A cadeia de produção dos Queijos Artesanais. Queijos Artesanais, n° 1, março, 2020, 18p.
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Queijos Artesanais
Boletim de Extensão CTPOA / UFVJM
N° 01 Março - 2020
A cadeia de produção dos Queijos Artesanais
A cadeia de produção dos Queijos Artesanais. Queijos Artesanais, n° 1, março, 2020, 18p.
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APRESENTAÇÃO
Queijos Artesanais é um boletim técnico de extensão universitária gratuitamente
produzido e distribuido pelo Setor de Ciência e Tecnologia dos Produtos de Origem Animal
(CTPOA), do Departamento de Zootecnia, da Universidade Federal dos Vales do
Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina, Minas Gerais. Este é um patrimônio público e gratuito a
serviço de nossa nação! Portanto, é terminantemente proibida a sua comercialização.
As atividades de ensino, pesquisa e extensão do CTPOA, dentre as quais a produção
deste boletim, são de responsabilidade do Prof. Cleube Andrade Boari (Zootecnista, Mestre
e Doutor em Ciência dos Alimentos pela Universidade Federal de Lavras, Professor
Associado do Departamento de Zootecnia, da Universidade Federal dos Vales do
Jequitinhonha e Mucuri, Campus JK, Diamantina, Minas Gerais).
Encaminhe uma mensagem para [email protected] para se cadastrar e receber em
seu email os números do boletim Queijos Artesanais em formato PDF.
A cadeia de produção dos Queijos Artesanais. Queijos Artesanais, n° 1, março, 2020, 18p.
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Palavras a nossos Leitores!
Saudações estimados Amigos e Amigas desta Sociedade Queijeira!
O projeto para elaborar este boletim técnico de extensão nasceu de uma observação
bastante curiosa. Na base de dados internacional de artigos científicos, a qual consultamos
corriqueiramente, existe, até este momento, nada mais, nada menos, do que 500.154 artigos
relacionados ao assunto leite (‘milk’) e 86.504 artigos relacionados ao assunto Queijo (‘cheese’)!
Uma verdadeira riqueza, infelizmente distante do nosso Produtor. Sabe por que? Porque os
artigos estão redigidos em inglês, porque o seu conteúdo é extremamente científico, o que pode
dificultar o seu entendimento (Haja tabelas! Haja equações! Haja números misturados com
letras) e porque cada um custa por volta de 40 doláres. As vezes é necessário estudar no
mínimo 5 artigos para se elucidar um contexto!
Em nossas Universidades Federais somos privilegiados pelo livre acesso a boa parte
deste material! Sabendo disto o que faremos então para contribuir com o desenvolvimento de
nossa produção de Queijos Artesanais? Elaboraremos revisões e as dispobilizaremos aos
amigos na forma deste boletim. Nosso objetivo é contribuir, nem que seja um pouquinho, com
este belissimo movimento do Queijo Artesanal que temos vivenciado em nosso Brasil. Sem a
menor sombra de dúvidas, a produção de Queijos Artesanais, além de sua importância imaterial,
cultural, histórica, inovadora e criativa é imensurável fonte de riquezas, oportunidades e
prosperidade para muitas regiões, especialmente as mais carentes e afetadas pela desigual
distribuição de rendas de nosso país.
O que propomos é a oferta de conhecimento úteis, de forma gradual e continuada. A
partir deste número 01 teremos a publicação de, no mínimo, um boletim a cada mês. Tenham a
certeza de que lhes entregamos estes primeiro número e já estamos trabalhando no segundo e
no terceiro também.
A cadeia de produção dos Queijos Artesanais. Queijos Artesanais, n° 1, março, 2020, 18p.
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Para este nosso primeiro número optamos por um assunto básico. Aboraremos algumas
questões relativas à cadeia de produção dos Queijos Artesanais. Desejamos a todos excelente
estudo! Compartilhem este material ... É nosso ... !!!! ....
A prática nos leva a lugares inemagináveis.
Entretanto, quando fundamentada com a teoria se
torna muito menos ardua, muito mais sustentável e
próspera!
Cleube Andrade Boari
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A cadeia de produção dos Queijos Artesanais
Cleube Andrade Boari1
Podemos considerar que a pecuária leiteira no Brasil e no mundo se apresenta em dois
panoramas diferentes e igualmente importantes. Um destes se relaciona com a lucratividade do
negócio pelo volume de leite cru produzido e comercializado para laticínios. No outro panorama,
a lucratividade esta relacionada ao processamento artesanal dos derivados do leite,
especialmente Queijos, com elevado potencial de agregação de valor.
Para alguns pequenos e médios pecuaristas o modelo de lucratividade pelo volume de
leite cru produzido acaba por exigir muitos investimentos e sacrifícios em seu dia a dia, quais
não necessariamente se refletem em melhorias na qualidade de sua vida. Além disto, desafios
como a baixa disponibilidade de solos férteis, o custo da terra, o custo da água, o custo das
tecnologias, o custo e oferta de mão de obra, bem como condições climáticas cada vez mais
imprevisíveis dificultam ainda mais o aumento da produção de leite. Por esta razão acaba sendo
melhor para estes pecuaristas o modelo de lucratividade pelo beneficiamento artesanal da
matéria-prima.
Ambos os panoramas requerem muitos e bons técnicos. Porém, como a valorização da
produção artesanal de derivados do leite, especialmente Queijos, ainda é recente no Brasil, há
escassez de extensionistas que verdadeiramente compreendam as especificidades deste
segmento produtivo. Elas são muito diferentes daquelas observadas na pecuária leiteira de
médio e grande porte, a começar pelo manejo dos rebanhos. Há, portanto, inúmeras
oportunidades profissionais para os mais variados bacharéis e tecnólogos, por todo o país.
A produção artesanal de Queijos tem contribuído em muito para a prosperidade de
muitos Produtores e o seu bom desempenho tem estimulado, cada vez mais, a entrada de outros
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A cadeia de produção dos Queijos Artesanais. Queijos Artesanais, n° 1, março, 2020, 18p.
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neste segmento. Porém, é importante salientar que o seu sucesso dependerá de alguns fatores,
como:
de produzir o (s) Queijo (s) certo (s), valorizando-se a matéria-prima utilizada, o saber fazer, a
cultura, a história, a criatividade, a inovação e as características naturais oferecidas por sua
propriedade (terroir);
do criterioso atendimento das boas práticas agropecuárias para a produção do leite cru, das
boas práticas de fabricação para a produção de Queijos e das boas práticas de
comercialização dos produtos;
da qualificação técnica de todas as pessoas envolvidas na produção do leite cru e dos
Queijos Artesanais e não apenas do proprietário do negócio;
do controle da fabricação e da prevenção de defeitos: não é porque o produto é artesanal é
que se deva aceitar variações ilimitadas na sua qualidade. Quando comparado a um Queijo
industrializado obviamente o Queijo Artesanal apresenta maiores variações em suas
características e parâmetros de qualidade, especialmente ocasionadas pela influência do
terroir, pelo aspecto manual da produção e pelos impactos mais diretos das diferentes épocas
do ano (sazonalidade). Entretanto, parte das variações é inaceitável, sendo causada por
falhas na produção de leite, na fabricação dos Queijos e nos cuidados durante a distribuição
e comercialização. Na medida em que este segmento de mercado se consolida, os Clientes
se tornam conhecedores do produto e capazes de identificar falhas. Portanto, a ocorrência de
defeitos pode prejudicar a imagem do negócio. Cita-se como exemplo de defeitos,
infelizmente ainda comuns, os estufamentos, o sabor amargo definitivo e o ressecamento
(‘petrificação’). Devo ressaltar que o Produtor deve adotar tecnologias que possam contribuir
com melhorias dos processos produtivos e dos Queijos. Produção artesanal não pode ser
sinônima de produção rudimentar. Ao contrário, cada geração tem o compromisso de
deixar o seu legado, preservando-se a espinha dorsal da tradição e da cultura queijeira;
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da gestão do negócio: o Produtor deve se despir da modestidade e assumir a sua
personalidade de Empreendedor e de Empresário. Deve ser notório conhecedor dos lucros,
dos custos e da priorização de investimentos nas propriedades. Obviamente, precisa
aprender a pagar a si mesmo. Isto mesmo! Precisa entender que o negócio gera seu salário..
sagrado salário! Se você não entender isto e mistura-lo com recursos de investimento corre o
risco de nunca ter dinheiro no bolso;
dos projetos: cada investimento, seja uma nova propriedade, um novo curral, uma nova sala
de ordenha, uma nova Queijaria, um ambiente para maturação, uma loja, assim como
adaptações nas estruturas existentes, requerem projetos. É muito mais fácil e barato apagar
um esboço e deletar um arquivo do que, mais adiante, derrubar paredes;
de se permitir ser descoberto pelo mercado: o Produtor tem que dar visibilidade a seu
negócio. Para isto, existem meios eficazes e gratuitos, como as redes sociais (Whatsapp,
Facebook, Instagram, Twiter, por exemplo). Na maioria das vezes os Clientes para nossos
produtos estão fisicamente distantes de nós. Isto aqui me faz lembrar alguns comentários que
ouço: ‘Professor, mas aqui na minha cidade não há mercado para Queijo Maturado! Devo
investir nisto?’. A resposta que dou é de que ele deve entender que o mercado dele é muito
maior do que ele imagina. Seja visível a ele! Talvez seja útil que os Produtores contem com
secretariado para atender as vendas que acontecem pelas redes sociais, pois nem sempre é
fácil assimilar mais esta tarefa! Reúnam-se em grupos, por afinidade, e contratem alguém
para ficar por conta disto!;
de inovar: na medida em que a produção evolui se abrem portas para a criação de novos
Queijos Artesanais – os Queijos Autorais! Para que isto aconteça, o Produtor deve entender
que sua Queijaria é também o seu laboratório. Ele deve estudar e conhecer técnicas de
produção aplica-las, testa-las e padroniza-las. Ao fim de seus esforços ele poderá
proporcionar a seus Clientes novas experiências sensoriais e se diferenciar neste segmento
que, dia a dia, torna-se mais competitivo. O mercado sempre terá grande espaço para
Queijos inovadores, desde que, obviamente, sejam especiais;
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de vislumbrar a prestação de serviços associados à produção artesanal dos Queijos: a ‘roça’
é um excelente ambiente para vários negócios de sucesso. Nela, o Produtor poderá usufruir
além da produção de seu Queijo, repleto de influências locais (terroir), do Turismo, da
Gastronomia e da Qualificação. A ‘roça’ pode oferecer as viviências, os baquentes, a música,
as estórias, os conhecimentos, a tranquilidade, o contato com animais, com a natureza, com
o interior, com as raízes e com a cultura que muitos turistas têm buscado! Mas para isto dar
certo é importante que a ‘roça’ seja limpa, bonita, dramática e romântica. O Produtor precisar
construir este contexto! Se um turista chegar em uma roça suja, imaginem vocês o que ele
pensará dos Queijos.
Sabemos que construções, adequações e melhorias requerem investimentos, em parte
monetários, em parte comportamentais, os quais muitas das vezes não são fáceis. Eles podem
ser custosos, tanto do ponto de vista financeiro, quanto psicológico. Muitas vezes o desânimo
aparece, mas deve ser rebatido e o foco mantido, pois quando a produção atinge a sua
maturidade, todas estas dificuldades são compensadas.
Sempre haverá limitações financeiras para se realizar todos os investimentos que
gostaríamos. Por esta razão é fundamental estabelecer as prioridades. Devemos sempre nos
perguntar: qual é neste momento o principal gargalo da minha produção de Queijos? O que
neste momento esta impactando mais na produção? O que neste momento tem mais me
dificultado a produzir o Queijo que eu gostaria, com a qualidade que eu gostaria? Se pararmos
para avaliar um problema pode ter várias causas, mas existem algumas que tem maior impacto e
é nelas que devemos agir prontamente! Não se pode passar um dia sequer sem que um
investimento seja realizado, por menor que ele nos pareça!
Por muitas vezes Produtores e aspirantes à produção me perguntaram qual seria o
principal investimento a ser feito. Eu lhes respondi: investir no conhecimento e estudar muito.
Quanto mais achamos que sabemos, menos sabemos! Esta célebre frase se aplica a
absolutamente tudo. O estudo e o conhecimento proporcionam melhorias inquestionáveis na
produção e na qualidade dos Queijos Artesanais. Além disto, contribuem para que o Produtor
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possa se posicionar com inteligência e elegância perante os questionamentos vindos de
diferentes atores, inclusive de seus Clientes.
O que é uma Cadeia Produtiva?
Podemos definir uma cadeia produtiva (do inglês: ‘supply chain’) como sendo um
conjunto identificável de pessoas e de investimentos organizados em um fluxo que se inicia no
Campo e finaliza em um Cliente.
Nesta distância e neste intervalo de tempo entre o Campo e o Cliente estão inseridos os
três setores da economia: setor primário; setor secundário; setor terciário.
Figura: Cadeia de Produção de Queijos Artesanais
Fonte: figura elaborada pelo autor
Todos os investimentos realizados no setor primário tem uma finalidade: a produção da
matéria-prima, no nosso caso, o leite cru. Nosso setor primário é a nossa roça (nosso terroir!).
Dela fazem parte os animais, as pastagens, as construções, os currais, os tratores, a sala de
ordenha, os colaboradores, dentre outros.
Os investimentos feitos no setor secundário tem por objetivo a transformação do leite
cru (matéria-prima) nos Queijos. Nosso setor secundário é a nossa Queijaria, as pessoas que
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nela trabalham e todas as técnicas, etapas de processamento e receitas necessárias à produção
de nossos Queijos. O setor secundário se inicia na recepção do leite cru e finaliza na expedição.
Os investimentos feitos no setor terciário têm por finalidade a distribuição e
comercialização de nossos Queijos. Dele fazem parte aquela lojinha que temos na nossa
propriedade, o lojista que vende nosso produto nas cidades, as lojas virtuais, os sites de venda,
o Chef, o Cozinheiro, o Gastrônomo ... enfim, toda esta maravilhosa complexidade! Por estarem
mais próximos ao Cliente, as pessoas deste setor detém informações valiosas que podem nos
auxiliar a melhorar e adequar nossos Queijos e, até mesmo, criar novos produtos. Seja pela
maturação no ponto de venda ou por técnicas de afinagem estes atores produtivos podem até
dar toques finais nos Queijos para torna-los ainda mais atrativos para determinados Clientes.
Gostaria de diferenciar a maturação no ponto de venda da maturação de terroir, sendo
esta realizada no setor secundário (nas Queijarias), com influências das características naturais
da Propriedade, do saber fazer do Produtor, da cultura local e da história. Utilizo estas
expressões de maturação de ponto de venda e de maturação de terroir, bem como maturação
de entreposto ou de fabrica de laticínios para apresentar a meus Discentes em sala de aula a
belíssima complexidade do que tem acontecido no Brasil e as oportunidades para
empreendedorismo.
Além dos atores acima descritos, toda esta cadeia produtiva é atendida por inúmeras
empresas que fornecem aditivos diversos, como alimentos para os animais, sêmen para a
inseminação artificial, medicamentos veterinários, coalho, coagulante, cloreto de sódio (sal),
formas para os Queijos, detergentes, sanitizantes, equipamentos, embalagens, etc, etc....
Faltou definir alguém ???? Hummmm ... Quem é o Cliente? Esta resposta é única! Ele é
o Rei!.. É a razão para toda esta cadeia produtiva existir ... É para ele que devemos orientar a
qualidade, segurança e a complexidade sensorial de nossos Queijos, especialmente os sabores,
aromas, texturas, aparências. Obviamente Clientes são pessoas e cada um é cada um. Cada um
tem um gosto e uma predileção. Infelizmente, para nós, é praticamente impossível atender
exigências individuais. Entretanto, mesmo sendo seres únicos, é possível agrupar nossos
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Clientes por desejos e por necessidades parecidas, no que chamamos de segmentação de
mercado. Existem segmentos, ou nichos de mercado, que preferem Queijos com sabores e
aromas mais fortes, mais maturados, mais complexos ... outros preferem Queijos mais suaves
.... outros preferem Queijos mais frescos ... uns podem e estão dispostos a pagar mais pelo
Queijo e associam isto a uma condição de exclusividade ... outros não podem ou estão dispostos
a pagar menos ... uns gostam de tudo isto, posicionando Queijos mais suaves no dia a dia e
Queijos mais complexos nos momentos de celebração. Enfim, escrevo isto para lhes mostrar o
tanto de oportunidades existentes. Você pode produzir não apenas um, mas vários Queijos
artesanais diferentes em sua Queijaria.
Cada vez que um Cliente compra o nosso Queijo ou o consome em unidades de
alimentação, como restaurantes, atendemos as suas necessidades alimentares e ele, ao fim,
deposita crédito (dinheiro) na cadeia produtiva. Este crédito ‘irradia’ desde o supermercado, a
loja de Queijo, o Restaurante, até chegar no setor secundário e, por fim, no setor primário. O
crédito flui desde a ‘maquininha do cartão’ até a boca de nossas vacas, cabras e ovelhas!
Para qualquer pessoa que faça parte desta cadeia produtiva, seja em qualquer setor
econômico, é fundamental ter conhecimento de tudo o que acontece e de todos que dela fazem
parte. Por isto, neste momento, aconselho-lhes um exercício: pegue um papel e uma caneta e
estruture a cadeia produtiva da qual você faz parte! ‘De nomes aos bois’ .. caracterize o setor
primário (propriedades, pessoas, locais), o setor primário (a Queijaria) e o setor terciário que
você faz parte.
Conhecer a cadeia produtiva na qual você esta inserido é estratégia fundamental para a
gestão econômica de seu negócio e para a qualidade dos Queijos que chegam aos Clientes.
Sem dúvidas, a qualidade, ou a falta dela, é um somatório das ações boas, ou ruins, de cada elo
da cadeia produtiva.
A comunicação constante e verdadeira entre as pessoas da cadeia produtiva é um
exercício vital e bastante saudável à sustentabilidade e ao crescimento de todo o negócio. Ao
contrário disto, infelizmente é comum observar Produtores que não sabem onde seus Queijos
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estão e lojistas que não sabem a origem dos Queijos que comercializam. Em meio a tudo isto
ainda acontecem fraudes que temos notícias.
Uma particularidade da cadeia de produção de Queijos Artesanais é que os três setores
podem estar na mesma propriedade, ou seja, o Produtor cuida da produção primária do leite,
da produção dos Queijos e da comercialização. Isto pode parecer simples e fácil, afinal tudo esta
nas mãos de apenas uma pessoa, mas não é bem assim! O Produtor tem que separar tudo! O
negócio do leite é o negócio do leite ... o negócio dos Queijos é o negócio dos Queijos ... o
negócio das vendas é o negócio das vendas ... Cada um destes negócios tem que ter gestão
independente. Cada um tem que ter seu caderno de gestão próprio. Não podemos misturar o
‘dinheiro dos queijos’ com o ‘dinheiro do leite’ com o ‘dinheiro da loja’. Quando esta ‘misturada’
acontece, a falência psicológica, financeira e administrativa é um risco. Especialize-se e estude
gestão. No começo tudo pode parecer complicado, mas fará muito sentido com o passar do
tempo e lhe ajudará, sem dúvida nenhuma, a prosperar.
Contexto Geral da Produção de Queijos Artesanais
Como tudo na vida segue o seu caminho e evolui, podemos pensar que o mesmo
acontece com a produção artesanal de Queijos. Para fazermos esta reflexão faço analogia deste
processo com uma escada ‘queijeira’ e lhe pergunto: em qual degrau você esta?
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Figura: Escada Queijeira
Fonte: figura elaborada pelo autor
Daremos ao primeiro degrau o nome de Nascimento. Sim, nascimento do Queijo! O
Queijo nasce na vida de uma pessoa ou de um coletivo, que enxerga o potencial e a importância
de sua produção e, por que não, o resgate e valorização de culturas e tradições talvez
esquecidas.
Muitos Produtores brasileiros vivem hoje do Queijo que nasceu há muito tempo atrás e
sua produção tem sido passada de geração para geração. Mas, quantos Queijos têm surgido
hoje em dia? Quantas pessoas tem se interessado por isto? Definitivamente, são muitos Queijos
Artesanais nascendo no Brasil! Que bela notícia, não é? Somos e sempre seremos celeiro de
alimentos para o mundo e, tenham certeza, não demorará assistir nossos Queijos Artesanais
cruzarem legalmente as fronteiras. Isto sem contar a imensa demanda interna!
Ao segundo degrau daremos o nome de Evolução do Queijo. Com isto pretendo
insinuar que, após o Queijo nascer, o Produtor, tocado pela ideia e pelo sentimento de produzi-
lo, sente a necessidade de buscar informações sobre como isto deva acontecer. São poucas
respostas para tantas dúvidas! Quantas incertezas, receios e medos? Quantos erros e acertos?
Quantos acertos jogados fora? Quantos erros aceitos? Pode isto? Pode aquilo? Poderia me
indicar um curso? Este Queijo esta bom? Que mancha é esta? Que fungo é este? Que bactéria é
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A cadeia de produção dos Queijos Artesanais. Queijos Artesanais, n° 1, março, 2020, 18p.
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esta?.... ufa!!! ... Realmente este deve ser o degrau de maior complexidade nesta escada da
evolução! O que fazer? Resposta: com calma absorver as informações necessárias. Como fazer
isto? Resposta: buscar informações com Produtores consolidados, com Associações de
Produtores, com técnicos e profissionais de instituições e órgãos de ensino, pesquisa e extensão
e, até mesmo, com técnicos de serviços de inspeção.
Ao terceiro degrau daremos o nome de Sanitário e Legal. Podemos pensar que neste
degrau estão os Produtores que, após sanar um pouco de suas dúvidas e, após ‘acertar a mão’
na fabricação do Queijo se lançam ao ‘mar do comércio’. Eles descobrem que para vender
legalmente os seus Queijos e para fazer girar de vez a engrenagem de suas Queijarias há uma
via de procedimentos, trâmites e burocracias! Boas práticas... boas práticas e mais boas
práticas! Boas práticas agropecuárias, boas práticas de fabricação, boas práticas de
comercialização! Boas práticas... boas práticas e mais boas práticas!
Neste degrau muitos se revoltam e questionam o sistema, especialmente quando há
necessidade de se derrubar paredes e de se assistir investimentos indo ao chão (faltou projeto?).
Muitos argumentam que nunca ouviram falar de alguém que tenha passado mal após comer
Queijo Artesanal e que não faz sentido este assunto de coliformes e Staphylococcus. Muitos se
enraivecem com a falta de conexão nas falas de diferentes técnicos de inspeção... cada um fala
uma coisa!... fulano é mais exigente que beltrano. Enfim, querendo ou não, todos terão que se
adequar à legislação sanitária vigente. Não tem escapatória! Pode-se conseguir prazo para se
adequar, mas definitivamente é um caminho sem volta. Aqueles que projetam melhor o seu
negócio seguramente passam por menos tormentas nesta fase evolutiva da produção.
Em um primeiro momento pensamos que atender a legislação sanitária seja apenas (e
nunca se pode pensar nisto como ‘apenas’) para que não haja problemas de saúde publica
associadas ao consumo de nossos Queijos. Mas o que muitos Produtores desconhecem é o fato
de que estes investimentos são fundamentais para que ele possa subir para o tão desejado
próximo degrau – a maturação! Sabe por quê? Porque os piores defeitos dos Queijos
maturados estão associados a falhas nas boas práticas. Ou seja, se não as atendermos o
prejuízo será para o nosso próprio negócio.
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Uma vez perguntei a um Produtor de Queijo Artesanal da Região do Serro, Minas
Gerais, o que ele achava de todas as mudanças e as exigências da legislação sanitária. Ele
passou por aquela fase mais complicada, das primeiras legislações, das mudanças mais
abruptas e das primeiras exigências. Ele me respondeu que em um primeiro momento se
revoltou, achou tudo confuso e difícil, mas, depois que fez os investimentos mesmo à contra
gosto, ele me disse que: ‘se fosse para fazer Queijo como eu fazia antes, eu preferia nem
fazer mais!’. Aqui fica o momento de registrar outra importância das boas práticas, percebida
mais com o passar do tempo – a roça e a Queijaria ficam mais bonitas e mais organizadas! Fica
melhor de trabalhar! É a melhoria da qualidade de vida de todos.
Ao quarto degrau daremos o nome de Maturação e Terroir. Neste degrau estão os
Produtores que após vencerem os desafios sanitários se interessam pela diferenciação e pela
valorização de seus produtos. São aqueles que buscam fazer algo a mais que apenas produzir
um Queijo branco, fresco e, às vezes, barato. São aqueles que observaram que é possível
usufruir das condições naturais de sua propriedade para produzir características muito peculiares
nos seus Queijos, ao que se da o nome de terroir.
Ao quinto degrau daremos o nome de Negócio. Aqui estão os Produtores que tem
postura empresarial, tanto para a produção dos Queijos, quanto para a administração da
propriedade, em todos os contextos administrativos. São aqueles que usufruem de outros
negócios que a sua propriedade oferece, conforme já mencionamos: turismo, gastronomia e
educação queijeira. Aqui estão aqueles que vislumbram a diversificação dos seus negócios.
O sexto degrau? Deixa acontecer ... O importante é ter a percepção de que o Queijo
pode morrer em qualquer um destes degraus. Pode não passar de uma vontade e, portanto, nem
nascer... pode não evoluir ... pode morrer em meio a tantas dúvidas não esclarecidas ... pode
morrer por problemas sanitários ... pode morrer por não ser corretamente maturado ... pode
morrer se o negócio não for bem administrado! A produção artesanal para se tornar madura
requer muitos cuidados, muito foco e muita persistência. Não se pode passar um dia sem que
uma melhoria seja feita, por mais simples que pareça!
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Você pode produzir Queijos Artesanais em qualquer canto do Brasil. Pode produzir
Queijos com leite cru ou com leite pasteurizado, de vacas, cabras, ovelhas, búfalas e outras
espécies. Para tanto, você deve se orientar pela legislação vigente, tanto em nível municipal,
estadual quanto federal, para que se evitar dores de cabeça.
Há no mundo imensa variedade de Queijos Artesanais, com sabores, aromas, texturas e
aparências bastante peculiares e cujas tecnologias de produção podem lhe inspirar na criação
de seus próprios Queijos (vamos dar um basta neste tal de ‘tipo’! Dê nome e identidade ao fruto
de seu trabalho! Estes são os Queijos Autorais).
Embora sejam os Queijos tão diferentes entre si, as etapas de fabricação da grande
maioria são semelhantes. A maneira como cada uma destas etapas é realizada proporcionará as
características próprias de cada Queijo, dando-lhe a sua identidade. Dentre as variações
podemos pensar, como exemplo, na natureza da matéria-prima (espécie e raça dos animais), em
se utilizar leite cru ou pasteurizado, no coalho ou coagulante utilizado, nos microrganismos
inoculados, no corte da coalhada, no tamanho e no formato das formas e nas condições de
maturação (temperatura, umidade relativa do ar e tempo). Então um Produtor pode desenvolver
a sua própria maneira de realizar estas etapas? Claro que sim, mas para tanto é fundamental
estuda-las e conhece-las!
Com conhecimentos o Produtor pode identificar o que se pode melhorar em seus
Queijos, assim como identificar defeitos e corrigi-los. Poderá inclusive inovar na produção e nas
características dos seus Queijos, destacando-os, ainda mais, no cenário queijeiro que já vai se
tornando, dia a dia, mais competitivo.
Para facilitar o entendimento da produção o Produtor pode elaborar um Fluxograma. Um
Fluxograma de Produção, ou Diagrama de Fluxo, é uma figura na qual são indicadas cada
uma das etapas necessárias para se produzir o seu Queijo. Mudanças no processo deverão ser
acompanhadas de atualizações dos fluxogramas. Você poderá utilizá-los para treinar seus
colaboradores. É bastante útil imprimi-los e afixa-los na Sala de Produção de sua Queijaria, de
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fácil acesso visual a todos que precisarem consultá-lo. Elabore agora mesmo o Fluxograma de
Produção de seus Queijos, se ainda não o fez! Este será outro exercício que lhes recomendarei.
Ao lado de cada caixa você poderá informar alguns critérios importantes, como a quantidade de
Pingo, a quantidade de Coalho, assim como temperatura, umidade relativa do ar e tempos de
maturação. Você deve elaborar um fluxograma para cada Queijo que produz, ou produzirá.
Aplicar esta ferramenta lhe auxiliará muito quando chegar o momento de praticar o auto controle
em sua Queijaria!
Figura: Exemplo de fluxograma de produção de Queijo Artesanal (receita meramente ilustrativa)
Fonte: Figura elaborada pelo autor
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Sobre o Autor Cleube Andrade Boari. Zootecnista, Mestre e Doutor em Ciência
dos Alimentos pela Universidade Federal de Lavras. Professor
Associado do Departamento de Zootecnia, da Universidade Federal
dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Campus JK, Diamantina,
Minas Gerais. [email protected]
Como citar este material? A cadeia de produção dos Queijos Artesanais. Queijos Artesanais,
n°1, 2020, 18p.
Contato Setor de Ciência e Tecnologia dos Produtos de Origem Animal
(CTPOA). Departamento de Zootecnia. Faculdade de Ciências
Agrárias. Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e
Mucuri. Campus JK, Rodovia MG 367, Alto da Jacuba, n° 5000,
Diamantina, CEP: 39100-000, Minas Gerais, Brasil. e-mail:
Aos cuidados do Prof. Cleube Andrade Boari
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ALBUM DE FOTOS DE NOSSOS LEITORES!
Nossa Capa
Queijo Minas Artesanal BRAÚNAS (Diamantina – Minas Gerais) (instagram:
@queijobraunas). Imagem gentilmente cedida por Ewerton Abaeté e Edilson Abaeté.
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Senhor Jucá Abaeté – Patriarca do Queijo Minas Artesanal BRAÚNAS (Diamantina –
Minas Gerais) (instagram: @queijobraunas). Imagem gentilmente cedida por Ewerton Abaeté e
Edilson Abaeté.
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Queijo Minas Artesanal Datas Guzerá (Datas – Minas Gerais) (instagram:
@queijodatasguzera). Imagem gentilmente cedida por Richard Andrich.
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A cadeia de produção dos Queijos Artesanais. Queijos Artesanais, n° 1, março, 2020, 18p.
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Evento de Valorização do Queijo Artesanal no Sertão de Ceará
Fazenda Barrocas, Quixeramobim, Ceará, Brasil (fevereiro - 2020) Organizador: Karlus Martins (Instagram: @deleitefazenda)
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