02/07/2015 Presidiários de Porto Alegre fazem documentário sobre vida no cárcere
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Presidiários de Porto Alegre fazem documentáriosobre vida no cárcere11/03/2014 • 08:56
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ImprimirReduzir tamanho do texto Tamanho normal do texto Aumentar tamanho do textoNa galeria E1 do Presídio Central de Porto Alegre, um projeto social tenta ajudar detentos na busca pelaliberdade. Não das celas, mas das drogas. Todas as sextasfeiras, um grupo de 48 homens se encontra com aadvogada Carmela Grüne, de 32 anos, e realiza atividades culturais que incluem até uma oficina de cinema. Elessão dependentes químicos em tratamento e finalizam o roteiro de um curtametragem a ser rodado dentro dacasa a partir de um financiamento coletivo.
Considerado o maior sistema de detenção do Rio Grande do Sul, o presídio abriga atualmente 4.378 detentos,embora a capacidade máxima seja de 2.069. De acordo com a Superintendência dos Serviços Penitenciários do
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RS (Susepe), cerca de 60% dos presos do local são por tráfico de drogas. Apesar de não receber a classificaçãode penitenciária por ser, teoricamente, um local para presos provisórios, há condenados cumprindo pena nascelas.
A galeria E1, onde é desenvolvido o projeto que deu origem a um documentário, contrasta com os outrospavilhões. Enquanto ali o clima é de cooperação, nas outras galerias do complexo de três andares o impacto dasuperlotação é evidente.
A poucos metros da E1, mais de 12 pessoas ocupam uma cela projetada para receber quatro. Em situaçãoprecária, detentos têm acesso a drogas e telefones celulares. As paredes são descascadas, com buracos e háproblema de infiltração, o que acentua o mau cheiro do local. Os presos têm de revezar os colchões para dormir.Os problemas de estrutura fizeram com que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, tribunal vinculado àOrganização dos Estados Americanos (OEA), exigisse melhorias na casa.
A realidade da galeria E1 é bem diferente: nas 12 celasdestinadas aos presospacientes, os beliches são divididos entre os homens em tratamento. Alimentos sãoguardados em pequenas prateleiras de madeira e até livros fazem parte da decoração.
Em uma das celas, televisões, ventiladores, roupas e um som ocupam o espaço. O banheiro da galeria está sendoreformado pelos próprios moradores após a doação dos materiais para a obra. E em uma mesa no corredor, eles
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passam o tempo jogando cartas.
É na sala comum da E1 que o contraste se torna ainda mais evidente. Uma parede amarela foi grafitada comuma mensagem de boasvindas logo na entrada, enquanto as outras são forradas com fotos e cartazes dostrabalhos do projeto Direito no Cárcere. Nas imagens, os presos sorriem. A geladeira comum, pequena e comalguns problemas de refrigeração, guarda as refeições, todas feitas por eles mesmos.
O acesso a esse novo mundo, no entanto, exige comprometimento e disposição de abandonar os antigos hábitos.Para se mudar para a galeria de tratamento é preciso se voluntariar e pedir permissão à Justiça. Se aprovada asolicitação, os novos moradores passam por um hospital antes da transferência.
“Eles passam 21 dias em tratamento, precisam demonstrarinteresse e vontade. Na galeria, têm acompanhamento psicológico, psiquiátrico, atendimento social e participamdos projetos sociais e de entidades religiosas”, explicou o diretor do presídio, tenentecoronel Osvaldo LuisMachado da Silva.
As dificuldades durante o tratamento contra o vício são partilhadas pelos 48 homens que vivem no local. Muitasvezes, a abstinência faz com que alguns tenham vontade de voltar para o “fundo”, como se referem às outrasgalerias do Central. Neste momento, o clima de companheirismo e o ambiente mais leve são aliados dos presos.
Wagner Zandavalle, de 34 anos, conta que além de mais higiênico e com população menor, a galeria E1 éhabitada também por pessoas que se respeitam. "É fácil criar um espaço, colocar 50 pessoas e dizer: 'aqui vocêsnão vão mais usar drogas'. Temos que ter a nossa união", afirma Zandavalle. Segundo ele, nas últimas semanas,um dos colegas apareceu com drogas e foi criticado.
Estar no local também auxilia na revisão da pena pelo Judiciário. Ali, eles têm acesso a uma biblioteca comlivros que vão desde Paulo Coelho e John Grishman, passando por livros espíritas e obras da área de direitoficam acessíveis. Depois da leitura, os presos precisam escrever um texto resumindo as páginas e encaminhar aojuiz responsável por seus processos.
Do lado de fora do Presídio Central, a população pode conhecera rotina dos presos por meio de um canal de vídeos no Youtube. O Vlog Liberdade mostra imagens gravadaspor eles mesmos.
Foi lá que o escritor Ricardo Kroeff assistiu aos vídeos e doou livros e camisetas de futebol para a realização deum GreNal entre os ocupantes da galeria. Junto com o presente, enviou uma carta contando a sua história. O
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papel foi afixado no salão comum da galeria e lido em voz alta.
"Vocês já jogaram bola com uma camiseta que fez vocês jogarem bem melhor porque sonharam que eramdaquele time ou que eram aquele jogador? Pois é, isso acontece, é maravilhoso e rola também com esses livrosque mandei. Tem vidas ali dentro. Mas estão presas, e cabe a vocês libertarem elas ou não. Procurem bem quetem coisas lá, prometo. Liberdade é poder escolher suas prisões", escreveu no texto.
Para Evilton Vizeu Candiota, de 42 anos, sair do mundo das drogas e participar das atividades dá também umaperspectiva de futuro. Responsável pelo grupo de negócios, montou um plano de produção e vendas de diversosobjetos a serem confeccionados dentro do Central.
“Queremos fazer sacolas descartáveis, caixas de presentes, velas e sabonetes para vender em feiras de economiasolidária”, empolgase.
Da mesma forma, Felipe Loureiro Martins, de 32 anos, encontrou um jeito de passar o tempo. Quando foi presotinha apenas a 6ª série completa. Hoje, já completou o segundo grau, possui um curso técnico e se dedicou a lertodo o Código Penal e reescrevêlo através do seu ponto de vista. Todo o esforço foi realizado dentro da cadeia.“O Código Penal foi escrito para apenas uma parte da população entender. Eu reescrevi com o meu ponto devista, de dentro da prisão”, finaliza.
Curtametragem abordará sentimentos negativos dentro da prisão
Entre as atividades promovidas pelo projeto Direito no Cárcere,uma oficina de cinema ocorre desde janeiro deste ano. Com a ajuda do produtor Jai Júnior, os detentos estãocriando um roteiro coletivo para a gravação de um curta na galeria E1. A ideia do curta, segundo ele, é mostrarpor meio da ficção as ansiedades dos dependentes químicos.
“Estou há um ano e meio voluntariando no projeto. Trabalho em uma produtora audiovisual e percebi neles avontade de fazer um filme. Queremos quebrar esses paradigmas da visão da prisão e do prisioneiro”, fala JaiJúnior.
O enredo conta a história de um homem que quer sair do local e voltar para as galerias que não oferecemtratamento. O conflito interno o leva a enxergar as virtudes da vida, como a coragem, a esperança e a fé, etambém as maldades, travestidas na figura do diabo.
O protagonista será vivido por Leandro Martins, de 36 anos, com uma pena de 19 anos a ser cumprida noPresídio Central. “Já temos o texto quase feito. Este preso vai querer sair do projeto, mas nos outros lugares hádroga, telefone. Aqui ele está mudando”, explica, sobre o enredo da trama.
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Heber Luis Trindade Moreira, de 32 anos, é o idealizador doargumento. “O personagem vai fraquejar. Queremos mostrar como é lidar com a abstinência. Cada celarepresentará uma virtude”, conta Moreira. Ele foi preso há um ano e 11 meses e cumpre pena de seis anos portráfico de drogas. “Um apoiando o outro, a gente consegue vencer”, completa.
A ideia é colocar o projeto em um site de financiamento coletivo para arrecadar fundos para confeccionar osfigurinos, trazer pessoal e equipamentos adequados. Todos os papéis serão interpretados pelo grupo. “Acreditoque até abril a gente consiga finalizar o trabalho conjunto”, projeta o produtor Jai Júnior.
Além da oficina de cinema, a advogada Carmela promove atividades inspiradas em quatro pilares: neurociência,direito, artes e tecnologia, que ajudam na reinserção dos detentos na sociedade. Para ela, a criação do projeto éum dos passos para popularizar ainda mais a cultura jurídica e o entendimento do que é direito.
“Temos uma política pública muito distante do cidadão comum. Aqui no presídio 70% não tem o ensinofundamental. E isso gera falta de empoderamento, de cidadania, gera a violência, baixa autoestima, o desvio docaminho”, reitera a voluntária.
Junto ao projeto no Central, ela assina o Jornal Estado de Direito, realiza palestras sobre o tema e atua emoutros programas sociais. “Quando a gente coloca uma plataforma de expressão para os presos se comunicarem,a gente tá popularizando uma cultura. Ali eles são protagonistas. É um paradigma: no cárcere eles seexpressarem mais do que na rua”, avalia. "Eles têm uma câmera, livros e muita vontade de aprender ecompartilhar".
Para Carmela, a oportunidade de visualizar e desenvolver o Direito no Cárcere traz também um benefíciopessoal: a sensação de dever cumprido. "A sensação é de humanidade, amor. Quando eu cheguei eles eramfechados, de braços cruzados, hoje estão todos de braços abertos. Eu ganho isso imediatamente", completa.
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