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ISBN 978-85-7846-455-4 ARTE E EDUCAÇÃO INFANTIL: POSSÍVEIS DESAFIOS PEDAGÓGICOS Guiomar Gomes Pimentel dos Santos Pestana [email protected] Marta Regina Furlan de Oliveira [email protected] Universidade Estadual de Londrina Eixo 1: Formação e Ação Docente Resumo: Este artigo tem o objetivo principal de instigar reflexões a respeito do ensino da arte na educação infantil, tecendo um olhar crítico para a possibilidade, pelo trabalho pedagógico docente, de desenvolver o pensamento inventivo e expressivo nas crianças desde a mais tenra idade. O texto justifica-se por considerarmos que as crianças aprendem desde que nascem, necessitando cada vez mais de novas experiências sejam pelas sensações, percepções ou expressões. Ainda, o texto é fruto das discussões relacionadas ao projeto de pesquisa Indústria Cultural, Educação e Trabalho Docente: da semiformação à emancipação humana da Universidade Estadual de Londrina. Essas novas necessidades contribuem efetivamente para o seu aprendizado e desenvolvimento enquanto ser humano. Como metodologia de trabalho é um estudo bibliográfico em autores que discutem a temática em questão. Como resultado, há a necessidade de ressignificar a arte nos espaços educativos com crianças pequenas como um saber e um fazer passível de reflexão e de construções cognitivas, sensoriais, perceptivas e expressivas; um conhecimento que possa ser ensinado, aprendido e desenvolvido no trabalho com crianças de 0 a 5 anos, devolvendo aos espaços educativos infantis o verdadeiro sentido da arte enquanto manifestação expressiva e criativa da criança pequena. Palavras-chave: Arte; Educação Infantil; Expressividade; Criatividade. 239

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ISBN 978-85-7846-455-4ARTE E EDUCAÇÃO INFANTIL: POSSÍVEIS DESAFIOS PEDAGÓGICOS

Guiomar Gomes Pimentel dos Santos Pestana

[email protected]

Marta Regina Furlan de [email protected]

Universidade Estadual de Londrina

Eixo 1: Formação e Ação Docente

Resumo: Este artigo tem o objetivo principal de instigar reflexões a respeito do ensino da arte na educação infantil, tecendo um olhar crítico para a possibilidade, pelo trabalho pedagógico docente, de desenvolver o pensamento inventivo e expressivo nas crianças desde a mais tenra idade. O texto justifica-se por considerarmos que as crianças aprendem desde que nascem, necessitando cada vez mais de novas experiências sejam pelas sensações, percepções ou expressões. Ainda, o texto é fruto das discussões relacionadas ao projeto de pesquisa Indústria Cultural, Educação e Trabalho Docente: da semiformação à emancipação humana da Universidade Estadual de Londrina. Essas novas necessidades contribuem efetivamente para o seu aprendizado e desenvolvimento enquanto ser humano. Como metodologia de trabalho é um estudo bibliográfico em autores que discutem a temática em questão. Como resultado, há a necessidade de ressignificar a arte nos espaços educativos com crianças pequenas como um saber e um fazer passível de reflexão e de construções cognitivas, sensoriais, perceptivas e expressivas; um conhecimento que possa ser ensinado, aprendido e desenvolvido no trabalho com crianças de 0 a 5 anos, devolvendo aos espaços educativos infantis o verdadeiro sentido da arte enquanto manifestação expressiva e criativa da criança pequena.

Palavras-chave: Arte; Educação Infantil; Expressividade; Criatividade.

Introdução

Cada vez mais a Educação Infantil tem sido sobressaltada (e em

alguns casos efetivado de fato) por discursos a respeito da antecipação da

alfabetização de crianças pequenas, como se quanto mais cedo aprendessem a ler

e a escrever certa seria a garantia de menos problemas no decorrer de sua jornada

escolar. Não estamos dizendo que negamos o contato das crianças com os diversos

tipos de textos, com o mundo letrado, mas é preciso refletir como acontece o

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processo de aquisição da escrita da criança, de modo que ela possa ter realmente

sentido e ser a expressão de um indivíduo (MELLO, 2014).

A questão a ser pensada é que surgem propostas que camuflam o

verdadeiro cenário, ao invés de realmente identificarem e atuarem nas

indiossincrasias do sistema escolar como um todo, pois já não é de hoje a grande

queixa dos professores e da sociedade, que os estudantes sabem juntar letras, mas

não conseguem interpretar na maioria das vezes o que leem. Parecem não ter

conhecimento, que “não se alfabetiza fazendo apenas as crianças juntarem as

letras. Há uma alfabetização cultural sem a qual a letra pouco significa. A leitura

social, cultural e estética do meio ambiente vai dar sentido ao mundo da leitura

verbal” (BARBOSA, 1996, p. 26-27 apud MARTINS, 2010, p. 242).

Embora a oralidade e a escrita sejam recebidas com maior ênfase

por parte de profissionais que tratam da Educação Infantil, a linguagem artística

sempre esteve presente no trabalho pedagógico com crianças pequenas. Esta

constatação evidencia a necessidade de um olhar diferenciado deste profissional,

pois a forma como o ensino de arte ocupa este lugar poderá ou não ser uma janela

para mostrar, ampliar e construir repertórios de crianças de 0 a 5 anos de modo a

favorecer os diversos tipos de leitura de mundo.

Ostrower (1987) afirma que o homem é por natureza um ser criativo

e inventivo. Ao buscar compreender o mundo, o sujeito interpreta e cria novas

formas de viver e de se relacionar; com as crianças não é diferente, uma vez que

não existe um momento de compreensão que não seja ao mesmo tempo de criação,

pois exige do indivíduo uma interpretação. Nessa busca de ordenação e significados

reside a profunda motivação humana de criar, sendo esse processo guiado pela

necessidade e não somente pelo querer e pelo gostar. A autora esclarece que a

criatividade é inerente ao homem e a realização desse potencial consiste em uma de

suas necessidades básicas.

Esse processo pode ser refletido também à luz das contribuições de

Vigotski (2001) que tece considerações relevantes sobre a compreensão da arte e

estética. O autor afirma que as emoções suscitam da arte e por nós deve ser

vivenciada com toda a realidade e força pelo processo simbólico e imaginativo. “É

essa unidade de sentimento e fantasia que se baseia qualquer arte” (VIGOTSKI,

2001 p. 272). Nesse sentido, a arte como conhecimento, consegue concentrar

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processos biológicos e sociais do indivíduo. Além de desenvolver o senso estético,

cuja a aprendizagem envolve um conjunto de diferentes tipos de conhecimentos,

que visam à criação de significados com possibilidades de transformação da vida

social. Sem dúvida, a arte é um fazer humano, que como prática, tem uma

finalidade, um objetivo, uma intenção.

Desse modo, este artigo tem o objetivo principal de refletir a respeito

da arte na educação infantil, tecendo um olhar crítico referente ao trabalho

pedagógico docente, que tem a função de desenvolver o pensamento inventivo e

expressivo nas crianças desde a mais tenra idade.

O texto justifica-se por considerarmos que as crianças aprendem

desde que nascem, necessitando cada vez mais de novas experiências. Segundo

Derdyk (1994), “a vivência é a fonte do crescimento, o alicerce da construção de

nossa entidade. Fornece um leque de repertório, amplia a possibilidade expressiva”.

Afinal, “o processo vivencial está diretamente ligado ao processo criativo”

(OSTROWER apud DERDYK, 1994, p. 12).

Há, portanto, a necessidade de ressignificar a arte nos espaços

educativos com crianças entre 0 a 5 anos como um saber e um fazer passível de

reflexão e de construções cognitivas, sensoriais, perceptivas e expressivas; um

conhecimento que possa ser ensinado, aprendido e desenvolvido, devolvendo a

educação infantil, o verdadeiro sentido da arte enquanto manifestação genuína do

sujeito.

A arte na educação infantil: O que precisamos saber?

Ao pensarmos sobre a arte na educação infantil, há a necessidade

de trazer à tona algumas questões pedagógicas e de ensino que são importantes no

processo de aprendizagem e desenvolvimento da criança. As práticas educativas

contidas na proposta curricular da Educação Infantil devem tecer o princípio estético,

como um dos fundamentos para o trabalho com a criança, no sentido de promover a

sensibilidade, a criatividade, a ludicidade e a liberdade de expressão nas diferentes

manifestações artísticas e culturais.

Nesse sentido, a ação pedagógica lúdica deve estimular a sensação,

a percepção, a cognição, a sensibilidade, a ação e a expressão criativa em

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situações variadas que envolvam desenhos, pinturas, colagens, modelagens,

musicalização, dança… Vale ressaltar que desde o berçário, a criança tem direito de

desenvolver sua curiosidade, imaginação e capacidade expressiva.

Por falar em desenho, é essencial que ele retorne à educação

infantil, que suas marcas sejam registradas e tudo que está em jogo com esta

linguagem para criança seja permitido ser vivido, porque a “criança enquanto desenha

canta, dança, conta histórias, teatraliza, imagina, ou até silencia... O ato de desenhar

impulsiona outras manifestações, que acontecem juntas, na sua unidade indissolúvel,

possibilitando uma grande caminhada pelo quintal imaginário” (DERDYK, 1994, p.19); e

que o desenho não seja apenas base para classificação, para momentos ao término

de atividades, vinculado a histórias ou para proporcionar calmaria. Afinal,

Existem os desenhos criados e projetados pelo homem, existem os sinais evidenciando a passagem do homem, mas também existem as inscrições, desenhos vivos da natureza: a nervura das plantas, as rugas do rosto, as configurações das galáxias, a disposição das conchas na praia. Estes exemplos nos fazem pensar a respeito das ideias que se têm do desenho, ampliando suas possibilidades materiais de realização. (DERDYK, 1994, p.20)

Derdyk (1994) ao trazer o desenho para o cotidiano, aproxima e

evoca a brincadeira. A brincadeira de ser e estar neste mundo. Assim, a criança

precisa brincar de diversas formas, em diferentes tempos e espaços infantis de

maneira interativa e social; alargando e diversificando suas possibilidades de acesso

ao conhecimento e as produções culturais; apurando seu olhar em relação ao que a

cerca. Nesse espaço do brincar com suas produções, a criança é incentivada e

mediada no desenvolvimento de seus conhecimentos, sua imaginação, criatividade,

experiências corporais, sensóriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais

(BRASIL, 2010). Além de brincar, é necessário que haja a exploração dos

movimentos, dos gestos, sons, formas, texturas, cores, palavras, emoções e

transformações constituindo assim seu repertório cultural e linguístico.

O propósito do professor está em ambientalizar diferentes territórios

de experimentação infantil, propondo diversidade de experiências que possam

aguçar os sentidos e que possibilitar criações e invenções pela criança, ao mesmo

tempo em que, intencionalmente, possa garantir a máxima apropriação das

qualidades humanas (autonomia, criatividade, criticidade, socialização, etc), que são

externas ao sujeito e precisam ser constituídas por meio de situações vividas

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coletivamente. Para isso, as formas típicas de atividade como o tateio, a atividade

com objetos, a comunicação entre as crianças e, entre elas e os adultos, o brincar,

podem ser promotoras dessas qualidades humanas.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil

(BRASIL, 2010)1 corroboram ao afirmar a imprescindibilidade de acrescermos no

trabalho com as crianças as experiências sensoriais, expressivas e corporais,

possibilitando-a a movimentação ampla do corpo, sua expressividade e ritmo

individual e subjetivo. Essas experiências sensoriais e perceptivas devem estar

interligadas de maneira interdisciplinar com as demais áreas do conhecimento, como

a linguagem oral e escrita, matemática, linguagem social e natural, corpo e

movimento; favorecendo, nesse sentido, “a imersão das crianças nas diferentes

linguagens e o progressivo domínio por elas de vários gêneros e formas de

expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical” (BRASIL, 2010, p. 25).

Para que haja um trabalho comprometido com esses propósitos

estéticos, o cotidiano da escola infantil precisa ser permeado por práticas de ensino

da arte que, nada mais são do que, instrumentos de comunicação usuais na ação da

criança sobre o mundo e, também, no próprio saber-fazer pedagógico do professor.

Para tanto, o professor envolvido com as experiências sensoriais e perceptivas deve

incentivar a curiosidade, a exploração, o encantamento, a criação, o questionamento

e o conhecimento das crianças em relação ao mundo físico e social; promovendo,

desse modo, “o relacionamento e a interação das crianças com diversificadas

manifestações de música, artes plásticas e gráficas, cinema, fotografia, dança,

teatro, poesia e literatura” (BRASIL, 2010 p. 26).

No que tange o ensino de arte, a única possibilidade para o

professor é instigar a criança a formular perguntas e suas próprias respostas, pois

ao “formularem as perguntas, estarão encaminhando-se para as possíveis

respostas.” É fundamental para a educação que se estabeleça um diálogo entre

experiência e indagação (OSTROWER, 1981).

Em contrapartida, ao nos debruçarmos na observação e

investigação do ensino e aprendizagem de arte com as crianas de 0 a 5 anos,

muitas vezes, vemos que esses fins pedagógicos já anunciados não têm sido

desenvolvidos da maneira que acreditamos que deva acontecer nos espaços

1 Lê-se a sigla DCNEIs.243

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formativos para a primeira infância. As atividades atuais (ditas artísticas) realizadas

na educação infantil demonstram um descompasso entre os caminhos apontados

pelas discussões teóricas e a prática pedagógica desenvolvida no cotidiano dos

espaços formativos. É possível perceber alguns equívocos pedagógicos quando

pensamos na linguagem artística e estética nesse local.

No que diz respeito ao saber-fazer arte, por exemplo no berçário,

observamos que, em grande medida, acontecem sem intencionalidade pedagógica,

com ações fragmentadas e focados no cumprimento de vivências de técnicas

artísticas, ficando a desejar em relação ao conhecimento mais aprofundado das

grandes possibilidades que a arte pode oferecer. As crianças participam das

atividades de arte, apenas como estratégia de publicidade infantil, ou seja, muitas

vezes, são expostas a certas atividades como (brincar com a tinta, com a

modelagem, com a colagem) para ser registrado esse momento para os pais, sem

assegurar o desenvolvimento sensorial e perceptivo dos bebês. Sobre esse assunto

Andrade (apud ANGOTTI, 2009) afirma que a arte precisa definir-se como algo único

e pessoal, possibilitando ao professor de bebês, vivenciar e experimentar o exercício

de sua própria sensibilidade para o processo de criação e expressão junto às

crianças pequenas, favorecendo a aprendizagem e desenvolvimento artístico dos

bebês.

Desse modo, Moreira (1984 p. 127) afirma que:

Recuperar o ser poético que é a criança só é possível quando os professores se percebem como pessoas ainda capazes de viver o estranhamento, que é o ser da poesia, quando o professor descobre nele mesmo o prazer da criação.

O desafio do professor é dar voz ao mesmo tempo em que,

realmente, exerce a escuta da criança, permitindo que ela escolha entre uma ou

outra brincadeira, um ou outro material; com disposição pedagógica para o

reencontro com o ato de criar, com sua expressão, seja por meio da pintura,

desenho, escultura, etc. Para isso, o professor precisa reconhecer em si a sua

capacidade referente ao ato criativo e inventivo; com mudanças nos próprios

conceitos do que seja a criança e o que deve ser o processo de ensino da arte nesta

faixa etária de 0 a 5 anos.

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Em relação ao conceito de arte na educação infantil, há uma frágil

concepção desde os cursos de formação para professores quando a linguagem

artística é reduzida ao conceito de instrumento, diversificação de materiais artísticos

e técnicas de criação. “A falta de uma preparação pessoal para entender Arte antes

de ensiná-la é um problema crucial, nos levando muitas vezes a confundir

improvisação com criatividade” (BARBOSA, 2012, p.15).

O entendimento equivocado sobre o ensino de arte, resulta em

práticas docentes distorcidas do que deveria ser, recorrendo-se, muitas vezes, ao

conceito de “artesanato escolar” ou aos “dons” artísticos com preparações de

lembrancinhas (em sua maioria são confeccionadas pelos adultos, pela concepção

medíocre de que a criança seja incapaz de tal realização), decorações infantis,

ensaios musicais e teatrais para apresentações em datas comemorativas, entre

outros. Quando não são desenvolvidas essas performances artísticas, a escola

infantil reproduz “aulinhas” de arte com atividades fotocopiadas (desenhos para

colorir, colar, pintar com tinta) reduzidas as folhas de papel sulfite, giz de era, tinta e

de forma “livre” pela criança, ou seja, “um deixa fazer”, sem ensino e sem

direcionamento pedagógico (ANDRADE apud ANGOTTI, 2009). “No tocante à

escolha das figuras para serem reproduzidas, as questões estéticas não tem

relevância prioritária em favor da funcionalidade das imagens” (MARTINS, 2010, p.

240).

A famosa “bolinha de crepom” ainda é muito utilizada à luz desses

equívocos, induzindo a criança desde pequena a ser reprodutora de técnicas

artísticas e não produtoras de imagens e expressões estéticas. Alguns professores

podem até achar ultrapassado o preenchimento com tal material e acreditam

trabalhar com arte por trazerem imagens de obras de artistas para o contexto

escolar. Então, o que vemos é a educação infantil assolada pela presença de um

determinado artista que utiliza cores fortes, com desenhos “ingênuos” bem

delimitados, que não deixa de ser a mesma proposta com uma roupagem

“moderna”: preenchimento e com um agravante, que padroniza uma forma de pintar,

desenhar e torna a expressão artística simplista.

O trabalho com imagens em sala de aula deve ter seu foco nas diferentes visões e versões de mundo que ‘desestabilizam nossas concepções teóricas e convicções, nos colocando cara a cara com a parcialidade dos mundos em que vivemos e em confronto com as

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nossas próprias incongruências.’ (MEYER; SOARES, 2005, p. 42 apud TOURINHO & MARTINS, 2010, p. 11 )

Nesse sentido, vemos o distanciamento da criança ao verdadeiro

sentido da arte enquanto manifestação de seus sentimentos, de seu pensamento e

de suas ações, carecendo de urgente mudança no trabalho pedagógico. Para tanto,

os novos horizontes artísticos pedagógicos devem desafiar o imaginário infantil,

explorando e amplificando na criança a linguagem visual, musical e corporal nas

diversas possibilidades de criação em diferentes materiais e suportes e as do próprio

corpo e gestos com uma riqueza imensa de expressão.

Desse modo, Eliot Eisner (BARBOSA, 2003 p. 89) afirma que:

O que a arte proporciona é uma contribuição ampla do desenvolvimento e às experiências humana. Primeiramente a arte, isto é, as imagens e eventos cujas propriedades fazem brotar formas estéticas de sentimentos, é um dos importantes meios pelos quais as potencialidades da mente humana são trazidas à tona.

Nesse prisma, as possibilidades de arte são inúmeras se cogitarmos

a quantidade de linguagens em que ela se manifesta como meios propulsores para o

desenvolvimento da criança. Albano (apud ANGOTTI, 2006 p.26) afirma, desse

modo, que a “razão pela qual a arte pode ser considerada a base para repensarmos

uma pedagogia da infância está justamente na inteireza, no modo como constrói

conhecimentos”; uma vez que possibilita na criança pequena conhecer e

ressignificar o conhecimento pela experiência da sensação, percepção, criação e

expressividade.

Sobre esse assunto, Barbosa (2003, p.180) afirma que a criança no

início deve explorar gestos e não intenções com o trabalho realizado sobre seus

próprios desenhos e os desenhos de outras crianças e adultos. Nesse processo,

deve-se valorizar a observação de diferentes objetos simbólicos do universo

circundante; as imagens que a criança incorpora progressivamente; envolvendo uma

diversidade de tipos de materiais que indicam às crianças as possibilidades de

transformação, de ressignificação e de construção de novos elementos, formas,

texturas etc. A relação que a criança pequena estabelece com os diferentes

materiais se dá, no início, por meio da exploração sensorial e da sua utilização em

diversas brincadeiras de criação e descoberta. 246

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A criança e a arte criativa do pensamento

Olhar para a tinta, observar suas cores e seus tons vibrantes,

escolher de que forma vai pintar, onde vai deixar suas marcas e suas cores

escolhidas são experiências profundas que anunciam momentos importantes da

aprendizagem e desenvolvimento infantil. Para isso, a criança pequena precisa ver

o mundo ao ser redor, “ver” no sentido metafórico de sentir, conhecer, perceber,

tocar, manusear, ouvir, cheirar, apalpar.

Fusari e Ferraz (1993 p. 74) afirmam que:

Ver significa essencialmente conhecer, perceber pela visão, alcançar com a vista os seres, as coisas e as formas do mundo ao redor (...), ver é também um exercício de construção perceptiva onde os elementos selecionados e o percurso visual podem ser educadores.

A cada nova manipulação e exploração com uso de materiais

diversos, experiências criativas e desafiadoras, as crianças pequenas vão

incorporando uma imagem positiva de si, desenvolvendo seu potencial criativo e

expressivo, ampliando seu repertório artístico e observando a concretizaçao suas

produções, assim, manifestando e construindo sua identidade. A possibilidade de

pensar, agir, interagir e intervir por meio de experiências artísticas garantem as

condições estruturais e estruturadoras para a construção de novas formas de

aprendizagem, conhecimento e comunicação. Desse modo, por meio da imaginação

criativa, a criança desconstrói para construir, seleciona, reelabora a partir do

conhecido e modifica-se de acordo com a realidade, sendo potencialidades

fundamentais para o desenvolvimento do conhecimento estético pela criança.

A medida em que as crianças já tiverem condições, é essencil que

elas também falem a respeito das obras que observam, das imagens que tem

contato, das sensações provocadas por estas exposições, pelos materiais, pelas

superfícies, pelos tempos de experimentação; que diga sobre suas escolhas, tenha

tempo para elaborar seu pensamento, fazer suas associações, sua composição a

seu modo, que adquira o hábito da pesquisa também em relação a arte para que

também possa construir sua poética e assim deixar evidências ou indícios de suas

particularidades.

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Assim não valeria dizer aos alunos: “Vocês estão livres, façam qualquer coisa, criem”. Antes, deveria ser possível dizer: “Vocês estão livres, perguntem, indaguem, experimentem, poderão fazer tudo, uma vez que assumam a responsabilidade pelo que fizerem”. O questionamento, a indagação, a compreensão da pesquisa, eis o caminho da criação. (OSTROWER, 1981)

O professor precisa refletir esteticamente sobre o sentido da

produção da arte enquanto criação, pois essa reflexão vai além de dominar as

informações técnicas e teorias relativas ao mundo da arte. É crucial o cultivo da

própria sensibilidade e da cultura estética, com leituras que demandam não só

informações sobre o ensino da arte, mas fundamentalmente o exercício crítico e

sensível do saber fazer artístico em nível de percepção, imaginação, pensamento e

criação. Diante disso, o papel do professor como mediador estético depende de sua

consciência sobre as questões estruturais que nas artes se traduzem como

elementos sensíveis. Nesse sentido, a forma, a plasticidade, as cores, as texturas,

as combinações resultam das interações e tem uma significação na vida da criança.

A criança e a arte dramática

A arte cênica, sem dúvida, é um belo e misterioso campo do

conhecimento humano, sendo complexa e ampla sua definição no trabalho com

crianças pequenas. Desse modo, ela não pode ser definida meramente, e sim

contemplada em qualquer de suas manifestações. Neste caso, a arte cênica ou a

arte de dramatizar e imaginar expressa sem restrições, sentimentos e emoções;

possibilitando o afloramento do que está no mundo subjetivo da criança, seus

desejos, suas fantasias e imaginação. Para isso, é fundamental que o trabalho

pedagógico de arte aproxime a criança no universo artístico cênico, de modo que ele

possa vivenciar experiencias lúdicas e imagéticas.

As diferentes formas de expressão como o circo, o teatro, a

contação de histórias entre outras, possibilita a aproximação da criança de 0 a 5

anos ao contexto da arte de dramatizar, promovendo as descobertas cênicas em

ambientes de ludicidade e interação infantil. Assim, por meio da brincadeira de

dramatizar e representar, a criança constrói a consciência da realidade e, ao mesmo 248

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tempo, vai imprimindo sua marca. Nesse sentido, as experiencias artísticas cênicas

estão diretamente ligadas ao processo criativo da criança pequena, além de ser

fundamental no processo de desenvolvimento infantil.

A arte de dramatizar (teatro, jogo dramático) possibilita, ainda, um

suporte para a trajetoria da vida social da criança, proporcionando experiências

novas, assumindo feições e funções diversas em relação a criança e o mundo que a

cerca. Através dos jogos de imitação e criação, a criança desde cedo é estimulada a

descobrir gradualmente a si própria, ao outro e ao mundo que a rodeia. Articulado ao

prazer de brincar com a imitação e criação, a arte cênica na educação infantil,

também ensina e educa potencializando saberes que são necessários também para

as crianças do bercário.

Sobre esse assunto vemos em Slade (1978 p. 17) que o “[...] o jogo

dramático é uma forma de arte por direito próprio, não é uma atividade inventada por

alguém, mas sim o comportamento real dos seres humanos”. Reverbel (1997)

corrobora as palavras de Slade (1978) ao afirmar que as atividades de expressão

artísticas são potencializadores para o crescimento e desenvolvimento integral de

crianças, envolvendo os aspectos afetivo, psicomotor, social, físico e cognitivo;

articuladas as possibilidades de auto expressão e auto crítica pela criança, uma vez

que a mesma pensa, comprova, experimenta, cria, ousa e fantasia.

Nesse sentido, na formação da criança, o teatro, o jogo dramático,

permite que ela se aproprie dos conteúdos sociais e culturais de sua comunidade de

forma crítica e construtiva, além de desenvolver as capacidades artísticas e

expressivas (SPOLIN, 2003).

O objetivo é aproximar a criança do universo cênico e das

possibilidades pedagógicas e artísticas que ele oferece para o desenvolvimento

infantil. A escola deverá oportunizar situações de interação entre adultos e crianças,

crianças e crianças com linguagens lúdicas e afetivamente propiciadoras para a

exploração do espaço, dos objetos, das texturas, dos gostos e dos cheiros. Brincar

com as palavras, com as expressões, com os sentimentos, imitando sons diversos e

outras possibilidades criativas, como: sons da natureza, o canto dos pássaros, o

rugido do leão, a risada do palhaço, o grito da alegria.

Considerações Finais

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No processo de produção artística, a criança está diante do desafio

de dar forma a seus pensamentos, sentimentos e desejos. Com o uso de materiais

diferenciados, essa criação passa a ser um ato exclusivo e individual da criança, que

começará fazer uso de suas experiências e relações com o mundo que a cerca e

com o seu próprio fazer. Nesse saber-fazer artístico, a criança pequena deve ser

estimulada a ampliar seu repertório visual.

O professor poderá incitar o olhar infantil para as novas sensações e

percepções, permitindo a criança surpreender-se com as novidades e tantas

descobertas. Seu olhar infantil deve ir em busca de formas, linhas, traços, cores,

exercitando a percepção em relação aos elementos da linguagem plástica e visual.

Olhos atentos e investigativos fazem com que as crianças mergulhem no mundo de

possibilidades em busca de descobertas e conquistas, abrindo as portas para a

sensibilidade, a criação e compreensão do mundo ao redor.

Gomes (apud CRAIDY e KAERCHER, 2001 p.109) afirma que:

As crianças são capazes de mexer com substâncias e experimentar instrumentos nas mais variadas superfícies, lambuzando, riscando ou imprimindo suas marcas. Com a orientação de um adulto, a criança pode conduzir a ação para um espaço mais apropriado, como uma folha de papel.

Entretanto, vale ressaltar que a criança, mesmo tendo a liberdade de

expressão, precisa compreender pelo processo de ensino, os tempos, os espaços e

materiais adequados para o fazer artístico. Se feito o trabalho de forma planejada e

intencionalmente organizado pelo professor, a criança é capaz de pensar e elaborar

suas escolhas, quais superfícies ou objetos são mais adequados para deixar suas

marcas, suas produções, de modo a revelar sua expressividade, sua característica

singular, a desenvolver a sua própria poética.

Diante disso, o texto preocupou-se em ressignificar a arte em

espaços formativos voltados ao trabalho pedagógico com crianças entre 0 a 5 anos,

no intuito de promover essa linguagem do conhecimento enquanto possibilidade de

criação, imaginação, sensação e percepção com crianças pequenas. Longe de

tornar-se um receituário pedagógico, mas instigar reflexões a respeito.

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Verificou-se, desse modo, a linguagem artística enquanto

propiciadora do desenvolvimento criativo e estético, de forma que a criança desde

bebê possa vivenciar experiências lúdicas e desenvolver o conhecimento em

diferentes produções artísticas; encantando-se nas suas variadas formas. Para

tanto, é preciso que o professor tenha uma ação mediadora enriquecida por

estímulos pedagógicos, além das apreciações e valorizações das produções infantis

em favor da arte com autonomia e expressividade infantil.

Nesse prisma, a tarefa da educação infantil é possibilitar a

“pedagogia da sensibilidade”, com a recusa do fazer artístico padronizado e

homogeneizado que faz o mesmo com as crianças e adultos e não oferece

provocações dos sentidos e tão pouco a reflexão. Para isso, os profissionais

precisam mediar intencionalmente as crianças a tornarem-se mais flexíveis em suas

relações imagéticas, ampliando potencialidades sensíveis de interpretação,

percepção, sensação, criação e ação no mundo.

REFERÊNCIAS

ANGOTTI, M. Educação infantil: para que, para quem e por quê. Campinas: Alínea, 2006.

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