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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
Instituto de Ciências Humanas e Sociais
Departamento de História
História da América I (HIS136)
Prof. Dr. Luiz Estevam de Oliveira Fernandes
Douglas de Araújo Bernardes: 15.1.3771
Helena Tonelli Chaves: 15.2.3028
Resenha: FREITAS NETO, José Alves de. Bartolomé de Las Casas: a narrativa trágica, o amor cristão e a memória americana. São Paulo: Annablume, 2003. Capítulo 2: “A narrativa lascasiana: o trágico como fundamento”.
José Alves de Freitas Neto é graduado em Filosofia pela Universidade São Francisco
(USF), possui mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC –
SP) sobre a política de Maquiavel a partir do conceito de natureza humana, doutorado em
História Social pela Universidade de São Paulo (USP), cujo segundo capítulo da obra resultante
de sua pesquisa de mestrado será tema desta resenha. Possui também pós-doutorado no Institute
of Latin American Studies (ILAS) na Columbia University. Atualmente, José A. de Freitas Neto
é professor na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e coordenador do Programa de
Pós-Graduação.
No segundo capítulo de sua obra intitulado “A narrativa lascasiana: o trágico como
fundamento”, o autor busca analisar os aspectos semelhantes entre a narrativa da tragédia grega
da antiguidade e a utilizada pelo bispo espanhol Bartolomé de Las Casas em suas obras,
produzidas no século XVI d. C. Para Freitas, as obras de Las Casas são um elemento político de
grande importância na constituição da memória hispano-americana. E o autor vê como uma das
possíveis explicações para o sucesso destas obras e o revigoramento de suas citações na segunda
parte do século XX, suas características de cunho trágico.
Freitas reconhece que, apesar de semelhantes, as narrativas em foco possuem estruturas
diferentes, sendo uma o teatro e a outra, histórica. Na tragédia grega não pode existir a
possibilidade de redenção para os personagens – o que não se aplica a narrativa cristã. Contudo,
outros aspectos podem ser analisados entre as duas narrativas de forma a se encontrar
semelhanças. O autor evidencia o elemento verdadeiramente trágico da narrativa grega como
sendo as tensões vividas pelos personagens sob ameaça de morte. Muitos pensadores, incluindo
Aristóteles, defendem a presença de um elemento catártico na tragédia, nesse aspecto, o conceito
“trágico” pode ser visto em outras construções, assim como no Cristianismo. Para Freitas, aquilo
que abala a suposta ordem e segurança da vida ou do mundo pode ser considerado trágico.
Assim como as tragédias, as obras de Las Casas despertam sentimentos em que as assiste
ou lê, como compaixão e temor. O autor nota que acontece o uso de elementos históricos nas
tragédias gregas, assim como há traços de trágico que ajudam a explicar acontecimentos
históricos. Freitas cita o pensamento de Nietzsche de que o mito trágico permeia a religião grega,
sendo tratado como algo histórico em alguns momentos. O autor declara que fará o inverso em
sua análise, de observar no fato histórico da Conquista o motivo de uma representação
emblemática, se tornando um mito ideológico de defesa dos índios, que Freitas conclui ser o
próprio Las Casas.
Para definir o que é o gênero da tragédia, o autor usa o conceito de Aristóteles, que analisa
tal narrativa como uma imitação de uma ação de caráter elevado, com o uso de linguagem
ornamentada e que ao retratar o terror e a piedade purifica essas emoções. A partir desta análise
Freitas discorre a respeito das semelhanças com a narrativa de Las Casas. O primeiro aspecto, de
uma ação elevada pode ser vista no modo como o bispo apresenta sua tarefa – a defesa dos
indígenas com o objetivo de uma evangelização pacífica e de evitar sua destruição por parte dos
cruéis conquistadores.
A segunda característica definida por Aristóteles também é encontrada na obra
Lascasiana, pois a mesma é extensa e rica em detalhes descritivos e “ornamentos” de linguagem.
O terceiro elemento percebido pelo filósofo grego – a presença de terror e piedade – é
evidenciada por trechos da obra do bispo, em que ele descreve sua versão do massacre
sanguinário e extremamente cruel dos índios, já retratados como dóceis e puros. Outra ligação do
texto de Las Casas com o trágico que Freitas percebe é a possibilidade de catarse, em que buscar
a purificação em relação as atrocidades espanholas, poderia redimir sentimentos de culpa ou
impotência perante aos feitos relatados.
Aristóteles define o mito como a alma e o princípio da tragédia, sendo o discurso a
substância que gera o mito. O discurso exalta o pensamento e a pretensão de seu autor, o que une
oratória e política. Freitas declara que, por causa de seu objetivo político, Las Casas apresentou
seus relatos da forma que lhe era interessante. A motivação do bispo não era acabar com as
conquistas, e sim mudar seus métodos, passando a priorizar a evangelização, a pacificação e
resgatando os valores cristãos. Tal postura política e sua influência sobre novas leis criadas pelo
Estado para regulamentar a colonização mostram seu objetivo de reconstituir a ordem que
acreditava ser certa.
O autor acredita que o propósito político de Las Casas e o fato de sua obra ter sido
constantemente interpretada por ambos os lados do debate provam a eficácia de seu discurso. O
bispo não propunha reflexões ou questionamentos, mas declarava o que deveria ser feito de
acordo com seus valores cristãos. Novamente, Freitas fez uma conexão desse aspecto do
discurso convicto e de visão superior de Las Casas com os textos trágicos gregos, pois seus
autores também discursavam como detentores de uma verdade superior e ditavam atitudes
corretas acerca dos mitos que tratavam. Contudo, os gregos representavam a interpretação oficial,
enquanto o bispo se opunha e contestava as políticas da Coroa. Apesar disso, nota-se o fator
político é visto nas duas narrativas.
Freitas ressalva que é natural que nem todos os aspectos dos dois discursos em análise
sejam semelhantes, dando a distância temporal e espacial entre os mesmos. Por isso, pode-se
perceber aspectos da tragédia grega, principalmente temas, que não fazem parte da cultura
espanhola do século XVI e não são encontradas na narrativa lascasiana. Mas a estrutura é dual em
ambos os casos, em que um embate entre o certo e o errado traz a necessidade de se recompor a
ordem. No caso do discurso do bispo, Freitas acredita que tal dualidade simplificou uma questão
na verdade complexa, mostrando os índios como puros e incorruptos, enquanto os colonizadores
eram a própria personificação do mal.
Las Casas se retratou como o herói de sua narrativa, portando as virtudes e valores
necessários para lutar contra este mal. Assim como o herói grego, o bispo elevou suas ideias e
comportamentos pessoais a uma conotação política, uma missão para o bem maior. Após cumprir
seu objetivo de revelar semelhanças entre a tragédia grega e o texto de Las Casas, o autor conclui
que o trágico não é um elemento exclusivo do teatro grego e que se manifestou em variados
momentos históricos, sendo encontrado inclusive em textos religiosos.