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UNIVERSIDADE DE LISBOAFACULDADE DE LETRAS
A construção da Sustentabilidade Ambiental pela Metáfora e a sua Tradução
Fabiana Negri Pinto da Silva
Mestrado em Tradução
2014
UNIVERSIDADE DE LISBOAFACULDADE DE LETRAS
A construção da Sustentabilidade Ambiental pela Metáfora e a sua Tradução
Fabiana Negri Pinto da Silva
Orientação pela Professora Doutora Maria Clotilde Almeida
Mestrado em Tradução
2014
3
Agradecimentos
A caminhada feita até aqui não é fácil. Passamos por altos e baixos, bons e maus
momentos. No entanto, a conclusão de mais uma etapa não seria possível sem a ajuda e
incentivo de várias pessoas que merecem o meu total agradecimento e consideração.
Gostaria de começar por agradecer à Professora Palmira Marrafa e à Professora Clotilde
Almeida por aceitarem a minha candidatura ao Mestrado de Tradução, tornando este
sonho possível de concretizar.
À Professora Clotilde Almeida, minha orientadora, agradeço todo o tempo, dedicação e
profissionalismo a que se disponibilizou e também pela compreensão que, por vezes, se
afigurou bastante necessária.
Aos meus colegas de Mestrado que me ajudaram bastante, tendo em conta que nem
sempre me era possível estar presente nas aulas, um muito obrigada.
Agradeço ao meu amigo Guilherme que me incentivou e encorajou a ir atrás do meu
sonho, estando sempre presente nos momentos mais difíceis da elaboração do trabalho.
A todos os meus amigos que compreenderam o meu desaparecimento e por vezes até o
meu mau humor e cansaço, principalmente ao meu afilhado.
4
Por fim, gostaria de agradecer às pessoas que sem as quais nada disto seria possível, os
meus pais. Eles sempre me ensinaram a lutar por aquilo que quero, mostrando que tudo é
alcançável se for feito com dedicação. Por isso, agradeço todo o empenho tido na minha
educação, me tornando uma pessoa responsável e ambiciosa, e por mostrar que os
sonhos podem se tornar realidade se lutarmos por eles.
5
Resumo
A presente dissertação parte da identificação das metáforas de sustentabilidade
ambiental, constantes da obra Metaphors for Environmental Sustainability – Redefining
Our Relations With Nature da autoria de Brendon Larson (2011), visando, em primeiro
lugar, a desconstrução dos mapeamentos conceptuais que superintendem as várias
realizações metafóricas de sustentabilidade ambiental, à luz da teoria da metáfora
conceptual, conforme a obra de Lakoff/Johnson (1980), e de Lakoff (1987,1993). Este
processo de desconstrução das metáforas tem por objetivo final promover uma reflexão e
retirar conclusões sobre o processo de tradução destas metáforas convencionalizadas de
sustentabilidade ambiental para a língua portuguesa, partindo do postulado de que a
metáfora é uma ferramenta conceptual da maior importância na cunhagem desta
linguagem da especialidade.
Na nossa ótica, este estudo assume particular relevância em face da crescente
importância do domínio da sustentabilidade ambiental nas sociedades modernas, bem
como na comunicação e nos média, o que tem por consequência a disseminação
generalizada desta terminologia científica em regime de tradução a partir do inglês.
PALAVRAS-CHAVE: metáforas de sustentabilidade ambiental; metáfora e linguagens
especializadas; metáfora e tradução
6
Abstract
The present dissertation starts with the identification of conceptual metaphors of
environmental sustainability, as portrayed in Brendon Larson’s book entitled Metaphors
for Environmental Sustainability – Redefining Our Relations With Nature, aiming at the
deconstruction of the conceptual mappings underlying metaphorical realizations of these
metaphors in the light of the Conceptual Metaphor Theory, with special reference to
Lakoff/Johnson (1980) and Lakoff (1987, 1993). It must be highlighted that the
deconstruction process of these conceptual metaphors aims both at fostering a reflection
and drawing some conclusions about the translation process of these conventionalized
metaphors into Portuguese, taking into account that metaphor is a conceptual tool of
central importance in the coinage of specialized language and terminology.
From our point of view, this study foregrounds the growing importance of environmental
sustainability issues in current societies, as well as in media communication, which results
in the overall dissemination of scientific terminology in this domain, with special focus on
text chunks being translated into Portuguese.
KEYWORDS: Metaphors of environmental sustainability, metaphor and specialized
language; metaphor and translation.
7
Índice
Agradecimentos.................................................................................................................................4
Resumo..............................................................................................................................................6
Abstract..............................................................................................................................................7
0. Introdução................................................................................................................................10
1. Metáfora Conceptual...............................................................................................................12
1.1. Metáfora enquanto Ferramenta Cognitiva.......................................................................23
1.2. Modelos cognitivos idealizados........................................................................................37
2. Metáfora e Cultura.......................................................................................................................40
2.1 Classificação das Metáforas...................................................................................................41
2.1.1 Metáforas Estruturais..........................................................................................................41
2.1.2 Metáforas Ontológicas........................................................................................................46
2.1.3 Metáforas Orientacionais....................................................................................................50
3. Metáfora e a Ciência....................................................................................................................56
3.1 A Terminologia.................................................................................................................61
3.2. Teorias da Terminologia........................................................................................................63
3.2.1 Socioterminologia...............................................................................................................63
3.2.2 Teoria Comunicativa da Terminologia.................................................................................66
3.3 Teorias cognitivas no âmbito da Terminologia.......................................................................68
3.3.1 Terminologia Sociocognitiva................................................................................................68
3.4 Metáfora e Ciência (Richard Boyd).........................................................................................73
4. Metáfora e terminologia..............................................................................................................78
4.1 Metáfora................................................................................................................................78
4.2 Metonímia..............................................................................................................................82
5. Metáforas de Sustentabilidade Ambiental...................................................................................92
5.1 As Metáforas e a Sustentabilidade Ambiental........................................................................93
5.2 Ainda as Metáforas de Feedback.........................................................................................100
5.2.1 A propósito da metáfora “Pegada Ecológica”/ecological footprint”.................................100
6. Tradução e Linguística Cognitiva................................................................................................103
8
7. Observações finais......................................................................................................................107
Bibliografia.....................................................................................................................................109
9
0. Introdução
Cada vez mais somos alertados para a importância da sustentabilidade ambiental para a
sobrevivência humana, sendo que, até agora, as metáforas usadas na conceptualização da
sustentabilidade ambiental apenas foram objeto de um estudo alargado na obra, a saber
Metaphors for Environmental Sustainability – Redefining Our Relations With Nature, da
autoria de Brendon Larson , publicada em 2011. Ao incidirmos sobre a desconstrução das
metáforas conceptuais de sustentabilidade ambiental na obra em apreço, poremos em
destaque a metáfora conceptual enquanto ferramenta cognitiva de cunhagem
terminológica de alcance intercultural. Assim sendo, advoga-se que é a metáfora
conceptual enquanto ferramenta cognitiva que superintende o processo de tradução dos
acervos terminológicos constantes do texto de partida nos contextos de chegada.
No que diz respeito à estruturação da tese, a mesma será dividida em seis pontos.
No ponto 1 até ao subponto 1.2, elabora-se uma breve síntese sobre a teoria da metáfora
conceptual, conforme desenvolvida por Lakoff e Johnson (1980), bem como por Lakoff
(1993), tendo em vista o postulado de que a metáfora constitui uma importante
ferramenta cognitiva na representação de dimensões concretas e abstratas da
experiência.
No ponto 2 ao subponto 2.2, aborda-se a metáfora de um ponto de vista cultural, tendo
em conta dimensões de variação decorrentes de modelos cognitivos idealizados
convergentes ou divergentes.
10
De seguida, nos pontos 3 ao 4.2, visiona-se a metáfora na sua relação com a ciência, com
especial destaque para a questão da cunhagem terminológica, na ótica do paradigma
cognitivo.
No ponto 5 incide-se sobre a desconstrução conceptual das metáforas convencionalizadas
que ocorrem no domínio da sustentabilidade ambiental, na obra que foi objeto de análise,
frisando a necessidade de focalização nas metáforas de proteção ambiental, na base da
metáfora conceptual O AMBIENTE É UMA CASA.
No ponto 6, trata-se de uma panóplia de questões relacionadas com a tradução das
metáforas convencionalizadas de sustentabilidade ambiental, relembrando que a
tradução incide não sobre a tradução de palavras ou expressões, mas na tradução de
conceptualizações que se reportam a um modelo cognitivo idealizado do mundo.
Por fim, tece-se um conjunto de conclusões relativas à tradução das metáforas
convencionalizadas de sustentabilidade ambiental, na obra analisada.
11
1. Metáfora Conceptual
Desde Aristóteles até ao século XXI, a metáfora foi concebida como uma figura de estilo,
ou seja, como um ornato literário, conforme a seguinte definição de Aristóteles
(1994,1457b, capítulo XXI:7) que passo a traduzir:
A metáfora consiste no transportar para uma coisa o nome de outra, ou do género
para a espécie, ou da espécie para o género, ou da espécie de uma para a espécie de
outra, ou por analogia.
Em oposição a esta concepção, surge a teoria da metáfora conceptual, na base da qual se
preconiza que a metáfora não está relacionada com a linguagem, mas sim com o
pensamento. Por este prisma, as metáforas são construídas mediante mapeamentos
realizados a partir do mapeamento de um dado domínio-fonte num dado domínio-alvo.
Registe-se que o estabelecimento de mapeamentos se aplica à linguagem quotidiana, e
não apenas a imagens criadas para textos literários. Desta forma, o foco da metáfora não
está na linguagem, mas na forma como conceptualizamos um dado domínio conceptual à
luz de outro. Encontramos na obra Metaphors we live by (1980) de Lakoff e Johnson a
teorização da metáfora enquanto ferramenta conceptual, em que a mesma foi
considerada como parte integrante do sistema conceptual humano, o que significa que a
metáfora está presente na conceptualização das nossas experiências quotidianas:
12
If we are right in suggesting that our conceptual system is largely metaphorical, then
the way we think, what we experience, and what we do every day is very much a
matter of metaphor (Lakoff/Johnson 1980:3)
No entanto, terá sido Michael Reddy (1979) o primeiro a apontar que a metáfora é
essencialmente conceptual, convencional, mas terá sido Lakoff a elaborar uma teoria
extensiva sobre a metáfora enquanto ferramenta conceptual, conforme ilustrado no
seguinte excerto:
The locus of metaphor is thought, not language, that metaphor is a major and
indispensable part of our ordinary, conventional way of conceptualizing the world, and
that our everyday behavior reflects our metaphorical understanding of experience.
(Lakoff, 1993:203)
No seu artigo The Conduit Metaphor (1979), Reddy assinala que a língua, nesse caso o
Inglês, é altamente metafórica, sendo que acaba por se distanciar da concepção
tradicional da metáfora enquanto figura da retórica, lançando, assim, as bases da teoria
da metáfora conceptual.
De forma simplista, podemos afirmar que a teoria da metáfora conceptual vem por em
questão a divisão estanque entre sentido literal e sentido figurativo preconizado pelo
paradigma estrutural, segundo o qual:
13
- All everyday conventional language is literal, and none is metaphorical.
- All subject matter can be comprehended literally, without metaphor.
- Only literal language can be contingently true or false.
- All definitions given in the lexicon of a language are literal, not metaphorical.
- The concepts used in the grammar of a language are all literal; none are metaphorical. (Lakoff,
1993:203)
De facto, a ocorrência abaixo não se ajusta a nenhum destes postulados de índole
estruturalista. Logo, não será difícil descortinar que o exemplo abaixo é configurado por
uma metáfora conceptual:
A nossa relação chegou a um beco sem saída. (Our relationship has hit a dead-end street).
Mais concretamente, regista-se que o amor é conceptualizado metaforicamente como se
fosse uma viagem, na base da metáfora conceptual O AMOR É UMA VIAGEM. É ainda de
referir que, neste caso específico, a relação passa por um impasse, em que os amantes
terão de decidir como é que o podem ultrapassar.
Mas este não é caso único, uma vez que existem várias expressões que nos podem
remeter para esta mesma metáfora conceptual:
- Vê ao ponto que chegamos. (Look how far we’ve come)
- Agora não podemos voltar atrás. (We can’t turn back now)
- Talvez tenhamos que seguir separados. (We may have to go our separate ways)
- A nossa relação está a descarrilar. (Our relationship is off the track)14
Como se pode observar, estas expressões não são poéticas, nem são necessariamente
usadas para obtenção de efeitos retóricos. Conseguimos entender que a ocorrência “vê ao
ponto que chegamos” se refere a uma relação amorosa, mesmo que esta não seja
mencionada, sendo que tal decorre do sistema conceptual metafórico. Neste caso
específico, o enunciado emerge da projecção do domínio da viagem no domínio do amor.
Na base da metáfora conceptual acima referida, os amantes são concebidos como
viajantes que realizam uma viagem juntos, sendo que os seus objetivos de vida são
conceptualizados como o seu destino de viagem. O veículo dessa viagem é o
relacionamento que permite o alcance desses objetivos. Quanto ao decurso da viagem,
esta pode continuar, apesar de todas as dificuldades, até que se tome uma decisão de a
interromper, por algum motivo.
Como vimos, da compreensão de um conceito abstracto como o amor passa
necessariamente pelo entendimento do mapeamento de um domínio-fonte (viagem) para
um domínio-alvo (amor). Tendo em conta que esses mapeamentos são altamente
estruturados, Lakoff e Johnson (1980) criam uma fórmula de identificação dos
mapeamentos, a saber, A é B, ou seja DOMÍNIO-ALVO É DOMÍNIO-FONTE.
Neste caso, a metáfora AMOR É UMA VIAGEM (LOVE IS A JOURNEY) decorre na base de
um conjunto de correspondências ontológicas entre os dois domínios conceptuais:
MAPEAMENTO DE AMOR COMO VIAGEM (THE LOVE-AS-JOURNEY MAPPING)
- Os amantes são viajantes;
15
- A relação amorosa é o veículo;
- Os objetivos comuns dos amantes correspondem ao seu destino na viagem;
- As dificuldades da relação são os obstáculos que se vão colocando ao longo da viagem.
Registe-se que são os mapeamentos que nos fornecem as correspondências necessárias
para que pensemos no amor, à luz do conhecimento que temos sobre viagens.
Mais concretamente, abaixo, podemos comprovar a existência desses mapeamentos,
sendo que as palavras em maiúsculas referem-se à ontologia da viagem (Lakoff, 1993:
206):
Two TRAVELLERS are in a VEHICLE, TRAVELING WITH COMMON DESTINATIONS. The VEHICLE
encounters some IMPEDIMENT and gets stuck, that is, makes it nonfunctional. If they do nothing,
they will not REACH THEIR DESTINATIONS.
Sublinhe-se que as correspondências ontológicas estabelecidas entre amor e viagem estão
assinaladas a maiúscula (Lakoff, op. cit. p. 206):
Two LOVERS are in a LOVE RELATIONSHIP, PURSUING COMMON LIFE GOALS. The RELATIONSHIP
encounters some DIFFICULTY, which makes it nonfunctional. If they do nothing, they will not be
able to ACHIEVE THEIR LIFE GOALS.
16
Assim, pode verificar-se que a metáfora AMOR COMO VIAGEM (LOVE-AS-JOURNEY)
emerge de mapeamentos ontológicos entre os dois domínios conceptuais acima referidos.
Segundo os referidos autores, os mapeamentos são convencionais, mediante ativação do
nosso sistema conceptual, uma vez que, se a metáfora fosse meramente de tipo
linguístico, era de supor que cada expressão metafórica diferente corresponderia a uma
metáfora conceptual diferente. No entanto, todos os exemplos referidos anteriormente
estão ligados apenas à metáfora conceptual O AMOR É UMA VIAGEM, conforme ilustrado
abaixo:
The fact that the LOVE IS A JOURNEY mapping is a fixed part of our conceptual system
explains why new and imaginative uses of the mapping can be understood instantly,
given the ontological correspondences and other knowledge about journeys. (Lakoff,
1993:208)
É importante mencionar que, uma vez que os mapeamentos não são construídos de forma
aleatória, os mesmos seguem três princípios de estruturação, a saber:
1) Sistematicidade – Estabelece-se um conjunto de mapeamentos sistemáticos entre
um domínio-fonte e um domínio-alvo;
2) Unidirecionalidade– Os referidos mapeamentos processam-se sempre numa única
direção do domínio-fonte para o domínio- alvo;
17
3) Assimetria – Existe a forte possibilidade de que os dois domínios sejam
semanticamente diversos, uma vez que o domínio-fonte é geralmente concreto e o
domínio-alvo, é frequentemente abstrato.
Adicionalmente, Lakoff (1993:211) defende também o Princípio da Invariância, em que é a
topologia do domínio-fonte que serve à estruturação do domínio-alvo:
Metaphorical mappings preserve the cognitive topology (that is, the image-schema
structure) of the source domain, in a way consistent with the inherent structure of the
target domain. (Lakoff, 1993:12)
Convém ainda sublinhar que se pressupõe a hierarquização dos mapeamentos
metafóricos no sistema conceptual. Surge, assim, o conceito de metáfora superior que
permite mapeamentos diversos ao nível inferior:
A mapping at the superordinate level maximizes the possibilities formapping rich
conceptual structures in the source domain onto the target domain, since it permits
many level instances, each of which is information rich (Lakoff, 2006:195)
18
Consequentemente, um mapeamento de nível inferior acaba por herdar a base
experiencial da de um nível superior, sendo que as metáforas superordenadas são, por
norma, mais abrangentes:
They are sometimes organized in hierarchical structures, in which “lower” mappings in
the hierarchy inherit the structures of the “higher” mappings. (Lakoff, 1993:219)
Assim, a metáfora PURPOSEFUL LIFE IS A JOURNEY herda o conteúdo da metáfora que a
superintende PURPOSES ARE DESTINATIONS, uma vez que os eventos da vida como
viagens são subespecificações de eventos mais gerais, a saber, ações direcionadas para
determinados fins. Deste modo, LOVE IS A JOURNEY irá ocupar a posição inferior na
hierarquia que acabámos de mencionar. Segue-se uma explanação da hierarquia das
metáforas mencionada anteriormente, mediante identificação dos três níveis postulados
por Lakoff (1993:219):
Level 1 – PURPOSES ARE DESTINATIONS
Level 2 – A PURPOSEFUL LIFE IS A JOURNEY
Level 3 – LOVE IS A JOURNEY
19
Além das características detalhadas anteriormente, as metáforas conceptuais
convencionalizadas podem ser ainda classificadas de acordo com três categorias distintas,
como referem Lakoff e Johnson 1980 (ver adiante em 3.):
a) Metáforas estruturais, que são construídas na base de um conceito altamente
estruturado e delineado:
They allow us, in addition, to use one highly structured and clearly delineated concept
to structure another. (Lakoff/Johnson, 1980:61)
A título exemplificativo, cite-se uma das metáforas estruturais mais conhecidas, TEMPO É
DINHEIRO. Na base da mesma, o tempo de trabalho é visto como tendo um determinado
valor monetário, ou seja, uma remuneração proporcional às horas de trabalho. Os
mesmos autores indicam também outros exemplos de metáforas estruturais, amplamente
conhecidas, a saber, DISCUSSÃO É GUERRA, O AMOR É UMAVIAGEM.
b) Metáforas ontológicas que conceptualizam eventos e ações como objetos, atividades
como substâncias e estados como contentores:
Events and actions are conceptualized metaphorically as objects, activities as
substances, states as containers. (ibid., 1980:30)
20
A ocorrência de tais mapeamentos possibilita-nos uma melhor compreensão do mundo,
fundamentalmente através da personificação, como é o caso de INFLAÇÃO É UMA
ENTIDADE DO MUNDO FÍSICO.
c) Metáforas orientacionais, que emergem da atribuição de uma orientação espacial ao
conceito metafórico, reportando-se a situações de interação humana com o espaço
envolvente. Desta forma, os objetos físicos são concebidos como contentores, na
medida em que são caracterizados por uma localização dentro/fora, conforme
advogado por Lakoff e Johnson (1980:29):
We project our own in-out orientation onto other physical objects that are bounded by
surfaces. Thus we also view them as containers with an inside and outside.
Registe-se que as emoções positivas, como a felicidade, são conceptualizadas à luz da
postura humana vertical, ao invés das emoções negativas como a tristeza que é
conceptualizada para baixo, a saber: FELICIDADE É PARA CIMA/TRISTEZA É PARA BAIXO).
Também o sistema de moralidade é estruturado por recurso a metáforas orientacionais, a
saber, BOM É PARA CIMA/MAU É PARA BAIXO.
Sublinhe-se que a teoria de que os modelos culturais são produzidos pelas metáforas
conceptuais para depois serem utilizadas na cognição e no intercâmbio humano é
desenvolvida por Lakoff (1987) e Kövecses (2006). Tal emerge do facto de que os
21
mapeamentos se encontram inscritos em modelos cognitivos idealizados, definidos como
representações mentais relativamente estáveis acerca do nosso mundo da experiência, ou
seja, construções mentais acerca do mundo.
A metáfora é, portanto, indispensável para a nossa conceptualização das entidades
existentes no mundo físico, fornecendo-nos possibilidades para compreensão da realidade
social, conforme preconizado por Lakoff e Johnson (1980:146):
What is real for an individual as a member of a culture is a product both of his social
reality and of the way in which that shapes his experience of the physical world.
Assim se depreende que a metáfora conceptual é uma ferramenta fundamental da
conceptualização, pelo que recorremos às metáforas conceptuais de forma inconsciente e
sem esforço.
22
1.1. Metáfora enquanto Ferramenta Cognitiva
Lakoff e Johnson (1980) advogam que o nosso entendimento do mundo não se reporta
apenas a conceitos isolados, mas antes a domínios da experiência na sua completude:
Understanding takes place in terms of entire domains of experience and not in terms
of isolated concepts (1980:17)
Se tivermos em conta alguma das metáforas já mencionadas, podemos verificar que as
mesmas surgem de domínios-fonte básicos de experiência, como o amor, o tempo e a
discussão. Estas são definidas como experiências gestaltianas que envolvem uma série de
cenários naturais (estados, causas etc.).
Estes são designados de naturais, uma vez que se reportam a
- Experiências com o nosso corpo (capacidades mentais, aparelho motor e capacidades
percetivas, entre outras)
- Experiências de interação com o ambiente físico (deslocação, manipulação de objetos,
entre outras)
- Experiências de interação com corpos sociais (no que diz respeito a instituições sociais,
políticas, económicas e religiosas) (Lakoff e Johnson 1980:117)
23
Deste modo se depreende que estas experiências de tipo natural constituem “produtos da
natureza e das vivências humanas”, sendo que alguns são de carácter universal, enquanto
outros configuram dimensões de variação cultural.
Os autores propõem que os conceitos existentes nas definições metafóricas são aqueles
que têm também ligação a situações naturais da experiência. Por exemplo, nos conceitos
que são definidos pelas metáforas os seguintes seriam considerados experiências naturais
na nossa cultura: AMOR, TEMPO, IDEIAS, DISCUSSÃO, FELICIDADE, etc. Estes conceitos
necessitam de ser conceptualizados de forma palpável, a fim de que possam ser
cabalmente entendidos pelos seres humanos.
Existem também conceitos que correspondem a experiências naturais e que são utilizados
para definir outros conceitos: OBJETOS, SUBSTÂNCIAS, GUERRA, VIAGEM, entre outros.
Refira-se ainda que algumas experiências naturais têm uma natureza parcialmente
metafórica, como por exemplo a DISCUSSÃO, visto que algumas dimensões desta só
podem ser entendidas a partir da metáfora conceptual DISCUSSÃO É GUERRA. Por outro
lado, a experiência do tempo é compreendida quase totalmente em termos metafóricos,
como por exemplo TEMPO É UM OBJETO EM MOVIMENTO e TEMPO É DINHEIRO. Registe
também que a grande parte dos conceitos que conhecemos está subjacente a dimensão
orientacional CIMA-BAIXO, como é o caso do CONTROLO E FELICIDADE, entre outros.
Nesta base, constrói-se a metáfora conceptual FELICIDADE É PARA CIMA, que se baseia na
interação que cada um de nós tem com os ambientes físicos e culturais:
24
The kind of conceptual system we have is a product of the kind of beings we are and
the way we interact with our physical and cultural environments. (Lakoff e Johnson
1980:119)
Neste estudo, os autores apontam a existência de duas formas de visão da nossa
experiência. Uma delas será a visão padronizada que usa o “objetivismo”, segundo a qual
cada experiência ou objeto é composto por determinadas propriedades, a partir das quais
são conceptualizadas e entendidas pelos seres humanos. Por exemplo, na visão objetivista
o amor tem vários sentidos, sendo que cada um deles será definido de acordo com a
propriedade escolhida tal como carinho, afeição, desejo sexual, etc.
Por outro lado, Lakoff e Johnson afirmam que nós compreendemos o amor através das
propriedades referidas de forma parcial, sendo que a nossa compreensão se produz a
partir da metáfora e principalmente a partir de outros conceitos de experiências naturais:
VIAGENS, GUERRAS, SAÚDE. Uma vez que a definição dos conceitos surge a partir da
nossa interação com o meio envolvente, o conceito que é definido metaforicamente será
entendido na base de “propriedades de interação”.
Para melhor explicar esse conceito, de seguida será feita uma análise do conceito de
arma. De uma forma geral, achamos que esse conceito pode ser caracterizado apenas
pelas propriedades que lhe são inerentes, como o tamanho, forma, etc. No entanto, ao
ser introduzido o modificador FALSA, verifica-se que essa caracterização por si só não é
25
possível, uma vez que a falsa arma tem de ter as mesmas funções que uma arma
verdadeira. A esta característica dá-se o nome de propriedades de atividade motora
(motor–activity properties).
Para comprovar este nosso argumento, iremos ver de seguida como o modificador FALSA
mantém algumas das propriedades de ARMA, negando outras.
Registe-se que o modificador FALSA preserva:
Propriedade de perceção
- Uma arma falsa parece uma arma
Propriedade de atividade motora
- Forma de segurar a arma é igual
Propriedade intencional
- Pode ser usada para o mesmo fim que uma arma verdadeira (ameaçar, utilizar numa
peça de teatro)
Mas o modificador FALSA não preserva:
Propriedade funcional
- Uma arma falsa não dispara
História da função
- Se foi fabricada para ser uma arma verdadeira, então não é falsa
Assim, tendo em conta a análise das características das armas podemos ver que estas, de
facto, não estão inteiramente ligadas às armas, mas sim à forma como interagimos com
26
esse objeto. Tendo isto em conta, o conceito de arma é parcialmente definido por
“propriedades de interação”:
...our concepts of objects, like our concepts of events and activities, are
characterizable as multidimensional gestalts whose dimensions emerge naturally from
our experience in the world. (Lakoff e Johnson 1980:122)
Na base do que foi dito anteriormente e também o facto de, por vezes, a metáfora ser a
única forma de organizar uma dada experiência, os autores opinam:
Metaphors have entailments trough which they highlight and make coherent certain
aspects of our experience. (Lakoff e Johnson 1980:156)
Referem também que a metáfora pode criar realidades sociais que nos orientam nas
nossas ações futuras:
“Metaphors may create realities for us, especially social realities. A metaphor may
thus be a guide for future action. (Lakoff e Johnson 1980:156)
27
As novas metáforas, tal como as convencionais, podem definir a realidade, uma vez que
evidenciam alguns aspetos da realidade e escondem outros. Vai caber a cada um de nós
aceitar uma dada metáfora como verdadeira, tendo em conta a nossa experiência.
No entanto, o que costuma estar em causa não é a verdade ou falsidade de uma
metáfora, mas sim as percepções que surgem a partir dela, assim como as ações que com
ela se relacionam.
A grande maioria de metáforas integra os nossos modelos culturais há muito tempo, mas
existem novas metáforas impostas por indivíduos no poder, a saber: líderes políticos,
líderes religiosos, ou pelos meios de comunicação, como a publicidade, os meios de
telecomunicações, etc. Numa cultura em que a verdade tende a ser considerada absoluta
(objetivismo), as metáforas dos poderosos acabam por definir o que pode ser visto como
verdade – verdade absoluta e objetiva.
Since we see truth as based on understanding and see metaphor as a principle vehicle
of understanding, we think that an account of how metaphors can be true will reveal
the truth depends upon understanding. (Lakoff e Johnson 1980:160)
Todas as nossas ações diárias, físicas e sociais, acontecem de acordo com aquilo que
consideramos ser verdade, sendo que é isto que permite o nosso funcionamento no
mundo. Algumas das verdades chegam a ser tão óbvias que é difícil temos consciência da
sua existência: onde fica a bomba de gasolina mais próxima, como são os teus amigos,
28
quais são as tuas responsabilidades, quem é a tua família. Com estes exemplos é possível
perceber a vasta quantidade de verdades que estão presentes nas nossas vidas.
Para uma maior compreensão, as coisas e experiências que encontramos devem ser
categorizadas, de uma forma que faz sentido para nós. Algumas dessas categorias irão
surgir diretamente das nossas experiências enquanto pessoas, a nossa forma de interação
com os outros e com os ambientes circundantes. Relembrando o exemplo dado
anteriormente sobre a ARMA FALSA, vemos que existem dimensões naturais na
caracterização de objetos:
- Perceção: relacionada com a conceção do objeto através do aparelho sensorial.
- Atividade motora: relacionada com as ações motoras realizadas com o objeto.
- Funcional: relacionada com aquilo que concebemos ser a função do objeto.
- Intencional: relacionada com a utilidade que se pode atribuir ao objeto de acordo com a
situação.
Deste modo, a categorização dos objetos processa-se sob a forma de gestalt, tendo por
base as dimensões naturais, bem como as propriedades interacionais. Da mesma forma
que categorizamos objetos, também categorizamos os eventos, atividades e outros tipos
de experiências. Por exemplo DISCUSSÃO terá as seguintes dimensões naturais:
participantes, partes, fases, sequência linear, propósito e causa.
A categorização é feita para que possamos identificar, de forma natural, um tipo de objeto
ou experiência ao evidenciar certas propriedades, minimizando e escondendo outras. Ao
29
nos focarmos em um conjunto de propriedades retiramos automaticamente atenção dos
outros. Isto acontece com qualquer descrição que possamos fazer. Por exemplo:
- Convidei uma loira linda para a festa.
- Convidei uma médica para a festa.
- Convidei uma drogada para a festa.
Apesar da mesma pessoa poder estar relacionada com qualquer uma destas afirmações,
cada descrição irá evidenciar um aspeto diferente da pessoa. Ao falarmos de uma pessoa
com todas estas características e nos referirmos a ela como “loira linda”, estamos
automaticamente a minimizar o facto de ser médica e a esconder o consumo de
substâncias psicotrópicas.
Portanto, as nossas afirmações são feitas de acordo com as nossas categorizações e com o
que evidenciamos através das dimensões naturais das categorias.
Every true statement, therefore necessarily leaves out what is downplayed or hidden
by the categories used in it. (Lakoff e Johnson 1980:163)
Além disso, é importante notar que, uma vez que as dimensões das categorias surgem
através da nossa interação com o mundo, as propriedades dadas (propriedades de
interação) não pertencem aos objetos, mas sim do nosso sistema percetivo, entre outros.
Desta forma, as afirmações feitas através de categorias não nos mostram as propriedades
30
exatas dos objetos, mas sim as propriedades de interação que só têm sentido do ponto de
vista humano.
Ao fazermos uma afirmação, temos de escolher uma forma de categorização da entidade
humana, sendo que, para tal, é necessário pautarmo-nos pela nossa perceção dos factos
em contexto comunicativo.
De seguida, serão apresentados alguns exemplos, tendo em vista a demonstração de que
as frases não são nem verdadeiras nem falsas, se levarmos em linha de conta o propósito
comuniativo. (Lakoff e Johnson 1980:164):
1. França é hexagonal
2. Missouri é um paralelogramo
3. A terra é redonda
4. A Itália tem o formato de uma bota
5. A luz é feita de partículas
6. A luz é feita de ondas
Todas as frases anteriores são verdadeiras em algumas situações ou contextos. Por
exemplo, a 1ª e a 2ª frase podem ser consideradas verdadeiras para um estudante que
desenhou um mapa sem grande precisão mas não para um cartógrafo. As frases 5 e 6
parecem ser contraditórias, mas ambas podem ser consideradas como verdadeiras pelos
físicos, tendo em conta diferentes tipos de experiência com este fenómeno.
Por conseguinte, o valor de verdade depende da categorização pelos seguintes motivos:
31
- Um argumento pode ser verdadeiro apenas se existir algum entendimento sobre o
mesmo.
- A compreensão envolve sempre a categorização que é uma função de propriedades
interacionais e de dimensões que brotam da nossa experiência.
- A verdade de uma afirmação deriva sempre das propriedades que são evidenciadas pela
categoria utilizada.
- As categorias não são fixas nem uniformes. Elas são definidas por protótipos e
semelhanças familiares aos protótipos e são moldados ao contexto.
Whether a statment is true depends on whether the category employed in the
statement fits, and this in turn varies with human purposes and other aspects of
context (Lakoff e Johnson 1980:166)
Na base do que foi dito, para que possamos ver uma frase como verdadeira, é necessário
que primeiro a compreendamos.
De seguida, vamos analisar a frase “John disparou a arma contra Harry” (John fired the
gun at Harry). Primeiramente, temos as questões óbvias: escolher os nomes das pessoas,
o objeto que integra a categoria de ARMA, compreender o significado de disparar uma
arma, bem como de dispará-la contra alguém. A nossa compreensão em relação às frases
anteriores está relacionada a outras categorias de experiência, por exemplo, alvejar
alguém, assustar alguém, ou encenar isto numa peça ou filme. Disparar uma arma pode
estar relacionado com tudo isto, dependendo do contexto. No entanto, temos poucas 32
categorias a que possa estar ligada a experiência de disparar uma arma e a mais comum
será DISPARAR CONTRA ALGUÉM (shooting someone), visto que existem outras formas de
assustar alguém e apenas uma de disparar contra alguém.
De seguida, será mostrada a análise de DISPARAR CONTRA ALGUÉM, sendo esta
considerada uma gestalt experimental, analisável da seguinte forma:
Participantes:
John (atirador)
Harry (alvo)
A arma (instrumento)
A bala (instrumento, míssil)
Partes:
Apontar a arma ao alvo
Disparar a arma
Acertar no alvo
Alvo está ferido
Fases:
Condição prévia: atirador carregou a arma
Início: atirador aponta arma ao alvo
Meio: atirador dispara
Final: bala acerta alvo
33
Fase final: alvo está ferido
Causa:
Inícioe meio permitem fim
Meio e fim causam fase final
Propósito:
Objetivo: fase final
Plano: encontrar uma condição prévia
Efetuar início e meio
Assim, podemos ver que uma frase nunca é entendida por si só, mas pelas dimensões
experienciais à qual está associada na nossa cultura.
A frase é entendida pela forma que os gestalts se encaixam, os “pequenos” (ARMA,
DISPARAR) e os “grandes” (ATIRAR CONTRA ALGUÉM). Assim sendo, a veracidade de uma
frase para um sujeito será um facto quando a nossa perceção sobre a frase se encaixar o
suficiente com a nossa compreensão de um evento que já tenha ocorrido.
Após este estudo de caso, vamos passar à análise da ocorrência “A inflação subiu”:
- Para entender essa frase como verdadeira, será preciso equacioná-la em dois planos.
- É necessário conceber a inflação como uma substância para que possamos quantificar e
desta forma aumentar.
34
-Temos também de a visionar na base de uma orientação PARA CIMA, a fim de expressar o
aumento da mesma.
As duas dimensões referidas fazem parte de duas metáforas convencionais:
- A INFLAÇÃO É UMA SUBSTÂNCIA (metáfora ontológica)
- MAIS É PARA CIMA (metáfora orientacional)
Assim sendo, concebemos a inflação, que é abstrata, como uma substância física e o
aumento da inflação, também abstrato, como se fosse uma orientação física (para cima).
Tanto na situação metafórica como na não metafórica, a nossa compreensão da verdade
irá depender da forma como nós compreendemos uma situação.
Given that metaphor is conceptual in nature rather than a matter of “mere language”,
it is natural for us to conceptualize situations in metaphorical terms. (Lakoff e
Johnson 1980:171)
Portanto, algumas situações estão bem delineadas na nossa experiência e outras não,
como as emoções, os conceitos abstratos, o tempo, etc. Isto faz com que não seja possível
compreender esses termos sem recorrer a dimensões concretas da experiência, como
referido anteriormente, sendo necessário compreendê-los através de outras entidades ou
experiências.
35
It is because many of our concepts are metaphorical in nature, and because we
understand situations in terms of those concepts, that metaphors can be true or false
(Lakoff e Johnson 1980:179)
36
1.2. Modelos cognitivos idealizados
Os Modelos cognitivos idealizados, conforme preconizado por Lakoff (1987), podem ser
definidos como representações mentais estáveis que representam teorizações acerca do
mundo (cf. Evans/Green 2006:270). Segundo aquele autor, existem pelo menos 5 formas
de estruturação dos Modelos Cognitivos Idealizados (MCI), a saber: (1) esquemas
imagéticos; (2) proposicionais; (3) metafóricas; (4) metonímicas; e (5) e simbólicas.
Os esquemas imagéticos podem servir, em situações variadas, como base para uma
dada estrutura conceptual. Desta estrutura faz parte a noção que o nosso corpo tem
sobre o ESPAÇO, ou seja, a noção que temos sobre o nosso corpo, movimentos
corporais e até a configuração dos objetos. Sendo assim, as nossas experiências e
conceitos sobre ESPAÇO estruturam-se em esquemas imagéticos tais como, o do
CONTENTOR, o da PARTE-TODO, o de CIMA-BAIXO, e no caso do presente trabalho, o
de EQUÍLIBRIO (jogo equilibrado entre forças e contra forças). Mediante isto, é possível
ter a noção de que esquemas imagéticos deste género estruturam o nosso Modelo
Cognitivo Idealizado de ESPAÇO.
Os Modelos Cognitivos Proposicionais surgem através da existência de aspetos da
realidade cujas dimensões se encontram interrelacionadas. Citemos como exemplo o
que é necessário fazer para reservar uma mesa num dado restaurante ou para
encomendar comida para ser entregue em casa.
Os MCI Metafóricos são estruturados pelo mapeamento ou projeção de um domínio-
fonte num domínio-alvo. Um dos melhores exemplos está presente na metáfora do
37
AMOR, ou seja, quando o domínio ou MCI de AMOR surge estruturada
metaforicamente como VIAGEM – exemplo mencionado ao longo deste trabalho.
Ao contrário dos MCI Metafóricos, os metonímicos reportam-se apenas a único
domínio conceptual. Este domínio é formado por dois elementos, A e B, sendo que A
pode ser “representado por” B. A representação desse modelo pode acontece através
dos esquemas de CONTENTOR e ORIGEM-PERCURSO-META.
Por último, os Modelos Cognitivos Simbólicos representam aquilo a que Fillmore
descreveu como frames semânticos. A semelhança entre os frames e os MCI decorre
do facto de ambos se referirem a estruturas complexas de conhecimento. Os frames
semânticos são compostos por itens lexicais, categorias e construções gramaticais, não
podendo ser compreendidos uns sem os outros. Podemos ter em conta que os atos de
comprar e vender só fazem sentido por ligação ao frame do EVENTO COMERCIAL. Este
tipo de MCI é composto por diversas unidades simbólicas organizadas em frase, pelo
que tem características estruturais bastante diferentes dos restantes MCI.
Na ótica dos autores invocados, os MCI podem estar estruturados em conglomerados
(“cluster models”), formados por um conjunto de MCI no seio do qual se verifica a
existência de alguma convergência a nível conceptual.
38
Esta junção de modelos acaba por criar um único modelo, psicologicamente mais
complexo:
…psychologically more complex than the models taken individually. (Lakoff 1987:74)
De acordo com Lakoff (1987:74), um dos exemplos mais flagrantes deste conglomerado de
modelos cognitivos idealizados é o de mãe, uma vez que, para este autor, este é definido
pela junção de diversas situações associadas à maternidade:
- O nascimento: A mãe é a pessoa que dá a luz à criança.
- A genética: A mãe é a pessoa que fornece o material genético para a criança.
- O cuidado e afeto: A mãe é quem cuida da criança.
- O casamento: A mãe é a mulher casada com o pai da criança.
- A genealogia: A mãe é um ancestral feminino.
Registe-se ainda que um dos MCI será considerado primário, enquanto as outras
subcategorias são classificadas como de menor importância.
When the cluster of models that jointly characterize a concept diverge, there is still a
strong pull to view one as the most important. (Lakoff 1987: 75).
Será da maior importância sublinhar que as metáforas de sustentabilidade
ambiental constituem conglomerados de MCI que se revestem de elevada
complexidade conceptual, como iremos analisar adiante.
39
2. Metáfora e Cultura
A metáfora é vista por muitos como algo que apenas diz respeito aos intelectuais que a
usam como modo de embelezamento textual. Conforme foi enunciado anteriormente, a
metáfora é, de facto, uma ferramenta conceptual a que se recorre quer na comunicação
quotidiana, quer na elaboração de textos dos mais diferentes tipos, quer ainda na
cunhagem de terminologia especializada, como iremos observar adiante. Deste modo, a
metáfora está subjacente à elaboração dos construtos culturais, como iremos ver.
Como Kövecses evidencia no seu livro Metaphor in Culture, foi necessária uma alteração
de paradigma para considerar que a metáfora é parte integrante do sistema conceptual, o
que nos remete para o seu papel determinante na construção das dimensões
socioculturais. Foram Lakoff e Johnson, na obra Metaphors We Live By (1980), que, de
forma sistemática, advogaram que a metáfora é uma ferramenta conceptual e não apenas
linguística. À luz do paradigma cognitivo, o pensamento abstrato é delineado por
metáfora a partir de domínios concretos da experiência, o que nos permite entender
noções abstratas como o tempo, emoções, bem como estruturar princípios que norteiam
as nossas formas de comportamento, como os princípios morais, ou mesmos as formas de
atuação política.
Não podemos, contudo, esquecer que, segundo Kövecses (2005), que encontramos alguns
indícios da visão conceptual da metáfora, na obra de Platão e de Aristóteles, há mais de
2.000 anos.
40
2.1 Classificação das Metáforas
Conforme sublinhado por Kövecses, na obra Metaphor: A Pratical Introduction de 2002,
foram Lakoff e Johnson que classificaram as metáforas conceptuais em três tipos:
metáforas estruturais, orientacionais e ontológicas, que passamos a definir abaixo.
2.1.1 Metáforas Estruturais
Na ótica de Kövecses (2002), na senda dos desenvolvimentos teóricos de Lakoff e Johnson
(1980), nas metáforas estruturais, o domínio-fonte constitui uma estrutura de
conhecimento na base da qual se estrutura o domínio-alvo, ou seja, o domínio-alvo A é
estruturado através do domínio-fonte B (A é B), sendo que a referida estruturação se
realiza mediante o estabelecimento de mapeamentos conceptuais entre estes dois
domínios. Por exemplo, o conceito de tempo é estruturado à luz de experiências de
movimento e de vivências do espaço. Visto que o tempo é concebido enquanto uma
metáfora de movimento, entendemos o tempo à luz de algumas entidades do mundo
físico, com destaque para a sua localização fixa ou móvel. É importante notar que existe
uma condição indispensável para o entendimento de tempo, a saber, o tempo presente
está no mesmo local que um observador canónico.
Nesta base, Kövecses (2002) reconhece a existência dos seguintes mapeamentos:
Tempos são coisas. (Times are things.)
A passagem do tempo é movimento. (The passing of time is motion.)
41
Tempos futuros estão à frente do observador; tempos passados estão atrás do
observador. (Future times are in front of the observer; past times are behind the observer.)
Algo está em movimento, outro algo está imóvel; o algo imóvel é o centro dêitico. 1 (One
thing is moving the other is stationary; the stationary thing is the deictic center.)
Este conjunto de mapeamentos estrutura a nossa noção de tempo de forma clara. Em
Inglês, a metáfora conceptual TEMPO É MOVIMENTO existe de duas formas: PASSAGEM
DO TEMPO É O MOVIMENTO DE UM OBJETO e PASSAGEM DO TEMPO É O MOVIMENTO
DO OBSERVADOR NUM ENQUADRAMENTO CÉNICO. (TIME PASSING IS MOTION OF AN
OBJECT AND TIME PASSING IS AN OBSERVER’S MOTION OVER A LANDSCAPE.)
Na primeira metáfora conceptual, o observador está parado, enquanto os tempos são
objetos que estão em movimento face ao observador, conforme ilustrado abaixo:
PASSAGEM DO TEMPO É O MOVIMENTO DE UM OBJETO (TIME PASSING IS MOTION OF
AN OBJECT)
O tempo virá quando… (The time will come when . . .)
O tempo já passou há muito quando… (The time has long since gone when. . .)
O tempo de agir chegou. (The time for action has arrived.)
Na segunda, os tempos estão imóveis, enquanto o observador está em movimento em
relação ao tempo, conforme patenteado abaixo:
PASSAGEM DO TEMPO É O MOVIMENTO DO OBSERVADOR NUM ENQUADRAMENTO
CÉNICO (TIME PASSING IS AN OBSERVER’S MOTION OVER A LANDSCAPE)
42
Haverá problemas ao longo do caminho. (There’s going to be trouble along the road.)
Ele passou o tempo feliz. (He passed the time happily.)
Estamos a chegar ao Natal. (We’re coming up on Christmas.)
Os mapeamentos anteriores evidenciam a razão pela qual cada um destes enunciados tem
um certo significado, assim como nos ajudam a compreender a nossa noção de tempo.
Sem as representações metafóricas seria difícil ter uma perceção de como seria o nosso
conceito de tempo.
Todos os exemplos citados anteriormente corroboram a teoria da metáfora conceptual de
Lakoff e Johnson de a metáfora está presente quer na linguagem quotidiana, quer no
pensamento, quer ainda nas ações que realizamos;
Our ordinary conceptual system, in terms of which we both think and act, is
fundamentally metaphorical in nature. (Lakoff/Johnson, 1980:3)
No entanto, é importante sublinhar que, de uma forma geral, não temos por hábito
estarmos cientes do nosso sistema conceptual, ou seja, pensamos e agimos, em larga
medida, de forma mais ou menos automática.
Para exemplificar como um conceito pode ser metafórico e como tal conceito estrutura
uma atividade diária, Lakoff e Johnson utilizam o conceito DISCUSSÃO (ARGUMENT),
explicando-o à luz da metáfora conceptual DISCUSSÃO É GUERRA, na base dos seguintes
exemplos:
43
1 Caracterizado por ser mais tipicamente o momento presente, a localização, o papel de participante, entre outras coisas, do orador. Glossary Of Linguistic Terms.
As tuas alegações são indefensáveis. (Your claims are indefensible).
Ele atacou todos os pontos fracos da minha argumentação. (He attacked every weak point
in my argument).
Nunca ganhei uma discussão com ele. (I've never won an argument with him.)
É possível verificar que, à luz da metáfora acima referida, podemos ganhar ou perder
discussões. No contexto de uma discussão, vemos a pessoa com quem discutimos como
um oponente, sendo que utilizamos os meios necessários para nos defendermos. É neste
sentido que a metáfora DISCUSSÃO É GUERRA é dos pilares da nossa cultura, visto que
confere uma estruturação às nossas ações durante uma discussão.
Podemos, contudo, imaginar um paradigma cultural em que a discussão é vista como uma
dança. Tal significaria que a discussão seria vivida e encarada de outra forma.
Este é um exemplo elucidativo do que significa afirmarmos que um conceito metafórico
estruturar o nosso entendimento e comportamento quando estamos a ter uma discussão:
The essence of metaphor is understanding and experiencing one kind of thing in terms
of another. (Lakoff e Johnson (1980:4)
Assim sendo, temos de recorrer à metáfora para conceptualizarmos aspetos não
concretos da nossa experiência humana:
44
The metaphor is not merely in the words we use—it is in our very concept of an
argument. The language of argument is not poetic, fanciful, or rhetorical; it is literal.
We talk about arguments that way because we conceive of them that way—and we
act according to the way we conceive of things. (Lakoff e Johnson (1980:4)
Mais um exemplo de como as metáforas estruturais nos podem mostrar a natureza
metafórica dos conceitos que estruturam as nossas atividades diárias, como é o caso de
TIME IS MONEY (TEMPO É DINHEIRO), exemplificado de forma idêntica em ocorrências
em português e inglês:
Estás a desperdiçar o meu tempo. (You're wasting my time.)
O pneu furado custou-me uma hora. (That flat tire cost me an hour.)
Investi muito tempo nela. (I've invested a lot of time in her.)
Não tenho tempo suficiente para gastar com isso. (I don't have enough time to spare for
that.)
O teu tempo está a acabar. (You're running out of time.)
À luz do nosso paradigma cultural, o tempo é um valor precioso, sendo que foi associado
ao dinheiro, desde que as horas que trabalhamos foram devidamente quantificadas em
valor monetário – TIME IS MONEY.
45
2.1.2 Metáforas Ontológicas
Segundo Kövecses (2002), em comparação às metáforas orientacionais, nas metáforas
ontológicas, o domínio-fonte não fornece, de forma cabal, a estrutura cognitiva do
domínio-alvo. O seu trabalho cognitivo orienta-se para o estabelecimento de dimensões
ontológicas para conceitos abstratos.
As metáforas ontológicas permitem a perceção de uma estrutura de forma mais clara,
quando esta é diminuta ou inexistente. Tomemos como exemplo a nossa mente: não a
conseguimos identificar, mas podemos idealizá-la como um objeto, para que assim a
possamos entender melhor.
Assim sendo, este tipo de metáforas surgem a partir da nossa experiência com objetos
físicos e substâncias que nos permitem chegar à sua compreensão. Esse processo de
compreensão possibilita a escolha de segmentos da nossa experiência que passam a ser
tratadas como entidades discretas ou substâncias uniformes. Quando isto acontece,
conseguimos agrupá-las, identificá-las, quantificá-las e, consequentemente, referi-las.
Desta forma, a nossa experiência com objetos físicos fornece-nos a base para um vasto
conjunto de metáforas ontológicas, que incluem a forma de ver e compreender
determinados eventos, atividades, emoções, ideias, como entidades e substâncias.
Esta categoria de metáforas pode servir vários propósitos, sendo que, para tal, existem
diferentes metáforas, conforme ilustrado Lakoff e Johnson para o conceito de inflação,
nos seguintes termos:
46
INFLAÇÃO É UMA ENTIDADE (INFLATION IS AN ENTITY)
A inflação está a baixar o nosso padrão de vida. (Inflation is lowering our standard of
living.)
A inflação deixa-me doente (Inflation makes me sick.)
A partir destes exemplos, se demonstra que a inflação é concetualizada como uma
entidade, uma vez que é possível referi-la, quantificá-la, identificar certos aspetos
característicos e até considerá-la como uma causa.
Este tipo de metáforas é essencial para que tentemos lidar de forma racional com as
nossas experiências, conforme abaixo:
Referir
O meu medo de insetos está enlouquecendo a minha mulher. (My fear of insects is
driving my wife crazy.)
Quantificar
Vai exigir muita paciência para acabar este livro. (It will take a lot of patience to finish this
book.)
Identificar Aspetos
A sua saúde emocional deteriorou-se recentemente. (His emotional health has
deteriorated recently.)
Apontar Causas
A nossa influência no mundo diminuiu por culpa da nossa fibra moral. (Our influence in
the world has declined because of our lack of moral fiber.)
47
No entanto, as metáforas ontológicas podem ser bem mais elaboradas. Os próximos
exemplos demonstram o quanto a metáfora ontológica A MENTE É UMA ENTIDADE (THE
MIND IS AN ENTITY) está integrada na nossa cultura.
A MENTE É UMA MÁQUINA (THE MIND IS A MACHINE)
A minha mente hoje não está operacional. (My mind just isn't operating today.)
Rapaz, agora as rodas estão a rodar. (Boy, the wheels are turning now!)
Estou um pouco ferrugento hoje. (I'm a little rusty today.)
A MENTE É UM OBJETO FRÁGIL (THE MIND IS A BRITTLE OBJECT)
O seu ego é muito frágil. (Her ego is very fragile.)
Ela é facilmente esmagada. (She is easily crushed.)
Estou a ficar em pedaços. (I'm going to pieces.)
Estes dois grupos de metáforas especificam diferentes tipos de objetos, uma vez que se
centram em dimensões experimentais diversas. A metáfora que tem como domínio-fonte
a MÁQUINA conceptualiza a nossa mente como se esta pudesse ligar-desligar, ligada a
uma fonte de energia, com elevados níveis de eficácia, dado que o seu funcionamento é
inspirado nas características de uma máquina. Já a metáfora que tem como domínio-
fonte o objeto quebrável, não sendo tão rica, permite-nos apenas perspetivá-la na base
da sua resistência psicológica.
48
Este tipo de metáforas é tão natural que não são consideradas metáforas. Isto acontece
porque estas metáforas, tal como A MENTE É UM OBJETO QUEBRÁVEL (THE MIND IS A
BRITTLE OBJECT), são parte integrante do modelo de como a mente é representada na
nossa cultura.
Personificação
Em Metaphors We Live By é referido que a personificação constitui a metáfora ontológica
mais óbvia. Esta acontece quando um dado objeto é concebido como sendo uma pessoa,
ou seja, com características humanas. Estas metáforas de personificação permitem-nos
entender inúmeras experiências com entidades não humanas às quais são atribuídas
características, atividades e motivações humanas, como por exemplo:
A vida traiu-me. (Life has cheated me.)
A inflação está a comer os nossos lucros. (Inflation is eating up our profits).
A sua religião diz-lhe que não pode beber vinho francês requintado. (His religion tells him
that he cannot drink fine French wines.)
A experiência Michelson-Morley deu origem a uma nova teoria física. (The Michelson-
Morley experiment gave birth to a new physical theory.)
O cancro finalmente venceu-o. (Cancer finally caught up with him.)
Deste modo se observa que vida, inflação, religião, experiência e cancro não são seres
humanos, sendo que, porém, lhes são atribuídas qualidades humanas.
49
Registe-se que a personificação utiliza um domínio-fonte fulcral – o ser humano.
Personificar coisas não humanas ajuda-nos a percebê-las um pouco melhor.
No entanto, é importante notar que a personificação não é um processo uniforme, uma
vez que cada processo de personificação difere é, de facto, singular, conforme ilustrado
abaixo:
O nosso maior inimigo neste momento é a inflação. (Our biggest enemy right now is
inflation.)
O dólar foi destruído pela inflação. (The dollar has been destroyed by inflation.)
Nas frases anteriores, a palavra inflação encontra-se personificada, mas a metáfora
INFLAÇÃO É UMA PESSOA não chega para explicar esta imagem. Trata-se de uma
metáfora ontológica muito mais específica – INFLAÇÃO É UM ADVERSÁRIO. Desta forma,
as metáforas anteriores não nos remetem para o modo como concebemos a inflação,
mas também devemos agir perante este fenómeno.
2.1.3 Metáforas Orientacionais
Para Kövecses (2002) a função cognitiva da metáfora orientacional é fazer com que um
determinado conjunto de conceitos-alvo assuma alguma coerência, no seio de um dado
sistema conceptual.
50
O nome “metáfora orientacional” decorre do facto de a maior parte destas metáforas
estarem relacionadas com orientações espaciais humanas, tal como: cima-baixo; dentro-
fora; frente-trás; centro-periferia, entre outras.
O autor defende que seria mais apropriado chamá-las de “metáfora da coerência”, tendo
em conta que estaria mais relacionado com a função cognitiva que estas metáforas
exercem. Desta forma, a coerência significa que certos conceitos-alvo tendem a estar
conceptualizados de forma uniforme.
Vejamos os exemplos seguintes, em que os conceitos que são caracterizados com uma
“orientação para cima”, têm como oposto os que denotam uma “orientação para baixo”.
MAIS É PARA CIMA; MENOS É PARA BAIXO (MORE IS UP; LESS IS DOWN)
Fala mais alto, por favor. (Speak up, please.)
Mantêm o tom mais baixo, por favor. (Keep your voice down, please.)
CONTROLO É PARA CIMA; FALTA DE CONTROLO É PARA BAIXO (CONTROL IS UP; LACK OF
CONTROL IS DOWN)
Estou em cima da situação. (I’m on top of the situation.)
Ele está sob o meu controlo. (He is under my control.)
As orientações para cima tendem a estar relacionadas com representações positivas,
enquanto as de orientação para baixo se associal a representações negativas. No entanto,
a avaliação positiva ou negativa não se limita apenas à orientação espacial em cima ou em
baixo. Tomemos como exemplo os esquemas imagéticos de todo, de centro, de ligação,
de equilíbrio, do contentor (dentro do contentor) e de frente são concebidos como
51
positivos, ao passo que as suas contrapartes, a saber, a parte, a periferia, a não ligação, o
desequilíbrio e atrás, são conceptualizados como negativos.
Considera-se que as metáforas orientacionais variam de cultura para cultura, tal como
“FELICIDADE É PARA CIMA”, “hoje sinto-me nas nuvens”. Essa expressão poderá não ter o
mesmo significado ou até ser verosímil em determinados enquadramentos culturais.
Em seguida, passamos a referir análise feita por William Nagy (1974) sobre metáforas
cima-baixo. Segundo Lakoff e Johnson (1980) sobre como cada conceito poderá ter
surgido:
FELICIDADE É PARA CIMA; TRISTEZA É PARA BAIXO (HAPPY IS UP; SAD IS DOWN)
Estou feliz. Estás com o espírito em alta. Pensar nela sempre me anima. (I’m feeling up.
You’re in high spirits. Thinking about her always gives me a lift.)
Estou em baixo. Estou deprimida. Ele realmente está muito em baixo estes dias. (I’m
feeling down. I’m depressed. He’s really low these days. )
Fundamento físico: A nossa postura corporal varia normalmente de acordo com o nosso
estado de espírito – postura curvada em caso de tristeza ou depressão e postura ereta
quando estamos num estado emocional positivo.
CONSCIENTE É PARA CIMA; INCONSCIENTE É PARA BAIXO (CONSCIOUS IS UP;
UNCONSCIOUS IS DOWN)
52
Levanta-te. Já me levantei. Ele levanta-se cedo. (Get up. I’m up already. He rises early in
the morning.)
Ele estava a cair de sono. Ele está sob hipnose. (He dropped off to sleep. He's under
hypnosis.)
Fundamento físico: A maior parte dos mamíferos, incluindo os seres humanos, dormem
deitados e estão em pé quando estão acordados.
SAÚDE E VIDA SÃO PARA CIMA; DOENÇA E MORTE SÃO PARA BAIXO (HEALTH AND LIFE
ARE UP; SICKNESS AND DEATH ARE DOWN)
Ele está no auge da sua saúde. Lazarus se ergueu dos mortos. (He’s at the peak of health.
Lazarus rose from the dead.)
Ele está a afundar-se depressa. A sua saúde está em declínio. Ele caiu morto. (He's
sinking fast. His health is declining. He dropped dead.)
Fundamento físico: As doenças graves obrigam-nos a ficarmos na posição horizontal,
sendo que o declínio físico é conceptualizado como um movimento para baixo.
ESTATUTO ALTO É PARA CIMA; ESTATUTO BAIXO É PARA BAIXO (HIGH STATUS IS UP; LOW
STATUS IS DOWN)
53
Ela vai subir ao topo. Ele está no auge da sua carreira. Ele está subindo o escadote. (She'll
rise to the top. He's at the peak of his career. He's climbing the ladder.)
Ele está no fundo da hierarquia social. He's at the bottom of the social hierarchy..
Fundamento físico e social: o estatuto está relacionado com o poder social, sendo que a
forma de representação do poder é para cima.
As metáforas orientacionais são definidas de acordo com a experiência física e cultural de
uma dada sociedade num determinado período de tempo.
A partir destes exemplos os autores chegam a algumas conclusões:
- A maior parte dos nossos conceitos fundamentais são organizados a partir de uma ou
mais metáforas orientacionais.
- Estas metáforas são definidas através de um sistema interno.
- Existe também uma sistematicidade externa entre as diversas metáforas orientacionais,
o que permite uma certa coerência entre elas. Por exemplo, a metáfora GOOD IS UP
fornece a orientação “para cima” a todas relacionadas com o bem-estar, tornando-se
coerente com as seguintes metáforas: FELIZ É PRA CIMA, SAÚDE É PARA CIMA, VIVO É
PARA CIMA (HAPPY IS UP, HEALTH IS UP e ALIVE IS UP.)
Após referir os tipos de metáforas que podem ser encontradas e que derivam do nosso
pensamento, assim como de influências externas, conseguimos ter uma perceção de que
54
as dimensões da cultura podem influenciar decisivamente o modo como representamos
as nossas experiências físicas e mentais.
55
3. Metáfora e a Ciência
No presente capítulo será abordada a relação existente entre a metáfora e ciência, ou
seja, como a terminologia científica emergiu em contexto científico. Para tal, é necessário
refletirmos sobre o que se entende por ciência, na atualidade.
Registe-se que o conceito de ciência tem mudado ao longo do tempo, visto que as ciências
contemporâneas configuram uma ligação estreita com as dimensões sociais.
Numa breve análise sobre o objetivo da ciência, Coracini (1991:27) afirma que esta tem
como intuito a construção do conhecimento humano através da sistematização e
organização de factos que se entrelaçam. A autora refere:
Captar essas informações é tarefa do cientista que inserido num determinado
contexto histórico-social, partilha com outros cientistas a crença num paradigma,
em normas prescritivas que lhe permitem “ver” desta ou daquela maneira os
factos, os seres, os fenómenos naturais.
Nesta mesma linha, desenvolveu-se a concepção teórica de que as ciências exatas se
opunham no que se refere ao seu carácter preciso às ciências humanas. Esta clivagem
entre as ciências exatas e as ciências humanas é posta em causa por Possenti (2002:
247) põe em causa um antigo dogma científico de que “a linguagem das ciências exatas
é mais precisa e objetiva, enquanto nas ciências humanas a linguagem é cheia de
imprecisões e vaguidade”. Pode partir-se do princípio de que, neste caso, existe uma
56
linguagem com maior grau de cientificidade do que outra? Mesmo que muitos termos
metafóricos, usados nos domínios científicos, tenham sido cunhados por especialistas?
O referido autor posiciona-se criticamente no que respeita a este assunto:
O que isto pode significar? Que as palavras dos físicos são transparentes e
unívocas e as usadas pelos historiadores são opacas e polissémicas? Esta seria
uma visão simplista. Até porque as palavras que ocorrem em ambos os discursos
podem ser as mesmas (op. cit. p.248)
Nesta linha, Ahmad (2006) menciona a vasta utilização das metáforas linguísticas, tanto
na área das ciências como na escrita de uma forma geral. Explica também que a
linguagem é utilizada pelos cientistas para a construção de experiências e teorias, visando
a satisfação de curiosidade dos sujeitos. Esta utilização da linguagem é feita de forma
literal ou metafórica, onde as palavras podem ser tomadas de empréstimo ou criadas de
novo, ou seja, inventadas, conforme assinalado pelo autor:
Scientists literally and metaphorically create a world of make-believe through web
of words – some borrowed, some invented, endorsing self-belief here and
suppressing the beliefs of others there. (Ahmad 2006: 198)
No entanto, os autores Chew e Laubichler (2003) focam o lado negativo da utilização de
metáforas nas ciências, quando as metáforas servem para denegrir o ser humano:57
The extension of genetics to eugenics owed much of its popularity in the United
States and in Germany to its use of culturally resonant metaphors. Labeling people
as a burden, cancerous disease, or a foreign body conveyed the ‘threat’ to society
in terms that people could relate to in their respective historical and cultural
settings. (2003:52)
No ponto de vista de Hoffman (1985) apud Ahmad (2006:205-206), as metáforas podem
ser divididas em três categorias distintas: (a) metáforas para descrever uma nova
descoberta; (b) metáforas que servem para a interpretação de teorias e (c) metáforas que
explicam e preveem as consequências de conceitos teóricos e medidas experimentais:
(a) Novelty
To suggest
new hypotheses, hypothetical concepts, entities, relations, events, or observations;
new laws or principles, new models or refinements of old ones;
new theories/theoretical systems, or world views;
new research methods or ideas for experiments or hypothesis testing;
new methods for analyzing data
To give
Meaning
to new theoretical concepts for unobservable or unobserved events;
To predict new phenomena or cause-effect relations;
58
(b) Interpretation
To suggest
choices between alternative hypotheses or theories, (often) choice between more and less fruitful metaphors;
alterations or refinements in theory;
To contrast
theories or theoretical approaches;
(c) Explanation
To provide
scientific explanations in the form of metaphoric redescriptions;
To describe
new phenomena or cause-effect relations.
Tendo em conta a tabela acima, embora não seja o objeto do presente trabalho,
consideramos que grande parte das metáforas de sustentabilidade ambiental foram
concebidas enquanto metáforas novas para dar significado aos novos conceitos teóricos,
como por exemplo o próprio conceito de sustentabilidade ambiental.
De acordo com Ahmad (2006), recorre-se à metáfora enquanto ferramenta criativa quer no
âmbito das artes, quer no âmbito das ciências, quer ainda no contexto das linguagens
especializadas, conforme tinha sido anteriormente preconizado por Goodman apud
Ahmad (2006:218):
The artist’s resources – modes of reference, literal and non-literal, linguistic and
non-linguistic, denotational and non-denotational, in many media – seem more
59
varied and impressive that the scientist’s. But to suppose that science is
flatfootedly linguistic, literal, and denotational would be to overlook, for instance,
the analog instrument often used, the metaphor used, the metaphor involved in
measurement when a numerical scheme is applied in a new realm, and the talk in
current physics and astronomy of charm and strangeness and black holes. Even if
the ultimate product of science, unlike that of art, is a literal, verbal or
mathematical, denotational theory, science and art proceed in much the same
way with theirs searching and building. (Goodman 1978:106) apud (Ahmad
2006:218)
Em suma, quer os domínios científicos quer os domínios artística se socorrem de
representações metafóricas, a fim de representar os novos desenvolvimentos ou
tendências nos domínios científicos e/ou artísticos. No caso das metáforas de
sustentabilidade ambiental foram as descobertas científicas acerca do estado de
deterioração do meio ambiente que contribuíram para que fossem disseminadas nos
média enquanto formas de alertar as populações para a necessidade de preservação dos
recursos ambientais.
60
3.1 A Terminologia
Na sociedade atual, a terminologia ou a designação de conceitos de conhecimento
especializado estão no centro das atenções devido à sua importância nos
desenvolvimentos científicos e tecnológicos, nas sociedades atuais. Assim sendo,
podemos encontrar informações codificadas em termos ou unidades especializadas que
são de grande importância para o tradutor, uma vez que para traduzir terminologia é
necessário um conhecimento profundo sobre os modos de cunhagem terminológica quer
no plano intralinguístico, no seio das estruturas de conhecimento de uma língua, quer no
plano interlinguístico, na cunhagem terminológica a partir de uma determinada língua-fonte.
Segundo Cabré (2000a: 37) apud Faber (2012:10) é necessário promover uma certa
uniformização terminológica para facilitar a comunicação em linguagens especializadas
“as a subject field with explicit premises, terminology emerges from the need of
technicians and scientists to unify concepts and terms of their subject fields in order to
facilitate professional communication and the transfer of knowledge”.
Ao longo dos anos, com o avanço das clivagens teóricas entre domínios do conhecimento,
foi necessário atribuir acervos terminológicos a diferentes ramos do conhecimento, a
saber, à Filosofia, à Sociologia, à Ciência Cognitiva, à Linguística, entre muitas outras.
Faber e López Rodríguez (2002:11) defendem que a Terminologia é uma atividade
essencialmente linguística e cognitiva. Desta forma, as autoras afirmam que os termos são
unidades linguísticas que transmitem significado conceptual no seio de textos de
conhecimento especializado. Assim, o processo de transmissão de significados para a
61
compreensão da natureza dos termos é tão importante quanto os conceitos que eles
designam. Nesta base, os terminólogos fazem questão de diferenciar a Terminologia da
Lexicologia, elegendo com um dos principais objetivos considerar a terminologia como
uma disciplina autónoma, tendo por base o postulado de que os termos não são palavras.
As teorias da Terminologia podem ser classificadas de duas formas, prescritivas ou
descritivas. Primeiramente, a terminologia foi considerada com tendo uma função
prescritiva, sendo que, mais recentemente, a Teoria Geral da Terminologia se afigura
descritiva ao incorporar premissas da Linguística Cognitiva, mediante consideração de
aspetos sociais, comunicativos e cognitivos das unidades de conhecimento especializado.
Tendo em conta que a análise dos termos é realizada na base da forma como que eles
emergem e ocorrem nos textos, esta visão da terminologia é considerada mais
abrangente, permitindo uma abordagem transversal entre as várias áreas do
conhecimento.
62
3.2. Teorias da Terminologia
3.2.1 Socioterminologia
Eugene Wüster, com o seu dicionário The Machine Tool, no Interlingual Dictionary of Basic
Concepts (Wuster 1968), terá sido o pai da terminologia enquanto ramo científico
autónomo, dando origem à Teoria Geral da Terminologia, um conjunto de princípios para
a copilação e descrição dos dados terminológicos, tendo em vista a necessidade de
uniformização da linguagem científica.
Os autores Pavel e Nolet (2001:19) apud Faber (2012:13) afirmam que um termo ou uma
unidade de linguagem especializada pode ser distinguida de uma palavra da linguagem
corrente pelo seu significado único enquanto conceito especializado a que se refere e pela
estabilidade da relação entre a forma e o conteúdo em textos científicos. No entanto, é
necessário ter em conta que um conceito pode ser designado por mais de um termo, bem
como que a mesma forma linguística se pode referir a mais de um conceito. Além disso, os
termos têm projeções sintáticas e podem surgir de forma distinta nos textos, dependendo
de qual for a sua intenção do autor. De facto, este é um problema que todos os tradutores
e escritores técnicos acabam por enfrentar já que é transversal a comunicação científica
nas diversas línguas:
Translators of specialized language are obliged to reconstruct concept systems as
part of the knowledge acquisition process. They must also be familiar with
scientific and technical text types in both language systems, and be able to fit the
63
content of the source text to the linguistic, stylistic, and textual requirements in
the target language. This highlights the translator’s role as an interlinguistic,
intertextual, and intercultural mediator. All of which must be accomplished with
the help of terminological resources, very few of which have been conceived with
the translator in mind. (Faber 2012: 251)
Os principais objetivos de Wüster, citados por Cabré (2003:173) apud Faber (2012:13)
- To eliminate ambiguity from technical languages by means of standardization of
terminology in order to make them efficient tools of communication;
- To convince all users of technical languages of the benefits of standardized
terminology;
- To establish terminology as a discipline for all practical purposes and to give it
the status of a science”.
Cabré (2000ª: 169) ressalta que a Terminologia tem falta de contribuições teóricas
inovadores já que, até recentemente, existiam um número exíguo de reflexões teóricas
sobre o assunto. Registe-se, então, que o seu lento desenvolvimento também fica a dever-
se à falta de interesse de especialistas de outras áreas (ibid.):
The fifth reason, which may explain the continued homogeneity of the established
principles, is the lack of interest in terminology by specialists of other branches of
64
science, for example linguistics, psychology, philosophy and history of science and
even communication and discourse studies.
No início dos anos 90, surge a Socioterminologia e a Teoria Comunicativa da Terminologia,
sendo que ambas apresentam uma visão mais realista, já que se baseiam na forma como
os termos são utilizados em contextos comunicativos. As unidades terminológicas são
descritas no discurso real, com especial destaque para as condições sócio discursivas do
uso terminológico. No respeitante à Socioterminologia, segundo Gaudin (1993) apud
Faber (2012:14), pode afirmar-se que aplica princípios sociolinguísticos à teoria da
Terminologia, tendo em conta a variação terminológica na sua relação com as variações
contextuais. É importante ter em conta que tanto a polissemia como a sinonímia estão
presentes nos textos especializados, sendo que a variação no uso pode refletir a posição
social e profissional do grupo de utilizadores, bem como a localização geográfica e
temporal do emissor do texto. Assim, pode afirmar-se que a importância desta teoria
reside no facto de, após o seu aparecimento, terem surgido outras teorias descritivas que
partem também do real uso dos termos nos discursos especializados.
65
3.2.2 Teoria Comunicativa da Terminologia
Linguistics and Terminology began to draw closer to each other with the
Communicative Theory of Terminology. (Cabré 1999a, 1999b, 2000a, 2000b,
2001a,2001b, 2003;Cabré et al. 1998) apud Faber (2012:15)
Em comparação com a Socioterminologia, a Teoria comunicativa da Terminologia é mais
ambiciosa, uma vez que aborda a complexidade das unidades de conhecimento
especializadas nas vertentes social, linguística e cognitiva. Cabré (2003) apud Faber
(2012:15) evidencia que as unidades de conhecimento especializadas são
multidimensionais, uma vez que se prendem com as dimensões cognitivas, linguísticas e
sociocomunicativas. Desta forma, pode afirmar-se que estas se comportam da mesma
forma que os itens lexicais comum, apresentando restrições a nível cognitivo, sintático e
pragmático. Assim, as unidades terminológicas são consideradas como tendo um
“conjunto de condições” (Cabré 2003:184) apud Faber (2012:15) que decorrem da sua
estrutura conceptual, da sua estrutura lexical e sintática, bem como do contexto
comunicativo no âmbito do discurso especializado. Cabré (2003), recorre à metáfora da
Teoria das Portas para explicar que as unidades terminológicas que configuram um
poliedro (sólido geométrico cuja superfície é composta por um número infinito de faces e
cujos vértices são formados por três ou mais arestas, em três dimensões). Com esta
imagem pretende representar as três dimensões da terminologia, a saber, uma dimensão
cognitiva, uma dimensão linguística e uma dimensão comunicativa. Cada uma delas é
66
uma porta distinta pela qual as unidades terminológicas podem ser acedidas, mas,
independentemente da “porta” que se escolhe para aceder ao termo, as outras duas
dimensões continuam a existir.
Em suma, a Teoria Comunicativa da Terminologia permitiu que fossem desenvolvidos
estudos em outras áreas da Terminologia como as relações conceptuais, variação
terminológica, extração do termo e a utilização de diferentes modelos linguísticos na
terminologia, substituindo a Teoria Geral da Terminologia sobre a qual incidiam
numerosas interrogações. No entanto, a Teoria Comunicativa da Terminologia apresenta
alguns problemas no que diz respeito ao facto de não seguir nenhuma abordagem
linguística específica, bem como ser ter um alcance limitado relativamente à explicação
das dimensões conceptuais da cunhagem terminológica. Uma outra área pouco
desenvolvida diz respeito ao escopo semântico dos termos, visto que, no âmbito desta
teoria, as unidades lexicais possuem um significado geral, só adquirindo significado
especializado quando surgem num tipo específico de discurso. Logo, uma unidade
terminológica é considerada como assumindo o significado especializado de uma unidade
lexical, visto que o seu significado é retirado do “conjunto de informações de uma
unidade lexical” (Cabré 2003:184) apud Faber (2012:16). Assim, pode concluir-se que a
Teoria Comunicativa da Terminologia, embora constitua um avanço considerável nesta
área do conhecimento, não responde cabalmente a todas as questões do foro semântico
inerentes às questões da cunhagem terminológica e sua tradução.
67
3.3 Teorias cognitivas no âmbito da Terminologia
3.3.1 Terminologia Sociocognitiva
A Terminologia Sociocognitiva tem como objeto de estudo o potencial cognitivo da
Terminologia numa linguagem específica e a variação terminológica em contextos verbais,
situacionais e cognitivos no discurso e em alguns ambientes comunicativos.
(Temmerman, Kerremans e Vandervoort 2005) apud Faber (2012:17).
Temmerman (2000:16) apud Faber (2012:17) apresenta uma visão crítica da Teoria Geral da
Terminologia, tendo por base a terminologia das Ciências da Vida, a fim de demonstrar
que os princípios básicos desta abordagem teórica são incapazes de explicar como a
linguagem especializada é utilizada em situações de comunicação, como é o caso da
tradução da mesma.
Segue um quadro, elaborado por nós, que coloca em confronto os postulados da Teoria
Geral da Terminologia de Wüster com os postulados da Teoria Sociocognitiva da
Terminologia de Temmerman (2000) apud Faber (2012:18):
68
Wüster Temmerman
Concepts have a central role in
regards
to their linguistic designations.
Language cannot be regarded as divorced from
concepts since it plays a crucial role in the conception
of categories.
Concepts and categories have clear-
cut boundaries.
Many categories have fuzzy boundaries and cannot
be clearly defined.
Terminographic definitions should
always be intensional.
Optimal definition structure and type should not
be limited to only one mode and ultimately
depend on the concept being defined.
Monosemic reference is the rule in
terminology, where there is a one-
to-one correspondence between
terms and concepts.
Polysemy and synonymy frequently occur in
specialized language and must be included in any
realistic terminological analysis.
Specialized language can only be
studied by synchronically.
Categories, concepts, as well as terms evolve over
time and should be studied diachronically. In this
sense, cognitive models play an important role in
the development of new ideas.
Sublinhe-se que a Terminologia Sociocognitiva se debruça sobre a organização conceptual
da terminologia, tendo por base os princípios da Linguística Cognitiva, determinantes
para a questão da categorização como o facto de as categorias possuírem fronteiras
fluidas, serem polissémicas e evoluírem no plano diacrónico. A título exemplificativo,
Temmerman (1997, 2001) apud Faber (2012:18) efetua a análise de três conceitos do
mesmo domínio da Biologia, chegando à conclusão de que apenas um dele pode ser
descrito pelos métodos da Teoria Geral da Terminologia, uma vez que os outros dois só
podem adequadamente descritos à luz dos princípios da terminologia sociocognitiva. Esta 69
autora afirma que esta abordagem dá mais importância à definição dos termos, tendo em
vista o seu uso nos textos. Segundo, Temmerman e Kerremans (2003) apud Faber
(2012:19), a forma como um conceito é descrito pode variar dependendo dos parâmetros
utilizados:
The type of category being defined, the knowledge level of the text sender and the
receiver, and the profile of the term base user. (Temmerman e Kerremans 2003)
Um aspeto muito interessante da Terminologia Sociocognitiva baseia-se no facto de esta
se focar no estudo dos termos e dos conceitos de uma perspetiva diacrónica. Para
exemplificar, Temmerman, Kerremans e Vandervoor (2005) estudaram o termo splicing,
com o intuito de identificar a história dos seus significados, com destaque para a sua
evolução ao longo do tempo, a utilização por diferentes grupos culturais, bem como a sua
vigência na linguagem comum ena linguagem especializada. Assim, esse estudo preconiza
o uso da modelagem metafórica, de forma consciente ou inconsciente, na criação de
termos científicos, bem como no uso destes termos em artigos científicos. Registe-se
ainda que o enfoque da Terminologia sociocognitiva também se socorre da ontologia,
considerada a forma mais viável de implementar as representações conceptuais. Da
junção da terminologia, com a ontologia e com terminografia surgiu a termontography
que tem por objetivo estabelecer uma ligação das ontologias às informações
terminológicas multilingues, criando bases de dados terminológicas multilingues. Refira-
70
se que Ingrid Meyer foi pioneira ao advogar que as bases de dados terminológicas seriam
de maior utilidade se estivessem relacionadas com a forma como os conceitos estão
representados nas nossas mentes:
Term banks would be more useful, and useful to a wider variety of people,
eventually even machines, if they contained a richer and more structured
conceptual component than they do at present. (I. Meyer, Bowker e Eck1992 :
159) apud Faber (2012:20)
Desta forma, as bases de dados terminológicas passam a ser vistas como bases de
conhecimento terminológico, uma vez que proporcionam o melhoramento dos dados ao
relacionar os conceitos e as suas designações a relações de significado. Segundo Bowker e
L ’Homme (2004) apud Faber (2012:21), além das relações tradicionais geral – específico e
parte - todo é dada uma maior enfâse às relações conceptuais como causa-efeito, objeto-
função, entre outras, o que irá enriquecer a estrutura de conhecimento.
Pensamos desenvolver, no presente trabalho, uma abordagem, até certo ponto, próxima
da Terminologia Sociocognitiva, uma vez que todos os postulados deste enfoque teórico
são cruciais para descrever a terminologia das áreas das Ciências Ambientais, com
especial destaque para a questão da evolução diacrónica dos termos, em contextos
comunicativos particulares. Contudo, assume particular relevância a questão de que
qualquer termo especializado deste domínio do conhecimento faz parte do modelo
71
cognitivo idealizado de “ambiente”. Dado que houve, ao longo dos séculos, vários
domínios cognitivos idealizados de ambiente que se alicerçavam em várias metáforas
conceptuais, os mesmos deram origem a acervos terminológicos diversos como forma de
veicular diferentes perspetivas acerca da relação entre o homem e a natureza.
72
3.4 Metáfora e Ciência (Richard Boyd)
No estudo intitulado Metaphor and theory change: What is “metaphor” a metaphor for?,
Richard Boyd tem por objetivo comprovar que algumas metáforas têm um papel
determinante nos desenvolvimentos científicos, umas vez que estas são usadas para
cunhar novos conceitos terminológicos:
There exists an important class of metaphors which play a role in the development
and articulation of theories in relatively mature sciences. (Boyd, 1979:357)
Contudo, registe-se que a perspetiva de que algumas metáforas têm um papel de
relevância na cunhagem terminológica entra em conflito com a abordagem de Max Black
(1962) apud Boyd (1979:357), segundo a qual a metáfora serve à expressão da interação
entre entidades do mundo físico, não podendo ser utilizada para suprir qualquer falha que
possa existir no vocabulário científico. Na ótica deste autor, a metáfora não se coaduna com a
necessidade de clareza inerente à terminologia científica:
We need the metaphors in just those cases where there can be no question as yet of
the precision of scientific statements. Metaphorical statement is not a substitute for
formal comparison or any other kind of literal statement but has its own distinctive
capacities and achievements. (Black 1962b:37)
73
Convém ainda sublinhar que Boyd assinala que metáforas científicas a considerar são
aquelas que integram uma dada teoria científica de forma inalienável:
Cases in which there are metaphors which scientists use in expressing theoretical
claims for which no adequate literal paraphrase is know. (Boyd 1979:360)
Nesta linha, as metáforas deste tipo são por ele designadas de metáforas constitutivas das
teorias. Além do mais, o autor vai mais longe, afirmando que se importam metáforas
terminológicas do domínio das ciências da computação para a psicologia cognitiva, teoria
de informação e áreas afins:
- The claim that thought is a kind of information processing, and that the brain is a sort of
computer
- The suggestion that certain motoric or cognitive processes are pre-programmed
- The view that consciousness is a feedback phenomenon. (Boyd, 1979:360)
Sublinhe-se que as metáforas computacionais são extremamente importantes para a
psicologia cognitiva, uma vez que grande parte dos processos cognitivos, inclusive os de
processamento das linguagens naturais, foram equacionados tendo em conta as
semelhanças entre o homem e os sistemas de computação. Por conseguinte, estas
metáforas têm um papel preponderante no acervo terminológico da psicologia
74
contemporânea ou do processamento das linguagens naturais (Neisser, 1966; A. Miller,
1974) apud (Boyd, 1979:361)
Além do mais, o autor põe claramente em evidência o facto de que estas metáforas são
constitutivas da teoria, uma vez que os psicólogos não têm a capacidade de introduzir
paráfrases literais para exprimir os conceitos técnicos em apreço.
No entanto, acaba por referir que as metáforas constitutivas das teorias são bastante
atípicas quando comparadas com as metáforas literárias. De uma forma algo absurda,
assinala que a metáfora literária surge num determinado texto da autoria de um
determinado autor, sendo que, ao ser utilizada diversas vezes, pode adquirir um certo
grau de convencionalização linguística. Relativamente às metáforas constitutivas das
teorias, começam por ser partilhadas pelos diversos membros duma comunidade
científica até se convencionalizarem numa comunidade científica, num longo período de
tempo:
They are really conceits rather than metaphors – and conceits which extend not
through one literary work, but through the work of a generation or more of scientist.
(Boyd, 1979:361)
Sublinhe-se ainda que, nos casos em que uma construção teórica científica envolva uma
metáfora, esta tem como função facultar a melhor explicação possível sobre a
75
terminologia usada. Este tipo de metáforas também tem como objetivo levar à descoberta
de novas características ou dimensões do fenómeno científico em apreço.
Na ótica deste autor, este tipo de metáfora reporta-se à introdução de terminologia em
domínios do saber ainda bastante inexplorados:
(…) they provide a way to introduce terminology for features of the world whose
experience seems probable, but many of whose fundamental properties have yet to be
discovered. (Boyd, 1979:364)
Ainda em relação as metáforas de índole computacional, estas são introduzidas no âmbito
científico, a fim de que seja possível investigar qual a relação que se pode estabelecer
entre a cognição humana e os mecanismos computacionais. A terminologia
computacional usada metaforicamente permite que termos teóricos sejam introduzidos
num nível de pesquisa inicial, direcionados para aspetos computacionais semelhantes aos
da cognição humana, a que se seguirá uma investigação mais profunda acerca das
possíveis analogias entre os referidos domínios do saber. A par e passo, o uso destas
metáforas pode ser equacionado do seguinte modo:
- Avaliação acerca do entendimento cabal das metáforas constitutivas;
- Cunhagem de nova terminologia a partir das metáforas constitutivas das teorias, com o
propósito de reduzir os aspetos ambíguos, mediante afinação da terminologia já cunhada.
76
Por este prisma, o uso frequente das metáforas constitutivas indicia a sua grande utilidade
enquanto ferramenta cognitiva na cunhagem de terminologias técnicas.
77
4. Metáfora e terminologia
Sublinhe-se que não só a metáfora, mas também a metonímia constituem ferramentas
cognitivas fundamentais na cunhagem de termos da linguagem comum, bem como da
linguagem especializada.
Segundo Barcelona (2003) apud (Tercedor Sanchez et al. 2012:35), a metáfora é um
mecanismo cognitivo, em que um domínio experimental é parcialmente mapeado ou
projetado para um outro domínio, a fim de que este domínio, o de chegada, seja
parcialmente compreendido através daquele, o domínio de partida. No entanto, enquanto
na metáfora este processo de mapeamento se estabelece entre dois domínios distintos,
na metonímia estabelece-se entre elementos que pertencem ao mesmo domínio.
Sendo a metáfora e a metonímia parte integrante da atividade linguística, elas surgem
tanto na linguagem geral como na especializada. Contudo, os estudos que se dedicaram a
metonímia são em menor número do que os que se debruçaram sobre a metáfora.
4.1 Metáfora
No âmbito da Linguística cognitiva, estabelece-se uma distinção entre Metáfora
Conceptual e a Metáfora de Imagem (image metaphor). Conforme já foi afirmado, a
metáfora conceptual é complexa, uma vez que decorre da projeção de domínios
experienciais, ao passo que a metáfora de imagem se baseia nas parecenças entre duas
entidades, mediante mapeamento de imagem para imagem de que resulta uma
78
designação técnica. Tomemos como exemplo alguns termos técnicos do domínio científico
da Biologia Marinha (Tercedor Sanchez et al., 2012:35-36):
- O peixe lanterna (lanternfish) e a alface-do-mar (sealettuce) receberam esses nomes
técnicos devido à parecença destes organismos vivos com as entidades do mundo físico, a
saber, a LANTERNA e a ALFACE.
- O peixe lanterna, tal como uma lanterna, emite luz devido aos seus órgãos. A alface-do-
mar é uma alga, sendo que recebe esse nome pela semelhança a uma alface tanto no
formato como na cor.
No entanto, registe-se que estes mapeamentos são únicos, uma vez que não existe um
mapeamento sistemático de vegetais na vida das plantas marinhas nem dos mecanismos
que produzem luz nas espécies piscícolas. Assim se observa que as metáforas de imagem
não são produtivas, uma vez que não se realizam recorrentemente.
Ao invés destas metáforas de imagem, a metáfora conceptual é bastante produtiva,
emergindo da projeção total de um domínio de experiência noutro. Também no âmbito
da Biologia Marinha, tal acontece nos casos de projeção do domínio de animais terrestres
para animais marítimos, conforme ilustrado nos termos técnicos, o cavalo-marinho
(seahorse) e o tubarão tigre (tiger shark).
Tanto a metáfora conceptual como a metáfora de imagem podem ser encontradas nas
linguagens especializadas. De uma forma geral, a referida metáfora serve para introduzir
79
novos termos especializada em domínios científicos especializados. Segundo Boyd (1993),
o uso da metáfora no contexto científico tem um duplo papel, na medida em que cunha
vocabulário novo para desenvolver um domínio e, simultaneamente, promove a interação
desse novo domínio com o outro domínio envolvido na metáfora, conforme ilustrado
abaixo:
Scientists constantly discover new entities that lack an English name, so they often tap
metaphor to supply the needed label: selection in evolution, kettle pond in geology,
linkage in genetics, and so on. “ (Pinker 2007: 257) apud Tercedor Sanchez et al.
(2012: 38)
Conforme postulado por Hoffman (1985) apud Ahmad (2006:205), as metáforas no âmbito
da ciência são utilizadas para:
- Descrever novos desenvolvimentos científicos (novas teorias ou abordagens do mundo)
- Interpretar teorias existentes (por teorias em confronto)
- Explicar e prever as consequências dos conceitos teóricos e novos fenómenos (novos
fenómenos ou relações de causa-efeito)
Por exemplo, no ramo da Medicina, a metáfora conceptual O CORPO COMO UM
MÁQUINA, permaneceu válida durante vários anos, mas, em face do aumento da
80
popularidade da medicina oriental, a metáfora conceptual O CORPO COMO EQUILÍBRIO
ou O CORPO COMO UM TODO HARMONIOSO tornou-se predominante. Deste modo, se
conclui que as metáforas também se inscrevem em domínios cognitivos idealizados da
experiência que se vão alterando com o tempo.
As metáforas conceptuais também são muito importantes no domínio da informática, em
que se cunhou a imagem metafórica de que os e-mails são enviados através da
Information Superhighway (auto-estrada da informação). Na realidade, estas imagens
metafóricas destinam-se a ajudar os utilizadores a compreenderem o funcionamento dos
programas de software. Segundo Heckel (1991) e Schön (1993) apud Tercedor Sanchez et
al. 2012: 39), os técnicos de software utilizam as metáforas com três objetivos:
1. Familiarização
2. Transporte
3. Invenção
Deste modo, as metáforas de familiarização servem para facilitar a compreensão de um
produto através da ligação do programa a entidades que o utilizador já conheça, como por
exemplo o desktop.
As metáforas de transporte permitem que os utilizadores visualizem e solucionem os
problemas de uma nova forma. Heckel (1991) apud (Tercedor Sanchez et al., 2012: 39) dá
como exemplo o uso da metáfora de percurso, na base da qual é possível que os
utilizadores voltem atrás na página da internet e comecem do início:
81
(...) Many people find this computer functionality very satisfying because it emulates
the heartfelt wish to be able to do a “restore system” in real life (…) (Tercedor Sanchez
et al. 2012:39)
A metáfora de inovação é mais utilizada pelos informáticos para criar novas
funcionalidades. Um bom exemplo disso é a metáfora COMPUTADOR É UMA AMA
(COMPUTER IS A BABYSITTER), que nos direciona para o programa “Net Nanny” (Ama da
internet), na base da qual se cria uma aplicação para controlar o acesso a páginas
impróprias para crianças:
These types of metaphor show how metaphor is systematically applied to technology
to foster creative thought and enhance user understanding. (Tercedor Sanchez et al.
2012:40)
4.2 Metonímia
Para Kövecses e Radden (1998:39) apud (Tercedor Sanchez et al., 2012:40) a metonímia é
um processo cognitivo na base do qual uma entidade conceptual, o veículo, fornece
acesso mental a outra entidade conceptual, o alvo, dentro de um mesmo domínio
conceptual.
82
Já para Croft (1993:348) apud (Tercedor Sanchez et al. 2012:40), a metonímia visa
evidenciar um subdomínio do contexto do domínio matriz.
Um bom exemplo disso é a caracterização feita numa enciclopédia inglesa para violin que
se refere ao instrumento musical, à pessoa que toca o instrumento, à música composta
para o instrumento e à música produzida pelo instrumento (Tercedor Sanchez et al.
2012:40-41):
1- He bought a new violin at the store the other day (instrumento musical)
2- The violin in the chamber music group is very good (pessoa que toca)
3- The violin in the second movement of that symphony is difficult to play (música
composta para o instrumento)
4- The violin was off-key during the entire concert (música produzida pelo
instrumento) (Faber 2012:40)
Nos últimos três exemplos, figuram metonímias, uma vez que não se trata de um violino
propriamente dito, mas de uma entidade que se encontra no domínio experiencial do
violino.
Numa perspetiva terminológica, a metonímia permite a criação de expressões nas áreas
da ciência e da tecnologia. É através dela que grandes inventores dão os seus nomes às
invenções e os grandes clínicos às patologias que descobrem. Podemos citar alguns
exemplos amplamente conhecidos como a doença de Alzheimer, patologia descoberta por
83
Alois Alzheimer ou o newton, unidade de força, cuja designação decorre do seu inventor
Isaac Newton.
Ambas as ferramentas cognitivas mencionados anteriormente, a metáfora e a metonímia,
também são muito importantes no âmbito da linguagem especializada, uma vez que
textos das ciências ambientais utilizam frequentemente a metáfora conceptual
ECOSSISTEMAS SÃO PACIENTES. Isto deve-se à existência do Princípio da Invariância
(Invariance Principle) (Lakoff e Turner 1989, Lakoff 1990, 1993) apud (Tercedor Sanchez et
al., 2012:43-44) que advoga que a estrutura do esquema imagético do domínio-fonte se
afigura determinante na estruturação do domínio-alvo. Assim sendo, partindo do exemplo
mencionado, ECOSSISTEMAS SÃO PACIENTES, podemos ver que estão presentes os
domínios da Ciência Ambiental e da Medicina cuja metáfora se encontra no mapeamento
metafórico que preserva a topologia do domínio-fonte da Medicina (Tercedor Sanchez et
al.45-46):
- (...) the division from the rivers was increasing and the river health was in decline.
(… a divisão dos rios estava a aumentar e a saúde do rio estava em declínio)
- Symptoms of beach erosion are repeatedly being treated through major programs (…)
(Os sintomas da erosão da praia estão a ser tratados por recurso a vários programas)
- (…) can we take the pulse of nature?
(podemos tomar o pulso à natureza?)
- Similarly, the healing of fluid filled cracks progresses rapidly (…)
84
(De forma semelhante, a cura das fendas cheias de fluido está em rápida progressão)
Onde também é válida a metonímia, o Princípio da Invariância só levanta dificuldades no
que diz respeito a mapeamento feitos através de esquemas imagéticos. De acordo com
Ruiz de Mendoza (1998) apud (Tercedor Sanchez et al. 2012:47), um Princípio de
Invariância alargado deve preservar a estrutura de nível genérico do domínio-alvo para
que seja consistente com a estrutura do nível genérico do domínio-fonte. Desta forma, as
metáforas de nível genérico estão relacionadas com os esquemas de nível genérico. Este
tipo de esquema é fundamental para a criação de unidades terminológicas e inclui os
seguintes elementos (ibidem):
- Categorias ontológicas (entidade, estado, ação, situação, etc)
- Características dos seres (atributos, comportamentos, etc)
- Tipo de evento (momentâneo ou alargado, único ou repetido, completo ou por terminar,
etc)
- Relações causais (facultar, originar, etc)
- Esquemas imagéticos (regiões delimitadas, percursos, forças, etc)
- Modalidades (habilidade, necessidade, possibilidade, etc)
Tendo em conta os esquemas genéricos, algumas áreas são ativadas e evidenciadas
através de designações terminológicas no que diz respeito, por exemplo, à natureza de
tumores malignos, tal como (Tercedor Sanchez et al. 2012: 48):
85
- LOCALIZAÇÃO: cancro de mama, cancro nos pâncreas (ambos casos estão relacionados
com o lugar do corpo onde o tumor está localizado)
- ORIGEM: carcinoma basocelular (basocelular é o tipo de células da pele de onde o cancro
surge)
- EVOLUÇÃO: cancro cervical invasivo (tipo de cancro que já evoluiu, invadindo tecidos
vizinhos)
Refira-se ainda que Kövecses (2003:80) introduz a noção de âmbito da metáfora – todo o
conjunto de casos, ou seja, todos os domínios-alvos aos quais um domínio-fonte
específico se aplica. A partir disto, é possível distinguir uma extensão metafórica de
domínio com restrição – depende do mapeamento conceptual numa escala limitada – de
uma extensão metafórica de domínios sem restrição que se baseia em extensões
metafóricas produzidas para vários domínios-alvos.
No que diz respeito a extensão metafórica de domínio sem restrição, a mais produtiva
dentro do domínio das Ciências Ambientais é aquela relacionada ao corpo humano. Por
exemplo, características geográficas são normalmente designadas por palavras ligadas ao
corpo humano: pé da montanha, boca do rio, braço do rio, etc), contudo, é por demais
evidente que as extensões metafóricas podem variar de língua para língua. No caso da
boca, esta é extremamente produtiva em mapeamentos geográficos, tanto no inglês como
no francês, estando ligado às noções de estuário, canal, baía, entre muitas outras. Por
outro lado, é possível que o mapeamento metafórico selecione como domínio-fonte uma
86
parte do corpo diferente. Por exemplo, em inglês, o dedo da encosta, da duna, da margem
corresponde em Espanhol ao pé (pie), que dá origem a palavras como cordilheira (serra),
presa (barragem) e ladera (montanha).
No cômputo geral, Kövecses (2002) afirma que o domínio-fonte mais comum de um vasto
conjunto de metáforas conceptuais é o CORPO HUMANO, juntamente com dos ANIMAIS,
PLANTAS, COMIDAS E FORÇAS. Contudo, no âmbito da Ciência Ambiental também é
possível que termos metafóricos decorram de domínios-fonte de objetos do quotidiano,
como por exemplo a bancada ou o leque, dando origem às seguintes metáforas
convencionalizadas, bancada de rochas (rock mattress) ou leque de aluvião (alluvial fan).
Alguns conceitos neste âmbito também podem ser concebidos como contentores, mas o
tipo de contentor pode variar consoante a língua. Por exemplo, ao depósito natural ou
artificial para armazenar água atribui-se o termo técnico (reservoir basin), ao passo que
em espanhol é um vaso (copo), que deriva do latim vas, um recipiente adaptado para o
uso doméstico.
Segundo Faber (2012:63), as semelhanças funcionais e morfológicas entre os objetos do
quotidiano e os fenómenos geológicos ou naturais são os principais geradores de
extensões metafóricas quer na linguagem geral e quer na especializada. Relativamente às
extensões metafóricas de domínios com restrição, é possível dizer que tanto no domínio
das Ciências Ambientais como no das Ciências Médicas encontram-se com frequência
imagens do domínio-fonte da guerra ou da luta:
87
The seacoast is a battlefield where humankind and the elements – or even the
elements among themselves – fight each other. (Faber, 2012:63)
Observe-se que o mapeamento conceptual anterior está ligado à metáfora da guerra, em
que o corpo humano é conceptualizado como uma fortaleza que pode ser atacada por
agentes externos ou internos. Nos domínios especializados como a Medicina, Ciências
Informáticas e Ambiente é frequente o uso de mapeamentos construídos a partir do
domínio-fonte da GUERRA, conforme exemplos de Faber (2012,64). Sublinhe-se que a sua
tradução para português segue os desígnios desta metáfora conceptual, como se pode ver
nas nossas traduções abaixo:
- Once a virus invades a living cell, it directs the cell to make new virus particles.
(Quando um vírus invade uma célula viva, obriga-a a fabricar novas partículas do vírus).
- This is especially true along the cliffed coasts of the San Diego Region, where waves
directly attack the seacliffs during severe winters
(Isto verifica-se essencialmente nos penhascos costeiros da Região de San Diego, em que
as ondas os atacam diretamente durante os invernos rigorosos).
É possível descortinar que, em referência aos exemplos anteriores, os fenómenos
ambientais, tais como ondas e sedimentos são conceptualizados como forças invasivas. Já,
88
no domínio especializado da Medicina, as forças invasivas ou de ataque são os vírus,
células imunes ou processos de modificação celular.
Contudo, o mapeamento conceptual mais produtivo do nosso corpus de metáforas
conceptuais é TERRA É UM SER VIVO (EARTH IS A LIVING BEING) que deriva da nossa
compreensão do meio ambiente a partir do nosso corpo. O referido mapeamento á
passível de ser identificado na seguinte ocorrência (Faber 2012:63), em cuja tradução se
reproduz o mapeamento supracito:
In geology and geomorphology theorists presented views that contained various stages of
maturity, and compared landscape evolution metaphorically to a developing organism.
(Os cientistas da geologia e da geomorfologia apresentaram perspetivas que continham
vários estádios de maturidade e comparam metaforicamente a evolução da paisagem a
um organismo em evolução)
A partir deste mapeamento conceptual é possível entender que a terra é representada
como um organismo vivo, conforme patenteado nos exemplos abaixo (Faber 2012:65) e
na nossa tradução dos mesmos para português:
Early history of the Earth Scientists believe the Earth began its life about 4.6 billion years ago.
Dunes first begin their life as a stationary pile of sand that forms behind some type of vertical
obstacle.
89
(Os primeiros estudiosos da Terra apontaram que a terra começou a sua vida
aproximadamente há 4.6 biliões de anos. As dunas começaram a ter vida como uma pilha
imóvel de areia que se forma atrás de um tipo de obstáculo vertical)
Variations in the diffusivity coefficient, over the life of the alluvial fan is a concern because a
varying coefficient will complicate the process of gully-profile evolution.
(Variações em que o coeficiente de difusão pra além da vida do leque de aluvião são uma
preocupação, na medida em que um coeficiente variável pode complicar um perfil de
evolução dos sulcos no terreno).
Esta metáfora também pode ser utilizada em corpos aquáticos, ondas e eventos
marítimos (1). Também é possível encontrá-la na duração de fenómenos atmosféricos (2),
substâncias (3) e construções resultantes da atividade humana (4):
(1) The life cycle of cascades is subdivided into different phases.
(2) Most hurricanes live for about a week. However, if a hurricane remains over
worm water its life can be extended.
(3) The half-life for a pesticide defines the number of days required for a given
pesticide concentration to be reduced by one-half.
(4) When storm activity does remove the artificial beach, generally long before its
projected life span” (Faber 2012:65-66)
90
O estudo anterior demonstrou como a metonímia e a metáfora são importantes para a
Terminologia, tanto na linguagem geral como na especializada. Demonstrou também
como um dado mapeamento metafórico pode ser analisado através do estudo de
unidades terminológicas em textos especializados e como estes surgem.
91
5. Metáforas de Sustentabilidade Ambiental
Após a demonstração, apresentada no capítulo anterior, de como as metáforas são
influenciadas pelos regimes culturais, este capítulo incidirá sobre a desconstrução
conceptual das metáforas que arquitetam o conceito de sustentabilidade ambiental,
constantes da obra Metaphors for Environmental Sustainability – Redefining Our Relations
With Nature de Brendon Larson, publicada em 2011.
O referido autor começou por estudar a evolução do conceito de ecologia, com especial
destaque para a identificação das metáforas de sustentabilidade ambiental, com enfoque
na indissociabilidade das dimensões científicas, sociais e culturais:
Environmental metaphors derive from everyday sources, so they reveal to some
extent the worldview of the society that coins them. (Larson, 2011:18)
No contexto da relação entre a metáfora e a sustentabilidade ambiental serão abordadas,
de forma extensiva, as “metáforas de feedback”, assim denominadas, segundo Larson (op.
cit. p.22) porque constituem: “ scientific metaphors that harbour social values and
circulate them back into society to bolster those very values.”
Assim sendo, verifica-se que existe uma dimensão social nas metáforas científicas que, em
face do uso recorrente, visam o reforço desses mesmos valores sociais junto de diversas
comunidades linguísticas.
92
5.1 As Metáforas e a Sustentabilidade Ambiental
De entre as metáforas de “feedback”, ou seja, de interface entre as ciências ambientais e
a sociedade, serão desconstruídas as três principais, a saber, as de progresso, de
competição e de código de barras do ADN. As primeiras duas são metáforas biológicas, a
que se recorre para justificar, no plano ideológico, como agimos relativamente ao mundo
natural e uns em relação aos outros. A metáfora de progresso reside no crescimento
continuado da produção de riqueza, em direção a um objetivo cada vez mais ambicioso
sem limites ou barreiras; já a de competição reside na luta pela sobrevivência entre
elementos da espécie animal. Conforme identificado pelo próprio autor, ambos os
conceitos estão ancorados na metáfora-chave da cultura ocidental “A VIDA COM
OBJETIVO É UMA VIAGEM” (Larson, op. cit. p.57):
A Purposeful Life is a Journey. If a purposeful life is a journey, then we are all travellers, the
objectives we set in life are destinations and the plans we have for reaching them are our
itineraries. Just as we do when we prepare for a real journey, we need to plan carefully to meet our
objectives, including ensuring that we have what we need for the journey, such as education, and
anticipating problems that we must overcome. We want to make sure that we are on pace and
headed in the direction we want, rather than getting lost or being behind schedule.
Contudo, esta metáfora da vida como objetivo de viagem não é universal, segundo
Lakoff/Johnson (1999: 63), uma vez que ainda há comunidades que, simplesmente, vivem
simplesmente a vida, sem (o constante) estabelecimento de metas a cumprir.
93
Relativamente ao putativo conceito de competição associada à luta pela sobrevivência
entre espécies animais, Larson (2011:84), recorrendo a Lakoff/Johnson (1999:558),
procede à sua desmistificação:
In ecological science, for example, the idea of competition became so broad that it included cases
were no conflict even occurred. Although animals sometimes limit others´ ability to access a
resource, they often simply lead their lives, but their passive use of limited resources may decrease
those available for others (which is termed scramble or exploitation, competition).
O problema é que estas metáforas de competição enquanto manifestações da luta
desenfreada pela sobrevivência se disseminaram a tal ponto nas nossas sociedades que se
tornaram uma profecia que acabou por se materializar.
Contudo, nas últimas duas décadas, foram cunhadas “metáforas de feedback”, que
advogam o equilíbrio entre o homem e a natureza. Uma dessas metáforas, a de
crescimento sustentável, que se encontra ancorada no esquema imagético do equilíbrio,
preconiza a proporcionalidade entre o progresso social e tecnológico, o meio ambiente e a
espécie humana. Registe-se que a palavra progress provém do latim progressus, com o
significado de movimento físico para a frente. É por este motivo que esta palavra acabou
por também significar “avanço científico, cultural e espiritual”, acabando por constituir
uma metáfora em rede, ou seja, uma metáfora que se difundiu simultaneamente na
sociedade e nos vários domínios da ciência. Embora, não possamos estabelecer
94
claramente como tal aconteceu, reconhece-se que a metáfora em rede evidencia o
caráter migratório das metáforas:
(….) as metaphors migrate, they facilitate the transfer of ideas, values and perspectives (…).
Wherever they occur, they continue to pull on their associated commonplaces within the web,
which include diverse associations and values in additional to technical meaning. (Larson, op. cit.
p.44-45).
A segunda metáfora de base, a da conservação da biodiversidade, também ancorada no
esquema imagético do equilíbrio, postula uma paridade de forças entre as diversas
espécies de animais e de plantas. A propósito destas duas metáforas, Larson reconhece o
seu uso enquanto ferramentas de uso político (2011:27): “As I biologist myself, I will not
question their motives, instead assuming that they use these metaphors with the best
intention, to make change in the world.”
Este mesmo autor reporta a existência de uma terceira metáfora de base ao conceito de
sustentabilidade ambiental, a saber, “código de barras do ADN”. Trata-se de uma nova
visão tecnológica de identificação das espécies, não pelas suas características exteriores,
mas antes pela determinação do seu ADN. A partir de uma única sequência de ADN foi
concebido um aparelho manual de identificação, o codificador de barras biológico, com
objetivo de identificar e valorizar a biodiversidade. Neste caso, a referida metáfora
científica está ao serviço de avanços científicos, sendo transportada a partir do domínio-
fonte do código de barras que identificam os produtos de consumo.95
Relativamente a esta metáfora, este mesmo autor reconhece que a mesma assume o
papel de ferramenta de cunhagem terminológica (op. cit. p.29):
We might instead think of scientists in part as poets, for they are not merely
embellishing with their metaphors, but extending meaning into new domains.
Quanto a nós, a diferença entre as três metáforas convencionalizadas pode estabelecer-se
do seguinte modo: a cunhagem das conceptualizações de crescimento sustentável
decorre da nossa experiência física direta, ou seja, de experiências de equilíbrio no nosso
organismo. A segunda metáfora de manutenção da biodiversidade afigura-se mais
complexa do que a primeira, uma vez que se reporta ao equilíbrio entre vários organismos
vivos, na cadeia ecológica. Já a terceira metáfora reporta-se a um avanço científico ainda
em curso, sendo mapeada diretamente a partir do domínio-fonte da produção
industrial/cadeia comercial.
96
Nunca será demais afirmar a importância das metáforas na construção do conceito de
sustentabilidade ambiental, sendo que “ just as we need to rethink our personal and
societal actions in the interest of sustainability, we need to rethink our metaphors
(op.cit.2011:25).
Desta forma se sublinha que quer as mundividências quer os paradigmas científicos
são construções humanas, arquitetadas na base de imagens metafóricas. Também no
caso do discurso científico, é necessário recorrer a domínios-fonte do concreto para
poder configurar novos desenvolvimentos no seio de paradigmas científicos:
Metaphor is a key element in scientific inquiry because it enables us not only to
understand one thing in terms of another but also to think of an abstraction in
terms of something more concrete and everyday. (Larson, op. cit. p.4).
No que à ciência diz respeito, é importante perceber como as metáforas podem
influenciar a nossa vida de forma positiva ou até mesmo negativa. Hoje em dia, os
cientistas, para além de disseminarem as informações científicas, interagem mais
diretamente com o público nos média, pelo que este acaba por ter um contato de
perto com “como” e do “porquê” de certas descobertas científicas, numa fase
incipiente da cunhagem da terminologia científica. Assim sendo, as metáforas de
sustentabilidade podem não ser suficientemente eficazes para a explicação dos
fenómenos, embora possam ser bastante apelativas para o público:
Many of our environmental metaphors are not the most effective for
sustainability, even if they are catchy. (Larson, op.cit.p18)97
Nunca será demais sublinhar que o nosso mundo precisa é de um equilíbrio entre a
vertente humana e a vertente ambiental, em que a sustentabilidade ambiental dos
sistemas seja promovida pelos seres humanos. A partir desta noção surge a seguinte
questão – serão as metáforas eficazes na defesa intransigente da sustentabilidade
ambiental? Larson pensa que sim, uma vez que as metáforas de sustentabilidade
consignam novas formas de pensar o mundo na sua vertente ambiental:
The metaphors we adopt today have significant repercussions for our current
and future approaches to environmental problems. (Larson, op.cit.p20)
Conforme referimos anteriormente, esses valores sociais e as suas dimensões serão
analisados por aquilo que o autor denomina de metáforas de feeedback. Estas
reportam-se às metáforas constitutivas das teorias de Boyd, mas são usadas
pragmaticamente num contexto científico e social alargado, em larga medida, em face
da constante interação entre a evolução científica e a sociedade, frequentemente
promovida pelos média.
As metáforas de feedback acabam por ser adotadas pelo público em geral, em face de
um uso generalizado, tendo assumido um significado social, cultural e ideológico. As
metáforas com esta amplitude têm um enorme impacto na forma como vivemos a vida
e como nos relacionamos com o mundo:
Just as we need to rethink our personal and societal actions in the interest of
sustainability, we need to rethink our metaphors. (Larson, op.cit.p25)
98
Estas metáforas são poderosas e ideológicas, visto que nos permitem entender como
os seres humanos agem em relação à natureza e uns relativamente aos outros. No
entanto, com o passar dos anos, elas precisam de ser ajustadas e repensadas, uma vez
que as exigências relativamente à sustentabilidade ambiental são sempre crescentes,
em face sobretudo dos impactos dos avanços tecnológicos.
99
5.2 Ainda as Metáforas de Feedback
Conforme dissemos anteriormente, as Ciências Ambientais não podem estar
desligadas da sociedade e das políticas levadas a cabo pelas entidades
governamentais, num mundo globalizado, em que os modelos cognitivos idealizados
de progresso sustentável se afiguram como determinantes para a preservação das
condições de habitabilidade da terra.
5.2.1 A propósito da metáfora “Pegada Ecológica”/ecological
footprint”
Ao idealizarmos um modelo de mundo ecológico, temos de avaliar o impacto que os
nossas actos e/ou escolhas exercem no meio ambiente. Para nos alertar para as
consequências dos nossos actos, foi criada a metáfora de ecological footprint que foi
traduzida para português por pegada ecológica, sendo que esta expressão metafórica
é baseada no esquema da trajetória, com ênfase no percurso, e destinou-se a
conceptualizar o rasto de danos ambientais que nós, seres humanos, deixamos no
meio ambiente, sem darmos por isso.
Como não se consegue entender este fenómeno de forma abstrata, pois as
consequências não são imediatamente percecionáveis, em muitos casos, concebeu-se
esta imagem. De facto, a imagem metafórica de marcas dos pés na terra, uma pegada,
remete-nos para uma alteração que deixamos na terra que tem consequências futuras,
pois perdura durante um certo período de tempo. Portanto, as consequências dos
nossos actos no meio ambiente acabam por não ser mensuráveis, de facto, mas a
100
metáfora deixa o alerta para comportamentos que são nocivos ao meio ambiente,
como a importação de produtos alimentares de outros países, que trazem consigo a
pegada ecológica de um consumo energético de combustível e, como tal, de poluição
atmosférica.
Relativamente à questão da tradução para português, refira-se que estas metáforas de
feedback, ao se reportarem a mundividências a nível global, em que se dilui a fronteira
artificial que existe entre a ciência e a sociedade, assumem realizações linguísticas
bastante idênticas nas várias línguas europeias, onde este conceito de alerta para os
danos que infligimos ao planeta, se popularizou, de forma inquestionável.
…allowed society to personify nature in its own image, confirming the idea
that we were the apotheosis of creation and that the way humans were was
the way evolution had been aiming. (Larson, op.cit.p33)
Registe-se que os biólogos evolucionistas também foram atingidos por esta nova
realidade, como é o caso de Michael Ruse, no seu livro The Concept of Progress in
Evolutionary Biology, que tece argumentos em torno da metáfora conceptual
“Evolutionary thought is the child of [cultural] Progress”. Com isto, o autor defende
que os biólogos que são movidos pelo progresso começaram a procurar provas de
progresso biológico para que assim pudessem comprovar que o progresso cultural é,
de facto, um fenómeno natural. Sublinhe-se que este tema se expandiu no seio dos
vários divulgadores da evolução, como o filósofo Herbert Spencer, mas o progresso
acabou por tornar-se também uma metáfora constitutiva no contexto da própria
101
biologia evolutiva. Desta forma, a distinção de progresso como uma questão biológica
empírica e como uma questão de perceção social foi-se esbatendo cada vez mais.
No entanto, no século XX, deu-se início ao declínio do progresso. Este foi movido pelo
lado negro do desenvolvimento científico e tecnológico, quando surgem as guerras
mundiais e a degradação do ambiente e os críticos começam a ter dificuldades em ver
a história humana como forma de progresso.
102
6. Tradução e Linguística Cognitiva
As afinidades entre a Linguística Cognitiva e a tradução são delineadas por Faber
(2012:74), nos seguintes termos:
- Both Cognitive Linguistics and translation focus on conceptual meaning.
- Cognitive Linguistics has adopted a usage-based perspective in which generalizations
are base on the analysis of authentic usage data provided by computerized corpora.
- Translation is possible because both the source and the target language text have
macro and microtextual correspondences based on shared conceptual meaning. This
presupposes that language is the lexicalization of entities, activities, attributes and
relations, and also that texts are the activation of selected but related parts of this
general conceptual network. In a parallel way, Cognitive Linguistics focuses on
categorization and conceptual domains. It studies how conceptual structures are
translated into language. (sublinhados nossos)
Passemos a frisar os aspetos determinantes desta citação que se encontram
sublinhados e que passamos a adaptar à tradução das metáforas ambientais que
estudámos:
a) As correspondências interlinguísticas são estabelecidas ao nível do macrotexto,
o que significa que são conceptualmente idênticas, tal como aconteceu com
ecological footprint/pegada ecológica ou com environemental
remediation/remediação ambiental
b) As correspondências intralinguísticas também são estabelecidas ao nível do
microtexto, sendo que, embora tal não aconteça frequentemente, podem
103
diferir de língua para língua, como foi o caso de rock matress que foi
terminologicamente fixado em português como bancada de rocha.
c) Nos textos especializados estamos a ativar partes selecionadas de uma rede
conceptual geral, ou seja, de uma terminologia científica.
Dado que a referida terminologia científica depende dos modelos cognitivos
idealizados de cariz científico-social, concebidos enquanto conceções diversas do que o
ambiente significa, à esfera global, os mesmos sofreram uma alteração, até se chegar à
conceção de que tem de haver um equilíbrio de forças entre o progresso e o ambiente.
Assim se cunhou a conceção de progresso sustentável na sua relação com o ambiente,
na base da expressão convencionalizada “environmental
sustainability/sustentabilidade ambiental”, idêntica nas diversas línguas europeias.
Como bem sabemos, a tradução baseia-se na adequação de um texto original a um
texto traduzido, conforme esboçado por Faber (2012:73):
Translation adequacy or goodness-of-fit between a translation and the original text is
based on the partial or total correspondence to a shared meaning representation as
well as on intertextual correspondences at a wide variety of levels. Translation is
evidence of how languages resemble each other (or differ) in significant ways.
Na tradução de uma língua especializada, o processo engloba o entendimento, a
estruturação e a especificação de correspondências entre termos especializados nas
diferentes línguas. Como pudemos ver, estas unidades são frequentemente expressões
104
convencionalizadas, ou seja, encontram-se cristalizadas quer na língua de partida quer
na língua de chegada.
Através do recurso aos postulados gerais da semântica cognitiva e, fundamentalmente,
da metáfora conceptual, em concreto foi possível estabelecer uma base para a
equivalência em tradução ou correspondência interlinguística. De facto, não se tratou
do estabelecimento de equivalências entre palavras, mas entre conceptualizações nas
línguas especializadas das Ciências do Ambiente.
Dado que a metáfora conceptual tem uma importância predominante na cunhagem da
terminologia científica, o primeiro passo será identificar as metáforas conceptuais que
serviram de base à sua cunhagem: “(….) to master the identification of these
conceptual metaphors is to possess a powerful cognitive tool that guides the translator
in making many translation decisions”, segundo Vandaele/Lubin (2005:415) apud
Faber et al. (2012:91).
Na ótica de Faber et al. (2012:92), a Linguística Cognitiva é a teoria que melhor se
aplica à tradução, porque é um enquadramento teórico que lida com a representação
do conhecimento e com a metáfora, um mecanismo poderoso que promove a
criatividade lexical e textual, quer nas línguas da especialidade quer na língua em geral.
Em vez de simplesmente tentar estabelecer equivalências entre palavras de línguas
diferentes, teremos de abordar a questão pleno prisma conceptual, promovendo o
estudo dos sucessivos domínios cognitivos idealizados, arquitetados no âmbito das
Ciências Ambientais. Registe-se que estes envolvem palavras, expressões, frases e
unidades de discurso mais extensas, ancoradas na premissa de que a estrutura
105
semântica é um reflexo da estrutura conceptual, uma vez que, segundo Faber
(2012:93):
Primary areas of focus in specialized language semantics involve cognition (concept formation),
categorization (classifying objects into concept classes) as well as semiosis (assigning signs to
concepts and concept classes) and representation (making explicit the relations between
concepts). These questions are also targeted by Cognitive Semantics, which is based on the
premise that semantic structure reflects conceptual structure.
Embora seja necessário considerar que o componente pragmático das linguagens
especializadas envolve as duas perspetivas distintas, a saber, uma perspetiva
sociocultural que incide sobre a questão de como a informação social afetada o
comportamento humano e uma perspetiva orientada para a cognição que descreve os
fundamentos biológicos e cognitivos subjacentes à comunicação, nunca será demais
sublinhar que ambas se encontram entrosadas nas metáforas de feedback que
assinalámos ao longo deste trabalho. Assim se conclui que todo o processo de
cunhagem terminológica é altamente dinâmico, num permanente diálogo entre as
práticas sociais/culturais e as linguagens especializadas que integram o vasto domínio
das Ciências Ambientais nas quais se inscreve o conceito de sustentabilidade
ambiental.
106
7. Observações finais
Na sequência do nosso estudo sobre as metáforas de sustentabilidade ambiental,
constitutivas na área das Ciências Ambientais, foi possível constatar que a metáfora
conceptual é uma ferramenta importante na cunhagem da terminologia nesta língua
da especialidade. Assim sendo, corroboramos a opinião veiculada por (Vandaele/Lubin
2005:415) apud Faber et al. (2012:91) de que identificar as metáforas conceptuais é
possuir uma ferramenta cognitiva poderosa que constitui um guia para as opções a
tomar pelo tradutor.
De facto, a identificação das metáforas de sustentabilidade ambiental tornou-se crucial
no presente trabalho. A classificação das metáforas como convencionalizadas, num
contexto comunicativo globalizado, decorre da constatação de uma equivalência
bastante elevada na estruturação linguística das imagens metafóricas
convencionalizadas da língua-fonte, o inglês, na língua-alvo, o português.
Tal como apontado por Tabakowska (1993:128), o processo de tradução incide sobre a
equivalência de duas conceptualizações, sendo que, uma vez que esta equivalência é
reconhecida, mediante análise e desconstrução, como aconteceu com as metáforas de
sustentabilidade ambiental constantes do presente trabalho, o acto de traduzir
resume-se à reprodução, numa outra língua, do modelo cognitivo idealizado de
sustentabilidade ambiental, segundo a metáfora conceptual mais conhecida: O
AMBIENTE É UM ORGANISMO DOENTE que necessita de ser curado, ou seja, de
remediação ambiental.
A construção de novas metáforas convencionalizadas que suportem o conceito de
sustentabilidade ambiental afigura-se importante, até porque a metáfora conceptual A 107
NATUREZA É UMA CASA, necessita de ser repetidamente veiculada, mediante
desenvolvimento de novas realizações metafóricas que sublinhem as características da
organização da casa: co-existência de diversos espaços com funcionalidades diversas e
preservação de condições de habitabilidade do espaço, ou seja, co-existência das
diversas espécies e preservação de condições naturais de subsistência das mesmas.
Não podemos esquecer “eco-(logia)“ se formou a partir da palavra grega “Oikos” que
significa “casa”. Deste modo temos de preservar a nossa casa em boas condições para
que ela possa resistir a todas as adversidades ambientais.
108
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