Pó deságua), nos tempos de Dan-
te [Mauro 98]. Francesca diz que foram surpreendidos quando liam a lenda on-
de Lancelote, apaixonado por Guinevere (esposa do Rei Artur), é induzido a
beijá-la por Galeoto. Galeoto, portanto, induz Paolo e Francesca a se beijarem
também, quando são surpreendidos e mortos. O assassino, por ter matado um
parente sem ter lhe dado oportunidade de defesa, é punido na Caína (veja nota
32.3) onde sofrem os traidores de parentes.
5.12 Lancelote e Guinevere: são amantes na mitologia celta e britânica. Guinevere
era esposa do rei Artur e era apaixonada pelo cavaleiro Lancelote. Galeoto era o
intermediário da relação.
Notas 16
6 Personagens e símbolos do Canto VI
6.1 Os gulosos: O prazer solitário concedido pela gula é ampliado no inferno onde
os gulosos jazem solitários na lama, sem comunicação com seus vizinhos. O
contrapasso pelo prazer e o conforto de comer alegremente além dos limites
quando viviam é o desconforto de uma dolorosa chuva gelada e a presença de
Cérbero, que, com seu apetite insaciável, os morde pela eternidade.
6.2 As almas que sofrem no inferno não têm corpos. Elas apenas mantém a apa-
rência das suas formas corporais. Embora possam ser dilaceradas e assim sofrer
torturas físicas, são apenas fantasmas, sem peso.
6.3 Cérbero (Kerberos) é o cão de três cabeças que guarda a entrada do mundo
subterrâneo na mitologia grega. Cérbero deixa qualquer um entrar, mas não
deixa quem entrou sair. Poucos heróis conseguiram escapar da guarda de Cér-
bero. Orfeu (4.15) o hipnotizou com sua lira, Hércules (25.3) o derrotou com as
mãos. Na mitologia romana, Enéas (4.11) e Psique conseguiram enganar Cérbe-
ro com um pão de mel. Na alegoria do inferno de Dante, ele é a imagem do
apetite descontrolado.
6.4 Ciacco: De acordo com Boccaccio [Sayers 49], é o apelido de um nobre floren-
tino conhecido por sua gula. Ciacco também quer dizer “porco” e é “corruptela
de Giacomo” [Mauro 98].
6.5 Guelfos: Um dos partidos políticos de Florença que rejeitava o poder do impe-
rador. Representava a classe média. Em Romeu e Julieta (obra de Shakespeare), os
Capuletto eram uma família guelfa. Veja mais em Vida de Dante (introdução).
6.6 Guibelinos: Partido político de Florença aliado ao imperador. Representava a
nobreza. Em Romeu e Julieta (obra de Shakespeare), os Montecchio eram guibe-
linos. Veja mais em Vida de Dante (introdução).
6.7 Negros e brancos: Os guelfos, na época que Dante fazia parte do governo de
Florença, se dividiram em duas facções: os Neri ou guelfos negros – radicais que
apoiavam a tirania do papa contra o imperador, e os Bianchi, ou guelfos brancos –
moderados que rejeitavam tanto a tirania do papa quando a tirania do impera-
dor. A rixa que dividiu os guelfos começou na cidade de Pistóia por causa de
Notas 17
uma discussão familiar. A briga, que provocou a divisão da família Cancelliere,
teve início por causa de um assassinato cometido por um jovem chamado Fo-
caccia (nota 32.2), pertencente à família. O Cancelliere original tivera duas espo-
sas. A primeira se chamava Bianca e seus descendentes se apelidaram Bianchi
(brancos). Para fazer oposição, os descendentes da segunda esposa decidiram se
apelidar Neri (negros). Por ser uma grande família, quase toda a cidade tomou
partido por um dos lados. Houve intervenção dos guelfos de Florença para
manter a ordem na cidade. Os líderes da revolta foram então presos em Floren-
ça na esperança de acabar com a briga em Pistóia. O resultado, porém, foi a ex-
tensão do conflito para Florença, onde a família Cerchi decidiu apoiar a causa
dos Bianchi contra a família Donati, que ficou do lado dos Neri. Uma insensata
briga de rua por causa de um acidente com cavalos em 1300 foi o estopim para
a crise em Florença que em pouco tempo contaminou a cidade inteira.
6.8 Previsões de Ciacco: As previsões de Ciacco falam da luta entre as duas fac-
ções em que se dividiu o partido dos guelfos, obrigando Dante a exilar os líde-
res da revolta (guelfos negros). Ciacco prevê então que alguém (o papa Bonifá-
cio) apoiará os Neri e estes retomarão o poder, banindo de vez os Bianchi de
Florença.
6.9 O papa Bonifácio VIII fingiu neutralidade durante a divisão dos guelfos mas
depois traiu a confiança dos líderes de Florença ao apoiar o golpe dos Neri. Ve-
ja mais sobre Bonifácio VIII na nota 19.2.
6.10 Farinata: veja nota 10.1.
6.11 Tegghiaio e Jacopo Rusticucci: veja nota 16.2.
6.12 Mosca: veja nota 28.9.
Notas 19
7 Personagens e símbolos do Canto VII
7.1 Pluto (Plutão, Plutus) é, na mitologia romana, o deus dos mortos (Hades, na
mitologia grega), esposo de Proserpina (Perséfone, na mitologia grega). É asso-
ciado à riqueza que brota do chão. Sua característica de deus infernal da riqueza
o coloca de forma adequada no quarto círculo, dos que não souberam lidar com
a fortuna.
7.2 A frase de Pluto: Não há uma interpretação conhecida para a frase pronuncia-
da por Pluto no inicio do sétimo canto, porém, Benvenuto Cellini, na sua des-
crição da Corte de Justiça de Paris, relata: “as palavras que ouvi o juiz falar, ao
ver que dois senhores queriam assistir ao julgamento a todo custo, e que o por-
teiro estava tendo dificuldades em mantê-los fora, foram estas: ‘Paix, paix, Sa-
tan, allez, paix’ (Silêncio! Silêncio, Satan! Vá, e nos deixe em paz). Nesta época
eu conhecia bem a língua francesa e, ao ouvir essas palavras, eu lembrei o que
Dante disse, quando ele entrou com seu mestre, Virgílio, nas portas do inferno
(Canto III). Dante e Giotto, o pintor, estavam juntos na França e visitaram Paris
com atenção, onde a corte de justiça poderia ser considerada o inferno. Portan-
to é provável que Dante, que semelhantemente dominava a língua francesa, te-
nha utilizado essa expressão; e me surpreende que ela nunca tenha sido enten-
dida nesse sentido.” [Longfellow 67] (Benvenuto Cellini, Roscoe's Memoirs Cap.
XXII)
7.3 Os avaros e pródigos: Seu contrapasso é completar o giro da roda da fortuna
que ajudaram a desequilibrar quando viviam. “Suas riquezas materiais se trans-
formaram em grandes pesos que um grupo deve empurrar contra o outro, pois
suas atitudes em relação à riqueza foram opostas.” [Musa 95]
7.4 Os pecados contra a fortuna: A avareza, segundo descrição de Santo Agosti-
nho, é a tendência em acumular e valorizar excessivamente coisas materiais.
Outros a definem como a posse individual de coisas que a pessoa não precisa,
ou que não precisaria ter só para si. Nesses termos, a avareza não se refere ape-
nas a dinheiro ou bens, mas também ao conhecimento e à glória. [Longfellow
67] (de citação de Chaucer) Sendo a avareza um pecado onde se retém coisas
materiais, a prodigalidade é o seu oposto, mas sempre em excesso. Pune-se aqui
o desperdício, a gastança incontida, que, mesmo não prejudicando quem a pra-
Notas 20
tica (se for pessoa rica), prejudica o equilíbrio das riquezas na sociedade (a roda
da fortuna). Por exemplo, optar por pagar mais caro por um produto pode fa-
zer pouca diferença para uma pessoa de posses, dará maior lucro ao vendedor
e, numa escala maior, influenciará o mercado a praticar preços mais altos, pre-
judicando os que não podem pagar mais. A prodigalidade geralmente está asso-
ciada à ostentação, à necessidade de esbanjar riqueza, de impressionar, etc.
7.5 A roda da Fortuna: Comentário de Salvatore Viglio (Frei Cassiano): “O tema
da Fortuna não era novo. Os pagãos chegaram a endeusá-la e a dedicar-lhe
templos. Ela distribui os bens da terra rotativamente por não poderem perten-
cer todos a todos ao mesmo tempo. Dela dependem o alternar-se de miséria e
riqueza, de bem-estar e de penúria por que passam os indivíduos e as nações. É,
em outros termos, a Divina Providência que os pagãos chamam de Fortuna. A
sua existência explicaria assim o estado de miséria em que vivem freqüentemen-
te os sábios e os bons, destituídos de bens materiais, mas ricos, em compensa-
ção, dos tesouros da sabedoria e da virtude.” [Viglio 70]
7.6 “Cada esfera que brilha reflete sobre as outras”: refere-se às esferas do Pa-
raíso (os planetas, o sol, a lua e as estrelas). A Fortuna é comparada aos anjos
(que cuidam do movimento dos planetas).
Notas 21
7.7 O Rio Estige (Styx) é um dos rios do inferno clássico. Os outros são o Aque-
ronte, o Flegetonte, o Letes e o Cócito. O Estige é um rio pantanoso que cerca
a cidade de Dite (nota 8.2). É também o quinto círculo onde ficam submersos
os iracundos.
7.8 Os vencidos pela ira são amontoados no rio Estige juntos com seus seme-
lhantes que não conseguiram controlar a raiva. São submetidos assim aos efei-
tos da ira causados por seus semelhantes, e então se mordem, se batem e se tor-
turam. No fundo do Estige estão os rancorosos que, por nunca terem externa-
do sua ira, não podem subir à superfície e ficam a gorgolar a lama no fundo do
rio.
Notas 23
8 Personagens e símbolos do Canto VIII
8.1 Flégias (Phlegyas) era o rei dos Lapitas. Teve sua filha Coronis violada pelo
deus Apolo e, por isso, incendiou o templo de Apolo em Delfos como vingan-
ça. Por não conter a sua ira, foi condenado, no inferno clássico, a permanecer
logo abaixo de uma pedra enorme, pendente, sempre prestes a cair sobre ele.
[Longfellow 67]
8.2 A cidade de Dite (Dis) é a cidade dolente, habitada pelos hereges que duvida-
vam da sua existência. Serve de divisão entre os pecados cometidos sem inten-
ção (culpa) e os pecados cometidos conscientemente (dolo).
8.3 Filippo Argenti é conhecido apenas das obras de Dante e do Decamerão, de
Boccaccio. Teria sido um guelfo muito rico, forte e orgulhoso, mas de pavio
curto. A menor provocação era respondida de forma explosiva e irada. Prova-
velmente era um guelfo da facção dos Neri e que teve algum desentendimento
sério com Dante.
Notas 25
9 Personagens e símbolos do Canto IX
9.1 Proserpina (Perséfone): Filha de Zeus e de Demeter (deusa da agricultura) na
mitologia grega. Foi raptada por Pluto (Hades) e se tornou rainha do mundo
subterrâneo.
9.2 Medusa: é uma das três górgonas – horrendos monstros da mitologia grega
que se assemelhavam a dragões, cobertos de escamas douradas e tendo serpen-
tes no lugar dos cabelos. Tinham asas enormes e rostos arredondados e feios,
com a língua sempre de fora mostrando os dentes afiados. Olhar para uma gór-
gona transformaria a pessoa em pedra. Medusa era a única das três górgonas
que não era imortal. [Encarta 97]
9.3 Erínias (Fúrias): são divindades do inferno segundo a mitologia grega e ro-
mana. Obedecem a Hades (Pluto) e a Perséfone (Proserpina).
Notas 26
9.4 Teseu: foi um grande herói de Atenas, conhecido por várias façanhas, entre
elas, aquela em que matou o Minotauro (12.1) de Creta e escapou do labirinto
com a ajuda de Ariadne, filha de Minós (5.2). Teseu também fez uma viagem ao
inferno (Hades) com Piritous – rei de Lapitas, para ajudá-lo a raptar Proserpina.
Pluto (7.1) matou Piritous e manteve Teseu como prisioneiro, mantendo-o sen-
tado no trono do esquecimento. Hércules (25.3) desceu ao inferno para salvar
Teseu e arrastou Cérbero para fora do mundo subterrâneo, arrancando toda a
pele em volta de seu pescoço.
Notas 27
9.5 Cidade dos hereges: Dite, como cidade dos mortos, contém um cemitério que
abriga vários grupos hereges, entre eles, aqueles que não acreditaram na sua
existência, como os seguidores das doutrinas de Epicuro, que negava a sobrevi-
vência da alma após a morte corporal.
Notas 30
10 Personagens e símbolos do Canto X
10.1 Epicuro (341-270): filósofo grego que ensinou em Samos e Atenas. Sua filoso-
fia materialista defende que todas as coisas são formadas por átomos cujas
combinações dão ao mundo sua estrutura particular. A moral de Epicuro – di-
ferentemente da reputação que adquiriu junto à igreja – recomenda gozar os
bens materiais e espirituais com ponderação e medida, de forma que seja possí-
vel perceber o que neles há de melhor. O Epicurismo na opinião da Igreja era
uma heresia, pois considerando todas as coisas materiais, negava a existência da
alma e da vida após a morte. [Larrousse 98]
10.2 Farinata degli Uberti foi um dos mais importantes líderes dos guibelinos em
Florença. Participou da sangrenta batalha de Montaperti (nota 10.6), onde os
guibelinos massacraram os guelfos (partido da família de Dante) e retomaram o
poder em Florença. Levantou-se, depois, contra a maioria dos seus aliados
quando eles propuseram destruir a cidade, pouco após a retomada da cidade. O
discurso de Farinata convenceu os guibelinos que desistiram do projeto. Apesar
de ter pontos de vista diferentes dos de Dante, este o respeita por suas atitudes
apartidárias em favor da população de Florença.
10.3 Guido Cavalcanti era poeta e amigo íntimo de Dante e, como seu pai, era in-
crédulo, por isso é esperado por ele entre os hereges.
10.4 Cavalcante di Cavalcanti pai de Guido Cavalcanti, pertencente a influente
família guelfa. Dante menciona que seu filho não apreciava a poesia de seu guia,
Virgílio. Cavalcante entende o verbo no passado como indicação que seu filho
não mais vivia, o que era falso. Cavalcante é incapaz de saber o que ocorre no
presente.
Notas 31
10.5 A profecia de Farinata refere-se ao exílio de Dante que acontecerá em menos
de 50 meses, ou 4 anos (1304).
10.6 A Batalha de Montaperti (monte da morte): Uma das mais sangrentas bata-
lhas de toda a história ocorreu quando o exército de Siena – cidade governada pe-
los guibelinos, enfrentou o exército de Florença – governada pelos guelfos. Do
lado de Siena estava o guibelino florentino Farinata degli Uberti que estava exila-
do e pretendia recuperar o poder em Florença. A batalha durou do amanhecer ao
por do sol do dia 4 de setembro de 1260. O exército guelfo era muito mais nume-
roso que o dos guibelinos mas estes eram mais agressivos. Um momento decisivo
da luta ocorreu quando o guelfo florentino Bocca degli Abati traiu o seu próprio
exército e junto com seus aliados, que esperavam o momento certo para atacar,
voltaram-se contra os guelfos e deram uma vitória fácil aos guibelinos. Mas os
guibelinos não ficaram satisfeitos. Foram atrás dos guelfos em fuga e os mataram
cruelmente, mesmo aqueles que já haviam se rendido. O resultado foi um saldo
de mais de 10 mil mortos que banhou o rio Arbia de sangue. [HistoryNet]
Notas 32
10.7 Frederico II foi rei da Sicília e Imperador do Sagrado Império Romano (1215-
1250). Foi excomungado duas vezes: primeiro pelo papa Gregório IX, e depois
pelo seu sucessor, o papa Inocêncio IV. Grande incentivador da cultura. A sua
corte na Sicília foi chamada por Dante de berço da poesia Italiana.
10.8 Cardeal Ottaviano degli Ubaldini era conhecido por apreciar os valores
mundanos e ser amigo dos guibelinos (partido que rejeitava a autoridade da
Igreja em favor da monarquia imperial).
Notas 33
11 Personagens e símbolos do Canto XI
11.1 O papa Anastácio II (496 d.C.) acolheu em Roma o diácono Fotino e foi
com ele acusado de heresia [Mauro 98]. Fotino era diácono de Tessalônica e foi
culpado de heresia por dizer que o Espírito Santo não procedia do Pai e que o
Pai era maior que o Filho.
11.2 Círculo da violência: Enquanto nos círculos da incontinência são punidos os
pecados da culpa causada pela falta de auto-controle, nos círculos da violência
são punidos os pecados dolosos, ou seja, que foram cometidos de forma cons-
ciente e por vontade do pecador, que teve que agir de alguma forma para esco-
lher o mal. A violência é uma característica bestial do ser humano. Os seres mi-
tológicos que habitam este círculo são seres meio humanos e meio animais
como os centauros, o Minotauro e as Hárpias.
11.3 Círculo da fraude (fraude simples): A fraude é uma característica humana, pois
exige o uso do intelecto. O pecador, portanto, não só procurou o mal por von-
tade própria como o planejou, premeditou o seu ato na sua mente antes de exe-
cutá-lo. Os seres mitológicos que habitam o oitavo círculo mentem, enganam e
trapaceiam. São demônios.
Notas 34
11.4 Círculo da traição (fraude complexa): A traição é o pior dos crimes. É o mal
planejado e executado contra uma pessoa desarmada e indefesa que assim se en-
contra por se sentir segura diante do agressor, no qual confia. Este pecado é re-
presentado por Lúcifer, que traiu a Deus. O próprio Lúcifer se encontra no cen-
tro da terra, no nono círculo onde tortura eternamente os traidores humanos.
11.5 A justiça infernal: respeita a filosofia de Aristóteles que afirma, no início do
livro VII da obra Ética a Nicômaco: “deve ser observado que há três aspectos das
coisas que devem ser evitados nos modos: a malícia, a incontinência e a bestia-
lidade.” A alma incontinente tem culpa, mas a culpa é menos grave que o dolo, a
vontade de pecar. Esta vontade, quando surge de ocasião, como manifestação da
natureza animal é ainda menos grave que aquele pecado que é cometido de
forma arquitetada, premeditada, usando a inteligência própria do ser humano a
serviço do mal. Ainda assim, é menos grave um indivíduo arquitetar e executar
um crime contra um desconhecido, que pode se defender de um estranho que o
ameaça, que ele fazer o mesmo com alguém que confia nele, e por isto está inde-
feso e desarmado. A traição, portanto, recebe a justa punição máxima, nas pro-
fundezas mais profundas do inferno. Mark Musa observa que a justiça do infer-
no é um sistema dual, que pode ser ilustrada da seguinte forma [Musa 95]:
11.6 Ética a Nicômaco: obra de Aristóteles. Virgílio a chama de “sua Ética” por-
que sabe que Dante a conhece bem. A Ética foi comentada por Tomás de
Aquino e tem influência na organização dos círculos do inferno. Veja nota 11.5.
11.7 Física: obra de Aristóteles. No livro II, capítulo 8, escreve “em geral a arte
humana ou completa o que a natureza é incapaz de fazer ou imita a natureza.”
11.8 O Gênese instrui o homem a tirar da natureza e de sua arte (trabalho) a sua so-
brevivência: “em fadiga comerás dela todos os dias da tua vida. Ela produzirá
também espinhos e comerás as ervas do campo. Do suor do teu rosto comerás
o teu pão, até que tornes à terra, porque dela foste tomado; pois és pó, e ao pó
tornarás.” (Genesis 3:17-19)
11.9 Cronologia: já é madrugada do sábado de aleluia, segundo Virgílio.
Pecados de incontinência (círculos 2 a 5)
malícia através da violência (círculo 7) através da fraude (círculos 8 e 9)
Notas 36
12 Personagens e símbolos do Canto XII
12.1 O Minotauro: Monstro mitológico com corpo de homem e cabeça de touro.
Nasceu da recusa do rei Minós (5.2) em sacrificar um touro enviado por Netu-
no, o que motivou o deus a fazer com que a esposa de Minós se apaixonasse
pelo touro e com ele tivesse um filho, que foi o Minotauro. Depois do seu nas-
cimento, o Minotauro foi aprisionado em um labirinto criado por Dédalo. O
labirinto era tão complexo que ninguém jamais conseguira escapar dele e, per-
dido, sempre acabava devorado pelo Minotauro. O herói grego Teseu (9.4) en-
trou no labirinto com um carretel de linha oferecido por Ariadne, filha de Mi-
nós, conseguiu matar o Minotauro e escapar com vida.
Notas 37
12.2 O rio Flegetonte (Phlegethon) é o rio de sangue fervente que tortura os pe-
cadores que foram violentos contra os seus semelhantes. Na mitologia grega é
um rio de fogo. Dante só revela o nome deste rio de sangue mais adiante.
12.3 Centauros: Monstros mitológicos que tinham o corpo de cavalo da cintura pa-
ra baixo e de homem da cintura para cima. Os centauros se destacavam por sua
natureza selvagem e violenta. A única exceção era o centauro Quirón.
12.4 Quirón foi o mais sábio dos centauros. Diferentemente dos outros da sua es-
pécie, Quirón não agia de forma selvagem e era conhecido por sua sabedoria e
bondade. Educou vários heróis gregos, entre eles Aquiles (5.8) e Jasão (18.4).
12.5 Os violentos contra o próximo: Como o Minotauro e os centauros que divi-
dem sua natureza animal com a sua natureza humana, os pecadores mergulha-
dos no rio Flegetonte mantém imersa sua parte animal – bestial e violenta, no
rio de sangue daqueles que oprimiram. Quanto mais grave o crime, maior a par-
te imersa. Os assaltantes, dentro do rio, são indistinguíveis dos centauros, pois
têm apenas o peito de fora. São punidos por terem praticado violência contra
os bens de suas vítimas. Os homicidas só mantém fora a cabeça. Tiraram a vida
de suas vítimas. Os tiranos só mantém acima da superfície suas sobrancelhas.
Eles atentaram contra a vida e contra os bens de suas vítimas.
Notas 38
12.6 Nesso: Centauro que, ao morrer ferido por Hércules (25.3), disse à sua esposa
Dejanira que seu sangue era um poderoso afrodisíaco. Dejanira então banhou
uma túnica no sangue de Nesso e a deu para Hércules vestir. O sangue revelou-
se um veneno e levou Hércules a morte.
12.7 Alexandre é provavelmente o tirano de Pherae (368-359 a.C), contemporâneo
de Dionísio, cuja crueldade extrema fora relatada nas obras de Cícero.
12.8 Dionísio (430-360 a.C.): foi tirano de Siracusa, Sicilia. Venceu várias guerras
contra Cartago e tornou Siracusa a cidade mais poderosa da Itália grega. Dioní-
sio era conhecido por patrocinar o teatro. Era também ator e freqüentemente
atuava nos festivais dramáticos de Atenas. [Encarta 97]
12.9 Azzolino: foi tirano da cidade de Pádua.
12.10 Obizzo d'Este: foi tirano da cidade de Ferrara.
12.11 Guy de Montfort: Em 1272, durante a missa numa igreja de Viterbo, Guy de
Montfort apunhalou e matou o príncipe Henrique, filho de Ricardo da Cornua-
lha, como forma de vingar a morte de seu pai, vítima do rei Eduardo I. De a-
cordo com Giovanni Villani, o coração de Henrique foi colocado numa taça de
ouro sobre uma coluna central da torre de Londres, onde até hoje o sangue
pinga sobre o Tâmisa. [Musa 95]
12.12 Átila, o Huno (406-453): chamado de flagelo de Deus, era rei dos Hunos. Invadiu
a Europa deixando um rastro de destruição e morte. Devastou o norte da Itália
mas morreu antes que pudesse invadir Roma.
12.13 Pirro: Segundo alguns comentaristas é o rei de Epiro, que venceu os romanos
três vezes entre 280 e 276 a.C.[Musa 95] Para outros é o filho de Aquiles. [Mau-
ro 98]
12.14 Sexto: o filho mais novo de Pompeu, segundo a maioria dos comentaristas.
Outros acreditam que seja Sexto Tarquinio Superbo que estuprou e causou a
morte de Lucrécia, a esposa de seu primo. [Musa 95]
12.15 Rinier da Corneto e Rinier Pazzo: foram famosos salteadores nas estradas da
Toscana. [Mauro 98]
Notas 40
Personagens e símbolos do Canto XIII
13.1 Os violentos contra si próprios são aqueles que tiraram a sua própria vida (os
suicidas) e os pródigos (gastadores) que gastaram tanto (por vontade de gastar)
que terminaram na miséria (os viciados em jogo, por exemplo). O que diferen-
cia estes gastadores daqueles gastadores incontinentes do quarto círculo (Canto
VII) é que estes sabiam que iriam terminar pobres e miseráveis e mesmo assim,
decidiram continuar gastando até alcançar seu objetivo, que se caracteriza como
uma violência contra si próprios. Os primeiros, embora não se tenham se con-
trolado, não chegaram a se auto-destruir.
13.2 As Hárpias são seres da mitologia grega caracterizados por possuírem corpo,
asas e garras de ave de rapina com cabeça de mulher. Elas podiam voar à velo-
cidade do vento. Freqüentemente raptavam humanos e os levavam ao inferno.
13.3 Frederico II: veja nota 10.7.
13.4 Primeiro suicida – Pier della Vigna era ministro que ocupava um cargo de
alta confiança na corte do imperador Frederico II (10.7). Foi acusado de traição
ao aliar-se ao papa (Inocêncio IV) e tramar a morte de Frederico, sendo por es-
sas acusações, condenado à morte. Antes, porém, Pier cometeu suicídio. Ele
alega que foi vítima de uma armação e que sua acusação era injusta. Dante acre-
dita em Pier pois do contrário não o teria colocado entre os suicidas mas entre
os traidores, no nono círculo.
Notas 41
13.5 Lano (Ercolano Maconi) era, de acordo com os comentários de Boccaccio,
um jovem muito rico de Siena que pertencia a um clube chamado Clube dos Gas-
tadores. Chegou a consumir tudo o que tinha e se tornou muito pobre. Alistou-
se, depois, às tropas florentinas contra os aretinos. Durante a batalha de Toppo,
procurou fugir, dando de cara com o exército inimigo que o matou.
13.6 Cadelas famintas: “Alguns comentaristas interpretam esses cães como a pobre-
za e o desespero, ainda perseguindo suas vítimas depois da morte. O Ottimo Co-
mento os interpreta como homens pobres que, abandonando suas famílias e lares
para servir a pessoas que arruinaram suas vidas, foram transformadas em cães
caçadores e agora passam a eternidade perseguindo seus mestres.” [Longfellow
67].
13.7 Giacomo de Santo Andrea era um paduano e tinha uma vida de gastança
como a de Lano. “O Ottimo Comento afirma que, desejando observar um grandi-
oso e belo fogo, mandou atear fogo em uma de suas fazendas.” [Longfellow
67]. Giácomo é o pecador que é perseguido e dilacerado pelas cadelas, arran-
cando, na fuga, vários galhos do suicida que lamenta e chora de dor.
13.8 Segundo suicida: Este suicida não foi identificado por nenhum dos comenta-
ristas da obra de Dante. Ele reclama de Giácomo de Santo Andrea (13.7) por
este ter provocado mais sofrimento e dor ao arrancar seus galhos.
13.9 João Batista é padroeiro da cidade de Florença.
Notas 43
14 Personagens e símbolos do Canto XIV
14.1 Os violentos contra Deus, a Natureza e a Arte são torturados em um deser-
to. O areão é o oposto da arte e da natureza do mundo criado por Deus. Estéril
e sem vida, é atravessado por rios de sangue e vive sob uma permanente chuva
de brasas. Os pecadores vivem num mundo sem cor, sem conforto e sem espe-
rança. É o mundo que desejaram ter quando, em vida, rejeitaram tudo o que
Deus, a Natureza e a Arte lhes ofereceu, preferindo dar maior valor às coisas
materiais.
14.2 O deserto incandescente é o contrapasso de quem rejeita a natureza, as suas leis
(leis de Deus) e a criação (a arte). A areia é quente e uma chuva de brasas assola
o lugar eternamente. Segundo [Sayers 49], a imagem do areão e a chuva de bra-
sas é um reflexo do destino de Sodoma e Gomorra (Gênese, 19:24).
14.3 Os blasfemos (contra Deus) são os que ofenderam a Deus com calúnias ul-
trajantes e não tiveram a humildade de o respeitarem como Criador. Sofrem
deitados no areão. Não podendo se levantar, são “condecorados” com brasas
que se acumulam nos seus peitos em homenagem ao seu orgulho e vaidade.
14.4 Os sodomitas (contra a Natureza) são os que ofendem a Deus por agir con-
tra a ordem da Natureza criada por Ele, pecando por sodomia (pederastia, coito
anal). Tostados pelas brasas, correm sem nunca poder parar sobre o areão in-
candescente. Segundo [Sayers 49], o seu estado de correr sem destino pelo are-
ão pode ser uma representação, em um nível mais baixo, da punição dos luxu-
riosos do segundo círculo.
14.5 Os usurários (contra a Arte) são os que ofendem a Deus por rejeitar o poder
de criação, a arte, valorizando antes de tudo o status social, as aparências, os tí-
tulos de nobreza e outros valores materiais como o dinheiro, em detrimento
dos valores eternos. Na interpretação de Dorothy Sayers: “A Arte (criação e o
trabalho do homem) e a Natureza (criação de Deus que inclui o homem) são as
únicas verdadeiras riquezas. A compra e venda do dinheiro como se fosse uma
mercadoria (agiotagem, usura) produz apenas uma riqueza espúria, e resulta em
danos à terra (Natureza) e à exploração do trabalho (Arte). Como a Arte deriva
da Natureza e a Natureza deriva de Deus, a usura é vista como uma ofensa a
Deus.” [Sayers 49]
Notas 44
14.6 Capâneo foi um dos sete reis que assediaram Tebas. Simboliza os blasfemos,
que ignoram ou amaldiçoam a Deus. Orgulhoso, não temia a coisa alguma e nu-
tria grande despeito por quaisquer leis que não fossem as suas. Enquanto esca-
lava as paredes de Tebas, amaldiçoou Júpiter, que o matou com um raio.
14.7 O velho da ilha de Creta: A figura do velho de Creta é tirada da Bíblia (Daniel
2:32-35) e aparece em sonho do rei Nabucodonosor. A interpretação, porém, é
diferente. No primeiro livro de Metamorfoses, Ovídio utiliza o ouro, prata, bronze
e ferro para descrever as quatro eras do homem, e esta alegoria provavelmente
se aproxima mais daquela pretendida por Dante. Segundo a interpretação do
tradutor Mark Musa, a cabeça de ouro representa a idade dourada do homem
(antes da expulsão do paraíso). É a única parte da estátua que não está podre.
Os braços e peito de prata, o peito de bronze e as pernas de ferro representam
as três eras da decadência do homem. O pé de ferro pode simbolizar o Império
e o pé de argila, a Igreja, enfraquecida pelas disputas políticas.[Musa 95] A está-
tua fica no meio do oceano e tem as costas viradas para o mundo antigo, pagão
(Damieta, um importante porto egípcio) e a frente virada para o mundo mo-
derno, cristão (Roma).
14.8 O rio Letes: localiza-se, de acordo com a mitologia clássica, no inferno (Ha-
des). Era onde os mortos se banhavam e esqueciam sua existência anterior. Na
Comédia de Dante, Letes é um rio do purgatório onde as almas penitentes se ba-
nham e se purificam para que possam ter acesso ao Paraíso. Letes também é o
córrego que flui através da gruta que Virgílio e Dante atravessam para chegar
do inferno ao purgatório (Canto XXXIV).
Notas 46
15 Personagens e símbolos do Canto XV
15.1 Brunetto Latini foi mestre muito querido e amigo íntimo de Dante. Era filó-
sofo e mestre da retórica. Comentou a retórica de Túlio e é autor de várias o-
bras, entre elas uma chamada de Tesouro, escrita em francês durante seu exílio
em Paris. Segundo o comentador Villani, era um homem mundano, porém,
empenhou-se em ensinar aos florentinos artes refinadas. Escrevendo princi-
palmente em italiano (em vez de latim, a língua culta), ensinou princípios bási-
cos de ética e política, sempre prezando pela qualidade da língua italiana, mos-
trando as formas corretas de falar e escrever.
15.2 As previsões de Brunetto referem-se à acontecimentos posteriores à tomada
de Florença pelos facção dos Neri e o exílio de Dante. Fala que Dante será pro-
curado pelos guibelinos e pelos guelfos de Florença que desejam aliar-se a eles.
15.3 O outro texto que Dante menciona na sua conversa com Brunetto são as pre-
visões de Ciacco (6.8) e Farinata (10.5).
15.4 Prisciano foi gramático de Constantinopla (século VI).
15.5 Francesco d'Accorso foi um grande jurista e professor da universidade de Bo-
lonha no século XIII, conhecido por seus comentários sobre o código justinia-
no.
Notas 47
16 Personagens e símbolos do Canto XVI
16.1 Guido Guerra foi um líder guelfo que participou de diversas batalhas. Como
Tegghiaio (veja abaixo), aconselhou os guelfos florentinos a não engajarem na
guerra contra Siena em 1260.
16.2 Tegghiaio Aldobrandi foi um distinto cidadão de Florença que assumiu posi-
ção contrária ao conselho da cidade que havia decidido declarar guerra contra
Siena. A guerra resultou na sangrenta batalha de Montaperti (10.6) na qual os
florentinos foram derrotados. [Longfellow 67]
16.3 Jacopo Rusticucci: foi um nobre florentino muito rico cuja maior desgraça foi
ter se casado com uma mulher de caráter insuportável, que teria sido a causa do
seu desvio. [Longfellow 67] e [Mauro 98]
Notas 48
16.4 Guglielmo Borsiere: pouco se sabe deste personagem. Segundo os antigos
comentaristas, era um fabricante de bolsas que deixou seu trabalho e passou a
dedicar-se a atividades sociais, arranjando casamentos, intermediando tratados
de paz e alianças entre famílias nobres, etc. Era uma pessoa prestativa e respei-
tada pela sociedade florentina. [Sayers 49] Como Dante o coloca entre os so-
domitas, provavelmente também era conhecido por suas preferências sexuais.
Notas 51
17 Personagens e símbolos do Canto XVII
17.1 Gerión foi, na mitologia clássica, o rei da Espanha. Vivia na Eritréia onde foi
morto por Hércules. Se assemelhava a um ancião, mas, quando visto com aten-
ção, sua forma real e terrível se tornava evidente. Outros poetas normalmente o
retratam como uma criatura de três corpos e três cabeças que representavam as
ilhas de Majorca, Minorca e Ivica. [Longfellow 67] Dante o representa como
uma criatura de três naturezas: cabeça de homem, tronco e garras de fera, corpo
e cauda de serpente. O rosto de pessoa boa e honesta que esconde sua verda-
deira natureza terrível qualifica Gerión como a personificação da fraude, que é
punida nos círculos restantes.
Notas 52
17.2 Italianos usurários: Representam as famílias Gianfigliacci e Ubbriachi, de Flo-
rença e Scrovigni, de Pádua, de acordo com os brasões que ostentam em suas
bolsas [Longfellow 67]. São usurários, apegados aos valores materiais (títulos de
nobreza) que valorizam mais que qualquer coisa. Diz Dante no Canto XI, linha
109 “mas o usurário, que outro rumo tem / a própria natureza e a sua sequaz
despreza / porque alhures põe seu bem.” Tradução de Italo Eugenio Mauro
[Mauro 98].
Notas 54
Personagens e símbolos do Canto XVIII
18.1 Malebolge (bolsas ou valas malditas): O oitavo círculo do inferno é dividido
em 10 vales (bolsas) circulares. Dentro de cada vala é punida uma modalidade
de fraude. É possível atravessar as valas através das pontes de pedra que interli-
gam os rochedos que as isolam. As beiras de cada vala são mais baixas no inte-
rior do círculo que no seu exterior, pois cada vala está num plano mais baixo
que o outro. Depois da décima vala, há mais um rochedo e em seguida há um
grande fosso que leva ao nono e último círculo.
18.2 Sedutores e rufiões são aqueles que exploraram deliberadamente as paixões
dos outros, os controlando e usando-os para servir a interesses próprios. Na
primeira vala do Malebolge, são eles que são levados, na base do chicote, à
cumprir o desejo dos diabos. [Sayers 49]
18.3 Venedico Caccianemico era chefe dos guelfos de Bolonha e foi várias vezes
governador de Pistóia, Modena, Ímola e Milão. Ele era acusado, entre outras
coisas, de ter assassinado o seu próprio primo. Ele se encontra nesta vala por-
que ele entregou a sua própria irmã ao marquês de Este (ou Obizzo ou seu fi-
lho) em troca de favores. [Musa 95]
Notas 55
18.4 Jasão era príncipe da Grécia, na mitologia grega (Argonautica de Apolônio de
Rodes). Quando seu tio tomou o trono de seu pai, Jasão era criança e foi envia-
do para longe. Atingindo a idade adulta, Jasão voltou para reivindicar o seu di-
reito ao trono. Seu tio consentiu em entregar-lhe o reino da Grécia desde que
Jasão encontrasse e trouxesse até ele o Velocino (lã) de Ouro, que era direito de
sua família. Jasão aceitou o desafio. Reuniu uma tripulação de heróis valentes
que lhe acompanharam, no navio Argo, por viagens fantásticas nos mares des-
conhecidos. Finalmente, chegou ao país onde reinava o rei Aetes que mantinha
o velocino. O rei concordou em entregar-lhe o velocino desde que ele realizasse
proezas ainda mais difíceis, senão impossíveis. Jasão conseguiu realizá-las com a
ajuda de Medéia, a filha do rei que se apaixonara por ele. Ela fez encantos que
tornaram Jasão invencível nas suas batalhas e o ajudou a roubar o velocino ao
enfeitiçar o dragão que o guardava. Em retribuição, Jasão prometeu casar-se
com ela logo que chegassem com segurança à Grécia. Quando chegaram, Jasão
descobriu que seu tio havia provocado a morte de seus pais. Com nova ajuda de
Medéia, Jasão pôde vingar a morte deles. Os dois foram depois a Corinto, onde
tiveram dois filhos. Em vez de se sentir grato a Medéia por tudo o que ela fez
por ela, Jasão abandonou-a e casou-se com a filha do rei de Corinto. Sofre na
primeira vala do Malebolge, segundo Virgílio, por ter seduzido e abandonado
Ísfile, filha do rei de Lemnos. Medéia, porém, também é vingada.
18.5 Aduladores e lisonjeadores são os que exploram os outros ao tirar proveito
de seus medos e desejos. Sua arma é o uso fraudulento da linguagem, através de
raciocínios falsos, que destrói a comunicação entre as mentes. No Malebolge e-
les estão imersos na merda que deixaram no mundo. “Dante não viveu para ver
o desenvolvimento completo da propaganda política, da propaganda comercial
e do jornalismo sensacionalista, mas deixou um lugar preparado para eles.” [Sa-
yers 49]
18.6 Alessio Interminei de Luca era membro dos guelfos brancos de Lucca.
18.7 Taís personagem literária da peça O Eunuco do poeta romano Terêncio.
Notas 57
Personagens e símbolos do Canto XIX
19.1 Simoníacos são os traficantes de coisas divinas. O nome origina-se de Simão,
o mago, mencionado no livro de Atos, capítulo 8: “Simão, vendo que pela im-
posição das mãos dos apóstolos era dado o Espírito Santo, ofereceu-lhes di-
nheiro, dizendo: Dai-me também esse poder, para que aquele sobre quem eu
puser as mãos receba o Espírito Santo” (vs. 18, 19 - trad. João Ferreira de Al-
meida). Simão tentou comprar dos apóstolos o poder do Espírito Santo e por
isso seu nome está associado com o tráfego de coisas divinas. “A pena de se en-
terrar vivo com a cabeça enterrada e os pés para o ar era a punição desumana
aplicada aos assassinos de aluguel, de acordo com a justiça e leis municipais de
Florença, segundo o Ottimo Comento.” [Longfellow 67] Os buracos se asseme-
lham a fontes de batismo. Os simoníacos, que perverteram a igreja, são ‘batiza-
dos’ ao contrário, com óleo o fogo, aplicado aos pés. Vários condenados ocu-
pam o mesmo buraco onde são empilhados, de cabeça para baixo, ficando ape-
nas o mais recente com as pernas de fora.
19.2 O papa Bonifácio VIII tornou-se papa em 1294 ao persuadir o seu antecessor
Celestino V a renunciar. Além dos desentendimentos com os italianos, o papa
Bonifácio ficou conhecido principalmente devido aos seus constantes confron-
tos com o rei Filipe IV (o belo) da França. Várias vezes o papa se desentendeu
com os priores de Florença, entre os quais, Dante, tendo por fim conseguido
provocar a sua expulsão da cidade.
19.3 O filho da Ursa é o papa Nicolau III, da família Orsini. foi um papa (eleito
em 1277) em cujo mandato a simonia era praticada abertamente. Ele se valeu
do cargo para enriquecer e distribuir favores a toda a sua família. [Mauro 98]
19.4 O protegido da França é o papa Clemente V que era francês e foi eleito em
1305 sob a influência do rei Felipe IV (o belo) da França. Ele transferiu a sede
do papado para Avignon onde ela permaneceu por 71 anos.
Notas 59
Personagens e símbolos do Canto XX
20.1 Os adivinhos têm a cabeça torcida de forma que não conseguem olhar para a
frente. É o contrapasso por alegar saber o futuro que só a Deus pertence.
20.2 Tirésias foi um famoso vidente de Tebas. Era cego. De acordo com a mitolo-
gia grega (Ovídio, Metamorfoses), Tirésias separou duas serpentes que estavam
unidas e assim se transformou em mulher. Sete anos mais tarde, encontrou as
mesmas duas serpentes, atingiu-as novamente e voltou a ser homem. Um certo
dia, Júpiter e Juno perguntaram a Tirésias, que teve a oportunidade de pertencer
aos dois sexos, qual foi o que ele gostou mais. Quando ele respondeu “mulher”,
Juno o deixou cego. Júpiter, para compensar o dano, o deu-lhe o dom de profe-
tizar o futuro. Sua profecia mais famosa foi proferida na peça Édipo Rei de Só-
focles, onde previu que o príncipe Édipo mataria o pai e se casaria com sua
própria mãe.
20.3 Anfiarau era vidente e um dos sete reis que liderou a expedição contra Tebas,
junto com Capâneo. Ele previu a sua própria morte durante a batalha e, para
fugir do destino, se escondeu para que não precisasse lutar. Sua esposa, porém,
revelou o seu esconderijo aos outros e ele teve que ir a luta. A sua morte che-
gou quando a terra se abriu e o engoliu. [Musa 95]
20.4 Manto era filha de Tirésias. Fugiu de Tebas após a morte de seu pai e se esta-
beleceu na Itália fundando uma cidade que posteriormente recebeu o nome de
Mântua, terra natal de Virgílio (Eneida X, 198-200).
20.5 Aronta (Aruns) previu a guerra civil romana e seu desfecho (Lucano, Pharsalia).
[Musa 95]
20.6 Mântua: no poema original, depois de apontar a vidente Manto, Virgílio faz
uma longa descrição da história da cidade onde nasceu (versos 57 a 99), narran-
do detalhes da geografia da planície banhada pelo rio Pó (a descrição foi omiti-
da desta versão condensada). A fundação de Mântua é mencionada na Eneida
X: 198-200 [Sayers 49]
Notas 60
20.7 Eurípiles foi um soldado enviado a Delfos para consultar as previsões de Apo-
lo sobre o melhor momento para a partida das naus gregas em direção a Tróia
(Eneida II, 114-119).
20.8 Michael Scott foi um filósofo escocês ligado à corte de Frederico II em Pa-
lermo. Era conhecido como mágico e astrólogo (Boccaccio, Decamerão VIII, 9).
[Musa 95]. Ele havia previsto que sua morte viria com a queda de uma pequena
pedra na sua cabeça. Para se prevenir, Michael sempre usava um capacete de
aço sobre seu capuz. Ao entrar, um dia, numa igreja durante a festa de Corpus
Domini, ele tirou o capuz em sinal de respeito (não a Cristo, no qual ele não
acreditava, mas com a intenção de ganhar popularidade entre as pessoas sim-
ples) e uma pedra caiu do teto da igreja atingindo sua cabeça desprotegida e o
matou. [Longfellow 67].
20.9 Guido Bonatti era astrólogo de Frederico II.
20.10 Asdente ex-sapateiro, era um conhecido astrólogo e vidente de Parma.
20.11 Cronologia: o dia já amanhece (7 horas da manhã) no sábado de aleluia, se-
gundo a descrição de Virgílio.
Notas 61
21 Personagens e símbolos do Canto XXI
21.1 Corruptos (barateiros): São os acusados de barataria (ação de dar tendo em vis-
ta um benefício pessoal), como os juizes que recebem propinas para alterar seu
julgamento ou políticos que só defendem os interesses de seus representantes
em troca de favores. “Os corruptos são para a cidade o que os simoníacos são
para a igreja. Eles tiram proveito da confiança que a sociedade deposita neles; e
o que vendem é justiça. Assim como os simoníacos eram enterrados na pedra
fervente, estes são submersos na pez fervente, pois suas negociatas eram secre-
tas.” [Sayers 49]
21.2 Santa Zita: Padroeira da cidade de Luca. Lá, os magistrados eram chamados de
anciãos (em Florença, por exemplo, eram chamados de priores).
21.3 Bonturo Dati era conhecido como o mais corrupto dos anciãos de Santa Zita.
Quando o demônio diz que todos são trapaceiros com exceção de Bonturo, ele
está falando com ironia, pois Bonturo distribuía empregos e cargos a quem o
apoiava, assim como excluía quem não lhe agradasse. [Longfellow 67]
21.4 Malebranche é o nome da legião de demônios que guarda a vala dos corrup-
tos. Malebranche significa literalmente “malvadas garras”.
Notas 63
21.5 Cronologia: há 1266 anos (1300 – 1266) Cristo era crucificado e descia ao in-
ferno. Na ocasião houve um grande terremoto que derrubou a ponte sobre a
sexta vala e causou o deslizamento de terra entre o sexto e sétimo círculos (Can-
to XII). A descida ao inferno teria ocorrido na nona hora (depois do nascer do
sol), o que corresponde às três horas da tarde, portanto, são aproximadamente
dez horas da manhã de sábado.
21.6 Os demônios: Significado literal dos nomes:
Malacoda – malvada cauda
Calcabrina – pisa neve
Alichino – asa baixa
Cagnazzo – focinho de cão
Barbariccia – barba crespa
Libicocco – libiano
Draghignazzo – dragão feio
Graffiacane – esfola-cães
Ciriatto – porcalhão
Farfarello – duende
Rubicante – vermelhaço
Fonte: [Pinheiro 60]
Notas 65
22 Personagens e símbolos do Canto XXII
22.1 Frei Gomita era um frade da Sardenha, chanceler de Nino Visconti, governa-
dor de Pisa. Se aproveitando de seu status social e da boa fé de Nino, que igno-
rava as acusações contra ele, frei Gomita se envolveu com a venda de cargos
públicos. Quando Nino descobriu, porém, que o frade havia aceitado propina
em troca da libertação de prisioneiros, ele mandou enforcá-lo. [Musa 95]
22.2 Dom Michel Zanche: Acredita-se que tenha sido governador de um dos dis-
tritos da Sardenha. Após a morte do rei da Sardenha, Dom Michel utilizou re-
cursos fraudulentos para conquistar a viúva do rei. [Longfellow 67]
Notas 68
Personagens e símbolos do Canto XXIII
23.1 Os hipócritas aparecem vestidos de uma roupa brilhante, visualmente atraente,
porém pesada como chumbo. O contrapasso é o peso que não sentiram na cons-
ciência ao pregarem uma coisa e fazerem outra. No inferno, sentem finalmente
o pelo do seu falso brilho.
23.2 Os frades Gaudentes (frades alegres) eram os frades da ordem dos Cavaleiros
da Beata Santa Maria, criada pelo papa Urbano IV. Foram apelidados de frades
alegres por não se retirarem em conventos, como os frades de outras ordens, e
não estarem sujeitos a regras rigorosas, como o celibato. Eram dedicados à ma-
nutenção da paz entre as facções políticas que dividiam as famílias, protegendo
viúvas e órfãos. Dois frades gaudentes que atuavam em Florença, Catalano e
Loderingo, se desviaram de suas funções de pacificadores e tomaram partidos,
pensando mais em benefícios pessoais que sociais, e ganharam fama pela sua
hipocrisia. [Longfellow 67]
23.3 Catalano e Loderingo: Catalano di Malavolti e Loderingo di Liandolo eram
frades gaudentes de Bolonha e fundadores daquela ordem em Florença. Um era
guelfo, o outro guibelino e foram designados para manter a paz e administrar a
justiça de forma imparcial. Se aproveitando do poder que a sociedade depositou
neles, se afastaram dos seus objetivos sociais, buscando obter vantagens que fo-
ram prejudiciais principalmente aos guibelinos. [Longfellow 67]
Notas 69
23.4 O Fariseu é Caifás, o alto sacerdote dos Judeus, que propôs a morte de Cristo
ao defendê-la perante os outros, dizendo: “Vós nada sabeis! Vós não percebeis
que convém que um só homem morra pelo povo, e que não pereça toda a na-
ção.” (Evangelho de João 11:50)
Notas 72
Personagens e símbolos do Canto XXIV
24.1 Os ladrões recebem no inferno como contrapasso (retribuição) o roubo constan-
te de seus corpos por serpentes e outros répteis mutantes que os atravessam e
os desintegram, roubando seus traços humanos.
24.2 Vanni Fucci era filho ilegítimo de Fuccio de' Lazzari e militante ativo dos Neri
de Pistóia. Era conhecido como um homem violento e depravado, mas que ra-
ramente era punido pois pertencia a uma família nobre e influente. Tendo sido
banido de Pistóia por seus crimes, ele voltou à cidade na noite de Carnaval e
roubou as jóias da sacristia da igreja de San Giacomo. [Longfellow 67] Por a-
quele crime, um homem inocente (Rampino dei Foresi) foi preso, mas Vanni
Fucci, que já havia deixado a cidade, enviou uma nota denunciando o recepta-
dor, que foi preso e enforcado, enquanto Rampino foi libertado [Sayers 49].
24.3 Previsões de Vanni Fucci referem-se ao seguinte acontecimento histórico:
Em maio de 1301, os guelfos brancos (Bianchi) florentinos ajudaram os bran-
cos de Pistóia a combater os guelfos negros (Neri), que então se refugiaram em
Florença. Lá, eles se uniram ao partido negro de Florença e ajudaram a expulsar
os brancos da cidade, com o apoio de Carlos de Valois. [Sayers 49].
Notas 73
25 Personagens e símbolos do Canto XXV
25.1 Caco era um gigante que, na obra de Virgílio (Eneida), era considerado semi-
humano. Dante o retrata como um centauro, irmão dos centauros que guardam
o sétimo círculo. Era filho de Vulcano e vivia numa caverna sob o monte Aven-
tina. Foi morto por Hércules de quem roubou várias cabeças de gado. [Musa
95] [Sayers 49]
25.2 Vulcano é o deus do fogo, na mitologia grega.
25.3 Hércules foi um herói da mitologia grega conhecido pela sua força e coragem.
Filho de Júpiter com uma mortal, foi alvo do ciúme de Juno que enviou duas
enormes serpentes para matar o filho ilegítimo. Hércules, embora ainda um be-
bê, estrangulou as cobras. Quando jovem, Hércules matou um leão com suas
próprias mãos. Hércules se casou com uma princesa de Tebas e com ela teve
três filhos. Foi novamente vítima da ira de Juno que lhe fez perder o juízo e
matar toda a sua família. De remorso, Hércules teria se matado se não fosse o
oráculo de Delfos que disse que ele seria purgado aceitando ser o servo do rei
de Micenas. O rei, incitado por Juno, arquitetou como pena 12 tarefas, impos-
síveis para qualquer mortal. Entre elas estava trazer Cérbero (6.3) ao mundo
superior sem usar armas e o roubo do gado do monstro Gerión (17.1). Esta úl-
tima tarefa fez Hércules viajar à Espanha, viagem que marcou ao partir em duas
partes uma grande pedra que deu origem aos rochedos de Ceuta e Gibraltar (as
colunas de Hércules – veja nota 26.6). Hércules cumpriu todas as tarefas e de-
pois se casou com Dejanira, que ganhou como presente de Anteu (31.5), filho
de Netuno. Quando o centauro Nesso (12.6) atacou Dejanira, Hércules o ma-
tou com uma lança envenenada. Ao morrer, Nesso convenceu Dejanira de que
seu sangue era um poderoso afrodisíaco. Acreditando que Hércules se apaixo-
nara por outra, Dejanira acreditou em Nesso e deu para Hércules uma túnica
imersa no sangue do centauro. O sangue era, na verdade, um veneno. A dor foi
tão grande que Hércules acabou se matando. [Encarta 97]
25.4 Transformação em répteis: Os pecadores que se transformam em répteis nes-
te Canto são nobres florentinos. Dorothy Sayers explica esta alegoria da seguinte
forma: “os ladrões, que não faziam distinção entre o meu e o seu, não podem
considerar suas formas e suas personalidades como propriedade sua.” [Sayers
Notas 74
49] As transformações são as seguintes: Agnel, aparece como homem e se fun-
de com Cianfa, que surge como um monstro de seis patas. Buoso aparece pri-
meiro como homem e depois troca formas com Francesco que primeiro apare-
ce como um réptil cinza.
25.5 Cianfa dei Donati é um nobre florentino. É ele que aparece pela primeira vez
como um réptil de seis patas, agarra Agnel e com ele se mescla..
25.6 Agnel é Agnello dei Brunelleschi, nobre florentino. Ele aparece inicialmente
como uma alma humana, mas é depois mesclado com Cianfa, que aparece co-
mo uma serpente de seis patas..
Notas 75
25.7 Puccio Sciancato é outro nobre florentino. Puccio é o único que não se trans-
forma em serpente durante a visita de Dante.
25.8 Aquele por quem Gaville chora é Francesco Cavalcanti. Ele foi morto pelos
habitantes da vila de Gaville e seus parentes vingaram a sua morte provocando
um genocídio na vila. Francesco surge como um réptil de quatro patas e troca
de formas com Buoso.
25.9 Buoso Donati: Alguns comentaristas acham que este personagem (que Dante
menciona simplesmente como “Buoso”) não é Buoso Donati (vítima de Gianni
Schicchi mencionada no Canto XXX) mas Buoso degli Abati. Ambos foram
nobres florentinos que teriam enriquecido se apropriando da propriedade alhei-
a. Buoso aparece com forma humana mas depois se mescla com Francesco e
parte como réptil de quatro patas.
Notas 76
26 Personagens e símbolos do Canto XXVI
26.1 Os maus conselheiros são os que induziram outros a praticar a fraude. De
acordo com Dorothy Sayers “o fogo que atormenta também oculta os conse-
lheiros da fraude, pois pecado deles foi cometido às escondidas. E como peca-
ram com suas línguas, agora a fala só pode passar pela língua da chama furtiva.”
[Sayers 49]
26.2 Ulisses (Odisseus, na mitologia grega) era rei de Íthaca e um dos líderes do e-
xército grego na guerra de Tróia. Ele surge em diversas obras gregas antigas
como herói bravo e virtuoso. Nas obras de Virgílio é um político armador de
intrigas e conspirações. Sempre foi retratado como um exímio estrategista, ten-
do sido o autor do logro do cavalo de Tróia junto com Diomedes, que levou a
conquista da cidade pelos gregos. Ulisses e Diomedes também são acusados do
roubo do Palladium (estátua de Atena de Palas) que os troianos acreditavam ter
caído do templo de Atena no céu, e que era a causa da invencibilidade de Tróia.
Entre os maus conselhos de Ulisses está o incentivo dado a Aquiles ao revelar
que o oráculo lhe profetizava grandes glórias (a rendição de Tróia). Mas Ulisses
escondeu de Aquiles a segunda parte do oráculo, que profetizava também que
ele morreria na guerra.
26.3 Diomedes foi rei de Argos e aliado de Ulisses e dos gregos na guerra de Tróia.
26.4 Penélope era, segundo a mitologia grega, princesa de Esparta e esposa de O-
disseus (Ulisses), que lutava na guerra de Tróia. Ulisses passou mais de 20 anos
longe de Penélope, antes e depois da guerra, mas ela nunca duvidou que ele
voltaria. Embora fosse constantemente assediada por inúmeros pretendentes,
ela sempre os dispensava dizendo que não podia escolher um novo esposo en-
quanto não terminasse uma colcha que tecia para seu sogro Laertes. Toda noite
ela desfazia o trabalho feito durante o dia e assim evitava ter que fazer a esco-
lha. Uma noite, porém, ela foi surpreendida por uma criada que revelou seu
segredo e foi assim obrigada a concluir o trabalho. Quando os pretendentes
estavam prontos a ouvir sua decisão, Ulisses voltou, disfarçado, matou todos
eles e voltou para Penélope. [Encarta 97]
Notas 77
26.5 A última viagem de Ulisses não tem precedentes em qualquer outra obra lite-
rária sobre o explorador grego, cujas aventuras foram narradas por vários ou-
tros autores, além de Homero. É criação de Dante e uma das mais famosas pas-
sagens do Inferno. Ulisses fala que atravessou o mediterrâneo até os pilares de
Hércules (estreito de Gibraltar). Foi além dos pilares, virou para o sudoeste e
navegou por mais cinco meses quando finalmente viu, no horizonte, a forma de
uma altíssima montanha. Jamais conseguiu chegar até ela pois antes um rede-
moinho afundou sua embarcação, matando ele e todos os seus tripulantes. A
montanha era o monte do purgatório, que fica do outro lado do mundo.
26.6 Os pilares de Hércules são formados pelo rochedo de Gibraltar na Espanha e
pelo rochedo de Ceuta (Abila) em Marrocos e separam o mar Mediterrâneo do
oceano Atlântico. No mundo antigo acreditava-se que os pilares de Hércules
sinalizavam o ponto onde acabava o mundo habitado (na época, só se conhecia
três continentes: Europa, África e Ásia). De acordo com a mitologia clássica os
montes antigamente formavam um só rochedo que foi partido em dois por
Hércules.
Notas 78
27 Personagens e símbolos do Canto XXVII
27.1 Guido de Montefeltro (1223-1298) é a chama que fala neste Canto. Ele era um
capitão guibelino famoso por sua sabedoria e estratégias militares. Obteve su-
cesso em várias batalhas contra os guelfos. Chegou a ser excomungado mas, al-
guns anos depois, se reconciliou com a igreja e entrou para a ordem dos fran-
ciscanos. O seu filho, Buonconte, morreu em 1289 lutando pelos guibelinos na
batalha de Campaldino, na qual Dante lutava do outro lado, pelos guelfos.
27.2 A águia de Polenta: Os governantes de Polenta ostentavam uma águia no seu
brasão. Reinaram sobre Ravenna por 170 anos (até 1441) e em seus territórios
estava incluída a Cérvia.
27.3 Os mastins de Verruchio: são os tiranos Malatesta e seu filho Malatestino de
Rimini. Eles mataram Montagna dei Parciati, um guibelino também de Rimini.
Notas 79
27.4 Fortaleza Penestrina: A família Colonna, excomungada pelo papa Bonifácio
VIII (por não considerar legítima a renúncia do papa Celestino V, praticamente
obrigado a deixar o cargo por insistência de Bonifácio), se refugiou na sua for-
taleza Penestrina, que pôde suportar os ataques das tropas papais. Levando adi-
ante uma sugestão do frade Guido, Bonifácio prometeu anistia total à família
Colonna, que, acreditando na sua boa fé, se rendeu. Bonifácio então, os traiu,
prendendo-os e mandando destruir o palácio.
27.5 O príncipe dos novos fariseus é o papa Bonifácio VIII (19.2):
Notas 81
28 Personagens e símbolos do Canto XXVIII
28.1 Os semeadores de discórdias dividem-se em três tipos: (1) criadores de cis-
mas religiosos (Maomé, Ali), (2) instigadores de conflitos sociais (Caio Cúrio,
Pier da Medicina), e (3) semeadores de desunião familiar (Bertran de Born e
Mosca) [Sayers 49]. O demônio que os pune causa mutilações em partes do
corpo representativas do tipo de discórdia provocada.
28.2 O profeta Maomé (570-632) foi o fundador do Islã, cujos ensinamentos proféti-
cos, que abrangiam desde princípios políticos até sociais e religiosos, se tornaram
a base da civilização islâmica e tiveram grande influência na história mundial.
Nascido na cidade de Meca (Arábia), foi órfão de pai e mãe antes dos seis anos,
tendo sido criado pelo seu tio. Tornou-se, como a maioria de sua tribo, um ativo
comerciante e fez várias viagens à Síria onde conheceu Khadija, uma viuva cujos
negócios ele passou a administrar. Ela ficou tão impressionada com a sua hones-
tidade que o ofereceu casamento, que ele aceitou aos 25 anos. Maomé teve a o-
portunidade de ouvir judeus e cristãos pregarem sua religião nas feiras de Meca, e,
freqüentemente se retirava para orar e meditar sobre as questões que eles levan-
tavam. Num desses retiros, teve a visão do arcanjo Gabriel que o proclamou pro-
feta de Deus. Inicialmente assustado com a responsabilidade que lhe foi passada,
foi aos poucos assumindo sua missão profética e passou a pregar em público,
tendo como primeiros seguidores sua esposa e o seu primo Ali. Ele pregava a
existência de um único Deus, do juízo final e lutava pela justiça social e econômi-
ca. Maomé formalizou suas revelações no Corão, que se tornou livro sagrado.
Afirmou ser o último dos profetas e que o Corão era a última das revelações. Por
pregar contra as tradições tribais, Maomé foi várias vezes perseguido, tendo que
se refugiar em Medina. O início do seu exílio marca o início do calendário islâmi-
co. Em Medina, ele estabeleceu o império islâmico, implementando amplas re-
formas sociais, porém dando autonomia aos judeus e cristãos. [Encarta 97] Salva-
tore Viglio comenta sobre sua presença no inferno: “Dante pertence a uma época
em que eram freqüentes os conflitos entre cristãos e muçulmanos e vivos os hor-
rores das invasões dos grupos islâmicos sobre as nações cristãs. Embora admire a
cultura árabe, não sai do clima de hostilidade religiosa, proveniente da pregação
das Cruzadas. Dentro da mentalidade da idade média, considera Maomé um cris-
tão dissidente, que, por vaidade, teria separado grande parcela da humanidade da
verdadeira igreja de Cristo.” [Viglio 70]
Notas 82
28.3 Ali (600-661): Primo de Maomé, foi um dos seus primeiros seguidores. Ali ca-
sou-se com Fátima, a única das filhas do profeta que sobrevivera à idade adulta,
e assumiu o como o quarto califa do Islã em 656.
28.4 Frade Dolcino foi um reformador mal sucedido da igreja cristã. A sua seita –
os Irmãos Apostólicos – pregava a volta da religião à simplicidade dos tempos dos
apóstolos, o fim da propriedade privada, a comunhão dos bens e das mulheres.
Sustentavam que a eucaristia não podia conter o corpo de Cristo, que a confis-
são dos pecados a padres humanos e pecadores era inútil, que a cruz não deve-
ria ser adorada como símbolo divino e que o batismo com água benta não tinha
valor espiritual algum, entre outras doutrinas consideradas heresia pela igreja de
Roma. O papa Clemente V baniu sua seita e ordenou o fim da irmandade. Fugi-
ram, então, Dolcino e seus seguidores para as proximidades de Novarra onde
resistiram às forças do papa durante um ano, até que finalmente foram venci-
dos pela fome [Musa 95]. Dolcino e sua companheira, a bela Margareth de
Trento foram condenados à fogueira em 1307, mas antes foram torturados cru-
elmente. Margareth foi queimada primeiro, num fogo lento, diante de Dolcino.
Este, depois de assistir à morte de sua companheira, foi preso a uma carroça
puxada por bois, que desfilou por várias ruas da cidade. Em sua volta havia vá-
rios potes de ferro cheios de brasas. Mergulhadas nas brasas estavam grandes
pinças de ferro, incandescentes. Durante o desfile pela cidade, as pinças eram
aplicadas em várias partes do corpo nu de Dolcino, até que toda a pele tivesse
sido arrancada. No final, depois de desfilar por toda a cidade, a carcaça foi jo-
gada sobre o que sobrou de Margareth [Longfellow 67]. Para a igreja, a doutrina
de Dolcino era extremamente perigosa por causa de suas posições contrárias às
determinadas por Roma e por influenciar tantos seguidores. Os culpados,
quando capturados, sempre eram submetidos a torturas exemplares. No seu li-
vro O Nome da Rosa, o escritor Umberto Eco narra um episódio onde religiosos
são acusados de heresia por seguirem princípios da seita de Dolcino.
28.5 Guido del Cassero e Angioliello da Calignano eram dois cidadãos de Fano.
Eles morreram por afogamento em Cattolica – cidade às margens do mar Adri-
ático, numa região conhecida por seu mar turbulento. O afogamento não foi
acidental mas o cumprimento de uma ordem de Malatestino de Rimini [Sa-
yers 49].
Notas 83
28.6 O tirano cruel de um olho só é Malatestino de Rímini foi nobre guelfo da
família dos Malatesta – tiranos de Rimini. Malatestino era cego de um olho. No
Canto XXVII, Dante o chama de “mastim novo de Verrucchio” (o mastim ve-
lho é Malatesta). Verruchio era o nome do castelo dos Malatesta (veja nota 27.3).
28.7 Pier da Medicina era, de acordo com o estudioso Benvenuto da Imola, insti-
gador de rixas entre as famílias de Polenta e de Malatesta (veja Malatestino).
[Musa 95] Suas mutilações ocorrem na garganta (que usava para mentir e espa-
lhar intrigas), no nariz (que usava para farejar segredos alheios) e na orelha (que
usava para escutar através das portas e paredes).
28.8 Caio Cúrio (Caius Cribonius Curio): foi condenado ao exílio em Rimini e
por isso Pier da Medicina diz que ele deseja nunca ter visto Rimini (cidade às
margens do rio Rubicon). Ele era um tribuno romano sob as ordens de Pom-
peu – cônsul romano que, aproveitando a ausência de Júlio César (que estava
conquistando a Gália) aplicara um golpe de estado se declarando Cônsul de
Roma. Em 49 a.C., César estava proibido de cruzar a fronteira entre a Gália e a
república romana, marcada pelo rio Rubicon. Segundo Lucano (em Pharsalia),
Cúrio dirigiu-se a César e o convenceu a atravessar o rio e avançar na direção
de Roma. Essa ação iniciou a guerra civil romana (discórdia pela qual Caio é
punido) que culminou com a vitória de César três meses depois. [Encarta 97],
[Mauro 98] e [Musa 95]
28.9 Mosca dei Lamberti foi um nobre florentino que, ao instigar uma briga entre
as famílias Buondelmonti e Amadei, levou Florença a se dividir entre guelfos e
guibelinos. As famílias se desentenderam quando Buondelmonte dei Buondel-
monti, que estava prometido em casamento a uma moça da família Amadei, a
trocou por uma da família Donati. Quando seus parentes estavam procurando a
melhor maneira de reparar o dano, Mosca disse “o que está feito, está feito”,
anunciando que Buondelmonte já havia sido assassinado. Por causa disso, a ci-
dade se dividiu, tomando partidos, e daquele dia em diante, Florença passou a
ser palco constante de disputas entre as facções rivais. [Sayers 49]
Notas 84
28.10 Bertran de Born: Famoso poeta inglês, foi um dos maiores trovadores pro-
vençais. Ele é acusado de ter semeado a discórdia entre o rei Henrique II (Hen-
ry) da Inglaterra e o seu filho, o príncipe de mesmo nome. O contrapasso de
Bertran de Born é um dos mais nítidos da Comédia. O efeito do pecado foi a se-
paração de pai e filho. O contrapasso é a separação de cabeça e tronco. Vários
outros círculos do inferno apresentam contrapassos, porém nem todos são tão
evidentes quanto este.
Notas 85
29 Personagens e símbolos do Canto XXIX
29.1 Cronologia: como a lua cheia está abaixo dos pés de Dante e Virgílio, é apro-
ximadamente 1 hora da tarde (sábado).
29.2 Geri del Bello era primo do pai de Dante. Sua reputação não era das melhores.
Ele se envolveu numa rixa com a família Sacchetti e foi assassinado, provavel-
mente por um dos Sacchetti. “A vingança pela morte de parentes era conside-
rada obrigatória na época, e, aparentemente, a morte de Geri ainda não fora
vingada pela família Alighieri em 1300.” [Musa 95]
Notas 86
29.3 Falsificadores (alquimistas): A décima bolsa do Malebolge pune aqueles que
falsificaram coisas, palavras, dinheiro e pessoas. O Canto XXIX fala dos falsifica-
dores de matéria (coisas), especificamente, os alquimistas. “Na nossa sociedade,
eles podem ser representar aqueles que adulteram remédios e comida, os que
constróem prédios e casas com materiais de baixa qualidade e acabamento de
primeira, etc.” [Sayers 49] No Malebolge eles estão cobertos de sarnas e sofrem
com uma coceira incessante.
Notas 87
29.4 Capocchio era o nome ou apelido de um homem que em 1293 foi queima-
do vivo em Siena por alquimia. [Musa 95]
29.5 Griffolino de Arezzo era um físico. Griffolino levou Alberto, o afilhado do
bispo de Siena, a acreditar que ele era capaz de ensiná-lo a voar. Alberto,
tolo, acreditou e lhe pagou uma razoável quantia pela aula. Griffolino, po-
rém, não cumpriu o acordo e Alberto, descobrindo que fora enganado, de-
nunciou Griffolino ao seu padrinho, o bispo, que o mandou para a fogueira.
Notas 88
30 Personagens e símbolos do Canto XXX
30.1 Falsificadores (2): O Canto XXX fala de mais três tipos de falsários (além dos
alquimistas, falsificadores de matéria, encontrados no Canto XXIX). Os falsificadores
de pessoas são os impostores que assumem identidades falsas, se passando por
outras pessoas. São punidos com a insanidade extrema e correm feito loucos
pelo Malebolge mordendo e arrastando os outros condenados. Os falsificadores de
palavras são os culpados de perjúrio, falsidade ideológica e falso testemunho.
Fervem de febre tão intensa que os deixa imóveis. Os falsificadores de dinheiro se
desfazem com uma hidropisia tão grave que os derrete totalmente. Sentem uma
sede nunca saciada porém nos sonhos só vêem rios, fontes e muita água, o que
os tortura ainda mais. Segundo Dorothy Sayers, a imagem de doentes pode re-
presentar a decadência da sociedade por causa da falsidade, com uma doença
mortal e já em estado de necrose avançada. “Malebolge começou com a corrup-
ção da igreja e do estado. Nesta última vala, o próprio dinheiro é corrompido,
cada afirmação se tornou perjúrio, e cada identidade, uma mentira. Não sobrou
meio de troca.” [Sayers 49]
30.2 Gianni Schicchi pertencia à família Cavalcanti, de Florença. Era exímio em
disfarces e na arte da imitação. Segundo Benvenuto, Buoso Donati (25.9) foi
um ilustre nobre de Florença que, ao sentir que a hora de sua morte se aproxi-
mava, teve uma crise de consciência por ter enriquecido ilicitamente através de
roubos, e decidiu deixar gordos legados para diversas pessoas que ele poderia
ter prejudicado. Porém, o seu filho Simone, se sentindo prejudicado, contratou
os serviços de Gianni para que este se passasse por seu pai, elaborando um no-
vo testamento que desfazia o primeiro e declarando como único herdeiro o seu
filho Simone Donati. No testamento, Gianni não se esqueceu dele próprio. In-
cluiu no testamento a seguinte cláusula: “para Gianni Schicchi de Cavalcanti eu
deixo a minha égua”. [Longfellow 67]
30.3 Mirra era filha do rei Ciniras. Apaixonada pelo próprio pai, tramou com sua
ama uma forma de entrar nos seus aposentos à noite e passar por uma jovem
aguardada pelo rei. No escuro, o rei não a reconheceu e manteve, sem saber, re-
lações sexuais com a própria filha. Mirra voltou várias outras vezes até que,
numa certa noite, o rei, desejando saber quem era aquela que tanto o amava, a-
cendeu uma tocha e viu que era Mirra. Ele sacou a espada para matá-la mas ela
Notas 89
fugiu. Arrependida, pediu perdão aos deuses e foi transformada em uma árvore:
um pé de mirra. O seu filho, quando finalmente nasceu, se chamou Adonis.
(Ovídio, Metamorfoses X: 298-518)
30.4 Mestre Adamo era um falsificador de moedas da Brescia que, instigado pelos
condes Guido, Alessandro e Aguinolfo de Romena falsificou o florim de ouro
de Florença, cunhando a moeda com 21 quilates em vez de 24 (três a menos,
como diz no poema). [Longfellow 67]
30.5 Florim: A moeda de Florença (florim) tinha gravada em um dos lados, o pa-
droeiro da cidade, João Batista, e do outro, um lírio.
30.6 A esposa de Potifar: José, filho de Israel, havia sido vendido como escravo
por seus irmãos. Potifar, oficial do Faraó, comprou José que passou a servi-lo.
Potifar em pouco tempo passou a confiar em José e o fez mordomo de sua
mais alta confiança. A esposa de Potifar, porém, tentou seduzir José a ir para a
cama com ela. José recusou. Ela não desistiu. Passou a insistir dia após dia. José
sempre recusava. Um dia, ela encontrou-se a sós com ele, agarrou-lhe pela capa
e tentou seduzi-lo à força. Ele fugiu, deixando a capa nas mãos dela. Ela então
mentiu para seu marido dizendo que José havia tentado violentá-la, mostrando
a capa como prova. Potifar, acreditando na palavra da mulher, expulsou José e
mandou prendê-lo no cárcere (Gênese 39).
30.7 Sinon foi o grego que, deixando-se levar prisioneiro pelos troianos, os conven-
ceu a levarem, para dentro das paredes da cidade, um grande cavalo de madeira
deixado pelos gregos. O cavalo, disse, era um presente dos gregos para substitu-
ir a estátua de Palas (Palladium) roubada por Ulisses e Diomedes (26.2 e 26.3). O
cavalo estava repleto de soldados que, à noite, saíram de seu esconderijo e to-
maram Tróia.
Notas 92
31 Personagens e símbolos do Canto XXXI
31.1 Gigantes: Simbolizam a traição. Em várias lendas, os gigantes estão envolvidos
em revoltas onde traem seus criadores. Na Odisséia (Homero), é relatada a revol-
ta dos Titãs contra Júpiter, a maior parte dos quais permanecem acorrentados
dentro do Cócito.
Notas 93
31.2 Nemrod (Nimrod, Ninrode) é personagem de várias lendas mesopotâmicas
onde é associado ao herói Gilgamesh. É sempre retratado como um grande ca-
çador. Também aparece no Gênese (10: 8, 9) como filho de Ham e neto de Noé,
considerado “grande caçador aos olhos de Jeová”. Dante o retrata como o res-
ponsável pela construção da Torre de Babel, por isso a fala de Nemrod não faz
sentido algum.
31.3 Efialte: Filho de Netuno. Foi um gigante que, junto com o gigante Otus, amea-
çou os deuses tentando empilhar as montanhas Olimpo, Ossa e Pelion para que
pudesse alcançar o céu. (Odisséia, XI)
31.4 Briareu: Filho da Terra. Foi outro gigante que desafiou os deuses do Olimpo.
Homero o descreve como tendo cem braços e cinqüenta cabeças.
31.5 Anteu: Filho de Netuno e da Terra, era invencível enquanto estivesse em con-
tato com a sua mãe Terra. Hércules o venceu levantando-o do chão e o esma-
gando em pleno ar. Ele não participou da revolta contra Júpiter e por isso não
está acorrentado.
31.6 Tifeu e Tício: Dois outros titãs, filhos da Terra, que se revoltaram contra Júpi-
ter.
31.7 Cócito (Cocythus): O lago das lamentações fica no centro da terra e é forma-
do pelas lágrimas de Lúcifer e pelos rios do inferno que nele deságuam seu san-
gue. No Cócito estão imersos os traidores, que se distribuem por quatro giros
diferentes, dependendo da gravidade da traição cometida. Os giros chamam-se
Caína, Antenora, Ptoloméia e Judeca. Este último está reservado à punição dos trai-
dores dos seus benfeitores e é lá que se encontra Lúcifer.
Notas 95
32 Personagens e símbolos do Canto XXXII
32.1 Os filhos do conde Alberto degli Alberti são os irmãos Napoleone e Ales-
sandro. Após a morte do pai, se desentenderam por causa da herança e acaba-
ram matando um ao outro. [Longfellow 67]
Notas 96
32.2 Focaccia era membro da família guelfa Cancellieri de Pistóia. Ele é acusado de
ter cortado a mão de um de seus primos e de ter assassinado o tio. Os seus cri-
mes provocaram a divisão da família Cancellieri em duas partes. Os descenten-
tes de Bianca (primeira esposa de Cancellieri) se apelidaram de Bianchi (bran-
cos). Os descendentes da outra esposa se denominavam Neri (negros). A briga
de família acabou se espalhando e chegou a Florença onde os grupos se torna-
ram partidos políticos [Sayers 49]. Veja nota 6.7.
32.3 Caína é a primeira das quatro divisões do nono círculo onde são punidos os
traidores de parentes. Na Caína, as almas permanecem submersas com apenas o
tórax e a cabeça fora do gelo. Seu nome tem origem no personagem bíblico Ca-im que matou seu irmão Abel por causa de inveja (Gênese 4:8).
32.4 Antenora é o segundo giro do nono círculo onde são punidos os traidores de
sua pátria ou partido político. As almas ficam submersas no nível do pescoço,
com apenas suas cabeças fora do gelo. O nome foi tirado de Antenor, o prínci-
pe troiano que traiu o seu país ao manter uma correspondência secreta com os
gregos.
32.5 Mordred era sobrinho do rei Artur. Ele tentou matar o rei para tomar-lhe o
poder. O rei o matou com um só golpe de sua lança. O golpe foi tão violento
que quando a lança foi retirada, o sol penetrou pela ferida, furando sua som-
bra.[Musa 95]
32.6 Sassol Mascheroni era membro da família Toschi de Florença. Segundo os
primeiros dantólogos, ele assassinou o seu sobrinho para se apossar de sua he-
rança.[Musa 95]
32.7 Camicione de' Pazzi de Valdarno matou seu parente Ubertino. O crime dele
é menos grave que o de outro parente, Carlino de' Pazzi, que traiu por dinhei-
ro seus correligionários, entregando ao inimigo o castelo de Piano em Valdarno,
de onde vários exilados florentinos foram seqüestrados e assassinados. Por ter
traído a sua pátria, Carlino deverá ser punido na Antenora. [Mauro 98] e [Lon-
gfellow 67]
Notas 97
32.8 Bocca degla Abati traiu os guelfos na batalha de Montaperti (nota 10.6) cor-
tando a mão do portador da bandeira da cavalaria de Florença, o que causou a
desorganização do exército guelfo e serviu de sinal para que seus aliados entras-
sem em ação, entregando a vitória da batalha aos guibelinos.
32.9 Os traidores apontados por Bocca são Buoso da Duera – chefe do partido
guibelino de cremona e conhecido traidor; Tesauro de Beccheria – ábade de
Vallombrosa e legado papal de Alexandre IV na Toscana que mantinha uma
correspondência secreta com guibelinos exilados; Gianni de Soldanier – gui-
belino ilustre de Florença que, ao perceber que o poder passaria para o lado dos
guelfos, abandonou seu partido e se juntou aos guelfos; Ganellone – o cavalei-
ro que traiu Rolando, entregando-o aos sarracenos; e Tebaldello degli Zam-brasi – guibelino de Faena que facilitou a tomada de sua cidade pelos guelfos
de Bolonha em 1280. [Musa 95]
Notas 98
33 Personagens e símbolos do Canto XXXIII
33.1 Conde Ugolino della Gherardesca, originalmente de família gibelina era, jun-
to com o seu neto Nino dei Visconti, um dos líderes guelfos que exerciam a
sua autoridade sobre a cidade de Pisa. Ugolino estava insatisfeito em ter que di-
vidir o poder com Nino, então, traiu seu partido e aliou-se ao arcebispo guibe-
lino Ruggieri degli Ubaldini que era apoiado pelos Lanfranchi, Sismondi,
Gualandi e outras famílias gibelinas. Juntos, eles tramaram a expulsão ou prisão
de todos os seguidores de Visconti e Ugolino assumiu o poder. Mas o conde
sempre achava que poderia ser traído e por isso tratou de eliminar aqueles dos
quais suspeitava. Teria mandado envenenar o seu sobrinho, o conde Anselmo
da Capraia, temendo que a popularidade do sobrinho reduzisse sua autoridade.
Percebendo que os guelfos estavam enfraquecidos no governo de Ugolino, o
arcebispo Ruggieri aproveitou a ocasião para traí-lo, divulgando pela cidade a
notícia de que o conde Ugolino havia traído a população, e que havia entregue
seus castelos aos povos de Florença e Lucca. Conseguiu provocar uma revolta
popular que culminou com a invasão do castelo de Ugolino, que foi forçado a
se render. Ruggieri, vitorioso, mandou prender Ugolino numa torre posterior-
mente chamada de “torre da fome”. Prendeu também, na mesma cela, Ugucci-
one e Gaddo, filhos de Ugolino, Anselmuccio e Brigata, netos do conde. Meses
depois os pisanos lacraram a torre e atiraram a chave no rio Arno. Em poucos
dias todos morreram de fome. (Baseado em relato de G. Villani) [Longfellow
67]
Notas 100
33.2 Ptolomeia é o penúltimo giro do lago Cócito onde são punidos os traidores de
seus hóspedes. As almas estão presas no gelo do lago apenas com o rosto para
fora de forma que, quando choram, suas lágrimas congelam e cobrem seus o-
lhos. O nome origina-se do personagem bíblico Ptolomeu (I Macabeus 16, 11)
onde o capitão de Jericó convida Simão e seus dois filhos ao seu castelo e lá,
traiçoeiramente, os mata a sangue-frio: “pois quando Simão e seus filhos havi-
am bebido bastante, Ptolomeu e seus homens se levantaram, e sacaram de suas
armas, e chegaram até Simão na sala de ceia, e o mataram, e seus dois filhos, e
parte dos seus servos.” [Longfellow 67]
33.3 Frei Alberigo de Manfredi era um dos frades gaudentes (frades alegres) men-
cionados no Canto XXIII (23.2). Tendo feito as pazes com seus inimigos, ele os
convidou para um jantar em sua casa. No dia do jantar, ele escondeu assassinos
de aluguel nos aposentos próximos à sala de jantar e deu ordens aos seus servos
que, depois que servissem as carnes, deveriam servir as frutas, e que este seria o
sinal para que os homens armados saíssem de seus esconderijos e matassem to-
dos os hóspedes. E assim foi feito. [Longfellow 67]. Na tradução de Italo Mau-
ro, Frei Alberigo se apresenta da seguinte forma: “Eu sou frei Alberigo; aquele
eu sou das frutas do mau horto, que aqui recebo tâmara por figo.” (Inferno
XXXIII: 118-120) referindo-se à pena que agora recebe, bem pior que o crime
praticado. [Mauro 98]. Em 1300, data do poema, Alberigo ainda vivia.
33.4 Ser Branca d'Oria era um respeitado e poderoso cidadão de Gênova. Apesar
disso, teria sido o mandante ou assassino do seu sogro, o corrupto Michel Zan-
che (22.2), mencionado no Canto XXII. [Longfellow 67]. Ele ainda estava vivo e
gozava de liberdade quando o poema Inferno foi publicado e Dante teria sido
ofendido pelos amigos de d'Oria numa de suas visitas a Gênova, pelo que foi
considerada “a mais atroz das invenções do poeta.” (Cesare Balbo, Vita di Dan-
te)
Notas 102
34 Personagens e símbolos do Canto XXXIV
34.1 Judeca é o nome do giro mais baixo do último círculo do inferno. É lá que re-
side Lúcifer, fazendo companhia àqueles que, em vida, traíram seus benfeitores.
Eles sofrem intensamente devido à proximidade de Lúcifer, e por estarem
submersos totalmente no gelo do lago Cócito, conscientes, para a eternidade. O
nome vem de Judas Iscariotes (34.5), o traidor de Jesus Cristo.
34.2 Lúcifer é o portador da luz, o anjo que ocupava cargo da mais alta confiança e
que, rebelando-se, traiu a Deus e por isto foi expulso do céu, vindo a cair na
terra. Na sua queda, ele afundou pela superfície e só veio parar quando chegou
ao centro da terra, sobre a qual passou a reinar. Os comentadores Ottimo e
Benvenuto identificam as três faces de Lúcifer como símbolos opostos à Trin-
dade: o ódio, a ignorância e a impotência. Outros vêem Lúcifer como uma re-
presentação da própria terra e suas faces como representações dos três conti-
nentes conhecidos: Europa, Ásia e África. [Longfellow 67]. Uma interpretação
interessante sobre os três pecadores que são mastigados por Lúcifer é a seguin-
te (na imaginação do dantólogo Gabrielle Rossetti): “Os três espíritos que pen-
dem da boca de Lúcifer são Judas, Brutus e Cássius. Não se sabe a razão precisa
pela qual o autor escolheu essas três personalidades, mas não hesitamos em su-
por ter sido a seguinte: ele considerava o papa não só um traidor e vendedor de
Cristo: ‘... e isso logo terá que ora o pensa, onde Cristo, dia a dia, se mercadeja’ (Paraíso,
XVII, 50-51), mas também um traidor de César. Por isso colocou Judas (traidor
e vendedor de Cristo) na sua boca central e Brutus e Cassius (traidores de Cé-
sar) nas suas bocas laterais, já que o papa, que originalmente nada mais era que
o vigário de César, tornou-se seu inimigo, e usurpou a capital do seu império e
a autoridade suprema. Sua traição a Cristo não foi descoberta por todo o mun-
do, logo, o rosto de Judas está oculto: ‘Esse, que sofre aí pena dobrada, é Judas Iscari-
ote - disse o guia - com as pernas fora e a cabeça abocada.’ (Inferno XXXIV, 61-63). Sua
traição a César foi clara e evidente, portanto Brutus e Cassius mostram suas fa-
ces.” [Longfellow 67] (Gabriele Rossetti, Spirito Antipapale, I. 75); trechos do In-
ferno e Paraíso na tradução de [Mauro 98]
Notas 103
34.3 Bruto (Marcus Junius Brutus, 85-42 a.C.): Político romano que teve grande
poder durante o império de Júlio César (4.16). Entrou para a história ao tramar,
na primavera de 44 a.C., a morte de César juntamente com Cássio. Tendo con-
seguido seu intento, formou um grande exército na Macedônia com a intenção
de tomar o poder no império romano, mas foi derrotado pelo exército de Mar-
co Antônio e Otaviano que depois tornou-se imperador. Bruto suicidou-se.
[Encarta 97]
34.4 Cássio (Gaius Cassius Longinus): General romano do exército de Júlio Cé-
sar e um dos líderes da conspiração que levou César à morte. Junto com Bruto,
Cássio foi um dos assassinos de César. Foi derrotado em batalha quando tenta-
va tomar o poder em Roma junto com Bruto e suicidou-se para que não fosse
capturado. [Encarta 97]
34.5 Judas Iscariotes: foi um dos discípulos de Jesus Cristo, conhecido por tê-lo
traído ao vendê-lo aos fariseus por 30 moedas de prata. Depois de sua traição,
caiu em desespero e suicidou-se. (Evangelho de Mateus 26-27)
34.6 Cronologia: “o dia já amanhece” diz Virgílio (no original, “il sole a mezza terza
riede”). Uma terça corresponde às primeiras três horas depois do nascer do sol
[Mauro 98]. Meia-terça, portanto, corresponde a 7:30 da manhã de sábado. Há
pouco tempo eram 7:30 da noite de sábado. Dante não entende como o tempo
pode ter mudado tão rapidamente do dia para a noite. Virgílio explica que pas-
saram pelo centro da terra, e agora o sol brilha do outro lado.
Notas 104
34.7 O centro da terra é onde mora Lúcifer (Dite). É o centro de gravidade. Quan-
do Dante e Virgílio passam pelo centro da terra, que fica na virilha de Lúcifer, a
gravidade passa a puxá-los na direção oposta, de forma que, o que antes era
uma descida, passa então a ser uma subida. Na passagem pelo centro, Dante e
Virgílio ganham 12 horas, provocadas pela mudança de fuso horário. Volta a
ser sábado de manhã outra vez.
34.8 Montanha do Purgatório é uma enorme montanha que, na mitologia de Dan-
te, existe no Oceano Pacífico Sul em posição diametralmente oposta a Jerusa-
lém. Não há continentes em todo o hemisfério que cerca a montanha do purga-
tório. Os três continentes: Europa, África e Ásia ocupam o hemisfério oposto.
Segundo Dante, a montanha do purgatório foi criada por ocasião da queda de
Lúcifer, quando a terra seca que antes formava continentes naquele hemisfério,
fugiu amedrontada para o hemisfério oposto e a terra que havia no centro do
planeta, fugiu para o sul, tentando galgar o céu. A terra acumulou-se em um ú-
nico ponto e acabou por formar uma altíssima montanha que alcança o céu: o
monte purgatório. Como resultado, não restou um só continente no hemisfério
da queda, somente um enorme oceano, e o caminho entre Lúcifer e o purgató-
rio ficou aberto por uma passagem estreita. A montanha do purgatório foi vista
por Ulisses, na sua última viagem (Canto XXVI e nota 26.5).
34.9 Cronologia: Dante e Virgílio passaram um dia inteiro atravessando a terra e
ressurgem na superfície no domingo de Páscoa, antes do amanhecer.
Índice do Inferno
a seção central deste livro, a numeração das páginas do
lado direito e do lado esquerdo é a mesma. Todo o tex-
to flui nas páginas à direita. Nas páginas à esquerda es-
tão localizadas, para fácil consulta, notas explicativas sobre perso-
nagens, localidades e símbolos que aparecem no texto à direita.
N Inferno
Canto I A selva escura – As feras – Espírito de Virgílio ........................................2
Canto II Razão da viagem – Beatriz ........................................................................5
Canto III A porta do Inferno – Vestíbulo – Rio Aqueronte – Caronte .....................7
Canto IV Limbo (Círculo 1) – Castelo dos iluminados ..............................................10
Canto V Minós – Círculo da luxúria (2) – Espíritos de Paolo e Francesca ..............13
Canto VI Cérbero – Círculo da gula (3) – Espírito de Ciacco ....................................16
Canto VII Pluto – Círculo da avareza (4) – Círculo da ira (5) – Rio Estige ..............19
Canto VIII Flégias – Demônios – A cidade de Dite – Erínias e Medusa .....................22
Canto IX Círculo da heresia (6) – Túmulos ...............................................................25
13
14
Canto X Espírito de Farinata – Espírito de Cavalcanti ........................................... 29
Canto XI Túmulo do papa Anastácio – Explicação sobre a justiça infernal ............... 33
Canto XII Minotauro – Centauros – Círculo da violência (7) – Rio de sangue ............ 36
Canto XIII Hárpias – Selva dos suicidas ..................................................................... 39
Canto XIV Deserto incandescente – Chuva de brasas – Riacho Flegetonte .................... 42
Canto XV Espírito de Brunetto Latini ....................................................................... 45
Canto XVI Espíritos de políticos florentinos .................................................................. 47
Canto XVII Gerión – Espíritos de famílias da alta nobreza .......................................... 51
Canto XVIII Malebolge – Círculo da fraude (8) – Valas dos sedutores e aduladores ....... 54
Canto XIX Vala dos simoníacos – Espírito do papa Nicolau III ................................. 57
Canto XX Vala dos adivinhos .................................................................................... 59
Canto XXI Vala dos corruptos – Malebranche (demônios) ........................................... 61
Canto XXII Escolta de 10 demônios .............................................................................. 64
Canto XXIII Vala dos hipócritas – Frades gaudentes ..................................................... 67
Canto XXIV Vala dos ladrões – Espírito de Vanni Fucci ............................................. 70
15
Canto XXV Transformação em répteis ...........................................................................73
Canto XXVI Vala dos maus conselheiros – Espírito de Ulisses .......................................76
Canto XXVII Espírito do frade Guido de Montefeltro .......................................................78
Canto XXVIII Vala dos separatistas – Espíritos de Maomé e Bertran de Born .................81
Canto XXIX Vala dos falsários – Alquimistas ...............................................................85
Canto XXX Falsificadores – Perjuros – Espírito de mestre Adamo ................................88
Canto XXXI Gigantes – Nemrod – Efialte – Anteu ......................................................92
Canto XXXII Lago Cócito – Caína – Antenora – Espírito de Bocca ...............................95
Canto XXXIII Espírito do Conde Ugolino – Ptoloméia – Espírito do Frei Alberigo ..........98
Canto XXXIV Judeca – Lúcifer – Bruto – Cássio – Judas – Centro da Terra ............... 102
v
Deixai toda esperança ó vós que entrais.
Inferno 3:9
Notas 2
Dante perdido na selva escura. Ilustração de Gustave Doré
(século XIX).
Canto I
uando eu me encontrava na metade do caminho de nossa
vida, me vi perdido em uma selva escura, e a minha vida
não mais seguia o caminho certo. Ah, como é difícil des-
crevê-la! Aquela selva era tão selvagem, cruel, amarga, que a sua
simples lembrança me traz de volta o medo. Creio que nem mesmo
a morte poderia ser tão terrível. Mas, para que eu possa falar do
bem que dali resultou, terei antes que falar de outras coisas, que do
bem, passam longe.
Q
Eu não sei como fui parar naquele lugar sombrio. Sonolento
como eu estava, devo ter cochilado e por isso me afastei da via ver-
dadeira. Mas, ao chegar ao pé de um monte onde começava a selva
que se estendia vale abaixo, olhei para cima e vi aquela ladeira co-
berta com os primeiros raios do Sol. A cena trouxe luz à minha
vida, afastou de vez o medo e me deu novas esperanças. Decidi en-
tão subir aquele monte. Olhei para trás uma última vez, para aquela
selva que nunca deixara uma alma viva escapar, descansei um pou-
co, e depois, iniciei a escalada.
Eu havia dado poucos passos, quando, de repente, saltou à
minha frente um ágil e alegre leopardo. Astuto, de pêlos mancha-
dos, de todas as formas ele impedia que eu seguisse adiante. Não
adiantava desviar ou buscar um outro caminho pois no final, ele
sempre estava lá, bloqueando a minha passagem. Várias vezes tentei
vencê-lo. Várias vezes falhei.
Inferno 2
Inferno 3
O dia já raiava e o Sol nascia com aquelas mesmas estrelas que
acompanharam o mundo no seu primeiro dia. A luz e a claridade
daquele dia especial renovaram minhas esperanças, e me fizeram
acreditar que iria conseguir vencer aquela fera malhada.
Mas a minha esperança durou pouco e o medo retornou
quando vi surgir, diante de mim, um leão. Ele parecia avançar na
minha direção, com a cabeça erguida, tão faminto e raivoso que até
o próprio ar parecia temê-lo. E depois veio uma loba, magra e cobi-
çosa, cuja visão tornou minha alma tão pesada, pelo medo que me
possuiu, que não vi mais esperança alguma na escalada. A loba
avançava, lentamente, e me fazia descer, me empurrando de volta
para aquele lugar onde a luz do Sol não entra.
Quando eu já me encontrava na beira daquele vale escuro,
meus olhos aos poucos perceberam um vulto que se aproximava,
que apagado estivera, talvez por excessivo silêncio.
— Tenhas piedade de mim — gritei ao vê-lo — quem quer
que sejas, sombra ou homem vivo!
— Homem não mais — respondeu o vulto —, homem eu fui
um dia. Nasci em Mântua, nos tempos de Júlio César e vivi em
Roma no império de Augusto. Fui poeta e narrei a odisséia de
Enéas, que fugiu de Tróia depois do incêndio. E tu, por que não
sobes o precioso monte, princípio e causa de toda glória?
— Tu és Virgílio? — perguntei, vergonhoso — Ora, tu és
meu mestre e meu autor predileto! Foi contigo que aprendi o belo
estilo poético que me deu louvor. Eu não subi o monte por causa
dessa fera. Ela me faz tremer os pulsos. Ajuda-me, sábio famoso!
Ajuda-me a enfrentá-la!
Inferno 4
— A ti convém seguir outra viagem — respondeu o poeta, ao
me ver lacrimejando — pois essa fera, essa loba, é a mais feroz e in-
saciável de todas. Ela só partirá quando finalmente vier o Lebreiro
que para ela será a dura morte. Ele não se alimentará nem de di-
nheiro, nem de terras; só a sua sabedoria, amor e virtude poderão
nutri-lo. Ele virá para salvar a tua Itália caída. Ele irá caçar essa fera
em todas as cidades até encontrá-la, quando então a matará e a
conduzirá de volta ao Inferno, de onde a Inveja, primeiro a trouxe
para este mundo.
Depois, me fez uma proposta:
— Eu acho melhor, para teu bem, que me sigas. Eu serei o teu
guia. Te levarei para um lugar eterno onde verás condenados gri-
tando, em vão, por uma segunda chance. Depois verás outros que
sofrem contentes no fogo, pois têm esperança de um dia seguir ao
encontro daquela gente abençoada. E depois, se quiseres subir ao
céu, lá terás alma mais digna do que eu, pois o Imperador daquele
reino me nega a entrada, porque à sua lei eu fui rebelde.
— Poeta — respondi —, eu te imploro, em nome desse Deus
que não conheceste, que me ajudes a fugir deste mal ou de outro
pior. Eu te seguirei a esses lugares que descreveste. Que eu possa
ver a porta de São Pedro e os tristes sofredores dos quais falaste!
Ele então moveu-se, e eu o acompanhei.
Canto II
á anoitecia quando iniciamos a jornada. Ó Musas, ó grande gê-
nio, me ajudem para que eu possa relatar aqui sem erro esta vi-
agem que está escrita para sempre em minha mente! E então
comecei:
J— Ó poeta que me guias, julga minha virtude e dize se é com-
patível com o caminho árduo que me confias. Não sou ninguém di-
ante de Paulo ou Enéas. Não consigo crer que eu seja digno de tal,
nem acho que outro pensaria da mesma forma.
— Se eu de fato compreendi o que acabas de dizer — respon-
deu o poeta —, tua alma está tomada pela covardia, que tantas ve-
zes pesa sobre os homens, os afastando de nobres empreendimen-
tos, como uma besta assustada pela própria sombra. Para te libertar
desse medo, deixa que eu te explique como cheguei até ti:
“Eu estava com os outros espíritos suspensos no Limbo
quando apareceu-me uma mulher beata e bela.
— Ó generosa alma mantuana, — disse ela —, ajude-me a so-
correr um amigo que está perdido na selva escura. Vai com tua fala
ornada e ajuda-o para que eu seja consolada. Eu sou Beatriz, que
pede que tu vás. Venho do céu e para o céu voltarei. Foi o amor
que me trouxe e é ele quem me faz falar.
— Ó mulher de virtude, tanto me agrada obedecer-te que bas-
ta dizeres o que desejas que eu faça que eu o farei. Mas dize-me,
não tens medo de descer até este centro escuro?
Inferno 5
Notas 6
Dante e Virgílio diante do portal do Inferno. Ilustração de Wi-
lliam Blake (século XVIII).
Inferno 6
— Deve-se temer as coisas que de fato têm o poder de nos
causar mal — respondeu —, e mais nada, pois nada mais existe
para temer. A mulher gentil, que se compadeceu do que acontece
com aquele a quem te envio, pediu a Luzia, dizendo: ‘aquele teu
adepto fiel precisa de tua ajuda e a ti o recomendo.’ Luzia, inimiga
de toda crueldade, veio então a procurar-me, onde eu sentava com
a antiga Raquel. ‘Beatriz’, disse, ‘não vais salvar quem mais te amou
e que por ti se elevou do povo vulgar?’ Logo que ouvi tais palavras
desci aqui, do meu beato posto, por confiar na tua palavra honesta.
E assim ela me deixou, e eu cheguei para afastar aquela fera
que impedia que tu escalasses o belo monte.”
— Então o que é que há? Por que tu és tão covarde? Por que
não és bravo e corajoso, quando tens três mulheres abençoadas que
te guardam lá do céu?
Depois que ele terminou de falar, eu não era mais o mesmo.
Recuperei a coragem, perdi o medo e afastei todas as minhas dúvi-
das. Imediatamente voltei a confiar na jornada que me fora propos-
ta e disse-lhe:
— Ó piedosa aquela que me socorreu, e tu que tão cortês
atendeste ao seu pedido. Com tuas palavras tornei-me outra vez
disposto. Vamos, que agora ambos queremos a mesma coisa. Tu se-
rás meu guia, e eu te seguirei.
E assim, seguimos por um caminho árduo e silvestre.
Notas 7
Dante e Virgílio diante da entrada do Inferno. Ilustração de Helder da Rocha.
Inferno 7
Canto III
POR MIM SE VAI À CIDADE DOLENTE, POR MIM SE VAI À ETERNA DOR, POR MIM SE VAI À PERDIDA GENTE.
JUSTIÇA MOVEU O MEU ALTO CRIADOR, QUE ME FEZ COM O DIVINO PODER, O SABER SUPREMO E O PRIMEIRO AMOR.
ANTES DE MIM COISA ALGUMA FOI CRIADA EXCETO COISAS ETERNAS, E ETERNA EU DURO. DEIXAI TODA ESPERANÇA, VÓS QUE ENTRAIS!
Estas palavras estavam escritas em tom escuro, no alto de um
portal. Eu, assustado, confidenciei ao meu guia:
— Mestre, estas palavras são muito duras.
— Não tenhas medo — respondeu Virgílio, experiente —
mas não sejas fraco! Aqui chegamos ao lugar, do qual antes te fa-
lei, onde encontraríamos as almas sofredoras que já perderam seu
livre poder de arbítrio. Não temas, pois tu não és uma delas, tu
ainda vives.
Em seguida, Virgílio segurou minha mão, sorriu para me dar
confiança, e me guiou na direção daquele sinistro portal.
Logo que entrei ouvi gritos terríveis, suspiros e prantos que
ecoavam pela escuridão sem estrelas. Os lamentos eram tão inten-
sos que não me contive e chorei. Gritos de mágoa, brigas, queixas
iradas em diversas línguas formavam um tumulto que tinha o som
de uma ventania. Eu, com a cabeça já tomada de horror, perguntei:
Inferno 8
— Mestre, quem são essas pessoas que sofrem tanto?
— Este é o destino daquelas almas que não procuraram fazer
o bem divino, mas também não buscaram fazer o mal. — me res-
pondeu o mestre. — Se misturam com aquele coro de anjos que
não foram nem fiéis nem infiéis ao seu Deus. Tanto o céu quanto o
Inferno os rejeita.
— Mestre — continuei —, a que pena tão terrível estão esses
coitados submetidos para que lamentem tanto?
— Te direi em poucas palavras. Estes espíritos não têm espe-
rança de morte nem de salvação. O mundo não se lembrará deles; a
misericórdia e a justiça os ignoram. Deixe-os. Só olha, e passa.
E então olhei e vi que as almas formavam uma grande multi-
dão, correndo atrás de uma bandeira que nunca parava. Estavam
todas nuas, expostas a picadas de enxames de vespas que as feriam
em todo o corpo. O sangue escorria, junto com as lágrimas até os
pés, onde vermes doentes ainda os roíam.
Quando olhei além dessa turba, vi uma outra grande multidão
que esperava às margens de um grande rio.
— Quem são aqueles? — perguntei ao mestre.
— Tu saberás no seu devido tempo, quando tivermos chegado
à orla triste do Aqueronte. — respondeu, secamente.
Temendo ter feito perguntas demais, fiquei calado até chegar-
mos às margens daquele rio de águas pantanosas e cinzentas.
Chegava um barco dirigido por um velho pálido, branco e de
pêlos antigos. Ele gritava:
— Almas ruins, vim vos buscar para o castigo eterno! Aban-
donai toda a esperança de ver o céu outra vez, pois vou levar-vos às
trevas eternas, ao fogo e ao gelo!
Inferno 9
Quando ele me viu, gritou:
— E tu, alma vivente, te afasta desse meio pois aqui só vem
morto! — Vendo que eu não me mexia, mais calmo, falou — Tu
deves seguir para outro porto, onde um outro barco, maior, te dará
transporte.
— Caronte, te irritas em vão! — intercedeu o mestre — Lá,
onde se pode o que se quer, isto se quer, e não peças mais nada!
Caronte então se calou, mas pude ver que seus olhos verme-
lhos ainda ardiam de raiva. As almas, chorando amargamente, se
amontoavam na orla e Caronte as embarcava, uma a uma, batendo
nelas com o remo quando alguma hesitava. Depois seguiam, que-
brando as ondas sujas do rio Aqueronte, e antes de chegarem à ou-
tra margem, uma nova multidão já se formava deste lado.
Enquanto Virgílio me falava sobre as almas que atravessavam
o rio, houve um grande terremoto, seguido por uma ventania que
inundou o céu com um clarão avermelhado. O susto foi tão intenso
que eu desmaiei e caí num sono profundo.
Canto IV
cordei ao som de um trovão, já nas bordas abissais do
fosso infernal, onde ecoam gritos infinitos. Tão escuro e
nebuloso era que, por mais que eu tentasse forçar a vista
ao fundo, não conseguia discernir coisa alguma.
A— Desçamos ao mundo onde nada se vê. — disse Virgílio —
Eu irei na frente e tu me seguirás. — e fez uma indicação para que
eu o seguisse. Ele estava com uma aparência muito pálida, e por
isso me assustei, hesitando por um instante.
— Como queres que eu te siga tranqüilo, se estás com medo?
— perguntei.
— Não é medo. — respondeu — A piedade me clareia o ros-
to, por causa da angustia das gentes desamparadas que aqui sofrem.
Andemos, pois temos ainda um longo caminho pela frente.
E assim ele me guiou para o primeiro círculo que rodeia o poço
abissal. Naquele lugar não ouvi sons de lamentação, somente
suspiros. Só havia mágoa. Como não lhe perguntei nada, o poeta
resolveu me explicar que espíritos eram aqueles que eu estava vendo.
— Estes coitados não pecaram, mas não podem ir para o Céu
— explicou —, pois não foram batizados. Estão aqui as crianças não
batizadas e aqueles que viveram antes de Cristo, como eu. Aqui não
temos sofrimento, mas também não temos nenhuma esperança.
Senti pena dele enquanto falava e imaginei quanta gente de va-
lor deveria estar suspensa para sempre nesse limbo, e então pergun-
tei-lhe:
Inferno 10
Inferno 11
— Algum desses habitantes, por mérito seu ou com a ajuda de
outro, pôde algum dia ir para o céu?
— Eu era novato neste lugar — respondeu Virgílio —, quando
um Rei poderoso aqui desceu. Ele usava o sinal da vitória na sua co-
roa. Veio, e nos levou Adão, Noé, Moisés, Abraão, David, Israel,
Raquel e vários outros que ele escolheu. E deves saber, antes que es-
sas almas fossem levadas, nenhuma outra alma humana havia alcan-
çado a salvação.
Não paramos de caminhar enquanto ele falava, mas continua-
mos pela selva, digo, a selva de espíritos. Não tínhamos nos afastado
muito do ponto onde eu acordei, quando vi um fogo adiante, um
hemisfério de luz que iluminava as trevas. Mesmo de longe, pude
perceber que aquele lugar era habitado por gente honrosa.
— Ó mestre que honras a ciência e a arte, quem são esses,
privilegiados, que vivem separados dos outros aqui? — perguntei.
— O nome honrado que ainda ressoa no teu mundo lá em
cima, encontra a graça no Céu que o favorece aqui.
Mal ele terminara de falar, ouvi um chamado que partiu de um
dos vultos iluminados:
— Saudemos o altíssimo poeta. — gritou a alma — Sua som-
bra que havia partido já está de volta!
Depois que a voz se calou, vi quatro grandes vultos se apro-
ximarem. Os seus rostos não mostravam tristeza, mas também não
mostravam alegria. Virgílio os apresentou:
— Este é Homero, poeta soberano, o outro é Horácio, o satí-
rico, Ovídio é o terceiro e por último, Lucano.
Quando chegamos até eles, o mestre falou-lhes em particular e
depois eles me saudaram, tratando-me com deferência, incluindo-
me como o sexto do seu grupo.
Prosseguimos, então, os seis, até finalmente chegarmos ao lo-
cal de onde emanava a luz. Lá se erguia um nobre castelo de muros
altos, cercado por um belo riacho. Sete muros o cercavam. Nós
passamos sobre o riacho como se fosse terra dura, depois, sete por-
tões atravessamos até chegarmos a um verde prado, onde muitas
outras pessoas conversavam. De lá mudamos para um local aberto,
luminoso e alto, onde podíamos ter uma visão completa de todos.
Reconheci várias grandes figuras como Enéas, Heitor e César, Aris-
tóteles, Sócrates e Platão, Orfeu, Heráclito, Tales, Zenão, Ptolomeu
e muitos outros. Exaltou-me a possibilidade de poder encontrar to-
dos esses espíritos, cuja sabedoria enchia de luz aquele lugar som-
brio. Havia mais. Muitos. Tantos eram, que não posso aqui listar
todos.
De todos, no final, restamos só eu e Virgílio, pois nossa jorna-
da nos impelia adiante. Chegamos, então, a um lugar onde nada
mais reluzia.
Grandes figuras da Antiguidade reunidas no Limbo. Ilustração de Gustave Doré (século XIX).
Inferno 12
Canto V
ssim que entramos no segundo círculo, lá estava Minós,
rangendo terrivelmente. Ele ficava na entrada e recepci-
onava os pecadores, julgando-os um por um. Ouvia su-
as confissões e proferia a sentença, se enrolando na própria cauda.
O número de voltas que dava a sua cauda indicava quanto deveria
descer o pecador para o seu lugar nas profundezas do Inferno. Uma
grande multidão se amontoava diante daquele juiz. Cada pecador
falava, ouvia sua sentença, e era atirado no abismo.
A— Ó tu que entras no asilo da dor — disse Minós ao me ver,
interrompendo seu ofício —, vejas bem em quem confias e como
entras aqui. É fácil de entrar, mas não te enganes!
— Por que gritar? — respondeu Virgílio ao juiz dos mortos
— Não podes impedir esta jornada, pois lá, onde tudo o que se
quer se pode, isto se quer e não peças mais nada!
Minós se calou, e nós prosseguimos. Pouco a pouco comecei a
perceber sons tristes, muito pranto e lamentos. Neste lugar escuro
onde eu me encontrava, o som das vozes melancólicas se asseme-
lhava ao assobio do mar durante uma grande tormenta. Os tristes
sons emanavam de um enorme redemoinho. Eram almas sofredo-
ras, sacudidas pelo vento que nunca cessava. Entendi que era o cas-
tigo pela transgressão da carne, que desafia a razão, e a submete à
sua vontade.
No escuro vento vi várias sombras que passavam se lamen-
tando e ao mestre perguntei:
Inferno 13
Inferno 14
— Mestre, quem são essas pessoas que o vento tanto castiga?
— A primeira, cuja história deves conhecer — explicou o
mestre —, foi imperatriz de povos de muitas línguas. É Semíramis,
a sucessora e esposa de Nino. A que a segue é a viúva de Siqueu,
que se matou por amor. Ali tu vês Cleópatra, luxuriosa. Veja Hele-
na, e também Aquiles, Páris, Tristão. — e, uma por uma, me indi-
cou outras mil sombras que tiveram suas vidas desfeitas pelo amor.
— Poeta — eu falei — eu gostaria, se for possível, de falar
com aqueles dois, unidos, que tão leves parecem ser ao vento.
— Espera — respondeu —, em breve estarão próximos de
nós, e quando a fúria do vento diminuir, peça, pelo amor que os
conduz, que eles virão.
Então, quando a tormenta cedeu um pouco, eu chamei:
— Ó almas sofridas, falai conosco, se isto for permitido!
Elas ouviram, entenderam meu pedido. Deixaram o bando
onde estavam as outras e se aproximaram. Uma delas falou:
— Ó ser gracioso e benigno, o que desejares ouvir ou falar
conosco, nós ouviremos e falaremos, se o vento permitir. Nasci na
terra onde o Pó deságua. Amor, que ao coração gentil logo se pren-
de, tomou este aqui, pela beleza da pessoa que de mim foi levada, e
o modo ainda me ofende. Amor, que a nenhum amado amar per-
doa, prendeu-me, pelo seu desejo com tanta força que, como vês,
ele ainda não me abandona. Amor nos conduziu a uma só morte.
Caína aguarda aquele que tirou as nossas vidas.
Ao ouvir esse lamento, baixei o rosto, e permaneci assim, até
Virgílio me despertar. Voltei novamente àquele casal, e perguntei:
Notas 15
Virgílio e Dante observam as almas condenadas pelo pecado da luxúria
sendo carregadas pelo vento. No primeiro plano, Paolo e Francesca. Ilus-
tração de Gustave Doré (século XIX).
Paolo e Francesca. Pintura de Dante Gabriel Rossetti (século XIX).
— Francesca, o teu martírio me traz lágrimas aos olhos, mas
dize-me, como permitiu o amor que tomásseis conhecimento de
vosso sentimento recíproco?
— Não há maior dor que lembrar da felicidade passada —
disse ela — mas se teu grande desejo é saber, te direi como quem
chora e fala. Líamos um dia a sós, sobre o amor que seduziu Lance-
lote. Várias vezes essa leitura nos ergueu olhar a olhar. Mas foi
quando chegamos àquele ponto que falava do sorriso que desejava
ser beijado por um perfeito amante, que este aqui que nunca me
seja apartado, tremendo, beijou-me na boca naquele instante. Nos-
so Galeoto foi aquele livro e quem o escreveu. Desde aquele dia,
não o lemos mais adiante.
Enquanto uma alma contava a sua história triste, a outra cho-
rava sem parar ao seu lado, e eu, comovido de piedade e dor, des-
maiei, e caí como um corpo morto cai.
Dante desmaia após o relato de Francesca no segundo círculo onde as almas são agitadas como turbilhões de vento. Ilustração de William Blake (século XVIII).
Inferno 15
Canto VI
uando acordei já estava no terceiro círculo, cercado de
mais tormentos e mais atormentados que surgiam de to-
dos os lados. Uma chuva, gélida, eterna, com neve e gra-
nizo, caía sobre a lama podre que as almas encharcavam. Cérbero,
fera cruel e perversa, latia com suas três goelas para as almas sub-
mersas na lama. Ele tem uma barba negra e seis olhos vermelhos,
ventre largo e garras aguçadas com as quais rasga os pecadores e os
tortura. Elas berravam como cães e se contorciam na lama, tentan-
do em vão se proteger das chicotadas da chuva dura.
Q
Quando Cérbero nos viu, abriu suas três bocas e exibiu suas
presas, rangendo e estremecendo diante de nós. Meu mestre, caute-
loso, encheu suas mãos de terra e atirou nas goelas do cão danado.
O monstro, guloso, não hesitou em engolir a terra, se emperrou
com ela e ficou em silêncio, como um cão faminto que se ocupa
com o seu osso.
Caminhamos, então, por entre as almas, pisando espectros va-
zios que se assemelhavam a formas humanas. Todos os espíritos ja-
ziam deitados, se confundindo com a lama que assumia suas for-
mas, transparentes, exceto um que se ergueu na hora em que passá-
vamos na sua frente.
— Ó tu que és guiado por este Inferno — falou — me reco-
nhece, se puderes, pois tu foste vivo antes que eu fosse desfeito.
Inferno 16
Inferno 17
— A angústia — disse eu — te deforma de maneira que eu
não consigo reconhecer-te. Mas dize-me quem tu és, condenado a
este lugar vil e submetido a tamanha tortura.
— A tua cidade — respondeu —, tão invejosa, um dia me
teve na vida serena. Teus conterrâneos me chamam Ciacco e por
causa da gula sofro na chuva, como estas outras almas, condenadas
por semelhante culpa.
— Ciacco — eu disse a ele —, teu estado miserável me causa
grande tristeza, mas dize-me o que vai acontecer, se souberes, com
os cidadãos de nossa Florença?
— Depois da paz, haverá guerra e sangue. — relatou Ciacco
— O partido rústico (os Bianchi) expulsará a outra parte brutal (os
Neri), mas, depois de três sóis, com a ajuda daquele que agora pare-
ce estar dos dois lados (Bonifácio VIII), voltarão ao poder, e por
longos anos manterão os outros afastados, por mais que implorem
ou chorem.
Quando ele terminou de narrar sua terrível profecia, pergun-
tei-lhe:
— Onde estão Farinata e Tegghiaio, Jacopo Rusticucci, Arri-
go, Mosca, e tantos outros que usaram seu gênio para o bem? Esta-
rão eles aqui ou estarão eles no céu?
— Tu os encontrarás mais embaixo, nas valas abissais. — dis-
se a alma — Se desceres mais, poderás vê-los todos! Mas quando
voltares mais uma vez ao mundo doce, te imploro que leves minha
lembrança aos que lá deixei. Não mais te digo nem te respondo.
Depois que terminou de falar, Ciacco afundou e desapareceu
de repente. O mestre então falou:
Inferno 18
— Este não mais se levantará até o dia em que soar a trompa
angelical. Quando isto acontecer, a adversa potestade virá e cada
alma voltará à sua tumba, retomará sua carne e sua forma humana,
e ouvirá a voz que eterna soa.
E assim cruzamos aquela mistura suja de almas com chuva,
aproveitando para falar um pouco da vida futura. Perguntei:
— Mestre, quanto a este tormento, ele crescerá, será o mesmo
ou será atenuado após a grande sentença?
— Retorna a tua ciência na qual se ensina que o ser mais per-
feito mais sente seja o bem ou a ofensa. Embora essas almas maldi-
tas nunca possam um dia chegar à perfeição, para lá, mais que para
cá, será sua sina.
Ao nos aproximarmos da entrada para o quarto círculo, en-
contramos Pluto, grande inimigo.
Inferno 19
Canto VII
— Pape Satàn pape Satàn aleppe! — começava Pluto com sua voz
rouca. Virgílio virou-se para mim e disse, com segurança:
— Não tenhas medo dele. Lembre-se que, por mais que ele
tenha poder, ele não pode impedir nossa descida. — Depois, diri-
giu-se a Pluto e gritou:
— Cala a boca lobo maldito! Consome em ti mesmo tua raiva.
Nossa descida não é sem propósito, pois é algo que se quer nas al-
turas!
Diante daquela voz revestida de autoridade, Pluto mal pôde
reagir. Logo fraquejou e diante de nós, tombou.
Aproveitamos, então, para descer pela beira que contorna o
quarto círculo. Lá vi mais almas que em todos os círculos preceden-
tes. Estavam organizadas em dois grupos que se enfrentavam, com
os peitos nus, rolando grandes pesos em sentidos contrários até co-
lidirem uns com os outros. Após o choque um grupo gritava “por
que poupas?”. O outro gritava “por que gastas?”. Depois do cho-
que seguiam em sentido contrário até se encontrarem novamente,
do outro lado do círculo. E assim continuavam por toda a eternida-
de.
Com o coração pungido de desgosto, perguntei:
— Mestre, quem são essas pessoas? Eram padres essas almas
que vejo aqui do lado, com corte de cabelos em cercilha?
— Todos — respondeu o mestre —, em sua vida terrena, não
foram judiciosos com seus gastos. Isto declaram, quando se encon-
Inferno 20
tram nas suas culpas opostas. Esses de coroa pelada são clérigos,
papas e cardeais, nos quais a avareza se manifesta mais facilmente.
— Mestre — falei — em um grupo como este certamente se-
rei capaz de reconhecer alguém.
— É inútil a tua esperança. — respondeu o mestre — Sua
vida sem conhecimento os tornou imundos e agora é mais difícil
reconhecê-los. Eternamente se enfrentarão, aqueles de punho cer-
rado e aqueles outros sem cabelos. Mal dar e mal guardar os tirou
do mundo, colocando-os nessa rinha. Mas não vale a pena mais fa-
lar deles. Vês, filho, como de nada adianta os homens brigarem pela
fortuna? Pois todo o ouro que está ou já esteve sob a Lua não
comprará um minuto sequer de descanso para essas almas cansadas.
— Mestre meu — disse eu — me dize o que é a Fortuna de
que agora falas? Como é que ela é, essa que guarda todas as riquezas
do mundo em suas mãos?
— Aquele cujo saber tudo transcende — explicou-me o mes-
tre — fez os céus e lhes deu quem os conduz, e cada esfera que bri-
lha reflete sobre as outras, distribuindo igualmente a luz. Do mes-
mo modo, para as riquezas mundanas designou uma ministra para
que ela cuidasse de permutar, de tempos em tempos, os bens pro-
fanos entre as nações e famílias, livres do alcance da cobiça huma-
na. Então, enquanto uma nação impera, outra enfraquece, de acor-
do com o arbítrio dela, que é oculto como uma serpente na relva.
Vosso saber não tem poder sobre sua lei, pois ela prevê, julga e rege
sobre seu reino. E ela nunca pára. É amaldiçoada até por quem de-
veria louvá-la, mas como é beata, ela não os ouve, e continua a girar
a sua roda eternamente.
Inferno 21
Não demoramos mais naquele lugar pois o dia já chegava ao
fim, e nosso tempo era curto. Descemos então para o quinto círcu-
lo por uma vereda escura onde nascia uma fonte de água preta e
fervente. Atravessamos o riacho e acompanhamos suas encostas
através de um caminho estreito, até que chegamos finalmente às
margens de um vasto pântano chamado Estige, onde o riacho desa-
guava.
Apesar da escuridão, pude ver naquela água escura, vultos nus
cobertos de lama remexendo-se, com feições iradas. Eles esmurra-
vam-se com as mãos, batiam cabeças, se chutavam e arrancavam as
peles uns dos outros com os dentes.
— Filho — disse o bom mestre —, aqui tu vês as almas dos
vencidos pela ira, e vou dizer-te ainda, se me crês, que embaixo
d'água há gente que suspira, fazendo-a borbulhar. São aqueles ven-
cidos pelo rancor, a ira contida e passiva, porém igualmente destru-
tiva. Eles gorgolam o lodo e formam as bolhas que pipocam sobre
esta lama fétida.
Depois demos uma grande volta, seguindo entre o rio e a orla
seca, sempre observando aqueles que engoliam a lama, até chegar-
mos ao pé de uma alta torre, no final.
Notas 22
Dante e Virgílio no Inferno. Pintura de Eugène Delacroix (século XIX) mos-
trando Flégias, o barqueiro, que faz a travessia do rio Estige levando Dan-
te e Virgílio. O rio está repleto de almas iradas. Avista-se, no horizonte, a
cidade de Dite e o fogo eterno. (Museu do Louvre, Paris)
Canto VIII
u devo explicar que, bem antes de chegarmos ao pé da-
quela torre, já observávamos as duas chamas que havia
no seu cume. Na escuridão do rio, outra luz tão distante
que quase não se via, respondia com um sinal. Voltei-me ao mar de
toda sabedoria, e perguntei:
E — Que sinais são estes? E aquela outra chama, o que ela res-
ponde? Quem é que as provoca?
— Sobre esta lama imunda em breve poderás perceber o que
se espera — respondeu Virgílio.
Mal ele terminara de falar, da escuridão surgiu um barquinho pi-
lotado por um barqueiro solitário, cortando a água em nossa direção.
— Chegaste, alma culposa! — gritou ele ao ancorar.
— Flégias, Flégias, desta vez tu gritas em vão — respondeu o
meu senhor —, pois só vais nos levar à outra margem e nada mais.
Contendo a sua ira, o barqueiro concordou. Meu guia calmamente
embarcou e depois eu entrei, e só então o barco pareceu carregado.
No meio do caminho, um ser lamacento surgiu das águas e me
chamou, perguntando:
— Quem és tu que vens antes do tempo?
— Venho — respondi —, mas não demoro, mas quem és tu
tão revoltoso?
— Eu sou um dos que chora, como podes ver.
— Com choro e com luto, espírito maldito, que assim
permaneças, pois eu te conheço, mesmo tão sujo!
Inferno 22
Inferno 23
Depois que eu lhe respondi, ele irritou-se e saltou sobre o bar-
co, tentando me agarrar. Virgílio, porém, foi mais rápido e conse-
guiu lançá-lo de volta ao rio.
— No mundo este homem foi pessoa orgulhosa — disse o
mestre — e nada de bom resta em sua memória. Por isto é que sua
alma está aqui tão furiosa. Quantos lá em cima se julgam grandes
reis e aqui estarão como porcos na lama?
— Mestre — falei —, muito me agradaria também vê-lo aqui
afundado na lama antes que saíssemos deste lago.
— Antes que apareça a outra costa — respondeu o mestre —
teu desejo será satisfeito.
Pouco depois, ouvi seus companheiros o massacrarem. Eles
gritavam: “Vamos pegar Filippo Argenti!”. Deleitei-me ao ver aquele
florentino arrogante morder a si mesmo com os dentes de raiva.
E lá o deixei, e disso não falo mais. Comecei, então, a ouvir
vozes dolorosas, que me impeliram a olhar adiante.
— E agora meu filho — chamou-me o mestre — nos apro-
ximamos da cidade que se chama Dite, com seus tristes cidadãos e
grande companhia.
— Mestre, — observei — já posso ver as suas mesquitas logo
acima do vale infernal! Elas brilham, vermelhas como ferro em brasa.
— É o fogo eterno que arde no seu interior que faz esse brilho
rubro se espalhar pelo baixo Inferno. — completou Virgílio.
Entramos no fosso que cerca a cidade e Flégias deu uma grande
volta em torno dela, onde pude observar seus muros que pareciam
ser de ferro. Quando chegamos diante da entrada da cidade, Flégias
gritou alto com toda a força:
— Saiam! Saiam logo! É aqui a entrada.
Notas 24
Flégias (o barqueiro) realiza a travessia do Rio Estige levando Dante e
Virgílio. Dentro do rio estão condenados pelo pecado da ira. Ilustração
de Gustave Doré (século XIX).
Inferno 24
Descendo do barco, fomos recepcionados por um grupo de
demônios. Eles chegaram e perguntaram:
— Quem é esse que, sem morte, anda pelo reino da morta
gente?
O sábio mestre veio em meu auxílio. Dirigindo-se aos demô-
nios, fez sinais indicando que gostaria de falar com eles secretamen-
te. Responderam os diabos, disfarçando sua arrogância:
— Tudo bem, mas vem tu sozinho. E esse outro aí, que acha-
va que podia andar como rei nesta terra, que prove que pode voltar
sozinho se souber, pois tu que o guiaste até aqui vais ficar conosco!
Apavorei-me diante dessas palavras e temi não mais poder
voltar a ver o mundo outra vez.
— Caro meu guia — chorei, em desespero —, que tantas ve-
zes me deste segurança, não me deixes, por favor! Se não pudermos
prosseguir nesta jornada, que voltemos já sem demora!
Mas ele, confiante, me respondeu:
— Não temas, porque o nosso passo, ninguém pode impedir.
Mas espera aqui e descansa. Não deixes de ter esperança, pois po-
des ter certeza que não te deixarei sozinho neste mundo baixo.
Ele falou e foi encontrar-se com os diabos, e eu fiquei só a ob-
servar de longe. Não ouvi a conversa. Só vi a briga de longe e a por-
ta da cidade se fechar diante de Virgílio, que voltou para mim ca-
bisbaixo, em um passo lento.
— Olha só quem me nega a cidade da dor! — disse, triste —
Mas não temas, pois ainda vencerei esta prova. A esta hora já deve
estar no portal deste Inferno alguém por quem esta entrada será
aberta.
Canto IX
medo me tomou quando vi o semblante do mestre,
que se aproximava, e dizia quase para si:
ajuda nos fora pro
O — Precisamos triunfar, se não... Mas não, ora! A
metida! Como demora!
Eu vi muito bem como ele mudou de tom ao tentar encobrir o
que falara, ou a palavra que não havia pronunciado, por isso mais
medo tive ainda, pois a frase que ele deixara incompleta, eu comple-
tei com sentido pior.
— Alguma vez já desceu, a estes círculos profundos do Infer-
no, alguém do Limbo? — perguntei-lhe.
— Isto é raro — respondeu-me o mestre —, mas é verdade
que eu mesmo já fiz esta viagem e desci até o círculo mais profun-
do, quando uma vez fui convocado. Não se preocupe, pois conheço
bem o caminho.
Virgílio continuou a falar, mas, de repente, minha atenção se
voltou para o céu onde vi três Fúrias infernais. Eram figuras femi-
ninas, ungidas de sangue e com serpentes ferozes no lugar dos ca-
belos. O mestre, que já conhecia as escravas de Proserpina, me
apontou:
— Veja! São as Erínias ferozes! Aquela é Megera, à esquerda, e
aquela que chora à direita é Aleto. Tesífone é a do meio.
Elas gritavam alto e com as unhas rasgavam o peito. Eu fui
para junto do poeta, tomado pelo medo.
Inferno 25
Inferno 26
— Vem Medusa, vem! — gritavam — vamos transformá-lo
em pedra! Que pena que deixamos Teseu escapar!
— Fecha os olhos e volta-te! — gritou Virgílio — pois se a
górgona vier e tu olhares para ela, não haverá mais volta ao mundo!
— e com estas palavras ele me virou de costas e, não confiando nas
minhas mãos que já estavam sobre os olhos, colocou as dele sobre
as minhas e lá as manteve.
De repente, ouvi um grande estrondo e uma ventania tomou
conta do ar levantando poeira e fazendo um barulho assustador.
Depois, o Inferno começou a tremer. Ele então tirou as mãos dos
meus olhos e disse:
— Agora vira-te e olha na direção do pântano, onde a bruma é
mais espessa.
Olhei e vi mais de mil almas apavoradas no ar, fugindo, saindo
do caminho de um ser que vinha, caminhando sobre o Estige, sem
molhar os pés. Ele afastava o ar sujo com as mãos, e essa aparenta-
va ser a única coisa que o incomodava. Eu tinha certeza, agora, que
ele vinha do céu. Voltei-me para o guia mas ele fez um sinal para
que eu permanecesse em silêncio.
O anjo chegou e tocou as portas de Dite com uma pequena
vara, fazendo com que elas abrissem sem esforço.
— Ó almas mesquinhas — ele começou, sobre as portas da
cidade sombria — por que resistis contra aquela vontade que nunca
pode ser negada e que, mais de uma vez, só fez aumentar vosso so-
frimento?
Depois de falar, voltou pelo mesmo caminho por onde tinha
chegado. Nós depois prosseguimos, seguros por suas palavras sa-
gradas, e entramos sem dificuldades pela porta principal.
Inferno 27
Já dentro da cidade, encontramos um cemitério de tumbas
abertas, de onde se ouvia o lamentar de muitas vozes que queima-
vam em brasa dentro das covas.
— Mestre — perguntei —, que sombras são estas que aqui ja-
zem e que só podemos perceber pelos seus lamentos?
— São os hereges e seus seguidores. — respondeu-me Virgílio
— Em cada tumba repousam os réus de uma mesma seita, que são
torturados pelo fogo eterno.
Dobramos, então, à direita, e continuamos a caminhar entre a
muralha da cidade e as sepulturas.
Notas 28
Mapa 1: INFERNO SUPERIOR (vestíbulo e círculos I a V)
Portal do Inferno: “... Abandonai todas as esperanças, vós que entrais!” (Canto III)
Ante-inferno (vestíbulo): Fúteis e indecisos – aqueles que não tomaram partido do
bem ou do mal (são rejeitados pelo céu e inferno). São torturados por vermes e
vespas por toda a eternidade (Canto III).
Rio Aqueronte: Rio que cerca o inferno. A travessia (sem volta) é realizada por
Caronte – o barqueiro (Canto III).
Círculo I (Limbo): Os que não pecaram, mas não foram batizados. Não sofrem
porém não têm esperanças (Canto IV).
Minós: Juiz dos mortos. Monstro que se enrosca no próprio rabo e despacha os
pecadores às suas penas (Canto V).
Círculo II: Luxuriosos. São agitados dentro de turbilhões de vento que nunca
cessam (Canto V).
Círculo III: Gulosos. Jazem submersos na lama onde são dilacerados por Cérbe-
ro (Canto VI) e cortados pela chuva eterna.
Círculo IV: Avarentos e gastadores. Passam a eternidade empurrando pedras
uns contra os outros sem finalidade (Canto VII).
Círculo V e Rio Estige: Dominados pela ira e pelo rancor. Massacram uns aos ou-
tros dentro do rio nojento (Canto VII) ou gorgolam a lama no seu fundo.
Cidade de Dite: a cidade da dor eterna, cercada pelo Estige, protegida por diabos
e fúrias. Flégias: barqueiro do Estige realiza a travessia (Canto VIII).
Inferno 28
Mapa 1: Inferno superior. Ilustração de Helder da Rocha.
Notas 29
Túmulos dos hereges dentro da cidade de Dite. Ilustração de
Gustave Doré (século XIX).
Canto X
assávamos por um caminho secreto, entre a muralha e as
sepulturas, quando eu perguntei ao mestre:
vê-las? Pergu
— Mestre, estas pessoas aqui enterradas, podemos
nto isto já que todas as tumbas estão descobertas e
ninguém as guarda.
P — Elas serão um dia fechadas — respondeu —, quando aqui
retornarem com os corpos que deixaram lá no mundo. Este cemité-
rio que aqui vês é para Epicuro e seus seguidores, que acreditavam
que a alma morreria junto com o corpo. E quanto à outra questão
que me fizeste, ela será em breve respondida, assim como o desejo
que escondes de mim será atendido.
— Ó meu bom guia — falei — eu não escondo meu coração,
e se pouco falo, é porque tu mesmo me pedisse isto outras vezes.
— Ó toscano que falais com tamanha honestidade. Por vosso
sotaque reconheço que sois de minha cidade natal. Daquela nobre
cidade que tratei, talvez, de forma muito dura.
Isto eu ouvi soar de uma das tumbas. Assustado, fui para mais
perto do mestre, que disse:
— Volta! O que estás fazendo? Vê Farinata que já se ergueu.
Tu o verás em pé, da cintura para cima.
Eu já lhe fixava o olhar, e lá estava ele, imponente, como se nu-
trisse grande desprezo pelo Inferno. Virgílio guiou-me até ele, dizen-
do:
— Vai, e escolhe tuas palavras com cuidado.
Inferno 29
Inferno 30
E quando eu estava diante de sua tumba, ele me olhou um
pouco, meio desdenhoso e perguntou:
— Quem foram os vossos ancestrais?
E eu, que só desejava contentá-lo, nada escondi e contei-lhe a
verdade. Com isto, ele levantou um pouco as sobrancelhas, mas de-
pois disse:
— Tão duros na oposição foram a mim, aos meus parentes e
ao meu partido, que por duas vezes eu os expulsei.
— Mas duas vezes eles retornaram — repliquei —, coisa que
os vossos partidários nunca conseguiram fazer.
Enquanto conversávamos, fomos repentinamente interrompi-
dos pelo surgimento de um outro vulto, residente naquela mesma
tumba, que pude ver apenas do queixo para cima. Creio que estives-
se de joelhos. Ele olhou em volta esperando ver alguém. Não en-
contrando quem ele procurava, falou chorando:
— Se neste cárcere cego vais por grandeza de engenho, onde
está meu filho? Por que ele não está contigo?
— Eu não estou só — disse-lhe — aquele que ali espera me
guia por estas trevas; aquele por quem, talvez, teu Guido nutria um
certo desprezo.
Pelo seu modo de falar e pela sua pena, não foi difícil desco-
brir de quem se tratava, por isso minha resposta foi tão direta. Mas
subitamente ele ficou em pé, e gritou:
— Como? Disseste que ele nutria? Então ele não mais vive?
Então a luz doce não mais brilha nos seus olhos?
E quando percebeu que a resposta demorava demais, ele subi-
tamente afundou e não apareceu mais. Farinata continuava no
mesmo lugar onde estávamos quando a conversa fora interrompida.
Inferno 31
Não se incomodou e sequer olhou para ver o que acontecia. Ele
simplesmente continuou de onde tinha parado:
— Se eles não sabem como retornar, isto me dói mais que o
fogo deste leito. Retornar não é fácil. Em menos de 50 luas, vós
mesmo sabereis como é difícil retornar de um exílio. E como eu es-
pero que vós estareis de volta ao doce mundo, dizei-me, por que
vosso partido é tão duro com os meus, nas leis que cria contra eles?
— Certamente, tudo começou com o massacre que tingiu o
rio Árbia de vermelho. — respondi, e ele balançou a cabeça.
— Nisso não fui só eu — respondeu — mas certamente eu
também não teria ido se não fosse por uma boa causa, mas, quando
eles decidiram, unânimes, pela destruição de Florença, fui somente
eu que me levantei e ousei defendê-la de rosto aberto.
— Que agora encontre a paz, a vossa descendência — res-
pondi-lhe — mas gostaria que vós me esclarecesses uma coisa. A
mim pareceu, se bem entendi, que todos vós têm a capacidade de
ver o futuro, mas com o presente, o mesmo não ocorre.
— Os espíritos são capazes de prever o futuro, mas não po-
dem ver o presente. Um dia, quando a porta para o futuro for fe-
chada para sempre, todo o nosso conhecimento será findo.
— Então — pedi, arrependido — dizei àquele que desceu na
tumba que o filho dele ainda vive. Foi por não compreender que os
espíritos nada sabiam do presente, que eu fiquei em silêncio.
O mestre já me chamava, então, fiz uma última pergunta a Fa-
rinata. Perguntei-lhe se havia outros conhecidos que com ele com-
partilhavam aquela tumba.
Inferno 32
— Com mais de mil jazo neste valo. — respondeu — O im-
perador Frederico está comigo, e também o Cardeal Ottaviano. So-
bre os outros, eu me calo.
Depois disso, calou-se e desapareceu. Eu perguntei ao mestre
sobre o que esperar das previsões de Farinata e ele me respondeu:
— Guarda em memória tudo o que aqui ouviste contra ti, mas
espera até chegares a encontrar Beatriz, pois o olhar dela tudo
conhece.
Dobrando agora à esquerda, caminhamos do muro para o
meio, onde começava uma vereda que descia para um fosso pro-
fundo, de um ar mais espesso e malcheiroso.
Canto XI
hegamos à beira de um precipício, onde havia um barran-
co derrubado, cujas pedras formavam uma grande rampa
que permitiria nossa descida. Porém, o ar denso e fedo-
rento que emanava do abismo, nos afastou de sua borda, de forma
que tivemos que nos proteger sob a cobertura de uma tumba onde
estava escrito: “Aqui jaz o papa Anastácio que Fotino desviou do
bom caminho”.
C — Nós teremos que atrasar um pouco a nossa descida para
que possamos nos acostumar com este ar poluído — disse Virgílio.
— Devemos então encontrar uma forma de aproveitar esse
tempo utilmente — sugeri.
Ele concordou. Iniciou, então, uma detalhada explicação sobre
a geografia dos três círculos restantes do Inferno.
— Meu filho, depois deste barranco há mais três círculos,
concêntricos, organizados em degraus, como os anteriores. — disse
ele. — Toda a maldade é alcançada ora através da violência ora atra-
vés da fraude. Embora ambas sejam odiadas pelo céu, a fraude, por
ser uma perversão exclusiva do homem, desagrada mais a Deus. Os
fraudulentos, portanto, são colocados nas valas mais profundas do
Inferno, onde sofrem muito mais.
O próximo círculo (sétimo) que nós encontraremos é o dos
violentos, que se divide em três giros, classificados de acordo com a
vítima da violência praticada. No primeiro giro estão aqueles que
praticaram violência contra o próximo ou contra os bens do próxi-
Inferno 33
Inferno 34
mo. Lá sofrem os assassinos, assaltantes e tiranos em grupos dife-
rentes, de acordo com a gravidade de seus crimes. No segundo giro
estão aqueles que praticaram a violência contra si próprios ou con-
tra seus próprios bens. Os suicidas e gastadores que arruinaram su-
as próprias vidas (no jogo, por exemplo) se encaixam neste grupo.
No último giro do sétimo círculo estão aqueles que praticaram vio-
lência contra Deus. São os que, orgulhosos, não acreditaram nele ou
que o atacaram com blasfêmias, através da destruição e desprezo
pela sua criação ou pela exploração da criação dos seus filhos atra-
vés da usura.
Nos dois últimos círculos estão os que praticaram a fraude.
Eles premeditaram seus atos e têm plena consciência do mal que
causaram. Um homem pode praticar dois tipos de fraude: contra
pessoas que confiam nele ou contra estranhos que podem suspeitar
dele. Este último tipo só destrói o vínculo do homem com a natu-
reza e é punido no oitavo círculo onde encontraremos hipócritas,
aduladores, ladrões, falsários, simoníacos, sedutores e trapaceiros.
O primeiro tipo de fraude desfaz não só o vínculo do homem com
a natureza, mas também aquele vínculo de confiança estabelecido
com outros homens. É, portanto, no menor dos círculos, no nono
e último, junto com Dite (Lúcifer), onde são punidos os que traíram
aqueles que neles confiaram.
Quando o mestre concluiu seu discurso, perguntei-lhe:
— Por que alguns pecadores cumprem suas penas (mais leves)
fora da cidade de Dite e outros cumprem penas mais pesadas den-
tro da cidade? Por que todos não estão aqui?
— Será que tu já esqueceste o que diz a tua Ética — respon-
deu —, quando ela explica em detalhes, as três coisas que ao Céu
Notas 35
Vista da cidade de Dite, sexto e sétimo círculos. Ilustração de Helder da
Rocha.
Inferno 35
mais desagradam: incontinência, malícia e bestialidade? A culpa por ter
pecado por causa de incontinência ofende menos a Deus. Se tu
lembrares com cuidado essa doutrina, entenderás por que aqueles lá
de cima foram separados destes maliciosos aqui em baixo.
A explicação foi bastante esclarecedora, mas uma dúvida ainda
me atormentava. Eu não entendia como a usura podia ser um peca-
do de ofensa a Deus. Fiz, então, essa pergunta a Virgílio, que me
respondeu:
— Mostra a filosofia, àquele que a compreende, como a Natu-
reza se manifesta a partir do intelecto divino e da sua Arte. Se re-
correres a tua Física, encontrarás, bem no início, como a vossa Arte
também imita a Natureza. E, como o aprendiz que segue os ensi-
namentos do seu mestre, a Arte, sendo filha do homem, torna-se
quase neta de Deus. Se lembras o que diz o Gênese, logo no início:
convém ao homem tirar da Natureza e de sua Arte os meios para a
sua sobrevivência. Mas o usurário, ao seguir outros caminhos, agri-
de à Natureza e a Arte, que dela deriva, pois em outra coisa (o di-
nheiro) põe suas esperanças.
A aurora já se aproximava e o mestre me chamou para conti-
nuar a jornada, pois ainda faltava muito antes que chegássemos à
descida para o rochedo.
Canto XII
escemos por uma rampa formada por um enorme des-
lizamento de pedras, causado provavelmente por um
terremoto ou pela contínua erosão. O barranco derru-
bado esculpia vários caminhos íngremes e irregulares da beira do
precipício até embaixo, permitindo a descida com dificuldade.
Quando descíamos por esse caminho tortuoso, encontramos, na
beira do barranco destruído, o Minotauro de Creta. O touro ficou
tão enfurecido quando nos viu que mordeu suas próprias mãos de
raiva. Mas Virgílio logo o afastou, gritando:
D
— Pensas talvez que estás vendo o duque de Atenas, que no
mundo te trouxe a morte? Vai embora, besta, que este só vem aqui
para conhecer vossas penas!
Tentando escapar, assustado com aquela voz revestida de au-
toridade, o Minotauro começou a bufar e espernear, escoiceando
como se tivesse sido ferido. O mestre, alerta, gritou:
— Vamos andando! Rápido! Vamos aproveitar para escapar
enquanto ele se consome em sua fúria.
Seguimos então pelas pedras, que eu freqüentemente sentia
balançarem sob os meus pés. Eu pensava sobre as ruínas quando o
mestre falou:
— Imagino que pensas sobre estas ruínas, guardadas por
aquela fera semi-humana. Quero que saibas que, quando aqui estive
da última vez, esta avalanche ainda não havia acontecido. Se eu bem
lembro, ela ocorreu pouco antes da descida Daquele que veio ao In-
Inferno 36
Inferno 37
ferno para levar os justos para o céu. Na ocasião, todo este abismo
tremeu. Não só aqui houve destruição, mas também em outras par-
tes. Mas olha lá para baixo que em breve avistarás o rio de sangue
fervendo as almas dos violentos contra seus semelhantes.
De lá do alto vi uma larga fossa, curva como um arco, assim
como o mestre me descrevera, que se estendia por todo o plano
abaixo. Na base do penhasco apareceu uma ala de centauros, arma-
dos com flechas. Quando nos viram, três deles se afastaram do gru-
po e vieram na nossa direção, armados, com as flechas esticadas,
prontas para atirar. Um deles então gritou:
— Vocês aí! O que querem? Que tortura procuram? Falem
logo ou eu atiro!
— Nossa resposta daremos somente a Quirón, teu chefe! —
gritou o mestre de volta. — Só com ele falaremos pois tu estás de-
masiado nervoso. — Depois ele voltou-se para mim e disse —
Aquele ali é Nesso, que morreu pela bela Dejanira, e fez do seu
sangue sua própria vingança. O do meio, que contempla seu peito,
é o grande Quirón, que educou Aquiles; o último é Fólo, aquele que
nos ameaçou cheio de ira.
Quando estávamos diante dos centauros, ouvimos Quirón fa-
lar aos outros dois:
— Vocês perceberam que aquele que está atrás move tudo o
que toca? Isto não é o que fazem normalmente os pés de um morto!
O mestre, que já estava diante do centauro e ouvira o final da
conversa logo lhe esclareceu:
— Ele está, de fato, vivo, e eu fui designado para guiá-lo por este
caminho. Ele faz esta viagem por necessidade e não por prazer. Ele
não é ladrão nem eu alma criminosa. — e pediu — Dá-me para nos
Inferno 38
guiar um do teu povo, para que nos leve à passagem onde o rio fica
raso e possa levar este nas costas, pois ele não é espírito que voa.
Quirón, então, voltou-se para Nesso e ordenou-lhe que nos
mostrasse o caminho. Partimos com a fiel escolta, margeando o rio
de sangue, onde almas ferviam e gritavam de dor. Lá eu vi almas
submersas até os olhos.
— Esses que tu vês mergulhados até os olhos — explicou o
centauro —, são os tiranos que tiraram o sangue e os bens de suas
vítimas. Aqui choram por seus feitos desumanos Alexandre e Dio-
nísio, que fez a Sicília sofrer durante anos. Aquele de cabelos negros
é Azzolino e o outro, louro, é Obizzo d'Este.
Pouco adiante, parou outra vez o centauro, e mostrou-nos al-
guns que ficavam submersos no sangue até a garganta.
— Eis aquele que assassinou, durante a missa, aquele outro
cujo coração ainda sangra sobre o Tâmisa — indicou Nesso.
Mais adiante, eu mesmo pude reconhecer alguns dos réus cujo
peito já emergia. À medida em que caminhávamos o nível do sangue
ia baixando até que enfim só ardia a sola dos pés. Lá finalmente en-
contramos um trecho raso por onde podíamos atravessar.
— Assim como vês o rio fervente aqui, deste lado, ficando
cada vez mais raso — disse o centauro —, do outro lado ele se tor-
na cada vez mais fundo, até chegar ao ponto de maior profundidade
que é onde sofrem os tiranos. É lá que a divina justiça atinge Átila,
que foi um flagelo na terra, e Pirro e Sexto; e para sempre espreme as
lágrimas que o sangue escaldante produz de Rinier da Cornetto e
Rinier Pazzo, que transformaram as estradas em campo de guerra.
Chegando a outra margem, descemos da garupa de Nesso. Ele
então, atravessou o rio novamente e se foi.
Notas 39
13
Centauros aguardam Dante e Virgílio diante do rio de sangue fervente)
onde sofrem os culpados de violência contra o próximo (assaltantes,
assassinos e tiranos). Ilustração de Gustave Doré (século XIX).
Canto XIII
ntes que Nesso tivesse terminado de atravessar o vau do
rio de sangue, já estávamos nós em um bosque, não
verde, mas de folhagens foscas, sem frutos, sem ramos e
com os troncos cobertos de espinhos. Era ali que faziam seus
ninhos as vis Hárpias — seres de grandes asas e rostos humanos,
garras nos pés e ventres emplumados que lançam das alturas
lamentos misteriosos.
A— Antes que entres — disse me o mestre —, saibas que es-
tamos no giro segundo deste sétimo círculo. Fica atento pois aqui
verás coisas incríveis que falsas soariam se eu te contasse.
Caminhávamos pelo bosque deserto e eu ouvia vozes de la-
mento, sem avistar ninguém que pudesse ser a fonte de tais lamúri-
as. Creio que Virgílio tenha pensado que eu estava achando que as
vozes emanavam de pessoas escondidas atrás das árvores, por isso
falou:
— Se arrancares um galhinho de uma dessas plantas, mudarás
o que agora imaginas.
Eu, seguindo seu conselho, levei a mão à primeira que encon-
trei, e dela arranquei um pequeno ramo.
— Ai! Por que me quebrantas? — gritou o tronco, chorando.
E depois de se cobrir todo de sangue, disse ainda, triste — Por que
me atormentas? Não tens espírito de piedade? Homens um dia fo-
mos e hoje só restam paus. Devias ter mais cortesia mesmo que
fôssemos almas de serpentes.
Inferno 39
Inferno 40
Saía da ferida, uma mistura de sangue e palavras, cuspindo e
assobiando. Assustado, soltei o galho que eu segurava e permaneci
parado, como quem teme.
— Ó alma ferida — falou Virgílio, dirigindo-se à planta — fui
eu que o incitei a fazer o que agora me entristece. Se ele soubesse
que sofrerias, ele jamais teria erguido a mão contra ti. Mas dize a ele
quem foste, pois ele voltará ao mundo onde poderá resgatar a tua
fama.
— Tão amiga soa tua fala que devo responder. Fui ministro de
Frederico II e vítima de grande injustiça, calúnias e inverdades. Por
causa delas, tirei minha própria vida. Sempre fui atento ao meu se-
nhor e nunca o traí. Se algum de vós regressar ao mundo, por favor
restaure a minha memória que foi maculada pela inveja.
Virgílio esperou um pouco, depois me falou:
— Já calou-se o suficiente. Não percas tua vez. Pergunta, se há
mais alguma coisa que desejas saber.
— Por que tu não perguntas o que achares que a mim poderá
satisfazer? — perguntei — Eu não posso. Não conseguiria falar.
Ele então, voltou para o espírito:
— Ó espírito em desgraça, dize-nos como uma alma se funde
com estas plantas e se algum de vós, um dia, escapará desses galhos.
Ao ouvir, a árvore respirou fundo e depois seu sopro se trans-
formou em uma voz que respondeu:
— Quando alguma alma se separa do seu corpo por sua pró-
pria vontade, Minós a manda para a sétima foz. De lá, cai nesta sel-
va escura, brota como uma semente e cresce, até tornar-se um espi-
nhoso arbusto. As Hárpias nutrem-se de nossos galhos e assim nos
trazem eterna e intensa dor. Como os outros, um dia retornaremos
Inferno 41
para reaver nossos corpos, mas nunca mais poderemos vesti-los,
pois, injusto seria que tivéssemos algo que rejeitamos. Nós os arras-
taremos até aqui onde, nesta triste floresta, nossos corpos serão
para sempre pendurados nos galhos de suas almas vis.
Enquanto ouvíamos a árvore falar, um novo ruído desviou a
nossa atenção. Eram dois vultos nus, que corriam, sangrando. Arran-
cavam, na fuga, todos os galhos dos arbustos por onde passavam.
— Me acode, me acode, Morte! — gritava o primeiro.
— Lano, com tuas pernas poderias ter tido mais sorte na bata-
lha de Toppo! — dizia o outro que, não podendo mais correr, caiu
sobre um arbusto e se ficou coberto de espinhos.
Atrás dos dois a selva estava repleta de cadelas pretas, ágeis e
famintas. Elas chegaram e afundaram suas presas no pobre coitado
que se escondia e o dilaceraram, arrancando seus pedaços e fugindo
com partes de seus membros arrancados.
Depois que as cadelas se foram, Virgílio me levou até um ar-
busto que chorava, em vão, através das suas muitas fraturas que
sangravam.
— Ó Giácomo de Santo Andrea — chorava —, que culpa te-
nho de tua vida perversa?
— Quem foste tu que agora, através das feridas, sopras com
sangue este sermão amargo? — perguntou o mestre.
— Ó almas que chegaram a tempo de ver esta injusta mutila-
ção que separou-me dos meus galhos, por favor, junte-os em volta
do meu tronco. Eu fui da cidade cujo patrono era o Batista e lá fiz
de minha casa, a minha forca.
Notas 42
Dante arranca um galho de árvore que chora de dor na floresta das
Hárpias (onde são punidos os suicidas). Ilustração de Gustave Doré (século
XIX).
Canto XIV
ntes de partir, a minha compaixão pela alma que tanto
amava a nossa Florença me levou a recolher os galhos
espalhados e devolvê-los àquele tronco, que agora per-
manecia calado.
AContinuamos a jornada até chegarmos ao lugar onde se separa
o terceiro giro do segundo. O lugar era um estéril deserto de areia
grossa e quente, cercado pela selva dos suicidas, assim como o rio
de sangue cercava a floresta.
Eu vi vários grupos de almas nuas. Todas choravam desespe-
radamente. Parecia que cada grupo sofria uma pena diferente. Al-
gumas almas permaneciam deitadas de costas no chão quente. Ou-
tras reuniam-se acocoradas em pequenos grupos. A grande maioria
caminhava sem parar. Sobre todo o areão caíam brasas quentes, len-
tamente, como flocos de neve num dia sem vento. As brasas batiam
na areia e produziam faíscas que aqueciam o chão arenoso, intensi-
ficando a dor dos que ali sofriam. Sem descanso, as almas faziam
uma dança rítmica com mãos, tentando, em vão, afastar as chamas
que sobre elas caíam.
— Mestre — perguntei —, quem é aquele que ali está deitado
e age como se as brasas não o incomodassem?
E o vulto, percebendo que dele eu falava, respondeu gritando:
— O que um dia fui quando vivo, continuo a ser, agora, mor-
to! Júpiter pode perder as esperanças de vingança. Nem o raio com
o qual ele me atingiu no meu último dia, nem estas brasas que ele
Inferno 42
Inferno 43
agora lança sobre mim farão com que eu lhe dê o prazer de se ver
vingado!
— Ó Capâneo, já que tua soberba não diminui, o teu sofri-
mento só aumenta: nenhum martírio, mais que a tua própria ira, se-
ria melhor punição ao teu orgulho! — gritou Virgílio, e depois me
explicou — Ele foi rei. Um dos sete que assediaram Tebas. Pelo seu
ódio, é condecorado com essas “medalhas” incandescentes que en-
feitam seu peito. Agora me acompanha e tem cuidado para não pi-
sar na areia quente, seguindo sempre por este bosque ao lado.
Chegamos a um pequeno riacho, de águas tão vermelhas que
me deixaram impressionado. O leito e as margens do rio eram feitas
de pedra, e as bolhas liberavam um vapor que extinguiam as chamas
que caíam acima e nas proximidades do riacho. Imaginei, portanto,
que aquele deveria ser o nosso caminho.
— Entre todas as coisas que te mostrei, não viste nada ainda
tão notável quanto este riacho que extingue as chamas que caem
sobre ele. — falou o mestre, e eu pedi que ele falasse mais sobre a
origem do riacho.
— No meio do mar se encontra um país gasto, que se chama
Creta. — explicou Virgilio — Lá existe uma montanha chamada
Ida, que, antes fértil e cheia de vida, hoje permanece deserta como
coisa velha. No centro da montanha encontra-se um grande velho,
que tem suas costas voltadas para Damiata, e seu rosto virado para
Roma, que lhe serve de espelho. Sua cabeça é feita do mais puro
ouro. De pura prata são seus braços e o peito. É de cobre dali até
onde começam as pernas. O resto é todo de ferro exceto o seu pé
direito que é de argila, sobre o qual apoia a maior parte do seu peso.
Todas as suas partes, exceto a de ouro, estão podres, rachadas por
Inferno 44
uma fissura por onde fluem lágrimas que descem até os seus pés,
onde elas se unem e cavam uma gruta. Pelas rochas penetram e aqui
deságuam, formando o Aqueronte, o Estige e o Flegetonte que, no
final, formam o Cócito que ainda veremos adiante.
— Se este riacho ao nosso lado tem sua origem no nosso
mundo, porque só agora o vimos? — perguntei.
— Tu sabes que este lugar é redondo — respondeu — e que
nós, virando sempre à esquerda e descendo, não demos ainda uma
volta completa; muito ainda veremos adiante, então, não fiques sur-
preso ao encontrar algo que não vistes ainda.
— Onde, mestre, encontraremos o rio Flegetonte e o Letes,
que não foi por ti mencionado?
— O Flegetonte — respondeu —, é a fonte deste riacho que
agora vês saindo da floresta. É aquele mesmo rio de sangue ferven-
te que atravessamos com o centauro. O Letes tu ainda verás, mas
fora deste mundo. É lá que se banha a alma penitente que, arrepen-
dida, da sua culpa se purifica.
Depois ele me chamou:
— Vem. Está na hora de sairmos deste bosque. Vem pela
margem de pedra deste riacho, pois sobre ela o vapor apaga as
chamas.
Notas 45
Os que praticaram violência contra Deus sofrem em um deserto in-
candescente e são torturados por chuvas de brasas. Ilustração de Gustave
Doré (século XIX).
Canto XV
ós caminhávamos por uma das margens de pedra. Uma
névoa pairava sobre o córrego mantendo o fogo longe
dos diques que o separam do areão. A selva já ficara
bem para trás (tão distante que, se eu olhasse para trás, tenho certe-
za que não mais a veria) quando surgiu um grupo de almas beirando
o dique e nos fitando. Uma delas me reconheceu e se agarrou ao
meu manto, gritando:
N — Que maravilha!
Eu, logo que senti que um espírito me segurava, olhei para as
suas feições queimadas e, apesar de sua face tostada, não pude dei-
xar de reconhecê-lo.
— Sois vós aqui, senhor Brunetto? — perguntei.
— Filho — respondeu ele —, se não te causar desgosto, deixa
que Brunetto Latino se afaste de seu grupo e te faça companhia na
breve caminhada.
— Se quiserdes, posso sentar aqui convosco — respondi —,
se aquele que está comigo não se incomodar.
— Não posso parar. — respondeu — Fui condenado a vagar
eternamente. Se um de nós se detiver, terá que permanecer por cem
anos, sem poder afastar o fogo que o atormenta. Segue, portanto, e
eu te acompanharei, e depois voltarei ao meu bando, que lamenta a
sua dor eterna.
Andei ao seu lado, mas não desci do dique. Ele me perguntou
o que eu fazia lá naquele vale infernal antes do tempo. Contei-lhe
Inferno 45
Inferno 46
toda a história, desde a floresta escura até a jornada que eu empre-
endia com Virgílio. E então ele me fez várias previsões sobre o meu
futuro e o de Florença. Disse:
— Por tuas boas ações, a raça maligna te será inimiga. E têm
razão, pois entre as frutas podres não convém cultivar o figo. Pelas
honras que teu destino te reserva, vão disputar-te ambas as facções,
mas que do bode fique longe a erva.
— Minha mente não esquece — respondi — e meu coração
se parte, ao lembrar de vossa figura, amável e paterna, que enquan-
to vivia no mundo, hora após hora, me ensináveis como um ho-
mem se faz eterno. — e disse-lhe ainda — Não é nova esta vossa
profecia aos meus ouvidos. Eu anotarei e a levarei comigo, junto
com outro texto, para que uma mulher (Beatriz) o interprete, se eu
a encontrar.
Indaguei sobre o estado dos seus companheiros e se havia al-
guém conhecido entre eles. Ele me respondeu:
— Eu terei que ser breve, pois meu tempo é curto. Em suma,
cada um deles foi prelado, letrado ou de grande fama e por um só
pecado teve o desprezo do mundo. Se o meu grupo aqui estivesse,
poderia te mostrar, por exemplo, Prisciano e Francesco d'Accorso.
Eu conversaria mais, porém, já vejo uma poeira no Areal. Outro
grupo se aproxima e com eles eu não posso me misturar. Lembre-se
do meu Tesouro, no qual eu ainda vivo. É a única coisa que te peço.
Falou, e saiu correndo pelo deserto como atleta que disputa
uma corrida.
Canto XVI
hegávamos onde já se ouvia o ruído da água que caía no
outro círculo, com um som semelhante ao zumbido que
se ouve ao aproximar-se de uma colmeia, quando chega-
ram até nós três sombras, correndo, se separando de seu grupo que
nos passava.
C — Pára, tu, de vestes conhecidas! — gritavam — Pára pois
pareces ser de nossa terra perversa (Florença).
Ó tristes almas sofredoras! Quantas vi com seus membros re-
pletos de feridas novas e antigas, queimaduras que ainda me doem
só de pensar. Os seus gritos chamaram a atenção do mestre, que
voltou-se para mim e disse:
— Espera! Com estas almas te rogo cortesia.
Paramos. Os três espíritos, que não podiam parar, logo forma-
ram uma roda e começaram a andar em um círculo. Enquanto cir-
culavam, cada um mantinha o rosto virado na minha direção, de
forma que enquanto o pescoço virava para um lado, os pés seguiam
para o outro.
— Se a miséria deste solo estéril — falou um deles — e nossas
queimaduras, bolhas e peles descascadas te causam repugnância,
deixa que a nossa fama te anime a dizer quem és tu, que vivo cami-
nhas por este Inferno. Este na minha frente, embora corra nu com
o corpo esfolado, foi figura de alto grau no mundo. Seu nome era
Guido Guerra e muito ele cumpriu com seus conselhos e com a es-
Inferno 47
Inferno 48
pada. Este outro, que está atrás de mim, é Tegghiaio Aldobrandi,
cuja voz o mundo faria bem em ouvir. E eu, sou Jacopo Rusticucci.
Eu fiquei tão comovido com o sofrimento daqueles espíritos
que, se não fosse a chuva de brasas e o fogo, eu teria ido ao encon-
tro deles, com a aprovação do mestre. Tive vontade de descer do
dique e abraçá-los mas não o fiz por receio de me queimar. Depois
falei:
— Não repugnância, mas tristeza sinto por vossa condição. É
verdade que eu sou da vossa terra. Lá, eu sempre ouvi falar muito
bem de vossas obras e de vosso caráter.
— Que longamente possa tua alma continuar a guiar teus
membros — disse o mesmo que antes havia falado — e ainda de-
pois, possa tua fama continuar a brilhar, mas dize, cortesia e valor
ainda vigoram em nossa terra? Pois Guglielmo Borsiere, que recen-
temente juntou-se a nós, trouxe notícias que nos causaram imensa
tristeza.
— Os novos povos e seu rápido enriquecimento têm estimu-
lado o orgulho e descontrole em ti, Ó Florença! — gritei, e eles se
olharam, tomando isso como resposta.
— Se sempre respondes de forma tão clara — falaram todos
— feliz de ti quando precisares discursar. Logo, se conseguires sair
destas trevas e um dia voltar a rever as estrelas, não deixes de falar
de nós aos que ainda vivem!
Depois desfez-se a roda e sumiram os três. Virgílio, então, de-
cidiu que já era hora de partirmos também. Caminhamos e eu o se-
gui até que chegamos a um ponto onde o ruído das águas tornou-se
tão intenso que mal podíamos ouvir nossas próprias vozes.
Inferno 49
Eu mantinha uma corda enrolada na cintura, que, em uma ou-
tra ocasião, pensei em usar para vencer o leopardo na floresta. O
mestre a pediu, e eu a desenrolei entregando-a nas suas mãos. Ele a
pegou e caminhou até a borda do precipício, de onde a jogou no
abismo profundo.
Diante de tal cena eu pensei: “Algo deverá acontecer, pois al-
gum evento o mestre busca com o olhar”. Lendo os meus pensa-
mentos, Virgílio me respondeu:
— O que tua mente espera logo surgirá à tua visão.
Mal ele havia terminado de falar, eu vi surgir da escuridão, na-
dando naquele ar denso e escuro, uma grande e estupenda figura
que assombraria até os corações mais seguros. Ela já reduzia a sua
velocidade e preparava-se para pousar na beira do precipício, esti-
rando suas garras e recolhendo seus pés.
Notas 50
Mapa 2: CIDADE DE DITE E FOSSO (círculos VI e VII)
Círculo VI: Hereges. Em cada túmulo, membros de uma seita são cozinhados
eternamente (Canto IX).
Descida para o círculo VII: Caminho estreito onde Dante e Virgílio encontram o
Minotauro (Canto XII).
Círculo VII - 1º giro: Culpados de violência contra o próximo. Centauros garan-
tem a ordem neste círculo.
Rio Flegetonte: Rio de sangue fervente onde são torturados os violentos contra o
próximo, como os assassinos, tiranos e assaltantes (Canto XII).
Círculo VII - 2º giro: Culpados de violência contra si próprios.
Floresta das Hárpias: Onde as almas suicidas, presas dentro de árvores, são tortu-
radas pelas Hárpias (Canto XIII) e os que perderam todos os seus bens por
vontade própria são dilacerados por cadelas famintas.
Círculo VII - 3º giro: Culpados de violência contra Deus, Natureza e Arte.
Deserto ardente: Onde os pecadores do 3º giro são torturados por uma chuva e-
terna de brasas que cai em um deserto estéril (Canto XIV).
Fosso: Malebolge (valas malditas): Círculo VIII (morada dos culpados de fraude
dolosa). A descida para o profundo fosso é realizada montando nas costas do
monstro Gerión (Canto XVII) que nada através do espesso ar do inferno.
Inferno 50
Mapa 2: Círculo da violência (sétimo círculo). Ilustração de Helder da Rocha.
Inferno 51
Canto XVII
— Eis a fera com sua cauda aguda, que atravessa os montes e rom-
pe os muros e armas! Eis aquela que em todo o mundo transpira e
fede! — começou a me falar o mestre, enquanto acenava para a fera
sinalizando que ela viesse à beira da pedra onde estávamos.
E ela subiu com a cabeça e o busto, mas sobre a beira não
descansou sua cauda. A sua face era a face de um homem justo, tão
benignos mostravam-se seus traços, e de serpente era o resto de seu
corpo. As suas garras e o seu tronco eram peludas. Tinha o dorso e
peito ornados com pinturas de argolas e laços. Toda a sua cauda no
vazio vibrava, torcendo sua forquilha venenosa, armada na ponta
como um escorpião.
— Vamos! — chamou o mestre — Vamos até a fera que acolá
se assenta!
Descemos pelo lado direito do dique e demos dez passos pela
sua beira inferior, evitando as areias quentes.
Quando estávamos ao lado de Gerión, eu percebi, um pouco
mais distante, algumas pessoas acocoradas na areia junto à beira do
precipício.
— Para que possas ter um conhecimento completo dos tor-
mentos deste círculo, vai tu falar com aquele grupo enquanto eu
convenço esta fera a nos transportar. — sugeriu Virgílio.
E eu fui, sozinho, margeando a aresta do precipício, até onde
estavam sentadas aquelas almas tristes.
Inferno 52
Dos seus olhos escapava-lhes a dor. Com as mãos, defendiam-
se como podiam do solo em brasa e do ardente calor. Examinei
aqueles rostos, mas nenhum reconheci. Notei que todas tinham
uma bolsa pendurada no pescoço, cada uma de uma cor, com um
brasão nelas gravado. Uma tinha algo azul com rosto de leão im-
presso numa bolsa amarela. Outra ostentava uma bolsa vermelha
com uma pata branca desenhada. Aquela alma que tinha uma porca
azul pintada sobre uma bolsa branca me perguntou:
— O que fazes nesta fossa? Vai embora! E como estás vivo,
saibas que o meu vizinho Vitaliano sentará aqui à minha esquerda.
Que venha o cavaleiro soberano, que três bodes terá na sua bolsa!
Falou e depois fez caretas terríveis, puxando a língua por cima
do nariz. Eu, assustado, voltei para o lugar onde o mestre já me
aguardava. Quando cheguei, Virgílio já estava montado sobre a ga-
rupa da fera
— Ora, tenha coragem! — disse, tranqüilo — Monta aqui na
minha frente, pois atrás ficarei eu para evitar que sua cauda possa
fazer-lhe mal.
Subi então naquele bicho horrendo, tomado de medo e hor-
ror. O mestre me segurou firme e então gritou:
— Gerión, move-te afora e desce devagar. Pensa na carga que
carregas!
E assim, o monstro deu ré e virou-se na direção do abismo.
Onde estava o peito agora estava sua cauda, que esticou como uma
enguia, e com suas garras puxou o ar escuro, mergulhando na escu-
ridão. Eu estava aterrorizado. Nunca sentira medo igual. Olhei para
baixo e nada vi. Só havia escuridão. Gerión se movia lento, nadan-
Notas 53
18
Dante e Virgílio na garupa de Gerión, descem para o oitavo
círculo. Ilustração de Gustave Doré (século XIX).
Inferno 53
do, descendo em espiral. E esse movimento eu só pude perceber
por causa da brisa que soprava no meu rosto.
Pouco depois comecei a ouvir os lamentos que já dominavam
o ar. Debrucei-me para olhar para baixo e vi o fogo. Assustado,
logo me aprumei e segurei firme. Depois de cem voltas Gerión fi-
nalmente pousou, nos deixando no fundo, ao pé do grande penhas-
co. Assim que descemos de sua garupa ele sumiu, esvaindo-se na
escuridão.
Canto XVIII
xiste um lugar no Inferno chamado Malebolge, e é feito
de pedra de cor ferrenha, como as paredes da encosta
que o rodeia. No centro desse campo maligno há um
poço muito largo e profundo, que descreverei quando lá chegar-
mos. A faixa que resta, entre o poço e a encosta, é redonda e se di-
vide em dez valas, concêntricas, cada uma mais baixa que a anterior.
Aqui há pontes que, desde o penhasco, atravessam os fossos de
uma beira à outra, até a ultima que beira o poço central.
E Era nesse lugar que nós estávamos, quando do dorso de Ge-
rión fomos despejados. De lá seguiu o poeta à esquerda e eu o
acompanhei. À direita já pude ver as almas sofredoras e as novas
penas, o novo tormento e os novos torturadores, de que a primeira
vala era repleta.
Duas fileiras de almas nuas andavam em fila no fundo. As do
nosso lado seguiam com seus rostos virados para nós. As outras,
seguiam no sentido oposto. Nos dois grupos, diabos chifrudos sur-
ravam as almas com prazer, usando duros chicotes para que não pa-
rassem. Elas gritavam de dor, tropeçavam, mas não ousavam redu-
zir o seu passo.
Enquanto eu andava, reconheci um dos açoitados que sofria.
Eu olhei e ele baixou o rosto, tentando se esconder até que eu o se-
gui e perguntei:
— Se eu não estou enganado, tu és Venedico Caccianemico.
O que foi que te trouxe para este molho ardido?
Inferno 54
Inferno 55
— Eu não queria responder — disse o espírito —, mas tua
voz me faz recordar o mundo antigo. Eu fui aquele que, por dinhei-
ro, entreguei minha própria irmã Ghisolabella ao marquês d'Este.
— depois observou — Mas eu não sou o único bolonhês neste fos-
so! Esta vala está repleta de rufiões!
Naquele instante, um diabo chegou e lhe surrou com o chico-
te, dizendo:
— Anda rufião, que aqui não tem fêmeas para explorar!
Eu voltei a seguir meu mestre até uma ponte de pedra sob a
qual havia um vão por onde passavam os açoitados. Lá o mestre me
mostrou outros condenados que caminhavam pelo vale em sentido
contrário aos rufiões (que antes não víamos o rosto). Eram os sedu-
tores. Eles, assim como os rufiões, eram movidos por chicotadas.
Sem que eu pedisse, o mestre me mostrou várias personalidades:
— Vê aquele que vem, imponente, que não solta uma lágrima
sequer de dor. É Jasão, condenado por ter seduzido a jovem Ísfile
de Lemnos e depois tê-la abandonado. Ele a seduziu e depois a
deixou, sozinha, com criança para criar. Tal pecado é punido com
esta pena, e assim, também, Medéia tem aqui a sua vingança.
Tendo atravessado a ponte que unia a primeira beira à segun-
da, seguimos até a ponte seguinte. Antes de subir, já ouvíamos as
respirações ofegantes das almas que sofriam na segunda vala, respi-
rando um vapor nojoso que emanava de um rio de podres fezes
ácidas. Tão funda era esta vala que só foi possível ver seu fundo
quando chegamos à parte mais elevada e central da ponte. Lá vimos
gente imersa no esgoto asqueroso.
Notas 56
19
Sedutores e rufiões (em sentidos opostos) sendo açoitados
por diabos na primeira vala. No primeiro plano se vê os
aduladores imersos no esterco (segunda vala). Ilustração de
Sandro Botticelli (século XV).
Inferno 56
Não era fácil reconhecer os condenados, todos cobertos de
merda. Fiquei a olhar lá para o fundo, vendo se reconhecia alguém,
quando uma das almas gritou:
— Por que olhas mais para mim que para as outras almas sujas
desta vala?
— Porque — respondi —, se a memória não me engana, já te
vi antes com teus cabelos enxutos. Tu és Alessio Interminei de Lu-
ca. É por isto que te olho mais que os outros.
— Estou aqui por que fui um adulador — disse ele —, e en-
ganei pessoas com minha língua perversa.
Depois que Alessio terminou de falar, meu guia me chamou a
atenção:
— Vês aquela rameira suja que se coça de modo asqueroso?
Ela é a prostituta Taís. Mas agora vamos, pois já vimos o suficiente.
Canto XIX
Simão mago, e todos aqueles que te seguiram, profanando
e vendendo as coisas de Deus pelo preço de ouro e prata!
Em vossa homenagem devo soar a trombeta, pois é aqui,
nesta terceira vala, onde estais!
Ó Já estávamos no meio da ponte sobre a terceira vala. De lá eu vi
nas encostas e nos fundos da pedra gelada, redondos furos escavados
de igual tamanho. Da boca dos furos pendiam os pés de um penitente,
cujo corpo estava enterrado nos buracos com a cabeça para baixo.
Nas plantas dos pés ardiam chamas, que escorriam por seus calcanha-
res. Os sofredores, desesperados, agitavam seus pés freneticamente,
na vã esperança de livrarem-se das dores causadas pelas chamas.
— Mestre — perguntei —, quem é aquele que se debate mais
que os outros, e que é torturado por uma chama mais vermelha?
— Se quiseres— respondeu — eu te levarei até ele, e lá pode-
rás perguntar quem ele é e de onde veio.
Concordei e ele me ajudou na descida difícil, me segurando
enquanto passávamos pelas beiras esburacadas. Só quando eu esta-
va diante do pecador foi que ele me soltou.
— Ó tu, alma desgraçada que estás plantada, fala se puderes!
— fui dizendo, enquanto me abaixava diante dele como um frade
durante uma confissão.
— Já estás aí plantado? Já estás aí plantado, Bonifácio? Por
muitos anos enganou-me o escrito! — falou a alma pensando que
eu fosse outro. Fiquei imóvel sem saber como responder.
Inferno 57
Notas 58
20
Dante conversa com o papa Nicolau III que o confunde
com o papa Bonifácio VIII, aguardado para substituí-lo. I-
lustração de Gustave Doré (século XIX).
Inferno 58
— Rápido, dize a ele que não és ele, que não és aquele que ele
pensa que és — ordenou Virgílio, e eu respondi ao espírito da
mesma forma como ele me pediu.
— Bem, então o que querem de mim? — perguntou, suspi-
rando e torcendo os pés — Se querem saber quem eu sou, saibam
que um dia fui papa, mas na verdade eu era filho da Ursa. Por tanto
procurar embolsar ouro naquele mundo, aqui eu mesmo fui embol-
sado. Neste buraco, abaixo da minha cabeça, estão empilhados to-
dos aqueles que me precederam, pecando por tráfico de coisas divi-
nas, espremidos nas fissuras da pedra. Eu aguardo a chegada daque-
le que eu pensava que tu eras, que ocupará o lugar que hoje ocupo,
me empurrando mais para baixo neste buraco. Os pés dele arderão
em chamas até que ele seja também substituído por um pastor sem
lei, que virá do ocidente, e que pelo rei da França será protegido.
Ele cobrirá a Bonifácio e a mim.
Não resisti em respondê-lo com suas próprias palavras:
— Bem, dize-me quanto foi que Pedro teve que pagar ao nos-
so Senhor antes que Ele desse-lhe as chaves de sua Igreja? Estejas
certo que ele pediu nada mais que “Me acompanha.” Então fica tu
aí pois essa tua punição é merecida. Tua avareza traz tristeza ao
mundo, esmagando os justos, premiando os depravados. Criastes
para vós, pastores pervertidos, um deus de ouro e prata! Pouca dife-
rença há entre vós e os idólatras, exceto que eles só adoram a um, e
vós adorais centenas!
E enquanto eu falava essas palavras, aqueles pés escoiceavam
mais ainda, talvez por ira ou mordidas de consciência. O mestre en-
tão me levou de volta à ribanceira e seguimos para a quarta vala.
Canto XX
a nossa posição sobre o quarto valado pude ver procis-
sões caladas caminhando e ouvir o seu pranto. Mas
quando olhei com mais atenção eu vi, com espanto,
que todas as pessoas tinham a cabeça torcida. Só podiam andar para
trás, pois olhar para frente não lhes era permitido. Vendo tal ima-
gem torta e as lágrimas que vertiam descendo pelas nádegas, não
pude conter-me e chorei também.
D — Ainda estás com esses tolos enganadores? — perguntou-
me o guia, repreendendo-me — Aqui, neste lugar, a piedade vive
quando a piedade é morta. Quem pode ser mais cruel que o ho-
mem que tenta controlar a vontade divina? Levanta o rosto e veja
Anfiarau que tentou fugir da guerra, mas foi engolido pela terra até
chegar a Minós, que no fim, a todos aferra. Sabes por que ele e os
outros têm a cabeça virada para trás? É porque em vida quiseram
demais ver adiante. Foram todos adivinhos e astrólogos que agora
só podem olhar para o passado. Olha lá Tirésias que foi homem e
também mulher, vê Aronta e também Manto, que deu o nome à
cidade de Mântua, onde nasci.
Depois de mostrar a vidente Manto, Virgílio me contou
como ela percorreu o mundo por muitos anos até encontrar uma
planície desabitada no norte da Itália e lá se estabelecer para prati-
car magia com seus servos. Lá ela morreu e lá deixou seus ossos,
sobre os quais foi construída uma cidade, que ganhou o nome de
Mântua.
Inferno 59
Inferno 60
— Mestre — respondi — tua explicação eu sinto tão certa,
que outra seria como carvão extinto. Mas dize-me, dessa gente que
passa, se há alguma outra digna de nota.
— Sim, aquele ali cuja barba se espalha do queixo sobre suas
costas é Eurípiles — mostrou Virgílio — e aquele outro, magro, é
Michael Scott, que sabia tudo sobre magia. Veja Guido Bonatti e
veja Asdente, que hoje deseja ter sido mais dedicado na arte de fa-
zer sapatos. Mas agora vamos, pois a Lua cheia já se põe e o dia já
amanhece.
E enquanto ele falava, nós andávamos.
Canto XXI
e cima de outra ponte paramos para ver a próxima fis-
sura de Malebolge, que era incrivelmente escura. Lá
embaixo um grosso breu fervia. Eu olhava mas nada
via a não ser as bolhas de piche que a fervura levantava. Enquanto
meus olhos procuravam alguma coisa naquela escuridão, meu guia
gritou:
D — Cuidado, cuidado! — e logo me arrancou do lugar de onde
eu estava.
Voltei-me e vi logo atrás um diabo preto que corria em nossa
direção. Ai, mas como ele tinha um aspecto feroz! Com suas asas
abertas ele corria ligeiro com os pés. Levava um pecador no seu
ombro pontiagudo, que pelos tendões dos pés tinha seguro. Parou
diante da pez fervente, e gritou:
— Ó Malebranche, aqui está mais um daqueles anciões devo-
tos de Santa Zita. Cuida dele pois eu vou buscar outros. Quase to-
dos naquela terra são corruptos, exceto, é claro, Bonturo! Lá, com
dinheiro, qualquer não vira um sim.
Depois que falou, soltou o pecador das alturas, que submergiu
no líquido espesso. O diabo voltou correndo pelos recifes e sumiu
na escuridão. O pecador ainda tentou ressurgir na superfície, mas
vários demônios que estavam sob a ponte saíram e o perfuraram
com mais de cem garfos, levando-o a outra vez submergir.
— É melhor que te escondas. — sussurrou o mestre, preocu-
pado com a presença de tantos demônios — Não é bom que sai-
Inferno 61
Inferno 62
bam da tua presença. Fica aí atrás daquela pedra e não saias tu de lá
até que eu te chame!
Fui e obedeci. Seu temor tinha sentido. Quando o mestre che-
gou ao outro lado da vala, eles surgiram. Saíram todos de baixo da
ponte e quando viram o meu guia, apontaram arpões na direção
dele.
— Nenhum de vós seja inimigo! — gritou Virgílio — e antes
que me ataquem, que venha um de vós e me ouça!
— Vai Malacoda! — gritaram todos.
E então, um dos diabos se separou do grupo e se aproximou,
rosnando:
— De que lhe adianta falar comigo?
— Crês tu Malacoda — falou o mestre —, que eu teria chega-
do até aqui se não fosse por vontade divina? Me deixa seguir pois
no céu a vontade é que eu guie alguém por este caminho.
Com isto o orgulho dele caiu, assim como o seu arpão que pa-
rou a seus pés, e gritou para os outros:
— Não toquem nele!
O mestre então gritou, ordenando que eu saísse do meu es-
conderijo. Eu obedeci e corri na direção dele. Vendo todos aqueles
diabos voando na minha direção, temi por um instante que o pacto
não fosse cumprido.
— Vou tocá-lo! — gritou um — Aonde? — perguntou outro.
Mas Malacoda voltou-se rapidamente para eles e os afastou, gritando:
— Fica quieto Scarmiglione! — e depois virou-se para nós, di-
zendo — Esta ponte sobre a sexta vala está em ruínas. Se vocês
quiserem prosseguir, devem continuar por esta beira e mais adiante
irão encontrar outra ponte. De ontem, cinco horas mais que agora,
Inferno 63
já são 1266 anos desde que esta via foi destruída. Para lá mandarei
alguns dos meus guardas que irão fiscalizar os pecadores no fosso.
Podem ir com eles. Eles se comportarão.
E então Malacoda designou 10 diabos para nos escoltar, cha-
mando-os um a um pelo nome: Calcabrina, Alichino, Cagnazzo, Li-
bicocco, Draghignazzo, Graffiacane, Ciriatto, Farfarello, Rubicante
e Barbariccia, o chefe da expedição.
— Meu mestre, o que é que eu vejo? — falei, assustado —
dispensa a escolta e vamos embora sozinhos, pois eu não quero se-
guir na companhia deles. Se prestas atenção, como é o teu costume,
vê como eles mostram os dentes e piscam uns para os outros.
— Não há o que temer — respondeu o mestre — deixa que
eles mostrem seus dentes à vontade. Eles o fazem para as almas que
fervem e não para nós.
Antes de seguirmos pela beira à esquerda, os demônios sauda-
ram Malacoda soprando, com a língua firme entre os dentes, fazendo
um som obsceno. Esperavam um sinal para partir. O demônio então,
os respondeu de volta com o ânus em som de trombeta.
Canto XXII
eguimos com os dez demônios. Durante a nossa jornada eu
pude ter uma noção melhor de todo o vale e do breu fer-
vente. Observei que, como os golfinhos que mostram suas
costas acima da água, eventualmente um pecador mostrava as suas
para aliviar por um instante seu sofrimento, e logo tornava a mergu-
lhar. Outros ficavam à beira da fossa, mas submergiam assim que
Barbariccia aparecia.
SVi então um pecador que, vacilante, demorou para retornar à
calda fervente. Antes que o coitado pudesse submergir, Graffiacane
o capturou agarrando-o pelos cabelos. Os diabos gritavam:
— Ó Rubicante! Enfia tuas garras nas costas dele! Esfola!
Rasga a pele!!
Enquanto os demônios gritavam, eu voltei-me para o mestre e
perguntei:
— Mestre, se puderes, descubra quem é este desgraçado que
caiu nas mãos de seus adversários.
Meu guia se deslocou até o pecador, perguntou de onde viera,
e ele respondeu:
— Eu nasci e fui criado no reino de Navarra. Depois fui servo
do bom rei Tebaldo e lá aprendi a arte da barataria. Agora pago a
conta neste caldo quente.
Ciriatto, que tinha duas presas no rosto que nem javali, fez-lhe
sentir como uma só poderia rasgá-lo. Mas Barbariccia interveio,
agarrando-o.
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Inferno 65
— Aproveita enquanto eu o seguro! — disse Barbariccia a
Virgílio — Se quiseres que ele fale mais, continue a interrogá-lo an-
tes que os outros o dilacerem.
— Então dize-me — continuou Virgílio — conheces algum
latino lá embaixo?
— Eu estava com um agora há pouco. Queria eu estar lá em-
baixo com eles para não receber estas garfadas.
— Já esperamos demais! — gritou Libicocco, que com um
garfo arrancou-lhe um pedaço do braço. Draghinazzo já ia furá-lo
com o quinhão mas desistiu assim que percebeu que o decurião
Barbariccia olhava para ele, irritado.
— Mas quem é aquele com quem disseste estar há pouco no
caldo fervente? — continuou o mestre.
— Era o frei Gomita de Gallura, soberano especulador. —
respondeu o condenado — Vive ele a conversar com Dom Miguel
Zanche sobre a Sardenha. Ai! Mas olha só o diabo como ri! Eu po-
deria te falar mais, mas temo que esse demônio se zangue e venha
me torturar!
Mas Barbariccia virou-se para Farfarello, que já avançava, gri-
tando:
— Te afasta, ave de rapina nojenta!
— Se quiseres ver toscanos e lombardos — continuou o pe-
cador —, eu os farei vir aos montes! É preciso, porém, que os Ma-
lebranche se afastem, pois eles os temem. Eu, sozinho, sem sair
deste lugar, farei vir sete deles com um simples assobio. É o nosso
sinal para indicar que algum de nós está fora.
— Olha só a trapaça que ele armou para escapar! — disse
Cagnazzo, rindo e sacudindo a cabeça.
Inferno 66
— Trapaceiro eu sou — respondeu o esperto —, especial-
mente se for para trazer desgraça aos meus companheiros.
Mas Alichino queria ver para crer e o desafiou:
— Se tu mergulhares eu não correrei atrás de ti, pois tenho
asas para te alcançar. Nós te deixaremos livre e ficaremos atrás do
vale. Veremos se és mais rápido que nós.
E então todos tomaram o rumo do vale, começando com o
que se opunha àquele jogo. Astuto, o corrupto saltou e conseguiu
fugir. Alichino não conseguiu alcançá-lo. Calcabrina, irado, correu
atrás também, torcendo que o danado escapasse para armar uma
briga com Alichino. Assim que o pecador submergiu ele saltou em
cima do seu irmão, e ambos se enroscaram no ar sobre o piche. Os
dois começaram a se mutilar com suas garras até que caíram na pez
fervente. O calor foi suficiente para separá-los, mas não consegui-
am sair do poço, pois suas asas estavam encharcadas. Saíram então
todos os outros diabos para os socorrer.
E lá os deixamos, naquela confusão, e continuamos sozinhos.
Notas 67
23
Dante e Virgílio conseguem escapar da perseguição dos dez
demônios que os escoltavam. Ilustração de Gustave Doré (século
XIX).
Canto XXIII
aminhávamos sem companhia: um na frente e o outro
atrás. Durante a caminhada voltei a pensar naqueles de-
mônios. Se por nossa causa eles sofreram dano, eles de-
vem estar irados. Considerando os seus maus instintos, certamente
não deixarão de vir atrás de nós. Esses pensamentos deixavam
meus cabelos em pé e por causa do medo eu olhava para trás o
tempo todo.
C — Mestre — disse —, se não tiveres como nos esconder, eu
temo que os Malebranche poderão nos encontrar. Eu os sinto; eu
os ouço como se estivessem vindo.
— O teu temor agora juntou-se ao meu, e então vou procurar
uma maneira de escaparmos. Se o declive a direita permitir nossa
descida à próxima vala, teremos como escapar do ataque imaginado.
Mal tinha terminado de expor o seu plano, eu os vi chegando
com suas asas abertas, não muito longe, para nos pegar! Meu guia
tomou-me no colo de repente e se jogou na rocha escarpada até es-
corregar na calha, rasteiro. Quando chegamos lá embaixo os diabos
já nos observavam do alto do precipício. Eles nos amaldiçoavam,
irritados. Descer, eles não podiam, pois eram proibidos de ultrapas-
sar a quinta vala.
Deixamos os diabos para trás e caminhamos pela quinta vala.
Vimos gente colorida, de capuz, caminhando lentamente e usando
capas de ouro brilhante por fora, mas de pesado chumbo por den-
tro. Eles sofriam e choravam, cansados pelo peso intenso.
Inferno 67
Inferno 68
— Meu guia — falei — enquanto caminhamos por esta vala,
olha em volta e dize-me se vês alguém, cujos feitos ou nome me
seja conhecido.
— Mais devagar, tu que corres por este ar escuro! — gritou
um espírito, que ouvira minha fala toscana — Talvez eu possa con-
seguir o que tu queres.
Parei e vi duas almas que se aproximavam lentamente. Quan-
do chegaram, me olharam e conversaram entre si:
— Ele parece vivo o que mexe a garganta, e se os dois estão
mortos, qual privilégio permite que andem despidos da pesada
manta? — conversaram, e depois, a mim se dirigiram — Ó toscano
que vieste visitar o colégio dos hipócritas, dize para nós quem tu és.
— Eu nasci e cresci na grande cidade banhada pelo Arno e te-
nho o corpo que sempre possuí — respondi. — Mas quem sois
vós, destilando lágrimas de dor que correm pelas vossas faces?
— Frades gaudentes fomos — respondeu o primeiro —, e bo-
lonheses. Eu sou Catalano e este é Loderingo. Tua terra nos deu
um cargo que se costumava dar a um homem só, para manter a paz,
e nós fizemos mal uso dele.
Eu ia começar a responder aos frades quando me chamou a
atenção um outro que sofria intensamente crucificado ao chão. O
frade Catalano, que me observava, falou:
— Este que tu vês crucificado disse aos fariseus que era mais
oportuno sacrificar um homem que atormentar todo o povo. Nu,
ele jaz no caminho, e como vês, sente o peso de cada um que passa
sobre ele. Todos os outros do seu conselho estão aqui também.
— Poderia nos dizer, se vos for permitido — perguntou Virgí-
lio ao frade — se há, à direita, alguma passagem conhecida pela
Inferno 69
qual nós dois possamos sair, sem que seja necessário invocar os
diabos para nos tirar desta vala?
— Mais perto que imaginas — respondeu o frade — há uma
ponte que une todos os anéis, mas nesta parte ela está destruída.
Porém, embora a ponte esteja quebrada, é possível subir escalando
suas ruínas.
Ao ouvir a explicação do frade, Virgílio ficou parado, cabis-
baixo. Depois disse, irritado:
— Ele mentiu, aquele demônio desgraçado! Mentiu! Não ha-
via outra ponte, era mentira!
— Uma vez em Bolonha — interrompeu o frade —, fiquei
sabendo dos vícios do diabo. Um deles é que ele é falso e é o pai da
mentira.
Virgílio se afastou em passos largos, mostrando irritação no seu
rosto. E eu parti também atrás dele, seguindo o rastro de seus pés.
Notas 70
24
Corte mostrando a quinta e sexta valas do Malebolge e a rampa formada
pelas ruínas da ponte destruída. Ilustração de Helder da Rocha.
Canto XXIV
irgílio, visivelmente irritado, nada falou até que chega-
mos diante das ruínas da ponte. Lá, imediatamente recu-
perou o seu semblante amável e otimista. Estudou por
um instante as ruínas e abriu os braços para que eu me apoiasse
nele para realizar a subida. E assim subimos, lentamente, ele me er-
guendo, e eu abrindo caminho.
V— Segura aquela pedra ali — ordenou o mestre —, mas tenha
cuidado! Vê antes se ela te sustenta.
Foi dura e difícil a escalada. Fosse o aclive mais íngreme ou
mais longo eu certamente seria vencido pelo cansaço. Em Malebol-
ge, cada poço é mais baixo que o anterior, portanto, a altura da su-
bida deste lado era bem menor que a altura da nossa descida do
lado oposto.
Chegamos, enfim, à derradeira pedra da ruína. Eu estava tão
exausto que assim que paramos, aproveitei a oportunidade para me
sentar. O mestre não gostou:
— Precisas deixar o cansaço de lado — disse ele —, pois esti-
rado sobre a pluma ou a colcha, a fama não se alcança. E sem ela a
vida passa sem deixar qualquer vestígio. Levanta! Vence o cansaço e
anima-te! Mais longa escada nos aguarda. Com ânimo se vence
qualquer batalha, quando o corpo pesado não atrapalha.
Com esse incentivo prontamente me levantei, falante, para me
mostrar valente e destemido. Mas minha fala foi interrompida por
uma voz que surgia já do outro fosso.
Inferno 70
Notas 71
Ladrões torturados por serpentes na sétima vala do Malebolge. Ilustração de
Gustave Doré (século XIX).
Inferno 71
Não dava para entender o que a voz dizia. Nem no meio da
ponte. Era uma voz apressada, irritada. Eu me inclinei para olhar
mas não dava para ver coisa alguma.
— Mestre — pedi — que tal atravessarmos até o outro lado e
descermos o muro? Aqui onde estamos eu só ouço e nada entendo.
Olho para baixo e nada vejo.
— O que pedires eu faço sem reclamar — respondeu Virgílio.
Descemos pela testa da ponte, pela oitava ribanceira que mar-
geia a sétima calha, e lá vimos uma vasta multidão cercada de terrí-
veis serpentes das mais diversas espécies. Só de pensar naqueles
répteis terríveis meu sangue gela, pois eu nunca vira nada igual. No
meio das serpentes corriam almas nuas, horrorizadas, com as mãos
amarradas às costas por outras cobras que as apertavam, envolven-
do seus corpos. Assistimos quando uma serpente perfurou um dos
espíritos que estava próximo a nós. Ela atravessou seu colo se inse-
riu no seu busto. Imediatamente ele se incendiou e foi reduzido a
um amontoado de cinzas. Mas aquelas cinzas espalhadas começa-
ram a se mexer, e, lentamente, a se unir. Foram se juntando sozi-
nhas até que haviam formado um homem. Ele se levantou como se
acordasse de um sono profundo. Estava pasmo e suspirava aflito.
Meu guia então se aproximou e perguntou quem ele era. O
condenado respondeu:
— Eu chovi de Toscana faz pouco tempo neste abismo. Eu
gostava mais da vida bestial que da vida humana, como a mula que
fui. Sou Vanni Fucci, a besta. Pistóia era a minha toca.
— Mestre — pedi —, pergunta a ele por que ele sofre nesta
vala. Eu achava que ele estaria mergulhado no rio de sangue, como
os outros violentos.
Inferno 72
O pecador ouviu e não dissimulou. Virou-se para mim com
um rosto envergonhado, e disse:
— Maior é a dor de teres me encontrado nesta miséria que a
dor que senti quando perdi minha outra vida. Mas agora não posso
negar-me em te responder. Eu estou aqui por que eu fui um ladrão.
Fui eu quem roubou aquela sacristia onde outro levou a culpa. Mas
para que não que fiques feliz por ter me encontrado aqui, se algum
dia escapares, abre os ouvidos e escuta minha profecia: Pistóia per-
derá todos os seus Negros e Florença renovará gente e modos. De
Valdimagra virá um raio envolvido por nuvens negras, trazendo
uma tempestade amarga sobre o campo de Piceno, onde destruirá
as nuvens claras, e todo Branco será então ferido. Esta previsão eu
fiz para que sofras!
Canto XXV
o final de seu discurso, o ladrão fechou a mão em pu-
nho deixando apenas o dedo médio, ergueu-a para o
alto e gritou:
— Toma, D
N eus, olha, isto aqui é pra você!
E dali em diante, todas as serpentes se tornaram minhas ami-
gas, pois uma chegou e se enrolou no seu pescoço, impedindo que
ele falasse. Depois veio outra e se enrolou com tanta força nos seus
braços que ele não pôde mais sequer se mexer.
Ah! Pistóia, Pistóia, por que não te incineras de uma vez por
todas, pois nem teus fundadores fizeram tanto mal quanto agora fa-
zes! Eu achava que não veria mais, neste Inferno escuro, figura mais
orgulhosa que aquele que morreu nos muros de Tebas.
Sem dizer mais nada ele fugiu. Pouco depois, apareceu um
centauro, que o procurava. Estava totalmente coberto de serpentes.
No ombro, atrás da nuca, um dragão com suas asas abertas, cuspia
fogo em quem se aproximasse.
— Este que tu vês é Caco — apontou-me o mestre —, filho
de Vulcano que aqui cumpre pena por ter roubado o rebanho do
seu vizinho, Hércules, que foi quem depois o matou com cem gol-
pes de clava, dos quais não sentiu talvez mais que dez.
Enquanto Caco passava, três espíritos se aproximaram e nos
perguntaram:
— Quem sois vós?
Inferno 73
Inferno 74
Nossa conversa então se interrompeu. Eu não os conhecia,
mas cheguei a ouvir alguém do grupo perguntar:
— Onde será que está Cianfa?
Enquanto eu os olhava, sem nada dizer, de repente uma ser-
pente com seis patas se arremessou sobre um deles, envolvendo-o
totalmente. Com as patas do meio apertava seu abdômen. Com as
da frente segurava seus braços e com as de trás, suas pernas. Os
dentes afiados ela afundava na sua face e sua cauda passava no meio
das pernas do ladrão, perfurando-o, atravessando seus rins e saindo
reta pelo ventre. Entrelaçava-se tão firmemente no pecador que os
dois — alma e réptil — se fundiam como se fossem cera. Nem um
nem o outro pareciam ser mais o que eram. Um dos seus compa-
nheiros então gritou:
— Ó Agnel, como mudaste! Não és mais nem dois nem um!
Das duas cabeças agora só havia uma e já surgiam dois sem-
blantes em um único rosto. Aquele ser não era mais gente nem ser-
pente. Transformara-se em um monstro nunca visto. E a imagem
deturpada assim se foi, num passo lento.
Vi então correndo como lagartixa, na direção de um dos dois
ladrões restantes, uma cobrinha preta. Ela veio e afundou os dentes
em um deles, atravessando-lhe o umbigo. Depois caiu e se estendeu
diante dele. O ladrão nada falava. Permanecia em pé como em tran-
se, olhando para o réptil que o olhava. Pelo focinho de um e pela
ferida do outro saía fumaça. Os dois começaram então a se trans-
formar. A serpente aos poucos adquiria feições que sumiam no
condenado, numa troca perfeitamente simétrica. Assim que a cauda
dela se dividia em duas partes, as pernas do pecador se uniam, e se
fundiam perfeitamente. A pele dele se tornava cada vez mais dura,
Inferno 75
se cobrindo de escamas, enquanto a dela se tornava macia. Os seus
braços entravam pelas axilas enquanto que na fera, duas patas cres-
ciam. Pouco depois, um tombou e começou a rastejar enquanto o
outro se levantou. O que estava em pé ainda não tinha orelhas e
exibia uma língua de serpente, mas logo suas orelhas começaram a
nascer e sua língua se uniu, perfeitamente. A língua do que estava
no chão se dividiu em duas partes e ele recolheu as orelhas como
uma lesma recolhe seus chifres. Quando a fumaça finalmente ces-
sou, o réptil de quatro patas, recém formado, partiu assobiando, fu-
gindo do vale para as encostas. O outro seguia a fera, andando e fa-
lando. Mas antes de partir, ele se virou e falou para aquele que não
havia se transformado:
— Quero agora que Buoso corra com as quatro patas, como
eu fiz.
E apesar dos meus olhos confusos e minha mente desorienta-
da, não deixei de reconhecer os dois que ficaram. Um, era Puccio
Sciancato, o único que não se transformara, e o outro era aquele
por quem Gaville chora.
Canto XXVI
legra-te Florença pois és tão grande que até pelo Inferno
o teu nome se expande! Cinco eminentes florentinos en-
contrei naquele fosso, o que me fez sentir vergonha de ti.
Subimos pela escada de pedras que havia sido o caminho
pelo qual havíamos descido. Ele ia na frente e me puxava rochedo
acima, apoiando-se nas rachaduras, por onde o pé não podia avan-
çar sem a mão.
AA oitava vala resplandecia de chamas. Isto pude ver quando
meus pés chegaram a um ponto onde o fundo já aparecia. As cha-
mas não estavam imóveis. Elas se moviam continuamente como
gente o que me levou a imaginar que mantinham em sua custódia
um pecador. O meu guia, como sempre adivinhando meu pensa-
mento, confirmou:
— Em cada fogo há um espírito que é torturado pelo fogo in-
cessante.
— Ó mestre — perguntei —, isto que acabas de falar eu já ti-
nha adivinhado, mas dize-me quem está naquele fogo duplo, com
uma chama dividida em duas pontas?
— Naquela chama — respondeu — sofrem dura pena Ulisses
e Diomedes. Naquela chama se arrependem de ter tramado o logro
do cavalo de Tróia e o roubo do Paládio.
— Podem eles falar através do fogo? — perguntei.
— Sim — respondeu o mestre —, mas deixa que eu fale, pois,
sendo gregos, podem te desprezar.
Inferno 76
Inferno 77
Chegou o fogo a um lugar propício e o mestre se aproximou,
perguntando:
— Ó vós que são dois dentro de uma única chama, se mereci
de vós o meu viver, se mereci de vós alguma fama, quando no
mundo meus altos versos escrevi, não vos moveis, mas que um de
vós me diga onde foi perdido, para morrer.
A ponta maior da chama logo cresceu e começou a se agitar, e,
como se fosse uma língua ondulando, virou-se para nós e falou:
— Quando descobri que nada podia impedir minha ânsia de
viajar e conhecer o mundo, nem ternura de filho ao velho pai, nem
o amor da minha Penélope, decidi explorar o mar aberto e profun-
do, acompanhado de minha tripulação fiel. Passamos da Espanha e
Marrocos, e continuamos além dos pilares que por Hércules foram
fixados, sinalizando aos homens que daquele ponto não passassem.
Navegamos em mar aberto por cinco meses, com a vela sempre à
esquerda, até que vimos no horizonte uma enorme montanha.
Mesmo distante, apagada e escura, nunca eu vira outra assim tão
grande. Mas nossa alegria durou pouco e logo transformou-se em
pranto. Da nova terra saiu um grande redemoinho que atingiu a
nossa embarcação na popa. Três vezes o barco rodou até que na
quarta fomos sepultados nas profundezas do oceano.
Canto XXVII
chama agora estava imóvel e quieta. Nada mais falou e já
se afastava com a licença do poeta quando uma outra,
que vinha logo atrás, chamou nossa atenção à sua ponta
que liberava ruídos estranhos. A ponta começou a mover-se, como
se fosse uma língua, até que ouvimos:
A— Ó tu a quem dirijo a minha voz, que falavas há pouco em
lombardo, dizendo: “Podes ir, não te peço mais nada”, embora te-
nha eu demorado em chegar a ti, não te incomodes se eu falar con-
tigo, pois vês que não incomoda a mim, que estou ardendo em
chamas! Se tu acabas de cair do mundo, daquela doce terra latina,
diga-me, está a Romanha em paz ou em guerra?
Eu ainda escutava a chama falar quando o mestre me cutucou
e disse:
— Fala tu, pois este é latino!
E eu, que já estava preparado para lhe responder, comecei:
— Ó tu que te escondes nessa chama, no coração dos seus ti-
ranos tua Romanha sempre esteve em guerra, mas quando eu a dei-
xei, ela não estava envolvida em conflitos. Ravena está como há
muitos anos e a águia de Polenta já estica suas asas sobre a Cérvia.
O mastim novo de Verrucchio, assim como o velho, continuam a
sugar o sangue de seu povo.
Falei-lhe ainda de Forli, Lamone, Santerno e outras cidades da
Romanha. No final, lhe pedi:
Inferno 78
Inferno 79
— Agora peço que me conte quem és, para que eu possa es-
tender, no mundo, a tua fama.
— Se eu acreditasse que eu estava falando com uma alma que
iria voltar ao mundo, esta chama não mais se moveria, mas como
nunca, deste abismo, alma alguma jamais escapou, sem medo de in-
fâmia eu te respondo. Fui guerreiro e depois frade franciscano,
acreditando que assim poderia corrigir os meus erros do passado.
Arrependi-me dos meus pecados e confessei meus erros. Ai miserá-
vel! E bem teria valido se não fosse aquele príncipe dos novos fari-
seus que me pediu para ajudá-lo a destruir a fortaleza Perestrina.
Para ele, não importava o cargo supremo que ocupava, nem os vo-
tos sagrados e nem o cordão que eu usava. Ele me pediu conselho,
e eu calei. Mas depois falou de novo: “Não sejas desconfiado! Eu já
te absolvo dos pecados que vieres a cometer. O céu eu posso fechar
ou abrir, como tu sabes, pois são duas as chaves que meu anteces-
sor não soube guardar.” Eu, convencido pelos seus argumentos,
aceitei, e disse: “Padre, desde que me absolvas do pecado que estou
prestes a cometer, te aconselharei: Prometa a eles, anistia. Depois, quan-
do obedecerem, volte atrás e não cumpra a promessa! Se assim fizeres, triunfa-
rás!” No momento da minha morte, São Francisco veio buscar mi-
nha alma, mas antes que ele pudesse me levar um querubim negro
se antecipou e, utilizando argumentos lógicos, demonstrou que eu
deveria ir para o Inferno: “Para baixo ele virá comigo, pois deu
conselho fraudulento. Não se pode absolver o impenitente, nem
pode o arrependido ainda querer pecar, pois assim nada vale seu ar-
rependimento.” Coitado de mim. Quando ele me tomou ainda fa-
lou: “Nem imaginavas que eu pudesse argumentar tão bem, não
foi?” O demônio me levou até Minós, que se enrolou no rabo oito
Inferno 80
vezes e, de tanta raiva ainda o mordeu, me enviando a esta oitava
vala para ser prisioneiro do fogo eterno.
Depois que concluiu o seu relato, a chama calou-se e se afas-
tou, torcendo e debatendo o corno agudo. Eu e o mestre dali par-
timos, subindo pela escarpada para o arco seguinte, que atravessa o
fosso onde pagam suas penas aqueles que as ganharam desunindo.
Canto XXVIII
uem poderia, mesmo fazendo uso da melhor prosa,
narrar as cenas de sangue e das feridas, que eu vi na-
quele triste lugar? Todas as línguas, por certo, estariam
falidas, pois nossa memória e nosso vocabulário não são suficientes
para compreender tamanha dor. Nem nos campos de batalha das
piores guerras se viu tantos corpos estraçalhados, com deformações
e feridas tão terríveis, quanto os que povoavam aquela nona vala.
QPróximo a nós estava um condenado com as entranhas à vista,
rasgado do nariz à garganta e com os intestinos pendurados entre as
pernas. Eu o olhava, hesitante, quando ele, me olhando de volta,
rasgou o peito com as mãos dizendo:
— Vês, tu, como eu me maltrato? Vês como Maomé e Ali es-
tão desfeitos, gemendo, e todos esses semeadores de discórdias e he-
resias? Todos aqui são continuamente rasgados, cruelmente, por um
diabo que aqui nos tortura eternamente. Em vão saram as feridas,
pois logo ele volta e nos dilacera outra vez! — depois me perguntou
— E tu, quem és, tentando retardar a tua pena aí sobre a ponte?
— Nem morte ainda o alcançou, nem culpa ordena que ele so-
fra aqui — respondeu Virgílio —, mas para que ele possa ter esta
experiência, eu, que estou morto, devo guiá-lo por todo este Infer-
no de giro em giro. Isto é tão verdadeiro como a minha presença
aqui.
Inferno 81
Inferno 82
Quando ouviram essas palavras, mais de cem almas se apro-
ximaram para me ver, quase esquecendo por um momento o seu
intenso sofrimento.
— Diga ao Frei Dolcino — falou Maomé — que ele se abas-
teça de mantimentos e não saia do seu refúgio nas montanhas, se
ele não tiver pressa em me encontrar. Se não tomar esses cuidados,
o bispo de Novarra certamente o vencerá!
Depois de falar, Maomé se levantou e saiu. Veio então outro
que tinha a garganta furada, o nariz totalmente decepado e apenas
uma orelha inteira. Ele se separou do grupo e abriu sua goela ver-
melha, que falou:
— Ó tu que vi na sua terra latina, lembra-te de Pier de Medi-
cina quando voltares, e avisa a Guido e Angiolello que, se nossa vi-
são é certa, eles serão arrancados do seu barco e afogados perto de
Cattólica, por traição de um tirano cruel. Aquele traidor, que só vê
por um olho, reina sobre uma cidade que alguém aqui deseja nunca
ter visto.
— Quem é aquele que nunca deseja ter visto a cidade onde
reina o tirano? — perguntei.
— É este aqui. Mas ele não fala nada! — disse Pier, mostran-
do um companheiro calado e assustado, cuja boca ele abriu com a
mão. — Este homem, no exílio, acabou com as dúvidas de César
quando lhe disse: “O homem preparado, quando hesita, perde.”
Oh, como ele parecia assustado, com a língua presa na gargan-
ta, Cúrio, que antes fora tão grande orador.
Um outro, com ambas mãos truncadas, levantou os cotos no
ar, espalhando sangue sobre seu rosto, e gritou:
Inferno 83
— Recorda o pobre Mosca, que disse “o que está feito, está
feito” que para os toscanos foi semente tosca!
— E para a tua casta será a morte! — respondi-lhe, irritado, e
ele, com mais essa ferida, retirou-se.
Continuei a observar a multidão quando vi um corpo que ca-
minhava sem cabeça. Ele segurava sua cabeça pelos cabelos, balan-
çando-a como lanterna. Quando chegou junto da ponte, ergueu alto
o braço que a segurava, para que sua fala pudéssemos ouvir melhor:
— Sou Bertran de Bórnio — gritou —, e sofro esta pena
monstruosa por ter instigado o jovem rei contra seu pai. Eu pus o
pai contra o filho e por ter separado aqueles antes tão unidos, tive o
meu cérebro separado do meu tronco. E assim, em mim tu vês, o
perfeito contrapasso.
Bertran de Born, condenado a ter a cabeça separada do corpo para sempre, por ter causado a separação de pai e filho. Ilustração de Gustave Doré (século XIX).
Inferno 84
Canto XXIX
anta gente ferida e sofrendo deixaram meus olhos inun-
dados de lágrimas. Virgílio notou e me perguntou:
gente? Nos ou
— O que procuras? Por que olhas tanto para essa
tros fossos isto não aconteceu. Se quiseres contar to-
dos, lembra-te que o vale se estende por 22 milhas e a Lua já se en-
contra aos nossos pés. Vamos andando porque o tempo é curto e
há muito mais para ver adiante.
T— Se soubesses o que eu estava procurando, talvez tivesses
deixado eu permanecer por mais tempo. — falei e continuei a se-
guir o mestre, que não parou para me ouvir. Acrescentei — Dentro
daquela vala, onde eu mantinha o olhar, acredito que esteja um es-
pírito da minha família, a chorar pela sua culpa aqui punida.
— Não tenhas tal preocupação com ele pois ela não é recípro-
ca. — respondeu o mestre. — Quando estávamos lá ao pé da ponte
pude vê-lo te ameaçar com o dedo erguido e prestei atenção quan-
do falaram seu nome: “Geri del Bello”. Tu não ouviste porque es-
tavas demais entretido com a cabeça falante de Bertran de Born.
— Ó mestre meu, a violenta morte que não lhe foi vingada —
disse eu —, o deixou indignado, acredito, e foi essa a razão pela
qual se escondeu sem querer falar comigo. É por isso que sinto
pena e tristeza por ele.
Continuamos a conversar até chegarmos a um ponto, desde a
ponte, onde já era possível avistar o vale inteiro. Só o vale. Dentro
dele não se via nada por causa da escuridão. Quando finalmente
Inferno 85
Inferno 86
estávamos no meio da ponte que atravessa este último claustro do
Malebolge pudemos vê-lo por completo, e ouvir gritos tão terrí-
veis que me levaram a cobrir os ouvidos. Amontoados naquela
vala estavam centenas de doentes, com seus membros apodrecen-
do como leprosos. O ar estava dominado por um cheiro forte de
carne podre.
Descemos por uma via à esquerda da saída da ponte até che-
gar a um ponto onde se tinha uma visão mais nítida daquele poço,
onde são punidos os falsários. A visão era terrível. Por todo o vale
se estendiam montes de espíritos empilhados, tão cansados que mal
se moviam. Uns se estiravam, de bruços ou de costas, sobre os cor-
pos dos outros. Outros se arrastavam, lentamente, com dificuldade.
Passo a passo andávamos sem dizer uma palavra, vendo aquelas
almas doentes, incapazes de levantar seus corpos deformados. Vi-
mos dois pecadores sentados, um de costas para o outro, com os
corpos totalmente cobertos de sarnas. Eles se coçavam frenetica-
mente, afundando suas unhas na pele e tentando, em vão, atenuar a
coceira que nunca cessava.
— Tu que arrancas tua pele com as unhas — dirigiu-se Virgí-
lio a uma das almas — dize-me se existe algum latino aqui presente,
para que tuas unhas possam servir a esse teu trabalho eternamente.
— Latinos somos nós que tu vês aqui, desfigurados. — res-
pondeu um deles chorando — Mas quem és tu e por que nos per-
guntas?
— Sou o guia deste ser vivente — respondeu o mestre — e
aqui desci com a intenção de mostrar-lhe todo o Inferno.
Com a explicação, ambos viraram-se, lentamente, na minha di-
reção. O mesmo fizeram outros, mais distantes, que ouviram essas
Inferno 87
palavras. O mestre então pediu que eu fizesse as perguntas que de-
sejasse.
— Para que a memória de vós não desapareça das mentes dos
homens no mundo primeiro — falei —, dizei-me quem sois e de
onde viestes.
— Eu fui alquimista de Arezzo e este aqui é Alberto, que me
condenou à fogueira. Eu lhe disse brincando que eu sabia levitar e
ele, insatisfeito por eu não tê-lo transformado em um Dédalo, re-
clamou ao seu protetor, que me mandou queimar. Mas não foi por
isto que estou aqui. Por ter no mundo usado a alquimia, Minós não
se enganou e me colocou aqui, entre os falsários.
Eu comentava com o mestre sobre a ingenuidade do povo de
Siena quando outro, que me ouvira falar, se aproximou e disse:
— Se achas mesmo isto do sienenses, então olha pra mim. Eu
sou Capocchio, que falsificava metais e moedas. Deves lembrar-te
de mim e saber que eu não era nada ingênuo pois falsificava muito
bem.
Canto XXX
em entre os loucos mais insanos se viu fúria e cruelda-
de como aquela que se apossou de duas sombras páli-
das, nuas, que se perseguiam pelo vale escuro como
porcos soltos nas pocilgas. Uma delas afundou os dentes no pesco-
ço de Capocchio e saiu arrastando-o para longe, esfolando seu ven-
tre no chão áspero.
N Ficou o alquimista de Arezzo, tremendo, que me disse:
— Aquele louco é Gianni Schicchi. Ele vive sempre assim rai-
voso e nos maltrata o tempo todo.
— Oh! — disse-lhe — Tomara que aquele outro não te morda
também, mas, antes que ele se vá, dize-me quem é.
— Aquela é Mirra — disse —, a princesa depravada, que se
tornou amante do seu próprio pai se passando por outra e assim
enganou o rei. Da mesma maneira agiu Gianni, que se fez passar
por Buoso Donati no seu leito de morte, falsificando o testamento
em seu favor.
Depois que se foram os dois loucos raivosos, dos quais não
desgrudei o olhar, voltei a minha atenção às outras almas. Vi então
um deformado que parecia um violão. Seu corpo estava inchado
por uma hidropisia tão grave que ele não conseguia se mover. A sua
boca permanecia sempre aberta pois não conseguia fechá-la. Um
lábio se recolhia para cima e o outro pendia, solto e pesado. Ao
perceber que eu o olhava, ele falou:
Inferno 88
Inferno 89
— Ó vós que, não sei por que, não sofrem flagelo algum, vede
aqui a miséria do mestre Adamo. Em vida, tive tudo o que quis e
agora, eu faço qualquer coisa por uma gota d'água. A imagem das
fontes e rios que descendem ao Arno me assombra eternamente e
isto mais me castiga que o mal que resseca o meu rosto descarnado.
Fui eu quem falsificou a moeda cunhada com o Batista e por isto
fui torrado na fogueira. O que eu mais queria era encontrar por aqui
as almas malditas de Guido, Alessandro e seu irmão. Foram eles
que me incentivaram a cunhar o florim com três quilates a menos.
Dizem os raivosos que um dos malditos já chegou. Se eu fosse ligei-
ro o suficiente para me mover pelo menos uma polegada a cada
cem anos eu já teria começado a procurá-lo, mesmo sabendo que é
preciso percorrer 11 milhas para dar uma volta completa nesta vala,
que pelo menos meia milha tem de largura.
— Quem são essas almas que fumegam ao teu lado? — per-
guntei.
— Elas já estavam aqui quando eu cheguei — respondeu — e,
desde então, nunca se moveram. Ela é a falsa que acusou José. Este
outro é o falso Sinón, o grego que mentiu em Tróia. Este fedor exa-
lam por causa de sua febre aguda.
Sinón, talvez ofendido pelas palavras de Adamo, juntou as
forças, levantou-se e o golpeou. O mestre Adamo retaliou imedia-
tamente atingindo-lhe o rosto com o braço, e disse:
— Embora eu não possa caminhar por este vale, minha mão é
livre para o que for preciso.
— Mas ela não estava tão livre quando tu seguias para a fo-
gueira, estava? — respondeu irado o outro — Mas a tinhas muito
bem quando cunhavas!
Inferno 90
— Agora dizes a verdade, mas não fostes tão verdadeiro em
Tróia! — respondeu Adamo.
— Minhas palavras foram falsas, assim como as moedas que
fizestes! — gritou Sinón.
E assim os dois começaram uma interminável discussão, e eu
permaneci, parado, absorvido pela briga, até que o mestre gritou, ir-
ritado:
— Vai, continua olhando! Mais um pouco e eu perco a paci-
ência!
Fiquei tão envergonhado com a repreensão que mal consegui
pedir desculpas. O mestre percebeu, e me disse:
— Menos vergonha que essa tua já seria suficiente para lavar
falta maior. Deixa para lá, esquece! Mas lembra, se outra vez estive-
res exposto a tais situações, cuides de procurar o meu apoio. Que-
rer ouvir tais rixas é gostar de baixaria.
Notas 91
Mapa 3: MALEBOLGE (“valas malditas” – círculo VIII): 10 valas em de-graus (decrescentes), interligadas por pontes (a ponte sobre a sexta vala está em ruínas).
Vala 1: Sedutores e rufiões. São açoitados por diabos que os exploram e con-trolam (Canto XVIII).
Vala 2: Aduladores. Sofrem submersos em um rio de fezes (Canto XVIII).
Vala 3: Simoníacos (traficantes de religião). Enterrados de cabeça para baixo, empilhados. O último fica com os pés de fora em chamas (Canto XIX).
Vala 4: Adivinhos. Condenados a não olhar para frente, com a cabeça torcida para trás (Canto XX).
Vala 5: Corruptos (traficantes de justiça). Submersos em um rio de pez ferven-te e maltratados por diabos espertos (Canto XXI).
Vala 6: Hipócritas. Vestem capas de chumbo pesadíssimas e são obrigados a caminhar com elas (Canto XXIII).
Vala 7: Ladrões. Se transformam, sendo consumidos por serpentes e outros répteis mutantes (Canto XXIV).
Vala 8: Maus conselheiros. Estão presos em uma chama que os envolve com-pletamente (Canto XXVI).
Vala 9: Criadores de intrigas: São mutilados por um diabo e se mutilam o tem-po todo (Canto XXVIII).
Vala 10: Alquimistas, impostores, perjuros e falsificadores: Cobertos de sarnas que provocam coceiras, tomados pela insanidade ou vítimas de doenças dege-nerativas que os deformam e não lhes permite o movimento (Canto XXIX).
Gigantes: Estão dentro do Cócito mas suas cabeças e troncos são visíveis à dis-tância (Canto XXXI).
Mapa 3: Malebolge. Ilustração de Helder da Rocha.
Inferno 91
Canto XXXI
ando as costas àquele vale miserável, escalamos o ro-
chedo e chegamos à última beira, que atravessamos em
silêncio. A escuridão era imensa e meus olhos podiam
ver muito pouco, quando ouvi uma trombeta soar tão forte que pa-
recia o som de um trovão. O estrondo me fez voltar o olhar para o
horizonte onde percebi o que pareciam ser torres de uma cidade.
D — Mestre — perguntei a Virgílio —, que cidade é aquela?
— A escuridão o impede de ver o que realmente são essas tor-
res. — respondeu — Não é uma cidade. O que vês são as silhuetas
de gigantes que estão dentro do poço e, por serem tão altos, parte
do seu corpo desponta além do nível deste círculo.
Dito isto, continuamos a caminhar na direção das “torres”. À
medida em que nos aproximávamos da beira do poço, a neblina se
tornava menos densa e os gigantes começavam a tomar forma, apa-
recendo à minha vista ao mesmo tempo em que o meu medo cres-
cia. Finalmente pude distinguir um dos rostos, os ombros, os bra-
ços, o peito e boa parte do ventre de um deles. O rosto, acredito,
era tão largo quando a cúpula de São Pedro em Roma, e em igual
proporção era todo o resto de seu corpo.
— Raphael may amech zabi almi — gritou o gigante.
— Ó alma tola — respondeu Virgílio — fica com essa tua
trompa, que está presa a teu peito, e faze uso dela para descarregar
tua raiva! — e depois voltou-se para mim — Ele mesmo se acusa.
Ele é Nemrod, o construtor da torre de Babel. Para ele, língua al-
Inferno 92
Inferno 93
guma faz sentido, portanto vamos deixá-lo pois é perda de tempo
tentar falar com ele.
Deixamos Nemrod e viramos à esquerda, prosseguindo pela
beirada, até encontrarmos mais adiante outro gigante acorrentado.
Sua mão esquerda estava atada na frente, sua mão direita estava
presa atrás e uma enorme corrente o apertava, dando cinco voltas
do pescoço até a cintura, até onde eu pude ver.
— Ele quis provar que era melhor que Jove — disse-me o
mestre — e aqui tem a sua recompensa. É Efialte, cujos braços que
antes moveu contra os deuses agora permanecem imóveis.
— Se for possível — disse eu —, gostaria de conhecer o des-
comunal Briareu.
— Não muito longe daqui — disse o mestre —, tu verás An-
teu, que está solto e falante. Será ele que irá nos levar até o fundo.
Aquele que queres ver está muito longe. Ele também está amarrado
e se parece muito com este aqui, embora tenha uma aparência mais
assustadora.
De repente Efialte se sacudiu de uma forma como nunca vi
torre alguma tremer, nem nos piores terremotos. Eu teria morrido
do susto se eu não tivesse antes visto a corrente que o prendia, e
que me dava confiança.
Continuamos pelo nosso caminho até pararmos diante do gi-
gante Anteu. Meu mestre elogiou seus feitos e depois pediu com
cortesia:
— Anteu, este que está comigo pode espalhar tua fama pelo
mundo, pois ainda vive. Para que ele não precise recorrer a Tifeu ou
a Tício, te peço que nos leve lá para baixo, onde o frio do Cócito
congela.
Notas 94
Anteu ajuda Dante e Virgílio na descida ao nono círculo
(Lago Cócito). Ilustração de Gustave Doré (século XIX).
Inferno 94
Assim falou o mestre e o gigante estendeu as mãos para que
nelas subíssemos. Virgílio subiu primeiro. Quando já estava segu-
ramente apoiado na mão de Anteu ele me chamou e me suspendeu.
Assim que o gigante se inclinou eu me senti como se estivesse em
uma torre que estava prestes a desabar. Mas o medo durou pouco.
Cuidadoso, Anteu nos deixou no fundo daquele poço gelado. De-
pois que estávamos seguros sobre o chão, ele se levantou e se foi.
Canto XXXII
hegamos ao fundo do Universo depois de descer um
pouco mais, abaixo do ponto onde o gigante havia nos
deixado. Eu ainda olhava admirado para o altíssimo
muro, quando ouvi meu mestre falar:
C — Olha para baixo e tenhas cuidado para não pisar nas cabe-
ças dos pobres sofredores.
E então eu olhei em volta e vi sob os meus pés um lago gela-
do. O chão era tão duro e liso que parecia vidro. As almas estavam
submersas no gelo com apenas o tronco e a cabeça de fora. Todos
mantinham seus rostos voltados para baixo e batiam os queixos de
frio.
Depois de muito olhar para aquela multidão, vi aos meus pés,
duas almas tão juntas que até seus cabelos tinham se entrelaçado.
— Dizei-me vós que assim juntam os peitos — pedi —. Di-
zei-me, quem sois?
Quando me ouviram os dois olharam para mim e começaram
a chorar. Suas lágrimas logo congelaram, unindo mais firmemente
um ao outro. Irritaram-se por causa disso e, tomados pela raiva, se
agitaram e ficaram violentamente a bater cabeças.
Antes que eu voltasse a interrogá-los, um outro espírito que
perdera as duas orelhas congeladas pelo frio falou:
— Por que tanto nos olhas? Esses aí são dois irmãos, filhos de
Alberto, donos do vale onde flui o rio Bisenzo. Se procurares em
toda a Caína não encontrarás almas mais merecedoras deste tor-
Inferno 95
Inferno 96
mento que esses dois, nem aquele que teve seu peito e sombra per-
furados por um só golpe da lança de Artur, nem Focaccia e nem
este, cuja cabeça me encobre a visão. Ele é Sassol Mascheroni e se
és toscano, deves saber quem ele foi. Eu fui Camicione dei Pazzi e
espero aqui pela chegada de Carlino, meu parente, cuja pena fará a
minha parecer bem menos grave.
Adiante vi mil faces, roxas de frio, que ainda hoje me fazem
tremer ao lembrar. Continuamos, seguindo adiante na direção do
centro. No caminho, não sei se por destino ou fortuna, ao passar
distraído pelas cabeças, acabei atingindo uma delas fortemente no
rosto com o meu pé.
— Por que me atropelas? — gritou a alma em pranto. — Se
não vens para acrescer a vingança de Montaperti, porque me moles-
tas?
Voltei-me ao mestre e solicitei que parássemos pois eu suspei-
tava que conhecia aquela alma desgraçada, que ainda gritava e nos
insultava. Virgílio parou e eu fui até ela.
— Quem és tu que assim insultas os outros? — perguntei.
— E tu? Quem és tu que vais pela Antenora chutando os ou-
tros na cara como se fosse vivo? — perguntou-me a alma.
— Vivo eu sou! — respondi —, e poderei servi-lo na busca de
tua fama, se eu puder acrescentar teu nome às minhas notas.
— Essa é a última coisa que eu desejaria! — respondeu —
Vai-te embora daqui, vai! Não é assim que se consegue as coisas
nesta lama.
Com isto eu agarrei o desgraçado pelos cabelos e disse:
— É bom que digas logo o teu nome, ou não te sobrará um
fio de cabelo sequer!
Inferno 97
— Não! — o espírito respondeu — Eu não digo de jeito ne-
nhum! Tu podes arrancar todos os meus cabelos, podes me pelar
mil vezes se quiseres mas nunca, nunca ouvirás de mim o meu
nome!
Eu já tinha arrancado um feixe dos seus cabelos quando um
outro gritou:
— O que é que tu tens Bocca? Já não basta agüentar o ruído
do teu queixo que bate sem parar? Por que não te calas?
— Ora, ora — disse eu — não é preciso mais que fales, maldi-
to traidor. Bem que eu desconfiei. Não te preocupes que eu levarei
ao mundo a verdade sobre ti.
— Vai embora — respondeu — e conta o que quiseres! Mas se
saíres daqui, não deixes de falar também desse traidor aí que me dela-
tou. Ele é Buoso de Duera que aqui paga pela prata dos franceses. Se
te perguntarem quem mais havia neste poço, este que vês aí do teu
lado é o Beccheria. E, se procurares um pouco, aqui também encon-
trarás Gianni de' Soldanieri junto com Ganellone e Tebaldello.
Pouco depois que deixamos Bocca vi dois espíritos congelados
juntos num mesmo fosso. Um deles mordia a nuca do outro fe-
rozmente como se estivesse faminto.
— Ó tu que mostras com cada mordida o ódio que sentes por
essa cabeça que devoras, dize-me — pedi —, dize-me a razão pela
qual ages assim. Se a tua razão for justa, sabendo quem sois vós e o
pecado desse outro, prometo que no mundo acima retribuirei tua
confiança, ou que minha língua fique seca para sempre.
Canto XXXIII
pecador virou-se, afastou a boca daquela terrível refei-
ção, limpou seus lábios nos cabelos do crânio que de-
vorava, e falou:
— Queres que eu me recorde de um terrível pesadelo. Mas, se o
que eu disser puder trazer uma infâmia maior a este traidor de quem
arranco as peles, tu ouvirás o meu relato e o meu pranto. — e prosse-
guiu — Eu não sei o teu nome, nem de onde és, mas pareces florenti-
no. Tu deves saber que eu fui o conde Ugolino, e que este outro é o
arcebispo Ruggieri. Por causa de sua perversa astúcia, por confiar nes-
te desgraçado eu fui traído, detido e morto, como vês. Mas antes sai-
bas da forma cruel como fui morto para que possas julgar-me. Se o
pensamento do que agora vou dizer não te tocar o coração, como tu
és cruel! E, se não chorares, será que alguma vez choras? Eu fui preso
com meus quatro filhos em uma cela para morrer de fome. Todos os
dias meus filhos choramingavam e me pediam pão, e o pão nunca
chegava. Eu ouvi o portão da torre lá embaixo ser lacrado com pregos
e então olhei para as faces dos meus, e não lhes disse nada. Eu não
chorei. Me transformei em pedra por dentro. Eles choravam e meu
pequeno Anselminho falou “O que tens, meu pai, o que é que há?”
Não respondi e nem uma só lágrima caiu durante todo o dia, nem du-
rante toda a noite seguinte. Quando um raio de Sol clareou aquele cár-
cere doloroso por um instante, me vi refletido nos quatro rostos, e
mordi minhas mãos de desespero. E eles, pensando que eu mordia
minhas mãos de fome, me disseram: “Pai, nós sofreremos menos se
O
Inferno 98
Notas 99
Almas traidoras submersas no Lago Cócito (Antenora). Ilustração de Gustave
Doré (século XIX).
Inferno 99
comeres de nós. Tu nos vestisse com estas míseras carnes e tu podes
tomá-las de volta!” Fiquei quieto para não me tornar mais triste. Du-
rante esse dia, e o outro, ninguém falou nada. No quarto dia, Gaddo
lamentou aos meus pés “Pai meu, por que não me ajudas?” e depois
morreu. Depois eu os vi morrendo um a um, do quinto ao sexto dia,
os outros três. Por mais dois dias, já cego, chorei sobre seus corpos
mortos, até que no oitavo dia a morte me levou.
Quando terminou de falar, virou seu rosto para a sua vítima e
voltou a atacar aquele crânio com os dentes, como um cão que não
solta o seu osso. Ai Pisa, que vergonha és para a nossa Itália! Se o
conde Ugolino era culpado de ter traído um dos castelos teus, nada
justificava que seus filhos fossem torturados.
Seguimos adiante até o lugar onde o gelo maltrata de forma
mais dura os pecadores. Com os rostos virados para cima, nem nos
olhos a sua angustia encontra alívio, pois lá se forma uma barreira
de gelo no primeiro choro, quando as lágrimas congelam e preen-
chem toda a cava do olho.
Embora o frio tivesse afastado toda a sensação do meu rosto,
comecei a sentir uma leve brisa e perguntei ao mestre:
— Mestre, que vento é este? Pensei que vento algum poderia
chegar a estas profundidades.
— Logo saberás — respondeu Virgílio — pois teus próprios
olhos te darão a resposta.
Enquanto conversávamos, um dos desgraçados submersos no
gelo nos ouviu e gritou:
— Ó réus tão cruéis que para vós foi imposta a pior das pe-
nas, tirai este gelo de meus olhos, e me livrai da dor que impregna
meu coração, até que novas lágrimas selem meus olhos outra vez.
Inferno 100
— Eu prometo te ajudar, mas dize primeiro quem és. — falei.
— Se eu não cumprir o que prometi, que possa eu então chegar ao
fundo desta geleira.
— Sou frei Alberigo. — disse o espírito. — aquele das frutas
do mau horto, e aqui recebo tâmara por figo.
— Oh! — exclamei. — Então tu já estás morto?
— Pode até ser que meu corpo ainda esteja lá em cima, — res-
pondeu — mas nenhuma ligação tenho mais com ele. Quando uma
alma comete traição tão estúpida quanto a minha, o seu corpo lá na
Terra é imediatamente possuído por um demônio que o governa até
que chegue o seu dia. A alma que antes habitava o corpo cai aqui na
Ptoloméia. Mas tu que chegas agora deves também conhecer esse aí
do lado. Ele é ser Branca d'Oria e está aqui neste gelo há muito mais
tempo do que eu.
— Creio que me enganas — disse eu —, pois que eu saiba,
Branca d'Oria ainda vive. Ele come e bebe, dorme e veste roupas!
— É ele sim! — insistiu o frei Alberigo — Antes de Michel
Zanche, sua vítima, chegar ao fosso guardado pelos Malebranche,
ele já congelava neste lago. O seu corpo foi, na ocasião, recebido
por um diabo, que provavelmente ainda o possui. Mas já falei o su-
ficiente. Estende logo tua mão e livra-me os olhos!
Ele pediu, mas eu não obedeci. E foi cortesia minha ser-lhe vi-
lão.
Ah genoveses! Vós que sois avessos a toda lei e adeptos da
corrupção; por que o mundo não se livra de uma vez de vossa gen-
te? Pois, fazendo companhia ao pior espírito da Romanha, vi um
dos vossos, cujas obras eram tais que sua alma já congela no Cócito,
mas seu corpo parece vivo e ainda caminha entre vós.
Notas 101
Mapa 4: CÓCITO (círculo IX)
Anteu: Gigante que auxilia Dante e Virgílio na descida para o Cócito (Canto
XXXI).
Caína: Parte do Cócito onde são punidos os traidores de parentes, submersos
no gelo com a cabeça e peito de fora (Canto XXXII).
Antenora: É o local onde são punidos os traidores da pátria, submersos no gelo
com parte da cabeça de fora (Canto XXXII).
Ptoloméia: É onde estão submersos no gelo os traidores de seus hóspedes, com
o rosto virado para cima (Canto XXXIII).
Judeca: É onde são punidos os traidores de seus benfeitores, completamente
submersos (Canto XXXIV).
Lúcifer: Gigante enorme com três caras e seis asas. Cada face mastiga um peca-
dor: Judas, Cássio e Brutus (Canto XXXIV).
Fosso do Cócito: É onde permanece Lúcifer. Liga-se à montanha do purgatório
do outro lado da terra (Canto XXXIV).
Mapa 4: Lago Cócito. Ilustração de Helder da Rocha.
Inferno 101
Inferno 102
Canto XXXIV
— Estamos diante das bandeiras do rei do Inferno — disse-me
Virgílio —, olha para a frente e vê se consegues discerni-lo.
Comecei a ver, na distância, o que parecia ser um grande moi-
nho, que provocava aquelas rajadas de vento gelado. Estávamos
chegando ao lugar onde eram punidos aqueles que traíram os seus
benfeitores. Neste lugar sombrio e gelado, as almas estavam com-
pletamente submersas no gelo, transparecendo como palha em cris-
tal. Algumas estavam de pé, outras de ponta-cabeça, outras atraves-
sadas, outras em arco, outras curvadas e outras invertidas.
Quando já tínhamos caminhado o suficiente, o mestre decidiu
me mostrar aquele que um dia teve tão belo semblante:
— Esse é Dite — disse ele — e este é o lugar que exige toda a
coragem que tens em ti.
Não me perguntes, leitor, como eu fiquei fraco e gelado, pois
não há palavras que possam descrever aquela sensação. Eu não
morri, nem estava vivo. Tente imaginar, se puderes, como sem uma
coisa nem outra eu fiquei. Vi aquele gigante submerso no gelo, des-
pontando seu corpo do peito para cima. Só o seu braço tinha o ta-
manho de um daqueles gigantes que encontramos na entrada do
lago. Fiquei mais assombrado ainda quando vi que três caras ele ti-
nha na sua cabeça. Toda vermelha era a da frente. A da direita era
amarela e a da esquerda negra. Acompanhava cada uma, um par de
asas como as de morcego (eu nunca vi um navio com velas tão
grandes). E ele as abanava, produzindo três ventos delas resultantes.
Inferno 103
Era esse vento que congelava as águas do Cócito. Ele chorava por
seis olhos e dos três queixos caía uma sangrenta baba que pingava
junto com as lágrimas. Em cada boca ele moía um pecador. O da
frente ele mordia mais rapidamente que os outros. Cada ceifada lhe
arrancava a pele inteira.
— Esse da frente é Judas Iscariote — disse-me o mestre —
que sofre pena dobrada, com a cabeça para dentro e as pernas para
fora. O que é mordido pela boca preta é Bruto e o outro é Cássio.
Mas em breve será noite. Está na hora de partirmos, pois já vimos
tudo o que há para se ver. Agora, agarre-se em mim firmemente.
Obedeci-o e ele me carregou, se dirigindo para as costas de
Lúcifer. Aguardou um pouco e quando as asas estavam altas, saltou
da beira de um fosso para a escuridão, mas logo agarrou-se às cos-
tas peludas do Demônio. Descemos mais ainda. Estávamos entre as
costas de Lúcifer e às crostas congeladas do Cócito. Quando che-
gamos à altura da junção da coxa ao tronco do gigante infernal,
meu guia, já mostrando sinais de fadiga, inverteu o corpo e, sem
soltar os pelos do monstro, seguiu, como se subisse, me fazendo
pensar que voltávamos para o Inferno.
— Segura firme — disse ele — pois não há outro caminho. Só
por estas escadas poderemos escapar de tanto mal.
E saímos por uma brecha na rocha. Virgílio, visivelmente
exausto por ter me carregado, me colocou numa beira para que eu
me sentasse. Olhei para cima procurando por Lúcifer mas não o
achei. Encontrei-o lá embaixo de pernas para o ar. Virgílio me con-
fundiu ainda mais, falando:
— Levanta-te pois o caminho é longo. O dia já amanhece!
Inferno 104
— Como amanhece? — perguntei-lhe — O tempo passou tão
depressa assim? Como já pode ser dia se agora há pouco começava
a noite? E me esclareças mais: onde está a geleira? E por que Lúci-
fer está de cabeça para baixo?
— Tu pensas que ainda estamos do outro lado. — disse-me o
guia — Nós passamos pelo centro da terra, que puxa todo peso.
Estamos agora embaixo do céu oposto, no hemisfério de água. Sob
teus pés está uma pequena esfera, cujo lado oposto é ocupada pela
Judeca. Se do outro lado anoitece, aqui o dia nasce. Este buraco por
onde passamos foi formado quando Dite caiu do céu, e ele até hoje
aí permanece. Depois da queda, por medo dele, a terra que formava
os continentes deste lado fugiu para o nosso céu deixando encober-
to pelo mar todo este hemisfério. A terra que estava aqui amonto-
ou-se na superfície onde formou uma montanha, deixando este ca-
minho vazio. Aí embaixo há um lugar, tão distante de Belzebú
quanto o limite de sua tumba, conhecido pelo som (e não pela vista)
de um pequeno riacho que para cá descende, pelo sulco que por ele
foi aberto.
Passamos então o resto do dia seguindo por aquele caminho
escondido debaixo do chão, sem descanso algum. Depois da longa
caminhada subimos, ele primeiro e eu atrás, passando por uma pe-
quena abertura na pedra, para enfim, rever as estrelas.
Notas 105
Lúcifer, no centro da Terra, mastigando pecadores. Ilustração de Alessan-
dro Vellutello (século XVI).
A Terra segundo a geografia de Dante. No hemisfério supe-rior está Jerusalém e o mundo conhecido (século XIV). No hemisfério inferior há um grande oceano com uma única ilha no seu centro onde desponta uma montanha tão alta que alcança os céus. Ilustração de Helder da Rocha.
Inferno 105
Notas 106
Vista geral do inferno de Dante. Ilustração de Helder L. S. da Rocha.
PurgatórioPurgatórioA Divina Comédia
Dante Alighieri
Tradução em prosapor Helder da Rocha
Dante Alighieri
A Divina Comédia
Purgatório
Adaptação em prosa
por Helder da Rocha
v
“Por aqui não se passa sem que se sofra o calor do fogo”
Purgatório 27:10
vii
Índice
Prefácio ................................................................................................... ix Introdução ................................................................................................ 1 Índice do Purgatório .................................................................................. 5 Estrutura do Purgatório ............................................................................ 9 Índice de ilustrações .............................................................................. 11 Purgatório .......................................................................Purgatório 1 a 104 Notas explicativas ................................................................Notas 2 a 105 Fontes de referência ............................................................................... 13 Índice remissivo ...................................................................................... 17 Nota: a parte central do livro (208 páginas com a história e as notas) forma um bloco à parte. Sua numeração difere das outras seções.
Prefácio
Purgatório é a continuação da viagem de Dante pelos
reinos eternos iniciado no Inferno. Tem origem na base
da montanha imaginada por ele que serve de nome ao
poema. A montanha situa-se no hemisfério sul, em oposição a Jeru-
salém e foi alcançada por Dante e Virgílio após uma tenebrosa via-
gem pelo Inferno, passando pelo centro da Terra.
O A organização deste livro é a mesma utilizada no primeiro vo-
lume, que narrou o Inferno. O número de fontes consultadas foi
maior e a tarefa de adaptação mais árdua pois o Purgatório possui
mais personagens da época de Dante e menos seres mitológicos. As
alegorias também são mais profundas e difíceis de decifrar. Nesta
adaptação, procurei rescrever a narrativa de forma a deixá-la mais
objetiva, escrevendo o nome dos lugares e personagens, quando sua
identidade é certa (em vez de usar pistas e descrições como faz
Dante), traduzindo as declarações feitas em latim e outras línguas
para o português e omitindo metáforas longas que podem atrapa-
lhar a narração dramática de uma versão em prosa. Não tentei deci-
frar os enigmas e todas as falas proféticas diretamente na narrativa.
Isto foi feito somente quando, na minha opinião, a simplificação
não afetava a estrutura e unidade do poema.
Apesar de ter dado nome aos personagens e lugares, é preciso
conhecê-los para que seja possível entender o que fazem no Purgató-
rio. Portanto, assim como fiz com o Inferno, acrescentei notas expli-
cativas que aparecem nas páginas à esquerda, próximas ao texto que
ix
x
necessita uma maior explicação. Como no Inferno, algumas notas
não são explicações sobre personagens e lugares mas interpretações
pessoais (minhas e de estudiosos da obra de Dante) dos símbolos e
enigmas colocados por Dante no poema. É possível ler e apreciar
toda a história sem se referir a essas notas.
As imagens também representam concepções pessoais dos ar-
tistas que as criaram. O texto de Dante oferece espaço para diversas
interpretações diferentes, porém, algumas ilustrações do próprio
Doré ou de Botticelli podem levar o leitor a imaginar um mundo
que não corresponde exatamente ao imaginado e descrito por Dan-
te.
Todo o conteúdo deste livro (inclusive o Inferno) pode ser en-
contrado na Internet, junto com o poema em italiano, busca por
palavra-chave, referências cruzadas e mais imagens. O endereço é
‘http://www.stelle.com.br’.
Helder da Rocha
São Paulo, janeiro de 2000.
Introdução ao Purgatório
ntre os mundos descritos na Divina Comédia, o Purgató-
rio é a criação mais original de Dante. Os outros dois li-
vros falam de reinos cuja existência é doutrina funda-
mental em diversas religiões. Já o Purgatório é mais recente, tendo
sua crença originado nas doutrinas patrísticas e consolidada no iní-
cio da Idade Média por teólogos como Santo Agostinho e, mais
tarde, Tomás de Aquino.
E A concepção do Purgatório como uma montanha é, até onde
sabemos, uma idéia original de Dante. O Inferno sempre foi associ-
ado com o mundo subterrâneo e o céu sempre foi visto como a
morada dos deuses e dos por eles escolhidos. Na representação de
Dante, o Purgatório serve como uma escada para o Céu, ligando a
superfície terrestre às portas do Paraíso. Chegar lá, porém, não é tão
fácil quanto chegar no Inferno, cujas portas estão sempre abertas.
O Purgatório está separado do mundo habitado por um imen-
so oceano, numa ilha cujo acesso é impedido por um mar agitado e
tempestades que afundam qualquer embarcação que tente se apro-
ximar, como o navio de Ulisses, narrado no canto 26 do Inferno.
Uma vez na ilha, é preciso ter fôlego de alpinista para escalar os ro-
chedos que levam à entrada do Purgatório. A porta é estreita e fe-
chada com duas chaves. Um anjo armado com uma espada guarda a
entrada.
1
2
Como o Inferno, o Purgatório é dividido em círculos (na for-
ma de estreitos terraços na montanha) onde são purgados diferen-
tes pecados, organizados em ordem de gravidade. A montanha tem,
no total, nove áreas de purgação. Duas ficam antes da entrada guar-
dada pelo anjo. As outras sete, que representam os sete pecados ca-
pitais, ficam entre a porta e o pico da montanha onde está o Paraíso
Terrestre ou Jardim do Éden. O Paraíso Terrestre está separado do
Purgatório por uma parede de fogo. Os pecados decrescem em gra-
vidade à medida em que se escala a montanha.
Qualquer alma pecadora que tenha se arrependido em vida
tem direito ao Purgatório, por mais graves que tenham sido os pe-
cados cometidos. Aqueles que só se arrependeram quando não po-
diam mais pecar não podem entrar imediatamente pela porta do
Purgatório. Precisam ficar esperando do lado de fora, onde a espera
pode durar dezenas de vezes o tempo de sua vida na Terra.
Dentro do Purgatório, a alma passa períodos de tempo em
uma ou mais terraços de acordo com os pecados capitais que tenha
cometido em vida. Nesses terraços elas sofrem cumprindo penas
que tem como objetivo a sua purificação. As penas são às vezes tão
terríveis quanto às do Inferno, mas as almas as cumprem sem re-
clamar pois têm certeza que, quando o tempo de sua purgação che-
gar ao fim, lhes será concedida a entrada no Paraíso.
A doutrina do Purgatório, embora não seja sustentada de for-
ma explícita pela autoridade das escrituras, é defendida em comen-
tários sobre o evangelho realizados pelos padres alexandrinos no
século II. A evidência bíblica de sua existência é baseada na inter-
pretação da palavra de Jesus Cristo, que afirmou em Mateus 5:26
“Em verdade te digo que de maneira nenhuma sairás dali enquanto
não pagares o último centavo.” A idéia foi mais tarde confirmada
3
nas obras de Santo Agostinho e passou a fazer parte das doutrinas
oficiais da Igreja Católica.
Segundo a doutrina Católica, a finalidade do Purgatório não é
punição, mas purgação, ou purificação. A alma que sofre no Purga-
tório está feliz porque deseja purificar-se, e sabe que jamais poderia
entrar no Céu se não estivesse pura. O Purgatório não é uma área
de provação, como a Terra. Nem é tampouco um lugar onde se tem
uma segunda chance, pois a escolha entre o Céu e o Inferno só
pode ser feita em vida. As almas que estão no Purgatório irão para
o Céu mais cedo ou mais tarde.
As almas do Purgatório e as almas na Terra mantém um vín-
culo entre si e podem ajudar umas às outras através de orações.
A passagem do tempo durante a viagem pelo Purgatório de
Dante é rigorosamente medida a partir da posição do Sol, da Lua e
das estrelas. Dante chega à ilha quando os primeiros raios de Sol
iluminam o domingo de Páscoa e termina essa etapa de sua viagem
três dias depois.
Em contraste com o Inferno, no Purgatório não há seres mi-
tológicos. Em vez dos demônios, encontramos anjos protegendo a
montanha. A principal atração são personalidades conhecidas de
Dante, grandes estadistas, membros do clero e artistas que narram
suas histórias, profetizam o futuro e pedem orações para encurtar
seu tempo de penitência.
A entrada de cada círculo do Purgatório é guardada por um
anjo, que purifica a alma que sobe ao próximo nível e profere uma
benção tirada do sermão da montanha. Em cada círculo ocorrem
representações do pecado e de sua virtude oposta, que Dante per-
cebe de diversas maneiras diferentes.
4
Assim como o Inferno, a leitura do Purgatório de Dante é
uma metáfora da obra. No Inferno, o encontro de Dante com cada
pecado era imediatamente seguido de sua recompensa. O resultado
eram momentos de grande destaque, como o encontro com Fran-
cesca, com Ulisses ou com o conde Ugolino. Os eventos eram, po-
rém, isolados e pouco influenciavam o restante da viagem.
Ao ler o Purgatório, somos impelidos a subir porque a recom-
pensa só vem no final. Não há grandes momentos dramáticos iso-
lados na obra, mas o movimento da história é impulsionado pela
necessidade de se chegar ao topo da montanha. O autor não ofere-
ce uma recompensa imediata para cada encontro, mas pede que te-
nhamos paciência e que esperemos para ver o que ele nos oferecerá
no final. E o final, de fato, surpreende, e supera qualquer “grande”
momento do Inferno. Mas é preciso suportar a árdua escalada sem
reclamar, sempre confiante na recompensa que nos espera no final.
H.R.
Índice do Purgatório
a seção central deste livro, a numeração das páginas do
lado direito e do lado esquerdo é a mesma. Todo o tex-
to flui nas páginas à direita. Nas páginas à esquerda es-
tão localizadas, para fácil consulta, notas explicativas sobre perso-
nagens, localidades e símbolos que aparecem no texto à direita.
N Purgatório
Canto I Saída do inferno — Quatro estrelas — Catão de Útica ................................ 2
Canto II O barqueiro do Purgatório — Almas dos redimidos — Casella .................... 5
Canto III Ante-purgatório — Primeiro terraço — Excomungados — Manfredo .......... 8
Canto IV Segundo terraço — Quem se arrependeu tarde por preguiça — Belacqua...... 11
Canto V Arrependidos na hora da morte — Cassero, Buonconte e Pia ...................... 14
Canto VI Sordello — Discurso de Dante sobre a decadência da Itália ......................... 17
Canto VII Os que se arrependeram tarde por causa de preocupações mundanas .............. 20
Canto VIII O vale dos príncipes (preocupados) — A serpente — Os anjos .................... 25
Canto IX Primeiro sonho — Porta de São Pedro — Entrada no Purgatório .............. 28
5
6
Canto X Primeira cornija — Os orgulhosos .............................................................. 31
Canto XI Espíritos de Omberto, Oderisi e Salvani...................................................... 34
Canto XII O anjo da Humildade — Remoção do P do orgulho.................................... 37
Canto XIII Segunda cornija: os invejosos — Sapia de Siena .......................................... 41
Canto XIV Guido del Duca — Rinier de Calboli — O curso do Arno ........................ 44
Canto XV Anjo da Misericórdia — A fumaça negra .................................................. 47
Canto XVI Terceira cornija: os iracundos — Espírito de Marco Lombardo................... 50
Canto XVII Visões da Ira — Anjo da Mansidão — Justiça do Purgatório................... 53
Canto XVIII Quarta cornija: os preguiçosos — Discurso sobre o livre arbítrio .................. 56
Canto XIX Sonho da sereia — Quinta cornija: os avarentos — papa Adriano V ........ 59
Canto XX Espírito de Hugo Capeto — O monte treme ............................................... 62
Canto XXI Espírito de Estácio ..................................................................................... 65
Canto XXII Sexta cornija: os gulosos — A árvore e a água............................................ 68
Canto XXIII Espírito de Forese Donati ........................................................................... 71
Canto XXIV Bongiunta de Lucca — Exemplos de gula — Anjo da Temperança ........... 74
7
Canto XXV Discurso de Estácio sobre a alma — Sétima cornija: os luxuriosos .............. 77
Canto XXVI O fogo — Os sodomitas — Guido Gunicelli — Arnaldo Daniel ............... 80
Canto XXVII Travessia do fogo — Anjo da Castidade — Últimas palavras de Virgílio .. 83
Canto XXVIII O Paraíso Terrestre — O rio Letes — A jovem colhendo flores .................. 86
Canto XXIX A procissão e a carruagem triunfal............................................................... 89
Canto XXX Beatriz ........................................................................................................ 92
Canto XXXI Arrependimento de Dante — O batismo no Letes....................................... 95
Canto XXXII A árvore do conhecimento do bem e do mal — As sete revelações.................. 98
Canto XXXIII A fonte do Letes e Eunoé — Dante se purifica no Eunoé .........................101
O sonho da águia. Ilustração de Gustave Doré (século
XIX).
12
Notas 2
1 Personagens e símbolos do Canto I
1.1 As estrelas representam as quatro virtudes cardeais: prudência, temperança,
justiça e fortaleza. Dante afirma que nenhum ser humano vivo havia visto as
estrelas exceto Adão e Eva (o primeiro casal – a prima gente, no original), pois
eles viviam no Paraíso terrestre (no cume da montanha do Purgatório).
Todos os humanos vivos, acreditava Dante e a maior parte das pessoas da
sua época, viviam no hemisfério norte pois o resto da Terra era mar. Dante
aparenta ter se esquecido de Ulisses, que ele mesmo afirmara ter viajado até
o Purgatório (Inferno XXVI). Alguns comentaristas identificam as quatro
estrelas com as estrelas do Cruzeiro do Sul, cuja existência poderia ter sido
revelada a Dante através de relatos de viajantes como Marco Polo
[Longfellow 67]. Na minha opinião, se Dante soubesse da existência do
Cruzeiro do Sul, ele estaria sendo incoerente ao defender que tais estrelas
jamais foram vistas por homens vivos. É até possível que ele tenha tido
acesso a relatos de viajantes ou mesmo textos antigos que falassem do
Cruzeiro do Sul (que já foi visível no Egito e sul da Europa 2500 anos antes
de Cristo), mas não creio que Dante os teria considerado “verdade
científica.” Além disso, o Cruzeiro do Sul não é formado por quatro estrelas
de igual intensidade. Uma delas é bem mais fraca que as outras três e todas
brilham menos que as estrelas Alfa e Beta da constelação vizinha do
Centauro.
1.2 O cego riacho é o rio Letes, cujo som (e não visão) guiou Dante e Virgílio
do centro da Terra à superfície (Inferno XXXIV).
Notas 3
1.3 O velho solitário é Catão de Útica, legista romano aliado a Pompeu que,
sabendo que César venceria e fundaria o império, se suicidou em nome da
liberdade republicana. Márcia é a esposa de Catão que permanece no Limbo,
de onde Catão foi tirado por vontade divina. A luz das quatro estrelas
(prudência, temperança, justiça e fortaleza) iluminam Catão, que ainda
representa a liberdade, pela qual morreu. Apesar de ter se suicidado e de ser
um oponente de César e do Império (como Bruto e Cássio), Catão não está
no Inferno. Para Dorothy Sayers “por causa de sua devoção à liberdade
política ele aqui é o guardião do caminho à liberdade espiritual.” Quando ao
suicídio, ela explica “O seu suicídio não o qualifica ao Inferno pois os pagãos
são julgados de acordo com seu próprio código, que não condenava o
suicídio. Dante não coloca cristãos suicidas no Purgatório ou Paraíso, nem
pagãos na parte do Inferno onde são punidos os suicidas.” [Sayers 55]
1.4 Minós é o juiz dos mortos no inferno. Minós não tem poder sobre os
habitantes do primeiro círculo do inferno, onde reside Virgílio. Veja Inferno,
Canto V e nota 5.2.
1.5 O rio Aqueronte (mal fiume, no original, verso 88) separa o Limbo da
entrada do inferno. Veja Inferno, Canto III e nota 3.4.
Notas 5
2 Personagens e símbolos do Canto II
2.1 Cronologia: O dia que nasce é o domingo de Páscoa. No canto original,
Dante descreve o dia e a hora através de um jogo de palavras que referem-se
a observações astronômicas. Ele diz que “neste momento o Sol se põe em
Jerusalém (e consequentemente nasce no Purgatório, que está do lado
oposto) quando a noite nasce no rio Ganges, (Índia), junto com a balança
que cai de suas mãos quando ela supera o dia”. O rio Ganges era
considerado o extremo oriente do mundo habitado (em oposição às colunas
de Hércules, que ficam no extremo ocidente). A balança é a constelação de
Libra, oposta ao Sol, que está em Áries (Inferno, Canto I). Quando a noite
perde a balança (quando “cai de suas mãos”) o Sol entra em Áries e começa
o outono, quando as noites são mais longas que os dias. Dante usa esse
método para informar a hora durante toda a viagem pelo Purgatório. Nesta
versão em prosa eu traduzi suas indicações de dia e hora para uma linguagem
mais objetiva, na maior parte das vezes. O relógio abaixo, que gira no sentido
horário, mostra a hora no Purgatório e nas outras partes do mundo
mencionados por Dante [Sayers 55]:
Notas 6
2.2 O barqueiro é o anjo que busca as almas na foz do rio Tibre na Itália,
atravessa a Terra, e as desembarca no Purgatório. Esse é o barco a que
Caronte se refere quando, no Canto III do Inferno, diz a Dante que ele deve
pegar outro barco em outro porto.
2.3 Quando Israel saiu do Egito (In exitu Israël de Aegypto) é como começa o
salmo 113 (ou 114, na Bíblia protestante). O salmo é um canto de ação de
graças a Deus por libertar Israel da escravidão no Egito. Mark Musa explica
que “para os cristãos, o êxodo ou liberação dos judeus representa a
ressurreição de Cristo pois sua morte e ressurreição serviram para libertar
cada alma cristã da escravidão do pecado.” A ligação entre o êxodo e a
ressurreição é, portanto, reforçada quando as almas cantam esse salmo no
domingo de Páscoa, que é o dia da ressurreição de Cristo [Musa 95].
2.4 Segundo todos os comentaristas, Casella era um músico de Florença ou
Pistóia e grande amigo de Dante que teria escrito melodias para poemas de
Dante. O verso que ele canta (Amor che nella mente mi ragiona...) é a primeira
linha da segunda canzone do Convivio (obra do próprio Dante).
2.5 A foz do rio Tibre, em Óstia, é o ponto de partida da embarcação. É onde
são embarcadas as almas que se destinam ao Purgatório. Depois de
desembarcar as almas, o anjo volta ao ponto de partida para buscar mais
almas destinadas à salvação.
Notas 8
3 Personagens e símbolos do Canto III
3.1 O corpo com o qual Virgílio poderia fazer sombra encontra-se enterrado em
Nápoles, para onde foi transferido, por ordem de Augusto, após sua morte
em 19 a.C. Se já entardece em Nápoles, amanhece no purgatório (veja relógio
na nota 2.1).
Notas 9
3.2 Manfredo (1232-1266), filho do imperador Frederico II e neto de Henrique
VI e sua esposa Constância, assumiu o reino da Apulia e da Sicília após a
morte do seu pai em 1250. Foi afastado do poder por seu meio-irmão
Conrado IV, mas na morte deste, retomou o poder e foi coroado em
Palermo, em 1258. Manfredo tinha grande popularidade entre seus súditos
mas a Igreja, não o reconhecia seu direito ao trono. Considerado um
guibelino e um herege, foi excomungado pelo papa Clemente IV que indicou
para ocupar o seu lugar Carlos de Anjou. Carlos invadiu a Itália em 1265
com o exército do papa e em 1266 depôs e matou Manfredo na batalha de Benevento [Longfellow 67]. Depois de uma busca de três dias, o corpo de
Manfredo foi encontrado e Carlos autorizou que ele fosse enterrado com
honras, nos pés da ponte em Benevento, sob uma pilha de pedras
depositadas pelos soldados. Mas posteriormente, o bispo de Cosenza (nota
3.5) mandou desenterrar o corpo, sob as ordens do papa, e jogá-lo às
margens do rio Verde, fora dos territórios da Igreja. [Sayers 55]
3.3 A imperatriz Constância (1154-1198) era a esposa de Henrique VI e mãe
de Frederico II da Sicília.
Notas 10
3.4 Quando os excomungados eram levados em procissão ao seus túmulos, as
velas funerárias eram primeiro apagadas e depois levadas, junto ao morto,
viradas de cabeça para baixo. [Musa 95]
3.5 O pastor de Cosenza é provavelmente Bartolomeo Pignatelli ou seu
sucessor Tommaso d’Agni [Musa 95].
3.6 Clemente é o papa Clemente IV, que teria mandado o bispo de Cosenza
(nota 3.5) desenterrar o corpo de Manfredo e transferi-lo para fora das terras
da Igreja.
3.7 Constância (também) é o nome da filha de Manfredo, que se casou com
Pedro III de Aragão em 1262, e recuperou a soberania sobre a Sicília. Um
dos filhos de Constância se tornou rei de Aragão. O outro assumiu o trono
da Sicília.[Musa 95]
3.8 Os excomungados são condenados a vagar pela encosta do monte por 30
vezes o tempo em que negaram a Santa Igreja. Chegaram ao purgatório
porque se arrependeram no último instante (se não fosse assim, estariam no
inferno).
3.9 Manfredo, os outros excomungados e as almas que serão encontradas por
Dante e Virgílio nos cantos seguintes não estão no purgatório propriamente
dito mas esperam ter a permissão de lá entrar depois de passar por um
período de espera. Essas almas habitam o Ante-purgatório, e pedem que os
vivos lembrem deles em suas orações, pois isto diminui o tempo de espera.
Notas 11
4 Personagens e símbolos do Canto IV
4.1 Quem afirma que mais de uma alma habita no corpo é Platão. Na sua
doutrina uma alma vegetativa habita no fígado, uma alma sensitiva no
coração e uma alma intelectual do cérebro. Platão diverge de Aristóteles (que
influenciou Tomás de Aquino e Dante) que afirma que a alma é uma só e
tem três potências: viver, sentir e raciocinar. Dante apresenta toda essa
doutrina em um discurso no Canto XXV.
Notas 12
4.2 Devido à inclinação do eixo da terra em relação ao eixo de sua órbita em
torno do Sol, a trajetória aparente do astro, para um observador situado de
frente para o oriente, poderá ocorrer à sua esquerda, à sua direita ou
diretamente sobre a sua cabeça. Para os observadores ao norte do trópico de
Câncer, o Sol sempre passará à direita. Estando ao sul do trópico de
Capricórnio, o observador que assiste o nascer do Sol verá o mesmo passar à
sua esquerda. Na região tropical, a posição do Sol dependerá da estação do
ano. Como praticamente toda a civilização ocidental conhecida na época de
Dante vivia no norte da Ásia, África e Europa, Dante estranha o Sol do lado esquerdo. Veja diagrama abaixo mostrando o fenômeno descrito por
Virgílio.
Notas 13
4.3 Belacqua era um fabricante de instrumentos musicais. Segundo Benvenuto
de Imola “ele era um florentino que construía violões e outros instrumentos
musicais e às vezes também tocava-os. Dante, que gostava de música,
conhecia-o muito bem.” [Longfellow 67]
4.4 Cronologia: é quase meio-dia, pois são 6 horas de diferença em relação a
Marrocos (veja diagrama na nota 2.1).
4.5 Belacqua representa as almas que se arrependeram tarde por preguiça e falta de interesse, deixando para fazê-lo na última hora, quando não havia
mais tempo para pecar. Essas almas, como os excomungados, são obrigadas
a esperar no Ante-Purgatório, o mesmo tempo que viveram na Terra.
Ocupam, porém, uma posição mais alta, no segundo terraço. Durante o
período de suas penas as almas nada fazem a não ser esperar, vivendo, mais
ou menos, da mesma forma como viviam na Terra.
Notas 14
5 Personagens e símbolos do Canto V
5.1 O Miserere é o Salmo 51, que começa Miserere mei, Domine... (“Tem
misericórdia de mim, ó Senhor...”) É a oração das almas que se
arrependeram na hora da morte, sem ter tido tempo para confessar seus
pecados e receber a extrema unção. Neste terraço, essas almas ocupam uma
posição superior aos preguiçosos, e tem uma oração (negada àqueles), pois as
circunstâncias foram parcialmente responsáveis pela sua morte (enquanto os
preguiçosos deixaram para a última hora por motivos menos significantes).
Notas 15
5.2 Jacopo del Cassero (o primeiro espírito que se dirige a Dante) era guelfo de
Fano (região entre a Romanha e o reino de Nápoles, que na época estava sob
o governo de Carlos de Anjou) e podestà de Bolonha. Ele fazia oposição ao
tirano Azzo III de Este. Em 1298, enquanto viajava de Bolonha para Milão,
Cassero foi surpreendido e brutalmente assassinado pelos homens de Azzo em Oriago, um vilarejo situado às margens de um pântano (hoje conhecido
como a laguna morta) entre Veneza e Pádua (terra de Antenor). [Sayers
57][Musa 95]
5.3 Buonconte era filho de Guido de Montefeltro (veja Inferno, Canto XXVII).
Ele liderou as forças guibelinas contra os guelfos de Florença na batalha de
Campaldino (nota 5.4), ocorrida em junho de 1289. Entre os guelfos, na
primeira fila da cavalaria, estava Dante Alighieri. O exército guelfo venceu e
Buonconte foi morto mas seu corpo nunca foi encontrado.
Notas 16
5.4 Batalha de Campaldino: Em 1267, o exército de Carlos de Anjou expulsou
os guibelinos de Florença que haviam tentado um golpe para retomar o
poder na cidade. Vinte anos depois, a maior parte deles residia em Arezzo,
que logo caiu sob o poder dos guibelinos. Os guelfos aretinos se revoltaram
e obtiveram algum sucesso, mas enfraquecidos, não suportariam um outro
golpe. Em junho de 1289, um exército formado por 1600 cavaleiros e 10 mil
soldados, oriundos de Florença, Luca, Prato, Pistóia, Siena, Bolonha e outras
cidades guelfas marchou em direção a Arezzo e encontrou o exército
guibelino no distrito de Certamondo, nos campos de Campaldino. A batalha
foi vencida pelos guelfos que mataram mais de 1700 guibelinos e prenderam
outros dois mil. (Villanni, citado em [Sayers 49 e 57])
5.5 O distrito do Casentino é cercado pelas montanhas do Pratomanho e dos
Apeninos. O rio Arquiano, nasce nos Apeninos e flui para o Arno. É nesse
ponto onde o rio muda de nome (deixa de se chamar Arquiano e passa a se
chamar Arno).
5.6 Pia dei Tolomei era filha de uma família de Siena. Casou-se com um líder
guelfo chamado Nello ou Paganello que era senhor do Castelo della Pietra
(entre outros castelos) em Maremma. Por causa de ciúmes ou porque
desejava casar-se com uma herdeira mais rica, Nello levou Pia para o Castelo
de Pietra e lá ele a matou. Uma das versões do assassinato relata que ela teve
uma morte súbita, tendo sido, pelo marido, atirada de um precipício ou da
janela do castelo [Sayers 57].
Notas 17
6 Personagens e símbolos do Canto VI
6.1 O juiz aretino Benincasa di Laterina foi assessor do Podestà de Siena e na
época, proferiu uma sentença de morte contra um parente do nobre e
poderoso Ghin de Tacco. Ao tomar conhecimento do poder que Ghin
exercia em Siena, Benincasa apressou-se em deixar a cidade e obter
transferência para Roma. Mas Ghin o perseguiu e, disfarçado como um
peregrino, conseguiu ter acesso ao escritório do juiz. [Sayers 55] Um dos
relatos afirma que, após matar sua vítima, Ghin escapou sem ser
incomodado, levando consigo a cabeça do juiz [Musa 95].
6.2 Guccio dei Tarlati de Pietramala foi um aretino que morreu afogado ao
tentar atravessar o rio Arno fugindo de seus inimigos, após uma batalha de
guelfos contra guibelinos em Bibbiena. [Longfellow 67].
6.3 Frederico Novello era filho do Conde Guido Novello e neto do conde
Ugolino della Gherardesca (veja Inferno Canto XXXIII). Foi morto em 1291
pelos guelfos da família Bostoli durante batalha ocorrida no Casentino [Musa
95].
6.4 Farinata de Pisa é filho de Marzucco degli Scornigiani. Marzucco foi um
jurista que, ao se aposentar, entrou para a ordem franciscana. Quando seu
filho, Farinata, foi assassinado (por Beccio da Caprioni ou pelo Conde
Ugolino della Gherardesca), Marzucco não buscou vingança mas perdoou os
assassinos.
6.5 O Conde Orso degli Alberti, filho de Napoleone degli Alberti (e neto do
Conde Alberto di Mangona) foi morto pelo primo Alberto, filho de
Alessandro degli Alberti (irmão de Napoleone). Dante encontrou os irmãos
Napoleone e Alessandro na Caína (Inferno, canto XXXII).
6.6 Pier de la Broccia (Pierre de la Brosse) era conselheiro e cirurgião de Filipe
III, da França (nota 7.11). Foi enforcado em 1276 por causa de uma falsa
acusação de traição inventada pela rainha, a segunda esposa de Filipe, Marie de Brabant. Marie o acusara de ter tentado seduzi-la. [Longfellow 67]
Notas 18
6.7 A identidade de Sordello é incerta. Alguns comentaristas afirmam que se
trata de Sordello de Goito, aventureiro e trovador nascido nos arredores de
Mântua, aproximadamente em 1200. Todos os registros sobre sua vida após
1269 se perderam, mas há uma tradição que afirma que ele teve uma morte
violenta. Sordello escreveu vários poemas em provençal, dos quais, uns 40
foram preservados. Um desses poemas faz duras críticas a todos os mais
influentes principes da Europa. Ele abandonou sua língua natal e seu país,
chegando a lutar contra a Itália sob bandeira francesa. Talvez por isso, diz
Dorothy Sayers, “o encontramos tão solitário e pensativo. A emoçao nele
despertada pela simples menção de sua cidade natal é por essa razão mais
chocante, e isto provoca em Dante a indignação que o faz proferir seu
discurso irônico contra a Itália.” [Sayers 55] Na mesma época, porém, havia
outro Sordello, também de Mântua, que não renegou seu país nem sua
língua natal e chegou a ser podestà de Verona. Alguns comentaristas afirmam
tratar-se da mesma pessoa, mas Henry Wadsworth Longfellow observa que
Dante, no seu tratado De Vulgari Eloquentia, “fala de Sordello de Mântua
como um homem tão cuidadoso com seu idioma que, não somente nos seus
poemas, mas mesmo quando falava, abandonava o sotaque de sua província.
Mas aqui não se discute o provençal usado por Sordello, o trovador, mas
apenas os dialetos italianos em comparação com o italiano universal, que
Dante afirma pertencer a todas as cidades italianas. No mesmo tratado,
Dante menciona um certo Gotto de Mântua como o autor de várias canções
muito boas. Este Gotto deveria ser Sordello, uma vez que Sordello nasceu
em Goito na província de Mântua. Mas será que Dante se referiria à mesma
pessoa no mesmo tratado sob dois nomes diferentes?” Longfellow
prossegue, defendendo a identidade de Sordello como sendo “não o
trovador, mas o velho Podestà de Mantua, um guibelino tão assumido
quanto o próprio Dante, e Dante profere diante dele sentimentos que ele
bem sabe que os zelosos guibelinos irão compartilhar. E o que confirma
nossa suposição ainda mais é que Sordello abraça os joelhos de Virgílio,
dizendo, ‘Ó, glória dos latinos’ (no Canto VII). Nessa admiração e amor à
língua latina vemos o podestá, escritor de latim; não vemos o trovador.”
[Longfellow 67]
Notas 19
6.8 Alberto I da Áustria (1248-1308) herdou de seu pai, Rodolfo de Hapsburgo
(nota 7.7), o trono do Sagrado Império Romano, após derrotar seu
concorrente, Adolfo de Nassau, vencido e morto por ele em batalha. Sua
eleição desagradou ao papa Bonifácio VIII, mas teve sua legitimidade
reconhecida, porém nunca foi à Itália para ser coroado pelo papa. Alberto foi
sucedido pelo imperador Henrique de Luxemburgo, depois de ser morto
violentamente em 1308 pelo seu sobrinho.[Longfellow 67][Pinheiro 60]
6.9 Montecchi e Cappelletti eram duas famílias rivais de Verona, cujas brigas
foram tema da peça Romeu e Julieta de William Shakespeare.
6.10 Monardi e Filipeschi eram duas famílias rivais de Orvieto.
6.11 Dante aproveita a ocasião para fazer um discurso onde expõe seus pontos
de vista em relação à decadência da Itália. Ao clamar pelo poder do império
(“Ó César meu...”) que abandonara as cidades italianas, deixando que elas se
corrompessem e fossem dominadas por tiranos, Dante demonstra concordar
com ideais defendidos pelos guibelinos.
Notas 20
7 Personagens e símbolos do Canto VII
7.1 Otaviano era o imperador Augusto (63 a.C. a 14 d.C).
7.2 As três santas virtudes são a fé, a esperança e a caridade. As outras virtudes
são as virtudes cardeais: prudência, justiça, fortaleza e temperança.
7.3 A lei da montanha impede que uma alma penitente progrida durante as
horas em que o Sol não ilumina a montanha. Seu significado é alegórico. A
graça divina (a luz do Sol), deve estar sempre presente durante a penitência,
caso contrário a alma só pode esperar, ou até regredir (descer), pois não terá
luz que possa guiá-la. Como os penitentes desejam o Paraíso, não têm
vontade de subir guiados pelas trevas pois podem estar rumando para o
abismo. Comentaristas observam que a lei reflete as palavras de Cristo em
João 12:35: “Então Jesus lhes disse: A luz ainda está convosco por um pouco.
Andai enquanto tendes luz, para que as trevas não vos apanhem. Quem anda
nas trevas não sabe para onde vai.” [Longfellow 67]
7.4 O vale dos príncipes é o jardim onde ficam os líderes que foram atentos às
suas obrigações políticas, mas negligentes com suas obrigações espirituais.
7.5 Salve Rainha: hino da igreja criado no século XI, que começa (em latim):
Salve Regina, mater misericordiae, Vita, dulcedo et spes nostra, salve. [Longfellow 67]
7.6 Os preocupados formam o terceiro grupo dos que se arrependeram tarde.
Os primeiros mudaram de idéia na hora da morte violenta. Os seguintes,
deixaram para a última hora por preguiça. Estes também deixaram para se
arrepender de seus pecados na última hora, porém não por causa de preguiça
mas de suas preocupações com os problemas mundanos. Como sua
preocupação era, antes de tudo, voltada às outras pessoas, essas almas
ocupam o lugar mais alto e mais bonito do Ante-purgatório. Mesmo aqui,
continuam a discutir os assuntos que lhes tomavam o tempo na Terra,
enquanto esperam pela oportunidade de atravessar a porta de São Pedro.
7.7 Imperador Rodolfo (1218-1291): pimeiro imperador da Alemanha e que
deu início à dinastia de Hapsburgo. Em 1273 foi nomeado rei do Sagrado
Império Romano e imperador da Alemanha. Entrou em conflito com
Notas 21
Ottokar II, o rei da Boêmia, que se negava a aceitar a autoridade de César
assumida por Rodolfo. À força, Rodolfo tomou de Ottokar a Áustria, a
Stíria, a Coríntia e outras possessões. Ottokar tornou-se seu maior inimigo, e
passou a vida lhe enfrentando. [Pinheiro 60]
7.8 Ottokar II, rei da Boêmia (1253 a 1278). Era também soberano de vários
principados da Alemanha como a Áustria, Coríntia, Camíola, Stítria e grande
parte da Prússia. Por sua grande influência e poder, foi indicado para assumir
o império da Alemanha, mas, por não concordar com o Império, rejeitou o
convite. Rodolfo (nota 7.7), que acabou sendo escolhido imperador, quis que
Ottokar se sujeitasse aos costumes do Império, incluindo a cerimônia de
homenagem ao novo Imperador. Mas Ottokar não reconhecia a autoridade
de Rodolfo. Este, então declarou guerra a Ottokar e tomou-lhe a maior parte
dos estados. Ottokar foi morto na batalha de Laa em 1278. [Pinheiro 60]
7.9 O bom rei Wenceslau IV (1270-1305): filho de Ottokar II (nota 7.8). Por ser
de menor quando seu pai faleceu, não pode assumir o trono, que foi
ocupado pelo marquês de Brandenburgo. Cinco anos depois, em 1283,
tornou-se soberano da Boêmia. Em 1300 foi eleito rei da Polônia e alguns
anos depois foi-lhe oferecida a Hungria, que não aceitou, deixando-a para
seu filho Wenceslau V. Wenceslau tinha fama de ser uma pessoa de índole
pacata e mansa, e seu curto reinado foi marcado pela paz. [Pinheiro 60]
7.10 O gordo é Henrique de Navarre, irmão de Tebaldo (o bom) e pai de
Joana, a esposa de Felipe IV, o belo (veja nota 7.12). Henrique foi rei de
Navarre de 1270 a 1274. A causa de sua morte em 1274 teria sido
“sufocamento pela própria gordura.” [Musa 95]
7.11 O espírito de nariz achatado é Felipe III, o ousado (1245-1285), rei da
França (1270-1285): filho de Luís IX e Margarida de Provença, pai de Felipe
IV (veja nota 7.12). Casou-se com Isabel de Aragão (1262) e depois com Marie
de Brabant (1274) (nota 6.6). Esta última esposa levou-o a condenar ao
enforcamento seu cirurgião Pierre de la Brosse (nota 6.6) [Larousse 95]. Foi
derrotado em batalha na tentativa de reconquistar a Sicília para seu tio,
Carlos de Anjou (nota 7.15), e morreu pouco depois.
7.12 O Mal da França é Felipe IV (o belo) (1268-1314), filho de Felipe III (nota
7.11) com Isabel de Aragão, e genro de Henrique de Navarre (nota 7.10). Foi
Notas 22
pai de três reis da França que o sucederam. Político extremamente hábil e de
governo agressivo tendendo à tirania. O reino de Felipe foi marcado por
diversos desendimentos com a Igreja Católica, que tiveram início em 1296
quando o papa Bonifácio VIII (nota) publicou um documento no qual
declarava que as propriedades da Igreja seriam isentas de quaisquer
obrigações seculares. Felipe contestou, argumentando que, se a Igreja não
fosse pagar tributos à França, então a França também não iria pagar tributos
à Igreja. Imediatamente, ele proibiu a remessa de dinheiro ou produtos
franceses à Igreja. Solicitou também a criação de um conselho para analisar
as denúncias de heresia e corrupção por parte de Bonifácio e chegou a
prender o bispo de Palmiers, Bernard Saisset, sob a acusação de traição. Por
causa disso, Bonifácio decidiu excomungar o rei. Um dia antes da publicação
do documento de excomunhão na Catedral de Alagna, onde Bonifácio
residia, os emissários de Felipe invadiram o palácio e mantiveram o papa em
cárcere privado, saqueando sua residência e o agredindo fisicamente.
Bonifácio foi salvo três dias depois pelos habitantes de Alagna, mas não
resistiu e morreu em Roma um mês depois aos 86 anos [Sayers 55]. A eleição
de Clemente V, que transferiu a sede do papado para Avignon, anulou a
excomunhão decretada por Bonifácio e selou a vitória de Felipe. O rei
também se destacou por sua perseguição aos judeus, lombardos (banqueiros
italianos) e cavaleiros da Ordem do Templo, motivada pelo interesse nas suas
riquezas [Encarta 97]. Em 1307, Felipe mandou interrogar sob tortura 138
templários. O papa Clemente V inicialmente protestou mas acabou não
resistindo à pressao e suprimiu a ordem em 1312, entregando os templários
ao rei, que foram condenados à fogueira. A perseguição só terminou com a
execução do grande-mestre Jacques de Molay, queimado vivo em 18 de
março de 1314, marcando o fim da Ordem do Templo. Filipe se apropriou
de grande parte das riquezas dos templários da França mas acabou falecendo
em outubro de 1314. Parte do espólio dos templários chegou a ser
transferido para a Ordem de Cristo, fundada em Portugal em 1918 por Dom
Dinis, que não acatou a decisão do papa. A Ordem de Cristo teve papel
fundamental no financiamento dos descobrimentos marítimos empreendidos
pela Coroa de Portugal. [Larousse 95]
7.13 O forte é Pedro III de Aragão (1236-1285), filho do espanhol Jaime I de
Aragão e esposo de Constancia (nota 3.7), filha de Manfredo (nota 3.2). Pedro
Notas 23
se tornou rei da Sicília em 1282, sucedendo a Carlos de Anjou que foi
derrotado após o massacre das Vésperas Sicilianas (nota 7.14). Ele foi morto
perto de Barcelona, em 1285, devido a ferimentos recebidos em batalha
contra os franceses. [Musa 95]
7.14 Vésperas Sicilianas (1282): insurreição contra o palácio de Anjou planejada
pela resistência siciliana, liderada por Pedro III de Aragão e pelo imperador
bizantino Miguel VIII Paleólogo com provável financiamento pelo papa
Nicolau III [Sayers 55]. A revolta começou na segunda-feira de Páscoa, na
hora em que soavam as vésperas. Iniciou-se um sangrento massacre que fez
milhares de vítimas entre os de franceses residentes na Sicília. A revolta só
terminou quando Carlos de Anjou foi expulso do palácio, cedendo o trono a
Pedro III de Aragão. [Larousse 95]
7.15 O narigudo é Carlos I de Anjou (1220-1285). Filho de Luís VIII da
França, foi rei de Nápoles e da Sicília, conde de Anjou e de Provença.
Simpatizante dos ideais guelfos, Carlos foi convidado a assumir o trono de
Nápoles pelo papa Urbano IV. Incentivado pelo papa Clemente IV a tomar
posse do reino, entrou em guerra com Manfredo (nota 3.2) em Benevento
(1266), ganhou e se tornou rei da Sicília e da Apúlia. Os sicilianos ficaram
revoltados com o governo francês e tentaram derrubá-lo sem sucesso em
1268 [Sayers 55]. Enquanto isso, Carlos tentava transformar a Sicília em um
grande império mediterrâneo. Na Itália, conseguiu a soberania sobre a
Toscana e os estados pontifícios. Depois tentou se apoderar do império
bizantino, tomando Corfu, Durazzo e a costa de Épiro. Tornou-se rei de
Jerusalém em 1277. Mas a resistência interna foi crescendo e, em 1282, um
movimento que agia na clandestinidade conseguiu levar adiante uma
insurreição levando às Vésperas Sicilianas (veja nota 7.14) que resultou em sua
derrota e o fim do seu império marítimo [Larousse 95]. Carlos morreu ao
tentar retomar o governo da Sicília dois anos depois.
7.16 O jovem provavelmente é Alfonso III, o filho mais velho de Pedro III de
Aragão, e que reinou entre 1285-1291.[Musa 95]
7.17 Henrique III da Inglaterra (1216 – 1272): rei da Inglaterra e duque da
Aquitânia. Foi um príncipe fraco, de pouca iniciativa que deixou-se
influenciar por sua comitiva francesa e era submisso aos abusos de Roma.
Notas 24
Derrotado por Luís IX em duas batalhas, perdeu a soberania sobre várias
terras. A derrota revoltou os barões que iniciaram uma guerra civil, sob a
liderança do barão Simão de Montfort, que capturou e prendeu o rei. Após a
morte do barão, Henrique foi libertado pelo filho Eduardo conduzido de
volta ao trono, que manteve até a sua morte. [Larousse 95] Nas obras de
Sordello (nota 6.7), Henrique é freqüentemente repreendido por sua preguiça
e covardia [Musa 95].
7.18 Batalha de Benevento (1266): Com Florença tomada pelos guibelinos e o
crescimento da influência do guibelino Manfredo em ascenção na Toscana, o
papa Urbano IV pediu ajuda a Carlos de Anjou (nota 7.15), irmão do então
rei da França, Luís IX, para que ele liderasse os guelfos, oferecendo-lhe o
governo de Nápoles e incentivando-lhe a conquistar o resto da península. A
batalha decisiva ocorreu em Benevento em 26 de fevereiro de 1266. A
cavalaria dos Anjou, ajudada por traidores sicilianos, conseguiu derrotar o
exército de Manfredo e tomar o poder poucos dias depois. Dois anos depois,
Conradino tentou retomar o poder para os sicilianos mas não teve sucesso e
foi decapitado em Nápoles, a nova capital da Itália austral. [HistoryNet]
7.19 Guilherme, o Marquês de Montferrat e da região de Canavês (1254-1292)
era líder da resistência contra Carlos I de Anjou. Em 1290, foi traído pelos
habitantes de Alexandria, uma das cidades que liderava, que o capturaram e o
mantiveram em exposição numa jaula de ferro até a sua morte, depois de um
ano e meio. [Sayers 55].
Notas 25
8 Personagens e símbolos do Canto VIII
8.1 Antes que o dia termine (Te lucis ante terminum no original) são as primeiras
palavras do hino de São Ambrósio, para a proteção contra os pesadelos e
espíritos da noite. Ele começa (em latim) Te lucis ante terminum / Rerum creator
poscimus / Ut pro tua clementia / Sis proesul et custodium... [Pinheiro 60]
8.2 A serpente e os anjos: A serpente representa o pecado, que tenta se infiltrar
entre as almas que esperam sua chance no Purgatório. Os anjos com espadas
flamejantes (como o que guarda a entrada do Éden em Gênesis 3:24) são a
esperança divina da salvação (por isso vestem verde, cor da esperança) que
descem com a incumbência de afastar a serpente [Sayers 55].
Notas 26
8.3 O Juiz Nino Ugolino Visconti de Gallura era neto materno do conde
Ugolino della Gherardesca (veja Inferno XXXIII) e seu rival na liderança da
cidade de Pisa. Depois de ser expulso de Pisa, Nino se tornou passou a
liderar os guelfos da Toscana contra Pisa para onde conseguiu retornar em
1293. Aparentemente, Nino era conhecido de Dante, que fica feliz em vê-lo
entre as almas que foram salvas. [Sayers 55]
8.4 Giovanna era filha de Nino com Beatrice d’Este. Quatro anos após a
morte de Nino (em 1300), Beatrice casou-se pela segunda vez, desta vez com
Galeazzo Visconti de Milão. Dante simpatiza com a mágoa de Nino, que
censura sua viúva por decidir contrair núpcias com outro. Essa visão era
comum na Idade Média, onde a igreja não via com bons olhos o segundo
casamento de viúvas. [Sayers 55]
8.5 Víbora de Milão e o Galo de Gallura: Beatrice iria casar-se com um
Visconti de Milão. O brasão da família milansesa ostenta uma serpente. O da
família de Nino, Visconti de Gallura, ostenta um galo. Nino argumenta que
teria sido melhor para Beatrice se ela tivesse morrido sua esposa que esposa
de Galeazzo.
Notas 27
8.6 As três estrelas, no comentário de Xavier Pinheiro [Pinheiro 60], seriam
Canopus (Alpha Carinae), Achernar (Alpha Eridanus) e Alpha Dorado.
Achernar está no hemisfério oposto (180 graus) ao Cruzeiro do Sul (as
supostas quatro estrelas) e Canopus encontra-se a 75 graus de Achernar. A
constelação do Peixe Dourado (Dorado) fica entre as duas estrelas. É difícil
imaginar como se chegou à conclusão que essas três estrelas dispersas são as
três estrelas a que se refere Dante no seu poema, pois é preciso bastante
imaginação para considerar as três um grupo facilmente identificável como o
Cruzeiro do Sul, a constelação de Vela (a falsa cruz) ou o triângulo austral,
por exemplo. Dante não conhecia a geografia do céu no hemisfério Sul. Se
ele sabia de um conjunto de quatro estrelas (Cruzeiro do Sul) e outro de três
estrelas a partir de relatos de viajantes, será que ele também tinha
informações precisas sobre a localização dessas estrelas? Por que não seriam
essas três estrelas uma outra constelação, como o Triângulo Austral, por
exemplo? Na constelação de Dorado encontra-se a Grande Nuvem de
Magalhães, uma nebulosa que jamais deixaria de ser percebida por um
navegador dos mares do Sul. Por que ela não é mencionada na viagem de
Dante, que utiliza extensivamente a geografia dos céus para marcar o tempo?
Pelos motivos já apresentados na nota 1.1, não creio que as três estrelas
representem estrelas que Dante realmente sabia existirem no céu. Na
alegoria, representam as três virtudes teológicas (ou graças): a fé, a esperança e
a caridade.
8.7 Conrado Malaspina de Lunigiana (cidade no Vale do rio Magra –
Valdimagra) era pai de Morello Malaspina, em cuja casa Dante foi hóspede
no outono de 1306. Conrado prevê que Dante conhecerá a hospitalidade de
sua terra menos de sete anos após esse encontro no Purgatório (que se passa
em 1300) .
Notas 28
9 Personagens e símbolos do Canto IX
9.1 O sonho de Dante: Este é o primeiro dos três sonhos que Dante terá nas
três noites que passará no purgatório. Ele sonha que está sendo levado para
o alto da montanha por uma águia, que atravessa o fogo. A águia é na
verdade Santa Luzia – uma das três mulheres que, no início da Comédia, se
interessou pela salvação de Dante da selva escura. Na interpretação de
Dorothy Sayers, a intervenção de Luzia é necessária porque, “depois que a
alma decide seguir o caminho da penitência e purgação, ela passa a depender
da graça divina. É um salto muito grande para ser realizado com seus
poderes naturais, então, Luzia é enviada do céu para ajudar Dante” [Sayers
55].
9.2 Ganimede era filho de Tros (fundador da cidade de Tróia), segundo a
mitologia grega. O jovem príncipe, considerado o mais belo dos mortais,
caçava no monte Ida quando foi raptado por Zeus, disfarçado de águia. Zeus
o levou ao pico do monte Olimpo, onde recebeu a imortalidade e substituiu
Hebe, a deusa da juventude, como copeiro dos deuses [Encarta 97].
Notas 29
9.3 Os três degraus simbolizam as três partes da penitência. O primeiro degrau,
que é branco e no qual se vê o próprio reflexo, representa a confissão, o ato de
reconhecer em si o pecado cometido. O segundo, escuro, áspero e rachado
simboliza o arrependimento pelo ato pecaminoso ou contrição. O terceiro
degrau, vermelho flamejante da cor do sangue de Cristo, representa a
purificação através da absolvição da dívida do pecador.
9.4 O anjo guardião do purgatório é visto como representante da Igreja
Católica. Seria o sacerdote (ou confessor) ideal, de acordo com D. Sayers.
“Ele porta a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus, e possui as chaves
para o Reino de Deus, que foram dados a Pedro como a autoridade da Igreja
para libertar ou não das amarras do pecado.” [Sayers 55]
A entrada do Purgatório. Um anjo guarda a Porta de
São Pedro. Ilustração de Gustave Doré (século XIX).
Notas 30
9.5 As sete feridas em forma de P (de pecatto) representam o reconhecimento
de ter cometido os sete pecados capitais. As feridas devem ser saradas
quando os pecados forem purgados em cada uma das sete cornijas do
purgatório.
9.6 As chaves que abrem as portas do Reino de Deus representam as duas
partes da absolvição, poder que pertence à Igreja Católica. A chave dourada
representa a autoridade divina dada à Igreja para a remissão dos pecados. “É
a mais cara porque foi comprada ao preço da paixão e morte de Deus”
[Sayers 55]. É com ela que o sacerdote absolve os pecadores. A chave de prata
representa o conhecimento necessário ao sacerdote para guiar o pecador no
processo que o libertará das amarras do pecado. Ambas as chaves devem
funcionar para que a porta seja aberta.
9.7 A ordem de não olhar para trás é provavelmente inspirada em Lucas 9:62
“Jesus lhe disse: Ninguém que lança mão do arado e olha para trás é apto
para o reino de Deus.” (trad. João Ferreira de Almeida)
9.8 A vós louvamos ó Senhor (Te Deum Laudamus) é o início de um hino escrito
por Santo Ambrósio na ocasião da conversão de Santo Agostinho e que a
igreja canta por ação de graças [Pinheiro 60]. Segundo Dorothy Sayers,
alguns comentaristas sugerem que o hino é cantado pelos espíritos no
Purgatório, felizes por mais uma alma que se arrependeu dos seus pecados.
Também cita Lucas 15:10, onde Jesus diz: “Assim vos digo que há alegria
diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende.” [Sayers 55]
Notas 31
10 Personagens e símbolos do Canto X
10.1 Eis a serva de Deus. Esta escultura é a primeira das três imagens que
demonstram exemplos de humildade (a virtude oposta à soberba, que se
purga neste primeiro círculo do Purgatório). A imagem reflete a humildade
de Maria ao aceitar ser a mãe de Cristo. A inscrição, que no original aparece
em latim: Ecce ancilla Dei, tem origem na Bíblia (Lucas 1:38) onde Maria aceita
sua missão divina: “Disse, então, Maria: Eu sou a serva do Senhor. Cumpra-
se em mim segundo a tua palavra. E o anjo ausentou-se dela.” (trad. João
Ferreira de Almeida)
10.2 As esculturas, o ‘látego’ e o ‘freio’: Na entrada de cada um dos círculos do
Purgatório haverá uma seqüência de imagens, sons, vozes ou visões que
representam a virtude oposta ao pecado que lá é purgado. É o látego (ou
chicote) que assola as almas permanentemente, e as impele na direção certa.
Os exemplos, indicam o caminho que deve ser seguido. Na saída, uma
representação do mesmo tipo (imagens, sons, vozes, visões, etc.) mostrará
exemplos do pecado que foi purgado naquela cornija. É o freio da cornija,
que representa exemplos que devem ser abandonados. Os termos “látego” e
“freio” (que fazem referência aos comandos de controle de um carro puxado
por cavalos) são usados por Virgílio no canto XIII.
10.3 O látego do orgulho, neste canto aparece na forma de esculturas nas
paredes da cornija (os exemplos são Maria, Trajano e Davi). Neste círculo, o
freio também será representado como esculturas (canto XII), desenhadas no
chão.
Notas 32
10.4 A segunda escultura representa a humildade do rei Davi diante do povo,
durante o transporte da Arca do Senhor a Jerusalém. Quando a Arca chegou
à cidade, Mical, esposa de Davi, observou o rei dançando alegremente no
meio do povo, e sentiu desprezo por ele. Disse-lhe “Quão honrado foi o Rei
de Israel, descobrindo-se hoje aos olhos das servas de seus servos, como um
vadio qualquer que se tira a roupa sem pudor.” (2 Sam 6:20) Davi respondeu
“Ainda mais do que isto me envilecerei, e me humilharei aos meus olhos.
Quanto às servas de quem falaste, delas serei honrado.” E Mical não teve
filhos até o dia de sua morte. (trad. João Ferreira de Almeida)
10.5 A terceira escultura representa o imperador Trajano, que era pagão mas
que teve garantido um lugar no Paraíso por causa das orações do papa São
Gregório. Segundo a lenda, narrada por Brunetto Latini na sua obra Fiore di
Filosofi, Trajano estava já montado em seu cavalo, prestes a partir para a
guerra com seu exército, quando foi abordado por uma humilde viúva. A
mulher, chorando, pediu que ele fizesse justiça contra os que, sem motivo,
mataram seu filho. Trajano a respondeu, dizendo: “Logo que eu retornar, eu
farei o que pedes.” Ela então questionou: “E se o senhor não retornar?”. Se
eu não retornar”, respondeu Trajano, “o meu o meu sucessor o fará.” Mas
ela insistiu: “Como saberei que ele irá me atender? E se ele o fizer, de que
serve ao senhor o bem feito por outro? O senhor é quem me fez uma
promessa e, de acordo com as vossas ações, sereis julgado; se é fraude um
homem não pagar o que deve, a justiça feita por outro não irá vos libertar, e
será útil ao vosso sucessor que ele se liberte.” Convencido por tais palavras,
o imperador desceu do cavalo e foi atender ao pedido da viuva. Depois,
montou seu cavalo, e foi à guerra. Muitos anos depois, Gregório, ao tomar
conhecimento dessa história, ordenou que desenterrassem o imperador. Ao
abrir o túmulo, percebeu que tudo havia se transformado em cinzas, exceto
seus ossos e sua língua, que era como a de um homem vivo. E assim São
Gregório tomou conhecimento da justiça do imperador, pois a sua língua
sempre a havia pronunciado. Ele então implorou a Deus que tirasse a alma
de Trajano do Inferno. Deus, por suas orações, colocou Trajano no Paraíso.
Um anjo, depois, procurou Gregório e o advertiu, dizendo que nunca mais
fizesse uma oração assim. Deu-lhe uma penitência, que poderia escolher:
dois dias no Purgatório ou o resto da vida com febre e dor no lado. Ele
escolheu a dor menor e viveu o resto da vida doente. [Longfellow 67]
Notas 33
10.6 Os orgulhosos habitam o primeiro dos sete círculos do purgatório principal.
Na explicação que será dada por Virgílio, mais adiante, o orgulho é o
primeiro dos três pecados capitais que são resultantes do amor pervertido,
direcionado contra o próximo. Sendo o orgulho a raiz de todo pecado, este
círculo é o que mais se distancia de Deus, pois o orgulhoso deseja ter todo o
mundo voltado para si, tentando, assim, ocupar o lugar de Deus. [Sayers 55]
Notas 34
11 Personagens e símbolos do Canto XI
11.1 A oração: cada grupo de penitentes (com exceção dos habitantes da quarta
cornija) tem uma oração que de alguma forma se relaciona com o seu
pecado. O Pai Nosso, na cornija dos orgulhosos, é parte da penitência que
visa purificar as almas através do exercício da humildade.
11.2 A penitência dos orgulhosos consiste na humildade forçada pelo peso do
pecado que carregam nas costas, impedindo que levantem a cabeça. Dorothy
Sayers identifica três tipos de orgulhosos: Omberto, o aristocrata – orgulho
pela sua nobre linhagem; Oderisi, o artista – orgulho pelas suas realizações;
Provenzano, o déspota – orgulho pelo poder de dominar. [Sayers 55]
Notas 35
11.3 Omberto Aldobrandesco era conde de Santafiore, cuja família vivia em
eterna guerra com os habitantes de Siena. O ódio era tanto que Guglielmo
chegou a abandonar a causa guibelina e aliar-se aos guelfos de Florença, para
combater os sienenses [Musa 95]. Numa dessas guerras, Omberto foi morto
na vila de Campagnatico. [Longfellow 67] Ele começa sua apresentação,
ainda no hábito do orgulho, dizendo-se um latino de família nobre, citando o
nome de seu pai, Guglielmo. Em seguida, já revelando sua humildade
adquirida, especula que talvez Dante não conheça sua família, e confessa sua
culpa. [Sayers 55]
11.4 Oderisi de Agobbio (1240-1299?) foi um famoso pintor de miniaturas e
ilustrador de manuscritos (arte chamada de alluminare na França). Teria sido
convidado pelo papa (Bonifácio VIII) para ilustrar vários livros da biblioteca
do palácio. [Longfellow 67]
11.5 Franco de Bologna era discípulo de Oderisi (nota 11.4) que superou o seu
mestre e o substituiu na ilustração dos livros do palácio do papa.
11.6 Giovanni Cimabue (1240?-1308?), era o apelido de Bencivieni di Pepo.
Nascido em Florença, foi um dos mais importantes pintores do seu tempo.
Foi iniciado na arte por mestres gregos, mas rompeu com a tradição formal
bizantina – que representava a natureza e as divindades como ícones
bidimensionais – ao introduzir um estilo próprio, com sombras, luz e
perspectiva, refletindo de forma mais realista o mundo natural. Teve forte
influência no desenvolvimento da pintura renascentista. Acredita-se que
Cimabue tenha sido tutor de Giotto (veja nota 11.7). Ele é autor do mosaico
de São João na catedral de Pisa e de cenas do apocalipse nas igrejas de São
Francisco em Assis. [Encarta 97]
11.7 Giotto di Bondone (1266-1337) é considerado o “pai da pintura moderna”,
Giotto. Ao romper de vez com a tradição iconoclasta bizantina,
representando figuras humanas com realismo e profundidade, Giotto fundou
a escola realista na pintura renascentista de Florença. Nascido em
Vespignano, provavelmente estudou em Florença como discípulo de
Cimabue (nota 11.6) [Encarta 97]. A seguinte história é relatada nas notas de
H. Longfellow: “Dizem que Giotto, quando ainda era uma criança e aluno
de Cimabue, havia pintado uma mosca no nariz de uma figura na qual o
Notas 36
próprio Cimabue estava trabalhando. A mosca era tão fiel que, quando o
mestre retornou para continuar o seu trabalho, ele pensou tratar-se de uma
mosca de verdade e levantou sua mão várias vezes para afastá-la.”
[Longfellow 67] Giotto era amigo próximo de Dante e provável do único
retrato do poeta feito durante sua vida, atualmente em exposição no museu
do Bargello em Firenze [Musa 95]. Vários afrescos e peças religiosas em
Pádua, Arezzo, Florença, Roma, Nápoles, Rímini e Assis são atribuídos a
Giotto.
11.8 Os dois Guidos são provavelmente os poetas Guido Guinicelli de Bologna
(1230 a 1276), que Dante tem como “pai” que influenciou sua poesia, e
Guido Cavalcanti de Florença (1256 a 1300), amigo de Dante e, até então, o
poeta mais importante da Itália (veja Inferno, canto X).
11.9 Provenzano Salvani foi um dos nobres e orgulhosos guibelinos de Siena
que propuseram a destruição de Florença após a batalha de Montaperti (veja
Inferno, canto X). O seu amigo estava preso, condenado à morte, por ordem
de Carlos de Anjou, inimigo de Provenzano, e a fiança estava fixada em dez
mil florins. Sem recursos para pagar a fiança, Provenzano acampou na praça
de Siena e pediu dinheiro aos passantes [Norton 52].
Notas 37
12 Personagens e símbolos do Canto XII
12.1 Dante e o orgulho: o poeta sente o peso desse pecado em sua própria alma,
tanto que não consegue levantar os olhos e olhar para a frente. Na cornija
seguinte, Dante admite, ao conversar com um espírito sobre o dia em que
voltará à montanha, que já sente “a carga do peso sobre suas costas”.
12.2 O freio do orgulho (imagens no chão): Essas imagens, esculpidas no chão
são vistas pelas almas (e por Dante) que andam com a cabeça abaixada. No
poema original, o poeta descreve as imagens em 13 terças (39 versos), onde
as primeiras palavras das 12 primeiras terças são repetidas quatro vezes
(anáfora). Veja abaixo os primeiros versos da nona à vigésima terças:
25 Vedea colui che fu nobil creato (...) 28 Vedea Briareo, fitto dal telo (...) 31 Vedea Timbreo, vedea Pallade e Marte, (...) 34 Vedea Nembròt a piè del gran lavoro 37 O Niobè, con che occhi dolenti (...) 40 O Saùl, come in su la propria spada (...) 43 O folle Aragne, sì vedea io te (...) 46 O Roboàm, già non par che minacci (...) 49 Mostrava ancor lo duro pavimento (...) 52 Mostrava come i figli si gittaro (...) 55 Mostrava la ruina e 'l crudo scempio (...) 58 Mostrava come in rotta si fuggiro (...)
Dorothy Sayers observa que as iniciais da seqüência Vedea – O – Mostrava
destacam a palavra VOM (ou UOM, já que o V e o U são a mesma letra na
escrita medieval) que é “homem” em italiano [Sayers 55].
12.3 “Vi ...”: Esse parágrafo (quatro terças no original, começando com Vedea)
mostra três exemplos de orgulho absoluto. Os pecadores consideravam-se
superiores, em todos os aspectos, aos seus criadores. Os exemplos são
Lúcifer, Briareu e Nemrod.
12.4 Lúcifer é o anjo da luz, cujo orgulho fez com que desejasse ser maior que
Deus. Veja notas em Inferno, canto XXXIV. A descrição da queda de Lúcifer
feita por Dante é semelhante à narrada por Jesus em Lucas 10:18: “Vi
Satanás, como um raio, cair do céu” (trad. J. Ferreira de Almeida).
12.5 Briareu e os outros Gigantes quiseram tomar o poder no Olimpo, achando
que seriam capazes de vencer Jupiter. Apolo (Timbreu), Palas e Marte
Notas 38
lutaram e triunfaram na defesa dos deuses, matando todos os gigantes. Veja
notas em Inferno, canto XXXI.
12.6 Nemrod achou que poderia subir ao Céu ao construir a torre de Babel na
planície de Senaar (Gênesis 10:9-10). Veja notas em Inferno, canto XXXI.
12.7 “Ó ...” (exemplos de arrogância): Esse parágrafo (quatro terças no original,
começando com O) mostra quatro exemplos de orgulho quanto a habilidades
e discernimento intelectual. Os pecadores acreditavam possuir dons
inigualáveis e insuperáveis e ignoravam conselhos. Os exemplos são Niobe,
Saulo, Aracne e Roboão.
12.8 Niobe era a esposa do rei Anfión, de Tebas. No relato de Ovídio, ela
desdenhou o povo que adorava a deusa Latona. Por ser mãe de sete filhos e
sete filhas, ela se considerava superior à deusa, que com Júpiter só teve
Apolo e Diana. Em vingança, Latona convocou os gêmeos Phebe e Phebo
que mataram a flechadas seus 14 filhos. Ao saber das mortes dos sete filhos,
Anfión cravou um punhal em seu coração). Niobe assistiu à morte das sete
filhas e sua tristeza endureceu-a, transformando-a em uma estátua de pedra,
condenada a chorar para sempre. (Ovídio, Metamorfoses, livro VI)
12.9 Saulo, primeiro rei de Israel, repetidas vezes preferiu seguir a sua própria
consciência em vez das ordens do Senhor e por isso, perdeu a soberania
sobre o povo judeu e caiu em desgraça (I Samuel 13-31). Cercado pelos
filisteus em Gelboé, que já haviam matado a sua família, caiu sobre a própria
espada para não ser morto por eles (I Samuel 31:4).
12.10 Conta Ovídio que Aracne da Lydia era a melhor tecelã que havia na Terra.
Orgulhosa, negava que sua arte havia sido um presente de Atena e desafiou:
“que ela então mostre que é melhor!”. Disfarçada de uma anciã, Atena ainda
aconselhou Aracne a pedir perdão à ofensa feita à deusa, mas Aracne
respondeu irritada “Eu não preciso do conselho de ninguém. Eu sei o que é
melhor para mim. Por que Atena não aceita meu desafio?” Nesse momento,
Atena abandonou o seu disfarce, e as duas começaram a tecer. Atena teceu
imagens dos deuses e do mundo com perfeição, mas Aracne não ficou atrás.
No final, Atena não conseguiu encontrar nada que desqualificasse o trabalho
de Aracne, e se enfureceu. Acertou Aracne várias vezes na cabeça e depois,
transformou-a em uma aranha (Ovídio, Metamorfoses, Livro VI).
Notas 39
12.11 Roboão, rei de Israel, auto-suficiente, ignorou o conselho dos anciãos que
recomendavam que reduzisse os impostos sobre a população e preferiu
seguir os conselhos de seus amigos mais próximos, aumentando os impostos
e o rigor das punições. O povo se revoltou, matando um emissário do rei e
forçando Roboão a fugir para Jerusalém (I Reis 12:4-18)
12.12 “Mostrava...” (exemplos de vaidade ou vanglória): Esse parágrafo (quatro
terças no original, começando com O) mostra quatro exemplos de orgulho
quanto à imagem que se tem diante dos homens. Os pecadores
consideravam-se superiores aos olhos dos outros mortais e os desprezavam.
Os exemplos são a mãe de Alcmeon, Senaqueribe, Ciro e Holeferne.
12.13 Alcmeon, filho de Anfiarau (veja Inferno, canto XX), matou a sua mãe Erífile
que traiu o seu pai em troca de jóias. A história é contada na Tebaida de
Estácio (veja nota 21.1). Anfiarau, sendo um vidente, previu que iria morrer
em batalha caso fosse à guerra de Tebas. Para evitar a convocação, ele se
escondeu. Indagada por seu irmão, o rei Adrasto, Erífile revelou o
esconderijo do marido aceitando um colar de ouro e diamantes como
suborno. Anfiarau, ao partir, pediu que seu filho Alcmeon matasse a mãe
logo que soubesse de sua morte [Longfellow 67].
12.14 Senaqueribe, era o rei da Assíria. Tendo tomado todas as cidades
fortificadas da Judéia, Senaqueribe assediou Jerusalém. Certo que seria
vitorioso, desafiou Ezequiel, rei da Judéia, a mostrar o poder de seu Deus.
Durante a noite, um anjo matou os 185 mil soldados assírios. Sem exército, o
rei deixou o acampamento e voltou a Nínive. Enquanto orava no templo foi
morto por seus dois filhos, inconformados com a derrota (2 Reis 19:35-37)
12.15 Após tomar a Babilônia, Ciro, rei da Pérsia (560 a 529 a.C) decidiu anexar à
Pérsia o país dos Masságetas, situado além do rio Araxo. Seguindo conselho
de Creso, seu conselheiro desde que anexara a Lídia, Ciro preparou, no
acampamento, um banquete com muita carne e vinho, e lá deixou as suas
piores tropas, retirando-se com o resto do seu exército para a beira do rio,
situado a um dia de viagem. Os Masságetas então atacaram, com um terço do
seu exército, e derrotaram, após alguma resistência, os persas que ficaram no
acampamento. Depois comeram e beberam até não poderem mais, e caíram
no sono. Os persas, surgindo pouco depois, mataram e aprisionaram sem
Notas 40
dificuldades todos os Masságetas, inclusive o general e filho da rainha
Tamíris. A rainha, sabendo que seu filho era prisioneiro, implorou que Ciro
o devolvesse vivo, e prometeu não atacar a Pérsia. Mas Ciro não deu ouvidos
à rainha e seu filho se matou, logo que acordou da embriaguez. Tamíris
então atacou com todo o seu exército. Derrotado, Ciro morreu em batalha
(após um reinado de 29 anos). Tamíris buscou o seu corpo entre os mortos e
o profanou, mergulhando sua cabeça num balde de sangue e dizendo “eu te
saciarei de sangue, como te prometi.” (Heródoto, Histórias, Livro I:204-214)
12.16 Holeferne, capitão do exército de Nabucodonosor, rei dos assírios, foi
aconselhado pelo mercenário Aquior a não atacar a cidade dos judeus, por
causa do poder de seu Deus. Holeferne desprezou o conselho: “Eles [o
exército de Israel] não resistirão ao poder de nossa cavalaria. Nós os
surpreenderemos; suas montanhas serão embebidas com seu sangue. Nem
suas pegadas irão sobreviver ao nosso ataque; eles serão completamente
dizimados (Judith, 6:3-4). Os judeus estavam em desvantagem, sem água e
sem comida. A bela viúva Judith, fingindo estar fugindo da cidade, entregou-
se aos assírios. Seduzido por sua beleza, Holeferne trouxe-a para a sua tenda.
No quarto dia de sua visita, houve um grande banquete, após o qual
Holeferne deu instruções aos seus guardas para que o deixassem a sós com
Judith, pois tinha a intenção de seduzi-la. Todos beberam bastante vinho e
no final da noite, Holeferne, bêbado e cansado, caiu no sono. Judith, atenta,
localizou a espada do capitão e degolou-o, arrancou a sua cabeça e levou-a de
volta à cidade. Lá chegando, a cabeça foi posta em exposição e o exército foi
incitado a entrar em batalha. Os assírios, percebendo o ataque iminente,
correram para avisar ao seu chefe, e o acharam sem cabeça. Desolados,
dispersaram-se e foram facilmente derrotados (livro de Judith) [NRSV].
12.17 A última imagem representa a destruição da cidade de Tróia (Ilium), exemplo clássico da queda do orgulho.
12.18 O Anjo da Humildade: Na saída de cada cornija há um anjo, que apaga um
dos “P” da testa de Dante, e pronuncia uma benção tirada do Sermão da
Montanha (Mateus 5). Ao sair da cornija do orgulho, Dante ouve “Bem-
aventurados são os pobres em espírito” (Beati pauperes spiritu, em latim, no
original) (Mateus 5:3), que com a asa, sara a ferida na sua testa e o encaminha
ao círculo seguinte.
Notas 41
13 Personagens e símbolos do Canto XIII
13.1 Os invejosos: Segundo Santo Agostinho, “a inveja é o ódio à felicidade do
outro”. O invejoso teme os que lhe são superiores, por não serem iguais a
ele; teme os que são inferiores, porque podem tornarem-se iguais a ele; teme
seus pares, porque são iguais a ele. [Longfellow 67] A inveja difere do
orgulho pois é caracterizada pelo medo. O orgulhoso não teme seus rivais
pois acredita ser insuperável. O invejoso teme perder ao admitir a
superioridade dos outros. No Purgatório, os olhos que não suportavam
assistir à felicidade dos outros são fechados e não podem ver a luz. São
reduzidos a mendigos – que ninguém inveja – e são obrigados a implorar o
perdão dos santos. [Sayers 55]
13.2 O látego da inveja apresenta exemplos de generosidade – virtude oposta à
inveja – através de vozes. Não poderia ser através de imagens porque as almas
penitentes têm os olhos lacrados e não podem ver. O freio (veja nota ), diz
Virgílio, deve ter o tom oposto, isto é, vozes devem gritar exemplos de inveja.
Primeira voz: “Eles não tem vinho” (Vinun non habent no original) (João 2:3)
diz a mãe de Jesus ao filho que em seguida realiza o milagre da
transformação da água em vinho. O exemplo mostra preocupação pela
felicidade dos outros. Segunda voz: “Eu sou Orestes!” Quando Orestes,
filho de Agamemnon foi condenado à morte, seu amigo Pilades se
apresentou insistindo que Orestes era ele. [Pinheiro 60] Terceira voz: “Amai
aquele de quem o mal recebestes” (Mateus 5:44) é o mandamento da
generosidade absoluta, praticada até com os inimigos.
Notas 43
13.3 Sapia, da família Bigozzi de Siena, era casada Ghinibaldo dei Saracini,
senhor de Castiglioncello. Ela era a tia paterna de Provenzano Salvani (veja
nota 11.9), capitão dos sienenses. Ela odiava os sienenses e invejava o poder
de seu sobrinho. Durante a batalha contra os guelfos de Florença, ela torceu
contra o seu povo e vangloriou-se ao saber que eles haviam sido derrotados.
[Longfellow 67] Neste canto, ela é a imagem do prazer cruel da inveja na
desgraça dos outros. [Sayers 55]
13.4 Maria, ora por nós... é a oração da cornija. As almas recitam a ladainha a
Maria e todos os Santos, implorando que orem por eles.
13.5 Pier Pettinaio: Pedro, vendedor de pentes conhecido em Siena como um
homem santo que tinha visões e realizava milagres na cidade. Foi canonizado
pela igreja em 1802 [Longfellow 67].
Notas 44
14 Personagens e símbolos do Canto XIV
14.1 As duas almas que abrem este canto são Guido del Duca (que se
identificará mais adiante – veja nota 14.9) e Rinieri da Calboli (nota 14.10)
14.2 O rio Arno que nasce no monte Falterona, na fronteira com a Romanha, e
de lá flui através dos vales do Casentino. Passa por Arezzo, por Florença e
Pisa, antes de desaguar no Mediterrâneo.
Notas 45
14.3 Os porcos são os habitantes do vale do Casentino (o vale miserável).
14.4 Os cães são os habitantes de Arezzo, que é a próxima cidade que o rio
encontra, já na planície.
14.5 Os lobos são os habitantes de Florença.
14.6 As raposas são os habitantes de Pisa, última cidade por onde passa o rio,
antes de desaguar no mediterrâneo.
14.7 O espírito (Guido) fala do neto do seu interlocutor (Rinieri), que é Fulcieri da Calboli, podestà de Florença em 1302. Líder do partido Neri, Fulcieri
cometeu várias atrocidades contra os guibelinos e Bianchi que permaneceram
na cidade [Sayers 55]
14.8 A triste selva é a cidade de Florença, onde Fulcieri (nota anterior) governava.
14.9 Guido del Duca foi provavelmente o filho de Giovanni del Duca, da família
Onesti de Ravenna que radicou-se em Brettinoro [Musa 95]. Os Duca eram
guibelinos e seguidores de Pier Traversaro, líder guibelino que expulsou os
guelfos de Ravenna em 1218, com a ajuda dos Mainardi. Guido simboliza o
invejoso que sofre com a alegria dos outros [Sayers 55].
14.10 Rinieri da Calboli era um guelfo de Forlì. Foi podestà de Faenza (1247),
Parma (1252) e Ravenna (1265). Foi derrotado por Guido da Montefeltro
(veja Inferno XXVII).
14.11 Do Pó às montanhas, do Reno ao mar: essa descrição define os limites do
mapa da Romanha.
14.12 Os nobres da toscana, a maioria guibelinos, são louvados por Guido no
poema original (e omitidos nesta adaptação), que lamenta o fim de sua
descendência. Eles são Arrigo Mainardi – contemporâneo de Guido (veja
nota 14.9), o bom Lizio da Valbona – contemporâneo de Rinieri, Pier Traversaro – amigo do imperador Frederico II (veja também nota 14.9),
Guido de Carpigna – podestà de Ravenna em 1251, Fabbro de Lambertazzi – líder guibelino de Bologna, Bernardo di Fosco – nobre de
Faenza, Ugolino d’Azzo di Ubaldini – nobre da Romanha, Guido da Prata – nobre de Ravenna, Frederico di Tinhoso – nobre de Rímini, A família
Notas 46
Anastagi – guibelinos de Ravenna. [Musa 95] Veja poema original, versos 97
a 111.
14.13 Guido também ataca várias famílias e habitantes de cidades italianas
(omitidas nesta adaptação), e lamenta que não tenham desaparecido: Bretinoro (vila entre Forlì e Cesena) – “por que não desapareces do mapa?”,
Bagnacavallo “seria bom que não tivesses herdeiros”, o castelo de Catrocaro e os condes de Conio, a “demoníaca” família Pagani “quando
estiverem mortos, estarão bem” e Ugolino de Fantolini – guelfo, podestà
de Faenza. [Musa 95] Veja poema original, versos 112 a 123.
14.14 O freio da inveja são vozes que gritam exemplos de inveja: Caim e Aglauro.
14.15 A primeira voz é o grito de Caim, filho de Adão, que, por inveja, matou o
seu irmão: “serei fugitivo e errante pela terra, e qualquer que comigo se
encontrar me matará.” (Gênesis 4:14)
14.16 A segunda voz é de Aglauro, uma das três filhas de Cecrops, rei de Atenas.
Mercúrio, apaixonado por sua irmã Herse, pediu a Aglauro para que ela
permitisse o encontro. Ela assentiu, mas Mercúrio teria que compensá-la
financeiramente. Quando Mercúrio voltou, disposto a pagar o suborno que
Aglauro pedisse, ela, com inveja da irmã que despertara a paixão de um deus,
sentou-se na soleira da porta do quarto da irmã para impedir-lhe a entrada e
disse: “Eu nunca me moverei até que sejas afastado!” “Negócio fechado!”
respondeu Mercúrio, aceitando a oferta, e abriu a porta com sua vara mágica.
Aglauro tentou se levantar, mas descobriu que não podia mover-se, tentou
respirar, e não conseguiu. Havia se tornado uma estátua de pedra (Ovídio,
Metamorfoses, livro II).
Notas 47
15 Personagens e símbolos do Canto XV
15.1 O anjo da Misericórdia (ou Generosidade) pronuncia a bênção “bem-
aventurados são os misericordiosos” (Beati misericordes no original) do sermão
da montanha (Mateus 5:7), e remove o segundo “P” da testa de Dante,
curando-o da ferida causada pelo pecado da inveja.
15.2 “Alegra-te, vencedor!”: Não há referência bíblica para esta passagem.
“Talvez tenha origem em Mateus, 5:12: ‘Regozijai-vos e alegrai-vos, porque
grande é o vosso galardão nos céus’ ou uma alusão a Apocalipse 2:7: ‘Ao que
vencer, dar-lhe-ei a comer da árvore da vida, que está no paraíso de Deus’
[Sayers 55].
15.3 Aquele espírito da Romanha é Guido del Duca (veja nota 14.9).
Notas 48
15.4 O látego da ira é o transe, onde são representados exemplos da virtude
oposta ao pecado purgado. A mensagem é transmitida através de visões.
Assim como nas cornijas anteriores, haverá um freio, na saída do círculo,
onde Dante terá visões de exemplos de ira. Os exemplos de mansidão do
látego são Maria, Pisístrato e Estêvão.
15.5 A primeira visão mostra um exemplo de mansidão diante de Deus. Aos
doze anos, Jesus foi levado a Jerusalém por seus pais durante a Páscoa. Ao
regressarem, viram, depois de ter viajado um dia inteiro, que ele não estava
em sua companhia e passaram a procurá-lo. Três dias depois, acharam-no no
templo conversando com os rabinos. Sua mãe não se irritou. Apenas
perguntou: “Filho, por que fizeste assim para conosco? Teu pai e eu
ansiosamente te procurávamos.” (Lucas 2:41-50).
15.6 A segunda visão mostra um exemplo de mansidão diante de amigos.
Pisístrato, tirano de Atenas (560-527 a.C), ignora os pedidos de sua esposa
para mandar executar o jovem que, apaixonado por sua filha, havia abraçado-
a em público. [Sayers 55]
Notas 49
15.7 A terceira visão mostra um exemplo de mansidão diante de inimigos.
Ofendida com sua pregação, uma multidão enfurecida persegue Estêvão e o
apedreja até a morte, que não reage e ainda pede a Deus pelos seus
assassinos “Senhor, não lhes imputes este pecado.” (Atos 7:54-60).
Notas 50
16 Personagens e símbolos do Canto XVI
16.1 Os iracundos pagam seus pecados na fumaça. O sufocamento já foi usado
por Dante para representar o sofrimento pelo pecado da ira no inferno, onde
os condenados gorgolavam as lamas do rio Estige (canto VIII).
16.2 Marco Lombardo, segundo os comentaristas mais antigos da Commedia,
como Ottimo e Benvenuto, era um homem generoso, cortês e de atitudes
nobres, mas de temperamento explosivo. [Sayers 55] Segundo Ottimo,
Marco, era um nobre de Veneza e amigo de Dante. Ele emprestava dinheiro
aos que precisavam e não cobrava o pagamento. O nome Lombardo pode
ser um nome de família ou simplesmente uma indicação de que ele era um
italiano (era comum, na época, os franceses se referirem aos italianos como
lombardos). [Longfellow 67]
16.3 Agnus Dei [qui tollis peccatta mundi, misere nobis, dona nobis pacem] é a oração da
terceira cornija: “Cordeiro de Deus, que tirai os pecados do Mundo, tende
piedade de nós; dai nós a paz”. Faz parte da missa católica e se baseia em João
1:29 [Sayers 55]
16.4 Marco não pode ver Dante, mas pode perceber que, diferentemente das
almas do purgatório, ele agita a fumaça.
16.5 Neste discurso sobre livre arbítrio, Marco Lombardo é o porta-voz das
idéias de Dante sobre o determinismo. Ele critica os que põem na
influência divina ou dos astros toda a responsabilidade pelas ações
humanas. Ele explica que embora o céu seja responsável por alguns dos
movimentos humanos, os homens, tendo a inteligência para distinguir entre
o bem e o mal, têm o poder de decidir e seguir caminhos por sua própria
vontade. Se os astros ditassem todo o futuro, os homens não teriam
responsabilidade alguma por seus atos, pois não poderiam evitá-los.
Notas 52
16.6 Os dois sóis são o Império e a Igreja. Refletem a concepção de Dante do
que seria um estado perfeito, controlado ao mesmo tempo pela Igreja e pelo
Estado laico. Dante não propõe um estado religioso nem uma igreja
mundana, mas a partilha equilibrada do poder entre as duas entidades, cada
uma assumindo um propósito: o Império com a finalidade de governar a
Cidade dos Homens e a Igreja para guiar os homens à Cidade de Deus.
16.7 Conrado Palazzo de Brescia (Currado) foi um guelfo que assumiu vários
cargos na Toscana na última década do século XIII. [Sayers 55]
16.8 O bom Gherardo é provavelmente Gherardo da Cammino (1240-1306),
capitão-general em Treviso. Era conhecido por sua bondade e também pela
beleza e fama de sua filha Gaia.[Musa 95]
16.9 Guido da Castello era muito conhecido pela sua bondade e virtude.
Emprestava dinheiro sem cobrar juros. Ele também emprestava, a fundo
perdido, cavalos e armas aos que viajavam à França ou que de lá voltavam,
tendo perdido seus bens de forma honrada [Longfellow 67]
16.10 Os Filhos de Levi eram os sacerdotes judeus. Não podiam herdar qualquer
propriedade. “O Senhor é a sua herança”. (Deuteronômio 18:2) Eles eram
mantidos pelo povo. Marco, ao mostrar a Dante os males resultantes de uma
Igreja mundana e rica, faz Dante compreender porque os filhos de Levi não
podiam ter propriedades [Sayers 55].
Notas 53
17 Personagens e símbolos do Canto XVII
17.1 O freio da ira: três visões mostram exemplos de ira contra parentes e
amigos (Procne), contra os escolhidos de Deus (Haman) e provocada por
adversários (Amata, mãe de Lavínia) [Sayers 55].
17.2 Primeira visão: Após cinco anos de um feliz casamento com Tereu, o rei da
Trácia, Procne pediu ao marido que fizessem uma visita à sua irmã,
Filomena, e a trouxessem para a Trácia para uma visita. Quando Tereu
conheceu Filomena, ele se imediatamente apaixonou por ela. De volta à
Trácia, na primeira oportunidade, levou a cunhada para uma cabana oculta
na selva, e a violentou. Depois, cortou a sua língua para que não pudesse
falar, e a manteve trancada na cabana, guardada por um de seus soldados.
Quando Procne perguntou por sua irmã, Tereu, triste, ele contou a triste
história de como ela havia morrido acidentalmente. Um ano se passou e, sem
esperanças de escapar, Filomena bordou um tecido com toda a sua triste
história contada em linha vermelho. Depois, conseguiu que uma pessoa
entregasse o tecido à rainha. Quando Procne recebeu o tecido, e leu a
história, foi correndo atrás da irmã. Tendo-a encontrado, deixou que a ira
tomasse conta do seu coração e tramou uma vingança terrível contra o
marido. Com a ajuda de sua irmã, ela degolou o próprio filho, temperou sua
carne e serviu ao marido no jantar. Quando Tereu pediu para ver seu filho
Itys, Procne disse: “Ele já está aí contigo!” “Onde?”, ele perguntou, e
Filomena atirou a cabeça do pequeno Itys no prato do pai. Depois de
superar o choque inicial, Tereu sacou sua espada e correu atrás das duas
irmãs, e naquele momento, todos os três se transformaram em aves (Ovídio,
Metamorfoses, VI).
17.3 Segunda visão: O homem enforcado e furioso é Haman, que recebeu do
rei Assuero um cargo de honra. Todos os oficiais do rei se prostravam diante
de Haman, menos o judeu Mordecai. Irritado, Haman mandou destruir
todos os judeus e construiu uma forca para mandar enforcar Mordecai. O
rei, porém, descobriu, através da rainha Ester, como Haman havia abusado
do poder por causa de seu ódio pessoal a Mordecai, um homem que havia
dado provas de sua fidelidade ao rei. Durante um banquete, preparado pela
Notas 54
rainha, o rei condecorou Mordecai e mandou que Haman fosse enforcado na
sua própria forca (Livro de Esther, 3-7).
17.4 Terceira visão: Quem fala é Lavínia, filha do rei Latino, que era noiva de
Turnus. A rainha, Amata, temia que Turnus fosse derrotado e morto em
combate por Enéas, e este ficasse com Lavínia como prêmio. Ela disse a
Turnus: “Nunca verei Enéas como meu filho”. Quando a rainha viu, das
janelas do seu palácio, que o exército inimigo se aproximava, sem reação do
exército de Turnus, deduziu (incorretamente) que ele havia sido morto e se
enforcou. Lavínia encontrou a mãe morta e lamentou que o seu ódio por
Enéas fosse tão grande a ponto de acabar com a própria vida. (Virgílio,
Eneida, livro XII).
17.5 O anjo da Mansidão (oposto da ira): remove o P da ira da testa de Dante e
profere a bênção “Bem-aventurados são os mansos” (Mateus 5:9)
17.6 No seu discurso sobre o amor, que o classifica como a origem de todo o
bem e também de todo o mal, Virgílio descreve a geografia do purgatório,
que é baseada nas raízes de todos os pecados. O amor natural é instintivo e
livre de culpa mas o amor racional pode errar de três maneiras: 1) por escolher
o mal em vez do bem (amor pervertido), e, tendo escolhido o bem, 2) por
não amar suficientemente, ou 3) por amar demais bens secundários.
Ninguém quer realmente mal a si próprio (os que suicidaram estão no
inferno) nem a Deus (igualmente, os que morreram querendo mal a Deus
não se arrependeram e, portanto, não estão aqui). O amor pervertido,
portanto, sempre é praticado contra o próximo. Os três tipos são: orgulho,
inveja e ira, punidos nas cornijas abaixo. Nas cornijas seguintes serão
encontradas almas que praticaram o amor legítimo (escolheram o bem) mas
pecaram ou por falta ou por excesso. Quem não amou suficientemente (a
Deus ou às suas obrigações na Terra) pecou por preguiça, e está purgando
seus pecados na cornija atual. O amor ao bem supremo (Deus) nunca é
excessivo, mas se esse amor for direcionado aos bens secundários (outras
pessoas, alimentos, dinheiro) sem moderação, o pecador terá que purgar o
seu erro nas próximas três cornijas (pecados da avareza, gula e luxúria).
Notas 56
18 Personagens e símbolos do Canto XVIII
18.1 Virgílio continua seu discurso sobre o amor, agora descrevendo as suas
origens. Ele descreve o amor natural, que é instintivo, e busca o que lhe dá
prazer, independente de ser uma coisa boa ou má. Dante então pergunta a
Virgílio como uma alma pode ser culpada se ela é atraída, por instinto, ao
mal. Virgílio então explica que para isto existe o amor racional que, utilizando-
se de uma virtude inata que todos os homens possuem, é capaz de distinguir
o bem do mal e escolher o caminho certo. Ou seja, mesmo que o amor (bom
ou mau) possa surgir em cada pessoa de forma natural e instintiva, cada um
tem também o poder de controlá-lo. Isto é o livre-arbítrio.
Notas 57
18.2 A pena dos preguiçosos é correr sem parar, mantendo uma atividade
incessante. O oposto do que realizaram em vida. A preguiça é caracterizada
pela indiferença, que freqüentemente busca desculpas como “tolerância” ou
“desilusão” para não tomar decisões, iniciativas, nem assumir compromissos.
Seus opostos são o zelo, a ação, o esforço, a iniciativa e a persistência. A
passagem por esta cornija é rápida pois as almas não têm tempo a perder. A oração da cornija aparenta ser “Depressa, depressa, que não se perca tempo
por pouco amor!” mas como não tem origem bíblica ou litúrgica, a maior
parte dos comentaristas considera que, diferentemente do padrão observado
nas outras cornijas, não há oração nesta cornija.
18.3 O látego da preguiça (exemplos de zelo) são os gritos dos penitentes que
lideram o grupo, que lembram de exemplos de ações opostas à preguiça. Os
exemplos são Maria e César. Primeiro exemplo: “Maria correu apressada à
montanha”, gritam as almas, reproduzindo literalmente Lucas 1:39, que narra
a visita de Maria a Isabel, depois da visita do anjo Gabriel. Segundo exemplo: O grito “César deixou Marselha e correu à Espanha” refere-se a
um trecho da Farsália de Lucano. César, a caminho da Espanha, para
enfrentar Pompeu, assediou Marselha e, deixando parte dos soldados para
concluir a tomada, partiu com a outra parte para lutar contra Pompeu em
Ilerda (Lerida).
Notas 58
18.4 Nada se sabe sobre o Abade de São Zeno, nem o seu nome. Alguns
comentaristas especulam que se trate de possivelmente Gherardo II, morto
em 1187 [Sayers 55].
18.5 Frederico Barbarossa foi imperador entre 1152 e 1190. Em 1162, ele
destruiu Milão, Brescia, Piacenza e Cremona e vivia em permanente atrito
com o papa Alexandre III, que o excomungou [Musa 95]. Frederico
acreditava que seu poder no Sagrado Império era absoluto e vinha
diretamente de Deus. Por isso, não aceitava o papa como intermediário. Ele
morreu afogado ao tentar atravessar a cavalo o rio Salef, na Armênia.
[Longfellow 67]
18.6 O homem com o pé na cova é Alberto della Scala, senhor de Verona que
morreu em 1301. Como o poema se passa em 1300, ele está com “um pé na
cova”. O filho de Alberto é Guiseppe, retardado mental, aleijado e bastardo,
recebeu o posto de abade de San Zeno entre 1292 e 1313, através de Alberto.
[Musa 95]
18.7 O freio da preguiça é anunciado pelas almas que correm atrás do grupo e
lembram exemplos de preguiça. Primeiro exemplo: “Antes que o Jordão...”
refere-se aos israelitas, libertos da escravidão no Egito por Moisés, que,
depois de terem atravessado o mar vermelho, manifestaram sua insatisfação
em ter seguido Moisés. Reclamaram que preferiam ter continuado como
escravos no Egito a sofrer no deserto. Por desobediência à lei de Moisés,
foram condenados a nunca verem com seus olhos a terra prometida, que só
foi vista pela geração seguinte (Êxodo 14:11-12, Números 14:1-39 e
Deuteronômio 1:26-36). Segundo exemplo: o filho de Anquise é Enéas, que
deixou na Sicília seus companheiros que, acomodados, não quiseram lhe
acompanhar até Latium e deixaram de participar da fundação de Roma
(Virgílio, Eneida V) .
Notas 59
19 Personagens e símbolos do Canto XIX
19.1 Na sua segunda noite no purgatório, Dante sonha com a sereia, que
representa os pecados da incontinência purgados nas próximas três cornijas:
a avareza, a gula e a luxúria. A sereia inicialmente não aparenta ser bela, mas
o constante olhar de Dante a transforma, sugerindo que o canto da sereia é
uma ilusão dos sentidos. Existe uma intuição de que algo está errado. Esta
intuição é representada pela mulher que chama por Virgílio, que desmascara
a sereia e mostra que os prazeres por ela prometidos eram falsos. A alegoria
sugere que é possível vencer essas tentações através do uso da razão
(simbolizada por Virgílio).
19.2 O anjo do Zelo retira o P da preguiça da testa de Dante e pronuncia a
bênção “Bem-aventurados são os que sofrem, pois eles terão consolo”, de
Mateus 5:4 (no original, o anjo fala latim: Benedicti qui lugent, quoniam ipsi
consolabuntur).
Notas 60
19.3 “A minha alma está presa ao pó”, dizem as almas (no original, elas falam
latim: adhaesit pavimento anima mea). Esta é a oração da cornija. O trecho é
parte do Salmo 119, versículo 25.
19.4 Os avarentos: A avareza é um pecado materialista, que não consegue ver
além das recompensas do mundo material, por isto, as almas permanecerem
deitadas, com os olhos permanentemente voltados à terra e incapazes de ver
o céu que tanto anseiam.
19.5 O espírito que chora é o papa Adriano, da família dos condes de Lavagna.
Ele, que morreu em 1276, foi papa por apenas 39 dias. Quando Dante se
abaixa em respeito à autoridade do papa, ele protesta, lembrando de Mateus
22:30 “[na ressurreição eles] nem casam nem são dados em casamento [mas
são como anjos no céu]”, ou seja, o que o Adriano foi na Terra não tem mais
significado após a morte; ele não é mais papa.
Notas 62
20 Personagens e símbolos do Canto XX
20.1 A loba, neste canto, simboliza a avareza, raiz dos piores pecados punidos no
inferno. Aquele que a expulsará do mundo é o Lebreiro. Veja Inferno, canto I e
notas.
20.2 O látego da avareza e prodigalidade (exemplos de pobreza e
generosidade) é pronunciado por um espírito (Hugo Capeto – nota 20.3). O
primeiro exemplo lembra que Maria deu à luz a Jesus numa humilde
manjedoura de Belém. O segundo exemplo é Caio Fabrício, cônsul
romano, que durante sua vida recusou subornos (como era o costume) e
morreu pobre. O terceiro exemplo narra a generosidade de São Nicolau,
bispo da Lícia, que para salvar um vizinho falido de ter que entregar as três
filhas à prostituição, secretamente jogou sacos de ouro pela janela de sua
casa, durante três noites seguidas, para que o pai pudesse casar suas filhas
respeitosamente. São Nicolau é representado na cultura ocidental como
Santa Claus (Saint Nic’laus) ou Papai Noel.
Notas 63
20.3 Hugo Capeto (Hugo I) foi o fundador da dinastia dos Capetos (á árvore
maligna) que reinou sobre a França por três séculos, de 987 a 1328, quando
foi substituída pela dinastia de Valois [Larousse 95]. Douai, Lille, Ghent e Bruges são cidades que aqui representam toda a região de Flandres,
dominada pelos Capetos. A vingança de Hugo Capeto ocorrerá quando os
franceses forem derrotados na batalha de Courtrai, em 1302 [Musa 95].
20.4 Os Luíses e Felipes são os herdeiros de Hugo I, o Capeto. Todos os reis da
França entre 1060 a 1322 se chamavam ora Luís ora Felipe: Felipe I (o
amoroso) – 1060, Luís VI (o gordo) – 1108, Luís VII (o jovem) – 1137,
Felipe II (augusto) – 1180, Luís VIII (o leão) – 1223, Luís IX (o santo) –
1226, Felipe III (o ousado) – 1270, Felipe IV (o belo) – 1285, Luís X – 1314
[Longfellow 67].
20.5 Carlos I de Anjou: veja nota 7.15.
20.6 Conradino tentou reconquistar o trono da Sicília perdido para Carlos de
Anjou mas foi derrotado e posteriormente executado em 1268.
20.7 Carlos de Valois (1270-1325), irmão de Felipe IV, o belo e fundador da
dinastia de Valois (que viria a substituir a dinastia dos Capetos) através de seu
filho, Felipe VI. Foi chamado à Itália pelo papa Bonifácio VIII como um
pacificador (para destruir os opositores da igreja) e ajudou a expulsar os
guelfos brancos (Bianchi) de Florença (entre eles, Dante).[Musa 95]
20.8 Santo Tomás de Aquino provavelmente morreu de causas naturais em
1274, mas, de acordo com as lendas que circulavam na época de Dante, ele
teria sido envenenado por seu médico, seguindo ordens de Carlos de Anjou.
20.9 O terceiro Carlos é Carlos II de Anjou, rei de Nápoles e filho de Carlos de
Anjou. Quando foi derrotado por Pedro de Aragão, foi mantido prisioneiro
em seu próprio navio [Musa 95]. Ele aceitou uma grande soma de dinheiro
de Azzo d’Este como pagamento pela mão de sua filha em casamento
[Sayers 55].
20.10 A flor de lis é a França, neste caso, a França governada por Felipe IV, o
belo. O vigário de Cristo é o papa Bonifácio VIII. Veja nota 7.12 (sobre
Felipe IV) com o relato sobre o seqüestro do papa.
Notas 64
20.11 O freio da avareza lembra de sete exemplos que não devem ser seguidos. 1)
Pigmalião, rei de Tiro e irmão de Dido (veja Inferno, canto V), matou seu
cunhado Siqueu para se apossar de seu ouro (Virgílio, Eneida, livro I). 2)
Midas, rei da Frígia, ao ter direito a um desejo de Baco, pediu que tudo o
que tocasse se transformasse em ouro (Ovídio, Metamorfoses, livro XI). 3) Acã,
da tribo de Judá, desobedeceu às ordens de Deus e ficou com os tesouros
condenados de Jericó (Josué 7:20-26). 4) Ananias e sua esposa Safira
venderam uma propriedade pertencente à comunidade dos cristãos mas
entregaram aos apóstolos apenas parte do dinheiro conseguido com a venda
(Atos 4:32-37 e 5:1-10). 5) Obedecendo às ordens do rei da Síria, Heliodoro
tentou confiscar do templo os depósitos pertencentes à população de
Jerusalém, mas foi impedido pelos coices de um cavalo misterioso (2
Macabeus 3) [NSRV Apocrypha]. 6) Príamo de Tróia enviou Polidoro, seu
filho, junto com grande quantidade de ouro ao rei Polinestor, da Trácia,
para que este o criasse. Mas, logo após a queda de Tróia, o rei preferiu matar
o menino e ficar com o ouro. “A que não obrigas tu os corações dos mortais,
ó maldita fome de ouro!” (Virgílio, Eneida, livro 3). 7) O cônsul romano
Marcus Licinius Crassus, “o rico”, era conhecido por sua sede de ouro.
Derrotado pelos partos em 53 a.C., foi preso pelo rei Orodes e presenteado
com ouro que foi derretido e derramado na sua garganta [Mauro 98].
20.12 Glória a Deus nas alturas (no original, em latim: gloria in excelsis Dio) é o
canto dos anjos ao anunciar o nascimento de Cristo aos pastores.
Notas 66
21 Personagens e símbolos do Canto XXI
21.1 Estácio (Publius Papinus Statius - 45-96 d.C.): poeta romano, autor de duas
epopéias: a Tebaida e a Aquileida, esta última, inacabada. Compôs também
várias outras obras, algumas das quais estão perdidas [Larousse 95]. Seus
poemas eram populares na idade média e talvez tenham despertado a atenção
de Dante por trazer, pela primeira vez, a alegoria como uma forma literária
Como romano convertido ao cristianismo, Estácio age como uma ponte
entre Virgílio e Beatriz. [Sayers 55].
21.2 Quando Virgílio diz que Dante “não tem olhos para ver...” ele sugere que
o mundo dos mortos não existe no universo dos sentidos. É através de
Virgílio que Dante percebe o que ocorre.
21.3 Tito, imperador romano (79-81 d.C.): filho de Vespasiano, liderou o exército
de seu pai que sitiou Jerusalém, vingando os Judeus pela morte de Cristo.
Notas 68
22 Personagens e símbolos do Canto XXII
22.1 O anjo da pobreza pronuncia a bênção “Bem-aventurados são os que têm
[fome e] sede de justiça” (Beati qui [esuriunt et] sitiun justitiam) de Mateus 5:6. O
anjo omite a palavra fome (esuriunt), reservada à cornija da gula.
22.2 Juvenal (Decius Junius Juvenalis, ca. 60 – 140 d.C.): poeta romano autor das
Sátiras. A sua sétima sátira menciona a pobreza de Estácio, seu
contemporâneo [Musa 95].
22.3 A frase “A que não obrigas tu os corações dos mortais, ó maldita fome de
ouro!” foi escrita por Virgílio na Eneida e refere-se à crueldade de Polinestro
(veja nota 20.11).
Notas 69
22.4 Filhos de Jocasta: Jocasta, viuva do rei Laio de Tebas, casou-se com seu
filho Édipo, do qual teve dois filhos: Eteocles e Polinice. A Tebaida narra a
trágica luta dos dois pelo poder em Tebas.
22.5 Clio é a musa da História, que Estácio invoca no início da Tebaida.
22.6 A frase “Nasce uma nova era...” foi escrita por Virgílio nas Bucólicas.
22.7 Domiciano (Titus Flavius Domitianus Augustus), imperador romano, foi o
sucessor de Tito. A Tebaida de Estácio é dedicada a ele.
22.8 Terêncio, Plauto, Vário, Cecílio e Pérsio são poetas romanos.
Notas 70
22.9 Eurípide, Antifonte, Simônide e Agatão são poetas gregos.
22.10 O látego da gula consiste de exemplos de temperança, apresentado como
vozes que saem da árvore. O primeiro exemplo fala do comportamento de
Maria, durante o casamento em Caná (onde houve o milagre da
transformação da água em vinho), narrado em João 2:1-12. O segundo
refere-se à virtude das mulheres de Roma Antiga, descrita por Tomás de
Aquino. O terceiro exemplo é Daniel, que recusou o manjar do rei e
preferiu se alimentar apenas de água e legumes (Daniel 1:8-17). O quarto fala
da idade do ouro, descrita por Ovídio, quando os homens se satisfaziam com
os alimentos fornecidos pela natureza, sem precisar caçar ou plantar
(Metamorfoses, livro I). O quinto exemplo descreve os alimentos de S. João
Batista (Mateus 3:4 e Marcos 1:6)
Notas 71
23 Personagens e símbolos do Canto XXIII
23.1 A oração dos gulosos é o Salmo 51. O trecho “Meus lábios Senhor” (Labia
mea Domine) é o versículo 15: “Abre, ó Senhor, os meus lábios, e a minha
boca entoará o teu louvor.” A intenção é lembrar ao penitente que os lábios
servem para outra coisa além de comer e beber [Sayers 55]. A pena dos
gulosos é sentir fome em uma terra de abundância.
Notas 72
23.2 Forese Donati é irmão de Corso Donati (nota 24.12) e Piccarda (nota 24.2).
Era um amigo próximo de Dante.
23.3 Eli, Eli, lama sabachtani (“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”)
é pronunciado por Jesus, na cruz, perto da hora da morte (Mateus 27:46).
23.4 Nella (Giovanella) é a esposa de Forese (nota 23.2).
Notas 74
24 Personagens e símbolos do Canto XXIV
24.1 As árvores e a água simbolizam a penitência dos gulosos, forçados a
conviver com a abundância de água e frutos mas sem poder comê-los. O
símbolo se assemelha bastante à punição de Tântalo no Tártaro da mitologia
clássica (Homero, Odisséia, livro XI). Tântalo é condenado a ficar submerso
em água até o queixo sob uma árvore repleta de frutas. Quando tenta beber,
a água escapa de seus lábios. Ao tentar alcançar as frutas, o vento as leva
embora. A cascata que cai sobre a árvore tem origem nas fontes de Letes e
Eunoé, e a árvore nasceu de uma semente da árvore do conhecimento do
bem e do mal, o que liga o pecado da gula com o pecado de Eva e a expulsão
do Paraíso [Sayers 55].
24.2 Piccarda é a irmã de Forese Donati (nota 23.2). Ela era freira no convento
de Santa Clara. Corso Donati, seu irmão, enviou seus homens para que a
tirassem à força do convento para casá-la com um membro da família della
Scala. Piccarda acabou morrendo [Pinheiro 60]. Dante a encontrará no
Paraíso.
24.3 Bongiunta degli Orbisani foi um poeta de Lucca, contemporâneo e
conhecido de Dante.
24.4 O nativo de Tours é Simon de Brie, que foi o papa Martinho IV de 1281 a
1285. Teria morrido devido a uma indigestão causada por um prato de
enguias do lago de Bolsena. O papa conhecia um método de preparo das
enguias que consistia no seu afogamento em vinho Vernaccia (vinho branco
do distrito de Siena) [Pinheiro 60].
24.5 Ubaldin della Pila era irmão do cardeal Ottaviano degli Ubaldini. Ambos
eram famosos pela sua gula [Pinheiro 60].
24.6 Bonifácio de Fieschi foi arcebispo de Ravenna de 1274 a 1294. Era um
homem muito rico e tinha fama de beberrão.
24.7 Marchese de Bigogliosi foi podestà de Faenza em 1296. Era apaixonado
pelo vinho. Acusado por estar sempre bebendo, ele respondeu: “Quando
ouvirdes isto, respondei que tenho sempre sede.” [Pinheiro 60]
Notas 75
24.8 Gentucca foi provavelmente alguma mulher que Dante conheceu durante
seu exílio. Pouco se sabe sobre ela e comentaristas divergem sobre o tipo de
relação que ela teria tido com Dante.
24.9 Mulheres que... (Donne, ch’ avete intelletto d’amore) é o primeiro verso de um
dos poemas que Dante publicou na Vida Nova.
24.10 Notário: Jacopo da Lentino, poeta siciliano, que vivia em 1250 [Pinheiro 60]
24.11 Guittone: veja nota 26.5.
24.12 O mais culpado é Corso Donati, irmão de Forese. Corso liderou a facção
Neri em Florença que conseguiu a expulsão e exílio dos Bianchi em 1301.
Notas 76
24.13 O freio da gula são também vozes que surgem da árvore, com dois
exemplos que não devem ser seguidos. Primeiro exemplo: os centauros,
filhos de Íxion e Nuvem, foram convidados às bodas de Perito e Hipodâmia.
Depois de ficarem bêbados com vinho, decidiram raptar a noiva e as outras
mulheres presentes no casamento (Ovídio, Metamorfoses, livro XII). Segundo exemplo: Deus disse a Gideão que escolhesse para o seu exército apenas
aqueles homens do seu povo que, ao beber água, levassem a mão a boca, e
deixasse os que se abaixavam e bebiam com a língua, como fazem os cães
(Juízes, 7:4-7).
24.14 O anjo da Temperança recita “Bem-aventurados os que têm fome e sede
de justiça, porque eles serão saciados”, do sermão da montanha (Mateus 5:6).
Notas 77
25 Personagens e símbolos do Canto XXV
25.1 Cronologia: são duas horas da tarde no Purgatório.
25.2 Meleagro era filho de Eneu, rei da Caledônia, e de Altéia. No dia em que
nasceu, recebeu a visita inesperada das três Parcas: Cloto, Laquesis e
Atropos, que fiaram o seu destino. Elas disseram “A ti, recém-nascido, e a
esta tora de madeira, nós damos o mesmo tempo de vida” e depois, atiraram
a lenha no fogo. Pronunciada a profecia, as Parcas sumiram. Altéia
imediatamente levantou-se, tirou o tição do fogo, apagou as chamas e o
guardou em lugar seguro. Meleagro cresceu e se tornou um valente guerreiro,
tendo se destacado na expedição dos argonautas e posteriormente, matando
o imenso javali que assolava a Caledônia. Apaixonado por uma jovem da
Arcadia, que também havia participado da expedição e acertado o javali,
presenteou-a com a pele e cabeça do animal. Mas seus tios, que também
haviam participado da expedição, não concordaram com esse procedimento
e tomaram o presente dela. Enfurecido, Meleagro discutiu e acabou matando
os dois. Quando soube da morte dos irmãos, Altéia, que preparava uma
homenagem para seu filho, entrou em desespero. O seu amor de irmã entrou
em conflito com seu amor de mãe, mas o primeiro acabou prevalecendo. Ela
foi atrás do tição que estava guardado e atirou-o no fogo. Meleagro, distante
e sem saber do que acontecia, incendiou-se e foi consumido por um fogo
interno, e transformado em cinzas (Ovídio, Metamorfoses, livro VIII).
25.3 O discurso de Estácio descreve a formação da alma, que começa com a
formação do corpo. A descrição fisiológica é baseada nas idéias de
Aristóteles. O sangue perfeito é o sêmen, que não tem as impurezas que
dão a cor escura ao sangue venoso. Na relação sexual ele entra em contato
com o sangue da mulher, que cumpre papel passivo, e inicia a geração de
matéria viva, que ainda é como planta. Depois o embrião passa a um estado
animal. O feto só se completa quando recebe um espírito, soprado por Deus,
que se funde com a matéria viva encontrada. A partir de então, forma-se uma
alma completa, com sentidos físicos, consciência e inteligência. Quando a
vida chega ao fim, ela se liberta da matéria. Mantém a forma humana e os
órgãos dos sentidos moldando o ar à sua volta e pode mudar de forma de
acordo com os seus desejos [Sayers 55].
Notas 78
25.4 A “mente mais sábia que a tua” é Averroes (Abu al-Walid Mohammed Ibn
Rushd, 1126-1198), chamado de “il commenttattore” devido ao seu
comentário às obras de Aristóteles. Averroes admitia a existência de duas
verdades contraditórias: a da ciência e a da revelação. Sua filosofia colocava
as leis da natureza acima das crenças muçulmanas e cristãs. Propôs que não
havia uma alma imortal e individual, que distinguisse os homens dos outros
animais, mas que o intelecto era função exclusiva do cérebro, que deixava de
existir após a morte. Sua tese foi contestada por Tomás de Aquino.
Notas 79
25.5 “Deus de suprema clemência” (Summae Deus clementiae, no original) é a
oração da luxúria onde os fiéis pedem a Deus que apague todos os instintos
pecaminosos e luxúria de seus corações, e os purifique com o fogo curativo
[Musa 95].
25.6 O látego da luxúria narra dois exemplos de castidade: “Eu não conheço
homem algum” (Virum non cognosco, no original) são as palavras de Maria ao
anjo Gabriel, ao saber que teria um filho (Lucas, 1:34). Helice (ou Calisto)
era uma ninfa que servia Diana, que se refugiara da floresta para preservar a
sua castidade. Seduzida por Júpiter, Helice cedeu aos instintos de Vênus e foi
expulsa da floresta por Diana. Quando seu filho (Arcas) nasceu, Juno a
transformou em uma Ursa. Dezesseis anos depois, Arcas foi surpreendido
uma Ursa na floresta. Quando estava prestes a ser morta pelo filho, que não
a reconheceu, Júpiter interferiu e colocou-a no céu como a constelação Ursa
Maior (Ovídio, Metamorfoses, livro II).
Notas 80
26 Personagens e símbolos do Canto XXVI
26.1 O freio da luxúria, na forma de gritos dos penitentes, relata dois exemplos
de luxúria: 1) Pasifae era esposa do rei Minós, de Creta, a quem Poseidon
enviou um touro para ser oferecido como sacrifício. Mas Minós preferiu ficar
com o touro. Poseidon vingou-se fazendo com que Pasifae sentisse atração
sexual pelo touro. Ela pediu a Dédalo que construísse uma vaca de madeira
coberta com pele de vaca. Pasifae entrou na vaca e esperou até ser penetrada
pelo boi. Da união, nasceu o Minotauro (Ovídio, Ars Amatoria, livro I, e
Metamorfoses, livro VIII). Apesar de ser um exemplo de sexo com animais (o
que estaria em desacordo com a Lex Naturalis), o mito de Pasifae é usado
para representar a luxúria heterossexual, que é considerada um pecado contra
a Lex Humana (veja nota 26.3). 2) Sodoma e Gomorra foram duas cidades
destruídas por Deus, por causa dos seus pecados (Gênesis 18:17-33 e 19:1-28),
entre eles, a prostituição homossexual (Levítico 18:22, Deuteronômio 23:17 e
Romanos 1:27). O nome da cidade de Sodoma deu origem ao termo ‘sodomia’
que hoje se usa para caracterizar o coito anal. Representa a luxúria
homossexual, pecado contra a Lex Naturalis (veja nota 26.3).
26.2 Era comum as tropas cantarem hinos satíricos e ofensivos durante a
comemoração de uma vitória. Os soldados de Júlio César o chamavam de
Rainha por causa de suas supostas relações com Nicomedes, rei da Bitínia
[Pinheiro 60].
Notas 81
26.3 Lei humana, Lei natural e Lei divina: Diversos tipos de lei são definidas
por Santo Tomás de Aquino. Acima de todas está a Lei Eterna (Lex Aeterna),
que representa a vontade de Deus. Abaixo da Lei Eterna estão a Lei Natural
(Lex Naturalis), que reflete a revelação da Lei Eterna através da natureza, e a
Lei Divina (Lex Divina), que chega aos homens pela revelação através das
escrituras sagradas. A Lei Humana (Lex Humana), deriva da Lei Natural e
contém os princípios necessários para a regulação da conduta dos homens.
Para Tomás de Aquino, um pecado contra a Lei Natural é aquele que viola a
ordem natural das coisas. O grupo dos homossexuais, nessa visão, teria
violado a ordem natural de manter relações sexuais apenas com pessoas do
sexo oposto, por isto, andam em sentido contrário. Já o grupo dos
heterossexuais não pecou contra a Lei Natural, mas violou a Lei Humana
(os costumes), agindo como animais (a quem a Lei Humana não é aplicável)
[Sayers 55].
26.4 Guido Guinicelli (1230 – 1276) foi um poeta bolonhês. Em 1274, foi
expulso da cidade junto com os membros do partido guibelino e
provavelmente morreu no exílio. Foi o poeta mais ilustre da Itália antes de
Dante e fundados do estilo poético dolce stil nuovo [Sayers 55].
Notas 82
26.5 Guittone (Frade Guido d'Arezzo, 1250 - 1293) foi um poeta aretino da
ordem dos frades gaudentes (veja Inferno, canto XXIII). Foi fundador de um
mosteiro em Florença, em 1293 e faleceu no ano seguinte. Teve lugar de
destaque entre os poetas italianos tendo aperfeiçoado a forma poética do
soneto [Pinheiro 60].
26.6 O limusino é Giraut de Borneil (1175-1220), poeta provençal, considerado
por seus contemporâneos o “mestre dos trovadores”.
26.7 Arnaldo Daniel foi um grande trovador da Provença. A ele é atribuída a
invenção da sestina, adotada por Dante. Ele também é autor das poesias mais
pornográficas da literatura provençal [Musa 95]. No Purgatório de Dante, os
oito versos cantados por Arnaldo estão em provençal e não em italiano (veja
obra original, Canto XXVI, versos 140 a 147).
Notas 83
27 Personagens e símbolos do Canto XXVII
27.1 O anjo da castidade, guardião da sétima cornija, canta “Bem-aventurados
os puros de coração”, de Mateus 5:8 (Beati mundo corde, no poema original).
Dante, Estácio e Virgílio sobem para a sétima cornija,
onde estão os luxuriosos ardendo no fogo.. Dante
conversa com o papa Adriano V. Ilustração de
Gustave Doré (século XIX).
Notas 84
27.2 O terceiro sonho de Dante no Purgatório, como os anteriores, é uma visão
alegórica de algo que está para acontecer. O sonho mostra as irmãs Lia e
Raquel, esposas de Jacó. A primeira era fértil e deu a Jacó muitos filhos, mas
tinhas olhos fracos. A segunda era bela e formosa, mas era estéril (Gênesis 29
e 30). A alegoria representa o contraste entre a vida contemplativa e a vida
ativa e pode também ser aplicada às duas mulheres que Dante conhecerá no
Paraíso Terrestre..
27.3 A vida contemplativa e a vida ativa são duas formas diferentes de viver
uma vida cristã. A primeira é dedicada exclusivamente à oração e a segunda
às boas obras. A vida contemplativa é vista como a mais nobre, mas ela,
sozinha, não se sustentaria sem o trabalho realizado na vida ativa. As duas
são, portanto, complementares e necessárias.
Notas 85
27.4 “Já viste, meu filho ... Eu então te passo a coroa e a mitra de ti mesmo”:
Estas são as últimas palavras de Virgílio na Divina Comédia. O poeta encerra
sua missão de guiar o seu discípulo até as portas do Paraíso. Como símbolo
da razão, Virgílio não tem mais como ajudar Dante a progredir, pois apenas a
fé cristã poderá fazê-lo compreender o que virá a seguir. De agora em diante,
Dante irá escolher o caminho a ser seguido. Os poetas apenas o
acompanharão.
Notas 86
28 Personagens e símbolos do Canto XXVIII
28.1 A mulher que colhe flores é Matilda (cujo nome será revelado mais adiante,
no último canto). Ela está associada à imagem de Lia (vida ativa) no terceiro
sonho de Dante (veja nota 27.2).
28.2 Enquanto brincava com sua mãe, Vênus, Cupido acidentalmente feriu-a no
peito com sua flecha, e fez com que Vênus se apaixonasse pelo mortal
Adônis (Ovídio, Metamorfoses, livro X).
Notas 87
28.3 Berço da humanidade: a floresta é o Paraíso Terrestre, onde, segundo o
livro de Gênesis, os primeiros seres humanos viveram até o dia em que foram
expulsos por desobediência. Matilda explica, mais adiante, que o Paraíso
Terrestre e o Parnaso que inspirou os poetas clássicos são o mesmo lugar.
Compare a montanha do Purgatório, onde nascem os rios Letes (veja nota
31.2) e Eunoé (veja nota 33.10), com a montanha sagrada Helicona, morada
das Musas, em cujo cume nascem os rios Aganipe e Hipocrene, fontes da
inspiração poética (Ovídio, Metamorfoses, livro V).
28.4 Delectasti é uma referência ao Salmo 91 na Bíblia católica (ou Salmo 92, na
Bíblia protestante), cujo quarto verso, em latim, diz: Quia delectasti me, Domine,
in factura tua et in operibus manuum tuarum exultabo. Em português: “Porque
deleitaste-me, Senhor, com os teus feitos e exulto nas obras de tuas mãos.”
Supondo que os poetas estivessem surpresos ao ver alguém sorrindo em um
lugar sagrado, Matilda cita o Delectasti (que provavelmente é o ela cantava) e
pede que eles fiquem à vontade.
28.5 Dante já esteve diante das águas do rio Letes. É dele a origem das cascatas
da cornija da gula (canto XXIV) e também da água que flui no caminho entre
o inferno e o purgatório (Inferno, canto XXXIV).
Notas 89
29 Personagens e símbolos do Canto XXIX
29.1 Bem-aventurados são aqueles cujos pecados são remidos (Beati quorum
tecta sunt peccata, em latim, no original) é o verso que inicia o Salmo 32.
29.2 Ó sagradas virgens...: Aqui o poeta invoca as Musas, para inspirá-lo e
permitir que ele seja capaz de descrever o que virá a seguir. Urânia é a musa
da astronomia, que Dante invoca pois o que segue exige conhecimento das
coisas do céu. Das fontes da Helicona (veja nota 28.3), lar das nove musas,
vêm toda a inspiração poética.
29.3 Os sete candelabros de ouro são uma imagem apocalíptica: “E ao voltar-
me, vi sete candelabros de ouro” (Apocalipse 1:12) que, naquele livro,
representam as sete igrejas da Ásia a quem se destina a revelação: “O
mistério (...) dos sete candelabros de ouro é este: (...) [eles] são as sete igrejas”
(Apocalipse 1:20). Os sete candelabros também abrem a procissão de Corpus
Christi, promulgada pelo papa Urbano IV, em 1264 [Sayers 55]. Alguns
comentaristas os associam aos sete sacramentos da Igreja Católica, outros
aos sete dons do Espírito Santo (sabedoria, entendimento, conselho,
coragem, conhecimento, piedade, temor a Deus) [Pinheiro 60].
29.4 Os vinte e quatro senhores são outra imagem apocalíptica: “Ao redor do
trono também havia vinte e quatro tronos, e vi assentados sobre os tronos,
vinte e quatro anciãos, vestidos de branco, que tinham nas suas cabeças
coroas de ouro” (Apocalipse 4:4). No Purgatório de Dante, Os anciãos
representam os 24 livros do Velho Testamento da forma como foram
agrupados por São Jerônimo: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio,
Josué, Juizes, Rute, Reis, Crônicas, Esdras, Tobias, Judite, Ester, Jó, Salmos, Provérbios,
Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Sapiência, Eclesiástico, Profetas Maiores, Profetas
Menores e Macabeus [Pinheiro 60]. Na procissão, os anciãos usam uma coroa
branca de flor-de-lis, que simboliza a pureza da fé e da doutrina [Longfellow
67] (veja outra interpretação na nota 29.13). Eles cantam “Bendita sejas tu
entre as filhas de Adão”, que é a saudação que o anjo Gabriel faz a Maria
(Lucas 1:28)
Notas 90
29.5 Os quatro seres que protegem a carruagem são descritos no livro do
Apocalipse 4:6-8:
(...) e ao redor do trono, um ao meio de cada lado, [havia] quatro seres viventes cheios de olhos por diante e por detrás. O primeiro ser era semelhante a um leão, o segundo semelhante a um touro, o terceiro tinha o rosto como de homem, e o quarto era semelhante a uma águia voando. Os quatro seres viventes tinham, cada um, seis asas, e ao redor, e por dentro, estavam cheios de olhos (trad. João Ferreira de Almeida).
e também em Ezequiel 1:5-10:
(...) e do meio do fogo saía a semelhança de quatro seres viventes. Esta era a sua aparência: tinham a semelhança de homem; cada um tinha quatro rostos, como também cada um deles quatro asas. (...) A semelhança dos seus rostos era como o rosto de homem, e à mão direita os quatro tinham rosto de leão, e à esquerda tinham rosto de boi; também os quatro tinham rosto de águia (idem).
Dante diz que as quatro criaturas são como as de Ezequiel (com quatro rostos)
mas têm seis asas como no Apocalipse (mas não em Ezequiel onde têm quatro).
As criaturas são cobertas de “olhos”, como os olhos de Argus (que cobrem
as penas do pavão). Os quatro animais tradicionalmente simbolizam os quatro
evangelhos: Mateus, Marcos, Lucas e João. Na interpretação de São Jerônimo, o
homem é Mateus, porque ele começa o evangelho com a geração humana de
Cristo. O leão, que simboliza a realeza, é Marcos, porque levou adiante a
dignidade real de Cristo. O boi, que simboliza o sacrifício, é Lucas. A águia,
símbolo divino da mais alta inspiração, é João [Longfellow 67].
29.6 A carruagem simboliza a igreja de Cristo. As suas duas rodas têm
geralmente sido interpretadas como sendo o Novo e Velho Testamentos (que
sustentam a Igreja), mas no Paraíso, Dante se refere a elas como sendo São
Domingos e São Francisco (Paraíso XII: 106). Quem puxa o carro é o grifo
(nota 29.7) que pode simbolizar Cristo ou o Papa.
29.7 O grifo é a criatura mitológica que tem patas e corpo de leão com cabeça e
asas de águia. Para a maior parte dos comentaristas, o grifo representa Cristo
com suas duas naturezas humana e divina. Dorothy Sayers explica que “até
onde ele é ave (divina) é coberto de ouro incorruptível; até onde ele é animal
(humano) é coberto de manchas vermelhas e brancas. Vermelho e branco
são as cores que Dante atribui respectivamente ao Novo e Velho Testamentos.
(...) São também as cores do amor e da justiça. Mas são especialmente as
Notas 91
cores do próprio sacramento: a Carne e o Sangue, o Pão e o Vinho.” [Sayers
55]. Outros comentaristas, porém, acharam estranho o Filho de Deus ser
representado puxando uma carruagem e preferem acreditar que o grifo de
Dante representa o Papa, que é uma pessoa que assume duas formas: a de
pontífice, representada pela águia, capaz de voar até o trono de Deus, e a de rei,
representado pelo leão, que tem força e poder sobre a Terra [Pinheiro 60].
29.8 As três damas que dançam em círculo à direita do carro representam as três
virtudes teológicas ou evangélicas: caridade (vermelha), esperança (verde) e
fé (branca).
29.9 As quatro moças de púrpura dançam fazendo festa: Representam as quatro
virtudes cardeais: justiça, prudência, fortaleza temperança, que regem a
conduta humana. Estão todas vestidas de púrpura que é a cor da nobreza e
do Império, pois são a base da autoridade imperial. A prudência tem três
olhos para que possa olhar para o presente, passado e futuro. Por estarem do
lado esquerdo do carro, estas virtudes são inferiores às outras três [Musa 95].
29.10 Os dois velhos representam as obras de Lucas e Paulo. Lucas, o autor dos
Atos dos Apóstolos, é lembrado como um médico (seguidor de Hipócrates)
devido a crença fundada em Colossenses 4:14: “Saúda-vos Lucas, o médico
amado.” As epístolas de Paulo (Romanos, Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses,
Colossenses, Tessalonicenses, Timóteo, Tito, Filemom e Hebreus) são representadas
por um ancião portando uma espada, símbolo do martírio.
29.11 Os quatro anciãos em trajes humildes representam as epístolas canônicas
dos apóstolos Tiago, Pedro, João e Judas.
29.12 O ancião solitário representa o Apocalipse de João. Ele é representado
andando como em sonho, talvez para indicar que a obra é uma revelação
profética, enigmática como um sonho.
29.13 As coroas dos sete últimos anciãos eram adornadas com rosas vermelhas
(que pareciam chamas) em vez de lírios brancos (como os primeiros 24
anciãos – nota 29.3). Há várias especulações sobre o significado simbólico das
coroas, mas não há consenso. Dorothy Sayers interpreta os lírios brancos
como a justiça da Lei do Velho Testamento e as rosas vermelhas como o amor
do Evangelho [Sayers 55].
Notas 92
30 Personagens e símbolos do Canto XXX
30.1 “Vem, noiva, do Líbano” (Veni, sponsa, de Libano) faz parte das declarações de
amor de Salomão em Cântico dos Cânticos 4:8 e anuncia a chegada de Beatriz.
30.2 Os “ministros e mensageiros da vida eterna” são anjos.
30.3 “Bendito [és tu] que vens,” cantam os anjos, se referindo a Beatriz que está
para surgir, embora tenha-se mantido a forma masculina, que faz referência a
Cristo. Em Mateus 21:9 “Bendito o que vem [em nome do Senhor]” é o grito da
multidão quando Cristo entra Jerusalém (também em Marcos 11:9, Lucas 19:38 e
João 12:13). Em várias situações, Beatriz ocupa o lugar de Cristo na sua aparição
a Dante. No poema original, os anjos sempre cantam em Latim: “Benedictus qui
venis”.
30.4 “Ó, lançai lírios com as mãos cheias [que eu espalharei flores vermelhas]” é
um trecho da Eneida, livro VI, e uma explícita homenagem a Virgílio, cujos
versos são pronunciados pelos anjos no mesmo nível que os versos da Bíblia.
Na Eneida, a frase é pronunciada às margens do rio Letes pelo espírito de
Anquises, que revela a Enéas o destino de Marcelo, sobrinho de Augusto,
grande herói romano que irá morrer na flor da idade. Como sempre, no poema
original, o trecho está em latim: “Manibus date lilia plenis”.
30.5 Beatriz surge com o rosto coberto por um véu claro, preso por uma coroa de
oliva, usando um vestido vermelho e manto verde (branco, vermelho e verde
são as cores das três virtudes: fé, caridade e esperança). A coroa de oliva representa
a sabedoria [Sayers 55].
Notas 93
30.6 “Dante...”: Esta é a única vez em que o nome do poeta é pronunciado em toda
a Comédia.
30.7 “Em ti, Senhor, me refugio”: Os anjos começam a cantar o Salmo 31 (no
original, cantam: In te, Domine, speravi) mas não passam do oitavo versículo (pedes
meos): “Não me entregasse nas mãos do inimigo, mas puseste os meus pés num
lugar espaçoso.”
Notas 97
31 Personagens e símbolos do Canto XXXI
31.1 “Asperge-me [com hissopo, e eu serei purificado; lave-me e eu serei mais
branco que neve]” é o sétimo verso do Salmo 51, cantado pelos anjos
enquanto Matilda mergulha a cabeça de Dante no rio Letes. “O Asperges é
cantado no início da missa, quando o padre asperge os fiéis com água benta”
[Sayers 55].
31.2 As águas do rio Letes apagam da memória de quem delas beber, toda a
lembrança do pecado.
31.3 As quatro ninfas são as quatro estrelas que Dante viu quando chegou à ilha
do purgatório (veja nota 1.1). Representam as quatro virtudes cardeais. Elas
levarão Dante aos olhos de Beatriz. As outras três (que também são estrelas
– veja nota 8.6) são as virtudes teológicas.
31.4 A dupla natureza do grifo é refletida nos olhos de Beatriz: “ora como leão,
ora como águia, separadamente”. Supondo que o grifo seja o reflexo da
natureza de Cristo, Dante ainda não é capaz de perceber a natureza divina
(águia) e humana (leão) como uma coisa única. Para isto, precisará da ajuda
das outras três ninfas (virtudes teológicas).
Notas 98
32 Personagens e símbolos do Canto XXXII
32.1 O cortejo pára diante de uma grande árvore. Para alguns comentaristas, a
árvore representa o império romano, por analogia ao império de
Nabucodonosor, cujo sonho é interpretado pelo profeta Daniel:
(...) eu estava olhando, e vi uma árvore no meio da terra, cuja altura era grande. Crescia a árvore, e se fazia forte, de maneira que a sua altura chegava até o céu, e era visível até os confins da terra. A sua folhagem era formosa, e o seu fruto abundante, e havia nela o sustento para todos; debaixo dela os animais do campo achavam sombra, as aves do céu faziam morada nos seus ramos, e todos os seres viventes se mantinham dela.” (Daniel 4:10-12, trad. João Ferreira de Almeida)
A árvore também é a árvore do conhecimento do bem e do mal (Gênesis
2:16-17) e representa Adão (a humanidade), após a expulsão do Paraíso. Assim
como o reino de Nabucodonosor, a humanidade se espalhou pelos confins da
terra, mas perdeu o direito à vida eterna e não tem vida no Paraíso (por isso a
árvore está sem folhas e sem frutos).
32.2 O tronco da árvore é doce aos lábios, mas amarga no estômago. Compare
com Apocalipse 10:9-10: “Fui, pois, ao anjo, e pedi-lhe que me desse o livrinho.
Disse-me ele: Toma-o, e come-o. Ele fará amargo o teu estômago, mas na tua
boca será doce como mel.”
32.3 O grifo leva o timão ao pé da árvore, “devolvendo a ela o que era dela”: Se a
árvore é a humanidade (Adão), e o grifo é Cristo, o timão da carruagem (a
Igreja) é a cruz. A cruz simboliza a paixão e morte de Cristo. Através dela, a
humanidade (a árvore) recebe de volta a vida eterna que havia perdido (a árvore
floresce, na ressurreição). A cor violeta é a mesma cor usada pelas ninfas que
representam as quatro virtudes, sem as quais não é possível usar corretamente o
conhecimento do bem e do mal.
Notas 99
32.4 Cercada pelas sete ninfas (as sete virtudes), Beatriz prevê que Dante irá para o
Céu, com ela (a Roma onde Cristo é romano). Depois, pede a Dante que ele
anote tudo o que for revelado, em benefício do mundo perdido (da mesma
forma como Jesus pede a João que escreva as revelações do Apocalipse – veja Ap.
1:11).
32.5 A águia simboliza o poder imperial. Ela aparece causando destruição, rasgando
os frutos e folhas da árvore e depois atingindo a carruagem. Representa as
perseguições sofridas pelo cristianismo nos primeiros anos da Igreja, entre os
governos de Nero (54 d.C.) e Diocleciano (314 d.C.). O navio é um símbolo
tradicional da Igreja [Musa 95]. A água danifica não só a carruagem (a Igreja)
mas também o império romano (Roma) [Sayers 55].
32.6 A raposa simboliza as heresias que assolavam a Igreja primitiva, especialmente
as seitas gnósticas como a de Dolcino (veja Inferno, canto XXVIII) [Musa 95].
Notas 100
32.7 A águia volta e causa danos na estrutura do carro, mas não atinge a árvore. A
imagem representa a doação de Constantino, primeiro imperador cristão, que
deu à Igreja riquezas e poder (as penas douradas), levando-a a corromper-se
(causando danos à sua estrutura) [Longfellow 67].
32.8 O dragão é o símbolo tradicional do Diabo e do anti-Cristo. A maior parte dos
comentaristas concorda que esta revelação simboliza o surgimento do
islamismo, considerado uma cisma que dividiu o cristianismo, levando parte de
seus fiéis. Sua imagem talvez tenha origem em Apocalipse 12:3-4 onde é descrita
a visão de “um grande dragão vermelho”, cuja cauda “levou após si a terça
parte das estrelas do céu, e lançou-as sobre a terra” [Sayers 55].
32.9 As plumas que nascem sobre o carro representam a multiplicação das riquezas
mundanas possuídas pela Igreja, que talvez tenham sido doadas (pelos fiéis)
com a mais pura das intenções. As plumas cobrem toda a estrutura do carro, e
levam ao surgimento das cabeças.
32.10 As cabeças que brotam do timão e dos quatro cantos do carro (a Igreja) o
transformam na besta do Apocalipse: “E eu vi subir do mar uma besta que
tinha dez chifres, e sete cabeças” (Apocalipse 13:1). As cabeças representam,
tradicionalmente, os sete pecados capitais. As três que têm dois chifres são o
orgulho, a inveja e a ira, que causam dano à alma que os pratica e também aos
outros. As outras quatro que têm apenas um chifre representam a preguiça, a
avareza, a gula e a luxúria que só causam dano ao pecador [Pinheiro 60].
32.11 A prostituta representa a figura do papa, que se prostitui com o gigante
ciumento, que representa a França. A prostituta inicialmente tem boas relações
com o gigante (A França e Bonifácio VIII foram aliados, tendo participado do
golpe que expulsou os guelfos brancos de Florença). Talvez o olhar lascivo que
a prostituta lançou sobre Dante represente a discussão que Dante teve com o
papa quando era prior de Florença. O papa Bonifácio morreu pouco depois de
ser brutalmente espancado pelos homens de Felipe IV, o rei da França. Com a
eleição de Clemente V, Felipe conseguiu levar a sede da Igreja para longe de
Roma (para Avignon, na França).
Notas 101
33 Personagens e símbolos do Canto XXXIII
33.1 “Ó Deus, vieram nações” (Deus, venerunt gentes) é o início do Salmo 79, que
continua “e invadiram a tua herança, contaminaram o teu santo templo,
reduziram Jerusalém a montões de pedras.” O salmo faz alusão, aqui, à França
que levou embora a sede da Igreja.
33.2 “Um pouco, e não me vereis mais... e mais um pouco, e me vereis”: são as
palavras de Jesus Cristo pouco antes de sua morte e ressurreição (João 16:16).
Beatriz as pronuncia em latim: “Modicum et non vitebitis me... iterum modicum et
vitebitis me”.
33.3 O vaso que a serpente rompeu foi e não é...: O vaso é o carro que foi
rompido pelo dragão (a serpente). O carro era a Igreja, mas agora é a besta. Em
Apocalipse 17:8: “A besta que tu viste era e já não é”.
33.4 A águia que deixou suas penas sobre o carro é Constantino. Ele “não ficará
sem herdeiros por muito tempo,” diz Beatriz, ao profetizar que um imperador
romano (herdeiro de Constantino) irá recuperar a sede da Igreja [Sayers 55].
Notas 102
33.5 Quinhentos, dez e cinco: Há muita especulação sobre o significado deste
número. Representa o Lebreiro do Canto I do Inferno, que viria salvar a Itália,
cuja identidade (se é que representa uma pessoa) é desconhecida. Alguns
comentaristas especulam Dante quisesse representar a palavra DUX (líder),
obtida trocando a posição dos algarismos do número DXV (“U” e “V” em
latim são a mesma letra) [Mauro 98].
33.6 A deusa Têmis era filha do Céu e da Terra. Seu oráculo, situado em Ática, era
famoso pelos enigmas indecifráveis [Longfellow 67].
33.7 A Esfinge é um monstro nascido de Quimera. Tem cabeça de mulher, asas de
ave, corpo de cão e patas de leão. Por muito tempo ela aterrorizou os
habitantes de Tebas, matando aqueles que não acertavam o enigma. O enigma
finalmente foi solucionado por Édipo, que, por esse feito, ganhou o reino de
Tebas e casou-se com a rainha Jocasta.
33.8 A árvore foi duas vezes assaltada. Primeiro pela águia, que rasgou suas folhas
e casca, depois pelo gigante, que roubou o carro. A árvore aqui representa o
cristianismo.
Notas 103
33.9 Os rios Tigre e Eufrates são mencionados no Gênesis 2:14-15 como os dois
rios que banham o jardim do Éden, daí a comparação com o Letes e Eunoé.
Notas 104
33.10 Eunoé é o rio que restaura a memória apagada pelo Letes (que apagava toda a
lembrança do pecado). Dante pode lembrar agora dos seus pecados, mas
apenas como coisas passadas e superadas. Não sentirá vergonha ou culpa, pois
as suas faltas foram perdoadas.
33.11 Cronologia: Dante chega à fonte do Eunoé ao meio-dia da quarta-feira. Já se
passaram seis dias desde o momento em que deixou a selva escura.
Dante e Estácio bebem das águas do rio Eunoé, em
companhia das ninfas que servem a Beatriz, no
Paraíso Terrestre.... Ilustração de Gustave Doré
(século XIX).
Purgatório
Notas 4
Dante e Virgílio diante de Catão de Útica. Ilustração
de Gustave Doré (século XIX). Observação: Doré errou
ao representar uma sombra atrás de Virgílio. No
relato de Dante, Virgílio e as outras almas jamais
projetam sombra.
Canto I
ara navegar por águas melhores, minha poesia agora deixa
para trás aquele mar cruel e segue para o segundo reino,
onde a alma humana se purifica, e se torna digna de ele-
var-se ao céu.
P Quatro estrelas iluminavam o céu do Pólo Sul. Quatro estrelas
nunca vistas por homem algum em vida (a não ser pelo primeiro
casal), pois nunca são vistas no céu do hemisfério norte. Voltei a
minha atenção ao outro pólo, e vi um vulto se aproximar. Era um
velho solitário. Tinha barba longa e cabelos brancos. Seu semblante
era iluminado pela luz das quatro estrelas, que davam-lhe um aspec-
to divino, como se a luz do Sol brilhasse em seu rosto.
— Quem sois vós? — perguntou ele, movendo suas plumas.
— Quem sois vós que, vencendo a correnteza do cego riacho, con-
seguistes fugir da prisão eterna? Quem foi que vos guiou? Quem foi
a lanterna que vos indicou o caminho pelas trevas infernais? Será
que todas as leis do abismo foram destruídas? Ou foram novas de-
cisões tomadas no céu, permitindo que vós, condenados, chegásseis
até o pé da minha montanha?
Com sinais e gestos, meu mestre pediu que eu ficasse de joe-
lhos e baixasse a cabeça em sinal de respeito. Depois, dirigindo-se
ao velho, falou:
— Eu não estou aqui por vontade própria. Uma dama que
desceu do céu me pediu que eu acompanhasse este aqui. Ele ainda
não viu a morte, mas por sua imprudência ela esteve tão perto que
Purgatório 2
Purgatório 3
pouco tempo havia para salvá-lo. Como eu disse, fui enviado para
ajudá-lo e não havia outro caminho a não ser este, que eu escolhi. A
ele mostrei todos os condenados do Inferno e pretendo ainda mos-
trar as almas que se purgam no teu domínio. Que te agrade aceitar a
sua vinda: ele busca a liberdade, tão cara, como deve saber alguém
que deu a vida por ela, como tu fizeste em Útica. Não quebramos
as leis divinas. Este homem ainda vive e Minós não me impede. Eu
vim daquele círculo onde está a tua Márcia. Por seu amor, então,
deixa que possamos conhecer teus sete reinos.
— Márcia era um prazer aos meus olhos, enquanto eu era vivo
— respondeu o velho—. Ela agora vive além do rio Aqueronte e
não mais me move, pela lei que vigora desde o dia em que eu fui
trazido para cá. Mas se uma dama celeste te ordena, não é preciso
adulação, basta pedir em seu nome. Vai, então, com esse homem e
coloca em volta da sua cintura um junco liso. Não esqueças de lavar
o seu rosto para que fique livre das névoas infernais. Em volta desta
ilha, lá onde as ondas quebram na praia, encontrarás juncos nascen-
do na areia onde nenhuma outra planta poderia sobreviver. Para
continuar, deves guiar-te pelo Sol, que em breve estará nascendo.
Ele indicará o caminho onde encontrarás a subida mais suave.
O velho calou-se. Pouco depois, desapareceu. Eu me levantei
e olhei para Virgílio, que falou:
— Vem! Me acompanha!
Eu obedeci. Seguimos para a praia por um caminho deserto e
plano, com a imensidão do mar preenchendo nosso horizonte. Pa-
ramos assim que chegamos a um lugar onde o orvalho se formava
nas folhas das plantas. O mestre abaixou-se e molhou suas mãos na
grama úmida. Logo compreendi o que ele pretendia fazer e ofereci-
Purgatório 4
lhe meu rosto manchado de lágrimas, que ele limpou, restaurando
sua cor verdadeira que o Inferno havia ocultado.
Continuamos a caminhar até a praia. Como o velho havia dito,
juncos cresciam nas areias onde planta alguma seria capaz de sobre-
viver. Virgílio procurou um junco liso para amarrar na minha cintu-
ra. Assim que ele arrancou a planta do chão, ocorreu um milagre:
um novo junco, igual ao que ele arrancara, imediatamente nasceu
no mesmo lugar.
Notas 7
O barqueiro trazendo almas para o Purgatório.
Ilustração de Gustave Doré (século XIX).
Canto II
Sol já nascia colorindo o céu com os tons avermelha-
dos da aurora. Estávamos parados à beira-mar, pen-
sando sobre a estrada que nos esperava, como quem
viaja no pensamento sem sair do canto. De repente, a nossa aten-
ção foi desviada por um brilho vermelho que surgia no poente. A
luz, que ainda espero tornar a ver um dia, atravessava o mar numa
velocidade inacreditável. Eu olhei para meu guia e quando voltei a
mira-la, ela já estava maior e mais luzente ainda. Foi quando eu no-
tei duas formas brancas, surgindo de cada lado. O meu guia perma-
necera o tempo todo em silêncio, mas quando percebeu que as
formas brancas eram asas, reconheceu o barqueiro e gritou:
O
— Ajoelha! Se abaixa perante o anjo de Deus!
Imediatamente eu me ajoelhei como ele pedira. Depois, ele
comentou:
— Tu verás ainda muitos desses ministros. Presta atenção
como ele desdenha as propostas humanas. Não precisa de remos
nem de velas. Somente suas asas bastam para navegar entre tão dis-
tantes costas.
E quanto mais se aproximava, maior era o brilho irradiado, até
que chegou uma hora em que não consegui mais suportar a clarida-
de e tive que baixar o rosto.
Ele navegou direto para a costa. O barco era veloz e tão leve
que sequer agitava as águas, não deixando sinal algum de que havia
passado por ali. Mais de cem almas estavam sob a guarda do piloto
Purgatório 5
Purgatório 6
celestial. Elas cantavam, a uma só voz, o salmo Quando Israel saiu do
Egito. Com o sinal da cruz, o anjo fez com que todas elas, de uma
só vez, aparecessem na praia. Quando o barco estava vazio, ele su-
miu, tão veloz como antes havia chegado.
A multidão que ficou estava confusa. Olhavam para todos os
lados, como se estivessem tentando compreender alguma coisa pela
primeira vez. Logo nos viram e se aproximaram pedindo:
— Se vós souberdes, mostrai-nos o caminho para o monte!
— Vós credes que somos familiares a este lugar — respondeu
Virgílio —, mas somos apenas peregrinos como vós. Acabamos de
chegar por outro caminho tão áspero e tão duro que escalar este
monte será para nós uma brincadeira.
As almas, notando que eu respirava e que estava vivo, torna-
ram-se pálidas de espanto. Em pouco tempo me cercaram por to-
dos os lados, esquecendo por um instante sua jornada. Uma delas
se aproximou com os braços abertos, como se fosse me abraçar,
mas, quando tentei retribuir o abraço, meus braços abraçaram o
nada! Três vezes eu tentei e três vezes minhas mãos voltaram para o
meu peito, atravessando aquela forma vazia com aparência engana-
dora. A alma então se afastou e finalmente pude reconhecê-la. Pedi
que ela falasse, e ela disse:
— Assim como te amei no meu mortal corpo, ainda assim te
amo sem ele. Mas o que fazes aqui, nesta hora?
— Meu amigo Casella — respondi —, aqui estou porque es-
pero um dia aqui retornar. Mas por que demoraste tanto?
— Não posso reclamar que ele, que leva no seu barco quem
deseja e quando deseja, me tenha negado várias vezes a travessia,
pois a justa vontade sempre o guia — respondeu Casella —. Mas
Purgatório 7
nos últimos três meses ele tem levado todos nós que desejamos
atravessar. Quando eu voltei à foz do rio Tibre, lá estava aquele ser
benigno que me recolheu a bordo. E foi para lá que ele agora par-
tiu, pois é lá que ele sempre recolhe os que não caem nas margens
do Aqueronte.
— Se teu novo estado não te impede a memória ou o uso do
teu canto amoroso, que tanto me trouxe paz no mundo, então can-
ta — pedi —, e consola minha alma, fatigada depois de uma viagem
tão cansativa.
— “Amor que na minha mente conversa...” — começou ele a can-
tar docemente.
A melodia nos hipnotizou. Virgílio, eu, e todas aquelas almas
estávamos tão contentes que nada mais nos veio à mente. Atentos à
música de Casella sequer vimos o velho Catão se aproximar, mas ao
chegar ele gritou:
— Que é que é isso, espíritos preguiçosos? Quanta negligência
estardes aqui folgados, perdendo o vosso precioso tempo! Correi
logo ao monte para livrar-vos da sujeira do mundo que vos oculta a
vista de Deus!
Logo que o velho se calou, vi aquele bando sair correndo na
direção da ladeira, como quem vai sem saber aonde. E a nossa par-
tida não foi menos ligeira.
Canto III
a sua súbita fuga as almas se dispersaram, correndo na
direção do monte ao qual a razão nos impele, mas eu
me aproximei mais do mestre, pois, sem sua ajuda,
como poderia eu escalar aquela montanha? Ele ainda me parecia
tomado pelo remorso por causa da repreensão de Catão.
N O Sol, brilhando nas nossas costas, projetava minha sombra
sobre o chão à minha frente. Mas só havia uma sombra! Fiquei ater-
rorizado e pensei, por um instante, que o mestre havia me abando-
nado. Mas, logo olhei para o lado e respirei aliviado ao confirmar
que seu espírito estava lá. Sentindo meu espanto, Virgílio me inda-
gou:
— Por que estás desconfiado? Não acreditas que eu estou aqui
ao teu lado, te guiando? O corpo, com o qual eu fazia sombra, está
sepultado lá em Nápoles, onde agora já entardece. Não te assustes,
mas aceita os mistérios de Deus.
Já nos aproximávamos do pé do monte, cuja inclinação era tão
grande que deduzimos que a subida por ali seria impossível.
— E agora? Quem saberá para que lado diminui a inclinação
desta encosta? — comentou o mestre, enquanto estudava uma pos-
sível solução para que pudéssemos prosseguir.
Enquanto ele falava eu fiquei a admirar a impressionante altu-
ra daquela montanha. Quando baixei a vista, uma multidão de almas
já se aproximava à minha esquerda. Elas vinham lentamente. Cha-
mei a atenção de Virgílio:
Purgatório 8
Purgatório 9
— Mestre, olha lá! Talvez possam nos ajudar.
Ele olhou, com alívio, e disse:
— Vamos lá encontrá-los pois eles vêm muito devagar. E tu,
meu filho, confirma a tua fé.
Depois de caminhar uns mil passos, embora ainda distantes, as
almas nos viram e pararam, temerosas. Virgílio aproveitou:
— Ó venturosos espíritos eleitos — gritou — por aquela paz
que todos vós aguardais, mostrai-nos o melhor caminho para que
iniciemos nossa subida!
Como ovelhas assustadas que saem do seu curral, as almas
começaram a se movimentar lentamente, até que finalmente, volta-
ram caminhar em nossa direção. Mas, quando perceberam a sombra
que se formava à minha direita, se estendendo até a encosta, para-
ram assustadas, e recuaram, tomadas pelo terror.
— Antes que pergunteis — continuou Virgílio —, eu vou logo
vos dizendo que este que está comigo é humano e está vivo. Por
isso ele interrompe a luz do Sol. Não tenhais medo, mas tendes cer-
teza que, sem o poder proveniente do céu, jamais ele tentaria vencer
esta parede.
Assim falou o mestre e então aquelas almas fizeram sinais e
gestos para que nós as encontrássemos.
— Vinde conosco — disseram —. Caminhai na nossa frente!
Mais próximo, um deles me falou:
— Quem quer que sejas, olha para mim enquanto caminhas e
pergunta a ti mesmo se já me viste antes.
Eu me virei e olhei para seu rosto. Era louro e belo e de aspec-
to gentil, mas havia um corte no seu cílio. Quando eu lhe disse que
não lembrava tê-lo visto antes, ele pediu:
Purgatório 10
— Olha! — e me mostrou uma ferida no seu peito. — Eu sou
Manfredo, neto da imperatriz Constância. Para a tua volta eu te
peço um favor, que conte a verdade à minha bela filha, rainha da
Sicília e de Aragão. Quando o meu corpo finalmente sucumbiu,
após duas feridas mortais, eu me rendi chorando a quem de bom
grado sempre perdoa. Terríveis foram os meus pecados, mas a
bondade infinita com seus grandes braços sempre acolhe aquele
que se arrepende. Se o pastor de Cosenza, enviado por Clemente
para me perseguir, tivesse entendido melhor a palavra de Deus,
cada osso do meu corpo ainda estaria ao pé da ponte em Benvene-
to, sob a guarda de uma pilha de pedras. Mas agora eles são levados
pela chuva e pelo vento, para longe do reino, pelo rio Verde, aonde
ele os transladou com velas apagadas. Não há maldição que não
possa ser anulada pelo eterno amor, enquanto ainda restar um fio
de esperança. Mas quem morre tendo negado a Santa Igreja e só no
fim se arrepende, tem que aguardar nesta encosta trinta vezes o
tempo que passou na sua presunção, a não ser que tal decreto seja
encurtado por boas preces. É assim que podes me fazer feliz reve-
lando à minha filha Constância que me viste aqui, pois pelas ora-
ções dos que estão lá no mundo, muito tempo se ganha aqui.
Canto IV
uando algum dos nossos sentidos se entrega à intensidade
do prazer ou da dor, naquele momento, ele toma toda a
atenção da alma, que ignora quaisquer outros poderes. Isto
mostra o engano de quem afirma que mais de uma alma habita em
nossos corpos. Portanto, quando se ouve ou se vê alguma coisa, que
captura a atenção total da alma, o tempo passa sem que percebamos.
Disso tive experiência verdadeira enquanto escutava aquele espírito,
pois sem que eu percebesse, o Sol subira bem cinqüenta graus de seu
caminho até que o grupo finalmente parou, e gritou a uma só voz:
Q
— É aqui o lugar por onde podereis subir.
O caminho era uma fenda estreita e íngreme. Entre as paredes
da passagem o mestre foi na frente e eu o segui atrás. A subida era
quase vertical de forma que era preciso usar os pés e as mãos para
escalar o precipício. Quando finalmente chegamos ao topo, deixando
a fenda, encontramos uma ladeira aberta.
— Mestre — perguntei —, e agora? O que faremos?
— Não mude teu passo — respondeu —, mas segue-me. Va-
mos continuar a subir a montanha até que encontremos um guia
disposto a nos indicar o caminho.
O pico estava tão alto que a minha vista não o alcançava. A
encosta continuava íngreme. Me parecia ter mais de quarenta e cin-
co graus de inclinação. Isto só aumentava o meu cansaço, e pedi:
— Ó doce pai, volta-te e olha para mim, pois se tu continuares
nesse passo, eu certamente ficarei para trás.
Purgatório 11
Purgatório 12
— Meu filho — disse Virgílio — é preciso que faças mais um
pequeno esforço. Precisamos subir só mais um pouco até ali. — e
apontou para um patamar não muito longe, rodeando o monte.
Suas palavras me incentivaram e eu me esforcei, rastejando e
subindo, até finalmente por os pés naquele terraço. Lá sentamos,
voltados para o oriente, e olhamos para baixo para ver o caminho
que ficou para trás. Procurei o Sol, e me espantei ao vê-lo à nossa
esquerda. O poeta, percebendo minha admiração, decidiu falar:
— Se fosse verão (no hemisfério norte), tu verias o Sol mais
próximo ainda do norte. Se ainda não compreendes como o Sol
pode estar daquele lado, imagina este monte, sobre a Terra, em
oposição a Jerusalém, de forma que ambos tenham o mesmo hori-
zonte, porém hemisférios distintos. Se o Sol percorre um mesmo
caminho circular, quando passa por Jerusalém de um lado terá que,
necessariamente, quando passar por aqui estar do lado oposto.
— Certo, mestre meu — disse-lhe —, agora eu finalmente en-
tendi esta questão dos círculos móveis do céu. O Equador celeste,
que os hebreus vêem ao sul, está para nós ao norte, na mesma dis-
tância. Mas deixa por favor que eu te pergunte, quanto mais tere-
mos que escalar até chegar ao pico que eu sequer consigo ver?
— Esta montanha é tal — respondeu — que o início de sua
escalada é muito difícil. Mas, à medida em que formos subindo, o
esforço exigido será cada vez menor, até que chegaremos a um
ponto onde nenhum esforço será necessário para subir mais.
Quando estivermos lá, teremos chegado ao seu pico.
Ele mal havia acabado de falar quando, junto a nós, soou ou-
tra voz, que disse, ironicamente:
— Talvez antes disso terás que te sentar.
Purgatório 13
Ambos viramos o olhar na direção da voz, que vinha de uma
grande pedra. Abaixo dela estavam várias pessoas espreguiçadas sob
sua sombra. Uma delas, parecendo a mais cansada, abraçava os joe-
lhos deixando a cabeça cair entre as pernas.
— Mestre olha só aquele ali — apontei —. Parece até o irmão
da própria preguiça.
Ouvindo o que eu falei, movendo apenas a cabeça bem deva-
gar e levantando o olhar pela coxa, ele disse:
— Ora, então sobe tu, já que és tão valente!
Depois disso eu já sabia quem era. Embora cansado, consegui
me arrastar até ele que, ao me ver, levantou o rosto de leve, dizendo:
— E então, conseguiste entender porque o Sol caminha pelo
lado esquerdo?
Seu jeito preguiçoso e seu sarcasmo me fizeram sorrir, e não
tive dúvidas que era ele.
— Belacqua — eu disse —, que bom te ver aqui. Não preciso
mais me preocupar com teu destino. Mas o que fazes aqui sentado?
Estás esperando um guia ou ainda estás tomado pelo vício antigo?
— Ó irmão — murmurou ele —, que adianta subir? Não pos-
so cumprir minha pena pois o anjo que guarda a porta me nega pas-
sagem. Antes que eu possa iniciar minha purgação, os céus devem
girar tantas vezes quanto giraram enquanto eu vivia, pois deixei para
me arrepender no último instante. Permaneço, portanto, aqui, a
menos que meu tempo seja reduzido por orações de um coração
que vive em estado de graça.
Enquanto eu falava o poeta já começava a subir novamente.
— Vamos — chamou —, pois o Sol já chegou ao meio do
céu. A esta hora, a noite já avança sobre Marrocos.
Canto V
u já me afastava daquelas sombras, acompanhando os
passos do meu guia, quando uma delas, me apontando o
dedo, gritou:
— Vejam! Ele faz sombra! Ele interrompe a luz do Sol como
se fosse vivo!
E Ouvindo essas palavras, olhei para trás e vi as almas, espanta-
das com a minha forma humana e minha sombra.
— Por que tua mente se dispersa tanto? — reclamou o mes-
tre. — Te interessa o que essas almas murmuram? Me acompanha e
deixa que elas falem sozinhas! Aquele que deixa que seus pensa-
mentos sejam interrompidos por qualquer coisa, perderá a vista de
sua verdadeira meta, e terá sua mente enfraquecida.
— Eu já vou! — respondi. Que outra resposta poderia eu ter
dado? Meu rosto, enrubescido pela vergonha já dizia tudo.
Enquanto isso, pela encosta adiante, um outro grupo de almas
passava cantando o Miserere verso a verso. Quando viram que a luz
não atravessava a minha forma como deveria, o grupo mudou seu
canto para um “Ohhh” longo e rouco.
Depois vieram duas almas, correndo, e perguntaram:
— Quem sois vós? — e a Virgílio — Por que a luz não o
atravessa?
— Podeis retornar e dizer aos vossos que o corpo deste aqui é
de carne verdadeira — respondeu o mestre —. Se a visão de sua
Purgatório 14
Purgatório 15
sombra, presumo, os confundiu, agora o sabem, e lhes será conve-
niente honrá-lo.
Logo que o mestre terminou de falar, as duas almas correram
de volta ao seu grupo.
— Essa gente toda agora virá te fazer perguntas. — comentou
Virgílio — Presta atenção no que elas te disserem, mas não pares;
continues a caminhar enquanto escutas.
— Ó alma que segues para a tua alegria — gritou um deles —,
pára, por um momento, e olha se conheces algum de nós. Ah! Por
que vais? Por que não paras? Olha-nos! Cada um de nós encontrou
a morte violenta e foi pecador até o último instante, quando a luz
do céu nos iluminou com seu perdão.
— Eu vos vejo mas não reconheço ninguém — respondi —.
Se houver alguma coisa que eu possa fazer para agradar-vos, dizei,
que eu farei.
— Se algum dia viajares entre a Romanha e o reino de Charles
de Anjou, — falou o primeiro — pede aos povos de Fano que fa-
çam orações por mim, para que eu possa logo começar a purgar
minha culpa. Eu fui daquelas terras, mas morri nas de Antenor, por
ordem de Azzo de Este, que me odiava mais que o seu direito ad-
mitiria. Eles me surpreenderam em Oriaco, atolei nos juncos e vi
surgir no brejo, um lago de sangue das minhas veias.
Depois que ele se calou, outra alma se aproximou, e falou:
— Que o teu desejo, que o traz ao alto monte, seja cumprido,
mas, tende piedade e me ajuda também. Eu fui de Montefeltro, eu
sou Buonconte. Ninguém mais quer saber de mim, nem mesmo a
minha Giovanna, e por isso ando cabisbaixo entre os outros daqui.
Purgatório 16
— Buonconte, o que aconteceu contigo em Campaldino? —
perguntei — Onde foi parar o teu corpo que nunca foi encontrado?
— Oh, tu saberás! — respondeu ele — Ao pé do Casentino
corre um rio chamado Arquiano, que nasce nos Apeninos. Lá onde
ele muda de nome eu cambaleava a pé, com a garganta perfurada,
cobrindo o chão de sangue. Lá eu perdi a visão e a fala acabou
quando pronunciei o nome de Maria. Lá eu caí, e só restou minha
carne vazia. Digo a verdade e tu a anuncia: o anjo de Deus me le-
vou, mas o do Inferno reclamou, insatisfeito: “Ó tu, do céu, por
que me roubas? Tu levas este para o céu por causa uma lagrimazi-
nha à toa? Ah, mas deixa que eu sei o que fazer com o corpo!” En-
tão o demônio uniu o mal ao intelecto, movendo o fumo e o vento,
pelo dom que a natureza lhe concede. Cobriu o vale de névoa tão
escura que logo a chuva caiu numa tempestade. A água seguiu pelos
fossos na direção do grande rio e formou uma enxurrada tão vio-
lenta que, ao chegar ao Arquiano, arrastou o meu corpo gelado,
lançando-o para dentro do Arno; desfez a cruz que meus braços fa-
ziam sobre o peito, e jogou-me no fundo do seu leito.
— Por favor — pediu outra alma, quando Buonconte termi-
nou — quando voltares ao mundo, lembra-te de mim! Eu sou Pia.
Nasci em Siena, morri em Maremma, como bem sabe aquele que
me cativou e desposou.
Canto VI
odas as almas me cercavam, implorando por atenção. Eu
me virava de um lado para outro, atendendo aos seus pe-
didos e com promessas eu ia, aos poucos, escapando.
Lá estava Benincasa, o juiz aretino que foi morto por Ghin di
Tacco; lá estava Guccio, que, durante a batalha, se afogou no Arno
ao perseguir seus inimigos. Com as mãos estendidas, Frederico No-
vello implorava por minha atenção, junto com Farinata de Pisa. Vi
ainda o conde Orso e, pouco depois, Pierre de la Brosse, vítima do
ódio e inveja da rainha de Brabant, esta que, ainda estando viva,
deve cuidar para não acabar no Inferno.
T
Depois que finalmente consegui me livrar da multidão de al-
mas, que apenas pediam que os vivos orassem por eles, indaguei ao
mestre:
— Me parece que tu negas, mestre, em algum texto teu, que a
oração teria poderes para mudar os decretos divinos. Porém estas
pessoas imploram exatamente por orações! Que significa isto? Será
que todas as suas esperanças são vãs? Ou será que eu não te com-
preendi bem?
— O que eu escrevi é bastante claro, e significa exatamente o
que parece — respondeu Virgílio —, mas se prestares bem atenção,
verás que suas esperanças têm fundamento. A justiça suprema não é
abalada quando um amor sincero e ardente cumpre, de imediato, a
pena imposta a estas almas. E lá onde eu escrevi sobre este assunto,
Purgatório 17
Purgatório 18
eu me referia à prece daqueles que não têm acesso a Deus. Mas não
tentes resolver agora esta questão. É questão de fé e eu não enten-
do. Espera encontrares Beatriz pois ela será para ti a luz entre a
verdade e o intelecto.
— Senhor — falei — vamos então apressar o nosso passo,
pois eu prometo não me cansar mais. E veja! A montanha agora já
faz sombra!
— Nós continuaremos enquanto durar a luz do dia — res-
pondeu ele — mas as coisas não são da forma como parecem. Por
mais que nos apressemos, não chegaremos ao pico antes que o Sol,
que agora se esconde atrás da montanha, ressurja. Mas vê aquela
alma solitária que nos olha. Ela nos mostrará o melhor caminho.
Nós caminhamos na direção do espírito, que, calado, não fa-
lou uma palavra sequer. Virgílio então se dirigiu a ele e perguntou
sobre o melhor caminho para subir. A sombra ignorou a pergunta,
perguntando sobre nossa origem. Quando o mestre começou fa-
lando “Mântua...”, a sombra, antes contida, se levantou dizendo:
— Ó mantuano, eu sou Sordello da tua terra! — E depois, os
dois se abraçaram.
Ah serva Itália, lar do pesar, nau sem piloto em grande tem-
pestade, não és nenhuma rainha de províncias, mas um bordel!
Como foi presta, aquela alma gentil, só pelo doce nome de sua terra
a fazer festa ao encontrar seu concidadão. Mas agora, não vives sem
guerra, e mesmo aqueles que moram dentro das mesmas muralhas,
vivem devorando uns aos outros. Busca, miserável, no teu interior e
nas tuas costas, se há algum lugar que esteja em paz segura. Os pa-
dres deveriam ser devotos e cuidar das coisas de Deus, deixando a
César o que é de César. Ó Alberto, imperador, tu abandonas a Itá-
Purgatório 19
lia, deixando que, sem governo, ela se rebele como uma fera indo-
mável e selvagem. Como teu pai, ávido por dominar outras terras,
tens permitido que o jardim do império seja esquecido. Vem ver os
Montecchi e Cappelletti, os Monaldo e Filippeschi, arruinados e
temerosos do seu destino. Vem, ó cruel, vem ver o sofrimento de
teus nobres. Vem para a tua Roma que chora, viúva e só, e que dia
e noite chama: “Ó César meu, por que me abandonaste?” Mas vem
ver como a gente se ama! E, se não tens piedade de nós, vem para
te envergonhares de tua fama.
É lícito pensar, ó sumo Jove, que foste na Terra por nós cruci-
ficado, que teus justos olhos não mais nos olham? Ou é parte de
um grande plano que preparas para o nosso bem e que somos inca-
pazes de compreender? Todas as cidades da Itália estão dominadas
por tiranos. Mas tu, Florença minha, deves ficar contente com esta
digressão que não te toca. Muitos têm a justiça no coração; pensam
antes de julgar, mas a tua gente abre a boca sem pensar. Muitos re-
cusam altos cargos, discretamente, mas o teu povo solícito respon-
de, sem ser chamado: “Eu me submeto!”. Mas alegra-te! Tu que és
rica, sábia e que vives em paz! Tua ordem e justiça são incompará-
veis. No meio de novembro as leis criadas em outubro já eram.
Quantas vezes mudaste lei, moeda, ofícios, costumes e governo, Ó
Florença? Se recordas bem e buscas a luz, te verás semelhante àque-
la enferma que não consegue descansar no seu leito macio, mas so-
bre si rola para fugir da dor que sente.
Canto VII
epois de ter abraçado Virgílio umas três ou quatro ve-
zes, Sordello se afastou e perguntou-lhe:
— Antes qu
Purgatório 20
— E então, quem és tu?
e este monte fosse usado para a purgação das al-
mas dignas de subir a Deus — respondeu Virgílio —, Otaviano já
sepultara os meus ossos. Eu sou Virgílio. Eu não perdi o céu por
causa de erros meus mas apenas por falta de fé.
D Como alguém que é surpreendido por algo que não espera,
que crê e duvida, e diz “É... não pode...”, assim ficou Sordello. De-
pois ele se ajoelhou e abraçou os joelhos de Virgílio, como um ser-
vo a um mestre.
— Ó glória dos latinos — disse —, por quem foi mostrado o
valor da nossa língua. Ó gênio imortal da minha terra, que mérito
ou graça permite que eu possa conhecer-te? Dize-me, se eu sou di-
gno de tuas palavras, se vens do Inferno, e de qual parte?
— Passei por todos os círculos do reino das trevas — res-
pondeu — antes de chegar aqui. A virtude celeste me mostrou o
caminho, e com ela eu venho. Não o que eu fiz, mas o que não fiz,
me fez perder a vista do alto Sol que tu procuras. Vim do limbo
onde não há sofrimento, apenas escuridão. Lá eu permaneço com
aqueles que não conheceram as três santas virtudes, mas puderam
conhecer as outras e cumpri-las. Mas, se souberes, mostra-nos um
caminho que leve ao início do Purgatório.
Purgatório 21
— Nós não somos obrigados a ficar em um único lugar —
respondeu Sordello —, portanto, posso ser vosso guia e subir até
onde me for permitido. Mas o dia já chega ao fim e não podemos
subir à noite, portanto é bom pensar em uma boa pousada. Há um
grupo de almas aqui à direita e, se me consentires, te levarei até elas.
Tu sentirás prazer em conhecê-las.
— Como é isso? — perguntou o meu guia — Seria uma alma
impedida de subir à noite ou seria ela incapacitada?
Com o dedo, Sordello desenhou uma linha no chão e disse:
— Vês? Depois que o Sol estiver posto, tu não poderás passar
desta linha. Não é porque alguém irá impedi-lo mas porque não te-
rás vontade alguma de subir. Entretanto, poderás descer ou passear
pela encosta à vontade.
— Então leva-nos — respondeu o meu senhor — ao lugar
onde propões que fiquemos.
Nós partimos, guiados por Sordello, até chegar diante de uma
vasta área plana que cortava a inclinação da montanha como um
vale corta a terra.
— Agora — anunciou a sombra —iremos para onde esta en-
costa se dobra em um colo. Lá aguardaremos o novo dia.
O caminho tortuoso nos levou até a beira do valado. Paramos
numa posição que ficava mais ou menos na metade da altura da
borda e de lá pudemos observar todo o vale, coberto por um jardim
florido de cores mais brilhantes que quaisquer metais ou pedras
preciosas já vistos na Terra, e pudemos sentir seus mil odores mes-
clados em um novo cheiro, nunca antes sentido. “Salve Rainha”,
cantavam as almas entre as flores, sentadas sobre o verde.
Purgatório 22
— Não me peças — disse o mantuano — que eu desça con-
vosco antes do por do Sol. Desta beirada tereis uma visão melhor
de todos os rostos. Aquele que está sentado lá no alto é o impera-
dor Rodolfo, que poderia ter curado as feridas que foram mortais
para a Itália. O outro que parece confortá-lo é Ottokar, rei da Boê-
mia, pai de Wenceslau, que hoje vive no ócio e na luxúria. Aquele
de nariz achatado, ao lado do gorducho, é Felipe, que foi rei. Ele
morreu em batalha na fuga que trouxe desonra à Flor de Lis. Ele é
o pai e o outro é cunhado do Mal da França. Veja aquele forte que
canta junto com o narigudo. É Pier de Aragão. Se aquele jovem
atrás deles tivesse reinado um pouco mais, o bem teria se perpetua-
do nas duas Sicílias. Mas Giácomo e Frederico ficaram com o tro-
no, e a Sicília com a pior herança. Lá está Henrique da Inglaterra, o
rei da simples vida, sentado sozinho. Aquele outro sentado no chão,
abaixo de todos eles é Guilherme Marquês, cuja guerra com Ale-
xandria fez chorar Monferrato e o Canavês.
Vale dos excomungados. Ilustração de Gustave Doré (século XIX).
Purgatório 23
O Vale dos Príncipes (arrependidos tardiamente por causa de preocupações mundanas). Ilustração de Gus-tave Doré (século XIX).
Purgatório 24
Canto VIII
ra a hora em que o navegante sente a saudade invadir-lhe
o coração, e o faz reviver o dia em que deu adeus aos
amigos queridos. Era a hora em que o novo prergrino
sente o amor perfurá-lo, ao ouvir o sino distante, que parece chorar
pelo dia que morre. Naquela hora, eu não mais ouvia o que Sardello
dizia, mas olhava para uma alma que, levantada, com as mãos er-
guidas, pedia nossa atenção. “Antes que o dia termine...”, cantava,
devotadamente e com tão doces notas que me fez perder a noção
do meu próprio eu. Os outros acompanhavam cantando todo o
hino em seguida, mantendo os olhares fixos nas esferas celestes.
E
Aguça aqui, leitor, o olhar à verdade, que agora se cobre por
um véu tão sutil que atravessá-lo não será difícil.
Eu vi aquele exército gentil olhar fixamente para o céu, como
se esperasse que alguém de lá descesse. Pouco depois, desceram
dois anjos com espadas flamejantes, truncadas e sem ponta. Suas
vestes eram tão verdes quanto folhas recém nascidas, e balançavam
com o vento de suas asas verdejantes. Um deles ficou na parte mais
alta da beira do nosso lado, e o outro, parou na beira oposta, fican-
do todas as almas entre os dois. Meus olhos conseguiam discernir
seus cabelos dourados, mas não conseguia ver seus rostos, pois a
luz que irradiavam era excessiva.
— Ambos descem do colo de Maria — disse Sordello — para
guardar o vale da serpente que virá em breve.
Purgatório 25
Purgatório 26
Sem saber de onde ou como viria a tal serpente, eu, arrepiado
só em imaginá-la, me encostei nos ombros daquele em que me dava
confiança. E continuou Sordello:
— Ora, vamos descer para conversar com essas grandes som-
bras. Elas ficarão felizes em nos ver.
Só precisei dar três passos, acredito, até chegar lá embaixo e
encontrar um espírito que me olhava como se quisesse me reco-
nhecer. Já escurecia, mas não tanto que impedisse o reconhecimen-
to. Ele veio até mim e eu fui até ele: Nino, juiz gentil, como eu fi-
quei feliz de saber que ele não estava entre os condenados. Nos
saudamos, e depois ele me perguntou:
— Quando chegaste ao pé do monte, do teu mar distante?
— Oh, — disse eu — eu deixei o Inferno hoje de manhã.
Ainda estou vivo mas um dia espero voltar aqui por esse caminho.
Quando Nino e Sordello ouviram minhas palavras, os dois se
afastaram, assustados e confusos. Um voltou-se para Virgílio e o
outro dirigiu-se a uma outra alma, e gritou:
— Vem cá, Conrado! Vem ver o que quis a graça de Deus!
Depois, voltou a atenção para mim e falou:
— Amigo, eu te peço, em nome da graça divina, que quando
voltares à nossa Itália, dize a minha Giovanna que ore por mim,
pois as orações dos inocentes são respondidas. Não creio que a sua
mãe me ame mais, pois ela já se casou com outro. É uma pena, pois
a víbora que Milão ostenta no seu brasão não fará tão bela sepultura
quanto o meu galo de Gallura.
Enquanto Nino falava, meus olhos foram atraídos para o céu.
Virgílio, que me observava, perguntou:
— Filho, o que estás a observar?
Purgatório 27
— Aquelas três estrelas que iluminam a região polar — res-
pondi.
— As quatro estrelas que vimos esta manhã agora estão do
outro lado, e estas tomaram o seu lugar — explicou Virgílio.
E foi aí que Sordello o puxou pelo braço e disse:
— Aí vem o nosso adversário — apontando, com o dedo esti-
cado, para o lugar onde deveríamos olhar.
E surgia, naquela parte onde começa o penhasco, uma víbora,
talvez a mesma que oferecera a Eva a fruta amarga. Ela rastejava
entre a grama e as flores quando os dois falcões celestiais desceram
na sua direção. Ao percebê-los, a cobra fugiu rapidamente de nossa
visão e os anjos retornaram a seus postos.
Aquele espírito que o juiz Nino havia chamado já estava ao
meu lado durante todo o tempo. Agora, que a calma voltara, ele se
dirigiu a mim:
— Eu sou Conrado Malaspina, não o antigo, mas o dele des-
cendente. Se tiveres notícia de Val di Magra ou de suas vizinhanças,
dize-me, pois lá eu era grande.
— Eu nunca estive no vosso país — respondi —, mas toda a
Europa conhece a tua boa fama.
— Mas saibas — profetizou o espírito — que o Sol não re-
pousará mais que sete vezes no leito do Carneiro antes que essa tua
cortês opinião esteja pregada no meio de tua cabeça, com pregos
mais verdadeiros que quaisquer opiniões de outras pessoas. Isto
acontecerá, a menos que o curso do juízo seja alterado.
Canto IX
Lua nascia, junto com o escorpião, e iluminava a noite
que já estava perto de completar sua terceira hora. Eu,
tomado pelo cansaço, me deitei na grama onde nós cinco
estávamos sentados, e adormeci.
APouco antes do amanhecer, quando nossa mente já está mais
distante da carne, os sonhos são visões quase divinas. Naquela hora,
sonhando, eu vi uma águia de penas de ouro sobrevoar o vale onde
estávamos. Senti-me como se estivesse na montanha onde Gani-
mede foi raptado para servir aos deuses. Eu observava a águia cir-
culando o vale quando, de repente, ela mergulhou como um raio.
Ela chegou, me agarrou com suas garras e subiu me levando para
muito alto. Subimos e atravessamos a esfera do fogo, onde arde-
mos, ela e eu. Tão real me pareceu o calor daquele incêndio imagi-
nário, que eu acordei.
Quando olhei em volta, estava confuso. Não sabia mais onde
eu estava nem de onde tinha saído. Eu estava aterrorizado. Não
ouvi nem via ninguém. Pensei estar só. Mas logo encontrei ao meu
lado, sozinho e em silêncio, o meu conforto. Já era dia há pelo me-
nos duas horas e na minha frente só se via o mar e mais nada.
— Não temas — disse o meu senhor — que nós estamos no
caminho certo. Chegamos enfim ao Purgatório. Esta vendo esta
beirada que percorre todo o monte? Ali, no final, está o portão por
onde deveremos entrar. Antes do amanhecer, enquanto dormias,
veio até nós uma mulher que disse: “Eu sou Luzia. Deixe-me levar
Purgatório 28
Purgatório 29
este que dorme, para ajudá-lo em sua via”. Sordello e os outros fica-
ram. Ela te pegou nos braços e o trouxe até aqui, e eu segui logo
atrás. Antes de ir, ela me mostrou a entrada, e quando ela partiu, le-
vou embora o teu sono.
Como alguém que em dúvida se tranqüiliza quando a verdade
lhe é revelada, assim ocorreu comigo. Quando o mestre me viu se-
reno, ele se levantou e saiu caminhando pela beira. Eu me levantei
também, e o segui.
Chegamos até o local que eu antes pensara ser uma rachadura
na pedra. Lá, depois de de três degraus de cores diversas, havia uma
porta. No mais alto degrau estava um porteiro, calado. Eu não con-
segui mirá-lo, pois o clarão que emanava do seu rosto me ofuscava.
Brilhava tanto quanto o Sol, que refletia na espada nua firme na sua
mão.
— Dizei, daí mesmo de onde estais, o que quereis? — orde-
nou o anjo — Onde está vossa escolta? Cuidai para que não vos ar-
rependeis de ter vindo aqui.
— Uma mulher do céu — respondeu o mestre — há pouco
tempo atrás, nos disse “Lá está a porta. Ide até ela.”.
— Que ela então continue a vos guiar — continuou o porteiro
—. Vinde, então, e subi nossos degraus.
Nós obedecemos. O primeiro degrau era branco e de um
mármore tão claro que nele me vi refletido. O segundo era mais es-
curo que pez e era feito de pedra áspera, com várias rachaduras na
sua superfície. O terceiro e último me pareceu ser de pórfiro flame-
jante, tão rubro quanto sangue vivo que jorra de uma veia. E era
neste degrau que o anjo de Deus pousava seus pés e se sentava
numa soleira que parecia uma pedra de diamante.
Purgatório 30
O mestre me guiou pelos três degraus, e disse:
— Pede-lhe, humildemente, para girar a chave para ti.
Devotadamente, me ajoelhei diante do anjo, bati no peito três
vezes e pedi misericórdia para que a porta ele abrisse para mim.
Sem que eu sentisse nada, ele tomou a espada e desenhou so-
bre a minha testa sete feridas em forma de “P”, e disse:
— Entrando aqui, não deixes de lavar estas feridas.
Depois buscou, dentro de sua roupa cor de terra, duas chaves.
Uma era de prata e a outra, de ouro. Primeiro ele girou a chave
branca e depois, a amarela, e então, a trava da porta foi aberta.
— Quando qualquer uma dessas duas chaves falha, a estrada
para o Purgatório permanece fechada. Uma é mais preciosa mas a
outra requer arte e engenho para que destrave. Eu guardo estas
chaves que pertencem a Pedro. Ele me ensinou que, para aqueles
que se postarem diante dos meus pés, é melhor errar em abri-la do
que mantê-la fechada.
Depois, abrindo finalmente a porta sagrada, ordenou:
— Entrai, mas lembrai-vos que para cá retorna aquele que
olhar para trás.
E ouvi ranger os pinos das dobradiças daquele portão. O doce
som do metal se misturou a um coro, que ocupou meus ouvidos
logo que entrei: “A vós louvamos, Ó Senhor”, pareciam cantar,
acompanhados pela suave melodia dos metais.
Canto X
uando finalmente ouvimos a porta se fechar atrás de nós,
eu pensei no que aconteceria se eu olhasse para trás.
Como é que eu pediria perdão por uma falta dessas? Q
Subíamos por uma fissura na pedra, que formava um caminho
em zigue-zague, quando o meu guia falou:
— Aqui convém ter cuidado. Procura te encostar na parte ex-
terna da curva.
O esforço que fazíamos para subir era tanto que a Lua já havia
se posto quando finalmente escapamos daquela gruta. Paramos, en-
fim, sobre um terraço plano e desabitado. A beirada lisa aparentava
rodear toda a montanha, até onde eu podia ver, e tinha a mesma
largura formando um patamar em volta do monte. Da beira do pre-
cipício até o pé da subida íngreme, cabiam três homens deitados.
E então eu percebi que o penhasco interno, que não oferecia
meio algum de subida, era de mármore branco adornado com vári-
os entalhes em relevo. As formas eram tão perfeitas que fariam in-
veja não só aos melhores escultores como à própria natureza.
A imagem do anjo que desceu à Terra para anunciar a paz tão
esperada pelos homens só faltava falar, de tão perfeita que era sua
escultura. Poderia-se jurar que ele dizia “Ave!”, pois aquela que nos
trouxe ao mundo o Amor Supremo também estava lá representada.
Em volta de sua imagem estavam as palavras: Eis a Serva de Deus.
— Esta não é a única escultura — disse o mestre. — Por que
não olhamos as outras?
Purgatório 31
Purgatório 32
E então eu segui o mestre e contemplei, além da imagem de
Maria, outra história inscrita na rocha. No mármore se via o carro e
os bois puxando a santa Arca. Na sua frente havia sete coros tão re-
alistas que meus sentidos ficavam em dúvida. Uns sentidos diziam
“não”, e outros “sim, eles estão cantando!”. Semelhantemente, os
fumos esculpidos do incenso eram tão perfeitos que meus olhos e
nariz não sabiam decidir entre o sim e o não.
Adiante, bem à frente da Arca, o modesto salmista Davi dan-
çava, se mostrando tanto mais e menos que um rei. Na janela estava
sua mulher Micol, observando com desdém.
Me afastei um pouco para observar mais uma outra história,
contada no relevo do mármore. Lá estava o nobre imperador Tra-
jano, cercado por cavaleiros, águias e todo o seu exército. Do seu
lado estava a pobre viúva, que lhe pedia ajuda. Podia-se ouvir o diá-
logo entre os dois e, ao fim, o momento em que o imperador deixa
as suas preocupações para atender ao humilde pedido da velhinha.
Enquanto eu me deleitava admirando aqueles exemplos de
humildade, o mestre me sussurrou:
— Olha lá! Lá vêm eles! Vê como se aproximam lentamente!
Eles nos mostrarão o caminho até os degraus.
— Mestre — respondi — o que é isto que eu vejo se aproxi-
mar? Não parecem pessoas não! Eu não sei o que são! Minha vista
está confusa.
— A grave condição de seu tormento — disse ele — tanto os
esmaga contra a terra que eu mesmo não tinha certeza do que esta-
va vendo. Mas presta bem atenção e verás o que se move debaixo
daquelas pedras e entenderás a pena que os golpeia.
Purgatório 33
Ó orgulhosos cristãos, miseráveis e cansados. Não vedes que
somos meras larvas, nascidas para formar a angélica borboleta que à
Justiça voa sem defesa? Por que vossas pretensões são tão altas se
não sois mais que insetos defeituosos?
As almas pareciam aquelas estátuas que, como pilares, susten-
tam uma cornija nas costas, e dobram o peito até o joelho. Algumas
estavam mais abaixadas que as outras, conforme a carga que leva-
vam nas costas, mas mesmo a mais paciente de todas parecia dizer,
em pranto: “Mais que isto, não posso!”
Purgatório 34
Canto XI
— Pai nosso, que estás nos céus, não circunscrito, mas pelo maior
amor que dás às tuas criações primeiras, louvado seja o teu nome e
teu valor, por toda criatura, assim como damos graças ao teu doce
vapor. Que venha a nós, a paz do teu reino. Dá-nos hoje, o maná
de cada dia, sem a qual, neste áspero deserto, retrocede quem mais
avançar deseja. E assim como perdoamos aqueles que nos causaram
mal, nos perdoa tu também, benigno, sem olhar o nosso mérito.
Não deixes que nossa virtude fraca caia na tentação do antigo ad-
versário, mas liberta-nos de suas garras. Este último pedido, senhor,
não fazemos para nós, que não carecemos, mas para os que ainda
em baixo permanecem.
Assim, orando para o bem deles e para o nosso, pela primeira
cornija as almas passavam, lentamente, atrasadas pelo peso que as
oprimia de forma desigual. Se eles sempre oram por nosso bem, o
que podem fazer por eles, os vivos cujas orações estão plantadas no
bem? Devemos, veramente, ajudá-los para que lavem as máculas
que trouxeram da Terra, para que limpos e leves possam subir pela
esfera estrelada.
— Para que a justiça e piedade vos liberte logo de vossa carga
— falou Virgílio —, mostrai-nos o menor caminho até a escada ou,
se houver mais de uma, para aquela que oferece menor dificuldade
para subir. Este que está comigo ainda tem a carne de Adão, e isto,
contra sua vontade, atrasa-lhe a viagem.
Purgatório 35
— À direita, rente à costa — falou um deles — encontrarás
uma estrada que pode ser escalada por uma pessoa viva. Se eu não
estivesse impedido por esta pedra, que me força a olhar somente
para o chão, eu iria querer saber se conheço esse homem vivo, e fa-
zer com que ele tenha piedade da minha pena. Fui um latino de fa-
mília nobre. Meu pai foi Guglielmo Aldobrandesco. Não sei se já
ouviste falar dele. O antigo sangue e as grandes obras de meus avós
me tornaram uma pessoa arrogante e, esquecendo o amor da mãe
comum, eu desprezava tanto os outros que isto me levou à morte,
como toda Siena sabe, em Compagnatico. Eu sou Omberto. O pe-
cado do orgulho não arruinou só a mim, mas toda a minha família.
Por isso devo carregar este peso, que recusei em vida, até o dia em
que Deus estiver satisfeito.
Eu o escutava abaixado quando um outro me viu, me reco-
nheceu e me chamou. Ele se esforçava para manter o olhar fixo em
mim enquanto andava.
— Oh! — disse eu — Não és tu Oderisi, grande artista e hon-
ra daquela arte que em Paris chamam de iluminura?
— Irmão — disse ele — as páginas pintadas pelo Franco bo-
lonhês são muito mais alegres. É dele, agora, a honra toda. Pouco
cortês teria eu sido a ele, devo admitir, se eu estivesse vivo, pois
meu único desejo então era a excelência. Por tal soberba aqui se
paga o preço. Eu nem estaria aqui se, quando ainda podia pecar,
não tivesse voltado para Deus. Ó glória vã de toda a posse humana!
Antes Cimabue era o maior pintor. Agora Giotto ofusca seu brilho.
Vem um Guido e tira do outro toda a sua glória poética, e talvez já
tenha chegado aquele que os dois afastará do ninho da fama. A
fama do mundo não é mais que uma rajada de vento que muda de
Purgatório 36
nome quando muda de lado. O que será da tua fama daqui a mil
anos? O que são dez séculos para a eternidade? Menos que um pis-
car de olhos comparado com o giro da mais lenta das esferas. Esse,
que aí na frente vai tão devagar, tinha toda a fama na Toscana e
hoje mal se ouve seu nome em Siena, onde ele um dia foi senhor e
conseguiu destruir a fúria de Florença. A fama terrena é como o
verde da erva, que vem e vai. O Sol que a faz viver é o mesmo Sol
que depois a descolora.
— Tuas palavras verdadeiras honram a justa humildade e con-
denam a soberbia — respondi —, mas quem é aquele do qual falas-
te agora?
— É Provenzan Salvani — disse — e ele está aqui porque
teve a pretensão de ter toda Siena em suas mãos.
— Mas — perguntei — se toda alma que só se arrepende no
último momento fica esperando lá embaixo a menos que receba
boas preces, como é que ele conseguiu esta graça?
— Quando ele estava no seu apogeu — disse Oderisi — ele se
humilhou por um amigo, que cumpria pena na cadeia de Carlos.
Colocando de lado toda a vergonha para resgatar o amigo da prisão,
ele pediu esmolas aos que passavam na praça de Siena. Foi esse ato
que o libertou da espera.
Canto XII
ado a lado com aquela alma carregada eu seguia, lenta-
mente, enquanto o mestre pôde tolerar. Até que ele falou:
deve guiar seu
— Agora deixa ele e levanta-te, pois cada um aqui
barco com seus próprios remos e com suas próprias
velas.
LEu prontamente fiquei de pé e levantei a cabeça, mas, apesar
disso, não consegui fazer o mesmo com meus pensamentos que
permaneciam abaixados e encolhidos. Eu seguia as pegadas do mes-
tre quando ele me chamou a atenção.
— Agora olha para baixo — disse ele —. O que está em baixo
de teus pés tornará nossa viagem mais agradável.
Olhei e vi, no chão diante de nossos pés, gravações na pedra
forrando o caminho que rodeia a montanha.
Vi Lúcifer, aquele que foi criado como a mais nobre das cria-
turas, caindo do céu e despencando como um raio. Vi Briareu, atra-
vessado pelo raio celestial e congelado no gelo mortal. Vi Timbreu,
vi Palas e Marte ainda armados, olhando para os gigantes dilacera-
dos. Vi Nemrod junto a sua torre, quase confuso, olhando para
seus homens, em Senaar.
Ó Niobe, com os olhos dolentes, te vi gravada na estrada com
os teus sete e sete filhos mortos. Ó Saulo, morto pela própria espa-
da, tão real parece tua imagem em Gelboé. Ó louca Aracne, eu as-
sim te via, já meia aranha, triste sobre os restos de tua teia. Ó Ro-
Purgatório 37
Purgatório 38
boão, a tua imagem aqui não mais ameaça, fugindo na carruagem,
apavorado.
Mostrava ainda o duro pavimento, como Almeón fez com que
a triste jóia fosse tão cara à sua mãe. Mostrava como os filhos mata-
ram o pai Senaquerib dentro do templo, abandonado. Mostrava a
ruína e a cruel carnificina que Tamíris fez quando disse a Ciro:
“Sangue ansiaste, e eu de sangue te sacio”. Mostrava a rota dos assí-
rios, que fugiam com a morte de Holeferne.
Vi Tróia em cinzas e destruída. Ó Ílium, tão baixo e tão vil,
mostrava a imagem em pedra esculpida.
Qual mestre, com seu lápis ou estilete, poderia reproduzir tão
bem tais linhas? Os mortos, mortos pareciam, e os vivos, vivos.
Melhor não viu quem os verdadeiros viu. Sejais soberbos e olhai
para o alto, filhos de Eva, e não baixeis a cabeça, para não verdes
vossa má estrada!
Já tínhamos andado uma grande distância no monte quando o
mestre novamente me acordou:
— Levanta a cabeça! Não é mais hora de andar distraído. Já é
meio-dia. Vê o anjo que se aproxima!
A nós vinha uma bela criatura, vestida de branco e com um
semblante iluminado. Ela abriu os braços e disse:
— Vinde, que os degraus não estão distantes, e vossa ascensão
não será difícil.
Ele nos levou até onde havia um sulco na rocha e depois to-
cou sua asa na minha testa. Para vencer o caminho íngreme havia
uma escadaria, cercada pela rocha dos dois lados. Enquanto subía-
mos, ouvi vozes que cantavam: “Bem-aventurados são os pobres de
Purgatório 39
espírito.” Como diferem essas passagens daquelas do Inferno! Aqui
se entra com cantos e lá com lamentos ferozes.
Enquanto subíamos por aqueles degraus sagrados, eu já me
sentia mais leve, até mais do que quando eu estava no chão plano.
— Mestre — perguntei — dize-me, que peso me foi levado?
Me sinto tão leve que nem fadiga impediria minha subida.
— Quando os “P” que restam em sua testa forem apagados
como o primeiro — respondeu —, teus pés se moverão sem esfor-
ço algum. Não sentirão mais o peso do cansaço, mas terão vontade
de subir mais.
E então eu fiz algo que qualquer um faria. Levei minha mão
até a testa e com os dedos senti apenas as seis letras que restavam.
Me observando, o mestre sorriu.
Os orgulhosos. Ilustração de Gustave Doré (século XIX).
Purgatório 40
Notas 42
Os invejosos. Ilustração de Gustave Doré (século
XIX).
Canto XIII
ós já estávamos no último degrau da escada, observan-
do uma segunda cornija que recortava o monte da
mesma forma que a anterior. Esta fazia uma curva mais
fechada, pois estava mais alta. Não vimos nenhuma alma. Suas pa-
redes não estavam esculpidas mas toda a face da encosta estava nua,
e, como o caminho, tinha a cor de pedra lívida.
N — Se ficarmos aqui esperando que alguém venha nos guiar —
disse o poeta — temo que nos atrasaremos demais.
Então, olhando para o Sol, ele orou:
— Ó doce lume em quem confio para me guiar pelo novo
caminho através do qual me conduzes. Mostra-me nesta via, para
que lado devo seguir.
Já havíamos andado pela beirada mais ou menos uma milha
quando ouvimos, mas não vimos, espíritos lançando no ar convites
generosos. A primeira voz que passou voando, disse alto: “Não te-
mos vinho!”, e depois calou-se. Mas antes que os ecos da primeira
voz cessassem, uma outra, passou gritando: “Eu sou Orestes!”, e se
foi também.
— Oh, meu pai — perguntei — que avisos são estes?
Mas enquanto eu perguntava, uma terceira voz, suave, passou
dizendo: “Amai aquele de quem o mal recebestes”. E então falou o
meu bom mestre:
— Este círculo flagela o pecado da inveja. É por isso que o
chicote usado aqui é ornado com os acordes do amor. O freio, mais
Purgatório 41
Purgatório 42
adiante, deve ter o som oposto. Tu também terás a oportunidade de
ouvi-lo, acredito, antes que cheguemos ao posto do perdão. Mas
olha para a frente agora, e conseguirás perceber pessoas sentadas,
bem à nossa frente, encostadas nas paredes.
Eu olhei, forçando a vista, e vi que realmente havia um grupo
de espíritos, não muito distantes, enrolados em mantos da cor do
rochedo. À medida em que nos aproximávamos daquele grupo,
comecei a ouvir o coro: “Maria, ora por nós”, e ainda “Miguel e
Pedro e todos os santos”. Ao chegar mais perto para ver a natureza
de suas penas, meus olhos se inundaram com uma cena dolorosa.
Eles pareciam cobertos por túnicas ásperas. Escorados na parede
do precipício, cada um sofria no ombro do outro. Me faziam lem-
brar os mendigos nas portas das igrejas, implorando por um pedaço
de pão. E assim como o cego não pode ter a luz do Sol, também as
sombras de que falo, não podiam ver luz alguma, pois suas pálpe-
bras estavam costuradas e fechadas com fios de arame. Achei que
seria ultrajante falar com elas sem que elas pudessem me ver, então,
voltei-me ao meu guia, que já sabia o que eu iria perguntar:
— Fala — disse ele — mas sê breve e objetivo.
Virgílio andava pela beira do penhasco, de onde se pode cair, e
as almas estavam do outro lado, encostadas na parede, lacrimejando
pelas suas costuras terríveis. Voltei-me a elas e comecei:
— Ó gente segura de que um dia verão o céu, dizei-me se há
entre vós um espírito latino.
— Ó irmão, todos nós somos cidadãos de uma única cidade
verdadeira. Tu perguntas, então, se algum de nós um dia foi um pe-
regrino na Itália.
Purgatório 43
Foi o que eu ouvi alguém falar, bem à frente de onde eu esta-
va. Um dos cegos levantava o queixo como se quisesse me ver. Eu
me aproximei, então, e perguntei:
— Espírito! Se foste tu quem me falou, dize-me teu nome e de
onde vieste.
— Eu fui de Siena — respondeu ela — e aqui depuro, com lá-
grimas, minha vida impura. Sábia não fui, ainda que Sápia tenha
sido meu nome. Saber das desgraças dos outros me dava mais pra-
zer que o meu próprio sucesso. Eu só busquei a minha paz com
Deus no último momento, e mesmo então, minha dívida não teria
sido reduzida se não fosse por Pier Pettinaio, que se lembrou de
mim em todas as suas orações. Mas quem és tu que indagas sobre
nossa condição, com os olhos soltos, presumo, e respirando como
vivo?
— Meus olhos um dia serão costurados — respondi — quan-
do eu aqui voltar, mas não será por muito tempo, pois poucos
ofendi com olhos invejosos. Maior medo, que faz tremer a minha
alma, tenho do tormento dos outros na cornija abaixo. Eu já sinto o
peso daquela carga sobre mim.
— Então quem te trouxe aqui — perguntou ela — já que es-
peras retornar?
— Foi este homem que aqui está em silêncio — respondi —.
Eu estou vivo; e se quiseres, alma eleita, eu posso mover, lá na Ter-
ra, meus pés mortais por ti.
— Oh, que coisa rara de se ouvir! — disse ela — Que grande
sinal que Deus te ama. Lembra de mim, vez ou outra, nas tuas pre-
ces. Rogo-te mais pelo teu maior desejo que, se pisares nas terras da
Toscana, fala de mim à minha gente.
Purgatório 44
Canto XIV
— Quem é esse que está a percorrer nosso monte antes de ter sido
libertado pela morte, abrindo e fechando seus olhos ao bel prazer?
— Quem é eu não sei, mas sozinho ele não está. Para que ele
nos diga quem é, por que tu não perguntas já que estás mais perto?
Eram dois espíritos à minha direita que falavam de mim. Um
estava encostado no outro. O mais próximo, levantando o rosto, fa-
lou:
— Ó alma que presa ainda estás no teu corpo, caminhando
para o céu, dizei a nós, por favor, quem tu és e de onde vens.
— Pelo meio da Toscana — respondi — passa um rio que
nasce em Falterona e que se estende por mais de cem milhas. De
suas margens eu trago este corpo. Não adianta que eu vos diga o
meu nome, pois meu nome ainda não ganhou fama.
— Se eu entendi tua charada, o rio de que falas é o Arno —
respondeu a sombra.
— Mas por que ele ocultaria o nome do rio? — disse a outra
sombra ao que falara — Será que é tão terrível que não se pode
pronunciar?
— Não sei — respondeu o outro — mas para mim só queria
que o nome daquele rio estivesse morto. De sua fonte nos Apeni-
nos, até a sua foz, a virtude é rejeitada. Os homens fogem dela
como se fosse uma cobra. Os habitantes daquele vale miserável dei-
xaram que sua natureza fosse transformada, e hoje vivem como se
fossem porcos. O rio depois encontra, já no plano, cães que rosnam
Purgatório 45
mais que mordem, e segue, sempre descendo, até que os cães dão
lugar aos lobos, que vivem na orla dessa maldita fossa. No fim,
chega até a mais funda cova, onde o rio encontra raposas tão astu-
tas que não temem nem as mais engenhosas armadilhas. O teu neto,
eu vejo, caçando e aterrorizando esses lobos que vivem nas mar-
gens do rio. Ele vende sua carne ainda viva e depois os abate como
gado velho. Ele deixa a triste selva de tal forma, banhada por san-
gue, que nem em mil anos voltará ao seu estado primeiro.
Ao ouvir notícias tão terríveis, a outra alma que escutava reve-
lou sua tristeza, quando compreendeu o sentido das palavras. E pe-
las palavras de um e pelo aspecto do outro, fiquei curioso para sa-
ber quem eram esses dois. Então pedi, rogando, que me revelassem
seus nomes.
— E tu queres que eu faça por ti o que negasse fazer por
mim? — respondeu o espírito — Mas, como a graça de Deus reluz
em ti, eu não me esquivarei. Eu fui Guido del Duca. A inveja pulsa-
va em meu sangue. Eu não podia ver ninguém feliz da vida pois a
inveja logo me transformava. Ó raça humana! Por que só pondes
vossos corações onde a partilha é excluída? Este é Rinieri, a glória e
a honra dos Calboli, que não deixou nenhum herdeiro de valor. Do
Pó às montanhas, do Reno ao mar, a casa dos Rinieri não é a única
que perdeu tudo o que há de bom na vida, pois todas essas terras
estão tomadas por ervas daninhas que dificilmente serão arrancadas.
Onde está o bom Lizio e Arrigo Mainardi e todos os outros nobres
da Romanha? — e ele falou da desgraça de várias outras famílias.
No fim, concluiu — Mas agora vai, toscano, pois eu prefiro chorar
do que falar, pois este discurso oprimiu a minha mente.
Purgatório 46
E então partimos em silêncio. Quando já estávamos sozinhos
e adiantados, uma voz, que gritava, surgiu do nada como um raio:
“Eu serei morto por qualquer um que me encontrar” veio, e partiu
como trovão distante. Mal havíamos nos recuperado do estrondo
quando ouvimos o retumbar de uma outra voz, que gritou: “Eu sou
Aglauro, que me tornei pedra!”.
Com esse último trovão, eu, assustado, fui para mais perto do
mestre. O ar já estava calmo e silencioso quando ele explicou:
— Aquele foi o duro freio criado para manter o homem aten-
to à sua meta. Mas vós bicais a isca e o inimigo vos agarra com o
anzol, de nada servindo o freio ou o castigo. Todo o céu em torno
de ti gira, mostrando-vos sua beleza eterna, mas o vosso olhar só à
terra mira, onde ele, que tudo discerne, vos castiga.
Canto XV
altavam apenas três horas para o dia chegar ao fim. Os raios
do Sol já nos atingiam de frente na altura no nariz. Já haví-
amos dado um quarto de volta no monte e rumávamos
para o oeste, quando senti surgir na minha frente um clarão, bem
mais intenso que o primeiro. Levantei minhas duas mãos, com as
quais fiz uma viseira. Pouco adiantou, pois a luz se aproximava cada
vez mais. Virei meu rosto para os lados e perguntei ao mestre:
F — O que é isso, querido pai, que brilha tanto que de nada adi-
anta cobrir os olhos?
— Não te surpreendas se ainda te ofuscas com os membros
da família celeste — disse ele —. Ele veio convidar-nos a subir. Em
breve, tais visões não te serão desagradáveis mas muito prazerosas.
Quando chegamos diante do anjo ele disse amistosamente:
— Entrai aqui, para subirdes por uma escada bem menos ín-
greme que as outras.
Enquanto o deixávamos, ouvimos “Bem-aventurados são os
misericordiosos” e também “Alegra-te, vencedor!” Enquanto o
mestre e eu subíamos sozinhos, eu lhe perguntei:
— O que quis dizer aquele espírito da Romanha quando falou
da partilha ser excluída?
— Por já conhecer o dano causado pela sua culpa — respon-
deu — , ele naturalmente adverte para que os outros não lamentem.
Quando vosso desejo está em ter só para si, o bem comum diminui,
abrindo caminho para a inveja que é suspirar por ter aquilo que o
Purgatório 47
Purgatório 48
outro tem. Mas se o amor da esfera suprema elevasse o desejo de
vossos corações, não terias no peito tal temor, pois quanto mais
existissem pessoas que pudessem falar “nosso” ao invés de “meu”,
mais cada um iria possuir de bem.
— Eu agora estou com mais dúvidas ainda — disse eu — que
quando te fiz aquela pergunta. Como é que um bem, distribuído en-
tre vários donos, pode torná-los mais ricos que se esse bem fosse
possuído apenas por poucos?
— Por manteres tua mente presa às coisas mundanas — res-
pondeu — da verdadeira luz as trevas te afastam. Aquele imenso e
inefável bem que lá está, corre ao amor como os raios de luz cor-
rem das superfícies que os refletem. Quanto mais ardor encontra,
mais dá de si; quanto mais gente lá em cima se entende, mais há
para bem amar, e mais se ama, como espelhos que espelham um ao
outro. Se meu raciocínio não te convenceu, em breve encontrarás
Beatriz, que poderá te remover esta e outras dúvidas tuas.
Eu já ia dizer “eu estou satisfeito”, mas vendo que chegávamos
ao outro giro, meus olhos curiosos calaram minha língua. E de re-
pente fui dominado por uma visão que tomou o controle dos meus
sentidos. Eu me vi no meio de muita gente, dentro de um templo.
Uma mulher, na sua entrada, dizia, com um jeito doce e materno:
— Filho meu, por que te comportasse assim conosco? Eu e
teu pai, preocupados, estávamos à tua procura.
A voz foi cessando, e a imagem desvaneceu, mas depois surgiu
outra. Uma outra mulher, tomada pela ira, dizia ao seu marido:
— Se tu és senhor desta cidade onde a luz da ciência irradia,
cujo nome foi disputado pelos deuses, vinga-te ó Pisístrato, daque-
les braços ímpios que ousaram abraçar a tua filha!”
Purgatório 49
E depois vi o chefe, benigno e calmo, respondendo:
— Que faremos com aqueles que nos causam mal, se quem
nos ama é por nós condenado?
Depois tive a visão de uma multidão enfurecida, que com pe-
dras, linchava um jovem até a morte. — Mata! mata! — gritavam. E
eu o vi, na sua agonia, orando ao Senhor para que perdoasse aque-
les que o matavam.
Quando finalmente meus sentidos se deram conta da realida-
de, eu reconheci os meus erros verdadeiros. Meu guia, que me viu
naquele estado de quem tenta acordar de um sonho, perguntou:
— O que é que tu tens? Tu mal permaneces em pé como se
estivesse bêbado ou meio adormecido.
— Ó pai — falei —, se tu me escutares eu te direi todas as
coisas que me aconteceram enquanto eu mal conseguia andar.
— Não precisa — respondeu —. Se tu tivesses cem máscaras
sobre o rosto, nem assim conseguirias esconder teus pensamentos
de mim. O que tu viste foi mostrado para que teu coração seja
inundado pela paz que flui daquela eterna fonte. Eu só te perguntei
o que eu já sabia para te acordar e para dar forças às tuas pernas,
pois precisamos continuar.
Nós então continuamos a caminhar enquanto o dia chegava ao
fim, assistindo à beleza do por do Sol, olhando até onde a vista al-
cançava. E eis que, pouco a pouco, uma grande nuvem de fumaça
se formou sobre nós, escura como a noite, e ficamos sem a luz e
sem o ar puro.
Notas 51
Marco, o Lombardo, na cornija dos iracundos.
Ilustração de Gustave Doré (século XIX).
Canto XVI
em as trevas do Inferno, nem as noites mais escuras,
cobriram meu rosto com um véu tão grosso, escuro e
áspero, como aquela fumaça que ora nos envolvia. Não
era possível suportar aqueles gases de olhos abertos, por isso o
mestre veio em meu resgate oferecendo o seu ombro como guia. E
assim, como cego guiado, eu atravessei o ar sórdido e amargo, ou-
vindo o meu senhor que dizia:
N —Toma cuidado para não se perder de mim neste lugar!
Eu podia ouvir vozes que pareciam todas cantar ao cordeiro
de Deus que leva nossos pecados. Com o Agnus Dei começavam
todas as suas preces, a uma só voz, em uma atmosfera de perfeita
harmonia.
— Mestre — perguntei — são de espíritos essas vozes que eu
ouço?
— Tu deduziste bem — respondeu Virgílio —. Aqui eles sol-
tam os nós de sua ira.
— E quem és tu que fendes a nossa fumaça e falas como se o
vosso tempo ainda se medisse nos calendários? — ouvi alguém fa-
lar. O mestre então me disse:
— Responde e pergunta se é por este caminho que se chega às
escadas.
— Ó criatura — falei — que aguardas o dia em que voltarás
para quem te fez, se vieres comigo, ouvirás maravilhas e terás tuas
dúvidas esclarecidas.
Purgatório 50
Purgatório 51
— Irei até onde for permitido — respondeu o espírito — e
mesmo que tu não possas me ver e nem eu a ti, pelo menos pode-
mos ouvir nossas palavras.
— Eu ainda estou vivo — expliquei — e cheguei aqui depois
de passar pelos lamentos do Inferno, que deixei para trás. E se
Deus me acolheu na sua graça para que eu subisse à sua corte antes
do tempo, dize-me, por favor, quem fostes e dize-me também, se o
caminho que estamos seguindo é o que levará ao pé da escada.
— Eu fui lombardo e Marco era o meu nome — disse ele — .
O caminho em que estás é sim o caminho das escadas. Peço que
ores por mim quando chegares ao fim do teu trajeto.
— Por minha fé — respondi — vou me empenhar em fazer o
que me pedes. Mas tenho uma dúvida, que talvez possas tu me es-
clarecer. O mundo anda deserto de virtudes e infestado de malda-
des. Alguns dizem que tudo é vontade dos céus. Outros acham que
é culpa dos homens. Conheces a verdadeira causa de tudo e sua
origem? Dize-me, se souberes, para que eu possa revelar a verdade
aos outros.
— Irmão — começou, com um suspiro de pesar — o teu
mundo é cego. Vós que viveis atribuís tudo à influência dos astros,
como se tudo fosse movido por eles e só por eles. Se assim fosse,
não haveria livre arbítrio nem haveria sentido no júbilo ou no luto,
pois nada seria evitável. O céu inicia vossos movimentos, mas não
todos. Porém mesmo que assim fosse, ainda seríamos responsáveis,
pois nos é dada a luz para distinguir o bem do mal. Natureza me-
lhor e mais poderosa vos rege: a que é criada por vossas mentes, e
que o céu não controla. Logo, se o mundo hoje perdeu o rumo,
buscai a causa em vós e não nos astros, pois é em vós que ela está!
Purgatório 52
Agora te explicarei a causa de toda esta falta de rumo. A jovem
alma, surgida das mãos do criador, nasce pura e inocente, acredi-
tando em tudo e em todos. Convém que haja portanto leis a serem
seguidas e um rei capaz de pelo menos discernir as torres da cidade
verdadeira. As leis estão aí mas quem as rege? Ninguém! O pastor
encarregado de vos guiar corrompe a lei e vos arrasta para o abis-
mo. Roma tinha dois sóis. Um mostrava a estrada de Deus, o outro
mostrava a estrada do mundo. Mas um Sol apagou o outro e agora
a igreja se uniu à espada, e desde então, um não teme mais o outro.
Nas terras do Pó e do Adige se encontrava cortesia e virtude antes
dos tempos de Frederico. Só restaram três velhos justos: Conrado
da Palazzo, o bom Gherardo e Guido da Castel. A igreja de Roma
que fundiu os dois poderes, agora afunda na lama, levando junto
seus líderes e toda a sua carga.
— Ó Marco — disse eu — são bons teus argumentos. Agora
entendo porque os filhos de Levi foram também excluídos da he-
rança. Mas quem é esse tal de Gherardo do qual falaste agora há
pouco?
— Mas como? Não conheces o bom Gherardo? — perguntou
ele, surpreso — Eu não sei seu sobrenome, apenas que tem uma fi-
lha chamada Gaia. Que Deus esteja convosco, pois agora eu terei
que ir. Vê os raios de luz que clareiam a fumaça. É o anjo que se
aproxima e devo partir antes que ele me veja.
Ele se foi, e não quis mais me ouvir.
Notas 55
Os preguiçosos. Ilustração de Gustave Doré (século
XIX).
Canto XVII
ecorda, leitor, se alguma vez estiveste em meio a uma né-
voa densa na hora em que as brumas começam a se dis-
solver, como a esfera pálida do Sol, aos poucos, se torna
visível. Poderás assim formar a imagem exata do momento em que
voltei a encontrar o Sol, que naquela hora estava a se por.
RMas, quando deixamos aquela nuvem de fumaça, meus senti-
dos outra vez se perderam numa visão. A imagem mostrava Procne,
que fora transformada em andorinha, por causa de sua ira cruel.
Depois surgiu, na minha imaginação, um homem crucificado e fu-
rioso. Em sua volta estava o grande Assuero, sua esposa Ester e o
justo Mardocheo. Mas essa imagem também se esvaiu como uma
bolha estourada, e veio outra, onde uma jovem chorava, dizendo:
— Ó rainha, por que quisesse que a ira te reduzisse a nada?
Tiraste tua vida para não perder Lavínia mas agora me perdeste,
pois eu sou ela que choro pela tua ruína.
Pouco depois, eu fui acordado por uma luz brilhante. Olhando
em volta para saber de onde vinha, ouvi a voz:
— Aqui é a subida.
— Este é um divino espírito — disse-me Virgílio —, oculto
na própria luz. Ele veio mostrar-nos o caminho. Aquele que espera
que se peça quando vê que é preciso, mostra que não está mesmo
disposto. Vamos, então, obedecer à sua chamada e subir antes que
o dia acabe, pois se não o fizermos, só poderemos continuar quan-
do o Sol retornar.
Purgatório 53
Purgatório 54
Nós dois então começamos a subida das escadas. Quando eu
pus o pé no primeiro degrau, senti uma asa mover-se na minha
frente e dizer: “Bem-aventurados são os mansos, que não conhe-
cem a ira maligna.”
Sobre nós, estavam os últimos raios do Sol. A noite se apro-
ximava enquanto que as estrelas, aos poucos, iam surgindo.
— Ó forças minhas, por que razão te esvais? — dizia eu a
mim mesmo ao sentir que as forças fugiam das minhas pernas. Tí-
nhamos acabado de chegar ao último batente. Se houvesse mais ba-
tentes, não poderíamos subir nem um degrau, pois não tínhamos
mais forças. Eu esperei um pouco tentando ouvir algo neste novo
terraço, mas depois voltei-me ao mestre, e perguntei:
— Ó doce pai, dize-me, qual a ofensa que é purgada dos pe-
cadores desta cornija?
— O amor ao bem — respondeu — que eles tiveram sem a
força devida, aqui se restaura. É aqui que trabalha o preguiçoso.
Mas, para melhor entenderes, presta atenção ao que vou te explicar,
para que tires o melhor proveito deste nosso atraso.
Ele então começou seu discurso:
— Jamais existiram criador nem criaturas sem amor natural ou
sem o amor racional que o ânimo busca. O natural nunca erra. O
outro poderá errar, ao escolher mal o objeto de seu amor, por ex-
cesso, ou por falta de vigor. O amor que se fixa no bem supremo,
ou nos bens secundários com moderação, não pode ser causa de
mal. Mas quando pende ao mal ou busca o amor com mais ou me-
nos força do que se deve, emprega a sua criação contra o criador. E
assim, poderás entender como o amor é ao mesmo tempo a semen-
te de toda virtude e de todo ato que merece punição. Como o amor
Purgatório 55
nunca pode querer mal a si próprio, nem pode querer mal àquele
que o criou, o mal que se ama é o mal a seu próximo, e este se divi-
de em três modos: os primeiros só admitem a própria glória, mes-
mo que isto signifique a ruína do próximo (orgulhosos); depois há
os que preocupam-se com a possibilidade do outro crescer e acu-
mular mais fama e poder que eles (invejosos); finalmente, existem
aqueles que, por injúria sofrida, explodem em ira, e só pensam em
revidar o mal causado (iracundos). Esses três tipos de amor perver-
tido vistes sendo purgados lá embaixo. Agora, veremos os que bus-
cam o bem, mas de modo faltoso. Cada um imagina vagamente, al-
gum bem que deseja, e se deixa levar pelo desejo de encontrá-lo. Se
o amor que vos impele a essa meta é lento e preguiçoso, é nesta
cornija que vós o expiarás. Há outro bem que não traz felicidade,
pois não vem da boa essência que é fruto e raiz de todo o bem ver-
dadeiro. O amor que perde ao tender a esse bem em excesso é pur-
gado acima, nos próximos três terraços. Não falarei deles agora. Tu
os descobrirás quando lá chegarmos.
Canto XVIII
epois de terminar o seu discurso, o grande mestre ago-
ra me olhava, procurando saber se eu estava satisfeito
com a sua explicação. E eu já desejava fazer-lhes novas
perguntas, mas então pensei: “Será que essas minhas perguntas sem
fim o aborrecem?”. Não pude alimentar mais tal pensamento, pois
Virgílio logo percebeu como eu me sentia e me incentivou a falar.
Então eu perguntei:
D — Mestre a tua explicação me foi muito clara, mas te peço que
me definas o que é esse amor, que defendes como sendo a fonte de
todo o correto agir e o seu oposto.
— Então presta atenção — respondeu-me — e terás esclare-
cido o erro dos cegos que decidem ser guias. A alma, que é criada
com capacidade de amar, move-se para o que lhe dá prazer. Vossos
sentidos extraem do mundo real uma imagem que é exibida inter-
namente. É esta imagem que atrai a alma. E se ela é atraída, à ima-
gem então se inclina, e esta inclinação é o amor, que faz parte de
vossa natureza. E assim como o fogo se move para as alturas, bus-
cando a sua própria natureza, da mesma forma vossa alma busca a
coisa amada e não descansa até encontrá-la e dela usufruir. Podes
agora entender como estão enganados aqueles que acham que qual-
quer amor é, em si, coisa louvável. Talvez assim pensem por acha-
rem que sua essência é sempre boa, mas nem todo selo é bom, ain-
da que boa seja a sua cera.
Purgatório 56
Purgatório 57
— Teu discurso me esclareceu muitas dúvidas — respondi-lhe
— mas ao mesmo tempo acrescentou outras. Se o amor vem de
uma fonte externa, a alma não pode ter culpa em aceitá-lo e não
pode ser, por essa razão, julgada culpada em segui-lo.
— Eu só posso te explicar aquilo que minha razão puder com-
preender — respondeu Virgílio —. Além da razão, terás que buscar
o auxílio de Beatriz, pois se trata de obra da fé. Toda essência, esteja
ela ligada ou não à matéria, tem a sua própria virtude, que não é per-
cebida a não ser por seus efeitos, como o verde de uma planta revela-
nos a sua essência viva. Não é, portanto, possível saber a origem das
vossas inclinações ou do vosso instinto. Esses desejos inatos não são,
portanto, nem condenáveis nem louváveis. Mas, para manter vossos
instintos sob controle, tens uma virtude inata que, munida da razão,
vos aconselha. É neste princípio que repousa o vosso poder de jul-
gamento, que é capaz de rejeitar o mau amor e acolher o bom. Aque-
les que, através do raciocínio, investigaram este assunto profunda-
mente, perceberam essa liberdade inata e a partir dela, deixaram suas
doutrinas morais e éticas no mundo. Então, posto que por necessi-
dade surja em vós qualquer amor, em vós também está o poder de
dominá-lo. Essa é a nobre virtude que Beatriz entende por livre arbí-
trio. Lembra-te disto quando tu a encontrares.
Pela posição da Lua minguante, deduzi que já era quase meia-
noite. Eu, feliz por ter recebido respostas tão claras à minhas per-
guntas, deixei que meus pensamentos vagassem. Mas não durou
muito esse estado de sono, pois logo surgiu um grupo de almas cor-
rendo, lideradas por duas que gritavam:
— Maria correu apressada à montanha! — gritou a primeira
— César, para subjugar Ilerda, deixou Marselha e correu à Espanha
Purgatório 58
— gritou a segunda. E os demais, correndo atrás, gritavam em se-
guida: — Depressa, depressa, que não se perca tempo por pouco
amor!
— Ó gente que com agudo fervor agora compensais, talvez,
vossa antiga negligência e preguiça, mostrai-nos o caminho para que
este homem que vive possa subir quando o dia chegar.
Tais foram as palavras do meu guia. Respondeu-lhe um daque-
les espíritos:
— Segue atrás de nós e encontrarás o caminho. O nosso em-
penho em continuar nos impede que paremos, portanto, nos per-
doa se o nosso dever te parecer descortês. Eu fui abade de São Ze-
no em Verona, sob o império do bom Barbarossa, que Milão ainda
lamenta. Lá há um homem com um pé na cova, que em breve irá
lamentar o poder que teve sobre o mosteiro, pois seu filho, mal
nascido, mal da mente e do corpo, lá ocupará o lugar do pastor ver-
dadeiro.
Se ele falou mais eu não ouvi, nem teria ouvido pois a sua
pressa não permitiria. O grupo passou rapidamente. Virgílio depois
me chamou a atenção para os dois últimos que gritavam exemplos
de preguiça:
— Antes que o Jordão visse seus herdeiros, morta já estava a
gente a quem o mar se abriu. — gritou um. E o outro: — Aqueles
que não tiveram coragem de acompanhar o filho de Anquise, fica-
ram com uma vida sem glórias.
Quando as sombras se foram, vários pensamentos surgiram na
minha mente. Neles eu divaguei até que, quando meus olhos se fe-
charam, eles se transformaram em um sonho.
Notas 61
Os avarentos. Dante conversa com o papa Adriano
V. Ilustração de Gustave Doré (século XIX).
Canto XIX
altavam poucas horas para o amanhecer quando entrou no
meu sonho uma mulher de pele pálida e manchada, mãos
deformadas e pés tortos. Vesga, ela cambaleava e gagueja-
va. Eu a observava e, assim como o Sol conforta os membros frios
após uma longa noite, o meu olhar soltou-lhe a língua, endireitou-
lhe o corpo e corou o seu rosto. Logo que sua língua estava livre ela
começou a cantar, e o seu canto tomou conta de minha mente:
F — Eu sou — cantava —, eu sou a doce sereia que desvio os
marinheiros em alto mar, por lhes causar tanto prazer em me escu-
tar. Eu desviei Ulisses do seu caminho com o meu canto, ao qual
poucos são capazes de resistir.
Ela ainda não se calara quando apareceu uma dama santa do
meu lado, deixando a outra confusa.
— Ó Virgílio, Virgílio, quem é esta? — ela chamava, indigna-
da. Virgílio foi até a sereia, agarrou-lhe a roupa e a despiu, deixando
o ventre à mostra. Eu acordei com o mau cheiro que saía de lá.
— Te chamei três vezes — disse-me o mestre, quando abri os
olhos. — Ergue-te e vamos procurar a brecha pela qual poderemos
subir!
Então eu me levantei. O Sol já iluminava toda a cornija. Cami-
nhávamos com ele aquecendo nossas costas quando ouvi uma voz
suave que dizia:
— Vinde, que é aqui a subida.
Purgatório 59
Purgatório 60
Ele nos indicou o caminho e depois moveu suas asas sobre
nós dizendo “bem-aventurados são os que sofrem, pois eles terão
consolo.”
— O que é que tens que não paras de olhar para o chão? —
perguntou-me o guia, quando já estávamos afastados do anjo.
— Foi o sonho que eu tive — respondi —. Não consigo pen-
sar em outra coisa.
— Viste — disse ele — aquela bruxa antiga por quem as al-
mas acima choram. Viste, também, como o homem se desliga dela.
Que isto te baste como explicação. Andemos e agora olha para o
céu, pois já chegamos ao final da subida.
Quando saímos daquela fissura na pedra eu já estava no quin-
to círculo. Lá eu vi gente estendida de bruços, com o rosto coberto
de lágrimas e virado para o chão. “A minha alma está presa ao pó”,
oravam, soluçando.
— Ó eleitos de Deus — falou Virgílio —, cujos sofrimentos, a
justiça e esperança fazem menos duros, mostrai-nos o caminho
para os giros superiores.
— Sigais em frente, mantendo vosso lado direito para fora,
que vós encontrareis a subida. — respondeu alguém próximo a nós.
Com o consentimento do mestre, me aproximei daquela alma
que havia falado e perguntei:
— Espírito, se puderes interromper teu pranto por um instan-
te, dize quem és e por que jazes com o rosto ao chão, para que eu
possa, estando vivo, falar de ti ao mundo.
— Em breve saberás porque Deus nos colocou de costas para
o céu. Antes saiba que eu fui um dos sucessores de Pedro. Fui de
nobre família e me converti muito tarde. Foi somente quando me
Purgatório 61
tornei papa que percebi a minha vida falsa, e tive pouco mais de um
mês para sentir o peso do grande manto. Até então eu era uma alma
desgraçada, avara, desligada de Deus, e por isso eu sou punido aqui,
como podes ver. O efeito da avareza se declara nesta purgação.
Não há, no monte, punição mais dura que esta. Assim como nossos
olhos, presos aos bens terrenos, nunca olhavam para o alto, a justi-
ça daqui os mantém fixos ao chão, e nossas mãos e pés atados pelo
tempo que agrade ao justo senhor.
Eu estava de joelhos e iria começar a falar quando ele perce-
beu meu gesto reverente e perguntou:
— Por que estás abaixado?
— Por vossa dignidade minha consciência não permitiu que
eu ficasse de pé — respondi.
— Levanta-te, irmão! — ele respondeu — Não erres. Assim
como tu, eu sou servo de um só poder. Se entendeste o santo evan-
gélico quando ele disse “nem casam nem são dados em casamento”
tu entenderás como eu estou certo. Mas vai, não demores mais. Na
Terra eu tenho uma sobrinha: Alágia, uma pessoa boa, a não ser
que ela se perca nos maus modos de nossa família. Lá, no mundo,
ela é a única coisa que me resta.
Canto XX
ara satisfazê-lo, eu, insatisfeito, me levantei sem ter feito
as perguntas que queria e me retirei, como ele havia pedi-
do. Meu guia decidiu seguir o caminho junto à encosta,
por onde havia espaço, pois as lágrimas vertidas por aquela massa
inundavam todo o terraço até perto da beira.
P Maldita sejas tu, ó loba antiga, cujo apetite insaciável fez mais
vítimas que qualquer outra besta! Quando, ó céus, virá aquele que a
expulsará do mundo?
Nós andávamos em passos lentos e escassos e eu me mantinha
atento aos espíritos que continuavam a chorar, se lamentando. As-
sim, por acaso eu ouvi alguém chamar à nossa frente:
— Doce Maria! Foste tão pobre quanto pode-se ver pelo lugar
onde tivesse o teu filho — E depois: — Ó bom Fabrício, tu prefe-
riste a pobreza e virtude à riqueza e vício!
Essas palavras me foram tão agradáveis que eu me adiantei
para indagar a identidade do espírito que as havia pronunciado. Ele
continuava a falar agora do presente de Nicolau às três donzelas,
que assim puderam honrar sua juventude.
— Ó alma que falas de tanto bem — disse eu — dize-me
quem foste e por que somente tu revelas tais exemplos de louvor.
Tua resposta não ficará sem recompensa, se eu voltar ao mundo
para cumprir o curto caminho que me resta.
— Eu te direi — respondeu ele — mas não pelo conforto que
eu espere do mundo de lá, mas porque tanta graça em ti reluz antes
Purgatório 62
Purgatório 63
de morto. Eu fui raiz da maligna planta que escurece toda a terra
cristã, mas se Douai, Lille, Ghent e Bruges pudessem, a vingança
seria delas, e que seja, se Deus quiser. Na Terra eu me chamava
Hugo Capet. Sou o patriarca de todos os Felipes e Luíses que ulti-
mamente têm regido a França. Enquanto não haviam tomado o
reino provençal, não fizeram tanto mal, mas depois levaram Pon-
thieu, Normandia e Gasconha. Carlos veio à Itália, sacrificou Con-
radino e mandou Tomás para o céu. Eu vejo um tempo, num futu-
ro não muito distante, onde um outro Carlos virá da França, e o
mundo conhecerá melhor a ele e a sua laia. Ele virá sem armas mas
com a lança de Judas arrebentará a pança de Florença. O terceiro
Carlos, que uma vez foi preso em seu navio, vejo vender sua pró-
pria filha como fazem os corsários com suas escravas. Ó avareza,
que mais podes causar ao meu sangue após tê-lo levado à desprezar
até a própria carne? Vejo ainda, no futuro, a flor de lis entrar em
Alagna e aprisionar o vigário de Cristo; vejo-o entre ladrões receber
o vinagre e por fim ser morto. E esse novo Pilatos tão cruel, ainda
insatisfeito, perseguirá e destruirá também o Templo.
Terminada a profecia, ele respondeu à minha pergunta:
—As palavras que ouviste são as orações que aqui recitamos
durante o dia. Quando chega a noite, falamos de exemplos opostos.
Lembramos de Pigmalião, que se tornou traidor, ladrão e parricida
por causa de seu apetite incontrolável pelo ouro. Lembramos do
avarento Midas, da insensatez de Achan, de Safira, Heliodoro e Po-
linestro. Às vezes gritamos, às vezes falamos baixo. Eu não era o
único que falava. Foi por acaso que não ouviste mais a voz de ne-
nhuma outra alma.
Purgatório 64
Nós já havíamos partido de junto dele quando senti a monta-
nha tremer. E então, por todos os lados surgiu um grito, tão alto
que o mestre se aproximou e me disse:
— Não temas enquanto eu for teu guia.
— Glória a Deus nas alturas! — cantava o coro, enquanto a
montanha tremia.
Como os pastores que ouviram esse canto pela primeira vez,
ficamos imóveis até que o hino terminasse, quando também cessou
o tremor. Depois, continuamos pelo nosso caminho santo, olhando
as almas que jaziam no chão, de volta ao seu interminável pranto.
Nunca me deu tanta vontade de saber o que ocorrera quanto na-
quela ocasião. Eu continuei a caminhar, mas com a mente confusa e
pensativo.
Canto XXI
sede de conhecimento me atormentava. Aquela estrada
coberta de almas deitadas obstruía minha pressa, mas
isto não era suficiente para reduzir o meu passo. E eis
que de repente uma sombra nos surpreendeu. Ela veio de trás.
Como olhávamos para o chão, tomando cuidado para não pisar nas
almas penitentes, só percebemos sua presença quando ouvimos:
A— Irmãos, que a paz de Deus esteja convosco.
Quando ele falou, nós paramos e olhamos para trás. Virgílio
então respondeu às suas palavras, dizendo:
— Que a corte sagrada que me baniu ao eterno exílio te acolha
em paz no concílio divino.
— Como? — disse ele, nos seguindo —. Se vós sois gente que
Deus não recebe, quem vos guiou pelas escadas?
— Se observares — começou o mestre — as marcas que o
anjo marcou nele, verás que ele deve seguir para o reino dos bons.
Mas como ainda não chegou o seu dia, sua alma não poderia subir
sozinha, pois ela não vê o que nossos olhos vêem. Então eu fui tra-
zido do maior círculo do Inferno para guiá-lo até onde meus co-
nhecimentos permitirem. Mas dize-me, se souberes, por que o
monte tremeu agora há pouco; e qual o porquê daquele alegre cla-
mor que acompanhou o abalo?
A pergunta do mestre atingiu em cheio o cerne do meu desejo,
e só pelo anseio, minha sede já estava mais aliviada.
Purgatório 65
Purgatório 66
— As leis sagradas desta montanha — respondeu a sombra —
não permitem que nada ocorra, que esteja fora de sua regularidade.
Livre é este lugar de qualquer alteração a não ser que venha do céu.
Então não há chuva, granizo, neve ou orvalho acima dos três de-
graus da primeira escada. Podem ocorrer terremotos na Terra, mas
aqui eles nunca chegam. Aqui, a montanha só treme quando alguma
alma se sente pura o suficiente para começar a subir, e depois,
ouve-se aquele coro. A vontade de subir é a prova da pureza alcan-
çada. E eu, que por mais de quinhentos anos permaneci aqui deita-
do, agora tive vontade de me levantar. Foi por isso que sentistes o
tremor e ouvistes todos os habitantes do monte louvar a Deus.
Assim nos disse, e assim ele saciou a minha sede. Depois o sá-
bio mestre perguntou:
— Agora, se te agradar, gostaria de saber quem foste tu, e sa-
ber por tuas palavras, por que passaste tanto tempo aqui.
— Nos tempos do bom Tito que, ajudado pelo supremo Rei,
vingou o sangue por Judas vendido, eu já tinha o nome que ainda
persiste — disse a alma —. Fama eu tinha, mas ainda não tinha fé.
Meu nome é Estácio, e em Roma, assim ainda me chamam. Cantei
das glórias de Tebas e depois as do grande Aquiles, mas este último
não terminei. A faísca que acendeu o meu ardor poético veio da-
quela chama sagrada que já iluminou mais de mil poetas. É da Enei-
da que eu falo. Ela foi a mãe da minha poesia. Para ter tido a opor-
tunidade de viver em outro tempo, no tempo de Virgílio, eu aceita-
ria passar mais um ano de sofrimento neste monte.
Essas palavras fizeram com que Virgílio olhasse para mim
com um olhar que dizia “Cala!” Mas como nem tudo o que se quer
Purgatório 67
se pode, não pude conter um breve sorriso que não passou desper-
cebido. Estácio calou-se. Depois falou:
— Que teu esforço possa te levar ao céu, mas dize-me, por
que há pouco um lampejo de riso apareceu em tua face?
A pergunta me pegou desprevenido. Um me pede para não fa-
lar. O outro pede que eu fale. E agora? Suspirei, mas o mestre logo
veio em meu auxílio:
— Não tenhas medo — disse ele —. Dize a ele o que ele de-
seja saber.
— Se te espantasse com meu sorriso — comecei — vou agora
te dar motivo para espanto ainda maior. Este, que guia meu olhar
para o alto, é o poeta Virgílio de quem colheste o poder de cantar
as aventuras dos homens e dos deuses.
Antes que eu terminasse de falar, Estácio já se inclinava para
abraçar os pés do mestre quando este lhe disse:
— Irmão, não faças isto. Tu és sombra e eu sou sombra.
E ele, se erguendo, respondeu:
— Agora compreendes quanto amor eu tenho por ti, quando
eu me esqueço da nossa condição vazia tratando sombras como se
fossem coisas materiais.
Canto XXII
gora já havíamos deixado para trás o anjo que nos enca-
minhou ao sexto giro. Ele apagou mais uma marca do
meu rosto dizendo “Bem-aventurados são os que têm
sede de justiça”. Eu, bem mais leve, subi sem dificuldades atrás da-
queles espíritos velozes, quando Virgílio começou:
A— Amor, aceso pela virtude, sempre outro acende, enquanto a
chama do primeiro ainda é visível. Desde aquele dia em que Juvenal
se juntou à nós no Limbo do Inferno e me contou de tua afeição
por mim, meu bem-querer por ti foi o maior que já senti por uma
pessoa não vista. Mas dize-me, e como amigo me perdoa por per-
guntar-te, como encontraste em teu coração lugar para a avareza,
estando ele pleno de tanto saber por ti cultivado?
Com essas palavras, Estácio esboçou um leve sorriso e depois
respondeu:
— Tudo o que falaste revela teu amor por mim. As aparênci-
as, é verdade, podem dar lugar a suspeitas infundadas. Na tua per-
gunta tu crês que fui avaro na outra vida provavelmente por ter me
encontrado naquele círculo. Na verdade, eu estava bem longe da
avareza; longe demais até: fui um pródigo. Foi por esse excesso que
durante tantas luas fui punido. E se eu não tivesse corrigido o meu
rumo eu estaria agora rolando pesos eternamente naquela vil com-
petição infernal. Felizmente tive a oportunidade de meditar sobre
aquelas linhas que escreveste: “Até onde, ó sacra fome de ouro, re-
gerás o apetite dos mortais?” Foi então que eu entendi como as
Purgatório 68
Purgatório 69
mãos poderiam abrir demais as asas nos gastos, e desse erro me ar-
rependi, e de outros males também. Saibam, portanto, que os que
cometem pecados desejando através deles anular pecados contrá-
rios são sempre punidos no mesmo círculo desta montanha. Então,
se eu fui posto ao lado daquela gente que chora pela sua avareza, é
porque meu pecado foi o seu extremo oposto.
— Agora, quando cantasse as armas dos filhos de Jocasta — dis-
se o autor das Bucólicas —, que escrevestes sob a inspiração de Clio,
não me pareceu que abraçavas a fé cristã. Se isto é verdade, que luz
iluminou teu caminho para que tu encontrasse o portal de São Pedro?
— Foste tu, Virgílio — respondeu Estácio —. Foi a tua luz
que me mostrou o caminho de Deus. Tu foste o viandante solitário
que à noite, leva sua lanterna nas costas, que não serve a si, mas
àqueles que vêm atrás. Por ti fui poeta, e por ti também, cristão. Tu
disseste: “Nasce uma nova era, volta a justiça e os primeiros tempos
do homem, e uma nova progênie do céu descende.” Naquele tem-
po, já havia rumores da crença verdadeira semeada pelos apóstolos.
Tuas palavras, que há pouco citei, eram tão parecidas com aquelas
anunciadas pelos pregadores, que eu me tornei um visitante assíduo
de suas pregações. Tão santos me pareceram que, quando Domici-
ano os perseguiu, eu chorei, como eles choraram no seu sofrimen-
to. Enquanto vivi, eu os socorri, e os seus hábitos virtuosos me fi-
zeram desprestigiar todas as outras crenças. Antes de terminar o sé-
timo livro da Tebaide, fui batizado, mas por medo fui um cristão se-
creto, sempre dando exemplos de paganismo. Por causa disso,
permaneci ainda por quatro séculos na quarta cornija, purgando a
minha indiferença. Agora, eu gostaria de saber de ti, se souberes,
onde está o nosso Terêncio? E Plauto, Cecílio e Vário?
Purgatório 70
— Todos eles — respondeu o meu guia — estamos com
Homero, no primeiro círculo do cárcere cego. Lá, sempre discor-
remos sobre o monte, onde vivem nossas nove musas. Lá também
estão Eurípides e Antifonte, Simônide, Agatão e vários outros gre-
gos famosos, além de diversos personagens de tuas obras.
Já libertos das escadas e das paredes, os poetas se calaram e
agora dedicavam sua atenção às redondezas. Já estávamos na quinta
hora do dia quando o meu guia falou:
— Creio que devemos rodear o monte como temos feito até
agora, seguindo para a direita.
E assim, o hábito foi o nosso guia e prosseguimos sem hesitar,
com a concordância de Estácio. Os dois iam na frente e eu os seguia.
Eles continuaram a conversar e só pararam quando chegamos a uma
árvore repleta de frutos, cuja fragrância inundou o ar. Assim como o
pinheiro se afila para cima, esta árvore se afilava para baixo, para que
ninguém pudesse alcançá-la, imaginei. Do lado onde fica a parede da
montanha, uma água clara brotava das nascentes e banhava suas fo-
lhas mais altas.
Quando os dois poetas finalmente chegaram à arvore, dela
saiu uma voz, gritando:
— “Este alimento a vós será negado!” — e depois — “Mais pensava Maria em como fazer o casamento com plenitude, que em sua boca, que agora vos responde!” “As antigas romanas estavam contentes, mesmo quando, para beber, só havia água!” “Daniel desprezou a comida mas adquiriu saber!” “A primeira era do ho-mem foi bela como ouro: a fome tornou os frutos saborosos; a sede fez o néctar fluir em todos os riachos.” “Mel e gafanhotos foram os alimentos do Batista no deserto, e por isso ele é aquela figura glori-osa que no evangelho vos é revelado.”
Notas 73
Os gulosos. Dante conversa com o papa Adriano V.
Ilustração de Gustave Doré (século XIX).
Canto XXIII
nquanto eu olhava aquela folhagem verde, como quem
procura um passarinho, tentando ver o que se escondia
lá atrás, aquele que era mais que pai me chamou:
— Filho, vem logo. Temos pouco tempo e é importante que
façamos bom uso dele.
E Eu então me virei e continuei a acompanhar aqueles dois poe-
tas cuja conversa me fazia esquecer o esforço de caminhar. E eis
que ouvimos o canto lacrimoso Meus lábios Senhor, que misturava jú-
bilo e dor em cada palavra.
— Ó doce mestre, o que é isto que ouço? — eu perguntei, e
ele respondeu:
— São sombras, talvez, desfazendo o nó das suas dívidas.
E atrás de nós passou um bando de espíritos, silenciosos e de-
votos. A órbita dos seus olhos era escura e cava. Suas faces eram
pálidas e seus corpos tão descarnados que a pele se moldava nos
ossos. Nunca vi, nem entre os mais famintos, gente num estado tão
deplorável. Quem acreditaria que o odor de uma fruta ou de uma
fonte de água comandasse suas vontades a tal ponto? Ainda me
admirava seu estado faminto, pois ainda não sabia a razão de sua
magreza extrema, quando uma sombra me encarou e falou:
— Ah, que graça recaiu sobre mim!
Eu nunca seria capaz de reconhecê-lo pelo rosto pois estava
muito desfigurado. Foi uma faísca que clareou a minha mente e fez
com que eu reconhecesse o rosto de Forese.
Purgatório 71
Purgatório 72
— Não te afastes por causa do meu estado — disse ele —,
mas fala-me de ti e desses dois que te acompanham.
— Quando a morte tomou conta de tua face eu chorei — res-
pondi — e agora sinto pena tão grande ou maior, ao te ver tão des-
figurado. Dize, por Deus, o que te deixou nesse estado. Eu não
posso te responder agora.
— Do eterno conselho desce o poder, na água e na árvore que
há pouco viste. É ele que me emagrece. Toda esta gente que cho-
rando canta por ter cedido à gula sem limites, em fome e em sede
aqui se purifica. A fragrância do fruto e da água que agita as folhas
ao descer do penhasco torna mais intensa nossa vontade de beber e
de comer, e não somente uma vez. A cada volta nesta estrada, nossa
dor é renovada. Eu disse dor, mas na verdade deveria dizer consolo,
pois aquela mesma vontade que nos leva às plantas levou Cristo a
dizer “Eli”, quando nos libertou com o seu sangue.
— Forese — disse eu — desde aquele dia em que te mudaste
para a melhor vida, não se passaram sequer cinco anos! Se tu só te
arrependeste quando não era mais possível pecar, como é que tu já
chegaste aqui? Eu esperava te encontrar lá embaixo, onde o tempo
perdido se paga com tempo.
— Foi o pranto da minha Nella — respondeu — que nunca
parou de orar por mim. Foi isto que me levantou da encosta onde
se espera e ainda me libertou dos outros giros. Tão casta permanece
a minha viuvinha. Ah, que diferença das descaradas mulheres flo-
rentinas que só faltam andar com os peitos de fora. Se elas soubes-
sem o que as espera no céu, já estariam berrando de bocas abertas.
Mas agora é tua vez. Fala, meu irmão, sobre ti. Vê que não sou ape-
Purgatório 73
nas eu, mas toda essa gente que se admira de como consegues blo-
quear a luz do Sol.
— Daquela vida — comecei — eu fui trazido aqui por ele, que
aqui me guia. Isto foi há poucos dias, quando a Lua estava cheia.
Ainda vestindo esta carne, ele me conduziu pela noite profunda dos
verdadeiros mortos. De lá, tem me dado forças para subir esta
montanha. Ele me disse que eu terei sua companhia até o momento
em que eu encontrar Beatriz, mais adiante, quando então deverei
seguir sem ele. Foi Virgílio que me disse isto — e apontei para ele
— e este outro é aquela sombra antiga por quem vosso reino tre-
meu, agora há pouco, ao libertá-lo.
Canto XXIV
conversa não reduziu nosso passo, nem o passo diminu-
iu nossa conversa. Seguimos como naus quando encon-
tram um bom vento. E as sombras, que pareciam coisas
duas vezes mortas, me admiravam pelos olhos cavados, pois eu es-
tava vivo entre eles.
A— Se souberes — continuei — dize-me onde está Piccarda.
Me aponta também se há, entre essa gente que me observa, alguém
que talvez eu deva conhecer.
— A minha irmã já está no céu — respondeu —. Quanto a
estes espíritos, este aqui — mostrou com o dedo — é Bonagiunta,
Bonagiunta de Lucca, e aquela face atrás dele, mais enrugada que
todas as outras, teve em suas mãos a Santa Igreja. Ele era de Tours.
Purga aqui, através do jejum, as enguias de Bolsena e o vinho de
Vernaccia.
Muitos outros ele foi me mostrando um a um que pareciam
contentes ao serem nomeados. Nenhum pareceu ressentido. Vi o
festeiro Ubaldin da la Pila, Bonifácio e Marchese, que em Forlí be-
beu com bem menos sede que aqui, sem ter conseguido saciar-se
em vida. Quem mais se destacou na multidão foi o espírito de
Lucca, que me disse algo como “Gentucca.” Eu então lhe falei:
— Ó alma que tanto parece querer falar comigo. Fala para que
eu possa te ouvir!
— Uma mulher nasceu — disse ele — que ainda não usa ali-
ança. Ela te fará ter amor por minha cidade, mesmo que muitos a
Purgatório 74
Purgatório 75
repreendam. Lembra desta minha profecia e se duvidoso foi o meu
murmúrio, o futuro deixará as coisas mais claras. Mas dize-me se
quem eu vejo é o próprio autor daquele que nos trouxe as novas
rimas, que começam: Mulheres que haveis compreensão do amor.
— Sim, sou eu — retornei-lhe — Sou eu que quando Amor
me inspira, presto atenção, e da maneira que o escuto falar ao cora-
ção, passo à forma da poesia.
— Ó irmão — disse ele —, agora posso ver o nó que afastou
a mim, a Guittone e ao Notaro desse doce estilo novo que eu ouço!
Agora vejo claramente que vossas asas seguem fielmente o ditado
desse Amor, o que conosco não aconteceu. Quem procurar mais a
fundo não encontrará outra diferença entre um estilo e o outro.
Contente com o que falara, ele se calou. Pouco depois, os ou-
tros espíritos se organizaram em fila e começaram a ir embora. Fo-
rese, que ainda estava ao meu lado, perguntou:
— Quando voltarei a vê-lo?
— Não sei quanto tempo ainda viverei — respondi-lhe —
mas mesmo que eu volte logo, o meu coração já estará na margem
esperando, pois o lugar onde nasci para viver, dia após dia vai se
desfazendo de sua gente boa e parece disposto à triste ruína.
— Ora então vai — disse ele — pois já vejo aquele que tem a
maior culpa, preso à cauda de uma besta, sendo levado para o vale
onde não há perdão. A besta corre mais e mais até que ela solta o
corpo, que se desfaz violentamente. Aquelas esferas — disse,
olhando para o céu — não haverão de girar tantas vezes antes que
as coisas obscuras que agora te disse tenham se tornado claras.
Agora tenho que ir, pois o tempo aqui é caro e não posso te seguir.
Purgatório 76
Assim ele partiu, em passo acelerado, e eu fiquei na estrada
sozinho com os outros dois. Já estávamos agora diante de uma ou-
tra árvore que, de longe, parecia carregada de frutos. Debaixo da
árvore havia um grupo de almas que gritavam em vão para as fron-
des. Elas acabaram desistindo. Pouco depois, chegamos nós àquela
árvore de onde saiu uma voz gritando:
— Passai e não chegueis perto! Lá no alto está a planta que
deu seu fruto a Eva. Foi sua semente que deu origem a esta que vês.
Então passamos, eu Virgílio e Estácio, pela beirada da encosta.
A árvore continuou a falar:
— Lembrai-vos dos centauros que lutaram bêbados contra
Teseu, e dos Hebreus que bebiam avidamente na fonte, e que não
puderam acompanhar Gideão para Madiana.
Andando encostados a uma das beiras da estrada passamos,
escutando esses exemplos de gula até que fomos surpreendidos
com uma voz, que disse:
— Que estais pensando aí sozinhos, os três?
Virei a cabeça para tentar descobrir de onde vinha essa voz e
lá estava o brilho rubro e intenso do ser que ainda falou:
— Se desejais subir, deveis dobrar aqui, neste caminho.
Eu estava cego pelo seu brilho e fui logo para trás dos meus
guias, deixando que o meu ouvido mostrasse o caminho. Depois
senti uma brisa leve na minha fronte e tenho certeza que também
senti uma pena, que deixou um perfume de ambrosia. Depois ouvi:
— Bem-aventurados são os que brilham tanto na graça, que
não são presos pelo amor do apetite, mas satisfazem-se com a parte
que lhes é justa.
Canto XXV
ão podíamos demorar. Era preciso subir logo pois fal-
tavam menos de quatro horas para o anoitecer. A pas-
sagem era estreita e a subida tinha que ser feita em fila
única. Eu estava louco para poder falar e esclarecer uma dúvida que
me atormentava, mas nossa pressa me fazia desistir, até que o mes-
tre veio em meu auxílio.
N — Fala! Faz logo essa pergunta que tanto te atormenta! — in-
sistiu Virgílio. Eu então abri a boca para perguntar:
— Como é possível que os espíritos fiquem tão magros, se
não precisam de alimento?
— Se lembrares como Meleagro foi consumido durante a
queima de um tição, ou como a tua imagem no espelho responde
aos teus movimentos, não terás dificuldade de compreender. Mas,
para que possas ter todas as tuas dúvidas esclarecidas, passo a pala-
vra agora a Estácio.
— Se a ele revelo a eterna visão das coisas — dirigiu-se Está-
cio a Virgílio — é porque não nego qualquer pedido teu —. De-
pois, pediu minha atenção e começou:
— Se prestares bastante atenção nas minhas palavras, filho,
elas ajudarão a esclarecer essas tuas dúvidas, pois eu agora te expli-
carei o mistério do nascimento da alma. O coração do homem, que
faz o sangue que alimenta o corpo humano, também dá poderes ao
sangue perfeito para que ele possa dar origem à forma humana.
Depois de purificado novamente, o sangue perfeito desce ao mem-
Purgatório 77
Purgatório 78
bro reprodutor onde verte no útero de uma mulher e se mistura
com o sangue alheio. Lá, o sangue ativo do homem se une ao passi-
vo da mulher e gera a matéria viva, que já é como planta, mas ainda
está incompleta. Em pouco tempo o embrião atinge o estado ani-
mal, onde se mexe e sente, e cresce com a energia que vem do co-
ração da mãe. Mas, como de animal se passa a ser humano, ainda
não viste. Essa dúvida confundiu uma mente mais sábia que a tua,
pois, na sua doutrina, ele separou o intelecto da alma, por não ter
encontrado órgão que assumisse tal faculdade. Abre então teu peito
à verdade final e saibas que, quando o desenvolvimento do cérebro
do feto está completo, o Criador volta-se para ele, alegre ao poder
contemplar tal primor da natureza, e lhe sopra um novo espírito. O
espírito nasce com o poder para controlar a matéria viva que en-
contra e com ela se funde formando uma alma completa, que vive e
que sente, e que tem consciência de si. Agora, quando chega enfim
a hora da morte, a alma se liberta da carne, mas com ela permanece
ainda sua natureza humana e divina. Seus poderes materiais não
existem mais, porém a memória, inteligência e vontade estão mais
agudas do que nunca. É nessa hora que ela cai, espontaneamente,
nas margens do Tibre ou do Aqueronte, onde conhece finalmente
seu destino. E então, quando a alma está ali no espaço vazio, o ar se
molda em sua volta, dando-lhe a forma que tivera antes. Como a
chama que sempre acompanha o fogo, a forma vazia segue o espíri-
to para todo lugar, e por isto nós a chamamos de “sombra.” Do ar
a sombra forma órgãos para cada sentido, como o da vista. E assim
falamos, rimos, choramos e suspiramos como pudesses comprovar
neste monte. A sombra muda de forma de acordo com nossos de-
sejos e sentimentos. Isto explica a magreza das almas gulosas.
Purgatório 79
Chegávamos, agora, à última volta. Virando à direita, como de
costume, fomos surpreendidos por uma paisagem de chamas, que
vertiam da encosta interna. As chamas só eram desviadas pelo ven-
to que soprava de baixo e que deixava uma pequena beira, entre o
fogo e o precipício, por onde era possível caminhar. Nós então se-
guimos por esse caminho estreito de causar medo, pois de um lado
estava o fogo que queimava, e do outro o penhasco do qual eu po-
deria cair. Não fui só eu que percebi o risco:
— Neste lugar — observou Virgílio — é preciso ter cuidado,
pois por bem pouco, corre-se o risco de errar.
Deus de Suprema Clemência, ouvi vozes cantarem, do seio daque-
le grande ardor. Olhei com cuidado e vi que o som emanava de vá-
rios espíritos que caminhavam no fogo. Quando eles terminaram o
hino, gritaram: “Eu não conheço homem algum,” e depois, lenta-
mente, voltaram a repetir o hino. Quando terminaram pela segunda
vez, disseram “No bosque ficou Diana e de lá expulsou Helice, que
provara o veneno de Vênus!”. Repetiram o hino outra vez e depois
elogiaram os casais que haviam mantido a castidade do matrimônio.
Creio que essa repetição constante deve ser a penitência deles: a
cura pelas chamas e a dieta dos hinos, até que a última de suas cha-
gas seja sarada.
Canto XXVI
ontinuamos pela beira estreita, ainda em fila única. O
mestre, sempre atento, não parava de me lembrar para
tomar cuidado. Nessa hora o Sol, brilhando à minha di-
reita, projetava minha sombra sobre o fogo que tornava as chamas
mais escuras. O efeito logo chamou a atenção das almas, até que
uma delas comentou:
C — Olha só! Esse aí não parece ter um corpo como o nosso!
Vários outros espíritos depois se aproximaram, mas todos ti-
veram o cuidado de não sair do fogo. Um deles enfim falou:
— Ó tu que segues atrás desses outros dois, me responde! Di-
ze-me como é que é possível bloqueares o Sol como se fosses pare-
de, como se ainda não tivesses passado pela morte.
Eu estava prestes a responder, mas antes que eu pudesse falar,
um outro grupo de almas que surgia das chamas me desviou a aten-
ção. O grupo corria em sentido contrário. Quando os dois grupos
se encontraram, todos se abraçaram e se beijaram em confraterniza-
ção. Isto durou muito pouco pois logo já estavam se despedindo
com gritos. Os que chegavam gritaram “Sodoma e Gomorra!”, e os
outros “Na vaca entra Pasifae, para que o touro corra à sua luxú-
ria!” Depois da separação, cada grupo voltou a entoar seus hinos.
Voltaram às bordas do fogo aqueles que antes tinham me chamado,
e eu, que já sabia o que queriam, fui logo respondendo:
— Ó almas seguras de ter, algum dia, a paz eterna. Eu não
deixei o meu corpo lá na Terra. Estou aqui vivo, em carne e osso.
Purgatório 80
Purgatório 81
Mas dizei-me, para que eu possa registrar em meus escritos, quem
sóis vós e também, quem foram aqueles que há pouco passaram
por vós, em sentido contrário?
Estavam todos imóveis, como matutos espantados ao chegar
em uma cidade grande pela primeira vez. Quando finalmente se
recuperaram da surpresa, a mesma alma que antes me indagou
começou:
— Bem-aventurado és tu que, de nossas margens, pode ga-
nhar experiência para morrer melhor. Aquele grupo que veio ao
nosso encontro é culpado daquele mesmo pecado que o exército
triunfante de César sugeriu ter seduzido seu líder, ao chamá-lo de
“Rainha”. Por isso gritavam “Sodoma.” Eles usam sua vergonha
para aumentar as chamas. O nosso pecado foi heterossexual, porém
em desacordo com os costumes humanos, nos deixamos levar pelos
desejos animais. Então, quando passamos pelo outro grupo, lem-
bramos o nome vergonhoso daquela que se entregou ao touro, na
vaca de madeira. Eu não teria tempo nem conhecimento para dizer-
te o nome de todos nós que aqui estamos, mas posso apresentar-
me. Sou Guido Guinzelli. Estou aqui desde cedo, pois me arrependi
bem antes de morrer.
Grande foi minha felicidade ao saber estar diante daquele que
foi um pai para mim na poesia, e pai de todos os meus mestres que
escreveram rimas de amor usando graça e ternura. Eu fiquei a ob-
servá-lo, sem, no entanto, me aproximar demais do fogo. Depois
falei e expus o meu desejo de servi-lo no que ele desejasse.
— Não esquecerei as tuas palavras — disse ele — mas dize-
me por que tanto me admiras em tuas palavras e versos?
Purgatório 82
— Os teus belos versos— respondi —, enquanto durar este
novo estilo, tornarão preciosa até a tinta que usaste.
— Irmão — disse ele — posso mostrar-te um artesão de sua
língua pátria ainda melhor do que eu — e apontou para outro espí-
rito mais à frente —. Ele foi melhor que todos! Julgam o limusino
melhor por causa da fama, mas não pela verdade. Assim também
Guittone foi julgado no passado, injustamente. Agora voltando a ti,
que tens o privilégio de poder subir ao Céu, não esqueças de rezar
um padre-nosso por mim quando chegares lá.
Depois de falar ele sumiu dentro daquelas chamas e eu me
adiantei até a alma que ele havia me apontado antes. Eu o saudei e
ele respondeu, na sua língua pátria:
— Eu sou Arnaldo, aqui cantando pelas minhas lágrimas, la-
mentando minhas folias do passado e alegre pelos felizes dias que
me esperam. Eu vos peço, por aquele que vos guia ao cume desta
escada, que de tempos em tempos, recordai a minha dor.
E depois se escondeu naquele fogo que purifica.
Canto XXVII
dia já estava chegando ao fim quando o ledo anjo do
Senhor apareceu. Distante do fogo, ele se erguia à bei-
ra do precipício e cantava: “Bem-aventurados os puros
de coração” com uma voz de beleza viva. Depois ele falou:
O — Por aqui não se passa sem que sofra o calor do fogo. Entrai
agora e não sejais surdos ao que escutardes lá dentro.
Quando ouvi tais palavras, me senti como se estivesse para ser
enterrado vivo. Eu olhei para o fogo e lembrei-me da aparência de
corpos humanos quando são queimados ainda vivos. E então, am-
bos os meus guias voltaram-se para mim, e Virgílio me disse:
— Filho meu, isto aqui pode ser tormento, mas não morte.
Recorda, recorda! Se eu te protegi sobre as costas de Gerión, será
que eu faria menos por ti agora, tão perto de Deus? Se mil anos
demorasses neste fogo, nem um fio do teu cabelo seria queimado.
Se não acreditas em mim, vai até lá e julga se o que digo é verdade,
tocando o fogo com teu manto. Já é hora de te livrares desses teus
temores. Vem, vem, e entra seguro!
Mas eu permaneci lá onde estava, apesar de envergonhado.
Virgílio não desistiu. Ao me ver parado e imóvel, insistiu:
— Ora presta atenção, filho. É somente esta parede que te se-
para de Beatriz.
Ao ouvir aquele nome que nunca deixou a minha mente, mi-
nha teimosia amoleceu, e ele sorriu:
Purgatório 83
Purgatório 84
— Então vamos! — disse — O que é que estamos fazendo
parados deste lado?
Ele então entrou no fogo, e pedindo a Estácio para ficar atrás,
eu entrei cercado pelos dois.
Dentro do fogo, o calor era extremo, mas o mestre sempre es-
tava a me confortar.
— Eu acho que já posso ver os olhos dela! — dizia.
De algum lugar chegava uma voz que cantava além do fogo,
como se fosse para nos guiar. Saímos do fogo no ponto onde inici-
ava a escada. “Vinde vós abençoados por meu Pai,” ouvi soar de
uma luz tão forte que tive que desviar meu olhar. A voz falou:
— O Sol está se pondo agora. Não atraseis. Procurai subir
logo antes que a luz do poente chegue ao fim!
A subida cortava reto o rochedo, e os raios de Sol batiam nas
minhas costas, fazendo sombras nos degraus. Não havíamos subido
muitos quando a minha sombra desapareceu, e todos então soube-
mos que o Sol finalmente havia se posto. Cada um de nós escolheu
um degrau e nele fez seu leito. De lá pude contemplar as estrelas,
que apareciam mais brilhantes e maiores, e enquanto eu as observa-
va, meditando, veio o sono, e com ele um sonho. Foi logo que
Vênus lançou seus primeiros raios. Sonhei com uma bela e jovem
mulher que colhia flores no campo. Ela cantava e dizia:
— Eu sou Lia. O dia inteiro colho flores para fazer uma gri-
nalda, para me admirar diante do espelho. Minha irmã Raquel, sen-
ta-se diante do espelho o dia inteiro, onde fica a contemplar seus
belos olhos. A sua alegria está em refletir, a minha está em fazer.
Purgatório 85
O dia amanhecia espantando as trevas, que com elas levaram
embora o meu sono. Quando acordei, meus dois mestres já esta-
vam de pé.
— O doce fruto que os homens buscam incessantemente, tra-
rá hoje, paz à tua alma faminta.
Essas foram as palavras de Virgílio. A vontade de estar lá no
alto tomou conta de mim, e fez com que eu subisse as escadas tão
rapidamente como se tivesse asas. Quando chegamos ao último de-
grau, Virgílio me olhou nos olhos, e disse:
— Já viste, meu filho, o fogo eterno e o temporário, e chegas-
te agora ao lugar onde o meu discernimento alcança o seu fim. Eu
te trouxe aqui com engenho e arte. Daqui em diante, que teu desejo
seja agora o teu guia, pois as duras vias já ficaram para trás. Olha
para o Sol que reluz na tua fronte. Olha as ervas, as flores e os ar-
bustos, que aqui só esta terra produz. Até que venham aqueles
olhos belos que, em lágrimas me fizeram ir ao teu encontro, pode-
rás ficar aqui sentado, ou vagar por este jardim como bem quiseres.
Não esperes de mim mais palavras ou gestos. Agora estás livre para
agir conforme a tua vontade, e errado seria impedi-lo. Eu então te
passo a coroa e a mitra de ti mesmo.
Notas 88
O Paraíso Terrestre (Jardim do Éden). Ilustração de
Gustave Doré (século XIX).
Canto XXVIII
nsioso por explorar aquela divina floresta espessa e viva,
que atenuava o brilho intenso do novo dia, parti, sem
esperar, da beira do rochedo e caminhei lentamente pelo
campo cujo solo perfumava todo o ambiente. Ouvi as folhas balan-
çarem com a brisa, acompanhando o canto dos passarinhos, e não
percebi o quanto já tinha penetrado na floresta. Já não sabia mais
por onde eu tinha entrado.
AParei de caminhar quando encontrei um riacho, de águas tão
transparentes que as mais limpas águas da Terra pareceriam conter
alguma mistura turva diante delas. Essas águas claras nada escondi-
am, apesar do rio se mover escuro, sob a sombra das árvores que
não deixam passar sequer um raio de Sol ou de Lua. Eu parei e fitei
além do rio para admirar a paisagem, quando nessa paisagem apare-
ceu uma jovem solitária, do outro lado do rio, cantando e escolhen-
do flores que coloriam o seu caminho.
— Ó bela jovem, aquecida pelos raios do amor, queiras vir até
a beira do rio — disse-lhe eu — para que eu possa entender o signi-
ficado de teu canto.
Ela então se virou e veio caminhando entre as flores, atenden-
do ao meu pedido. Cantava, com os olhos abaixados, até chegar às
margens do riacho, quando levantou o rosto e seus olhos encontra-
ram os meus. Creio que nem os olhos de Vênus estavam tão ilumi-
nados no dia em que foi inocentemente perfurada pela flecha de
Cupido.
Purgatório 86
Purgatório 87
— Sois novatos nesta terra — disse ela — e talvez estejais
surpresos ao me ver sorrindo neste lugar que um dia foi o berço da
humanidade. Mas deixai que a luz do salmo Delectasti ilumine e afas-
te a névoa de vossas mentes. E tu que estás à frente e que me cha-
maste, se quiseres saber algo mais, pergunta, pois eu estou prepara-
da para responder qualquer dúvida que tiveres.
— As águas e os sons desta floresta — disse eu — não pare-
cem dar sentido à crença que antes eu tive sobre este lugar.
— Eu explicarei aquilo que te confunde — disse ela —. O su-
premo Bem fez o homem bom e voltado ao bem, e deu-lhe este lu-
gar como penhor de eterna paz. Por culpa do homem, pouco tem-
po pôde permanecer aqui. Por sua culpa, trocou sua alegria pela dor
e sua diversão pelo trabalho árduo. Para escapar das instabilidades
climáticas da Terra, este monte foi elevado para além do portão de
onde não passam tempestades nem terremotos. A brisa é causada
pelo movimento do primeiro céu, que balança as folhas das árvores,
e espalha suas sementes por toda a Terra. Saiba que esta terra santa
onde tu estás possui todas as sementes e contém frutos que nunca
antes encontraste na Terra. A água que vês não surge de nascente,
mas da graça de Deus, e ela flui para dois lados. As águas deste ria-
cho têm o poder de apagar toda a memória do pecado. As águas do
outro restabelece todas as lembranças das boas ações. Este é o Le-
tes e o que fica do outro lado chama-se Eunoé. Não existe sabor no
mundo que se iguale às águas desses dois riachos. Mas de nada adi-
anta beber as águas do Eunoé sem antes provar as águas do Letes.
Acredito que a tua sede já esteja saciada quanto ao que já conheces
deste lugar, mas te ofereço ainda mais um corolário, que não te dei-
xará menos contente se aprenderes mais do que eu te prometi.
Purgatório 88
Aqueles poetas antigos que cantavam sobre a idade do ouro e seu
estado eterno de felicidade, deveriam ter em mente, talvez, este
Parnaso, cuja lembrança retornava em seus sonhos. Aqui era ino-
cente a humana raiz. Aqui, na eterna primavera, está todo o fruto e
o néctar que alimenta sua inspiração.
Enquanto ela falava, eu rapidamente olhei para os meus dois
poetas e neles pude ver o sorriso provocado por aquelas palavras.
Depois, voltei a contemplar a bela dama da floresta.
Canto XXIX
omo uma mulher movida pelo amor, ela completou suas
revelações cantando “Bem-aventurados são aqueles cujos
pecados são remidos,” e depois foi lentamente subindo
pela margem do riacho. Eu a segui pela outra margem, com o ria-
cho à minha esquerda. Quando andamos uns cem passos, o rio fez
uma curva de forma que agora seguíamos para o leste. Depois de
mais uma curta caminhada, ela dirigiu-se a mim e disse:
C — Irmão meu, agora olha e escuta.
E de repente um brilho súbito invadiu toda a floresta. Eu ini-
cialmente pensei que fosse um raio, mas o brilho não se foi, e a luz
só aumentava mais e mais. “O que será isto?” pensei, e enquanto
pensava, uma doce melodia começou a fluir pelo ar iluminado.
Nessa hora lamentei a ousadia de Eva, cuja desobediência a Deus
nos fez perder esse paraíso.
Enquanto eu caminhava entre tantas primícias, pasmo e sem
palavras diante do eterno prazer, ainda esperançoso de maior ale-
gria, o ar sob a folhagem densa da floresta se acendeu e a doce me-
lodia se transformou em um canto.
(Ó sagradas virgens, me dai inspiração! Que eu possa beber
das fontes de Helicona! Possa o coro de Urânia me ajudar à traduzir
em palavras o que me é tão difícil descrever.)
Mais adiante, sete árvores de ouro pareciam mover-se no ar à
minha frente. Mas, quando estavam mais perto, vi que eram na ver-
dade sete candelabros, e nas vozes do canto pude discernir Hosana.
Purgatório 89
Purgatório 90
Acima dos candelabros flamejava uma luz mais clara que a Lua
cheia no sereno à meia-noite. Voltei meu olhar para Virgílio, mas vi
que ele estava tão pasmo quanto eu. Matelda então falou:
— Por que só admiras essas luzes vivas? Não tens interesse
em saber o que segue atrás delas?
Então olhei e vi que havia várias pessoas seguindo a luz. Elas
vestiam roupas de um branco nunca antes visto.
Eu parei diante do riacho e esperei aquela procissão, que se-
guia do outro lado. A luz que brilhava sobre o rio fazia com que a
água à minha esquerda refletisse minha imagem como num espelho.
Olhando para o alto, vi as sete listras de um arco-íris deixado pelas
chamas que seguiam adiante. As cores cobriam o céu e se estendiam
bem além de onde alcançava a visão. E abaixo desse céu magnífico,
chegaram vinte e quatro senhores, de dois em dois, cada um usando
uma coroa de flor-de-lis. E eles cantavam: Benditas sejas tu entre as fi-
lhas de Adão, e abençoada seja tua beleza por toda a eternidade!
Assim que passaram os anciãos, surgiram atrás deles quatro
animais, coroados com louros verdes. Cada um tinha seis asas com
penas cobertas de olhos, como as penas de um pavão.
Leitor, eu não posso descrever aqui todos os detalhes que eu
vi, pois tenho que falar ainda de outras coisas, e por isso preciso
poupar as palavras. Mas leias Ezequiel, que os viu surgir do norte.
Eles são como ele descreveu, exceto pelo número de asas, que está
de acordo com o relato de João. Os animais formavam os quatro
cantos de um espaço em cujo centro estava uma carruagem triunfal
de duas rodas. Ela era puxada por um Grifo que estendia para o
alto suas asas de plumas douradas. O resto do seu corpo era bran-
co, com marcas vermelhas. Nem Augusto, nem mesmo o Sol, teve
Purgatório 91
uma carruagem tão esplêndida. Do seu lado direito dançavam três
damas em círculo. Uma de vermelho, outra da cor das esmeraldas e
uma branca como neve. A melodia cantada pela dama de vermelho
ditava o ritmo da dança. Do lado esquerdo, havia outras quatro
moças fazendo festa, vestidas em púrpura e seguindo o gesto de
uma das quatro, que tinha três olhos na testa.
Depois desse grupo estavam dois velhos trajando roupas dis-
tintas, mas semelhantes em brilho e respeito. Um deles usava o traje
dos seguidores de Hipócrates, que a natureza criou para curar os
animais que para ela eram os mais caros. O outro mostrava a oposta
cura. Com uma espada lúcida e aguda ele impunha medo até a mim
que estava na outra margem. Depois deles seguiram quatro velhos,
em trajes humildes, e por último, um ancião solitário, andando
como em sonho com sua face inspirada.
E esses sete últimos usavam vestes brancas como os primei-
ros, mas as coroas em suas cabeças não tinham lírios. Eram ador-
nadas com rosas vermelhas que, ao longe, pareciam mais com cha-
mas de um fogo aceso.
Quando o carro finalmente chegou à minha frente, ouviu-se
um forte trovão. Imediatamente toda a procissão parou: as pessoas,
os animais e as sete insígnias flamejantes.
Notas 94
A procissão triunfal mostrando os 24 anciãos que
representam o Velho Testamento, abrindo caminho
para a passagem da carruagem puxada pelo Grifo
(monstro mitológico com cabeça de águia e corpo de
leão). A carruagem é escoltada por quatro monstros
apocalípticos (mostrados na figura).. Ilustração de
Gustave Doré (século XIX).
Canto XXX
uando os sete candelabros que guiavam a procissão para-
ram, todos os que estavam entre eles e o Grifo ficaram de
frente para o carro. Depois, um dos anciãos, como men-
sageiro do Céu, cantou três vezes Vem, noiva, do Líbano e todos os
outros o acompanharam.
Q Atraídos pela voz de tão venerado ancião, surgiram no céu so-
bre o carro, cem ministros e mensageiros da vida eterna. Todos eles
cantavam Bendito que vens, e, lançando uma chuva de flores que caí-
ram do céu, Ó, dai-nos lírios com as mãos cheias!
Antes do nascer do Sol, eu já vi o leste todo rosado, enquanto
o restante do céu se mostrava claro e sereno. O Sol, nascendo sob
um véu nebuloso, permitia que se olhasse para ele por um tempo
mais longo que o normal. Foi assim, semelhante ao amanhecer que,
em meio a uma nuvem de flores que desciam das mãos angelicais,
sob um véu claro cingido de oliva, surgiu uma radiante dama num
vestido da cor de chama viva, coberto por um verde manto.
E o meu espírito, apesar dos muitos anos que se passaram
desde a última vez que estive em sua presença, mesmo sem poder
vê-la já sentia o poder de seu amor eterno. Logo que ela se fez visí-
vel também aos olhos, todo o meu sangue já tremia, e então procu-
rei Virgílio em busca de segurança. Mas Virgílio não estava mais lá.
Eu estava só, sem Virgílio, o doce pai, Virgílio a quem, por minha
salvação, eu me entreguei. Todas as maravilhas do paraíso em volta
não puderam impedir que meu rosto se cobrisse de lágrimas.
Purgatório 92
Purgatório 93
— Dante, embora Virgílio tenha te deixado, não chores. Não
chores ainda, pois ainda terás que chorar muito pelas feridas de
uma outra espada.
Ao ouvir meu próprio nome ser chamado eu imediatamente
olhei para frente, e vi a dama que havia surgido entre as flores me
encarando do outro lado do rio. Embora o véu que descia sobre seu
rosto, preso por uma coroa de louros, ainda impedisse uma visão
perfeita de sua face, pude perceber o seu aspecto severo, enquanto
ela continuava a falar no tom de alguém que guarda as palavras mais
cortantes para o final.
— Sim, olha-me bem! Sou eu! Eu sou Beatriz! Como preten-
dias chegar a este monte? Não sabias tu que é só aqui que o homem
é realmente feliz?
Eu baixei o olhar para o claro riacho, mas logo o desviei e mi-
rei a grama, envergonhado em ver meu rosto refletido. Eu era o
menino travesso diante de sua mãe severa, assim ela me pareceu,
quando provei do gosto amargo de sua piedade austera.
Quando ela se calou, todos os anjos começaram a cantar, ime-
diatamente o salmo Em ti, Senhor, me refugio mas não passaram do
ponto onde se diz “meus pés.”
As lágrimas e os suspiros estavam em mim congelados antes
de ouvir o canto dos anjos. Mas, ao sentir a compaixão que de-
monstravam por mim, como se dissessem naquelas harmonias de-
votas “Dona, por que o envergonhas tanto?” o gelo em volta do
meu coração derreteu, e a angústia se transformou em lágrimas que
fluíram pelos meus olhos, e choro que escapou pela minha boca.
Em pé, ainda do mesmo lado da carruagem, ela permanecia
imóvel. Depois dirigiu-se àquelas criaturas piedosas:
Purgatório 94
— Falo a vós que, incansáveis, vigiais os dias e noites, obser-
vando tudo o que se passa no mundo. Minha resposta tem por fina-
lidade fazer com que aquele que chora admita sua culpa e sofra na
mesma medida. Este homem, em sua primeira vida, teve, pela graça
de Deus dons tais que, tivesse ele os cultivado, grande colheita teria
resultado. Mas, no melhor solo também florescem as ervas dani-
nhas, se deixado sem cuidados. Por algum tempo o sustive com
meu rosto, quando ao deixá-lo olhar nos meus olhos jovens, o man-
tinha no rumo certo. Mas, quando passei à segunda idade e mudei
para outra vida, ele me deixou e foi procurar outras. Quando passei
da carne ao espírito para me tornar mais bela e virtuosa, menos ain-
da ele me amou. Para ele me tornei menos cara, e ele então preferiu
seguir por outro caminho, seguindo falsas imagens do bem que
nunca cumprem o que prometem. Nem a inspiração que eu fiz apa-
recer em seus sonhos adiantou para trazê-lo de volta. Foi tudo em
vão, pois ele pouco se importou. Tanto ele afundou, que todas as
alternativas para a sua salvação seriam vãs, só restando o exemplo
dos condenados no Inferno. Para isto, desci ao reino dos mortos
para pedir ajuda com minhas lágrimas, àquele que até agora tem
sido o seu guia. As leis divinas seriam nulas se ele cruzasse o Letes e
saboreasse suas doces águas, sem que pelo menos uma cota de pe-
nitência pagasse com suas lágrimas culposas.
Notas 96
A prostituta e o gigante sentados sobre o monstro de
dez chifres e sete cabeças (que antes era o carro), que
representa a Igreja... Ilustração de Gustave Doré
(século XIX).
Purgatório 95
Canto XXXI
— Ó tu que estás aí, do outro lado do rio sagrado — gritou ela, diri-
gindo agora a ponta afiada de suas palavras para mim — Dize se é
verdade! É preciso que respondas a esta acusação com tua confissão!
Eu estava tão confuso que as palavras que se formaram em
minha mente se apagaram antes que pudessem chegar aos lábios.
— O que estás pensando? — retrucou ela, sem esperar —
Responde agora! Eu sei que nenhuma das tuas memórias amargas
foi ainda apagada neste riacho.
A confusão e o medo misturados fizeram sair da minha boca
um mísero “sim”, tão fraco que só poderia ser ouvido com ouvidos
que tivessem olhos. Eu estava tão arrasado pela pressão, que não
suportei a carga e explodi em lágrimas e pranto. E ela:
— Na tua jornada de desejo por mim, que te levava na direção
do bem supremo, que fossos atravessaste, que correntes encontras-
te, o que fez com que abandonaste todas as esperanças? E que satis-
fações ou vantagens viste nessas outras coisas que te fizeram querê-
las com tanto empenho?
Depois de exalar um suspiro amargo, mal sobrou voz para
respondê-la. Meus lábios, com esforço, formaram as palavras:
— As coisas presentes com seus falsos prazeres — respondi
chorando — me induziram a seguir outros caminhos, quando eu
não mais pude olhar para teu rosto.
— Se tivesses silenciado ou negado o que acabas de confessar
tua culpa ainda seria vista por aquele Juiz que tudo sabe. Mas quan-
Purgatório 96
do os próprios lábios do pecador assumem a culpa, em nossa corte,
o moinho volta-se contra a lâmina. Todavia, para que sintas de fato
vergonha pelos teus erros, para que noutra ocasião possas ser mais
forte diante do canto das sereias, controla o teu pranto e escuta as
minhas palavras. Nunca viste, na arte ou na natureza, beleza como
minha forma humana, que hoje está reduzida a pó. E se aquela be-
leza suprema deixou de existir após minha morte, como poderia ou-
tra coisa mortal seduzir o teu desejo? Bem deverias, ao primeiro si-
nal dessas ilusões, ter te elevado atrás de mim, que não era mais tal.
Não deverias ter baixado as asas para ficar esperando pela próxima
paixão, alguma mocinha, ou outra novidade passageira.
Como criança depois de uma repreensão, calada e fitando o
chão com vergonha, assim estava eu, quando ela disse:
— Quando o que ouviste te causar sofrimento, levanta a barba
para que possas sentir maior dor olhando.
Imensa resistência impõe o carvalho ao vento das tempestades
que tentam arrancá-lo do chão. Maior resistência foi a minha ao relu-
tar em atender àquela ordem, principalmente porque ela chamou
meu rosto de “barba”, revelando o veneno que temperava suas pala-
vras. Quando eu levantei meu rosto, primeiro olhei para os anjos que
já haviam parado de lançar flores e flutuavam imóveis. Depois vi Be-
atriz, que agora estava de frente para aquela fera meio águia e meio
leão. Embora sob o véu e na outra margem, ela me pareceu mais bela
ainda que quando vivia na Terra, onde era a mais bela de todas. O ar-
rependimento por ter amado todas as coisas que não eram ela doeu
no meu coração, e a dor me fez desmaiar. O que aconteceu depois
eu não sei, mas, quando acordei, me vi imerso no riacho ao lado da-
quela jovem que nos havia recepcionado no jardim.
Purgatório 97
— Segura firme — disse ela, ao me mergulhar no rio. Eu ouvi
quando cantaram Asperge-me e depois ela mergulhou minha cabeça
no rio para que eu bebesse da água.
Saindo do rio, na outra margem, ela me levou à dança das qua-
tro ninfas que me cobriram com seus braços.
— Nós aqui somos ninfas e no céu somos estrelas — canta-
vam — Antes que Beatriz descesse ao mundo, nós fomos ordena-
das suas criadas. Nós te levaremos aos olhos dela, mas as outras
três guiarão teu olhar. — Fui então levado até o peito do Grifo, que
estava parado diante de Beatriz.
— Não poupes teu olhar — disseram — pois estás diante da-
quelas esmeraldas de onde Amor tirou as flechas que te feriram.
Mil chamas ardentes do desejo mantiveram meus olhos fixos
àqueles olhos reluzentes, que não largavam o Grifo. Como o Sol re-
fletido num espelho, eu vi a dupla fera refletida em seus olhos,
mostrando ora o leão, ora a águia, separadamente. Imagine, leitor, o
meu espanto, ao ver a imagem daquela criatura mudar de forma a
todo instante. Enquanto minha alma permanecia hipnotizada, as
outras três chegaram, cantando:
— Volve Beatriz, volve teus olhos santos — cantavam — ao
teu fiel, que veio de tão longe para te ver! Revela a ele tua segunda
beleza que até agora ocultasse.
Ó esplendor da viva luz eterna, quem poderia, bebendo ape-
nas da fonte da poesia, descrever a tua visão quando enfim desatas-
te o véu do teu rosto?
Canto XXXII
eus olhos estavam fixos nela. Tão ávidos em saciar
aquela sede de dez anos, esqueceram todos os outros
sentidos, hipnotizados pelo seu sagrado sorriso. Mas
de repente, meu olhar se desviou, quando ouvi:
M — É demais! Ele está olhando demais! — gritaram as ninfas à
minha esquerda.
Eu estava cego, como aquele que passa tempo excessivo
olhando para o Sol. Demorei, mas aos poucos fui me acostumando
com a luz fraca da floresta. À direita estavam os candelabros, já re-
tornando. Quando a carruagem puxada pelo Grifo deu meia volta
para seguir o cortejo, eu Estácio e Matelda a seguimos ao lado de
sua roda direita. A procissão percorreu a distância de uns três vôos
de flecha antes de parar mais uma vez. Beatriz desceu do carro e eu
ouvi todos murmurarem “Adão” enquanto contornavam uma árvo-
re imensa. Sua copa alargava-se com a altura, mas seus galhos esta-
vam nus, sem folhas, flores ou frutos.
— Beato és tu, Grifo, pois teu bico nada prova deste tronco
que é doce aos lábios, mas que amarga no estômago — gritavam
todos, em volta daquela árvore.
— Assim se conserva a semente de tudo o que é justo — res-
pondeu o Grifo. Depois, agarrando-se ao timão da carruagem que
havia puxado, levou-o ao pé da árvore despida, devolvendo a ela o
que era dela. E então, toda a árvore floresceu, com folhas, frutos e
flores de cor violeta.
Purgatório 98
Purgatório 99
Eu não reconheci o hino que aquela gente começou a cantar,
nem consegui ouvi-lo até o fim, pois peguei no sono. Acordei com
uma voz me chamando:
— Acorda! Que estás fazendo?
Era Matelda. Ela estava em pé diante de mim.
— Onde está Beatriz? — perguntei, inquieto.
— Está ali — respondeu —, sentada na sombra da árvore, so-
bre suas raízes. Olha a companhia em volta dela. Os outros foram
para o Céu junto com o Grifo.
Não sei se ela falou mais que isso, pois meus olhos já estavam
diante de Beatriz. Ela estava sentada sozinha, sobre a terra, toman-
do conta da carruagem que o Grifo havia deixado. Em sua volta es-
tavam as sete ninfas.
— Por pouco tempo permanecerás aqui — disse ela —. De-
pois, viverás para sempre comigo como cidadão daquela Roma
onde Cristo é romano. Então, em benefício do mundo que vive
perdido, presta bem atenção na carruagem e não deixes de escrever
tudo o que vires aqui, quando estiveres de volta.
Em obediência a Beatriz, parei e observei a carruagem como
ela havia me pedido. E então, como um raio, desceu dos céus uma
águia, rasgando os galhos e as folhas recém nascidas daquela árvore,
arrancando todas as suas flores. Com toda sua força, ela atingiu a
carruagem, que estremeceu como navio em tempestade.
Depois entrou uma raposa no banco do triunfal veículo. Tão
magra estava que parecia faminta. Mas Beatriz pôs aquela massa de
pele e ossos para correr, repreendendo-a por todo o mal que havia
causado.
Purgatório 100
Mais uma vez desceu a águia através da árvore. Desta vez acer-
tou em cheio a estrutura do carro, e lá deixou algumas de suas pe-
nas douradas. Como a dor que jorra de um coração amargurado,
desceu uma voz do Céu, que disse:
— Ó meu barquinho, como estás mal carregado!
Então pareceu-me que a terra se abria entre as duas rodas, e de
lá saiu um dragão que atirou sua cauda contra o carro, arrancando-
lhe o piso.
O que sobrou do carro começou a se transformar. Como er-
vas que nascem sobre um solo fértil, nasceu sobre ele uma cobertu-
ra de plumas (talvez, com a mais pura das intenções). Em pouco
tempo, toda a carruagem, inclusive suas duas rodas e timão, ficou
totalmente encoberta pelas plumas. E começaram a brotar cabeças
por toda parte. Três nasceram no timão e uma pipocou em cada um
dos quatro cantos do carro. As primeiras tinham chifres como os de
boi e as outras quatro, tinham um só, na testa. Jamais alguém vira
monstros iguais.
Apareceu depois, sentada sobre o carro, uma prostituta, e do
seu lado, um gigante ciumento. Vez ou outra, os dois se beijavam.
Mas, quando ela lançou seu olhar lascivo sobre mim, seu amante a
espancou com brutalidade da cabeça aos pés. Depois, louco de ci-
úmes, o gigante arrancou o monstro que estava preso na árvore e o
arrastou para a floresta, levando o carro para tão longe que eu os
perdi de vista.
Canto XXXIII
Deus, vieram nações, cantavam as ninfas em lágrimas, al-
ternando as três, depois as outras quatro. E Beatriz as
escutava, triste e piedosa. Mas quando as virgens cala-
ram-se, ela se levantou e, luzindo como fogo, anunciou:
Ó — Um pouco, e não me vereis mais, irmãs tão caras, e mais um pouco
e me vereis.
Depois, tendo pondo as sete diante dela e acenando para que
eu, a moça e o poeta ficássemos atrás, ela deu uns dez passos para
frente e depois virou-se, fixando seus olhos nos meus. Serenamen-
te, falou:
— Vem para mais perto — disse — para que possas escutar
melhor as minhas palavras.
Fiz como ela pediu. Quando eu estava próximo, ela falou:
— Por que, irmão, hesitas em me perguntar sobre as imagens
que há pouco viste, agora que estás comigo?
Como quem fica paralisado diante de um superior e não en-
contra palavras para se expressar, assim me aconteceu, mas devagar
comecei:
— Minha senhora, vós sabeis de todas as minhas necessida-
des, e conheceis como satisfazê-las.
— Do medo e da vergonha — respondeu — eu desejo que li-
bertes o teu pensamento, para que não fales mais como se estives-
ses sonhando. Saibas que o vaso que a serpente rompeu foi, e não
é, mas que a justiça de Deus não poderá ser anulada. A águia que
Purgatório 101
Purgatório 102
deixou suas penas sobre o carro, transformando-o em monstro e
depois em presa, não continuará sem herdeiros por muito tempo.
Eu já vejo que aquelas estrelas estão próximas, e te digo que a hora
que ninguém pode impedir logo virá. Quinhentos, dez e cinco será
o emissário de Deus que nascerá para matar o gigante e a prostituta
com a qual ele peca. Talvez minha profecia com suas palavras obs-
curas, como aquelas de Têmis ou do enigma da Esfinge, não tenha
te convencido. Talvez tudo só tenha deixado tua mente mais confu-
sa, porém, em breve serão vistos sinais que confirmarão minhas pa-
lavras. Tome nota do que eu te digo e leva essas palavras para todo
vivente cuja vida nada mais é que uma corrida para a morte. Ao es-
crever, tenhas o cuidado de não omitir o estado da árvore que viste,
neste lugar, duas vezes assaltada. Todo aquele que rouba desta ár-
vore ou quebra seus galhos ofende a Deus com blasfêmias, pois ele
a criou santa para seu próprio uso. Por morder o fruto desta árvore,
cinco mil anos teve que esperar a primeira alma para que Ele pagas-
se por seu pecado. Tua alma dorme se não percebes o porquê da
sua altura extrema, nem por que seus galhos crescem invertidos
para cima. Se pensamentos fúteis não tivessem escurecido tua men-
te e pudesses ver além do aspecto externo, terias reconhecido, por
aquelas imagens apenas, o sentido moral da razão divina. Mas vejo
teu intelecto petrificado, e como pedra escura não deixa passar a
clara luz das minhas palavras, desejo que leves contigo, se não por
escrito, já que não as compreendes, pelo menos as imagens da ver-
dade que te mostrei.
— As imagens estão impressas na minha mente — respondi —
mas as suas palavras, por que elas voam tão alto sobre minha mente,
que quanto mais tento compreendê-las, mais obscuras ficam?
Purgatório 103
— Para que possas conhecer melhor aquela escola cujas dou-
trinas tens seguido até hoje — respondeu — e entender até onde
ela é capaz de acompanhar minha palavra. E para ver que a vossa
via está tão distante dos caminhos divinos, quanto a Terra da esfera
mais alta do Céu.
— Não me lembro — protestei — de ter exposto qualquer
opinião contrária a vós, ou feito qualquer coisa que me pese na
consciência.
— Se não és capaz de recordar — respondeu-me sorrindo —
tenta lembrar que hoje mesmo bebeste das águas do Letes. Assim
como a presença de fogo pode ser deduzida pela fumaça, teu es-
quecimento é prova certa de tua culpa. — e determinou — A par-
tir de agora não utilizarei mais enigmas. Até onde for possível, mi-
nhas palavras serão claras, para que tua vista rude possa compreen-
dê-las.
O Sol do meio dia já tornava a floresta mais clara, quando as
sete ninfas que estavam a frente repentinamente pararam. Diante
delas estava uma fonte que se dividia em dois riachos, tal qual o Ti-
gre e o Eufrates. Perguntei a Beatriz:
— Ó luz, glória da humanidade, que água é esta que jorra de
uma única fonte e depois se divide em duas?
— Pergunta a Matelda! — respondeu ela, e a jovem logo pro-
testou, como quem de uma culpa se desliga:
— Eu já expliquei isto a ele, e muitas outras coisas mais. Não
creio que o Letes tenha apagado isso de sua memória.
— Talvez outros pensamentos ocupem sua mente — respon-
deu Beatriz — enfraquecendo sua memória e tornando sua vista
Purgatório 104
nebulosa. Mas vê, aquele riacho é o Eunoé. Leva-o até lá e restaura
seus poderes enfraquecidos nas águas do rio.
Ela não demorou para vir ao meu encontro. Chamou também
Estácio e nos conduziu àquele riacho de águas santas. Se eu tivesse
mais espaço, leitor, eu aqui descreveria, pelo menos em parte, aque-
la doce água que jamais teria saciado a minha sede. Mas agora já
completei todas as páginas destinadas a este segundo cântico, e o
freio da arte não me deixa avançar mais.
Daquelas águas santíssimas eu retornei renascido, como uma
planta que adquire uma nova folhagem, puro e disposto a subir às
estrelas.
Notas 105
Vista geral do Purgatório de Dante. Ilustração de Helder da Rocha.
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