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Área de Competências-Chave
Cultura, Língua e Comunicação
RECURSOS DE APOIO À EVIDENCIAÇÃO DE COMPETÊNCIAS
Recursos de apoio ao desenvolvimento do processo de RVCC, nível secundário
Núcleo Gerador 6 – URBANISMO E MOBILIDADE
DR2 – Tema: Ruralidade e Urbanidade
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Tema 2: Ruralidade e Urbanidade COMPETÊNCIA: Intervir em contextos profissionais considerando a ruralidade ou
urbanidade que os envolvem e procurando retirar daí benefícios para a integração
socioprofissional.
Oposição entre mundo rural e urbano: complementaridade e simbiose
“Historicamente, o mundo rural destaca-se por se
organizar em torno de quatro aspetos bem conhecidos:
- uma função principal: a produção de alimentos;
- uma atividade económica dominante: a agricultura;
- um grupo social de referência: a família camponesa,
com modos de vida, valores e comportamentos
próprios;
- um tipo de paisagem que reflete a conquista de equilíbrios
entre as características naturais e o tipo de atividades desenvolvidas.
Este mundo rural secular opõe-se claramente ao mundo urbano, marcado por funções, atividades, grupos
sociais e paisagens, não só distintos, mas, mais do que isso, em grande medida construídos "contra" o mundo
rural. Esta oposição tende a ser encarada como "natural" e, por isso, recorrentemente associada a relações
de natureza simbiótica: campo e cidade são complementares e mantêm um relacionamento estável num
contexto (aparentemente?) marcado pelo equilíbrio e pela harmonia de conjunto) ”.
Fonte: Ferrão, J. (2000). “Relações entre mundo rural e mundo urbano”, in Sociologia, Problemas e Práticas, 0.0 33, CIES, Oeiras, Celta (adaptado).
O ESPAÇO RURAL
O que são áreas rurais?
Tradicionalmente, define-se espaço rural como um espaço reconhecidamente com características que
opõem o campo à cidade. De entre essas características,
destaca-se:
· uma grande proporção de população ocupada com o
trabalho agrícola;
· a predominância do natural sobre a artificialização
humana própria das paisagens urbanas;
· a menor dimensão dos povoados relativamente às
cidades ou vilas; a baixa densidade populacional;
· a maior homogeneidade nas relações sociais entre a
população rural,
· com maior conservadorismo nas crenças e nas atitudes;
· a menor intensidade na mobilidade, tanto espacial como social;
Santo Tirso, vista junto ao rio Ave Disponível na Internet: http://www.rumaonline.eu/afr/
Vista de Monsanto, considerada a aldeia mais portuguesa de Portugal, Idanha a Nova
Disponível na Internet: http://www.leme.pt/imagens/portugal/idanha-a-
nova/monsanto/0002.html
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· a existência de uma rede social mais fechada, que inclui a cooperação na vida económica e um elevado
grau de ajuda mútua.
Sendo a agricultura a atividade dominante no espaço rural, são frequentemente utilizados diversos
termos que nem sempre dizem respeito ao que se pretende abordar. Uma paisagem rural é caracterizada por um vasto
espaço que é ocupado por elementos ligados à
agricultura mas também a outras atividades não
ligadas à produção agrícola, como indústrias,
comércio e serviços diversificados. Trata-se de um
espaço que gradualmente tem vindo a registar
alterações em resultado da expansão urbana,
sobretudo nas áreas mais próximas das grandes
cidades.
No que respeita às atividades relacionadas com a
produção agrícola, no espaço rural há a considerar:
- o espaço agrícola, ocupado apenas pelos campos
de cultivo – produção agrícola vegetal e animal;
- o espaço agrário, que, para além de englobar o
espaço agrícola, é um espaço também ocupado pela superfície florestal e pelos terrenos incultos; e por
habitações, estufas, armazéns, celeiros, moinhos, estábulos, caminhos, canais de rega, entre outras
construções ligadas à exploração agrícola.
O mundo rural em transformação
As áreas rurais tiveram, durante um longo período, uma vocação essencialmente agrícola. O estudo do
espaço rural confundiu-se durante muito tempo com o estudo dos campos agrícolas. O campo significava
tudo o que não era urbano.
No entanto, registaram-se grandes alterações, sobretudo no decurso do
século XX. A Revolução Industrial iniciada
nos finais do século XVII veio introduzir
alterações na oposição, anteriormente
clara, entre áreas rurais e urbanas.
Embora mais tarde do que no resto da
Europa, em Portugal o desenvolvimento
de uma sociedade urbano-industrial
trouxe duas consequências para as áreas
rurais:
- a perda de importância económica,
devido à diminuição do peso da
agricultura na estrutura económica
nacional face ao processo de in-
dustrialização e de terciarização;
“A agricultura continua a ser um
motor essencial da economia
rural. Contudo a diversificação da
estrutura socioeconómica das
zonas rurais é essencial para o
desenvolvimento de atividades
não agrícolas dentro e fora das
explorações agrícolas, tendo em
vista a criação de novas fontes de
rendimento e emprego,
contribuindo diretamente para a
melhoria do rendimento dos
agregados familiares, a fixação da
população, a ocupação do
território e o reforço da
economia rural”.
in http://www.dgadr.mamaot.pt - Direcção-Geral de
Agricultura e Desenvolvimento Rural (adaptado).
Espaço rural - Adjetivo que se
opõe a urbano. Designa tudo o
que respeita ao campo, e o seu
sentido é muito mais lato do que
o de agrícola. A população rural
compreende, não só os
camponeses, como também
todas as pessoas que exercem
atividades de artesanato, comér-
cio e serviços, sem esquecer as
que vão trabalhar para a cidade.
Nos países muito urbanizados, é
difícil traçar um limite nítido para
o habitat rural, pois as constru-
ções antigas, que foram feitas
sobretudo para camponeses,
estão hoje ocupadas por pessoas
que vão todos os dias trabalhar
para a cidade.
in http://www.dgadr.mamaot.pt - Direcção-Geral de
Agricultura e Desenvolvimento Rural (adaptado).
Paisagem duriense Disponível na Internet: http://www.panoramio.com/photo/62886994
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- a criação de um estigma de decadência associado a estas áreas, em contraponto com as principias
aglomerações urbanas e industriais, símbolos de oportunidades e do progresso.
Ao contrário dos países mais desenvolvidos da Europa, em
Portugal o abandono dos campos, sobretudo entre os anos de
1960 e 1980, resultou da oposição entre os níveis de
desenvolvimento rural e urbano, e não de um processo de
mecanização da agricultura. Esta manteve, em termos gerais, o
seu caráter tradicional e os baixos rendimentos, incentivando
as populações rurais a emigrarem.
O forte êxodo rural ocorrido em Portugal e os intensos fluxos
emigratórios para a Europa resultaram assim dos contrastes
entre as condições de vida existentes nas áreas rurais e nas áreas
urbanas, onde as oportunidades de emprego criadas pelo
processo de industrialização e terciarização estavam em
expansão.
As áreas rurais passaram a ser fornecedoras de mão de obra
desqualificada e barata para as atividades em crescimento
acelerado nas cidades do litoral. O despovoamento e o
envelhecimento demográfico são realidades que marcam de forma profunda a paisagem rural e constituem obstáculos ao
desenvolvimento destas áreas.
Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), e de acordo
com os resultados do Recenseamento Agrícola 2009, as
explorações agrícolas ainda ocupam metade da área geográfica
do país. Contudo, entre 1999 e 2009, a superfície agrícola
diminuiu mais de 450 mil hectares. A dimensão média das
explorações, em termos de superfície agrícola útil, aumentou cerca
de 2,5 hectares, situando-se atualmente em 11,9 hectares.
As características do agricultor típico são reveladoras da importância social que esta atividade continua
a ter nos meios rurais, já que grande parte do trabalho agrícola é realizado pela mão-de-obra familiar. No
entanto, as empresas agrícolas têm vindo a assumir uma importância crescente na produção especializada
de certos produtos e na dinamização do setor agrícola em algumas regiões.
Para além destas alterações na agricultura, nos últimos anos assiste-se à tentativa de valorizar o
chamado mundo rural não agrícola, nomeadamente o seu património natural, histórico e cultural e
paisagístico.
A distribuição das principais culturas
A superfície total das explorações agrícolas representa cerca de metade do território português, onde se
evidencia o predomínio da Superfície Agrícola Útil (78 %) e das matas e florestas (18 %). A Superfície Agrícola
Útil (SAU) inclui terras aráveis, horta familiar, culturas e pastagens permanentes.
A análise da evolução da composição da SAU desde 1999 permite constatar: a manutenção da área de
culturas permanentes (cerca de 18 %); a redução da área ocupada por culturas temporárias (de 30 % para 26
%); o aumento significativo da área de pastagens (de 30 % para 50 %); a redução do pousio; e a expressão
Agricultura tradicional Disponível na Internet:
http://irrml.blogspot.pt/2014/05/agricultura-e-integracao-europeia.html
Agricultura moderna Disponível na Internet:
http://www.agrotec.pt/noticias/estufas-aposta-para-rentabilizar-agricultura-norte/
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muito reduzida detida pelas hortas, com menos de 1 %. São mudanças de ocupação do espaço agrícola que
mostram a maior aposta na criação de gado em detrimento das culturas temporárias, mais exigentes em
mão de obra.
As culturas permanentes (árvores de fruto, oliveira e
vinha) são muito características do espaço agrário português,
principalmente devido à sua adaptação ao clima quente e
seco e aos solos pobres. Por sua vez, a relevância das culturas
temporárias na composição da SAU deve-se à diversidade de
plantas inseridas neste grupo: os cereais, a batata, as
leguminosas secas, as culturas industriais, a horticultura e a
floricultura.
Na distribuição destes dois tipos de culturas em Portugal,
existem diferenças significativas entre as regiões,
nomeadamente nas do território continental:
No Norte, é nítida a importância das culturas
temporárias, mais exigentes em mão de obra e praticadas em sistema intensivo (região de Entre Douro e
Minho). No interior (Trás-os-Montes), onde surge com mais frequência o sistema extensivo e o recurso ao
pousio, a par das culturas temporárias acresce a importância das culturas permanentes, nomeadamente a
vinha e o olival.
No Centro, é grande a diversidade. Destaca-se a
região de Ribatejo e Oeste, onde se verifica uma produção
significativa num conjunto mais alargado das várias espécies,
tanto permanentes como temporárias.
No Sul, onde predominam os regimes mais
extensivos e o pousio é mais frequente, destacam-se as
culturas permanentes. É o exemplo do Alentejo que se
explica pelo sistema de montado, característico desta
região. No que respeita às culturas temporárias, esta é
também a região de maior produção de cereais e de culturas
para a indústria.
Gestão e utilização dos solos agrícolas
Um dos problemas da agricultura nacional tem sido o
desajustamento das culturas ao tipo de solo que ocupam.
Existe uma diferença significativa entre a utilização real e a
aptidão natural dos solos, ou seja, o seu potencial ou
adequação a determinado tipo de cultura ou outro tipo de
coberto.
Apesar da diminuição da superfície agrícola observada nos
últimos anos, a área ocupada pela atividade agrícola é
superior à área dos solos considerados potencialmente
adequados à agricultura. Porém, muitos solos de grande
Agricultura em Santo Tirso, junto ao rio Ave Disponível na Internet: http://www.cm-stirso.pt/pages/114
Paisagem alentejana, S. Gregório Disponível na Internet:
http://entretejodiana.blogs.sapo.pt/83935.html
Reflorestação no concelho de Santo Tirso Disponível na Internet:
http://ambientesantotirso.blogspot.pt/2013/01/florestar-portugal-num-so-dia-com-flora.html
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potencial agrícola na periferia das cidades foram ocupados, de forma irresponsável, pelo processo de
urbanização em curso.
Ao contrário da superfície agrícola, a área ocupada pela
floresta é inferior à área dos solos considerados tecnicamente
ajustados à silvicultura. A utilização de solos para fins distintos
aos da respetiva capacidade potencial é uma das causas dos
baixos rendimentos e da sua degradação progressiva. Outro dos
problemas relacionado com a utilização dos solos é a ina-
dequação dos sistemas de cultura e o recurso a técnicas nem
sempre ajustadas.
O sistema intensivo
precisa de solos férteis e
com recursos hídricos, para
ter rendimentos e produtividades elevadas, pois ocupa
permanentemente o solo. O sistema extensivo adapta-se melhor às
regiões de solos mais pobres e onde a água escasseia, recorrendo ao
afolhamento, à rotação de culturas e ao pousio como práticas para
manter ou melhorar a fertilidade dos solos e evitar o empobrecimento
provocado pela excessiva exploração dos mesmos. A utilização destes
sistemas agrícolas noutras condições e tipos de solos pode diminuir o
rendimento agrícola e contribuir para a desertificação acelerada dos
mesmos. Por exemplo,
a utilização incorreta
da rotação de culturas,
ou o recurso ao pousio
absoluto, sem
ocupação do terreno
em descanso com
culturas forrageiras ou
pastagens artificiais,
expõe a camada
superficial do solo à
ação dos agentes
erosivos, reduzindo a sua fertilidade futura. Também a
monocultura, associada aos sistemas extensivos
utilizando de forma continuada a mesma cultura, pode
conduzir ao esgotamento seletivo de certos nutrientes
dos solos.
O uso excessivo de fertilizantes químicos e pesticidas
tem aumentado a toxicidade de alguns solos e
contribuído para diminuir a sua fertilidade em poucos
anos. Por isso, a introdução de práticas agrícolas que
visam a proteção e a valorização de solos com boa
aptidão agrícola é determinante para a obtenção de
rendimentos agrícolas mais elevados e estáveis. Daí que
alguns agricultores estejam a optar por introduzir novos
procedimentos para o melhoramento e conservação do solo, como:
“A agricultura biológica (AB) é um modo de produção agrícola que procura utilizar práticas agrícolas que fomentem a manutenção e melhoria da fertilidade do solo, baseando-se no funcionamento e equilíbrio do ecossistema, permitindo uma gestão sustentável do ambiente e da paisagem. Para atingir estes objetivos, a agricultura biológica baseia-se numa série de objetivos e princípios, assim como em práticas comuns desenvolvidas para minimizar o impacte humano sobre o ambiente e assegurar que o sistema agrícola funciona da forma mais natural possível. Essas práticas incluem: · A rotação de culturas; · Limites ao uso de pesticidas e fertilizantes sintéticos, de antibióticos, aditivos alimentares e auxiliares tecnológicos, e outro tipo de produtos; · A proibição do uso de organismos geneticamente modificados; · A escolha de espécies adaptadas às condições locais; · A utilização de práticas de produção animal apropriadas a cada espécie. o modo de produção biológico está sujeito a legislação específica.” Fonte: http://www.dgadr.marnaot.pt - Direção-Geral da
Agricultura e Desenvolvimento Rural, Consultado em 02-
01-2014 (adaptado).
Cultura intensiva do milho, Santo Tirso Disponível na Internet:
http://www.vidarural.pt/news.aspx?menuid=8&eid=8281
Aplicação de pesticida Disponível na Internet:
http://negocios.maiadigital.pt/hst/sector_actividade/agro_pecuaria/folder.0005/document.0007
Vacaria, Caldas da Rainha Disponível na Internet:
http://jornaldascaldas.com/_Inauguracao_da_queijaria_artesanal__Flor_Do_Vale_
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· a sementeira direta;
· o enrelvamento das entrelinhas de culturas permanentes;
· a cobertura do solo das terras aráveis no inverno;
· a rotação anual de culturas;
· a aplicação de estrume e o tratamento de resíduos não orgânicos e dos efluentes das explorações
agrícolas.
Estes procedimentos permitem reduzir a mobilização dos solos nas sementeiras, protegê-los da queda de
precipitação e da escorrência da água no inverno e reduzir a utilização de herbicidas, pesticidas e
fertilizantes, melhorando as condições agroambientais das explorações.
A nível nacional, os impactes de algumas destas práticas ainda são limitados. O modo de produção
biológico, embora represente apenas 3% da produção agrícola nacional, constitui igualmente uma prática
que protege os solos e o ambiente em geral.
A pecuária e a exploração florestal
A criação de gado está, desde sempre, associada à atividade agrícola, como complemento de
rendimento, como ajuda nas tarefas agrícolas e ainda como modo de fertilização das terras.
Esta atividade ganhou uma nova importância nas
explorações agrícolas. Tornou-se uma atividade especializada,
adequando-se a normas específicas de modernização e
privilegiando espécies mais competitivas numa economia de
mercado e numa sociedade de consumo em massa.
No âmbito da modernização e especialização, a criação de
gado é normalmente feita em regime fechado (intensivo), no
qual existe um grande controlo sobre a alimentação e a saúde
dos animais.
Mais recentemente, contudo, têm sido criados incentivos ao
regime em campo aberto (extensivo), para melhorar a
alimentação das espécies e evitar o uso excessivo de rações.
A pecuária está distribuída por todas as regiões agrárias, existindo, no entanto, diferenças relativamente à
espécie predominante. De entre as espécies criadas, as explorações de aves são as mais dispersas pelo
território, tendo a sua criação uma orientação para o mercado, pelo que a produção se faz em larga escala.
Importantes são também as de gado bovino, suíno, ovino e caprino, quer para a produção de carne, quer
para a produção de leite, no caso do gado bovino.
O Alentejo é a região com o maior número de efetivos animais por exploração, na maioria das espécies. O
Ribatejo e Oeste é a região que apresenta explorações de suínos com maior número de efetivos. Em
oposição a esta, encontram-se as regiões da Madeira, Açores, Beira Litoral e Entre Douro e Minho, em que as
explorações apresentam menos cabeças de gado, o que pode ser explicado em parte pela reduzida dimensão
das explorações
A floresta ocupa um terço do território de Portugal continental - aproximadamente 3,5 milhões de
hectares. Este valor poderia duplicar caso fossem aproveitadas as área s de terrenos incultos e dos solos
improdutivos, uma vez que a principal aptidão do solo em Portugal é precisamente a exploração florestal.
Eucaliptal, Odemira Disponível na Internet: http://www.rotavicentina.com/wp-
content/uploads/2012/10/DSC_4756.jpg
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As principais espécies florestais são o pinheiro-bravo, o pinheiro-manso, o sobreiro e o eucalipto, que
ganhou maior importância com o problema recorrente dos incêndios florestais, uma vez que se trata de uma
espécie de crescimento mais rápido.
As consequências negativas que são originadas pelos incêndios constituem o principal problema desta
atividade, uma vez que destroem grande parte da mancha florestal e, por isso, desincentivam o investimento
nesta atividade.
No sentido de se combater este problema, são apontados normalmente aspetos como a limpeza
periódica das matas e florestas, a instalação de pontos de água em locais estratégicos e a abertura de
caminhos florestais (aceiros) que possibilitem a maior acessibilidade e a ajuda no combate aos incêndios.
As transformações do setor agrícola nas últimas décadas
As transformações observadas desde 1986 na agricultura
portuguesa estão fortemente relacionadas com a PAC,
designadamente com as medidas e as regras relativas à sua
aplicação no território nacional. Quando em 1986 Portugal
aderiu à chamada CEE, debatia-se com graves problemas de competitividade da sua agricultura, devido ao
atraso estrutural, tecnológico e organizativo.
A conjugação de uma estrutura fundiária excessivamente fragmentada, de sistemas de cultura
desadequados às características dos solos e de uma população ativa ainda numerosa, mas envelhecida e com
níveis de qualificação baixos, traduzia-se numa reduzida produtividade e em baixos rendimentos agrícolas.
A ausência de concorrência, interna e externa, e, para alguns produtos de importância estratégica, como
o trigo mole, o milho, o leite fresco ou o leite em pó, a existência de um nível de preços consideravelmente
superior aos praticados na UE obrigaram a que o processo de adaptação do setor agrícola nacional na fase
inicial de integração se realizasse em duas etapas:
. na primeira etapa, foram previstas medidas de acesso imediato aos apoios estruturais do FEOGA-
Orientação, de modo a proporcionar uma modernização rápida da agricultura; foram excluídas, no entanto,
as regras da política comunitária de mercados e os subsídios do FEOGA-Garantia, impedindo aumentos de
preços que acentuassem a diferença relativamente aos dos outros Estados-membros;
. na segunda etapa, iniciada apenas em 1991, procedeu-se à harmonização dos preços e à abertura total
das fronteiras, com vista à integração plena no Mercado Único.
Beneficiando de medidas e apoios da componente sócio-estrutural da PAC, incluindo o Programa Especí-
fico de Desenvolvimento da Agricultura Portuguesa (PEDAP), um programa especial a 10 anos, com uma taxa
de cofinanciamento de 75%, o investimento na agricultura triplicou nos primeiros cinco anos da adesão.
Grande parte do território português passa a beneficiar de apoios privilegiados concedidos às regiões menos
desenvolvidas da União.
Apesar das transferências financeiras, os impactes positivos no desenvolvimento da agricultura
nacional não foram os esperados. Além disso, a frágil agricultura portuguesa teve de se confrontar, nos
primeiros anos da adesão, com um conjunto de medidas de combate ao produtivismo da agricultura eu-
ropeia.
Em resultado de um conjunto de medidas implementadas desde a reforma da PAC de 2003, a estrutura
da SAU alterou-se profundamente. As terras aráveis diminuíram e a superfície ocupada com pastagens e
prados permanentes aumentou, em termos absolutos e relativos, ocupando praticamente metade da SAU.
Para além da instabilidade dos mercados das culturas arvenses, em particularmente dos cereais, e da
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escalada dos preços dos meios de produção, as causas mais prováveis para esta alteração prendem-se com a
gradual liberalização do mercado das culturas arvenses.
Além destas medidas, a reforma da PAC de 2003 veio introduzir um regime de pagamento único (RPU),
em que a maioria dos subsídios passou a ser paga independentemente do volume de produção. Esta medida,
que procurava desligar as ajudas da produção e continha preocupações de segurança alimentar, de respeito
pelo ambiente e de estabilização do rendimento dos produtores agrícolas, contribuiu para alterar a estrutura
da SAU. Foram ainda implementadas outras ajudas que tornaram o setor da pecuária extensiva mais atrativo
do que as culturas arvenses.
As novas oportunidades para as áreas rurais
A (re)descoberta da multifuncionalidade do espaço rural
As zonas rurais representam cerca de 81,4%
do território nacional e acolhem 33%
população.
As áreas rurais portuguesas não são
uniformes. Existem contrastes significativos
entre as que ficam geograficamente próximas
dos grandes centros urbanos do litoral, e por
isso são influenciadas pelo grande dinamismo
económico destas áreas, e as que se encontram
predominantemente localizadas no interior do
país. Estas regiões, consideradas desfavoreci-
das, sofrem de graves insuficiências e
fragilidades em relação às áreas urbanas.
O despovoamento dos campos e o
consequente envelhecimento demográfico, o
baixo nível de instrução e qualificação da mão-
de-obra e a ausência ou oferta insuficiente de
equipamentos e serviços, tornam muitas áreas
rurais do interior repulsivas. A agricultura
continua a ser o motor da economia rural.
Contudo, o desenvolvimento de atividades
não agrícolas dentro e fora das explorações
agrícolas tem sido fundamental na
diversificação da estrutura socioeconómica das
zonas rurais e na consolidação do seu tecido
produtivo.
A diversificação de atividades ajuda a
promover o desenvolvimento rural das
regiões menos favorecidas, na medida em que
possibilita a criação de novas fontes de
rendimento e emprego, contribuindo
A invenção do mundo rural não agrícola: redescobrir velhas complementaridades, gerir espaços patrimoniais de baixa densidade
“Nos anos 80 assiste-se à invenção social de uma nova
realidade: 0 mundo rural não agrícola. Esta perspetiva introduz elementos no modo de encarar os mundos rural e urbano, em si e na forma como se relacionam.
Em primeiro lugar, rompe-se explícita e deliberadamente com dois dos elementos da tetralogia secularmente associada ao mundo rural: a sua função principal não tem de ser necessariamente a produção de alimentos e a atividade predominante pode não ser agrícola. Em segundo lugar, a valorização da dimensão não agrícola do mundo rural é socialmente construída a partir da ideia de património, ob-servando-se três tendências que, no entanto, são convergentes: . um movimento de renaturalização, centrado na conservação
e proteção da natureza; . a procura de autenticidade, que leva a encarar a conservação
e a proteção dos patrimónios históricos e culturais como vias privilegiadas para valorizar memórias e identidades;
. a mercantilização das paisagens, como resposta à rápida expansão de novas práticas de consumo decorrentes do aumento dos tempos livres, da melhoria do nível de vida e, como consequência, da valorização das atividades de turismo e lazer.
Em terceiro lugar, deve referir-se que esta nova visão do mundo rural assume como inevitáveis e corretas as práticas de pluriatividade e de plurirrendimento das famílias camponesas enquadrando-as numa estratégia mais ampla de transformação do mundo rural em espaços multifuncionais com valor patrimonial. [...] As atividades que contribuem para manter vivo o mundo rural devem ser remuneradas não apenas pelo seu valor económico, mas também pelas funções sociais e ambientais que asseguram.
Finalmente, e em quarto lugar, a problemática do mundo rural profundo foi sendo crescentemente abordada à luz de uma nova conceção: a dos espaços de baixa densidade, não só física, associada ao despovoamento intenso que caracteriza estas áreas, mas também relacional. Populações envelhecidas, empresas de reduzida dimensão e com funcionamento atomizado, ausência de movimentos significativos de as-sociativismo ou ainda instituições públicas pouco dinâmicas transformam estas áreas em espaços sem a "espessura" social, económica e institucional necessária para suportar estratégias endógenas de desenvolvimento sustentadas no tempo.”
Fonte: Ferrão, J. (2000). “Relações entre mundo rural e mundo urbano>>,
in Sociologia, Problemas e Práticas, n.º 33, CIES, Oeiras, Celta (adaptador).
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diretamente para a melhoria do rendimento dos agregados familiares, a fixação da população, a ocupação
do território e o reforço da economia rural.
Deste modo, a população ativa
rural passa a dispor de alternativas ou
complementos aos rendimentos
exclusivamente com origem na
atividade agrícola.
As áreas rurais constituem-se cada
vez mais como espaços multifuncio-
nais, de produção agrícola, pecuária ou
silvícola, de conservação da natureza,
de qualidade ambiental, de
preservação do património cultural,
edificado, natural e paisagístico e de
lazer e turismo
A política de desenvolvimento rural
em Portugal no período de 2007-2013 baseou-se nos três “eixos temáticos”:
· aumento da competitividade do setor agrícola e silvícola;
· melhoria do ambiente e da paisagem rural;
· promoção da qualidade de vida nas zonas rurais e da diversificação da economia rural.
A estratégia de desenvolvimento rural para o período de 2014-2020 apresenta como principais
objetivos:
desenvolver a produção agrícola e florestal sustentável em todo o território nacional;
aumentar a concentração da produção e da oferta;
criar e distribuir valor de forma equitativa ao longo da cadeia agroalimentar.
No sentido de promover o desenvolvimento das áreas rurais a partir do potencial endógeno de cada
região, tem sido fundamental o apoio da União Europeia através dos Fundos Estruturais.
Para garantir a coerência da assistência estrutural
comunitária com as orientações estratégicas da
Comunidade e as prioridades nacionais e regionais,
foram definidas prioridades e criados instrumentos de
programação para gerir o acesso aos fundos, o chamado
Quadro Comunitário de Apoio (QCA), substituído em
2007 pelo Quadro de Referência Estratégica Nacional
(QREN)
Estes instrumentos são negociados a partir dos
Planos de Desenvolvimento Regional definidos pelo
governo, associando assim diretamente 0 Planeamento e 0 Ordenamento do território à elaboração e
realização dos QCA/QREN.
Uma parte do investimento realizado apoiou igualmente projetos baseados na experiência adquirida com
a iniciativa comunitária LEADER, que desde 2007 foi integrada no Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvi-
mento Rural (FEADER).
No meio rural, o caminho da sustentabilidade passa pela garantia da sua pluridimensionalidade. Nesse
sentido, a diversificação das atividades económicas poderá ajudar a inverter a tendência para o
despovoamento e o envelhecimento, permitindo criar emprego e fixar a população.
Cartaz de divulgação do Programa 2020 Disponível na Internet: http://www.apoios2020.pt/noticias.html
Igreja Românica de Roriz, Roriz, Santo Tirso Disponível na Internet: http://es.paperblog.com/iglesia-romanica-de-sao-pedro-de-roriz-santo-tirso-
2243109/
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A melhoria das acessibilidades inter e intraregionais, através da modernização das redes de transportes
de comunicação e de energia, e a instalação de infraestruturas e equipamentos de apoio à atividade
económica têm sido fundamentais para atrair o investimento na indústria, no turismo ou em novos projetos
do complexo agroflorestal.
Estratégias integradas de desenvolvimento rural
Entre as atividades que têm assumido algum
protagonismo destacam-se o turismo no espaço rural, a
indústria agroalimentar e a atividade industrial associada à
exploração florestal, projetos de regadio e o comércio de
produtos tradicionais (feiras de gastronomia e artesanato),
para além dos serviços de suporte.
O desenvolvimento de iniciativas promotoras de
crescimento económico, nomeadamente através da criação
de microempresas e de PME industriais, e de serviços de
apoio à população rural, é uma estratégia necessária à revitalização das regiões rurais.
A agricultura e o desenvolvimento rural continuam a ser vitais para a prossecução dos objetivos
relacionados com a segurança alimentar e com um desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, um
aumento da produção agrícola está muito dependente de uma intensificação dos sistemas de cultura, sendo
que tal incremento obriga a um aumento da utilização de dois recursos fundamentais, a água e o solo.
A água e o solo são recursos finitos e fatores de produção em que uma maior produtividade depende
essencialmente de um aumento da utilização de
tecnologias.
O investimento no regadio conduz a uma maior
produção alimentar, a um rendimento agrícola mais
elevado, a uma maior taxa de emprego e a preços
de alimentos mais baixos. O regadio tem, por isso,
um papel fundamental na produção alimentar e no
desenvolvimento das áreas rurais.
Contudo, a preocupação com a preservação da
qualidade da água é crescente e integra os novos
investimentos hidroagrícolas.
O mundo rural possui um património cultural,
edificado, natural e paisagístico de grande riqueza. Este património material e imaterial, que importa
preservar, pode constituir igualmente um motor de desenvolvimento do território onde se situa. Reconhecer
o valor do passado, proteger e valorizar o património rural, torná-lo conhecido, acessível e interativo com as
populações rurais é uma tarefa indispensável à manutenção dos equilíbrios ecológicos, à preservação da au-
toestima e do desenvolvimento económico, social e cultural.
A valorização do saber-fazer local, a produção e comercialização de produtos tradicionais e a recuperação
do património edificado são alguns dos exemplos de ações que contribuem para o desenvolvimento das
regiões rurais.
Casa da Picaria, Guimarei, Santo Tirso Disponível na Internet: http://www.booking.com/hotel/pt/quinta-da-picaria.pt-
pt.html
Casa de Campo, Estorães, Ponte de Lima Disponível na Internet:
http://www.casasnocampo.net/PT/casa.php?casaid=20016
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O turismo no espaço rural Nos últimos trinta anos, o turismo no espaço rural (TER) tem-se afirmado como uma alternativa ao
turismo balnear massificado.
O desejo crescente dos habitantes dos grandes centros urbanos do litoral de um maior contacto com a
natureza, as novas perspetivas de ocupação dos tempos livres e a oportunidade de reviver as práticas, os
valores e as tradições culturais e gastronómicas das sociedades rurais, beneficiando da sua hospedagem e de
um acolhimento personalizado, têm contribuído para o crescimento e a diversificação da oferta turística nas
áreas rurais.
O TER, que abrange um amplo conjunto de modalidades, apresenta-se assim como um fator de
dinamização da economia rural, potenciando os recursos endógenos. Com o conceito de TER, pretende-se
definir um produto completo e diversificado que integra a componente de alojamento, a restauração, a
animação e o lazer. Todos estes elementos se baseiam no acolhimento hospitaleiro e personalizado, nas
tradições mais genuínas da gastronomia, do artesanato, da cultura popular, da arquitetura, do folclore e da
história e no património paisagístico.
De forma a assegurar o sucesso dos projetos turísticos nas áreas rurais, é necessário garantir que
determinadas condições endógenas existem ou coexistem, tais como:
· o interesse da paisagem;
· a especificidade da fauna e flora autóctones;
· o respeito e harmonia da rusticidade do conjunto das construções, bem como dos materiais utilizados;
· os elementos culturais, tais como monumentos e locais históricos, festas e romarias, património étnico,
etc.;
· a proximidade de agregados populacionais e de polos de comércio local;
· as condições para práticas desportivas ou de lazer (caça, pesca, passeios, etc.);
· intervenção ativa dos poderes públicos
locais, bem como das associações de
desenvolvimento local, no sentido de assegurar
as necessárias benfeitorias coletivas;
· a competência e eficácia na promoção da
região e na comercialização das unidades
existentes;
· a qualidade das instalações de
acolhimento e hospedagem e competência dos
serviços prestados;
· a possibilidade de participação na vida
ativa das explorações agrícolas, baseadas em
modelos de agricultura familiar.
O TER, como fator de desenvolvimento
sustentável, deve contribuir para preservar as características de cada região ou comunidade rural, e nunca
constituir um instrumento para promover a ocupação e a urbanização do espaço rural.
A implantação e a diversificação dos serviços nas áreas rurais permitem melhorar as condições de vida da
população, pelo acesso facilitado e pelo contributo para a criação de novos empregos. Além disso, os
serviços constituem um suporte necessário ao desenvolvimento de outras atividades ligadas à indústria e ao
turismo.
Os projetos ligados às energias renováveis, sobretudo eólica e da biomassa, são igualmente uma mais-
valia para as áreas rurais. Para de serem energias limpas, criam emprego e geram riqueza com origem no
arrendamento de terrenos incultos.
Aerogerador, Serra da Cabreira Disponível na Internet: http://adm.ecod.org.br/conteudo/conexao-onu/metas-de-
kyoto-induziram-portugal-a
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O desenvolvimento das áreas rurais é a resposta ao contínuo abandono dos campos e ao envelhecimento
demográfico, considerados responsáveis pelo flagelo dos incêndios florestais.
ESPAÇO URBANO
Uma área urbana é uma área fisicamente integrada numa cidade de grande ou média dimensão,
caraterizada por uma importante percentagem de
superfície construída, uma elevada densidade de
população e de emprego e redes significativas de
infraestruturas de transportes e outras. As áreas urbanas
podem englobar áreas verdes não construídas, geralmente
utilizadas para fins recreativos pelos habitantes da cidade.
A definição de cidade tem vindo mesmo a perder
oportunidade, na medida em que o urbano é cada vez mais
generalizado e permanece em constante expansão,
contrariamente ao que acontecia no passado, quando era
necessário diferenciar a dualidade “campo/cidade”
existente num território.
Em Portugal, 944 freguesias são classificadas como
áreas predominantemente urbanas, oque corresponde a
cerca de 22% do total de freguesias existentes no país.
Estas freguesias de natureza urbana ocupam 15,2% do
território, mas concentram 66,9% da população residente
em todo o território nacional.
O Atlas das Cidades de Portugal (INE, 2004) refere que as 141 cidades portuguesas (à data de dezembro
de 2004) concentravam aproximadamente 4 milhões de indivíduos, 39% da população recenseada no país
em 2001. Estas cidades ocupam apenas 2% do território nacional e registavam uma densidade populacional
média de 2187 hab./km2, quase vinte vezes superior à m édia nacional.
Cerca de metade da população
residente em cidades estava concen-
trada em 14 cidades com mais de 50
mil habitantes, sendo que oito destas
detinham mais de 100 mil habitantes
(Lisboa, Porto, Vila Nova de Gaia,
Amadora, Braga, Almada, Coimbra e
Funchal).
Em 2011, 4 506 906 indivíduos resi-
diam em cidades com 10 000 e mais
habitantes.
A tendência geral tem sido a
concentração em lugares urbanos: em
2011, três quintos da população (61 %) residia em lugares com dois mil ou mais habitantes; em 1981, 1991 e
2001, aquela proporção era de 43%, 48% e 55%, respetivamente.
Cidade do Porto, Portugal
Disponível na Internet: http://www.tamegasousa.pt/casa-da-musica-termina-verao-na-casa-com-concertos-na-avenida-dos-aliados/
Área Metropolitana do Porto
Disponível na Internet: http://regioes.blogspot.pt/2006/11/grande-area-metropolitana-porto.html
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A realidade urbana nacional esteve quase sempre envolta em alguma indefinição ou omissão, atendendo
à informação estatística disponível. Atualmente, as áreas urbanas tornam-se cada vez mais complexas, face
às diversas transformações resultantes da intensificação do processo de urbanização. Podem destacar-se
os impactes resultantes dos intensos
fluxos migratórios do campo para as
cidades, principalmente a partir das
décadas de 1960 e 1970, bem como do
desenvolvimento de modernas técnicas
de transporte e telecomunicações, que
geraram profundas transformações nas
cidades e nas suas relações na escala
regional, nacional e até mesmo
internacional.
O grande desenvolvimento das
comunicações e dos transportes, com o
consequente incremento de fluxos de
pessoas, bens, serviços e informação e o
crescimento das relações e interdependências económicas, culturais ou sociais, gerou uma crescente
integração e interdependência entre as diversas regiões portuguesas, levando a uma maior aproximação
entre espaço urbano e rural.
A urbanização deve ser entendida como um fenómeno cultural, visto, que a cidade constitui um
importante polo de produção e circulação de bens, emprego, serviços, informação, conhecimento e
inovação, sendo geradora de novas formas de cultura e de organização espacial, visíveis nas alterações dos
estilos de vida.
Como se estruturam ou organizam as cidades?
As cidades constituem centros de produção e de comercialização, fornecendo bens ou serviços que
exercem uma determinada atração sobre os seus consumidores. Estas funções e os seus raios de ação vão
estruturar e modificar a ocupação urbana, influenciando a forma das cidades.
Uma função será tanto mais central quanto mais especializada, ou seja, mais rara. A formação do centro
funcional passa pela concentração no mesmo espaço de diferentes atividades, especializadas e/ou raras.
As funções mais especializadas, posicionadas no topo
da hierarquia de funções, são caracterizadas por:
· fortes economias de escala, a que corresponde uma
elevada dimensão mínima de procura (exemplo:
centro comercial);
· consumo pouco frequente, logo, exigindo menores
custos associados à deslocação do consumidor
(exemplo: hospital);
· maior propensão para o consumidor se deslocar a
maiores distâncias para o seu usufruto.
Cidade de Santo Tirso, Portugal
Disponível na Internet: http://www.atlanticurbangardens.com/frontoffice/pages/48
Rua Santa Catarina, Porto Disponível na Internet:
http://www.europeanconsumerschoice.org/travel/visit-porto-travel-guide/rua-de-santa-catarina-porto/
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É possível definir quatro níveis de funções:
· Funções muito especializadas - hospital geral ou hipermercados;
· Funções especializadas - tribunal ou agência de viagens;
· Funções pouco especializadas - escola de condução ou agência bancária;
· Funções não especializadas - serviço de fotocópias ou gás.
A área de influência (ou hinterland) de uma função central (num determinado centro urbano) ou a área
de influência de um centro urbano é definida pelo território que se encontra funcionalmente dependente
daquele centro urbano, para um determinado número de funções.
A área de influência de uma função central depende dos seguintes fatores, que atuam em sentidos
opostos:
. O esforço que se pode exigir a um indivíduo para aceder ao bem quanto maior for a área de influência
maior será este esforço;
. O limiar mínimo de procura da função, ou seja, para viabilizar a prestação de uma determinada função,
é necessário garantir a existência de um número mínimo de cientes/utentes/indivíduos.
Uma qualquer cidade encerra em si um conjunto de funções que são prestadas aos seus habitantes:
residencial, comercial, administrativa, cultural, religiosa, entre outras. Contudo, existem cidades que se
destacam por possuírem uma função principal que
leva a considerar esta atividade ou serviço e,
consequentemente, aquela cidade “especializada”
nessa função.
Função religiosa - são cidades que nasceram e
cresceram a partir de importantes centros de fé e,
por isso, atraem milhares de peregrinos, gerando,
complementarmente, receitas a outros serviços -
alimentares, alojamento, comerciais, etc. É o
exemplo, da cidade de Fátima.
Função turística (lazer) - são as cidades que
cresceram tendo por base a exploração dos
recursos naturais (praia ou montanha) e das
condições climáticas (de verão ou de inverno) e
ainda locais termais. As cidades que se
desenvolveram no Algarve são exemplificativas.
Função cultural - esta função relaciona-se com a existência de universidades e, atualmente, há ainda a
acrescentar a esta função mais de investigação e centros de estudo. É exemplo desta função cidade de
Coimbra.
Função industrial - as indústrias são polos de atração de mão de obra e de outras indústrias e atividades
que se interligam (bancos, seguros, transportes, alojamento, restaurantes...). Como exemplo de cidades
industriais, podem referir-se: Sines e Barreiro.
Imagem de marca da candidatura de Santo Tirso a Património Mundial
Disponível na Internet: http://www.cm-stirso.pt/pages/7?news_id=122
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Função político-administrativa - esta função carateriza qualquer capital de um país, pois é aí que se
encontra a sede do Governo, bem como os centros de decisão das grandes empresas, banca, seguros,
comunicações, embaixadas, como acontece com a cidade de Lisboa.
Podem ser identificadas ainda outras funções, como a comercial (função urbana por excelência), a de
defesa ou a função financeira.
A organização interna das cidades Para compreender a organização interna de uma cidade, é necessário estudar os padrões de uso do solo.
A estruturação urbana resulta da desigual
capacidade económica das diferentes atividades e
grupos sociais para fazer frente ao valor do solo
(renda locativa), o qual diminui do centro para a
periferia. Os padrões de uso do solo permitem
definir três áreas fundamentais:
· a Baixa (CBD), que é o centro da cidade, onde
as funções terciárias dominam;
· as áreas residenciais, que se dispõem em
forma de anéis concêntricos em torno do
centro (o CBD);
· as áreas industriais.
De um modo geral, a área central (Baixa ou
CBD – Central Business District) é a parte da cidade que é mais acessível, sobretudo na utilização de trans-
porte públicos. A organização interna das cidades está pois relacionada com os transportes urbanos,
determinando uma diferenciação do espaço urbano em função do grau de acessibilidade que estes
conferem. A elevada intensidade de fluxos proporciona uma maior acumulação de capital e,
consequentemente, a concentração de uma vasta gama de atividades nesta área da cidade.
Quanto maior for a acessibilidade maior será a procura por parte das atividades e maior o preço do solo
urbano. Esta forte acessibilidade influencia diretamente o desenvolvimento das atividades, em especial as
atividades terciárias. É esta intensa concorrência pelo solo - especulação fundiária - que conduz ao aumento
do preço do solo e repele a função residencial para as áreas mais periféricas da cidade.
A Baixa: o centro funcional de uma cidade
O centro de uma cidade sempre foi o local privilegiado para o encontro das populações e para as trocas
comerciais, pois aí se encontrava a igreja e se realizavam as feiras. Atualmente, as atividades terciárias
procuram os lugares de maior circulação de pessoas e de maior acessibilidade. A esta razão acresce o facto
de necessitarem de pouco espaço para se instalarem, o que lhes permite suportar os preços mais elevados
do solo no centro. É o caso dos principais serviços públicos; das sedes de grandes empresas; dos bancos; dos
escritórios; das agências imobiliárias, de seguros e de viagens; e ainda dos hotéis, cinemas e teatros.
Baixa do Porto Disponível na Internet:
http://portoantigo.taf.net/dp/taxonomy_menu/1/aggregator/taxonomy_menu/1/38?from=40
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Quanto à atividade comercial, embora se disperse um pouco por toda a cidade, é no centro que se
encontra o comércio mais especializado, que tem a sua clientela em toda a cidade ou até mesmo na região
envolvente. Apesar da difusão dos grandes centros comerciais, a área central continua a ser aquela onde a
população pode encontrar mais facilmente os bens e serviços de que necessita. Em cidades em que o centro
funcional coincide com o centro histórico, é frequente o comércio raro conviver com o comércio mais banal,
bem como com uma grande variedade de bares, restaurantes e lojas de artigos para turistas que aproveitam
a afluência de visitantes.
Uma empresa, ao instalar-se no centro da cidade, vai beneficiar da complementaridade que pode
estabelecer com outras empresas e atividades aí localizadas: os bancos, os seguros, os advogados, os
notários ou as repartições de finanças e outros serviços do Estado. Beneficia também de uma clientela que
tem no centro a sua atividade profissional ou que procure o centro para satisfazer as suas necessidades de
consumo.
A localização das atividades terciárias no centro das cidades
O centro da cidade, ou CBD, não permanece imutável. À medida que a cidade evoluí e cresce, também ele
sofre transformações. Desde logo a sua localização: ao expandir-se, invade as áreas vizinhas ou desloca-se
para outras. As suas características funcionais também se modificam:
As atividades terciárias predominam, remetendo as funções industrial (que precisa de espaço para se
expandir) e residencial (com menor capacidade
de suportar os preços crescentes do solo) para
uma presença residual. Contudo, em algumas
cidades assiste-se também à redução do
terciário, fruto das novas exigências em relação
ao espaço e da evolução decorrente da
modernização das atividades terciárias.
O comércio a retalho predomina sobre o
comércio grossista, que também vai sendo
relegado para áreas menos “nobres” da cidade.
As ruas, ou mesmo setores inteiros do
centro, especializam-se em determinadas
atividades tendo em conta o seu nível, isto é, nas
ruas principais, de maior circulação, instalam-se
sobretudo as funções de nível hierárquico
superior, como os bancos, as joalharias ou as lojas de alta-costura, enquanto nas ruas de menor circulação se
fixam as funções terciárias de nível mais baixo, como papelarias, lojas de eletrodomésticos ou de pronto a
vestir.
Nas ruas com menos movimento tendem a localizar-se ainda as atividades que oferecem bens e serviços
banais, mais orientadas para a população que trabalha, visita ou reside na área central: restaurantes, cafés,
pastelarias, quiosques de jornais e revistas.
A contínua abertura de lojas, de escritórios e de outros estabelecimentos no centro leva à acentuada
redução da indústria e da habitação. Enquanto a função industrial tende a desaparecer, a função residencial
é remetida progressivamente para os pisos superiores dos edifícios. São habitações, na maioria dos casos,
Zona comercial, Santo Tirso
Disponível na Internet: http://www.cm-stirso.pt/pages/7?news_id=179
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ocupadas pela população mais envelhecida, uma vez que a população jovem tende a fixar-se na periferia da
cidade, onde encontra casas a preços acessíveis.
Em termos populacionais, o centro caracteriza-se mesmo por uma população flutuante: o intenso
movimento observado durante o dia, principalmente durante os dias úteis da semana, contrasta com o
reduzido número de pessoas que por ele transitam durante a noite e ao fim de semana, que, após o
encerramento dos estabelecimentos comerciais e de serviços, se circunscreve praticamente ao pequeno
número de residentes.
Os centros secundários de comércio e serviços
A atividade terciária exercida fora do centro é caracterizada pelo fornecimento de bens e serviços
vulgares, de uso corrente: a mercearia, a padaria, a drogaria, o café, a taberna, a retrosaria, a farmácia ou a
associação recreativa. Estes estabelecimentos têm dimensões muito variadas e encontram-se dispersos um
pouco por toda a cidade, nos diversos bairros residenciais. Por servir a clientela do bairro, denomina-se
comércio de bairro, ou comércio de proximidade.
Em cidades de média dimensão, esta estrutura é completada por um ou outro supermercado de grande
dimensão ou mesmo por um hipermercado (com uma galeria comercial), quase sempre localizado na
periferia da cidade.
Nas cidades de maior dimensão, entre a baixa e o bairro distingue-se um nível intermédio de áreas
terciárias: à medida que se afasta do centro, a concentração de atividades diminui bastante, as funções de
nível superior vão sucessivamente dando lugar a outras de nível inferior, em especial as que necessitam de
mais espaço. Nos eixos viários que conduzem ao centro aparecem então as lojas do comércio grossista, os
armazéns, as lojas de mobiliário, os stands de automóveis ou as galerias e centros comerciais
As novas centralidades
O crescimento das cidades devido ao aumento da população e do número de empresas,
nomeadamente as de atividades terciárias, conduz frequentemente à saturação de diversas áreas da
cidade para além da central. Esta
saturação verifica-se também nas
principais ruas e avenidas, com
impactos na circulação e no
estacionamento.
Nas cidades portuguesas de
maior dimensão, a existência de
planos de preservação do valor
histórico e arquitetónico dos
edifícios, ou mesmo do centro no
seu todo, impede a sua substituição
por edifícios mais altos. A somar a
este facto, os edifícios das áreas
centrais revelam-se atualmente
desajustados em relação às
exigências modernas das empresas, Nova estação do Caminho de Ferro, Trofa
Disponível na Internet: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?p=112974301
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principalmente no que diz respeito à instalação de ar condicionado ou das redes de comunicações e de
informática.
Ao longo do tempo, estes fatores têm obrigado as empresas a procurar áreas alternativas para se
localizarem, que encontram nos setores de expansão da cidade ou mesmo na periferia, onde se edificaram
novas urbanizações, nomeadamente na proximidade dos grandes eixos ou terminais viários, dotadas por isso
de grande acessibilidade.
Esta descentralização das atividades terciárias, com o tempo, origina novas centralidades orientadas para
a oferta de bens e serviços à população que reside ou trabalha nas proximidades.
As novas áreas comerciais
Exemplo desta tendência é a localização na periferia das cidades de grande ou de média dimensões de
superfícies comerciais, como os hipermercados, as lojas de desconto, as grandes superfícies especializadas
no mobiliário, na bricolage, nos eletrodomésticos ou nos artigos de desporto, os parques de escritórios e
ainda os centros comerciais regionais.
A localização da indústria nas cidades
A indústria ganhou grande importância como função urbana à medida que o crescimento demográfico e
económico na cidade se fazia a partir da instalação de unidades fabris. O processo de industrialização só no
século XX começou a ter expressão em
algumas cidades portuguesas,
contribuindo decisivamente para o seu
crescimento.
A localização das unidades fabris nas
áreas urbanas e nas suas proximidades
justificava-se pela existência de
determinados fatores de que as empre-
sas necessitavam para poderem
funcionar, minimizando os seus custos.
Entre os vários fatores de localização
industrial que mais contribuíram para o
crescimento desta função, destacam-se
os seguintes:
· A abundante e diversificada mão de
obra que podia ser encontrada a baixo custo entre a população urbana ou entre a grande quantidade de
pessoas que chegava às cidades proveniente das áreas rurais;
· O desenvolvimento dos meios de transporte e a expansão das redes de vias de comunicação, favorecendo
o acesso à mão de obra, a vários mercados (nacional e internacional) e a matérias-primas distantes;
· A existência de um vasto mercado de consumo constituído pela própria cidade e as suas periferias, assim
como a possibilidade de ligação a todo o país e ao estrangeiro;
· As vantagens resultantes das economias de aglomeração proporcionadas pela grande concentração dos
mais diversos tipos de atividades industriais, comerciais e dos serviços.
Nave Cultural de Santo Tirso, Antiga Fábrica Teles
Disponível na Internet: http://www.cm-stirso.pt/frontoffice/pages/7?news_id=273
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A indústria em Portugal
Em Portugal, as áreas urbanas de Lisboa e do Porto constituíram-se, desde o início, como as maiores
concentrações industriais. No entanto, outras cidades, aproveitando a existência de matérias-primas,
tornaram-se também importantes
centros industriais à escala regional - são
os casos de Guimarães (curtimento de
peles), Covilhã (lanifícios), Marinha
Grande (fabrico de vidro) ou Barreiro
(indústria química).
Com o tempo, a função industrial
perdeu importância no espaço urbano e
foi-se instalando nas áreas periféricas
das cidades. No entanto, são muitos os
testemunhos do protagonismo que teve
no passado: edifícios abandonados,
chaminés de fábricas, bairros operários,
entre outros, são comuns em muitas
cidades portuguesas.
No espaço intraurbano, a presença da
função industrial está bem patente nos elementos da toponímia existente nas ruas de muitas cidades.
No tecido urbano, em áreas menos procuradas pelas atividades terciárias, com rendas mais baixas,
localizam-se ainda diversas unidades fabris de pequena dimensão tendo em conta que produzem
essencialmente bens de consumo que se destinam à população e às atividades económicas locais:
panificação, confeção, artes gráficas e impressão, oficinas de montagem e reparação de aparelhos e
máquinas, etc.
No centro funcional subsistem pequenas indústrias, não poluentes, que exigem pouco espaço e podem
dispor-se por vários andares dentro dos edifícios, explorando ainda o mercado proporcionado pela
população flutuante e pelas atividades terciárias do centro: indústrias de joalharia, alfaiataria e confeção,
tipografias e pequenas oficinas de reparação de máquinas de escritório e de comércio.
A localização da função residencial nas áreas urbanas
As áreas residenciais apresentam
uma grande variedade de dimensões,
densidade de construção de edifícios,
qualidade do ambiente que oferecem à
população, estilos arquitetónicos e
arranjo dos espaços.
A localização destas áreas segue um
padrão que depende muito da estrutura
social e dos rendimentos dos
habitantes. São os grupos sociais com
maior capacidade financeira que se
Vista da cidade de Santo Tirso
Disponível na Internet: http://portugalfotografiaaerea.blogspot.pt/2014/09/santo-tirso.html
Vista da cidade de Santo Tirso
Disponível na Internet: http://www.cm-stirso.pt/frontoffice/pages/7?news_id=273
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instalam nos locais de melhor acessibilidade, com mais e melhores equipamentos coletivos e infraestruturas,
mais sossegados e com uma melhor qualidade ambiental: os de renda locativa mais elevada. Existe, assim,
uma segregação das áreas residenciais com base nas classes sociais dos habitantes - segregação social.
A expansão de algumas cidades levou a um grande crescimento das suas periferias e áreas suburbanas,
desencadeando o processo de suburbanização e o aparecimento das áreas metropolitanas". Novas cidades
surgiram a partir de vilas e de aglomerados populacionais que aí se localizavam, acabando algumas delas por
atingir uma dimensão tal que lhes permite ocupar uma posição cimeira no conjunto das maiores cidades do
País. Estas novas cidades desempenham sobretudo uma função residencial: a maioria da sua população
depende da cidade principal (cidade-centro) no que respeita ao emprego e ao consumo, por isso
denominam-se também cidades-dormitório.
O centro da cidade e os bairros tradicionais
No centro e nos bairros antigos da cidade, é possível verificar a coexistência de diferentes classes
sociais. Estas áreas servem de residência tanto a famílias mais ou menos abastadas, que privilegiam a
proximidade do emprego e as facilidades oferecidas pelo
centro, como a famílias de menores recursos económicos e a
reformados, que não conseguem suportar os custos de
deslocação para áreas mais distantes e habitam as casas
mais degradadas e de renda mais baixa.
Com a população mais idosa, que por tradição está ligada
a estes lugares (por aí ter nascido e/ou vivido durante toda a
vida e pelas relações de vizinhança), coexiste uma população
jovem, com mais recursos económicos, que se instala nos
andares de antigos edifícios recuperados e em andares de
luxo resultantes da reconversão de edifícios antes
ocupados por outras funções. Esta população mais jovem
procura aí um conjunto de serviços que caracteriza o seu
modo de vida social e cultural.
A habitação clandestina e os bairros de lata
Na periferia das cidades de chegada de intensos fluxos migratórios proliferou a habitação de génese
ilegal. Esta comporta duas categorias com diferenças
significativas. A primeira, designada por "bairros
clandestinos”, é construída em solos expectantes,
adquiridos pelas famílias, mas sem planos de urbanização.
A segunda, formada pelos "bairros de lata”, aparece em
espaços marginais e é constituída por barracas sem as
mínimas condições de habitabilidade e de higiene. Os
bairros de lata apresentam diversos problemas sociais,
pelo que têm sido objeto de intervenção por parte do
Estado e das autarquias visando a sua demolição e a
reinstalação das famílias em bairros de apartamentos com Bairro social, Amadora
Disponível na Internet:
http://photos1.blogger.com/blogger/1849/3867/1600/P1010244.0.jpg
Vista da cidade de Santo Tirso
Disponível na Internet: http://www.panoramio.com/user/7883402/tags/Concelho%20Santo
%20Tirso
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melhores condições. No entanto, os programas de realojamento em bairros sociais nem sempre são bem-
sucedidos, pois originam outros problemas, como a segregação étnica e racial.
Como têm evoluído as áreas urbanas em Portugal?
O crescimento da população urbana
As áreas urbanas são grandes centros de emprego e de oportunidades de negócios para muitas pessoas,
devido à concentração de inúmeras atividades do setor secundário e, principalmente, do setor terciário. O
resultado é a expansão contínua das áreas
urbanas em número de habitantes, em
atividades e em superfície, tanto na
horizontal como na vertical. Este processo de
urbanização traduz-se, em termos
demográficos, pelo aumento do número de
pessoas que habitam nas cidades (população
urbana) relativamente às que residem no
espaço rural (população rural).
Em Portugal, este fenómeno incidiu
principalmente nas áreas urbanas do litoral.
Estas tornaram-se focos de atração para as
populações que abandonam as áreas rurais e
procuram uma vida melhor na cidade. Nas
regiões interiores, onde se assiste a um maior
despovoamento dos campos, as cidades, embora de menor dimensão, constituem-se igualmente como
centros de emprego importantes para as populações que vivem no espaço rural circundante.
O processo de urbanização em Portugal teve um grande crescimento nos últimos quarenta anos do século
passado. O grande afluxo de pessoas às áreas urbanas, provenientes dos campos (êxodo rural) e do
estrangeiro (imigração), traduziu-se no aumento da população urbana: muitos aglomerados densificaram-se
em número de habitantes e de atividades económicas.
Este movimento do exterior para o interior do espaço urbano corresponde a uma etapa no crescimento
das áreas urbanas a que se dá o nome de fase centrípeta. Nesta fase, muitos foram os aglomerados em
Portugal que adquiriram o estatuto oficial de cidade.
A terciarização da sociedade
Em simultâneo com o aumento da taxa de urbanização decorre o crescimento da terciarização da
economia e da sociedade, isto é, devido à expansão das atividades ligadas ao comércio e aos serviços, o
setor terciário aumenta significativamente em relação ao primário e ao secundário, que entram em
declínio.
Estas alterações na estrutura da economia e do emprego têm implicações na transformação do modo de
vida das pessoas, que passa a ser cada vez mais urbano.
Bairro social, Lisboa Disponível na Internet: https://ambcvlumiar.wordpress.com/2010/02/09/o-que-e-que-
falhou-nos-bairros-sociais/
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A densificação das áreas urbanas originou, por sua vez, vários problemas: as cidades cresceram muito
rapidamente em população e em
atividades; os preços da habitação
tornaram-se mais elevados; as suas
infraestruturas, nomeadamente as que
dizem respeito à circulação rodoviária,
não acompanharam esse ritmo de
crescimento - é grande o
congestionamento do espaço
intraurbano, a acessibilidade é menor,
crescem as dificuldades de
estacionamento, etc. Dessa forma,
assistiu-se a uma degradação da quali-
dade de vida geral da população
urbana, levando a um movimento de
saída para os subúrbios de pessoas e de
atividades económicas, sobretudo as que necessitam de mais superfície para se instalar ou se expandir, e as
que são menos sensíveis à distância em relação à cidade-centro.
A expansão dos subúrbios
A expansão urbana é influenciada por diversos fatores de ordem demográfica, económica e social, dos
quais se salientam o desenvolvimento dos vários modos de transporte e das respetivas infraestruturas, e a
maior mobilidade das famílias, graças ao automóvel privado. Este fenómeno ocorre, essencialmente, nas
áreas suburbanas, em aglomerados mais ou
menos rurais ou com uma feição industrial.
Aí se instala um grande número de pessoas
que saem da cidade, ou provêm de outras
regiões do País e do estrangeiro,
beneficiando da proximidade e do acesso a
eixos rodoviários e ferroviários que se
dirigem aos centros urbanos.
À volta das cidades, surgem e ntão áreas
mais ou menos vastas com características
marcadamente urbanas, não só na sua
morfologia mas também no modo de vida
dos seus habitantes. As antigas habitações,
atividades e ritmos ligados à vida rural vão
sendo substituídos pelos urbanos. Estes
aglomerados passam a ser habitados
sobretudo por uma população flutuante, que todas as manhãs se deslocam para a cidade para trabalhar e
regressa no final do dia, após o horário de trabalho. Surge, desta forma, um novo tipo de migrações, que tem
um caráter diário e uma natureza predominantemente económica - as migrações pendulares.
Espaço de escritórios, Lisboa Disponível na Internet: http://www.custojusto.pt/lisboa/predios/lisboa-expo-terreno-para-
escritorios-10552438
Vista da cidade da Amadora
Disponível na Internet: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=634983
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A fase centrífuga da expansão urbana
Pode afirmar-se que o processo de suburbanização corresponde a outro momento da expansão urbana
- o de descentralização ou fase centrífuga, isto é, a fase em que ocorre a saída de população da cidade para
a periferia, segundo um padrão de localização tentacular, relacionado com os eixos de circulação a partir
da cidade.
Entre a metrópole e os subúrbios existe uma complementaridade, verificando-se uma grande
dependência destes em relação à
primeira. À medida que, nos
subúrbios, se instala um maior e
mais diversificado número de
funções (hipermercados, parques
de escritórios, armazéns e unidades
fabris), esta dependência reduz-se
substancialmente, alterando-se
também a identidade destas áreas
enquanto bairros-dormitório.
Com o apetrechamento dos
subúrbios numa diversidade de
atividades e equipamentos, e com a
melhoria das acessibilidades, o
preço do solo torna-se mais
elevado. A procura pelo setor da
habitação acentua-se, inclusivamente a orientada para as classes sociais mais altas, aparecendo um mosaico
de áreas residenciais com características muito distintas.
O crescimento da população e a diversificação das funções acabaram por fazer com que muitos destes
aglomerados suburbanos fossem elevados à condição de cidade. Alguns figuram mesmo entre as cidades de
maior dimensão: casos de Vila Nova de Gaia e Amadora, com mais de 100.000 habitantes.
O processo de urbanização não termina nas áreas suburbanas. A tendência de expansão do tecido urbano
para além destas áreas mantém-se, em resultado da construção contínua de habitações e da instalação de
atividades económicas em lugares cada vez mais distantes da cidade; desencadeia-se, assim, o processo de
periurbanização.
As áreas periurbanas surgem em espaços com características rurais, situados para além dos seus
subúrbios. A existência de espaços a preços bastante inferiores desencadeou a realização de projetos
imobiliários que passam a ser habitados por uma população que diariamente se desloca à cidade para
trabalhar.
Que problemas afetam as áreas urbanas?
A degradação da qualidade de vida nas cidades
A qualidade de vida nas cidades é, atualmente, uma preocupação constante para os seus responsáveis. O
crescimento urbano realizou-se a um ritmo elevado e, em muitos casos, sem ter em conta o ordenamento.
Vista da cidade da Maia
Disponível na Internet: http://fr.academic.ru/dic.nsf/frwiki/1102358
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Surgiram vários problemas de ordem social e ambiental, que tendem a afastar as populações das cidades,
levando ao esvaziamento progressivo dos seus centros e
ao envelhecimento da população residente.
A saturação das infraestruturas
O crescimento populacional nas áreas urbanas e o
crescente aumento e a diversificação das atividades têm
como consequência a saturação das suas infraestruturas
(saneamento básico, distribuição de luz, gás e água), uma
vez que o seu desenvolvimento não acompanhou o ritmo
de aumento populacional, entrando, assim, em rutura.
Devido aos maiores consumos per capita, as redes de
distribuição tomam-se insuficientes, obrigando a
renovações constantes, de forma a evitar as quebras no fornecimento. Os problemas e as carências são
igualmente preocupantes nas áreas de urbanização ilegal, agravados pela falta de passeios e de ruas
asfaltadas.
Face à quantidade de população existente
nas áreas urbanas, são também sentidas as
carências nos equipamentos sociais de
educação e saúde (escolas, infantários,
hospitais e centros de saúde).
Em termos ambientais, a saturação das
infraestruturas também é visível na elevada
produção de lixos domésticos, o que obriga a
refletir sobre as formas de recolha,
tratamento e eliminação dos mesmos; na
deficiente limpeza das ruas e na grande
emissão de efluentes domésticos ou gerados
pelas atividades económicas, com
consequências na contaminação de aquíferos e
cursos de água.
A redução da mobilidade e da acessibilidade
A população é obrigada a movimentar-se mais frequentemente e entre locais cada vez mais distantes,
levando a uma maior procura de transportes. No entanto, a frequente insuficiência dos sistemas de
transportes públicos, a descoordenação entre operadores e a reduzida intermodalidade dos modos de
transporte não conseguem satisfazer as necessidades nas deslocações diárias.
O automóvel individual tomou-se, para a maioria da população urbana, a solução mais viável. Assim, o
número de automóveis que circulam nas cidades é cada vez maior, o que agrava as condições em que se faz
a circulação no seu interior e nos movimentos de entrada e de saída. O intenso tráfego automóvel
desencadeia frequentes congestionamentos, reduzindo drasticamente a acessibilidade às várias áreas da
VCI do Porto congestionada
Disponível na Internet: http://www.jn.pt/paginainicial/pais/concelho.aspx?Distrito=Porto&Concelho=Porto&Option=Interior&content_id=3004802&Concelho=Porto&Option=Interior&content_id=2162
456
Edifício degradado na cidade do Porto Disponível na Internet:
http://espacoememoria.blogspot.pt/2012/07/xi-congresso-internacional-de.html
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cidade. A mobilidade dos citadinos toma-se mais difícil, aumentam os tempos de espera nas filas de trânsito
e nos trajetos casa-trabalho.
A cidade é incapaz de acolher todos os veículos, o que se traduz num estacionamento caótico, incluindo
nos passeios, dificultando a circulação dos peões. São elevados os níveis de poluição atmosférica e sonora
provocados pela intensa circulação
automóvel. Aumenta a fadiga, o stress e
as doenças do sistema nervoso e do foro
psicológico.
A degradação da habitação e da paisagem urbana
Um dos problemas que afetam a
generalidade das cidades portuguesas é a
degradação dos edifícios residenciais. Um
pouco por todo o lado é visível a falta de
conservação, desde logo na fachada
exterior, mas também a falta de conforto
no interior, devido à sobrelotação das casas
e às fracas condições de higiene,
saneamento básico e rede elétrica, água e gás.
O despovoamento e envelhecimento do centro
Com o processo de urbanização, as áreas mais antigas da cidade - os centros históricos - passaram a ser
mais disputadas pelas atividades terciárias, o que fez elevar o valor do solo. Estas áreas foram
abandonadas pelos seus habitantes, entrando assim num processo de despovoamento, de envelhecimento
populacional e de degradação dos edifícios e do espaço público. Esta degradação fica a dever-se a vários
fatores:
· Predomínio dos habitantes mais envelhecidos, com fracos recursos económicos e, por isso, com menor
capacidade para a realização de obras visando a melhoria dos edifícios;
· Desinteresse dos proprietários pela conservação dos edifícios, devido ao congelamento do valor das
rendas durante muitos anos;
· Fraca qualidade do parque habitacional do centro, que não dá resposta às exigências de conforto,
acessibilidade e parqueamento;
· Despovoamento, que gera a degradação dos edifícios e insegurança, afastando a população.
Trata-se de um ciclo em que os edifícios, negligenciados e abandonados, entram em processo de
degradação e muitas vezes acabam mesmo por ruir, criando assim situações de risco para os moradores.
O despovoamento e o envelhecimento dos centros das cidades são ainda responsáveis pela criação de
novos espaços de segregação social. Os edifícios abandonados e devolutos são frequentemente ocupados
por estratos da população com fraca capacidade económica, por grupos marginais ou por imigrantes de
poucos recursos.
Habitação clandestina, arredores de Lisboa
Disponível na Internet: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=354839&page=55
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Habitação clandestina e bairros de lata
A falta de planeamento das áreas residenciais periféricas levou, durante várias décadas, à expansão das
habitações clandestinas e de bairros de lata, construídos sem qualquer respeito pelas normas legais de
urbanização, nos quais não existem infraestruturas que suportem as densidades populacionais que aí vigo-
ram. Os bairros de lata acabam por atrair as camadas mais pobres das comunidades imigrantes, facto que
contribui para a ocorrência de uma importante segregação espacial e étnica, geradora de vários tipos de
marginalidades.
Em síntese, trata-se de áreas residenciais densas, com ruas e passeios estreitos, e edifícios de fraca
qualidade arquitetónica, onde se agrava a falta de manutenção das construções. Assiste-se à degradação
estética da paisagem urbana provocada por edifícios devolutos, reduzindo o interesse turístico
principalmente no centro; e ao crescimento de áreas marginalizadas em resultado da concentração de
problemas e de usos que as desqualificam - grande pobreza económica e ambiental, fraca qualidade
urbanística, concentração de minorias étnicas e, em alguns casos, alojamento de indivíduos ligados a
atividades marginais ou criminosas, como consumo e tráfico de drogas, prostituição e mendicidade.
Como intervir na (re)organização do território?
O planeamento
O planeamento assume particular importância na promoção do desenvolvimento de uma região. A
necessidade do planeamento faz-se sentir com mais frequência após os excessos levados a cabo pelas
políticas de "laissez faire". De facto, hoje
em dia, problemas como as
desigualdades na distribuição dos
rendimentos pelas várias regiões e pelos
diferentes grupos sociais, a escassez de
"bens públicos" como o ar puro ou o
espaço, os desperdícios derivados da
concorrência, o desemprego ou o
aumento exagerado da população
instruíram-nos sobre a necessidade do
planeamento.
O planeamento pode pois ser
definido, segundo as palavras de
Friedman, como "(...) um modo de pensar
os problemas económicos e sociais,
orientando-se, predominantemente, em
direcção ao futuro e que diz respeito, de
modo particular, à relação existente entre
os objectivos e as decisões tomadas e as
motivações para a compreensão da
política e programa a seguir".
Em função da sua área de aplicação, podemos distinguir dois tipos de planeamento (que não deverão ser
entendidos como compartimentos estanques, mas como duas realidades com íntimas ligações entre si):
Plano Diretor Municipal de Santo Tirso: Mapa dos espaços industriais e empresariais
Disponível na Internet: http://site.cm-
stirso.pt/mapguide/mapviewerajax/?WEBLAYOUT=Library://EspacosIndustriais/mapa/espacosindustriais.WebLayout&USERNAME=Anonymous&PASSWORD
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- Planeamento físico
- Planeamento económico
Consoante a sua função, podemos distinguir
- Planeamento regularizador
- Planeamento inovador ou de desenvolvimento
Consoante as suas finalidades:
- planeamento com um único objectivo - Planeamento com objectivos múltiplos
Finalmente, consoante o método usado na sua aplicação:
- planeamento indicativo - Planeamento imperativo
Além disso, consoante a sua escala de aplicação, podemos distinguir entre:
- Planeamento regional
- Planeamento intra-regional - Planeamento inter-regional
O Plano Director Municipal
O planeamento surge assim como um importante instrumento de desenvolvimento regional. O concelho
onde se encontra cada escola possui, com certeza, um Plano Director Municipal. Torna-se importante co-
nhecê-lo, analisá-lo e discuti-lo avaliando as suas propostas mais salientes e o seu impacto na região onde a
escola se insere.
In Girão, José Manuel dos Santos. Grácio, Rui Alexandre. Área de Integração. Ensino Profissional, Vol. I. Texto Editora. Lisboa.
1995.
O planeamento urbano
A diminuição da qualidade de vida nas cidades portuguesas resulta da conjugação de dois fatores: por
um lado, o povoamento intenso a que foram sujeitas nos últimos cinquenta anos, por outro lado, a falta de
uma política de planeamento urbano capaz de orientar o seu crescimento.
Para resolver os problemas resultantes da expansão urbana, nas últimas décadas tem-se dado maior
importância ao ordenamento do território, com
destaque para o planeamento urbano.
Uma política coerente de desenvolvimento urbano
não poderá deixar de assumir como preocupações
centrais:
. a qualidade de vida e a sustentabilidade das
cidades;
. a viabilidade económica das cidades e a sua
competitividade;
. a atenuação dos desequilíbrios territoriais
internos e a garantia de iguais oportunidades de
acesso a diferentes tipos de serviços;
Parque da Ribeira do Matadouro, espaço requalificado, cidade de Santo Tirso
Disponível na Internet: http://www.cm-stirso.pt/frontoffice/pages/7?news_id=308
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. a valorização do património e da diversidade de manifestações culturais;
. a coesão social e a promoção da cidadania.
Neste âmbito, tem sido implementadas um conjunto de medidas que procuram atuar às várias escalas do
território - escala local (de responsabilidade municipal), escala regional (englobando, por exemplo, 0
território de uma área metropolitana), ou mesmo à escala nacional.
O planeamento urbano surge, então, como um processo que visa a resolução dos problemas nas áreas
urbanas, mas também a sua prevenção.
As intervenções fazem-se segundo uma política de planos que consiste no diagnóstico físico, económico e
social de uma área abrangida por uma ou mais câmaras municipais. Depois do diagnóstico e do
levantamento de recursos, é elaborado um plano, em função do qual são traçadas diretrizes, com vista ao
desenvolvimento dos municípios e à melhoria da qualidade de vida da sua população. Os responsáveis por
esses planos são normalmente o governo e as autarquias.
Existem vários instrumentos de planeamento, conforme a finalidade a que se destinam e a superfície
do território que é objeto de valorização. Destacam-se os instrumentos de gestão territorial de caráter
municipal:
Plano Diretor Municipal (PDM) - plano de ordenamento, estabelece o modelo de estrutura espacial do
território municipal, estratégia de desenvolvimento e ordenamento (classificação e qualificação do solo).
Plano de Urbanização (PU) - plano de zonamento, define a organização espacial de parte determinada do
território municipal integrada no perímetro urbano.
Plano de Pormenor (PP) - plano de implantação, desenvolve e concretiza propostas de organização
espacial de qualquer área específica do território municipal, definindo com detalhe a conceção e a forma de
ocupação, servindo de base aos projetos de execução.
A requalificação urbana
O processo de crescimento urbano e económico gerou espaços segregados e socialmente
desvalorizados, onde a qualidade de vida dos habitantes é muito fraca. A extensão e a intensidade dos
problemas que afetam
estes espaços obrigaram
a intervenções
prioritárias ao nível do
edificado, do espaço
público e das atividades
económicas com o
objetivo da sua revitali-
zação. Estas
intervenções, envolvendo
processos de renovação
ou de reabilitação, são
geralmente designadas
de requalificação urbana.
Futuro museu de escultura contemporânea da autoria de Siza Vieira, cidade de Santo Tirso
Disponível na Internet: http://www.porto24.pt/cultura/santo-tirso-museu-desenhado-por-siza-vieira-fica-pronto-em-junho/
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A renovação e a reabilitação urbanas
A renovação urbana consiste em intervenções que visam a substituição das estruturas existentes,
demolindo-as e construindo novos edifícios. As ações podem ser variadas, desde a demolição pontual de um
ou outro edifício até à intervenção mais
alargada numa cidade no âmbito de uma
ação de planeamento, na qual se modificam
não só os imóveis, mas também a malha
urbana, as características funcionais (por
exemplo, a substituição de residências por
atividades terciárias) e as infraestruturas de
suporte (nomeadamente com a construção
de novas vias de comunicação).
A renovação muda a imagem das cidades,
uma vez que introduz modificações nos
edifícios, no traçado e na ocupação do
terreno. Ao substituir, em muitos casos, a
função residencial pela função terciária,
provoca a saída de população que tendencialmente se instala nos subúrbios.
A reabilitação urbana consiste em intervenções nos territórios urbanos em que se pretende manter ou
salvaguardar os edifícios e a população residente, oferecendo melhores condições de habitabilidade. Incide
quase sempre no restauro e conservação das infraestruturas sanitárias e do saneamento básico dos edifícios,
e ainda na revitalização dos aspetos funcionais do bairro onde se inserem os edifícios intervencionados, de
modo a permitir a dinamização do seu tecido económico e social, capaz de aumentar a sua atratividade.
Os instrumentos de intervenção
A requalificação urbana constitui-se como um instrumento importante na Política de Cidades definida
para o País, partindo do pressuposto que o seu desenvolvimento depende, em muito, da afirmação das
cidades como espaços privilegiados de produção de riqueza. Nesta política destaca-se o programa Parcerias
para a Regeneração Urbana (PRU), que se destina a apoiar ações que visam a revitalização dos espaços
intraurbanos nas suas dimensões ambiental, física, económica e social:
. requalificação e reinserção urbana de bairros críticos;
. recuperação e qualificação ambiental de áreas periféricas e refuncionalização de áreas abandonadas ou
com usos obsoletos;
. valorização de áreas de excelência urbana, nomeadamente centros históricos, frentes ribeirinhas e
marítimas;
. melhoria do ambiente urbano.
Para além dos programas PRU, destacam-se ainda outros com impacto na melhoria das condições de vida
nas cidades, que têm assumido o seu contributo noutros domínios de intervenção, tais como a Política de
Reabilitação Urbana, os programas RECRIA, RECRIPH, SOLARH e REHABITA, entre outros. Existem ainda
programas de realojamento, que visam situações de carência de habitação.
Vista parcial da cidade de Santo Tirso Disponível na Internet: http://www.vida-e-tempos.com/2014/10/santo-tirso-bruxa-de-
cordova-e-os.html
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Como se caracteriza a rede urbana em Portugal?
As características das cidades em Portugal A configuração da rede urbana em Portugal é a consequência das condições naturais e históricas de
ocupação do território, dos movimentos internos e externos da população e do modelo de
desenvolvimento económico escolhido para o País. Deve-se também à forma como esse modelo tem sido
aplicado ao longo do tempo: expansão
económica com base na industrialização e
terciarização, com especial incidência no
litoral.
No início do século XXI, existiam em
Portugal 140 cidades; desde então, esse
número subiu para 159. A análise dos
quantitativos populacionais das cidades
portuguesas mostra um grande desequilíbrio
que pode ser sintetizado em três ideias
principais:
Número escasso de aglomerados com mais
de 100 mil habitantes - fora dos territórios das
áreas metropolitanas de Lisboa e Porto,
apenas Braga, Coimbra e Funchal ultrapassam
este valor de população;
· Faltam cidades de média dimensão (entre
50 e 100 mil habitantes) - são apenas nove
em todo o País, e somente Aveiro e
Guimarães não se localizam nas áreas metropolitanas;
· A rede urbana nacional é dominada por cidades de pequena e de muito pequena dimensão - 78 % têm
menos de 30 mil habitantes e metade delas têm menos de 15 mil.
A rede urbana portuguesa Numa determinada área do País, a rede urbana tem o nome da cidade principal - a mais importante em
termos demográficos e funcionais (rede urbana de Coimbra, rede urbana do Porto, etc.). Cada uma destas
redes insere-se noutras mais vastas, à escala regional (rede urbana da região Centro, rede urbana da região
Norte Litoral, etc.), que se integram, por sua vez, na rede urbana nacional. Trata-se de uma hierarquia
urbana entre as várias cidades que é determinada pelas suas dimensões e pelo nível superior das suas
funções.
O espaço urbano português, no seu todo, é composto por uma rede que apresenta Lisboa e Porto no topo
da hierarquia urbana e, na base, um grande número de pequenas cidades, cuja área de influência se confina
aos limites do concelho, uma vez que o nível das suas funções é baixo. A falta de cidades de média dimensão,
que desempenham funções de nível intermédio, leva a que se possa falar na existência de um vazio na
pirâmide da hierarquia das cidades portuguesas.
Disponível na Internet: http://www.alea.pt/html/actual/html/act62.html
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Os desequilíbrios existentes na rede urbana portuguesa constituem um problema antigo, cujas razões se
encontram na evolução do povoamento do território, o qual se relaciona diretamente com a evolução dos
seus aspetos sociais, demográficos, económicos e das infraestruturas de transportes. A análise da evolução
da disposição hierárquica das cidades portuguesas durante o século XX confirma estes desequilíbrios:
· Concentração de elevada quantidade de população numa área urbana de grande dimensão (Lisboa),
fenómeno denominado macrocefalia;
· Domínio das duas maiores cidades (apesar de o Porto ter menos de metade dos habitantes de Lisboa), o
que se designa por bicefalia.
· Domínio claro das cidades de pequena dimensão (78 % das cidades portuguesas têm menos de 30 mil
habitantes);
· Quase ausência de cidades de média dimensão, facto que se torna ainda mais evidente tendo em conta
que grande parte destas cidades está integrada nas duas áreas metropolitanas.
A rede urbana portuguesa no contexto europeu
Atendendo a que as relações entre as áreas urbanas não se confinam ao espaço nacional, cada vez mais
a rede urbana portuguesa é vista também à escala ibérica e à escala europeia.
A crescente internacionalização da sociedade portuguesa nos últimos trinta anos, nos vários domínios,
levou à criação de um dinamismo económico que é muito influenciado pelas políticas seguidas em centros
de decisão localizados noutros países.
A atuação da classe política e dos
agentes económicos é feita, atualmente,
à escala da União Europeia ou mesmo à
escala global. A globalização da sociedade
tem contribuído para que as cidades
tentem afirmar-se cada vez mais na cena
internacional, procurando, para tal,
modernizar-se e promover-se com vista à
captação de investimentos,
nomeadamente por meio da instalação
de multinacionais. Constituem exemplos
dessa modernização e promoção a
regeneração urbana que é feita em
determinadas áreas problemáticas, a
realização de exposições mundiais, feiras
e congressos, e a candidatura à
organização de eventos como os Jogos
Olímpicos e outros acontecimentos
desportivos.
A pequena dimensão das cidades
portuguesas e das duas áreas metropolitanas (Porto e Lisboa), quando comparadas com áreas
metropolitanas de outros países, não lhes permite assegurar um papel importante na rede urbana europeia
ou na rede ibérica.
População residente nas principais cidades europeias
Disponível na Internet: http://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/images/3/33/Total_resident_population_in_Urban_Audit_core_cities%2C_2008_%28
inhabitants%29.PNG
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Que relações se estabelecem entre a rede urbana e o mundo rural? A complementaridade cidade-campo
O desenvolvimento equilibrado do território nacional supõe a existência de relações de
complementaridade entre as áreas urbanas e as rurais e, naturalmente, a conceção e implementação de
planos favoráveis ao desenvolvimento do interior, uma vez que grande parcela do território nacional
encontra-se em manifesto declínio há já algumas décadas, em resultado de um processo de
despovoamento a que vulgarmente se tem chamado desertificação.
O desenvolvimento das áreas rurais é considerado de grande importância na organização territorial do
espaço da União Europeia,
nomeadamente na articulação com
o crescimento urbano,
privilegiando os aspetos eco-
nómicos, os equipamentos e
infraestruturas e o acesso à
informação.
Durante muito tempo, o
desenvolvimento rural foi, em larga
medida, condicionado pelas
políticas e estratégias definidas
para o setor agrícola. Na
atualidade, é entendido como
fundamental na reorganização das
novas relações cidade-campo,
reforçando a solidariedade entre
uma cidade e as sedes de concelho e os espaços rurais vizinhos com os quais mantenha relações fortes de
proximidade. A cidade, ao nível regional, é o espaço capaz de reunir o conjunto de fatores que podem fixar a
população e de ser, ao mesmo tempo, o motor da dinamização do desenvolvimento regional. Por sua vez, às
áreas rurais são dadas outras funções além da agrícola, que tradicionalmente as caracterizam,
nomeadamente as que se prendem com o património natural e cultural.
O crescimento da mobilidade e a multiplicação dos equipamentos têm levado a uma menor oposição
entre a cidade e o campo. A elevação do nível de
vida, a preocupação acrescida com a higiene, a
ampla difusão das técnicas e a instalação de
população urbana em muitas aldeias, procurando
conjugar as vantagens da maior proximidade da
natureza com as vantagens da cidade,
proporcionaram progressivamente ao mundo rural
as mesmas redes de equipamentos coletivos que
já beneficiam as cidades: a distribuição de água
generalizou-se, assim como a de eletricidade ou a
rede de saneamento. Este facto tornou-se
importante, particularmente nas aldeias em que a
Cidade versus campo
Disponível na Internet: http://ociclistaeb23anadia.blogspot.pt/2013/12/viver-no-campo-ou-na-cidade_21.html
Complementaridade campo-cidade Disponível na Internet: http://myguide.iol.pt/forum/topics/praia-neve-cidade-ou-
campo
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proximidade de vias rápidas lhes permite ligar-se facilmente às cidades para as quais desenvolvem migrações
diárias.
A composição dos espaços rurais tem-se modificado de forma significativa. Na atualidade, o facto de se
viver numa aldeia não obriga a ter um modo de vida diferente daquele que se tem numa cidade. As áreas
rurais deixam, assim, de ser áreas de êxodo de população e passam a participar num espaço regional de
mobilidade no qual o seu papel se vai transformando. Esta transformação reflete-se, por exemplo, no tipo de
habitações que vão sendo construídas de novo, bem como nas antigas que são objeto de reconstrução. Em
ambos os casos é notória a preocupação com a melhoria do conforto. Outro exemplo desta transformação é
a cada vez mais frequente adaptação do automóvel às zonas rurais.
Não obstante as transformações que vão ocorrendo nas áreas rurais, as mesmas não impedem que
subsistam diferenças entre a aldeia e a cidade.
A valorização das áreas rurais
O desenvolvimento das áreas rurais depende em muito do desenvolvimento das cidades existentes na
região. Nas áreas rurais localizadas no interior do País, com menor densidade populacional, o abandono da
população conduziu à degradação da paisagem agrária e à diminuição dos serviços oferecidos às populações.
As parcerias entre as cidades e o mundo
rural, visando a renovação económica e
social, têm apostado na valorização do
respetivo património natural e cultural,
por meio do fomento do turismo e do
lazer, sendo a cidade o centro
polarizador desta dinâmica.
Nas áreas do litoral, mais
densamente povoadas, onde existe uma
maior interligação e um cruzamento
mais intenso das áreas urbanas com as
rurais, os problemas das áreas rurais
centram-se principalmente na pressão
da urbanização a que estão sujeitas.
Assim, a concentração de população ori-
gina: a perda das características rurais
dos lugares, o desaparecimento da paisagem rural, a redução da exploração florestal e da agricultura
extensiva, a poluição das águas e a contaminação dos solos.
A parceria entre as áreas urbanas e as áreas rurais (parceria urbano-rural) procura, frequentemente,
estabelecer formas de complementaridade entre ambas, aumentando a interação espacial, o que permite
aos habitantes das áreas rurais beneficiar da oferta de serviços da cidade, enquanto os habitantes da
cidade podem, por sua vez, desfrutar do património paisagístico e natura para o lazer e o repouso.
No essencial, o texto foi retirado de: Além, Manuel Gonçalves; Gomes, Pedro Tildes (2014) Geografia A 11.º ano. Carnachide: Santillana, adaptado
Lemos, Sílvia; Zêzere, Teresa, (sd) Portugal: Unidade e Diversidade - Geografis A 11.º ano. Lisboa: Plátano editora, adaptado
O campo invade a cidade
Disponível na Internet: http://www.cm-lisboa.pt/noticias/detalhe/article/mega-pic-nic-traz-o-campo-a-cidade
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A defesa do património local A diversidade do conceito de património
A defesa e a recuperação do património parece revelar-se uma tarefa ingrata. De facto, se olharmos à
nossa volta, abundam os exemplos de
abandono de casas, monumentos, igrejas
e objectos que fazem parte do património
nacional. É que, infelizmente, é mais fácil,
mais prático e mais barato destruir, pura
e simplesmente, estes vestígios de outras
épocas do que investir na sua preservação
e recuperação. Acontece que estas coisas
foram feitas noutros tempos, para outros
usos e já não são consideradas eficazes
nos dias de hoje. Por isso foram
substituídas por outras mais eficazes.
Para quê reunir num museu
ferroviário, locomotivas e vagões que já
não transportam passageiros? Para quê
preservar fatos e trajes de populações
rurais e urbanas que já ninguém veste? Chaves que já não abrem portas, máquinas que já não produzem,
charruas que já não sulcam a terra? Ou criar um museu com espingardas, pistolas e espadas que já não
servem para matar? Que significado tem a preservação de toda esta diversidade de coisas, materiais e
imateriais, naturais e artificiais, no nosso mundo da tecnologia?
Todas estas coisas possuem algo em comum já deixaram de ser úteis – ou viram a sua utilidade ou a sua
funcionalidade substancialmente reduzidas – num mundo em que o valor da utilidade é fundamental.
Contudo a sua preservação é necessária e não é por uma mera questão decorativa. É que estas peças
guardam uma memória do nosso passado, a qual tem para nós um valor formativo e pedagógico. O passado
ajuda-nos a compreender melhor a nossa própria identidade e o mundo em que vivemos e, neste sentido, é
um importante ensinamento para a construção do futuro.
Por isso se fazem colecções – em
museus públicos ou reunidas por
particulares – que atingem valores
astronómicos. Os objectos de
colecções são guardados e tratados
como autênticos tesouros, em
cofres-fortes, com guardas e
sofisticados sistemas de segurança.
Têm um valor de troca sem terem
um valor de uso. Ou seja, coleccio-
nam-se apenas para serem
"expostos ao olhar" e não pela sua
utilidade nem pela sua eficácia
material. Os objectos que
Mosteiro, Igreja e escultura em Santo Tirso Disponível na Internet: http://www.cm-stirso.pt/pages/405?image_gallery_detail_8_page=2
Ponte Romana de Negrelos, Santo Tirso Disponível na Internet: http://www.publico.pt/local/noticia/santo-tirso-promove-votacao-inedita-
de-novo-nome-para-uniao-de-freguesias-1678624
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constituem 0 património, aliam, assim, ao seu valor formativo-pedagógico, um importante valor estético,
constituindo-se como fontes de prazer e de fruição.
A necessidade da preservação do património
Por que razões são necessárias a defesa e a preservação do património de uma região?
A palavra "património" deriva do
latim patrimoniu. Segundo o dicionário,
significa "os bens que herdámos dos
nossos pais ou avós". O termo remete,
assim, para o campo da relação
consanguínea património significa uma
herança, mas não uma herança que nos
chega de um ente qualquer. Antes um
legado que nos foi deixado por pessoas
que nos são próximas (os "pais" ou os
"avós") e, como tal, um legado único e
insubstituível
Paralelamente, a palavra aponta um
horizonte temporal definido: o passado,
o passado deve, contudo ser entendido
como um elemento actuante, constitutivo do presente e do futuro, Preservar o património não possui um
sentido passivo: remete para uma dimensão de actualização, religando passado, presente e futuro. A
memória colectiva dos povos deve servir "para a libertação não para a escravidão dos homens," Não se trata
de formar "antiquários", mas de entender que um melhor conhecimento e uma melhor compreensão do
mundo que nos rodeia, torna-nos interlocutores mais válidos e actores mais rigorosos da construção do
futuro.
Contra a falsa noção de modernidade que
entende como progresso tudo o que signifique
corte com o passado, convém perguntar, como
Collingwood: "É progresso as pessoas
desligarem-se totalmente dos pensamentos dos
seus avós?"
O património tem pois a ver com a nossa
memória, isto é, com as condições da nossa
própria identidade colectiva. Compreende-se,
por isso, a definição de património cultural
português, tal como se encontra expressa na lei
n.º 13/85 de 6 de Julho. Aí se escreve, no seu
título I, artigo 1.º, que:
"O património cultural português é
constituído por todos os bens materiais e
imateriais que, pelo seu reconhecido valor próprio, devam ser considerados como de interesse relevante para
a permanência e identidade da cultura portuguesa através do tempo."
Interior do Museu Abade Pedrosa, Santo Tirso Disponível na Internet: http://olhares.sapo.pt/museu-do-abade-pedrosa-interior-foto4463456.html
Mosteiro de Roriz, Santo Tirso Disponível na Internet: https://www.flickr.com/photos/vitor107/181097404
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O tema da identidade e da necessidade da sua preservação é aqui expressamente referido. Preservar o
património significa preservar a nossa própria
memória e é, portanto, um dever do estado e
dos cidadãos. Ora um povo que perdesse a
sua própria memória, correria o risco de
perder a sua autoconsciência. Um povo amné-
sico não pode existir como nação, do mesmo
modo que cada um de nós, individualmente,
sem a consciência do seu passado, perde a
sua identidade. Ou seja, sem a consciência do
passado a tarefa da realização do presente e
do futuro está comprometida.
Defender o património não é uma tarefa
de esteticismo superficial, mas uma actividade
essencial, uma questão que se prende com a própria qualidade de vida e com a sobrevivência das
sociedades. É por isso uma responsabilidade individual e simultaneamente social e até civilizacional.
O património não são apenas as ideias e os livros que as exprimem, mas também bens, objectos, coisas
materiais... Uma casa antiga, uma igreja, um objecto ou um rio fazem parte do património. Este existe, pois,
concreta e materialmente à nossa volta. (…)
In Girão, José Manuel dos Santos. Grácio, Rui Alexandre. Área de Integração. Ensino Profissional, Vol. III. Texto Editora. Lisboa. 1995.
O conceito de região O que se entende por região?
A região é sempre "um fenómeno geográfico". Refere-se a um campo de acções ou de um espaço onde se
entrecruzam forças dinâmicas
que se alteram e à "situação"
característica de cada região.
Trata-se portanto de um
conceito dinâmico, embora
possamos definir três elementos
comuns a toda e qualquer
região:
1. "Uma região define-se
pelos laços existentes entre os
seus habitantes". Englobamos
aqui as relações e as
características comuns a uma
região, as quais imprimem uma
certa homogeneidade a um
espaço geográfico. Assim se, por
exemplo, numa determinada
zona geográfica encontramos
Ponte Romana de Negrelos, Santo Tirso Disponível na Internet: http://olhares.sapo.pt/castro-do-monte-padrao-foto3717359.html
Disponível na Internet: http://retratoserecantos.pt/concelho.php?id=279
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uma rede de actividades especializadas devidamente articuladas e dependentes, isso vai constituir
importante factor de uniformização dos hábitos, características e relações dos seus habitantes.
2. "Uma região organiza-se em torno de um centro".
Este factor está intimamente relacionado com o anterior. Este centro é a cidade enquanto suporte
fundamental das actividades de uma região. A cidade constitui-se assim como centro - não necessariamente
geográfico - coordenador da rede de relações comerciais, administrativas, sociais e outras, necessárias ao
desenvolvimento da região.
3. "Uma região só existe como parte integrante dum conjunto".
Para o ser efectivamente, uma região não depende apenas de características intrínsecas - ela possui
necessariamente uma referência externa. Uma região tem a sua função e a sua importância enquanto inte-
grada num quadro mais amplo, nacional ou internacional. Não possui uma total e absoluta autonomia, mas
depende por sua vez de um poder "deslocado" de âmbito mais alargado.
Uma região é então um espaço único, dotado de personalidade, ou seja, o resultado original de inter-
re1açães dinâmicas e complexas que não se repetem do mesmo modo noutro lugar. Não depende apenas
do ambiente nem das características físicas existentes – embora estas sejam influentes – mas é em grande
medida uma "criação humana". A geografia regional retomará, assim, da geografia física e humana muitos
assuntos, mas procurando realçar numa síntese final os elementos naturais e humanos que conferem a um
espaço a sua personalidade.
Por vezes deparamo-nos com conflitos regionais – fronteiras traçadas administrativa e artificialmente que
não respeitam na prática a personalidade e a identidade das regiões. Existem casos de regiões cortadas ao
meio em nome de critérios extrínsecos que não tiveram em conta as diversas identidades em causa (por
exemplo, em África) ou, inversamente, regiões artificiais excessivamente amplas que incluem autênticas
regiões dotadas de
personalidades muito
distintas (por exemplo,
na ex-URSS).
Estas situações
geram frequentemente
conflitos regionalistas
muito graves, como é o
caso do que se passa
actualmente na ex-
Jugoslávia. O nosso país
é, felizmente, um caso
bem-sucedido de
unidade nacional, no
qual não se vislumbram
conflitos regionalistas
graves. Oito séculos de
história garantem-nos
uma personalidade
forte e, pese embora
desacordos e algumas Disponível na Internet: http://www.confestindporesp.com/ConfEstIndEsp.htm
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clivagens pontuais, trata-se de um bom exemplo de harmonia, quando comparado com o que observamos
além-fronteiras.
Caracterização da região onde o CQEP se insere
Definidos os traços essenciais de uma região, podemos agora responder às seguintes questões:
Será possível considerar a zona onde o CQEP de Santo Tirso se insere como uma região? Se sim torna-se
importante apontar os seus principais laços unificadores, o seu centro ou centros principais e a sua relação
com o conjunto mais amplo, nacional ou
internacional. Sendo uma unidade administrativa
entre tantos outros concelhos portugueses, ela terá
certamente algumas características próprias que
interessa destacar para melhorar o conhecimento
da zona em que cada escola se insere.
Todas as áreas possuem um enquadramento
físico: relevo, hidrografia, clima.
Todas as áreas possuem também certas
características humanas, mais ou menos impressas
na paisagem - tipos de habitat, populações mais ou
menos envelhecidas, com níveis diferentes de
escolaridade, trabalhando em diferentes áreas de
actividade económica, etc.
Sugere-se que se localize num mapa de pequena escala o concelho de Santo Tirso, reconhecendo as suas
localidades mais significativas; elaborar um mapa com as principais formas de relevo (a cores, por exemplo)
do concelho e da área envolvente, os principais cursos de água (rede hidrográfica), a distribuição da
precipitação, etc.
Será ainda interessante a elaboração de um gráfico de barras da população residente no concelho em
duas datas diferentes, bem como de uma pirâmide etária da população actual da região, baseada nos dados
do último recenseamento. Poder-se-á ainda elaborar um gráfico com a distribuição da população por níveis
de instrução, bem como recolher os dados necessários para a caracterização das redes de transporte das
principais actividades económicas, empresas, instituições, escolas ou associações.
A antinomia cidade/campo na poesia de Cesário Verde
Cesário Verde canta o quotidiano da cidade de Lisboa e do campo que conheceu em Linda-a-Pastora.
Assim, o contraste entre a cidade e o campo é um dos temas fundamentais da sua poesia que celebra o
rústico e o natural, por oposição aos valores urbanos e industriais.
Por exemplo, no poema “Num Bairro Moderno”, começa por pintar a cidade de Lisboa, para depois nos
apresentar a sua invasão simbólica pelo campo, com a vendedeira que, com a sua giga de frutas e legumes,
lembra um retalho de horta aglomerada. Em O Sentimento de um Ocidental, a cidade surge opressiva, soturna,
onde se reflete a dor humana, marcada pelo desejo campestre de libertação.
Escola Secundária de Tomaz Pelayo, santo Tirso
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No entanto, é no poema “Nós” que melhor Cesário se revela apaixonado pelo campo, elogiando-o por
oposição à cidade onde há um lívido flagelo, uma moléstia horrenda!
Em conclusão, o binómio cidade/campo é um dos temas primordiais na poesia de Cesário, onde escrever
bem era ver bem.
Publicado em 2015-04-26 por LÚCIA VAZ PEDRO. Disponível na Internet em:
http://www.jn.pt/Dossies/dossie.aspx?content_id=4526812&dossier=Portugu%EAs%20atual
Num Bairro Moderno Dez horas da manhã; os transparentes Matizam uma casa apalaçada; Pelos jardins estancam-se as nascentes, E fere a vista, com brancuras quentes, A larga rua macadamizada. Rez-de-chaussée repousam sossegados, Abriram-se, nalguns, as persianas, E dum ou doutro, em quartos estucados, Ou entre a rama do papéis pintados, Reluzem, num almoço, as porcelanas. Como é saudável ter o seu conchego, E a sua vida fácil! Eu descia, Sem muita pressa, para o meu emprego, Aonde agora quase sempre chego Com as tonturas duma apoplexia. E rota, pequenina, azafamada, Notei de costas uma rapariga, Que no xadrez marmóreo duma escada, Como um retalho da horta aglomerada Pousara, ajoelhando, a sua giga. E eu, apesar do sol, examinei-a. Pôs-se de pé, ressoam-lhe os tamancos; E abre-se-lhe o algodão azul da meia, Se ela se curva, esguelhada, feia, E pendurando os seus bracinhos brancos. Do patamar responde-lhe um criado: "Se te convém, despacha; não converses. Eu não dou mais." É muito descansado, Atira um cobre lívido, oxidado, Que vem bater nas faces duns alperces. Subitamente - que visão de artista! - Se eu transformasse os simples vegetais, À luz do Sol, o intenso colorista, Num ser humano que se mova e exista
Nós
I
Foi quando em dois verões, seguidamente, a Febre
E a Cólera também andaram na cidade,
Que esta população, com um terror de lebre,
Fugiu da capital como da tempestade.
Ora, meu pai, depois das nossas vidas salvas
(Até então nós só tivéramos sarampo).
Tanto nos viu crescer entre uns montões de malvas
Que ele ganhou por isso um grande amor ao campo!
Se acaso o conta, ainda a fronte se lhe enruga:
O que se ouvia sempre era o dobrar dos sinos;
Mesmo no nosso prédio, os outros inquilinos
Morreram todos. Nós salvámo-nos na fuga.
Na parte mercantil, foco da epidemia,
Um pânico! Nem um navio entrava a barra,
A alfândega parou, nenhuma loja abria,
E os turbulentos cais cessaram a algazarra.
Pela manhã, em vez dos trens dos baptizados,
Rodavam sem cessar as seges dos enterros.
Que triste a sucessão dos armazéns fechados!
Como um domingo inglês na city, que desterros!
Sem canalização, em muitos burgos ermos
Secavam dejecções cobertas de mosqueiros.
E os médicos, ao pé dos padres e coveiros,
Os últimos fiéis, tremiam dos enfermos!
Uma iluminação a azeite de purgueira,
De noite amarelava os prédios macilentos.
Barricas de alcatrão ardiam; de maneira
Que tinham tons de inferno outros armamentos.
Porém, lá fora, à solta, exageradamente
Enquanto acontecia essa calamidade,
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Cheio de belas proporções carnais?! Bóiam aromas, fumos de cozinha; Com o cabaz às costas, e vergando, Sobem padeiros, claros de farinha; E às portas, uma ou outra campainha Toca, frenética, de vez em quando. E eu recompunha, por anatomia, Um novo corpo orgânico, aos bocados. Achava os tons e as formas. Descobria Uma cabeça numa melancia, E nuns repolhos seios injetados. As azeitonas, que nos dão o azeite, Negras e unidas, entre verdes folhos, São tranças dum cabelo que se ajeite; E os nabos - ossos nus, da cor do leite, E os cachos de uvas - os rosários de olhos. Há colos, ombros, bocas, um semblante Nas posições de certos frutos. E entre As hortaliças, túmido, fragrante, Como alguém que tudo aquilo jante, Surge um melão, que lembrou um ventre. E, como um feto, enfim, que se dilate, Vi nos legumes carnes tentadoras, Sangue na ginja vívida, escarlate, Bons corações pulsando no tomate E dedos hirtos, rubros, nas cenouras. O Sol dourava o céu. E a regateira, Como vendera a sua fresca alface E dera o ramo de hortelã que cheira, Voltando-se, gritou-me, prazenteira: "Não passa mais ninguém!... Se me ajudasse?!..." Eu acerquei-me dela, sem desprezo; E, pelas duas asas a quebrar, Nós levantamos todo aquele peso Que ao chão de pedra resistia preso, Com um enorme esforço muscular. "Muito obrigada! Deus lhe dê saúde!" E recebi, naquela despedida, As forças, a alegria, a plenitude, Que brotam dum excesso de virtude Ou duma digestão desconhecida. E enquanto sigo para o lado oposto, E ao longe rodam umas carruagens, A pobre, afasta-se, ao calor de agosto,
Toda a vegetação, pletórica, potente,
Ganhava imenso com a enorme mortandade!
II
Num ímpeto de seiva os arvoredos fartos,
Numa opulenta fúria as novidades todas,
Como uma universal celebração de bodas,
Amaram-se! E depois houve soberbos partos.
Por isso, o chefe antigo e bom da nossa casa,
Triste de ouvir falar em órfãos e em viúvas,
E em permanência olhando o horizonte em brasa,
Não quis voltar senão depois das grandes chuvas.
Ele, dum lado, via os filhos achacados,
Um lívido flagelo e uma moléstia horrenda!
E via, do outro lado, eiras, lezírias, prados,
E um salutar refúgio e um lucro na vivenda!
E o campo, desde então, segundo o que me lembro,
É todo o meu amor de todos estes anos!
Nós vamos para lá; somos provincianos,
Desde o calor de Maio aos frios de Novembro!
III
Tínhamos nós voltado à capital maldita,
Eu vinha de polir isto tranquilamente,
Quando nos sucedeu uma cruel desdita,
Pois um de nós caiu, de súbito, doente.
Uma tuberculose abria-lhe cavernas!
Dá-me rebate ainda o seu tossir profundo!
E eu sempre lembrarei, triste, as palavras ternas,
Com que se despediu de todos e do mundo!
Pobre rapaz robusto e cheio de futuro!
Não sei dum infortúnio imenso como o seu!
Vi o seu fim chegar como um medonho muro,
E, sem querer, aflito e atónito, morreu!
De tal maneira que hoje, eu desgostoso e azedo
Com tanta crueldade e tantas injustiças,
Se inda trabalho é como os presos no degredo,
Com planos de vingança e ideias insubmissas.
E agora, de tal modo a minha vida é dura,
Tenho momentos maus, tão tristes, tão perversos,
Que sinto só desdém pela literatura,
E até desprezo e esqueço os meus amados versos!
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Descolorida nas maçãs do rosto, E sem quadris na saia de ramagens. Um pequerrucho rega a trepadeira Duma janela azul; e, com o ralo Do regador, parece que joeira Ou que borrifa estrelas; e a poeira Que eleva nuvens alvas a incensá-lo. Chegam do gigo emanações sadias, Ouço um canário - que infantil chilrada! Lidam ménages entre as gelosias, E o sol estende, pelas frontarias, Seus raios de laranja destilada. E pitoresca e audaz, na sua chita, O peito erguido, os pulsos nas ilhargas, Duma desgraça alegre que me incita, Ela apregoa, magra, enfezadita, As suas couves repolhudas, largas. E, como as grossas pernas dum gigante, Sem tronco, mas atléticas, inteiras, Carregam sobre a pobre caminhante, Sobre a verdura rústica, abundante, Duas frugais abóboras carneiras. Cesário Verde, in 'O Livro de Cesário Verde'
O Sentimento dum Ocidental
I Avé-Maria Nas nossas ruas, ao anoitecer, Há tal soturnidade, há tal melancolia, Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia Despertam-me um desejo absurdo de sofrer. O céu parece baixo e de neblina, O gás extravasado enjoa-me, perturba; E os edifícios, com as chaminés, e a turba Toldam-se duma cor monótona e londrina. Batem carros de aluguer, ao fundo, Levando à via-férrea os que se vão. Felizes! Ocorrem-me em revista, exposições, países: Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo! Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
III Ao Gás E saio. A noite pesa, esmaga. Nos Passeios de lajedo arrastam-se as impuras. Ó moles hospitais! Sai das embocaduras Um sopro que arrepia os ombros quase nus. Cercam-me as lojas, tépidas. Eu penso Ver círios laterais, ver filas de capelas, Com santos e fiéis, andores, ramos, velas, Em uma catedral de um comprimento imenso. As burguesinhas do Catolicismo Resvalam pelo chão minado pelos canos; E lembram-me, ao chorar doente dos pianos, As freiras que os jejuns matavam de histerismo. Num cutileiro, de avental, ao torno, Um forjador maneja um malho, rubramente;
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As edificações somente emadeiradas: Como morcegos, ao cair das badaladas, Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros. Voltam os calafates, aos magotes, De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos; Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos, Ou erro pelos cais a que se atracam botes. E evoco, então, as crónicas navais: Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado! Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado! Singram soberbas naus que eu não verei jamais! E o fim da tarde inspira-me; e incomoda! De um couraçado inglês vogam os escaleres; E em terra num tinir de louças e talheres Flamejam, ao jantar alguns hotéis da moda. Num trem de praça arengam dois dentistas; Um trôpego arlequim braceja numas andas; Os querubins do lar flutuam nas varandas; Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas! Vazam-se os arsenais e as oficinas; Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras; E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras, Correndo com firmeza, assomam as varinas. Vêm sacudindo as ancas opulentas! Seus troncos varonis recordam-me pilastras; E algumas, à cabeça, embalam nas canastras Os filhos que depois naufragam nas tormentas. Descalças! Nas descargas de carvão, Desde manhã à noite, a bordo das fragatas; E apinham-se num bairro aonde miam gatas, E o peixe podre gera os focos de infecção!
II Noite Fechada Toca-se às grades, nas cadeias. Som Que mortifica e deixa umas loucuras mansas! O Aljube, em que hoje estão velhinhas e crianças, Bem raramente encerra uma mulher de “dom”! E eu desconfio, até, de um aneurisma Tão mórbido me sinto, ao acender das luzes; À vista das prisões, da velha Sé, das Cruzes, Chora-me o coração que se enche e que se abisma.
E de uma padaria exala-se, inda quente, Um cheiro salutar e honesto a pão no forno. E eu que medito um livro que exacerbe, Quisera que o real e a análise mo dessem; Casas de confecções e modas resplandecem; Pelas vitrines olha um ratoneiro imberbe. Longas descidas! Não poder pintar Com versos magistrais, salubres e sinceros, A esguia difusão dos vossos reverberos, E a vossa palidez romântica e lunar! Que grande cobra, a lúbrica pessoa, Que espartilhada escolhe uns xales com debuxo! Sua excelência atrai, magnética, entre luxo, Que ao longo dos balcões de mogno se amontoa. E aquela velha, de bandós! Por vezes, A sua traine imita um leque antigo, aberto, Nas barras verticais, a duas tintas. Perto, Escarvam, à vitória, os seus mecklemburgueses. Desdobram-se tecidos estrangeiros; Plantas ornamentais secam nos mostradores; Flocos de pós-de-arroz pairam sufocadores, E em nuvens de cetins requebram-se os caixeiros. Mas tudo cansa! Apagam-se nas frentes Os candelabros, como estrelas, pouco a pouco; Da solidão regouga um cauteleiro rouco; Tornam-se mausoléus as armações fulgentes. “Dó da miséria!... Compaixão de mim!...” E, nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso, Pede-me esmola um homenzinho idoso, Meu velho professor nas aulas de Latim!
III Horas Mortas O tecto fundo de oxigénio, de ar, Estende-se ao comprido, ao meio das trapeiras; Vêm lágrimas de luz dos astros com olheiras, Enleva-me a quimera azul de transmigrar. Por baixo, que portões! Que arruamentos! Um parafuso cai nas lajes, às escuras: Colocam-se taipais, rangem as fechaduras, E os olhos dum caleche espantam-me, sangrentos. E eu sigo, como as linhas de uma pauta A dupla correnteza augusta das fachadas;
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A espaços, iluminam-se os andares, E as tascas, os cafés, as tendas, os estancos Alastram em lençol os seus reflexos brancos; E a Lua lembra o circo e os jogos malabares. Duas igrejas, num saudoso largo, Lançam a nódoa negra e fúnebre do clero: Nelas esfumo um ermo inquisidor severo, Assim que pela História eu me aventuro e alargo. Na parte que abateu no terremoto, Muram-me as construções rectas, iguais, crescidas; Afrontam-me, no resto, as íngremes subidas, E os sinos dum tanger monástico e devoto. Mas, num recinto público e vulgar, Com bancos de namoro e exíguas pimenteiras, Brônzeo, monumental, de proporções guerreiras, Um épico doutrora ascende, num pilar! E eu sonho o Cólera, imagino a Febre, Nesta acumulação de corpos enfezados; Sombrios e espectrais recolhem os soldados; Inflama-se um palácio em face de um casebre. Partem patrulhas de cavalaria Dos arcos dos quartéis que foram já conventos: Idade Média! A pé, outras, a passos lentos, Derramam-se por toda a capital, que esfria. Triste cidade! Eu temo que me avives Uma paixão defunta! Aos lampiões distantes, Enlutam-me, alvejando, as tuas elegantes, Curvadas a sorrir às montras dos ourives. E mais: as costureiras, as floristas Descem dos magasins, causam-me sobressaltos; Custa-lhes a elevar os seus pescoços altos E muitas delas são comparsas ou coristas. E eu, de luneta de uma lente só, Eu acho sempre assunto a quadros revoltados: Entro na brasserie; às mesas de emigrados, Ao riso e à crua luz joga-se o dominó.
Pois sobem, no silêncio, infaustas e trinadas, As notas pastoris de uma longínqua flauta. Se eu não morresse, nunca! E eternamente Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas! Esqueço-me a prever castíssimas esposas, Que aninhem em mansões de vidro transparente! Ó nossos filhões! Que de sonhos ágeis, Pousando, vos trarão a nitidez às vidas! Eu quero as vossas mães e irmãs estremecidas, Numas habitações translúcidas e frágeis. Ah! Como a raça ruiva do porvir, E as frotas dos avós, e os nómadas ardentes, Nós vamos explorar todos os continentes E pelas vastidões aquáticas seguir! Mas se vivemos, os emparedados, Sem árvores, no vale escuro das muralhas!... Julgo avistar, na treva, as folhas das navalhas E os gritos de socorro ouvir, estrangulados. E nestes nebulosos corredores Nauseiam-me, surgindo, os ventres das tabernas; Na volta, com saudade, e aos bordos sobre as pernas, Cantam, de braço dado, uns tristes bebedores. Eu não receio, todavia, os roubos; Afastam-se, a distância, os dúbios caminhantes; E sujos, sem ladrar, ósseos, febris, errantes, Amareladamente, os cães parecem lobos. E os guardas, que revistam as escadas, Caminham de lanterna e servem de chaveiros; Por cima, as imorais, nos seus roupões ligeiros, Tossem, fumando sobre a pedra das sacadas. E, enorme, nesta massa irregular De prédios sepulcrais, com dimensões de montes, A Dor humana busca os amplos horizontes, E tem marés, de fel, como um sinistro mar! Cesário Verde
Eu Sou do Tamanho do que Vejo
Da minha aldeia veio quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não, do tamanho da minha altura...
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Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.
Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema VII" , Heterónimo de Fernando Pessoa
Esta é a cidade Esta é a Cidade, e é bela. Pela ocular da janela foco o sémen da rua. Um formigueiro se agita, se esgueira, freme, crepita, ziguezagueia e flutua. Freme como a sede bebe numa avidez de garganta, como um cavalo se espanta ou como um ventre concebe. Treme e freme, freme e treme, friorento voo de libélula sobre o charco imundo e estreme. Barco de incógnito leme cada homem, cada célula. É como um tecido orgânico que não seca nem coagula, que a si mesmo se estimula e vai, num medido pânico. Aperfeiçoo a focagem. Olho imagem por imagem numa comoção crescente. Enchem-se-me os olhos de água. Tanto sonho! Tanta mágoa! Tanta coisa! Tanta gente! São automóveis, lambretas, motos, vespas, bicicletas, carros, carrinhos, carretas, e gente, sempre mais gente, gente, gente, gente, gente, num tumulto permanente que não cansa nem descansa, um rio que no mar se lança em caudalosa corrente. Tanto sonho! Tanta esperança! Tanta mágoa! Tanta gente! António Gedeão, in 'Antologia Poética'
A minha aldeia Minha aldeia é todo o mundo. Todo o mundo me pertence. Aqui me encontro e confundo com gente de todo o mundo que a todo o mundo pertence. Bate o sol na minha aldeia com várias inclinações. Angulo novo, nova ideia; outros graus, outras razões. Que os homens da minha aldeia são centenas de milhões. Os homens da minha aldeia divergem por natureza. O mesmo sonho os separa, a mesma fria certeza os afasta e desampara, rumorejante seara onde se odeia em beleza. Os homens da minha aldeia formigam raivosamente com os pés colados ao chão. Nessa prisão permanente cada qual é seu irmão. Valência de fora e dentro ligam tudo ao mesmo centro numa inquebrável cadeia. Longas raízes que imergem, todos os homens convergem no centro da minha aldeia. António Gedeão, in 'Antologia Poética'
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Balada de Lisboa Em cada esquina te vais Em cada esquina te vejo Esta é a cidade que tem Teu nome escrito no cais A cidade onde desenho Teu rosto com sol e Tejo Caravelas te levaram Caravelas te perderam Esta é a cidade onde chegas Nas manhãs de tua ausência Tão perto de mim tão longe Tão fora de seres presente Esta e a cidade onde estás Como quem não volta mais Tão dentro de mim tão que Nunca ninguém por ninguém Em cada dia regressas Em cada dia te vais
Em cada rua me foges Em cada rua te vejo Tão doente da viagem Teu rosto de sol e Tejo Esta é a cidade onde moras Como quem está de passagem Às vezes pergunto se Às vezes pergunto quem Esta é a cidade onde estás Com quem nunca mais vem Tão longe de mim tão perto Ninguém assim por ninguém Manuel Alegre, in "Babilónia"