Werner Heisenberg - Partea şi întregul (Discuţii în jurul fizicii atomice)
Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)
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8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)
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Werner Heisenberg, um dos nomes maslustres da física atómica, escreveu estaautobiografa «intelectual» em forma dedáogos e discussões com alguns dosexpoentes da cência do sécuo XX - MaxPlanck, Abert Ensten, Nes Bohr, Wofgang Paul, Ernest Rutherford, Car Fredrich von Weizscker, Otto Hahn, Enricoerm e outros - numa demostração dasua fé em que a cência é tarefa de cooperação.Werner Hesenberg nasceu em Würzburg,
na Alemanha, em 190. Prémo Nobe daFísca, é o director do Insttuto Max Panck,em Munique
dcumnts paa nss tmp
dálgsobre·físca atómicawernerheisenbergprémo nobel da física
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Verbo
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�.
DIÁLOGOSSOBR
FÍSICA ATÓMICA
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Título da edição ingesa: hyscs eyon«Encounters and Convrsations», pubicda na série Word Pespective
sob a direcço de Ruth Nanda Anshen
Tradução do orginal aemão por Jos ardoso Ferreira
orgt b Hap & Row Pubshers Inc. 197 Eit Vb, Lb Sã u
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werner heisenberg
DIÁLOGOSSOBR
FÍSIC ATÚMI
EDITORIAL VERBO
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V
rennd à exadã hsóra; a maem só deve ser rra
n raçs essenas. Nas nvers nem sempre é a ísa aó
ma e represena pn lral da dsssã p dela ra
am-se prblem hmans lsós plí e ar es
ra dese m manesar an é rrsór separar a êna
des esões mas eras.
M ds parpanes dese dl s apreenad pel
se nme própr er r sere nheds d públ em
eral er pre dessa manera se nsee ma expressã me
lhr da relaçã exsene enre eles e ar. lém dss a
preder assm ena evarse e leres pensem e e raade ma reprç ds dverss anemens hsamene
el em ds s prmenres. Pr esse mv renne ambém
a raçar m mar pes rea des persnaens só se
darã a nheer r assm dzer aravés d m m alam
Em nraparda ra-s mxm pard da desrçã da ams
era em e as nversas veram lar desrevend- na medda
exaa da vvde d lma presene. De a é nesa ams
era e se revela press de nasmen da êna e mpreende-se melhr e a labraçã de hmens m derenes pssa
ndzr a reslads enís de rande ane N rpós
d ar eseve ambém enar eer a ndvíd absla
ene les em ísa aóma ma dea das rrenes de pensa
men e mpanharam desenvlvmen hsór desa ên
a N enan é de er em na e n d ds dlas se
aperebem esrras maem m absraas e díes de
dmnar e exem m esd mas aprndadFnalmene ar a relaar es nversas eve em mene
anda r bjev. mderna ísa aóma renv ds
ssões de prblemas ndamenas da ísa da éa e da plí
a e nesa dsssã deve parpar mar númer pssível de
hmens Talvez ese lvr pssa nrbr m be para esse
debae
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ATULO
PRIMEIRO ENCONTRO COM A TEORIA DO TOMO
(-)
Deve ter contecdo n rmver de . O desenlce d Guerr Mundl dexr juventude do nosso pís profund
mente nquet. A gerço nteror extremmente desludd per
der s rdes do poder e os ovens unm-se em grupos e em
comunddes ms ou menos numeross pr brr um cmnho
novo ou peo menos pr descobrr um estre nov ue nos
pudesse orentr um vez que velh prec destruíd Assm
tmbm eu num d cro de rmver me che cmnho
com um grupo de dez ou vnte cmrds n su mor msnovos do que eu e o psseo conduzunos se bem me lembro
trvs ds colns ue orm mrgem ocdentl do lgo Strn
berg Sempre que se br um espço no verde lumnoso do rvo
redo prec-nos o lgo à esquerd á em bxo e prec es
tender-se quse t às montnhs que se vslumbrm o fundo
Durnte est excurso entbulou-se de modo um tnto surpreen
dente o prmero dálogo sobre o mundo dos átomos dáogo ue
tnt mportnc encerrr em relço o meu desenvolvmentocentífco posteror r compreendermos rão d ocorrnc
deste tpo de converss num grupo de ovens legres e despreo
cupdos bertos à nturez em flor tlvez devmos recordr que
s confusões d poc tnhm destruído s funções de cohmento
peculres o lr e à escol em tempo de pz e que um tnto em
su substtuo uventude desenvolver um cert ndependn-
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DÁLOGOS SOBRE FÍSICA ATÓMA
ca de opnão treendose ormuar uzos prpros mesmo
quando crec necessaramente de base para eles.
ns passos à mnha rente a um rapz ouro e ato cuos
pas á u ez me tnh encarregdo de judr nos seus tr
bahos escoares U ano antes co dde de qunze anos este
joem tnh assegurado o ornecento de munções a seu pa
armdo co um etrhador por trás d onte Wttelsbch
por ocsão de ua ut urbn or d «repúblca sotc»
de Munque. Eu e outros tnhamos trabalhdo dos nos antes
em qunts d Alta Baer Ass a dureza desses tempos não
nos era estrnh e nngum se ssust por relectr por cont prpra cerca dos probemas mas dces
a orgem deste dáogo estee o acto de deer preparar pra
o Verão o meu exame na do curso dos lceus de odo que gost de conersr sobre tes centcos co o eu amgo
Kurt que compartlha deste tpo de nteresses e pensaa r
ser engenhero. Kurt pertenca u al protestnte deocas er u bom desportst e pto copnhero. U ano
ntes qundo Munque ester cercd por trops goernentas e s nossas ams á tnham consudo o últo pedaço de
pão ele o eu rão e eu tnhamos eto untos uma sortda
Garchng atressndo lnh de ogo e conseguros re gressr co um moch che de proses pão mantega e
toucnho. Ests experêncas couns consttuem uma bo bse
pra ua connç se reseras e ua excelente copreensão
mútua. Por o que as prtculrente nos nteressaa er
nossa preocupação cou lgda questes centcs. Conte
a Kurt que encontrra no eu manul de sc u lustrção
que me pareca peretente bsurd. Trtse do proceso
quco undment e que dus substâncas hoognes e l
g nu noa substânc guaente hoognea, sto num
composto qumco. Assm o dxdo de carbono ormado pela
assocação de carbono e oxgno Segundo o ro a mehor m
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PRMERO ENONRO OM EOR D ÁOMO J
nera de entender as les obseradas em tas processos conssta
em supor que as partes mas pequenas os átomos de um e de
outro eemento se assocaam em pequenos grupo denomnados
«molculas» Deste modo a molcula de dxdo de carbono consta
de um átomo de carbono e de dos átomos de oxgno Para
tornar esta dea acessel desenhaamse no ro esses grupos
de átomos. Porm no sentdo de explcar exactamente porque
que um átomo de carbono e dos átomos de oxgno ormam
sempre uma mocua de dxdo de carbono o desenhador do
tara os átomos de ganchos medante os quas se unam para or
mar a molcua. Este ponto pareceume carecer absolutamentede sentdo De acto pensaa eu os ganchos são guras muto
arbtráras às quas se pode dar em cada caso as ormas mas
derentes segundo a sua utldade tcnca Os átomos em contra
partda deem representar uma consequênca das les da natureza
sendo por estas nduzdos a unremse em molculas essas cr
cunstâncas acredtaa eu não dea haer lugar para casualda
des sendo pos de exclur ormas tão arbtráras como os ganchos.
Kurt respondeu «Se não queres crer em ganchos que tam bm a mm se aguram muto suspetos dees saber antes de
mas que experêncas terão leado o desenhador a representáos
numa gura. Sm porque a cênca actual parte da experênca
e não de quasquer especulações loscas e à experênca quetemos de ajustarnos sempre que ela seja ealzada em termos
conscencosos sto com os cudados dedos Tanto quanto se
os qumcos armam em prmero lugar que os componentes ele
mentares de um composto qumco se apresentam sempre numa
razão pondera xa Tratase de um acto bastante surpreendente
Com eeto mesmo que acredtemos na exstênca dos átomos
sto de partes mas pequenas caracterstcas de cada elemento
a concorrênca de orças semelhantes às que at agora se conhe
cem na natureza não sucente para explcar que um átomo de
carbono atraa sempre apenas dos átomos de oxgno unnoos
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2 DÁOO O FÍ ÓM
a s st uma orça atractva entre os dos tpos de átomos
porque não haveram tambm de assocar-se eventualmente três
átomos de oxgno?»
alvez os átomos de carbono ou os de oxgno tenham
uma orma tal que a assocação trpla resulte mpossvel precsa
mente em vrtude da ordenação espacal.
e acetas sso o que alás parece plausvel então quase
voltas à dea dos ganchos do teu manual. Provavelmente o dese
nhador qus exprmr a mesma cosa que dsseste pos não capaz
de conhecer a orma exacta dos átomos Representou os ganchos
para mostrar, da manera mas expressva que há ormas que podem levar à unão de dos átomos de oxgno mas não de três
com um de carbono
Bem Os ganchos são um dsparate. Mas tu dzes que os áto
mos em vrtude das les responsáves pela sua exstênca deverão
tambm possur uma orma que determna o modo exacto de seassocarem entre s S que ns dos anda não conhecemos essa
orma, o mesmo acontecendo claro, com o autor da gura
A únca cosa que supomos saber at agora acerca dessa orma que lhe compete decdr que um átomo de carbono s pode
assocarse a dos átomos de oxgno e não a três Como se ndca
no lvro os qumcos nventaram a este respeto o conceto de
valênca qumca» Falta, porm averguar se esta expressão
uma smples desgnação ou se se trata de um conceto eectvamente útl
Provavelmente, mas do que uma mera palavra, pos as
quatro valêncas que se atrbuem a um átomo de carbono das
quas cada duas têm de saturar as duas valêncas de cada átomo
de oxgno devem ter algo que ver com a conguração te
tradca do átomo. É claro que acerca das ormas deve haver
conhecmentos emprcos mas precsos do que aqueles que actua
mente possumos»
Fo nesse momento que Robert nterveo na nossa conversa
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PMEO ENONO OM EO D MO 3
amnhara at então em slênco unto a ns mas prestara sem
dúvda atenção ao dlogo Robert tnha um rosto delgado mas
forte emoldurado por cabelo escuro e espesso e à prmera vsta
pareca um pouco retraído S muto raramente partcpava nas
conversas fces tão freuentes nos nossos passeos no entanto
uando à note era necessro ler alguma cosa ou rectar um
poema antes do antar era a ele ue nos drgíamos pos nn
gum conheca melhor a poesa alemã e at a prpra flosofa
Ao recta um poema Robert faza-o sem ualuer nota pat
tca sem ênfase mas de tal modo ue a mensagem do poeta
atnga at o mas prosaco de todos ns A manera como falavaa tranuldade com ue se exprma obrgavam-nos a escutar e
as suas palavras parecam ter mas peso ue as dos demas Saba
mos tambm ue la obras flosfcas alm do programa escolar
Robert não estava satsfeto com a nossa conversa
Vocês ue acredtam na cênca dsse ele apelam sem pre com muta facldade para a experênca e pensam ue com
sso agarram a verdade entre as mãos Porm ao medtarem sobre
o ue de facto ocorre na experênca o modo como fazem esseapelo afgura-se-me muto dscutvel O ue vocês dzem provm
dos vossos pensamentos s deles que vocês possuem um conhecmento medato mas os pensamentos não estão nas cosas. ão
podemos perceber as cosas de modo drecto devemos antes trans
formlos em representações para formarmos fnalmente con
cetos O ue chega at ns do exteror atravs da percepção sen
soral uma mscelânea desordenada de mpressões muto dversas a ue não pertencem drectamente as formas ou ualdades
ue depos percebemos. Se observarmo por exemplo um ua
drado numa folha d papel nem na retna nem nas clulas ner
vosas do crebro h algo ue tenha a forma de um uadrado
Antes, temos de ordenar nconscentemente as mprssões senso
ras medante uma dea ou representação temos de transformar
de eo modo o onunto das sensaões numa magem corrente
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14 J DÁLOGO SOBRE ÍSICA AÓMCA
«signiicante» O acto de «erceção» só acontece quando as im
ressões isoladas se transormam coordenando-se num todo «in
teligvel» or isso antes de oder emitir uma oinião com tanta
segurana acerca das exerincias haveria que investigar donde
vm as imagens ara as nossas reresentações como se areen
dem concetualmente em que relação estão com as coisas Po
que óbvio que as reresentações são anteriores às exerncassão a condição rvia da exerincia
« as ideias que tu retendes searar tão nitidamente do
obecto das erceções não rovm tambm de exerincia? Tal
vez não de uma maneira tão directa com ingenuamente se udesse ensar mas de algum modo indirecta atravs or exemlo da
reetição requente de gruos homogneos de sensações ou me
diante certas ormas de associação entre dados de sentidos dis
tintos.
«De modo nenhum me arece seguro nem sequer articuar
mente óbvio studei ultimamente as obras do ilósoo Malebran
che e chamou-me a atenção uma assagem que se reere exacta
mente a este roblema. Malebranche dstingue essencialmente três ossibilidades ara a gnese das ideias. A rimeira a que acabas
de mencionar os objectos roduzem directamente atravs das
sensações as ideias no esrito humano. Ê uma oinião recusada
or Malebranche orque as imressões sensoriais são qualitativamente distintas tanto das coisas como das ideias corresonden
tes. A segunda ossibilidade que a mente ossua as reresenta
ções desde o rincíio ou que tenha elo menos a caacidade
de ormar or si só estas ideias. xiste uma terceira ossibilidade
adotada or Malebranche o esrto humano articia na ra
zão divina. A alma está ligada a Deus e de Deus que rovm
a imainação e as imagens ou ideias mediante as quais ossvel
ordenar e clssiicar concetualmente a diversidade das sensações»
Nesse momento Kurt mostrou or sua vez a sua insatisa
ção «Vocs ilósoos recorrem loo à teoloi udo co
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16 DÁOS SOBRE FÍSCA ATÓMCA
o tem ago de comum com a onão tão ausíve aa a
vossa cncia de ue toda a dea uto da exenca Mas
ao mesmo temo Maeanche saenta ue se tata de coea
ções ue não odem excase smesmente o uma cadeia de ocessos ndviduas submetidos à e da causaidade ue dze
tamm aui como na omação dos cstas e dos sees vvos
actuam estutuas sueodenadas de caácte mais macadamente
mooógco ue não odem se entenddas em temos coea
tvs de causa e eeito Sae se a exenca anteo às deas
ana uma egunta tão azoáve como o veho obema de
uem sugiu meio se o ovo se a ganhaAiás não ea minha ntenção nteome a vossa discussão
soe os átomos Só uea aze nota ue não se ode aa em
temos tão smes de exenca em eação aos átomos ois
tavez at estes não obseváves diectamente nem seue seam
coisas ua e simesmente etencendo ao invs a estutuas
sueoes onde á não tenha uaue sentido a seaação ente
deia e oecto Natuamente não se odem toma a sio os
ganchos do teu manua nem as imagens de átomos ue de vezem uando se encontam em vos de dvugação sses dese
nhos ue etendem acita a comeensão sevem ana aa
tona o obema muito menos inteigíve. Ceio ue deveíamos
te muitíssimo cuidado com o conceito «oma dos átomos» ue
antes eeste A não se ue se entenda a aava forma de
modo muto gea não estta ao esaço caso não sgniue
muito mais ue a aava ruur ue acabo de usa não
ceo ue ossamos oged satsatoamente>uando a convesa tomou este umo emei-me imediata
mente de uma eitua ue me ocuaa e catvaa no ano anteio
e ue em cetas assagens imotntes se me aguaa nom
eensíve Tatase do dáogo T mao de atão no ua tam
m se dscute osocamente aceca dos consttuntes menoes
da matia Atavs das aavas e Roet comece a comeen
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PRMERO ENCONTRO COM A TEORA D TOMO I 7
de anda ue a nco de manea um tanto obscua ue
a eseto dessas ates mnmas ea ossve chega a constu
ções aconas tão cuosas como as que encontaa no Tmao
de atão Não que estas constuções que a nco eu consde
aa totamente absudas me aecessem subtamente acetáves
no entanto v abeto à mnha ente ea mea vez um cam
nho ue ao menos em nco odea eva a esse to de
eaboações menas.
aa exca a azão o ue nauee momento se evestu
de tão ato sgncado a ecodação do esudo dauea oba devo
eata bevemente as ccunstâncas cuosas em que teve ugaessa etua. Na mavea de a stuação em Munque ea
bastante caótca. Hava toteo nas uas sem que se soubesse
exactamente quem combata O ode otco utuava ente es
soas e nsttuções cujo nome ma conhecamos. hagem e ou
bos de ue eu óo chegue uma vez a se vtma zeam da
exessão «eúbca sovtca» um snónmo de anaqua. uando
o m se consttuu oa de Munque um novo goveno bávao
que envou toas aa ocua a cdade cámos à esea daestauação da odem. O a do amgo que eu ajudaa nos taba
hos escoaes assumu o comando de uma comanha de voun
táos que queam atca na conqusta da cata edunos
a nós amgos mas vehos de seus hos aa ajudamos as to
as nvasoas na quadade de odenanças o conhecemos bem
a cdade. Desta manea omos agegados ao Comando de Cava
aa , que estabeecea o seu quate na Ludwgstasse no
edco do semnáo ecesástco ente à unvesdade. Fo aquque z o meu sevço mta ou meho aqu evámos todos nós
uma vda de aventua totamente ve não hava auas como
antes tantas vezes aconteca e qusemos aoveta a bedade
aa conhece o mundo sob novas esectvas O ccuo de am
gos com que um ano mas tade eaze a excusão junto ao ago
Stanbeg omaa-se ecsamente aqu. om esta vda de aven2
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18 I ÁLOGOS SOE FÍSC ATÓMCA
tura não durou mais que agumas semanas uando os combates
á rareavam e tudo começava a cair na monotonia sucedia com
requncia que deois de ter assado a noite de vela ao teeone
icasse ivre de quaquer obrigação ao amanhecer
A im de me rearar ara o erodo escoar costumava
retirame ara o tehado do seminário com a nossa edição es
coar grega dos diáogos de atão Ai aoiado na goteira e
aquecido eos rimeiros raios de so estudava tranquiamente
e de vez em quando ia observando o desertar da vida na
Ludwigstrasse Numa dessas manhãs quando o sol começou a
erguerse e a uz á iuminava o edicio da universidade e a onteque ica em rente dei com o diálogo Tmaos e recisamente com
aquea assagem em que se ala das artes mnimas da matria
Tavez esta assagem me tivesse cativado simlesmente or ser
dici de traduzir ou tambm orque tratava de coisas matemá
ticas que semre m tinham interessado Não me embro á da
razão recisa da minha dedicação a este texto Todavia o que ai
lia arecia-me totalmente absurdo latão airma que as artes
mnimas da matria são constitudas or tringulos rectngulosque aós se agruarem aos ares em triângulos equiáteros ou
quadrados v a ormar os coros reguares da geometria no
esaço cubos tetraedros octaedros e icosaedros Segundo la
tão estes quatro coros são as unidades undamentais dos quatro
eementes terra ogo ar e água Não coseguia ver claro se
os coros reguares eram associados aos elementos aenas como
smboos or exemlo o cubo ao elemento terra reresen
tando a solidez e estabilidade deste elemento ou se reamenteas artes menores deste elemento terra ossuam a orma de um
cubo Ideias como essa areciam-me eseculações antásticas no
mehor dos casos só desculáveis ela alta de conhecimentos
emricos suicientes na Antiga Grcia orm no undo inquie
tava-me o acto de um iósoo com um ensamento tão crtico
e rigoroso como atão ter cado em tais esecuações. Tentava
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RMEO ENCONTRO COM EOR D ÁTOMO i 19
enconta alguns pincpios a pati os uais meho puesse
entene as especulaçes e Platão Mas naa conseguia esco
bi neste sentio Fascinavame a ieia e ue as pates míni
mas a matia se osse cai aina em omas matemáticas Mas
aiguava-seme completamente inteligível a azão po ue ixaa
Patão e moo especia a sua atenção nos sólios egulaes ue
não paeciam te ualque vao explicativo Po isso a paa
a ente só utilizei o iáogo no sentio e apeeiçoa os meus
conhecimentos e gego Mas a peocupação pesistiu O esultao
mais impotante a leitua oi talvez a convicção e ue se
ueia entene o muno mateia ea necessáio sabe algoaceca as suas pates eementaes Atavs os livos e estuo
e e obas e ivulgação sabia ue a cincia moena investigava
o átomo Talvez mais tae puesse eu pópio peneta nessemuno com os meus estuos Mas isso viia mais tae
A inquietação continuava e conveteuse no meu caso em
pate a inquietação geal que ominava ente a juventue alemã Se um ilósoo a estipe e Platão pensava econhece uma
oem nos enómenos natuais ue hoje peemos e vista ouque se nos aigua inacessvel qual então o signiicao una
mental essa palava? staão a oem e a sua compeensão li
gaas a uma poca eteminaa? Cescemos num muno ue paecia peeitamente oenao s nossos pais ensinaam-nos as
vitues buguesas que constituem o pessuposto essa oemNaa havia pois e paticula na aimação já conhecia na an
tiguiae gecoomana e que poia se po vezes necessáio o
saciício a pópia via na eesa e uma oem poítica ete
minaa A mote e muitos amigos e paentes mostaanos ue
o muno assim pom havia agoa muitos que iziam ue a
guea oa um cime e pecisamente um cime a classe ii
gente ue se senia esponsáve pela manutenção a antiga oem
euopeia consieanose na obigação e aza espeita aina
que pelo peço e um confito blico com outas tenências
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20 DÁOGOS SOBRE FS ÓM
A velha estrutura europeia estava desfeita pela derrota. Também
sta situação nos não era estranha pois qualquer guerra traz con
sigo inevitavelmente uma derrota. Porém ter-se-ia provado com
esta derrota a necessidade d rejeitar as estruturas antigas? Não
se trataria simplesmente de edificar uma nova ordem mais forte
sobre os escombros? Ou teriam razão aquees que morreram nas
ruas de Munique para impedirem de uma vez para sempre o
regresso de uma ordem no estilo da anterior proclamando em
seu lugar outro futuro que abarcasse não só uma nação mas
toda a humanidade ainda que esta humanidade fora da Alema
nha não pensasse na sua maioria na criação dessa ordem nova?Estas perguntas produziam grande confusão na mente dos jovens
e os mais velhos também não nos sabiam responder.
Entre a eitura do mao e a excursão às colinas do ago
Starnberg houve outra experiência que influiu poderosamente no
meu pensamento futuro e que deve ser relatada antes de retomar
a conversação acerca do mundo do átomo. Aguns meses após
a ocupação de Munique as tropas saíram da cidade. Nós assis
tíamos às aulas como antes sem meditar muito sobre o valor doque fazamos. Uma tarde na Leopoldstrasse fui abordado por
um jovem desconhecido que me disse: «Sabes que na próxima
semana a juventude se reúne no castelo de Prunn? Queremos
reunir-nos todos e também tens de ir. Todos devem aparecer
Agora queremos ser nós próprios a meditar acerca do rumo que
as coisas devem seguir» A voz dele tinha um acento que eu nunca
ouvira antes. or isso decidi deslocar-me até ao castelo de Prunn.
Kurt quis acompanhar-me.
O comboio então ainda muito irregular levou muitas horas
a chegar à parte baixa do vale de Altmühl Em perodos geoó
gicos anteriores era o vale do Danúbio; o rio Altmühl foi esca
vando o seu caminho sinuoso através dos montes do Jura e o pito
resco vale encontra-se hoje coroado por velhos castelos quase
à semelhança do vale do Reno. Tivemos que subir a é os ltimos
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PRIMERO ENCONTRO COM A EORIA D ÁTOMO 1 21
quilómetros que conduzem ao castelo de Prunn, e demos conta do
grande número de jovens que se dirigiam, vindos de todo o lado
para a alta fortaleza, ousadamente edificada mesmo a pique sobr
o vale. No pátio do castelo, em cujo centro se ergue um velho
poço de roldana, tinham-se reunido já numerosos grupos A maio
ria era constituída por alunos do liceu, mas havia aguns mais ve
lhos, que tinham sofrido, como soldados, todos os horrores da
guerra regressando a um mundo completamente novo Pronun
ciaramse muitos discursos, que hoje consideraríamos um anto
patéticos se é mais importante para nós o destino do nosso povo
que o de toda a humanidade; se o sacrifício dos que caíram perdendo o seu sentido por causa da derrota se a juventude pode
arrogarse o direito de modelar a sua vida de acordo com a sua
própria escala de valores se a verdade intrínseca é mais importante
do que as vehas formas que haviam ordenado a vida dos hoens
durante os séculos De tudo isto se falou apaixonadamente.
Sentiae deasiado inseguro para participar nestes debates,mas escutei e meditei sobre o conceito de ordem A confusão no
conteúdo dos discursos pareceume mostrar que também ordensautênticas podem entrar mutuamente em confito, e então essa
luta age em sentido contrário ao da ordem. Isto só era possível,
no meu entender tratandose de ordens parciais, de fragmentosseparados da ordem central elementos que, sem haverem perdido
a sua força criativa, tinham abandonado a orientação do centro
director. Quanto mais escutava, mais angustiado me sentia pela
consciência da falta desse centro eficaz. Sofri por isso quase fisi
camente, mas eu próprio não era capaz de encontrar uma vianesse sentido, por entre o emaranhado de opiões Assim passa
ram horas e horas, com disursos e discussões As sombras inva
diam o pátio e, finalmente, ao dia cálido seguiuse um crepúsculo
azulcinento e uma noite de luar Continuaram as conversas mas,
pouco depois lá em cima, na varanda apareceu um rapaz com
um violino e quando se fz silêncio soaram os primeiros acor
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22 1 DÁS SBRE FÍSIA ATÓMA
des em ré menor da Chona de Bach. Estabeleceuse então de
repente a vinculação ao centro de modo indubitável O vale de
Altmühl, inundado, lá em baixo, pela claridade da Lua, era motivo
suficiente para uma transfiguração romântica; mas não foi isso
que sucedeu As frases transparentes da Chacona foram o vento
subtil que rasga a névoa e descobre as estruturas firmes que estão
para além Podia de facto falar-se de uma ligação com a ordem
central; esta fora possível em todos os tempos, com Platão e com
Bach, com a linguagem da música, da filosofia ou da religião
portanto, também devia ser possvel agora e no futuro Foi esta
a minha experiênciaO resto da noite passámolo num prado rodeado de bosques,
um pouco acima do castelo, à roda de fogueiras e em tendas de
campanha, e também o romantismo eichendorffiano esteve pre
sente. O jovem violinista, já estudante universitáio, sentouse no
meio do nosso grupo e tocou minuetes de Mozart e Beethoven,
intercalados com velhas árias populares, e tratei de acompanhálo
com a minha guitarra Aliás, provou ser um companheiro alegre,
que recusava referirse à interpretação solene da Chona deBach. Quando amos falar disso, saiuse com esta: «Sabes em que
tom tocaram as trombetas de Jericó?» Não «Pois foi também em
» 1 Porquê? «Poque demoliam as mualhas de Jericó»
ogo a seguir, escapou-se rapidamente à nossa indignação
perante o ogo de palaras
Esta noite já se desvanecera na penumbra das recordações e
agora caminhávamos pelas colinas vizinhas do lago tarnberg e
falávamos do átomo A observação de Roet acerca de Maleban
che derame a entender que as experiências sobre átomos só po
dem realizarse de modo muito indirecto e que provavelmente os
átomos não são coisas. Evidentemente, também Platão o quisera
1 Quer dzer: é bml.
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PRIMEIRO ENCONRO COM A TEORIA D ÁOO 1 23
indicar no Timaios e só assim se tornavam um tanto acessíveisas suas especulações ulteriores acerca das formas regulares. Assim,quando a ciência moderna fala das formas dos átomos, a palavrafrma só pode aqui ser entendida no seu significado mais geral,como estrutura no espaço e no tempo, como simetria de forças,como possibilidade de ligação a outros átomos Provavelmente,nunca será possível uma descrição intuitiva de tais estruturas, jáque elas não pertencem inequivocamente ao mundo objectivo dascoisas Talvez sejam, contudo, acessíveis a um tratamento matemático
Queria saber mais acerca do aspecto filosófico do problemado átomo, e recordei a Robert auela passagem do Timaios dePlatão Então perguntei-lhe se estava de acordo em princípio oma opinião de que todas as coisas materiais eram formadas porátomos, de que há partes mínimas, exactamente os átomos, a quetoda a matéria se pode reduzir Isto porue eu tinha a impressãode ue ele assumia uma atitde bastante céptica a respeito detodo este mundo conceptual relativo à estrutura atómica da ma
triaobert confirmou-mo: «A mim afigura-se-me estranha qual
quer maneira de pôr um problema ue nos afaste exessivamentedo mundo imediato da vivência O mundo dos homens ou o dos lagos e o dos bosues estão mais próximos de mim do ue o dosátoos Mas podese, com certeza, perguntar o que sucede se sefor dividindo cada 'ez ais a matéria, do mesmo modo que podemos interrogar-nos acera da existência de seres vivos em estrelas
ou planetas remotos São uestões ue não me agradam; talveznem sequer me interesse saber a resposta Creio que no nossomundo temos tarefas mais importantes do ue a de procurar responder a questões como essas»
Respondilhe eu «Não quero discutir onigo sobre a importância das várias tarefas Para mim, a física sempre constituiuuma ciência muito interessante, e sei que muitos homens sérios
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24 1 DÁLGS SBRE FÍSICA ATÓMICA
se esforçam por saber mais em relação à natureza e às suas leis.Talvez o êxito do seu trabalho seja igualmente importante paraa comunidade humana, mas não é isso que neste momento me
preocupa. O que me inquieta é o seguinte: é muito provável - eKurt acabou de dizêlo há pouco - que o desenvolvimento mo
derno da ciência e da técnica nos venha a oferecer condições deobservação directa de cada um dos átomos ou, pelo menos, dosseus efeitos, tornandose possíveis experiências com o átomoAinda pouco sabemos disso, porque não o estudámos; porém, sendoassim, como é que isso se relaciona com as tuas opiniões? Que
poderias dizer a respeito disto segundo o ponto de vista do teufilósofo Malebranche?»«Esperaria, em todo o caso, que os átomos se comportassem
de modo totalmente diferente das coisas da experiência quotidiana. Poderia muito bem pensar que, se prosseguirmos a divisão, tropeçaremos no fim com descontinuidades, que nos permitirão deduir a ocorrência de uma estrutura discreta da matéria.Suspeito, no entanto, que as figuras que nos venham então a apa
recer escapem à fixação obectiva em imagens representáveis,pois deverão ser uma espécie de expressão abstracta das leis danaturea, e por isso não serão coisas»
«E se pudermos vêlos directamente?»«Não poderemos observálos directamente, mas apenas os efei
tos respectivos.»«É uma desculpa pobre O mesmo acontece com todas as ou
tras coisas. Também sô vês os raios de lu que saem do corpo de
um gato, quer dier, os efeitos do gato, e nunca o gato propriamente dito; se lhe faes uma festa, acontece a mesma coisa.»
«ão, não posso estar de acordo contigo O gato, posso vêlodirectamente, porque, nesse caso, ao entrar em contacto com eleposso e devo transformar as impressões sensoriais numa representação. Do gato há dois aspectos: o obectivo e o subectivo
o gato como coisa e como representação. Isto não sucede com o
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PRIMERO ENCONTRO COM A TEORIA D ÁTOMO 1 25
átomo. Nele não se distinguem representação e coisa, porque o
átomo não uma nem outra.»
Aqui, voltou Kurt a intervir na conversa. «Para mim, o vosso
diálogo é demasiado erudito Vocês circulam entre especulações
filosóficas onde deveriam recorrer simplesmente à experiência.Talvez os nossos estudos nos levem mais tarde a um trabalho de
experimentação no domínio do átomo; então veremos o que eles
são Provavelmente, aprenderemos que são tão reais como as ou
tras coisas que são objecto de experimentação. Se verdade que
todas as coisas materiais constam de átomos, estes devem ser tão
reais como as coisas materiais.»«Não - replicou Robert-, esta conclusão pareceme alta
mente discutvel Com um argumento semelhante, poderias dizer
que todos os seres vivos constam de átomos, logo os átomos são
tão vivos como esses seres Mas manifestamente absurdo; só a
associação de muitos átomos em grupos maiores se pode revestir
de qualidades ou propriedades que caracterizam precisamente es
tes grupos»
«Então pensas que os átomos não têm existência efectiva,que não são reais?»
«A estás tu a exagerar outra vez! Talvez não se trate aqui
de precisar o que sabemos acerca dos átomos, mas de um pro
blema diferente, o de aclarar o que significam as palavras efectivo
e real. Vocês mencionara há pouco uma passagem de Timaios
de Platão e sublinharam que ele identifica as partes mínimas com
formas matemáticas, a saber, os oliedros regulares Mesmo que
isto não seja correcto, pois latão não fez experiências directas
sobre os tomos, pode cosiderarse possvel Chamarias «efecti
vas» e «reais» a essas formas matemáticas? Se são expressão das
leis da natureza, expressão da ordem central inerente dos proces
sos materiais, talvez devamos chamarlhes «efectivas» ou «actuais»
(wrklh), porque delas procedem certos efeitos ou actuações, mas
não podemos dizêlas «reais, porque não são uma re uma
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26 1 DÁLOS SBRE FÍSICA ATÓMA
coisa. Já não sabemos empregar as palavras com exatidão, o que
não é estranho, porque nos afastámos muito do âmbito da nossa
experiência imediata, no qual em tempos pré-histórios se
formo a nossa capacidade de alar»
Krt não se dava por satisfeito om o urso da onversa e
delaro: «Apetece-me deixar à experiênia a deisão aera de
tdo isto. Não posso imaginar que a fantasia humana seja sufi
iente para adivinhar as ondições propíias das partes mais pe
quenas da matéria antes de nos termos famlarizado com o seu
mundo através de experiênias preisas. Só realizando isto ons
ientemente e sem opiniões preoncebidas é que se poderá hegar a uma compreensão autêntia Portanto, é om eptiismo
qe enaro disussões filosófias demasiado preisas sobre um
tema tão omplexo Failmente surgem preoneitos inteletuais
e vêm a difiultar a ompreensão em vez de failitála Espero
pois que no futuro seam primeiro os ientistas e depois os fió
sofos a ouparem-se do átomo»
Ao chegar a este ponto esgotara-se a paiênia dos outros
ompanheiros «Quando é que se alam om essa história queninguém ompreende? Se querem preparar o exame vão estudar
para asa E se antássemos qualquer oisa?» Logo se entoou
uma canção e o som laro das vozes ovens e as ores dos prados
floridos eram mais reais do que os pensamentos sobre os átomos
dssipando o devaneio a que nos tnhamos entregado
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CAPTULO II
A DECISÃO DE ESTUDAR FiSC
(1920)
Entre o inal do meu curso do liceu e o começo dos estudos
iversitários houve uma iterrupção importante a miha vidaescolar. Depois do exame, na sequêcia de uma viagem pela Fra
cóia com o mesmo grupo de amigos que me tiham acompa
hado na Primavera ao lago Starberg excursão em que tivea
lugar a coversa sobre teoria atmica que já referi, adoeci grave
mete e fui obrigado a ficar de cama durate muitas semaas
No período de covaleseça voltei a icar frequetemete sozi
ho com os livros Nesses eses críticos veio-me parar às mãos
uma obra cuo coteúdo e fasciou aida que não a entedesseperfeitamete O matemático Herma Weyl realizara uma expo
sição matemática dos pricípios da teoria da relatividade de Eis
tei, com o título Espaço-Tempo-Matéra. A discussão dos dií
ceis métodos mateáticos que s desevolviam este livro e o
abstracto edifício coceptual em que se baseava a teoria da rela
tividade etusiasaramme e perturbarae ao poto de e de
cidir a estudar matemática a Uiversidade de Muique, ideia que
á acaletava
Nos primeiros dias do meu curso deuse porém uma alteração
muito curiosa que gostaria de relatar brevemete Meu pai que
esiava a Uiversidade de Muique Grego Modero e Mede
val tiha�me coseguido uma etrevista com o proessor de
Matemática Lindema que se celebrizara graças à solução defi
itiva do atiquíssimo problema da quadratura do círculo Queria
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28 1 DÁLGS SBR FÍSICA ATÓMCA
pedir a Lindemann que me admitisse no seu semao, porque
supunha estar suficientemente preparado para ele, dados os estu
dos matemáticos que realizara a par dos estudos liceais Visitei
Lindemann, que também trabalhava na administração da Univer
sidade, no primeiro andar do edifício, numa sala escura de mobí
lia inusitada, que pela sua austeridade despertou em mim um
certo sentimento de opressão. Antes de falar com o professor, ue
se ergueu lentamente da cadeira, descobri, em cima da secretá
ria, junto a ele, um cãozito negro, que naquele contexto me fez
pensar imediatamente no cão do laboratório de Fausto. O bicho
mirou-me hostilmente por me considerar, sem dúvida, como umintruso, disposto a perturbar a paz do seu dono Um pouco con
fuso nesta situação, expus o meu assunto, balbuciando e naquele
mesmo momento, dei-me conta de como o meu pedido era pre
tensioso Lindemann, um velhote de barba branca, já com aspecto
um pouco cansado, notou também, certamente, esta imodéstia
e a ligira excitação que o acometeu deve te sido a causa doterrvel ladrar do cãozito ue eclodiu a seguir, sem ue o dono
lograsse acalmálo. O animalzinho traduzia a sua ira perante mimatravés de ladridos furiosos, que repetia sem cessar, de modo que
cada vez se tornava mais difícil o diálogo. Lindemann pergun
toume que livros estudara eu ultimamente. Citei a obra de Weyl,
EspaçoTemMatéria. Entre a fúria incontida do peueno cão
de guarda, Lindemann terminou a conversa dizendo: «Então, nesse
caso, á está perdido para as matemáticas» E assim fui despedido
Por ali, estava portanto arrumado o assunto Uma conversa
um pouco decepcionante com o meu pai levou-me a concluir de
que poderia experimentar o estudo da física matemática Para
isso, fixámos uma visita a Smmerfeld, então encarregado da ca
deira de Física Teórica na Universidade de Munique, e que era
considerado como um dos professores mais brilhantes da Univer
sidade e como amigo da uventude Sommerfeld recebeu-me numa
sala clara, através de cuas janelas se iam, no áio da ne
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A DCISÃO D SDAR FÍSCA 1 29
sidade, os estudantes sentaos nos bancos por baxo da grande
acáca. Este homem baixo e corpolento, com m bigode negro um
tanto marcia, dava a princípio uma mpressão e dureza, mas
logo nas prmeras paavras me parece entrever ma bondade
natura, ma attude compreensíve com os joens qe aqi bus
cavam orentaço e conseho. De novo se tocou o tema os meus
estdos particlares e matemátca, e, ao referir-me ao livro de
Weyl Espaço-Tem-Méria, Sommerfe reagiu de manera
mto iferente de Lndemann:
«Ü senhor é emasiado exigente sse ee, não pode
começar peo mas fíci e esperar qe o mas fácl venha automatcamente. Compreeno qe tenha fcao fascnao pela pro
blemática da teora a reatiae; mas há pocos otros campos
em qe a física moerna põe em causa as posições fiosófcas fn
damentas, tratanose por isso e qestes efectamente apaxo
nantes. Porém, o camnho qe conz até lá é mais extenso o
qe magna neste momento ee, pois, começar com m traba
lo moesto e porfao no âmbto a fsca tracona Se qer
estar físca em, para já, qe ecr se qer trabalar no laoexperimental o no lao teórco Por aqo qe me conta, taez
prefra a teora Mas não se ocpo também ocasonalmente com
aparelhos e experiêncas rante os anos e lce?»
Respon qe sim e explqele qe costmaa constrr
peqenos aparehos, motores e intores eléctrcos. Mas nunca
me era mto bem no mno os instrmentos, e o ciao necessário às meçes, mesmo e alor poco mportante, afra
aseme extraorinariamente enfaonho
«Mas o senhor, mesmo qe qeira ecarse à teora, eve
realzar com mta atenção peqenos trabalhos qe à prmera sta
lhe podem parecer poco importantes. Se se disctem problemas
tão granes e flosofcamente releantes como a teoria a relat
viade de Einsten o a teora qântica de Panck, srgem, e não
ao rncante mtos roblemas eenos e têm e ser
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30 J DIÁLOS SOBRE FÍSIA ATMA
resolvidos, e que só no seu conjunto oferecem uma imagem do
campo recém-descoberto.»
«Mas a mim interessam-me talvez mas as questões filosófi
cas de fundo do que os pequenos tabalhos paticulares», acres
cenei timidamente Com isto não se deu Sommerfeld po satis
feito.
«0 senhor sabe, no entanto o que Schille disse aludindo a
Kant e aos seus intépretes quando os reis constroem, há que
fazer paa os trabalhadoes Todos começamos por se traalha
does! as verá a alegria que sente se fize esse traalho cuida
dosa e conscientemente e se além disso, conseguir extrai algumacoisa dele» Sommefeld deu-me então algumas indicações paa o
começo do meu estudo e prometeu apesentame, talvez muito
em breve, um pequeno problema elativo às questões da mais
recente eoia atómica, no qual seria capaz de mostar o que
valia Assim ficou decidida a minha filiação na escola de Somme
feld para os anos seguintes
se primeiro diálogo com um cientista realmente versado
em física modena, que realizaa descoetas impotantes no campoque mediava entre a teoria da elatividade e a teoria quântica
repercutiuse em mim por muito tempo A exigência de meticu
losidade nas coisas pequenas tonou-seme manifesta, porquanto,
tamm a meu pai, emoa noutro aspecto, ouvia refeências
fequentes nesse sentido. Opimiame porém, a ideia de ainda me
encontrar tão distante do domnio paa que mais exactamente
me sentia motivado Assim, esta pimeia convesa fi continuada
através de muitos outros diálogos com os meus amigos; e ficou-mee especial a recodação de um deles aceca da posição da fsica
moderna na evolução cultual do nosso tempo
Naquele Outono estive várias vezes com o violinista que
tocara a Chacon de Bach, na noite do castelo de Prunn Encon
ávamonos em casa de Walter nosso amigo comum, que era
tmbém um bom violoncelista Tentámos trabalhar untos sore as
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A DECO DE ESTUD FÍSICA 1 3
partituras clássicas para trio e propusémo-nos ensaiar para uma
festa o célebre trio de Schubert em si bemol maior. Como o pai
de Walter morrera prematuramente a mãe vivia só com os dois
ilhos num vasto e ricamente decorado andar na Elizabethstrasse
a poucos minutos da casa de meus pais na Hohenzollernstrasse;
o formoso piano de cauda Berstein, que havia na sala de estar,
aguçava-me o gosto de ali me entregar à música. Depois da exe
cução das peças permanecíamos sentados até muito tarde por
vezes entusiasmados na conversa. Uma ocasião o assunto derivou
para os meus planos de estudo A mãe de Walter perguntou-me
porque não me decidira eu pelo estudo da música: «Pela suamaneira de tocar e pela forma como fala desta música tenho a
impressão de que a arte está mais perto do seu coração do que
a ciência ou a técnica; que no fundo acha o conteúdo da música
mais belo do que o espírito que se epressa em aparlhos e fór
mulas ou em refinados mecanismos técnicos Se assim é orque
quer decidir-se pelas ciências? A marcha do mundo é em última
análise determinada pelos ideais da juventude Se os jovens esco
lhem o elo haverá mais elea se se decidirem pelo útil haverámais utilidade Daí que a opção de cada um tenha importância
não só para si próprio mas iualmente para a sociedade humana»
Tentei defender-me «Não creio que se trate de uma escolha
assim tão simples De facto ainda que prescindindo do facto de
que provavelmene não pudesse chear a ser um músico parti
cuarmente distinto permanece a questão relativa ao domínio em
que se pode hoje conseuir o máimo e esta perunta refrese ao
estado em que hoe se encontram as diferentes disciplinas. Em
relação à música tenho a impressão de que as composições dos
últimos anos não são tão convincentes como as dos tempos ante
riores. No século xvn, a música era ainda amplamente determ
nada pelo sentido reliioso da vida desse tempo; no século vm,
trilhou-se o caminho do mundo do sentimento individual a mú
ica romântica do século XIX penetrou nas proundezas mais ni
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32 / DIÁLGS SBRE FÍSICA ATÓMICA
mas da alma humana. Todavia, nos úlios anos, a música parece
ter aingido uma fase de experienação, de esranha inquietude
e talvez um pouco superficial, na qual as reflexões eóricas joga
um papel mais iporane do que a consciência, segura do pro
gresso por uma via pré-deerinada. Nas ciências, e e especial
na física, as coisas são diferenes Aí, a prossecução do caminho
previsto cuja mea, há vine anos, não era oura senão a com
preensão de ceros fenómenos elecroagnéicos conduziu por
si mesa a probleas nos quais as posições filosóficas funda
menais a esruura de esaço e epo e a validade da lei da
causalidade são objeco de discussão. Aqui, creio eu, abrese umnovo horizone de apliude imprevisível, e provavelene vária
gerações de físicos erão muio que fazer aé se enconrarem as
resposas definiivas. Por esa razão, seduze sinceramene qual
quer ipo de colaboração nese processo.»
O nosso amigo Rolf, o violinisa, não eseve de acordo «Ü que
dizes da física moderna não será igualene válido para a úsica
acual? abé aqui o caino arece esar raçado. As velas
barreiras da onalidade fora superadas; enráos numa erranova, e que, a respeio de so e rios, emos quase toda a
liberdade que queiramos iaginar. Não podereos esperar que
sura aqui ana riqueza coo nas uas ciências»
Waer, no enano, ina alguns reparos a pôr a esa co
paração
«Não sei objecou se são necessariamene a mesma coisa
a liberdade de eleição dos eios de expressão, por um lado, e um
horizone novo e fecundo, por ouro. À primeira visa, arece
que ua liberdade aior deve represenar abé u enrique
cimeno, um acresceno de possibilidades. Mas no que se refere
à are, que me oca ais do que a ciência, não poderia e rigor
admiilo. O processo da are, co efeito, realizase do modo
seguinte: e primeiro lugar, um leno processo hisórico que
ransforma a vida dos omens, se que o indivduo, e pari
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A DECISÃO DE ESTUDAR FÍSICA 1 33
cular, possa exercer nee grande inuência - fz brotar novs
conteúdos. Depois, indivíduos bem dotados artisticamente esforçamse por dar a estes conteúdos orma visual ou audvel, tra
zendo novas possibiidades expressivas do materia com que eaboram a sua arte - as cores ou os instrumentos Esta interrela
ção ou, se quisermos, esta uta entre o conteúdo expressivo e a
imitação dos meios de expressão é, no meu entender, a condição
sine qua non para que a arte possa surgir Se alta a imitação dos
meios de expressão, se, por exemplo, em música se pode produzir
quaquer som, deixa de haver essa luta, e o esorço dos artistas
tem ugar, em certa medida, no vazio Por isso, sintome cépticoem relação a uma liberdade demasiado ampla»
«Em ciência prosseguiu Water-, as novas técnicas tor
nam possível a reaização de novas experiências e a recoha denovos saberes, e é deste modo que surgem os conteúdos novos.
Os meios de expressão são aqui os conceitos com os quais devem
captarse e serem entendidos os novos conteúdos Por exempo,
da eitura de artigos de divugação vim a saber que a teora da
reatividade, que tanto te interessa, se apoia em certas experiências reaizadas nos começos do século, em que se pretendia de
monstrar o movimento da Terra no espaço através da interferên
cia dos raios luminosos endo esta experiência fracassado, con
cluiuse que as novas experiências ou, o que é o mesmo, os novos
conteúdos tornavam necessária uma ampiação das possibiidades
expressivas, quer dizer, do sistema conceptual da fsica Ninguém
seria capaz de prever seguramente que se exigiriam mudanças
radicais em noções tão fundamentais como o espaço e o tempo
Por isso, sem dúvida, o grande érito de Einstein foi ter sido
o primeiro a descobrir que devem ser realizadas certas correcções
nas representações de espaço e tempo.
«Ü que descreves da tua ísica comparoia antes com a
evolução da música em meados do sécuo xvm. Nesse tempo, o
mundo sntimenta do homem que conhecemos através de Rous3
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34 / DIÁLGS SBRE FÍSICA ATÓMC
seau, ou, mais tarde, através do Werthr, de Gethe, foi pene
trando - mediante um lento processo histórico na consciência
da época, e os grandes clássicos Haydn Mozart, Beethoven
Schubert lograram descobrir, atravs de ampliação dos meios
de expressão, uma representação adequada deste mundo sent
mental Na música actual, todavia os novos conteúdos são, em
minha opinião, demasiado obscuros ou implausíveis e o transbor
dar de possibilidades expressivas convertese para mim em motivo
de preocupação. O caminho da msica actual parece, em certa
medida, projectado a partir de uma simples navegação; deve
abandonarse a antiga tonalidade porque se acha que o seu campode possibilidades está esgotado mas não por haver novos conte
dos importantes impossíveis de exprimir através de msica «clás
sica» Acerca do rumo a toma, após o abandono da tonalidade,
existem grandes incertezas entre os múscos e apenas algumas ten
tativas ainda ml determinadas. a ciência moderna as questõesestão postas e o trabalho consiste em encontrar as respostas E
arte moderna, porém, as próprias questões são imprecisas Mas
talvez possas contarnos mais alguma coisa acerca do novo horizonte que se te abre na sica e em cujo âmbito pretendes ded
carte à investigação.
Tentei azerme compreender no pouco que aprendera sobrea fsica do átomo graças às leituras no período da mnha doença
e aos livros de divulgação que me tinham chegado às mãos.
«a teora da relatvdade respondi a Walter as expern
cias que mencionaste em conjunto com as outras levara Eins
tein a abandonar o conceito vigente de smultaneidade. Isto á bastante desconcertante Porque, em princípio toda a gente crê
saber exactamente o que significa a palavra «simultaneidade
ainda que se reira a acontecimentos que têm lugar em pontos
muito distantes ntre si Mas claro que essa exactidão é fala
ciosa Se, por exemplo se pergunta como possvel demonstrar
que dois acontecimentos são simultâneos e se investigam as dif
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A DECISÃO DE ESTUDAR FÍSICA 1 35
rentes possibilidades de demonstração através dos resultados, a na
tureza infora-nos que a resposta não é unívoca, mas depende
fundaentalmente do estado de oviento do observador. Espaçoe tepo não estão, por conseguinte, tão independenteente sepa
rados entre si como até agora se acreditava. Einstein pôde des
crever, através de uma fora ateática relativamente simples
e concludente, a nova estrutura de espaço e tepo Enquanto
estive doente, tentei de algu odo penetrar neste mundo ate
ático Mas todo este doínio, como aprendi graças a Soer
feld, já está razoavelmente aberto, e não constitui, portanto, ne
nhu horizonte novo«Üs problemas mais interessantes respeita a outro campo,
à teoria atómica. Aqui, põese a questão básica da ocorrência de
ormas e qualidades dentro do undo material que sempre se
repete Porque será, por exemplo, que a água lquida se ora
sistematicaente, co todas as suas propriedades caractersticas,
tanto a partir da fusão de gelo, coo da condensação do vapor
de água, ou da combustão do hidrogénio? Este facto sempre oi
admitido na sica tradicional, mas nunca oi entendido. Supondoos corpos materiais, a água, por exemplo, copostos por áto
os e a qumica utiliza com êxito esta ideia, as leis do mo
viento, que aprendemos na escola e constitue a ecânica
newtoniana, não pode conduzir a ovimentos das partes ais
pequenas resentando u tal grau de estabilidade Deve aqui
actuar, po anto, leis naturais de u tipo uito diferente, que
expliquem que os átoos se associem e ovam sepre do eso
odo, gerandose permanentemente foras de matéria co as
esmas propriedades estáveis As prieiras indicações relativas a
essas novas leis da natureza oram dadas, como sabemos, há vinte
anos, por Planck, na sua teoria quântica, e o físico dinamarquês
Bohr pôs as ideias de Planck e relação com as representações
da estrutura do átoo, que Rutherford desenvolvera e Inglaterra
Aim se lorou ela rieira vez, lançar luz sobre a surpreen
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36 1 DIÁLGOS SOBRE FÍSICA ATÓMICA
dente estabilidade no domínio atómico, a que acabei de me referir. Mas neste campo ainda se está muito longe segundo pensa
Sommerfeld de uma compreensão clara dos problemas Abre-se
pois todo um domínio por explorar onde talvez venham a des
cobrirse novas inter-relações nas próximas décadas Poderia pois
reduzirse toda a química à fsica dos átomos formulandose cor
rectamente neste ponto as leis da natureza Tudo dependerá de
se encontrarem os novos conceitos adequados a um progresso bem
orientado neste campo Creio por isso que na fsica atómica
actual estamos na pista de inter-relações e estruturas mais impor
tantes do que na música. as concordo em que há cento e cinquenta anos acontecia justamente o contrário.»
«Pensas portanto respondeu Walter que todo aquele que
queira cooperar no progresso actual da sua época tem que fazer
uso necessariamente dos materiais concretos a que a evolução
histórica conduziu? Se Mozart tivesse nascido na nossa época
verseia limitado a escrever apenas música eperimental e ato
na como os compositores de agora?»
«Creio que sim Se Einstein tivesse vivido no século xn, comcerteza não teria podido realizar qualquer descoberta científica
relevante»
«Talvez não sea lcito obectou a mãe de Walter apre
sentar sempre grandes figuras como Mozart ou Einstein Poucos
indivíduos têm possibilidade de desempenhar papéis dcisivos. Pa
ticipam em círculos menores discretos e é a este nível que se
deve pensar se não é mais satisfatório tocar a trio em sibemol
maior e cubert do que construir aparelos ou escrever fórmu
las matemátcas»
Adverti que eu próprio sentira muitos escrúpulos nesse sen
tido e referi também a minha conversa com Sommerfeld subli
nhando as palavras de Schiller que o professor citara: «Quando
os reis constroem há que fazer para os trabalhadores»
Rolf comentou «É coisa que nos afecta a todos da mesma
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8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)
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A DECISÃO DE ESTUDAR FÍSICA l 37
maneira. Um músico tem que realizar antes de mais, um esforço
infinito só para atingir o domínio técnico do instrumento; e ainda
assim não vai além de tocar partituras que já foram interpreta
das muito melhor por centenas de músicos Se estudas fsica terás
de construir primeiro ao cabo de um esforço porfiado instru
mentos que já foram mais bem construídos por outras pessoas ou
realizar reflexões matemáticas que são simples reproduções de
outras originais. Quando tudo isto é conseguido fica-nos en
quanto trabalhadores o contacto constante com a boa música e
de vez em quando uma interpretação particularmente lograda
Quanto a vocês eventualente entenderão uma inter-relação demaneira mais satisfatória ou precisarão alguma questão mais exac
tamente do que já fora feito pelos vossos predecessores Não se
pode prever de modo rigoroso a nossa colaboração em algum tema
mais importante ou a possibilidade de um passo em frente num
assunto decisivo nem mesmo quando se trabalha num terreno
onde haja ainda muita terra por explorar.»
A mãe de Walter que escutara pensativa falou mais para si
do que para nós como se os seus pensamentos se formassem nopróprio momento em que pronunciava as palavras: «Provavel
mente é costume interpretar de maneira errónea a comparação
entre os reis e os trabalhadores Parece-nos em princípio que
todo o esplendor procede da actividade dos reis e que o trabalho
dos trabalhadores é apenas uma colaboração acessória Mas tal
vez seja precisamente o contrário A glória dos reis apoia-se fun
damentalmente no labor dos trabalhadores está no facto de os
trabalhadores poderem encontrar trabalho fatigante para muitos
anos mas ao mesmo tempo na alegria e no êxito desse labor
Talvez figuras como Bach ou Mozart nos apareçam como reis de
música simplesmente porque durante dois séculos tornaram possí
vel a grande número de músicos menores realizar os seus pen
samentos com o máxio cuidado e escrúpulo reinterpretálos e
tornálos desse modo inteligíveis aos seus ouvidos. E é evidente
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38 1 DIÁLOGOS SOBRE FÍSICA ATÓMICA
que também os ouvines paricipam neste trabalho de cuidadosa
reactualização e inerpreação. É nese contexto que lhes são
apresentadas as ideias exposas pelos grandes músicos Quando se
considera a evolução histórica - e iso pareceme afectar em
igual medida as ares e as ciências -, deve haver em cada dis
ciplina longos períodos de repouso ou de desenvolvimeno Tam
bém nestas épocas, tudo depende de um trabalho consciene e
preciso, em odos os seus pormenores O que não se faz com plena
entrega esquecese e não merece sequer ser recordado Porém
uma vez ransformado, com a mudança dos empos, o conteúdo
da disciplina respeciva, acaba por chegar um momeno em queo fruo dese leno processo se cifra, inesperadamente em novas
possibilidades e novos conteúdos Vêemse grandes génios como
que magicamente atraídos por ese processo, pelas forças de cres
cimento que nele se adivinham, e assim sucede que ao cabo de
poucos decénios se criam, num âmbio resrio, as obras de are
mais significaivas e se realizam descobertas cientficas da má
xima importância.
«Foi deste modo que na segunda meade do século xvmsurgu em Viena a música clássica e que nos séculos e XVI,
a pinura nos Países Baixos Os grandes génios conferem aos no
vos coneúdos espirituais a sua representação eerna, criam as
formas válidas nas quais se desenrla a evolução ulterior; mas não
produzem propriamene os novos conteúdos
Nauralmene alvez esejamos agora no começo de uma
época cienfica de grande fecundidade e não se pode dissuadir
um jovem de nela omar pare aciva Tãopouco se pode exigir
que se realizem ao mesmo empo progressos imporantes em mui
tas ares e ciências; emos que congraularnos, pelo conrário, se
iso suceder ao menos num campo, se pudermos participar espon
aneamene nessa glória como espectadores ou cooperadores aci
vos Não podemos esperar mais do que isso Assim, não veo us
tificação para as críticas que frequentemente se fazem em ar
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A DECISÃO DE ESTUDAR FÍSA 1 39
moderna - seja pntua ou músca. Na sequênca dos grandesproblemas que se mpuseram à músca ou às artes fguratvas nosséculos xvm e XIX, e que foram resolvdos, deva naturalmentesegurse uma época mas tranqula, em que se ode conservaro antgo, mas só se pode ensaar a nodade de modo nseguroe expermental A comparação dos resultados da músca actualcom os da grande época da músca clássca parece carecer de justça Talvez possamos, entretanto, termar a note com mas umdos vossos ensaios, tocando o andamento lento do tro em sbemolmaor de Schubert o melhor possível»
Assm sucedeu, e elo modo como Rolf - com o seu volno fez soar na segunda parte desta eça as frases nostálgcasem dó maor pudemos erceber a trsteza que lhe produza aossa convcção de que a grande éoca da músca europea passara defntamete
Algus das mas tarde, quando etre na aula d� Unersdade onde Sommerfeld costumava dar as suas lções, descobr natercera fla um estudate de cabelo escuro e rosto longo, mpre
ciso e msteroso, que já hava chamado a mnha atenção ao vêlono semáro, as a mnha rmera conersa com SommerfeldEste tnhamo aresentado, e deos, ao desedrse, na porta doseu nsttuto, dsserame que o cosderaa um dos melhores alunos e que eu odera areder muto com ele. Dea solctar asua auda quando me surgssem dúdas em físca. ChamavaseWolfgag Paul, e a atr da, equato o, desemenhou, emrelação a mim e a todo o meu trabalho científco, o papel de
amgo e crítco semre be escolhdo, aida que extremameteexgente. Senteme ao lado dele e edlhe que depos da aulame desse alguns conselhos sobre os meus estudos. ef edentrou a aula e, quando rouncaa as rmeras palaras dasua lção, olfgag sussurroume ao oudo: «Não te parece umvelho coroel de hussados? Quando, termnada a aula, oltámos ao semnáro do Instituto de Físca eórca, fz duas pergu
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40 1 DÁLGS SBRE FÍSIC TÓMIC
tas a Wolgang essencialmente importantes. Queria saber em que
medida se necessita aprender a arte da realização de experiências
estando-se interessado em trabalhar sobretudo em teoria, e que
importância teria segundo o seu parecer na física de hoje a teo
ria da relatividade em comparação com a teoria do átomo À pri
meira pergunta Wolfgang respondeu: «Se que Sommerfeld dá
grande valor a uma certa aprendizagem da experimentação, mas
é coisa que não se quadra comigo; não tenho eito para tratar com
instrumentos Veo claramente que toda a fsica deve basearse
nos resultados experimentais mas uma vez que esses resultados
á existem a física pelo menos a física moderna resulta demasiado difícil para a maioria dos físicos experimentais A razão
é que com os meios técnicos da física experimental contempo
rânea penetramos em domínios da natureza que não podem des
crever-se convenientemente em termos dos conceitos do quoti
diano Temos de valer-nos de uma linguagem matemática abstracta
que não se pode utilizar sem uma aprendizagem profunda da mate
mática moderna O único remédio portanto é a especialização
Pareceme acessível a linguagem mateática abstracta e espero
usá-la na fsica Para isto é, evidentemente, imprescindível um
certo conhecimento da parte experimental. O matemático puro
por muito bom que sea não entende praticamente nada de fí
sica»
Relatei a propósito disto o meu diálogo com o velho Lin
demann os ladridos do cãozito negro e a leitura do livro de
eyl spaço-emp-atéria. Foi um relato que despertou a hlaridade de Wolfgang
«Coincide exactamente com o que esperava respondeu
Lindemann é um fanático de precisão matemática. Toda a
ciência que utilize a matemática como instrumento inclusive a
fsica matemática é para ele palavrório confuso Weyl entende
realmente bastante da teoria da relatividade e por isso, natural-
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DEÃO DE ETUDR FÍSICA ! 41
mente, Lindemann exclui-o da lista dos matemáticos que se podem
tomar a sério.»
À minha pergunta sobre a importância da teoria da relativi
dade e da teoria do átomo, Wolfgang respondeu mais pormeno
rizadamente: «A chamada teoria da relatividade restrita está total
mente terminada e devese aprendê-la com facilidade e aplicá-la,
como qualquer das disciplinas da ísica Não é, portanto, especial
mente interessante para quem deseje descobrir algo de novo
A teoria da relatividade geral, ou, o que é aproximadamente o
mesmo, a teoria da gravitação de Einstein, não está, no mesmo
sentido, acabada , além disso, muito insatisfatória, já que aolongo de cem páginas de teoria, onde surgem tratamentos mate
máticos dos mais difíceis, só é descrita uma experiência Por isso,
não há a certeza absoluta da sua veracidade Porém, é uma teoria
que entreabe novas possibilidades de pensa, e á que tomá-la
muito a séio. Há pouco tempo escevi um longo atigo sobre
a teoria geral da relatividade, mas, talve po isso, acho a física
atómica, no fundo, mais inteessante Na física do átomo há uma
imensidão de resultados expeimentais que ainda não foram explicados os enunciados da natuea num contexto parecem opor
-se aos de outro, e até agora não foi possvel traçar uma imagem
das inter-relações que esteja relativamente livre de contradições
internas É certo que o dinamarqus Nes Bor logrou elaciona
a singular estabilidade dos átomos perante as pertubações exte
riores com a ipótese quântica de Planck, que, aliás, também não
se compeende; mas, recentemente, parece que Boh pôde tornar
qualitativamente compreensível o sistema peiódico dos elementos
e as popriedades químicas de agumas substâncias Não consigo
porém ve como seá isto possvel, uma vez que ele também não
logra elimina as contadições de que te falei Em todo este campo
se progride, pois, às a1alpadelas, dentro da névoa mais espessa,
e só daqui a bastantes anos se encontaá uma orientação segura
Sommefeld espera que, à base das experiências, seja possível adi-
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42 1 DÁLOGOS SOBRE FÍSICA ATÓMCA
vinhar novas leis. Cê nas elações numéicas como uma espec1ede ística dos númeos, do mesmo modo que no seu tempo os
pitagóicos aceditavam nas hamonias das codas vibantes Po
isso, gostaos de designa este lado da sua ciência po «atomstica»; mas até ao momento pesente ninguém sugeiu nada me
lo. Talvez seja mais fácil uma pessoa oienta-se se ainda não
conece bem a fsica anteio na sua magnificente unidade.
Tens vantagem nesse ponto soiu Wolfgang um pouco malicio
samente mas a falta de conhecimentos não é natualente
gaantia de êxito»
Apesa desta ligeia udeza Wolfgang confimaame tudoquanto me popusea como fundamento do meu etudo de fsica
Sentiame satisfeito po não me te oientado no sentido da mate
mtica pua, e o cãozito nego do escitóio de Lindemann apa
eceue na ecodação como uma pate daquela foça que que
sempe o mal e cia sepe o bem.
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CAP1TULO III
O CONCETO «ENENDER» EM FSCA MODERN
(920-19)
Os dois rimiros anos dos mus studos m Muniqu dsn
roaram-s m dois mundos muito difrnts o círculo d ami
gos do Movimnto da Juvntud o contxto abstracto-raciona
da ísica tórica. mbos os domnios ram rpltos d vida tão
intnsa qu smr m ncontrava num stado d agitação ro
unda não m ra áci assar d um camo ao outro No smi
nário d Sommrd, as conversas com W ogang aui consti
turam a art mais imortant dos mus studos Porém o
génro d vida d Wogang ra quas diamtramnt oosto aou Para mim a caridad do dia, os assios a montanha,
o razr d um banho num ago bávaro; ara Wogang a animaão nocturna Prria a cidad, assistindo a sctácuos divr
tidos e arovitando o rsto da noit ara studar ísica, com
rndimnto notáv É caro qu com grand mágoa d Sommr
fd, só raramnt aarcia às auas d manhã, d modo qu
nunca stava rsnt no sminário ants do mio-dia Esta divr
sidad d stios d vida du ocasião a crtas diicudads d raçõs, mas não chgou a rturbar a nossa amizad O nosso int
rss comum a ísica ra tão ort qu acimnt suprou os
intrsss distintos nos outros camos.
Quando nso naqu Vrão d 19 tnto concntrar as
divrsas rcordaõs numa imagm únca o qu oco é um
acamamnto na ora d um bosqu á m baixo, ainda na
obscuridad do amanhc, vês o ago m qu nos banhámos a
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44 / DIÁLOGOS SOBRE FÍSICA ATÓMICA
véspera e, lá ao longe, do outro lado, a crista espessa do Bene
diktenwand. Os companheiros ainda dormem, mas eu abandono
a tenda sozinho antes da alvorada para chegar, através de ata
lhos, em pouco mais de uma hora, à estação mais próxima O
comboio da manhã deixar-me-ia pontualmente em Munique, a fim
de não perder a aula de Sommerfeld às nove. O caminho conduz
primeiro ao lago, por terrenos pantanosos, a cadeia dos Alpes
desde o Benediktenwand até ao Fugspitze. Nos prados floridos
aparecem as primeiras máquinas de ceifar, e lamento um pouco
já não poder, como três anos antes, na condição de trabalhador
rural, guiar a junta de bois na granja Grossthaler, em MiesbachO trabalho tinha de ser tão bem feito que não ficasse sequer
uma franja de erva Assim se entrecruzavam policromamente no
meu espírito a vida quotidiana campesina, o esplendor da paisa
gem e a aula iminente de Sommerfeld, de tal maneira que me per
suadia de ser o homem mais feliz do mundo
Uma ou duas horas depois de terminada a aula de Sommer
fald, Wolfgang aparecia no seminário e a nossa conversa poderia
muito bem ter sido a que se segue Dizia Wolfgang: «BomdiaAí está o nosso apóstolo da natureza Tens o aspecto de ter voltado
a viver uns quantos dias segundo os princípios o vosso santo
patrono Rousseau A ele se atribui o lema famoso egresso à
natureza; macas, subam às árvres.» Logo lhe respondia eu:
«A segunda parte da citação não é de Rousseau e, aé disso,
nunca nos passou pela cabeça trepar às árvores Devias ter dito
bm midia em vez de bm-da porque são mesmo doze horas
Para a próxima vez, hás-de levarme a um desses locais noctur
nos, para que também eu seja bafejado pela riqueza da inspiração
para os temas da fsica» E Wolfgang: «Com certeza que isso não
te ajudava nada. Mas para já podias contarme o que aproveitaste
do trabalho de Kramers, que tens de abordar qualquer dia no
seminário» Era assim que o diálogo se transformava em discussão
obectiva Nas nossas conversas sobre fsica també paicipava
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O CONCEITO «ENTENDER) E FÍSICA ODERNA \ 45
com requência outro colega, Otto Laporte que com o seu prag
matismo inteligente e sóbrio era um bom intermediário entre
mim e Wolfgang. Mais tarde publicou com Sommereld, traba
lhos importantes acerca da chamada estrutura «multiplete» dos
espectros
Provavelmente icou a dever-se também à sua acçã de me
daneiro u passeio de bicicleta pela montanha que uma vez resol
vemos azer Wolgang, Otto e eu De Benediktbeuern subimos
a Kesselberg até ao lago Walchen e daí mais a diante, até ao vale
do Loisach Foi a única vez que Wolgang se atreveu a penetrar
no meu mundo. Porém esta experiência oi altamente rutuosapelas etensas conversas que mantivemos e que continuámos mais
tarde em Munique a dois ou a três
Assim passámos portanto alguns dias juntos. Após escalarmos
a crista do Kesselberg, arrastando penosamente as bicicletas, to
mámos sem esforço pela estrada rasada na alda da montanha,
ao longo da escarpada margem ocidental do lago Walchen aindaeu não advnhava a mportânca ue vria a ter para mm este
troço de terra, e atravessámos o lugar onde outrora um velhoharpista e a sua filhita sbiram na carruagem de Goethe, a cami
nho de Itália modelos que o escritor aproveitara no Wlhelm
Meister. Para lá do lago escuro, Goethe contemplara pela primeira vez seundo refere o seu dro, as cordilheiras nevadas
Contudo, ainda que estas imagens fossem por nós acolhidas com
alegria, a conversa incidia no entanto, repetidamente sobre ues
tões relacionadas com o estudo e a ciência.
Wolgang perguntou-me uma vez creio ue uma tarde na
pousada de Grainau se eu entendera a teoria da relatividade de
Einstein, que desempenhava papel tão importante no seminário de
Sommerfeld. Só pude responder ue não sabia por ainda não ver
claro o sinificado exacto da palavra «entende dentro do nosso
campo cientico. O aparelho matemático da teora da relativi
dade não me ofereca ualuer dficuldade mas isto não sinfi
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46 1 DIÁLOS SOBRE FÍICA TÓMI
cava que eu fosse capaz de perceber porque é que um observador
e movimento, ao usar a palavra «tempo», queria dizer algo de
distinto em comparação com u observador em repouso. Esta
confusão do conceito de tempo continuava a ser para im inquie
tante, porquanto ininteligível
«Mas se conheces a estruturação matemática - objectava
Wolfgang, podes calcular com precisão a respeito de cada uma
das experiências, o que perceberá ou medirá um observador em
repouso e um observador em movimento. Sabes também que su
pomos undamentalente que ua experiência real realizarseá
exactamente como o cálculo o prediz. Que mais queres então?»«É essa precisamente a minha dificuldade respondi eu ,
não sei que mais se poderia exigir. as sintome, de certo odo
burlado pela lógica inerente ao funcionamento desta trama mate
mática Ou se preferires entendi a teoa co a cabeça as
ainda não consegui entendêla co o coação. O que é o «tempo»
creio eu saber; ne precisava de ter estudado física para tal
porque o nosso pensaento e a nossa actuação sempre pressupõe
este conceito ingénuo de tempo Talve se possam pôr as coisas daseguinte aneira: o nosso pensaento depende do facto de este
conceito ser útil, de podermos trabalhar com ele Poré, se este
conceito tem de ser alterado então deixaos de saber se a nossa
linguagem e o nosso pensaento peranece instruentos útes
à nossa orientação Não quero com isto referirme a Kant, que
classifica o espaço e o tepo coo foras intuitivas a priori,
outorgandolhes u carácter absoluto seelhante ao que a fsica
anterior lhes atribua Só desearia acentuar que falar e pensar
se tornam operações inseguras se udaros noções tão funda
entais como estas e a insegurança não copatvel com a co
preensão»
Otto achou inundada a minha preocupação «Na filosofia
académica disse ele, dáme a impressão que conceitos como
espao e tem possue um significado fixo, não modfc
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O CONCEITO ENENDERn EM FÍSCA MODERA 1 47
vel Mas é isto que demonstra justamente a falsidade da filosofia
académica. Com asserções muito bem formuladas sobre a «essên
cia» do espaço e do tempo, não podemos chegar a coisa nenhuma
Talvez já te tenhas oupado demasiado de filosofia Mas há uma
definição que é preciso não esqueceres: a filosofia é o abuso sis
temático de uma terminologia inventada justamente para este fim
Qualquer exigênia absoluta é de antemão recusável Na reali
dade só deviam utilizar-se as palavras e conceitos que pudessem
referirse imediatamente à percepção sensível, susceptvel natu
ralmente de observação fsica complexa Esses conceitos podem
sr entendidos sem grandes explcações Foi precisamente este regresso ao observável o grande mérito de Einstein Na teoria da
relatividade, começou por partir da hpótese natural de que o
tempo é aquilo que se lê no relógio Ligando-nos ao sgnificado
trivial destas paavras, não surge qualquer dificuldade na teoria
da relatividade uando uma teoria perte prever exactamente
o resultado das observações faclita igualmente tudo o que é ne
cessário para a sua compreensão
Wolfgang fez alguns reparos a isto «Ü que tu dizes só é vlido
sob certas condiões e que referi-las Em primeiro lugar de
ve-se estar seguro e que as previsões e teoria são unívocas e
não eiste contradão entre elas formando m todo coerente
No caso da teoria da relatvade sto é garantido pela estrutra
conceptual da teoria; deve extrarse a que fenómenos pode ou
não aplicarse Se não ouvesse este limte, qualquer teoria sera
imediatamente refutvel por não ser capaz de prever todos osfenómenos o Unverso Porm mesmo quando se preencem to
dos estes pressupostos continuo a não ter a certeza de que sea
possível automaticamente uma compreensão total no caso de plau
sbilidade de previsão de todos os fenómenos pertencentes a um
dado domínio Em contrapartia talvez seja possível compreen
der perfeitamente m certo campo experimental sem que no
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48 1 DÁLOGOS SOBRE FÍSICA ATÓMCA
entanto se possam prever todos os resultados de obsevações ftras.»
Tentei, por meio de exemplos históricos justificar as minhas
dúias a respeito da possibilidade de equiparar a apacidade de
preisão com a compreensão de uma teoria «Sabes que na Gré
cia antiga o astrónomo Aristarco já pensava na possibilidade de
o Sol ocpar o ponto central do nosso sistema planetário Esta
ideia foi no entanto refutada por Hispaco e cai no esquecimento
Ptolome partiu da ideia de ue a Terra constituíra o centro, e
considerou as órbitas dos planetas como compostas po várias
órbitas circlares por ciclos e epiciclos Graças a esta concepção,logrou determinar com grande precisão os eclpses o o e da
Lua e a sa outrina foi considerada drante um milhar e meio
de anos como a base segra da astonomia Porém entendera
realmente Ptolomeu o sistema plaetáio? Não foi Newton o pri
meiro a conhecer a lei da inércia a introduzir a foça como causa
da vaiação de qantdade de movimento e a explicar convenien
temente o movmento dos planetas através da gavitaço? Não
foi ele o primeiro a percebe este movimento? Esta questão paece-me decisiva Tomemos ainda um exemplo da históia mais
recente da física
Qando nos fins do século xvm, se chegou a m conheci
mento mais exacto dos fenómenos eléctricos fizeram-se cálculos
mito precisos das forças electrostáticas entre copos caregados
segundo aprendi nas lições de Sommefeld; analogamente ao que
scedia na mecânica de Newton com os copos que apareciam
como potadores de forças Mas só qando o inglês Faraday deuuma volta a esta qestão e procuro o campo de forças quer
dizer a distribuição das forças no espaço e no tempo é que se
entevi o funamento compreensivo dos fenómenos electromag
néticos, qe mais tade merecia fomulação matemática por pate
de Maxell»
Otto não achou estes exemplos particlamente convncentes
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O CONCETO (ENTENDER) EM FÍSICA MODERNA 1 49
«Só posso aí encontrar uma diferença de grau, não uma distin
ção fundamental. A astronomia de Plotomeu é muito boa; de outro
modo, não teria logrado manter-se durante mil e quinhentos anos.
A de Newton não foi melhor no começo, e só com o correr do
tempo é que veio a descobrir-se que, graças à mecânica newto
niana se podiam calcular efectivamente os movimentos dos cor
pos celestes com maior exactidão do que com os ciclos e epiciclos
ptolomaicos. Newton limitouse a dar outra representação mate
mática do movimento dos planetas e estou de acordo em que
esta se revelou, posteriormente, como a de maior êxito.»
Wolfgang considerou esta concepção unilateral e positivistaem demasia. Creio que a astronomia de Newton se distingue
fundamentalmente da de Ptolomeu. Newton pôs a questão de ma
neira diversa. Não começou por se interrogar acerca dos movi
mentos mas acerca da causa dos movimentos. Descobriu-a nas
forças, e logo se deu conta de que as forças no sistema planetário
são mais simples do que os movimentos. Descreveu-as mediante
a sua lei gravitacional. Se agora dizemos que entendemos, a par
tir de Newton os movimentos dos planetas, queremos om issoindicar que estes movimentos, muito complicados quando objecto
de observação mais precisa, são susceptveis de redução a algo
muito simples a saber, as forças da gravitação, que permitem
assim explicálos. Em Ptolomeu, podiam descrever-se as compli
cações através de uma sobreposição de ciclos e epiciclos, mas era
imperioso aceitá-las simplesmente como dados empricos. Além
disso, Newton mostrou que no movimento dos planetas ocorre
fundamentalmente o mesmo que no movimento de uma pedra
que foi lançada, na oscilação de um pêndulo ou no rodar de um
pião Pelo facto de todos estes fenómenos, na sua diversidade,
poderem ser reduzidos ao mesmo princpio em mecânca newto
niana a saber, ao conhecido axioma msa x aceleraçã = força,
esta explicação do sistema planetário é eminentemente superior
à d Ptolomeu»4
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50 DIÁLOGOS SOBRE F�