Zeroazero - WordPress.com · INDICE Amor 7 Poemadeamortãogago... 8 Resgate 10 Teresa 11...
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Zero a zero15 poemas contra o genocídio
da população negra
Org: Sandrinha Alberti e Lindalva Oliveira Feitosa
DINHA2015
COORDENAÇÃO EDITORIALMe Parió Revolução
CAPA: Driely Gomes, Dinha
Projeto Gráfico: Sandrinha Alberti
SUPERVISÃO: Lindalva Oliveira Feitosa
COLABORAÇÃO:Du, Laniela Feitosa
Dados para catalogação
Todos o direitos NÃO são reservados. Liberada areprodução ou transmissão parcial e total destelivros, através de quaisquer meios.Sempre lembre de citar a fonte.
MOTA, Dinha Maria Nilda de C. zero a zero:15 poemas contra o genocídio da populaçãonegra. São Paulo: Edições Me Parió Revolução,2015.
ISBN 978.85-6831-04-1
Índice para catálogo sistemático:1. Poesia brasileira; 2: Literatura Periférica
"Aceite em troca o meu suorpor todo o sangue derramado.A história d@s negr@sa página do livro que foi rasgada.Enterrei minha armaduraindignações germinaram.Viemos de diferentes navios,mas hoje estamos no mesmo barco"
A Banca dos Loucos
“Mulheres negras são como mantas kevlarpreparadas pela vida para suportaro machismo os tiros, o eurocentrismoabalam mas não deixam nossos neurônioscativos”.
Yzalú (Letra: Eduardo)
INDICE
Amor 7
Poema de amor tão gago... 8
Resgate 10
Teresa 11
Quadrinhas nem tanto assim 16
Poema pouco poema 17
Notícia de Israel 19
Soldado Sebastião 22
Passageiro inadequado 24
Zumbis 26
Zero a Zero 27
Aprendizes 29
Amor
Teçasua teiae amorteçaa morte.
7 DINHA ZERO A ZERO
Poema de amor tão gago para asmulheres que perderam seusamarildos
Seu sonho era nuncaultrapassaressa linha de chegada. Emboranão pudesse passar sua vezadiante.
Quisera que sua vez nuncaque nuncaque nunca
chegasse.Ainda dispensavaofertas e pedidos.
Pois,na linhagem dos maridoscada qual deixou seu rastrode pólvorade angústiapele murchacorpo pescado em anzol.Cada qual deixou seu lutobaque bruscona terra e no sal.
8 DINHA ZERO A ZERO
Masnas barrigas das meninasinda o sol aindabrilha - rancoroso carnaval.
Por trás dessas nuvensuma dúzia de manhãsplanejam se levantar.
E se a noite é só silêncioo corpo sem luz sabe o som
que Amarildo sou eu.Amarildo sou eu.Sou eu, Amarildo,meu amor.
9 DINHA ZERO A ZERO
Resgate
De golpe em golpeRecebe de volta a mulherMuito forteQue cobra resgate de seus própriosSonhos sequestrados pela quadrilha.O bonde do código de barrasQue a tudo classifica:NEGRO MULHER CRIANÇA GAY FAMÍLIA.
De corte em corteRecebe de volta o tecidoRaro do tapete mágicoTransporte inquebrantável da poesia.
De tombo em tomboNasce a mulher e o incômodoo punho cerrado e o desejoDe continuar
Prolifera a palavra e o silêncioCede lugarAo cactoEspinhento, abusadoPotente de flores e frutosDoces vermelhos e ousados.
10 DINHA ZERO A ZERO
Teresa
(construído com a colaboração de Cidinha daSilva, Fabiane Hack, Jack Romio e Olívia Couto)
"no dia da visita você diz
eu vou mandar cigarro
pros maluco lá no x"
*A fórmula mágica da paz
Racionais MC`s
I
Discursos de Teresa
eu achoq se os poemas forem chatosninguém mais nem vai me ler.
Pensoem criar outra estratégiapreencher outros espaços.Eufemismo. Pleonasmo.
Assimnu q depender de mim
ninguém mais é espancadomutiladoassassinadoamarradoao poste
11 DINHA ZERO A ZERO
ou jogadono esgoto,no poço,no fundodo barraco.
No que depender de mim,Aristides já é padre
e os demais são homens feitos.Trabalham e continuama construir nosso país.
No que depender de mimmeus versos antigos serão mudados
e os meninos todos mortosnão estão mortos,
semeados.
Dependendo dos meus versosas mulheres serão fêmeas-soberanas
seus prazeres, sua força,delicadeza de cachos,
hão de caminhar bem longedo padrão da série macho.
E as mulheres e homens negrosdeixarão de ser capachos
da branquitude madeira de lei.
Declaro.De hoje em diante vai ser assim:
12 DINHA ZERO A ZERO
nos meus versos não mais mortossomente hortase jardins.
II
Teresa não era a chaveera o elo.
Deslizando no seu corpoa gente se renascia
ela era portadora de segredosque só quem estivesseentre a morte e vida
- os presos -reconhecia
III
No dia da visita eu levavaum jumbomagroe os ares
de uma noite mal dormidapor acaso eu tinha uns cigarros.
Não fumava,mas vendia.
IV
13 DINHA ZERO A ZERO
Dentretodosos
presentessóeu
passavapelajanela.Nasnoitesdetesteeu
desciasemlua,semluzes,semespera.Ametaeraalc-ançare
quemsabeultra-
14 DINHA ZERO A ZERO
passaralgunspalmosnaterra
.
V
É verdade, eu penso mesmopreencher outros espaços.
Fazer do sonhoum prato raso
capaz de transbordar ao mínimosinal de poesia.
15 DINHA ZERO A ZERO
Quadrinhas nem tanto assim
Nem sempre o soluçoLimpa o leite e traz de volta o mel.O vômito, geralmente,cumpre bem esse papel.
Nem sempre o cachorro mansoAdota o dono e o pretinho dele.Geralmente é o cão de guardaQuem os escolhe, mordeE senta a porrada mesmo.
Nem sempre é a madrugadaA primeira a trazer medo.Geralmente é o contrárioA luz do dia, sombra vesga,Revela melhor os espelhos.
16 DINHA ZERO A ZERO
Poema pouco poema
para o pobre rapaz que foi roubado três vezes eassim justifica o seu racismo
"Sem máscara ele até que não era tão estranho. Parecia
gente. Parecia com tanta gente. Com toda a população do
Brasil, esse país que também usa uma máscara de plástico
para disfarçar a cara de pau que lhe permite vez em
quando esquecer que está aqui a maior população negra
fora da África."
Cristiane Sobral
Somos negras.No feminino e no masculino.Estamos em muitos lugares.Na motorista do ônibus que nos leva e nos traz
[pelas veias da cidade.Na atendente de telemarketing.Na caixa de supermercado.Na empregada doméstica.Na escritora esquecida.Na metalurgia.Na dona de casa.No rapaz que entrega as cartas.Ainda que não se saiba.
No feminino e no masculino.Estamos em muitos lugares
17 DINHA ZERO A ZERO
Pouco valorizados.
Mas isso não dói em nada.O chato é ter que ouvir os trouxas ruminando
[espasmos:Três pretos lhe roubaram.Logo,pretos são safados.O chato é ter que repetir feito gralhao que o rapaz não viu (olhos fixos no código de
[barras):a motorista que lhe levou pra casaa que lhe atendeu a chamadaa que lhe deu o trocoa que lavou seu chão, seu choroos versoso cuidado materno.
Três pretos lhe roubarame ele só viuo que veem os otárioso que a telinha explicao racismo injetado no cérebro como um cavalopisoteando a inteligência do pobrerapaz cego e roubado.
18 DINHA ZERO A ZERO
Notícia de Israel
IAnteontem, em algum lugar sem passado, eu viauns rapazes negros, bonitos, pintas de rappers(entretanto dançavam as danças de roda). Tãoiguais e diferentes dos que hoje morreram nasmãos da polícia. Dos que ontem mataram "ospolícia".Era dia das mães e os tiros entraram nos meusouvidos ao mesmo tempo em que imagens dagente toda que eu conheço e confio me passavapelos olhose rezas – mais com o corpo que com a lógica –me pesavam por cada um deles.Desordenadamente.Mas, ai, esqueci de alguns!!! e três mãesacordaram sem filhos.Nem dormiram – o que diz mais.E eu não ouvi notícia em nenhum telejornal.Em casa, a recomendação: Dinha, não sai decasa, nem volta de madrugada que a polícia támatando todo mundo.
IIQuem começou essa briga?Quem está brigando com quem?"Quem é marginal?Quem é a lei?".Polícia contra bandido?
19 DINHA ZERO A ZERO
Ou fardados contra sem farda? Como o jogo de"solteiro e casado", no primeiro dia do ano?Bandido contra bandido.Israel no meio, às onze e vinte da noite, voltandopra casa da mãe.Explorado contra explorado.
IIIMe mandem matar a polícia!Eu vou, se isso trouxerIsrael,Sandro,Aristides,Luciano,Márcio,Cometa,Buiú(toda a família de Elisângela)Edmarcos eHilário(todos os mortos dos CEDECAS)de volta.Me mandem matar os bandidos!Eu vou, se me deixaremmatar todos os homens-blindados-que-cagam-ouro-na-minha-fome-e-na-fome-da-minha-família.
Eu mataria capitães do mato
20 DINHA ZERO A ZERO
Se eles não fossem de fatoTão vítimas como são vítimas:Os policiais fardados,Os meninos sem camisa,A mulher de volta pra casa,Israel, no colo da mãe.
O fuzil de minha palavraPrecisa estar voltadoPra verdadeira revolução.
21 DINHA ZERO A ZERO
Soldado Sebastião
É tarde, muito tarde.Na boca da noitemadrugada come soltaseu guisado de formiga e de farinha.Soldado Tião tem as chavese lidera sua tropa sem elite.
Soldado Tião e seu molho de chavesSoldado Tião e seu quepe e uniformeSoldado Tião e inda mais seu revólver.
- Desce o beco não, Tião.Zé Povo tilinta na entrada.- Quem mora aqui é teu pai,tua mãe, tua prolee o teu coleguinha de escolae tua tia e teus irmão.
- Desce o beco não, Tião.Outra voz ameaça e implora:- Teus sobrinho tão dormindotuas tias já fizeramo café. Teu tio Zéjá saiu pra trabalhare as irmãzinha tudo em casada patroa,limpando o mundolavando a roupa
22 DINHA ZERO A ZERO
sujapreparando os melhoresalmoços.
Mas Sebastião não sabeque a noite se põe toda tardesó pro nosso povo sonhare que às vezes é pesadeloo tiro no espelhoacerta é o seu peitoperfura o silêncioe acorda a manhã.
Mas ele não escutou.
E então desceu o becono fundo mais fundo sem jeitopara nunca mais voltarFicou lá estateladona porta da frente do barracodo desesperado irmãocom a arma e as chaves na mão.
- Desce o beco não, Tião.
23 DINHA ZERO A ZERO
Passageiro inadequado
(Para o vovô que a todo custo tentava chegar àsua casa sem endereço)
Joselito Vidal fediaà pinga e urina e tentavaingressar no metrô.
Mas o trem, você sabe, até forada hora do picoele é triste.O vovô esperava uma ajuda.
Quando enfim ele embarcouJoselito e sua bengalinhaprovocou um sacode e empurra e levanta e
[seguraque o vovôse calharvai cair.
Não calhou.
Joselito vovôdesceu no Paraíso.Ele e sua muleta.
Com sorte, ainda hoje ele chegana Barra Funda.
24 DINHA ZERO A ZERO
Contratado
Vinte conto o dia.O sol no globo.A chuva na moringa.
Dava pro café.Dava pra coxinha.Leite-moça, pão, farinha.Daria pra motocicletaUm dia.
Avozinha na janelaCuidava de sua vida.Ganhava 70 pausO dia de faxina.
E a gente sonhava serEntregador de pizza.
25 DINHA ZERO A ZERO
Zumbis
Quando todos os meninos estiverem como insetosnas propagandas do pesticida "que mata bemmorto e protege sua família";quando todos estiverem devidamente detidos,devidamente linchados, devidamente jogados navala comum da nossa paralisia;se levantará do chão - desse mesmo ondesucessivamente as mulheres têm parido, semultiplicando em mil pra poder suprir a falta quefizeram seus maridos, seus filhos -desse chão se erguerá uma horda de zumbis.E vai ser um corre-corre doido.Eles vão comer teu cérebro.Não haverá nenhum remédio, filósofo ou prefeito,capaz de deter seu rolê.E aí, nesse mundo virado, onde a flor que secheira não abre com medo de também ser (mortabem morta),a hora terá chegado.
E o reino de Palmares será enfim restaurado.
26 DINHA ZERO A ZERO
Zero a Zero
"Masnas barrigas das meninasinda o sol aindabrilha - rancoroso carnaval.”
Nossas mães criam seus filhospara serem meninose fortes.Entretanto o consumoentretanto o Estadocão magro -roem seus ossos tão fundoque até o descanso, o últimotem que ser autorizado.
O Estado roeuRivaldoJeffersonRicardoe guardou outros tantos ainda.
Depois voltou pra guardar a casa de orelhas[surpreendidas:
Nesse intervalo,Amanda gerouRicardo
27 DINHA ZERO A ZERO
Angelina devolveuRivaldo,salvou Jefferson no Fagner e dobrou, porprecaução,a quantidade de Lucas.
De olho, o cachorro gordo percebenas barrigas da famíliapequenas revoluçõesrepondo a morte com vida.Repondo Ricardo a RicardoRivaldo a Rivaldodobrando os soldadosperpetuando a ira
e a lira.
28 DINHA ZERO A ZERO
Aprendizes
Matar leões e engolir sapos-bois.Se frustrar se aprendefrustrando-se.
Ao menos sabemosnão estamos a sós nessa encrenca.Acrobatas do cotidiano.Malabaristas nas horas vagas.Trabalhadores e trabalhadoras.
Ainda de quebratiramos o leite da pedrarolamos no globo da mortee humildemente buscamoso sentido verdadeiro das coisas.- - -
29 DINHA ZERO A ZERO
Edições Me Parió Revolução
Idealizado e executado por mulheres, o selo sepropõe a editar livros “semiartesanais, bonitos deencher os olhos e a alma, mas sem esvaziar osbolsos”. A intenção é promover a leiturafacilitando o acesso aos livros, e incentivandoautores e autoras estreantes ou não a publicaremseus textos de forma independente.
Livros Publicados (disponíveis para download):
2015 Desumanizacao na Literatura Org.Fernanda Massi e Patrícia T. Nakagome
2014 Onde estaes Felicidade? – Carolina Mariade Jesus
2013 Onde escondemos o ouro – Dinha
Acesse:<https://nucleopodererevolucao.wordpress.com/edicoes-me-pario-revolucao>
Me Parió Revolução: Negritude, Feminismo,Literatura, Crítica, Artes, Política e algo mais.
ESTA OBRA FOI PRODUZIDA EM COLABORAÇÃOCOM OS SEGUINTES COLETIVOS:
NUCLEO PODER E REVOLUCAO
COLETIVO PERIFATIVIDADE
EDICOES UM POR TODOS
FORCA ATIVA
GRATIDAO!!!!