VISITA AO SÍTIO SÃO BENTO EM ABREU E LIMA …...2015/09/30 · SECRETARIA DA CASA CIVIL 1 VISITA...
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VISITA AO SÍTIO SÃO BENTO EM ABREU E LIMA – 30/09/2015
Participantes :
CEMVDHC: Manoel Moraes, Humberto Vieira, Joelma Gusmão, Lilia Gondim, Rafael Leite.
IC: Dr. Zito e André.
DEPOIMENTOS TOMADOS: 1 -Ailton Rodrigues de Andrade – Galego
2 – Milton Cordeiro – Mitão
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DEPOIMENTO 1
(Morador do Sítio vendo o grupo da Comissão ao passar por acaso pelo local parou para tirar
uma dúvida por pensar que éramos da prefeitura. Ao ser esclarecido sobre a Comissão da
Verdade e o que fazíamos lá, dispôs-se a ajudar.)
Manoel Moraes – Como é seu nome?
Josinaldo – Josinaldo
Manoel Moraes – Vc autoriza gravar Josinaldo?
Josinaldo – Autorizo. Ele falou que as mortes aconteceram ali, do outro lado. Não foi desse
lado aqui. Aí teve até...o cabo...o Anselmo, não é isso?
Manoel Moraes – É.
Josinaldo- Pronto e eram 7 pessoas, que estavam na área aqui, que eles plantavam, disseram
que eles eram terroristas. Aí disseram que era daquele lado ali. Eu nunca ouvi dizer que era
desse lado.
Manoel Moraes – Dá pra vc dizer exatamente a posição da casa onde seria?
Josinaldo- Não. Mas eu tenho uma pessoa que sabe.
Manoel Moraes – Quem é?
Josinaldo – Seu Galego.
Manoel Moraes – Se você pudesse orientar a gente...
Josinaldo- Vamos lá na casa dele. Ele mora aqui há mais de 40 anos
Manoel Moraes – Vamos. E é amigo seu?
Josinaldo – É meu amigo.
Manoel Moraes – Eu posso ir no seu carro?
Josinaldo – Pode.
Manoel Moraes – Isso é muito importante. Nós somos da Comissão da Verdade e estamos
exatamente levantando essa história. E você tem essa propriedade há muito tempo? Mora
aqui?
Josinaldo- Há 3 anos. Mas eu sou um pesquisador. Eu adoro essa área aqui, mas eu moro em
Olinda, perto dos Correios.
Manoel Moraes – E você sempre se interessou por História? Que legal.
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Josinaldo – É, sempre, inclusive eu estou vendo se consigo implantar com um amigo meu em
negócio aqui, de turismo. Exatamente pra pegar os meninos nativos daqui e ensinar a eles a
história. E esse meu amigo, ele faz escultura em madeira e ele quer dar aula aos meninos aqui.
Manoel Moraes – Que legal! Muito bom!
(Chegando na casa do Galego que fica localizada atrás das ruínas da Igrejinha de São Bento)
Manoel Moraes - Eu vou dar uma pausa aqui na gravação...
Josinaldo – Ô Galego,
Galego – Ah, esse foi um que veio com uns artistas aí de novela pra fazer...
Manoel Moraes – Não, não foi comigo não.
(Muitas falas ininteligíveis).
Galego - ...a mulher é braba que só a peste, a da granja.
Manoel Moraes – E como é o nome dela, Galego? D. Socorro, né? A gente esteve lá. Ô galego,
mas me conte melhor... você já me contou naquele dia. Você tinha quantos anos mesmo?
Você disse que era criança, não foi?
Josinaldo- Aí tu dizia que era uns cabeludos, não é?
Manoel Moraes – O caminho pra chegar lá? É essa estrada mesmo?
(Descendo pelo lado da ruína da Igreja)
Galego – Não, não tinha isso ... ali onde tem essas bananeiras ali, ó.
Manoel Moraes – Mas onde é que o carro parava?
Galego – Lá na frente da Igreja. Não tinha caminho pra cá. Não tinha essa estrada não. Era só
uma trilha.
Manoel Moraes – E Galego tá dizendo que o carro parava na Igreja. E isso aqui tinha? (refere-
se a um casebre na descida para o local)
Galego – Tinha não. Tudo isso aqui é novo.
Dr. Zito – A pessoa desce escorregando mesmo...
Galego – É.
(Conversas da equipe, sem interesse para o caso. Caminhando pelo mato)
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Galego- Pronto. Daqui dá pra ver muito bem. A posição da casa é lá naquele pé de dendê lá.
Daqui a gente via tudinho. A frente era pra cá. Lá naquele dendê.
Lilia – Qual é o dendê?
Galego – Lá está, aquele matinho verde se balançando, ó. Aquele bem mais verde. Lá está, as
folhas se balançando.
Lilia – Foi aquele que a gente viu pelo lado de lá. Exatamente, Manoel.
Manoel Moraes- É, era ali mesmo. Tem uma casa embaixo né, Galego?
Galego – Tem não. Aonde aconteceu a casa foi derrubada. Foi derrubada logo na primeira
semana. Isso foi em 72.
Lilia – Foi ali, ó Humberto, que a gente foi.
Humberto Vieira – Foi não.
Lilia – Seu Galego, o senhor sabe onde é o sítio de seu Milton? Milton, Mitão, irmão de Paulo.
Galego – Né ali em cima? É aquele sítio ali, lá está aquela casa lá.
Manoel Moraes – Aquela casa branca?
Galego – É.
Manoel Moraes- Mas me diga uma coisa Galego, pra chegar lá tem um caminho que dê
acesso?
Galego – Tem não. Agora não tem caminho mais não. A não ser pela porta dela, né?
Manoel Moraes – Porta de D. Socorro?
Galego. É. De d. Socorro.
Manoel Moraes – A trilha do pessoal era por lá?
Galego – Era não, era aqui em baixo. Descia por cá. Descia aqui e andava por aqui. E naqueles
tempos quando eles pegaram, amarraram o pessoal aqui, dentro desse sítio. Dentro desse sítio
tinha uma casa do primeiro morador que existia aqui, e ele viu tudinho. Aí eles pegou e deixou
o velho amarrado. Aí a gente viemos pra cá, eu pequeno, eu e o meu pai, aí eles queriam
pegar eu e meu pai pra amarrar também, aí nós desabemos e fomos s’imbora.
Lilia – Ah, eles queriam amarrar o povo que viu, não é?
Galego – É, os soldados.
Manoel Moraes – Eram soldados?
Galego – Foi, os que tavam matando.
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Manoel Moraes – E eram muitos soldados?
Galego – Era um mói da peste. Carros da RP tinha demais, da Federal, aquelas Veraneio
antigas. Ôxente ! Era de mói!
(Conversas na equipe sobre a localização da casa)
Galego – Se d. Socorro abrir a porteira tem um caminho que vai dar certinho lá.
Manoel Moraes – Galego, qual é teu nome completo?
Galego – Ailton Rodrigues de Andrade.
(Mais conversas da equipe sobre o local)
Josinaldo – Você deixa o carro na Igreja e vai andando na curva até onde ficam os pescadores.
De lá você segue vendo o mar e passa na casa de D. Socorro e depois entra na de Mitão.
Humberto Vieira– Ah, entendi.
Manoel Moraes – Quer dizer que se a gente quiser pode ir pra lá dando a volta, lá por cima
por D. Socorro e Mitão, ou então via direto descendo por aqui numa reta.
Galego – É encostado a Mitão.
Lilia – A gente desceu pela lateral da cerca dela e a gente acompanhou a cerca até a altura de
onde era a casa.
Joelma – A gente chegou até aquele roçado de macaxeira.
Galego – É, aquilo é a divisa da propriedade. É a divisão da granja dele.
Manoel Moraes – Veja, a gente tem algumas fotos que naquela época a gente não tinha.
Repare. Você lembra se era mais ou menos isso? Veja só. Esse aqui é Zé Manoel. (Manoel vai
mostrando as fotos). Aqui, uma das meninas... Eram duas meninas. Essa aqui é Soledad.
Josinaldo – Ela estava até grávida na época...
Manoel Moraes – O senhor lembra de alguma figura dessas? Essa aqui é Pauline.
Galego – Essa daqui eu acho que vinha aqui também. (refere-se a Pauline)
Manoel Moraes – O senhor se lembra dela?
Galego – É. É a galega.
Lilia – Ela morava aí.
Manoel Moraes – Exatamente.
Galego – É. Essa galega conversava muito com a gente aqui.
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Manoel Moraes – Ela falava sobre o quê? O senhor lembra?
Galego- Não, não, não. Ela dizia só que era a proprietária, que estavam limpando aqui pra
fazer plantação.
Manoel Moraes – Quer dizer que o senhor reconhece ela não é? A Pauline.
Galego – É. É a galega não é? Era ela e uma outra que tinha, dos olhos meio arregaçados.
Manoel Moraes – Essa o senhor lembra bem não é?
Galego- É.
Lilia – Mostra a foto de Eudaldo .
Galego – Mas esse não vivia por aqui não. (Comenta vendo a foto de Jarbas)
Manoel Moraes – Isso são fotos da época, sabe Galego? Esse aqui é o Manoel. O senhor
lembra do Manoel?
Galego – Não. Mas esse fortão, ele vivia aqui também, né? Ele trazia aqui a turma. Era o que
habitava aqui na casa.
Lilia – Olhe esse aqui, ó. O senhor lembra dele? Esse era o marido daquela moça que
conversava com o senhor.
Galego – Não... É esse fortão. Ele dava o nome de Ubiratan.
Manoel Moraes – É esse daqui?
Galego – É. Bira.
Manoel Moraes – E o senhor brincava com ele? Por que o senhor era bem criança.
Galego – Brincava, não. A gente não chegava a brincar que a gente era só vizinho mesmo. Eu
carregava agua pra eles, aqui tinha uma cacimbinha, eles pagavam a gente, eles deitavam lá,
nós duas criancinhas...
Humberto Vieira – Bira? Quem é? E era Ubiratan?
Lilia – Não sei, tem que olhar os nomes...
Manoel Moraes – Ele dizia que era Bira, devia ser o apelido dele, né? Por que Bira era
Ubiratan, né?
Lilia – É. Parece que tinha um que tinha um codinome Bira.
Galego – Ele dizia que se chamava Bira. Ubiratan.
Manoel Moraes – E o senhor lembra qual era a lata d’água? Era alguma lata dessas daqui? Por
que aqui tem uma foto que tem uma lata.
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Galego – Não essa era a lata que a mulher carregava agua pra cima, pra chã.
Manoel Moraes – Era essa lata aqui? (Mostra a lata que aparece na foto)
Galego – Era. Era um balde... Tinha uma lata de querosene... Era uma Jacaré. Ela levava, que
ela vinha lavar roupa, com as roupas no balde...
Lilia – Na cacimba?
Galego- É. Conversava era muito com a gente, ela.
Lilia – Tem uma foto que tem um pote... Tinha um senhor que criava umas vacas onde eles
compravam leite, descendo lá pra beira da maré? Sabe quem é? Pronto, olha aqui o pote!
Manoel Moraes – Lembra do pote?
Galego – É. (olhando a foto) Isso era dentro de casa.
Lilia – O senhor se lembra dessa jarra?
Galego – Sim. Quebrou-se todinha nas balas...
Lilia – Pois é, mas aqui está inteira...
Manoel Moraes – Não, essa tá quebrada, na parte de baixo. Houve tiroteio por aqui? Olhe, o
pessoal chegou aqui que horas? Por que o senhor me disse que o pessoal chegou amarrado
não foi? O senhor lembra da hora? Era umas duas horas da tarde?
Galego – É. Eles vinham trazendo de lá (mostra o lado dos carros estacionados na frente da
Igreja) pra cá. Só existia aqui só uma mulher somente.
Manoel Moraes – Que era Pauline?
Galego – É. O resto eles vinham trazendo tudinho amarrado dentro dos carros, por aqui pelo
caminho...
Manoel Moraes – E eles estavam amarrados de mão pra trás ou pra frente?
Galego – Mão pra trás.
Lilia – E trouxeram eles andando?
Galego- Foi. Era trazendo e matando. Foi matando! Era uma matança mesmo por lá, por detrás
da Igreja, de lá pra cá...
Manoel Moraes – Chegaram batendo neles...
Galego – Era bala mesmo! Atirando, atirando que ninguém sabia aonde eles atiravam e dentro
de casa é que foi um festival...
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Lilia – Essa lata aqui... (vendo a foto) Aqui ela está em pé, mas aqui nessa outra foto ela está
deitada.
Manoel Moraes – Não essa é outra lata. Essa outra lata aqui, é que nessa foto ela está em pé e
nessa outra ela está deitada. E aqui é outro móvel, tá vendo? É outro ambiente.
Dr. Zito – É, mas acontece que esse móvel aqui, ele está junto.
Lilia – Não é esse aqui?
Dr. Zito – É.
Lilia – E cadê o chapéu que estava aqui e nessa outra foto não está mais? E cadê isso aqui que
também não está mais.
Manoel Moraes e Dr. Zito – É.
Lilia – Isso foi montado.
Dr. Zito -É, Era isso que eu estava vendo. Foi montado.
Galego – É. Isso foi montagem... (Ri alto). É por isso que... são muitas histórias que tem...
(Conversas da equipe com Dr. Zito sobre o posicionamento dos objetos e das pessoas nas
fotos)
Lilia – Pois é seu Galego. Então quer dizer que os caras que chegaram com eles... os caras que
chegaram eram fardados, eram?
Galego – Não, não, não. Tudo paisano.
Lilia – À paisana? Os que chegaram trazendo eles?
Galego – Era. Tudo normal, assim. Eles chegavam e diziam que iam botar eles pra trabalhar.
Chegaram dizendo que iam botar esses rapazes aí pra desmontar aquela mata ali, diziam pra
meu pai.
Manoel Moraes – Não, eles chegaram à paisana, como o senhor está dizendo não é, agora o
que Lilia tá perguntando...
Galego – Mas a gente conhecia que eram da polícia por que as arma dentro dos carros era
demais, né?
Lilia – E depois que eles estavam mortos lá, quem estava tomando conta? Era polícia mesmo
civil ou era fardada?
Galego – Nada, nada de fardamento não. Não existia polícia fardada não. Ninguém via polícia
fardada.
Lilia - Era tudo à paisana?
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Galego – Tudo paisana mesmo.
Manoel Moraes– Mas quando chegaram as Veraneios aí...
Galego – Era tudo paisano.
Lilia – Os do helicóptero também eram todos à paisana?
Galego – Os do helicóptero eu não vi não. Por que o helicóptero ficou em cima da casa.
Lilia – Ah, não desceu.
Galego – Não. Só em cima da casa por que era uma mata grande mesmo.
Lilia – Então o helicóptero ficou lá em cima voando. Não parou na Igreja não?
Galego – Não. Eles vieram e ficaram em cima da casa. E as balas comendo no centro e eles em
cima mesmo. Chegaram de carro dentro da Igreja.
Joelma – A Igreja estava em pé, na época? Tinha culto normal?
Galego – Estava em pé. Não tinha.
Lilia – Era ruína já?
Galego – Era ruína. Agora toda perfeita.
Lilia – Mas não tinha padre, nada?
Galego – Não, não. Já foi demolida há muito tempo já.
Dr. Zito – Mas vocês chegaram a observar algum corpo que estava morto?
Galego – Ôxi! Eu vi tudinho.
Dr. Zito – E esses corpos estavam na frente da Igreja?
Galego – Ali, na frente da Igreja. Onde o senhor deixou o carro ali. Isso era uma vereda assim,
ó. Mas essa é uma história... aí, eu não posso dizer assim o rosto deles...
Dr. Zito – Não, tudo bem.
Manoel Moraes– Mas... o que o senhor ouviu falar? Eu tinha entendido que o senhor tinha
me dito na primeira vez que eles estavam amarrados...
Galego – Mas isso aí foi quando eles estavam vindo. Eles vinham de lá pra cá, oi, isso foi
quando eles vinham logo cedinho, chegando, que o cara disse que ia botar eles pra trabalhar,
logo cedinho, eles chegando...
Lilia – Logo de manhã?
Galego - Eles começaram já a chegar com os trabalhador deles, né?
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Lilia – Quer dizer que não chegou tudo junto não?
Galego – Não, era chegando de hora a hora...
Lilia – Era prendendo e trazendo.
Galego – Tá entendendo? Era chegando...
Manoel Moraes – E eles vinham amarrados?
Galego – Vinham amarrados de corda.
Lilia - Mas eles estavam inteiros ou sangrando, alguma coisa assim?
Galego – Não. Eles passavam por a gente assim, a gente trabalhando, aí meu pai viu as coisas
muito estranhas, aí disse “Vamos se esconder”. Aí um saltou, pegou o fuzil e disse “O que é
que vocês estão fazendo aqui?” Aí meu pai disse; “A gente tá indo trabalhar”, e eles “Vão
s’imbora, vão s’imbora. Aí meu pai disse “Eu não posso sair daqui não por que eu tô
trabalhando e tô esperando o proprietário da granja aqui pra fazer negócio com ele”. Aí ele
falou: “Você ainda tá conversando mole, rapaz?” Foi, foi assim. “Fulano, vá buscar não sei o
quê dentro do carro.” Aí meu pai disse “vamos s’imbora” e nós disparemos por aí a fora.
Fomos para lá na casa do pai de Val. Aí fiquemos lá. O pai de Val estava roçando, né, aí viemos
por aqui, uma vereda de caminho que tinha aqui, aqui em baixo, e tinha uma casa. Aí eles já
tinham amarrado o velho dono da casa aqui em baixo, já. Aí dali de cima a gente viu e ficamos
lá.
Lilia – Ô seu Galego, deu quanto tempo entre eles descerem com o pessoal dizendo que ia
botar pra trabalhar e depois os corpos estarem mortos lá na frente da Igreja?
Galego – Já foi de tardezinha.
Lilia – Os corpos na Igreja, só a tarde...
Galego – É.
Manoel Moraes– Eles começaram a chegar de manhã?
Galego – Foi. E isso já foi no outro dia.
Manoel Moraes– Ele tá falando dos caras da perícia né?
Galego – Não, não tem nada disso não, senhor. A perícia é quando eles chegaram com os
prisioneiros com algemas. Eles trouxe os prisioneiros com algema.
Manoel Moraes– É isso que eu quero saber. O senhor tá dizendo que esses que chegaram
amarrados, foi de tarde ou foi de manhã?
Galego – Já no outro dia de manhã pra carregar os corpos pra cima.
Lilia – Mas antes, no dia anterior...
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Galego – Era só descendo com eles.
Lilia – Descendo com os que foram mortos? Eles estavam vivos e eles desceram dizendo que
iam botar eles pra trabalhar, não é isso?
Galego - É.
Manoel Moraes – E que horas foi isso?
Galego – Isso foi na parte da manhã.
Manoel Moraes– Mas já tinha passado o almoço?
Galego – (rindo), Bom, isso aí o´, dá não pra dizer...
Lilia – Então quer dizer que eles desceram de manhã e no outro dia foi que os corpos
chegaram lá na frente da Igreja?
Galego – Foi. Já no outro dia.
Lilia – E o povo ouviu gritos deles, alguma coisa assim?
Galego – Ôxi, mas! Teve morador que ouviu né? Os pais de Milton mesmo...
Lilia – Grito, grito mesmo?
Galego – Era. Eles diziam que ouvia. Segundo o filho deles...
Manoel Moraes– Quando vocês vieram observar aqui o movimento deles aí, existiu bala aqui?
Galego – Ôxi! (sentido de afirmação)
Manoel Moraes– Quando você veio com o pai de Val pra cá.
Galego – Não, o pai de Val ficou lá. Só foi eu e meus pais que vimos. O pai de Val desabou logo.
Foi s’imbora!
Manoel Moraes– Aí você veio pra cá olhar...
Galego – Foi. Eu e meu pai, né, curiosiar, né? Meu pai disse “Vamos observar o que é aquilo,
que eles tão dizendo que é do INCRA, que ia desmatar a mata, que não sei o quê”. Ôxi, que
mata o quê? Era uma coisa muito estranha e a gente, ói, observando.
Lilia – Ô seu Galego, me diga uma coisa, mas e a casa? Eles demoliram logo depois foi?
Galego – Não. A casa ficou muito tempo e já foi o pai de Mitão que comprou a granja que
derrubou.
Lilia – E vocês chegaram a ir olhar a casa depois que aconteceu o negócio?
Galego – Chegamos, chegamos.
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Lilia – Tinha muito sangue lá?
Galego – Quando eles saíram mesmo, depois que eles saíram, que botaram os caras pra
carregar os corpos aqui e a gente entocado ali olhando...
Manoel Moraes – E carregaram como?
Galego – Na rede.
Manoel – Com a rede!
Galego - Era uma rede, amarrados. Ia um homem na frente outro atrás com um pau...
Manoel Moraes– Quem carregava era os homens que mataram eles ou os prisioneiros?
Galego – Os cabras. Sem camisa, só de cueca mesmo.
Manoel Moraes – E eram prisioneiros?
Galego – Eram.
Dr. Zito – Mas era muito sangue dentro da casa não era?
Galego – Muito sangue. O sangue rolou de mundo abaixo.
Lilia – E o que é que tinha dentro da casa?
Galego – Tinha muita coisa... tinha pano...
Lilia – Não, mas eu digo assim, tinha bala, arma?
Galego – Ôxi! Bala era demais. Era muita bala, menina.
Lilia – As coisas todas quebradas?
Galego – Tudo, tudo, tudo revirado. Até os pobres dos cachorrinhos eles mataram. Tinha até
cachorro morto, os cachorros deles.
Manoel Moraes – Tem foto de cachorro?
Dr. Zito – Não. Não tem.
Galego – Tinha até uma cachorrinha baleada que o menino levou ainda, pra cuidar da
cachorrinha.
Lilia – Que coisa estranha.
Galego – É ainda ficou lá dentro da casa uma cachorrinha, quase uns oito dias ainda a
cachorrinha lá. E a gente viu, que coisa rapaz...
Manoel Moraes– Obrigada viu Galego--------------------------------------------------------------------
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DEPOIMENTO 2
Manoel Moraes – Seu Milton, a gente pode gravar novamente? Por que naquele dia o senhor
estava com problemas de saúde, naquele dia o senhor ia pro hospital, não foi? Qual idade o
senhor tinha naquela época? Diga seu nome completo, por favor.
Milton – Milton Cordeiro Filho.
Manoel Moraes – Milton você é filho de quem?
Milton – O nome do pai era Milton Cordeiro. Eu sou Milton Cordeiro Filho.
Manoel Moraes – Quando aconteceu aquilo, o senhor pode contar o que o senhor viu? O
senhor estava contando sua história, não é? O senhor tinha 18 anos e foi comprar guaraná,
não foi?
Milton – Uma bebida pro meu pai. Meu pai gostava de tomar uma pituzinha. Aí fui eu e o filho
do homem que morava lá na frente.
Lilia- Lá onde mora Galego?
Milton – Não, onde mora Geno.
Manoel Moraes – Depois o senhor pode levar a gente lá?
Milton – Aonde?
Manoel Moraes – Nesse rapaz, Geno.
Lilia – Ele ainda mora lá?
Milton – Mora.
Manoel Moraes – Olha aí. Se o senhor pudesse ir com a gente... Mas veja, o que foi que
aconteceu quando o senhor foi comprar a bebida?
Milton – Eu vi os caras que tiraram de lá...duas mulher e um bocado de homem.
Manoel Moraes – Eram quatro corpos, era?
Milton – É, mas já faz tempo já, isso. Faz muitos anos.
Manoel Moraes – O senhor tem quantos anos agora?
Milton – Agora estou com uns cinquenta e poucos anos.
Lilia – E o pessoal que estava lá? O senhor disse a gente ainda agora que conheceu que era a
polícia. Por que? Como era?
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Milton – Por que era do exército o avião. Por que veio um avião, deu fé nos cantos que a
turma morava, aí em baixo. Eles eram terroristas, né?
Manoel Moraes – Eles tinham carros?
Lilia – Mas tinha carro ou só tinha... eram helicópteros eram?
Milton – Não só era carro do exército.
Manoel Moraes – Dá pra dizer assim quantas pessoas tinham do exército?
Milton – Era um bocado. Tava tudo armado de revólver, metralhadora...
Manoel Moraes – Sei. E eles estavam de capacete, farda?
Milton – Tudo verde, tudo verde.
Lilia – E o pessoal tinha muitos ferimentos, muito sangue, estavam descobertos?
Milton – Não, eles pegaram e trouxeram os cabras, um senhor que morreu, que se chamava
Mariano, ele viu também, sabe? E o finado Generino ele viu também. Eu não vi não. Eu vi
depois que eles estavam lá. Depois que levaram tudo, pegaram em rede...
Manoel Moraes – Foi rede, não é?
Milton – Foi, pegaram em rede.
Manoel Moraes – E me diga uma coisa, quem lhe contou? Antes da parte que o senhor viu?
Milton – Os soldados...
Manoel Moraes – Chegaram com eles vivos?
Milton – Foi. Quer dizer já morto. Estavam já todos mortos lá.
Lilia – Mas trouxeram de onde?
Milton – Levaram de baixo, eles tinham uma casinha lá de tábua.
Lilia – De tábua ou de taipa?
Milton – Eles fizeram uma casinha lá; andavam por aí tudinho, mas não mexiam com ninguém
não. Agora só que depois o exército descobriu e aí acabaram com eles.
Lilia – Mas teve muito tiro? Teve barulho de tiro por aqui?
Milton – Então, ôxe. Foi tiro... (incompreensível)
Manoel Moraes – E me diga uma coisa, entre essas pessoas que estavam de farda, o senhor
conseguia ver alguém que tinha um relógio assim mais... feito esse, de prata? O senhor
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conseguia ver algum que tinha uma característica mais de civil? Por que estava todo mundo
fardado...
Milton – Não, era somente o exército.
Lilia – Isso era mais ou menos que horas seu Milton? De manhã, quando o senhor viu?
Milton – Era umas sete horas da manhã, por aí.
Lilia – E me diga uma coisa mais, eu tinha perguntado, mas eu me esqueci de continuar a
pergunta, eles estavam cobertos quando o senhor viu? Estavam enrolados?
Milton – Eles estava lá, tudo enrolado lá.
Lilia – Mas dava pra ver a pessoa mesmo? Tinha muito sangue?
Milton – Eu não sei não, não dava pra ver direito, eles não deixavam não. Eles não deixaram eu
ver não. Aí não deu pra eu ver.
Manoel Moraes – O senhor podia mostrar pra gente mais ou menos onde era essa casa?
Lilia – Deixa eu perguntar uma coisa ainda. O senhor viu esse povo já morto as sete horas da
manhã, e esses tiros que o senhor tá dizendo, isso foi quando? Que horas?
Milton – Era tarde da noite. Mais ou menos umas onze horas da noite.
Manoel Moraes – Onze horas da noite? Que o senhor ouviu os tiros?
Milton – É. Aí quando eu vou as sete horas da manhã comprar bebida pro meu pai, não
deixaram eu olhar não. Foi eu mais o filho do finado Generino, ele morava aonde mora Geno
agora. Até o pai dele ouviu, de noite ouviu os tiros. Chamava seu Mané, o nome do pai dele, e
ele morreu também agora.
Lilia – E me diga uma coisa seu Milton, e esse pessoal quando vinha pra cá, eles chegavam a
pé?
Milton - Eles desciam por lá e subiam por aqui. Agora só que a casa era ali em baixo.
Lilia – mas quando eles vinham, eles vinham de lá. Do mar é? Do canal?
Milton – Não, eles vinham a pé. Eles moravam debaixo duns pés de jaca. Casa de taipa.
Lilia – Mas debaixo de um pé de jaca, aonde?
Milton – Senhora? Ali pra baixo.
Manoel Moraes – Pra gente é importante...
Lilia – Mostre pra gente...
Milton – E esses caras da polícia, tão anotando?
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Lilia – Não, é não. Esses meninos aí estão ajudando a gente. A gente trabalha na Comissão da
Verdade...
Milton – Eu sei...
Lilia – A gente tem que descobrir essas histórias todinhas como foi, pra fazer um livro
contando. E eles estão ajudando a gente a chegar nos lugares.
Manoel Moraes – Veja, já se passaram 40 anos, ninguém vai ser responsabilizado.
Lilia – Não se preocupe com isso não. O senhor era quase um menino na época...
Manoel Moraes – Esse trabalho que a gente tá fazendo é exatamente o levantamento dos
fatos pra fazer essa história como disse Lilia , pra escrever esse livro. Entendeu?
Lilia – A gente pode ir descendo por aqui?
Manoel Moraes – O senhor pode mostrar a gente?
Lilia – Não tenha medo não seu Milton, todo mundo aqui é do bem.
(risos)
Manoel Moraes – O senhor, como lembra, o senhor teve contato com eles ainda vivos? O
senhor conversou com eles assim?
Milton – Não, não.
Lilia – Mas chegou a ver eles vivos alguma vez?
Milton – Eles passavam por aqui.
Manoel Moraes – O senhor era adolescente, não é, jovem; eles falavam assim uma língua
diferente? Falavam português normal?
Milton – Eles falavam tudo carioca.
Manoel Moraes - Ah, sei, feito carioca. Não eram pessoas daqui. O senhor reconhecia que
eram de fora. Eles tinham alguma característica diferente? Por que na época o senhor devia
saber quem era daqui e quem não era. Tinha alguma coisa diferente? Como é que o senhor
caracterizaria?
Milton – Vou abrir o portão. (Pede aos netos pra pegarem a chave do cadeado do portãozinho
de ferro)
Milton – Eu lembro que o senhor já foi até na minha casa.
Manoel Moraes – Foi, mas foi um dia infeliz, por que o senhor estava doente. O senhor parece
que tinha tomado um remédio e estava bem debilitado. É uma coisa boa encontra-lo aqui.
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Lilia – Esse lugar é um lugar muito bonito, não é? Você olhar assim e ver esse marzão na sua
frente...
Joelma – Muito agradável.
Manoel Moraes – Eu me lembro até que o senhor comentou isso. Disse “olhe, eu não sei...
mas bonito é”. (risos)
Lilia – Ó, cuidado com o cupim que está dando aqui, senão vai pegar na sua cerca todinha.
(Abre o portão e seguimos andando na trilha à caminho do local aonde ficava a casa, dentro da
propriedade de D. Socorro que segundo seu Milton é uma pessoa muito brava e intratável.
Mas vamos por fora da propriedade, acompanhando a cerca divisória, por uma descida
íngreme e estreita).
Manoel Moraes – É por aqui, é?
Milton – A minha irmã fica com um medo medonho.
Manoel Moraes – Mas não tenha medo não. Não se aperreie não, a gente é como eu estou lhe
dizendo. Nós somos da Comissão da Verdade e o nosso trabalho é só de investigar o que
aconteceu. Por que essas pessoas, veja, até hoje essas histórias não foram contadas,
entendeu? Então a gente precisa exatamente contar o que aconteceu pra poder se saber ao
certo o que houve, não é? Mas quem dizia ao senhor que eles eram terroristas? O senhor falou
que eles eram terroristas, quem foi que disse ao senhor?
Milton – É que quando eu fui, aí meu pai pegou e me disse.
Manoel Moraes – Ah, entendi, foi seu pai que lhe contou.
Milton – Mas faz muito tempo.
Manoel Moraes – Cadê o povo? Tá vindo?
Lilia – Por isso que o relato diz que era um lugar íngreme pra subir, tá vendo?
Manoel Moraes – É isso mesmo Lilia. Cuidado aí, Lilia, pra escorregar aqui é um pulo viu?
Vamos ter cuidado aqui que ele tem prática mas eu não tenho não. Nós estamos descendo...
Lilia – Numa ravina enorme...
Manoel Moraes – Numa ravina, exatamente. Do lado oposto ao mar.
Milton – Agora, só que aqui é duma mulher que mora aí, chamada D. Socorro.
Manoel Moraes – A gente bate lá. E ela é dessa época ou ela veio depois?
Milton – Ela veio depois. Mas já faz um bocado de tempo que ele mora.
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Manoel Moraes – Sim, claro, mas não é da sua época de adolescente. E o senhor lembra se
eles faziam assim alguma plantação?
Milton – Faziam nada!
Manoel Moraes – Não faziam plantação não. E eles procuravam seu pai pra comer alguma
coisa, pra pedir uma macaxeira, um inhame?
Joelma – O pessoal que plantava aqui, vendia?
Milton – Não, eles viviam escondidos.
Manoel Moraes – Então, em princípio eles traziam a comida de fora.
Milton – Era ali ó. Debaixo desse pé de jaca.
Lilia – Tem esse coqueiro lá nas fotos.
Manoel Moraes - E como a gente entra ali?
(Estamos do lado de fora da cerca a uns 15 ou 20 metros do local indicado por seu Milton)
Milton - Só que vocês tem que ir por lá falar com D. Socorro.
Lilia – Ô seu Milton, deixe eu lhe perguntar uma coisa, daqui se vê a torre da Igreja? A torre da
Igreja fica pra que lado?
Milton – Pra lá.
Lilia – Ali, né? Então por trás desse pé de jaca ela aparece?
Milton – Sim.
Lilia - Ah, então é isso mesmo.
Manoel Moraes – Cadê Humberto?
Joelma – Eles foram pro lado de lá pra ver se identificavam o local pela foto da mata.
Manoel Moraes – Como é que a gente chega lá dentro?
Milton – Vocês tem que falar com a dona daí.
Manoel Moraes – Exato, mas aonde é que ela está?
Milton – Na casa dela. A casa dela é aquela de muro, lá.
Lilia – Cadê a torre da igreja?
Milton – Não dá pra ver não, mode o mato.
Lilia – Mas ela fica nessa direção é?
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Milton – É.
Lilia – Então é isso mesmo por que do fundo da casa ele (Jorge Barret) disse que se via a torre
da igreja.
Manoel Moraes– Exatamente. Seu Zito, vamos falar com D. Socorro pra gente fazer umas
fotos aqui. Por que o senhor está dizendo que aquela palmeira ali...
Lilia – ...está nas fotos.
Manoel Moraes – O senhor está dizendo que é entre aquelas palmeiras ali, é?
Milton – Onde tem o pé de jaca.
Manoel Moraes – Vamos. O senhor vai com a gente lá?
Milton – Ela não fala comigo não.
Manoel Moraes – A gente fala com ela.
Lilia – Manoel, vai devagar que seu Zito tá lá atrás.
(Estamos subindo a ravina que descemos há pouco, em direção à casa de D. Socorro pra tentar
ter acesso ao terreno)
Lilia – Manoel, diz à menina que não é pra dizer que foi seu Milton que mandou a gente lá.
Manoel Moraes – Seu Mitão, a gente vai falar agora com D. Socorro, vai pedir autorização e
vai pedir que o senhor entre com a gente, viu?
Milton – Eu entrar com o senhor? (Assustado)
Manoel Moraes – É, pra gente ver o local. Não se aperreie não.
Milton – Eu não quero ir lá não por que ela não fala comigo.
Manoel Moraes – Então tá certo.
Lilia – Seu Milton, quando o senhor viu os soldados, o senhor ficou com medo?
Milton – Mas claro que fiquei.
Joelma – O senhor pensou que era assalto, era?
Lilia – Mas o senhor pensou que era o quê?
Milton – É por que quando eu vi os soldados eu fiquei com o maior medo, aí o nome do filho
do homem se chamava Bil, e eu disse “Olha pra aí o que é soldado ali”. Eu fiquei com tanto
medo que meu (ininteligível) ficou todo se tremendo. Deu vontade de eu voltar pra casa. Aí
eles disse “Não, venha, se aproxime, venha. Se aproxime. Vocês vão pra onde?” Eu disse “Eu
vou comprar uma caninha pro meu pai ali.” Ele disse “Tá certo. Não diz a ninguém ali por baixo
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o que tu viu, não, viu?” Eu digo “Fique frio”. Aí quando eu vim m’imbora, subi mais o outro
colega meu que vinha mais eu, aí eles já tinham levado o corpo.
Lilia – Já tinham levado? Quer dizer que o senhor não viu na hora que carregaram não, né? Se
foi de carro, de helicóptero...
Joelma – O senhor demorou pra voltar?
Milton – Eu não sei de que foi.
Manoel Moraes – Mas eles estavam de carro. Quantos carros, o senhor lembra?
Milton – Tinha muito carro.
Lilia – Mas era carro grande, carro pequeno, era o quê?
Manoel Moraes – Você lembra o tipo de carro?
Joelma – Você falou também de um avião, era um avião ou um helicóptero?
Milton – O helicóptero foi que deu fé, aí os homens vieram buscar.
Lilia – O helicóptero localizou?
Milton – Localizou, aí eles vieram acabar com eles.
Lilia - Mas eles faziam o quê aí?
Milton – Eu não sei. Ele era daquele povo que gosta de ser sequestrador, e matar, fazer isso e
aquilo outro, pegar... pegar... vocês se lembram que pegaram a filha de Silvio Santos?
Lilia – Sim, aquilo foi um sequestro.
Milton – Sim, eles gostavam de pegar uma criança assim... sequestrar, compreendeu? Aí se o
pai tivesse dinheiro tudo bem se não tivesse eles matava.
Lilia – Mas eles chegaram a pegar alguém quando estavam aqui?
Milton – Não, eles pegavam de fora.
Lilia – Mas quem contou essa história pro senhor? Como é que o senhor sabe disso?
Milton – Não... por que... porque... o pessoal daqui mais idoso gostava de contar pra mim
essas histórias. Era meu pai, o finado Generino, Mariano que morreu o outro finado ali em
baixo. Aí diziam eles que era esses cabras que gostavam de pegar assim, sequestrar pra o pai
soltar dinheiro pra eles entregarem a criança.
Lilia – E eles tinham cara de gente má?
Milton – Tinham. Tinham uma cara má.
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Lilia – E o senhor via eles?
Milton – Ôxi, ele ia pra ali pra baixo...
Lilia – Pra beira do canal?
Milton – Um homem que tinha aí pra baixo, já morreu já, chamado seu Severino, eles iam pra
lá...
Lilia – Era uma casa era, que tinha ali?
Milton – Era.
Lilia – E eles iam pra lá.
Milton – Eles iam pra lá. Iam pra lá comprar leite pra eles tomar, leite fresco.
Lilia – Ah, o homem tinha vaca?
Milton – Tinha vaca, era. Aí ele ia comprar leite, ia pedir manga lá, a gente dava manga a eles...
Lilia – É descendo aí... (em direção ao canal de santa Cruz)
Milton – É, lá pra baixo. Aqui ó, lá pra baixo...
Manoel Moraes – Perto do rio não é?
Milton – Da maré.
Lilia – Eles tinham barco?
Milton – Não sei, eu só sei que eles passavam, o caminho era por dentro dessa granja que fica
perto da minha aí.
Manoel Moraes – E o senhor viu ou se recorda, ou alguém falou que eles tinham armas?
Milton – Eu não sei dizer.
Manoel Moraes – O senhor viu alguma vez eles armados?
Milton – Não. Nunca vi.
Manoel Moraes – Alguém comentou?
Milton – Não, nunca vi. Só sei que ele ia lá, eu trabalhava lá com o senhor lá, aí ele ia lá,
comprava leite lá, pedia manga lá, que se dava a eles.
Lilia – Manoel, tem uma foto de Eudaldo aí?
Manoel Moraes – Tenho.
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Milton – O homem dava leite a eles lá. Aí pronto, aí quando foi nesse dia que eu fui comprar a
bebida pra o meu pai, eu e esse menino que eu tô dizendo que chamava Bil, aí a gente quando
ia se aproximando assim... aí eles “Não, não não. Não é pra olhar nada aqui não.” Mesmo
assim, mesmo assim. Não é pra olhar nada aqui não. Aí a gente passemos, passemos,
passemos, quando a gente subiu, os corpo já não estava mais lá. Já tinham levado. Aí foi
tempo que eu também saí daí por que o cabra também não pagava nada a mim nem dava
nada a mim, de lá pra cá eles não apareceram mais...
Lilia – (mostra algumas fotos, não conseguimos a de Eudaldo) O senhor se lembra desse cara?
Milton – Não. De nenhum deles aí.
Lilia – Eu estou querendo ver se eu acho a foto desse que morava aí em cima, que ia comprar
leite...pra ver se o senhor se lembra dele.
Joelma – Esse que vendia o leite era agricultor, era?
Milton – Era.
Manoel Moraes – Olhe, o senhor lembra, quando o senhor foi comprar essa bebida pra seu
pai, o senhor lembra que ano era? Faz uma ideia assim?
Milton – Isso foi no ano de dois mil...dois mil e hum...
Manoel Moraes – É?
Lilia – É mais fácil...ele tinha 18 anos.
Manoel Moraes – O senhor tinha 18 anos não era?
Milton – Era. Faz muito tempo, muito tempo isso. Pronto, aí foi tempo que eu fiquei tomando
conta daqui.
Lilia – O dono daqui era quem?
Milton – Uns cabeludo.
Lilia – Cabelo grandão mesmo?
Milton – Era, grandão mesmo. Agora, só que eles...
Lilia – O senhor lembra o nome deles?
Milton – Um chamava seu Clóvis. Aí de lá pra cá, a finada minha mãe ainda era viva, aí não
apareceram mais nenhum. Eram muitos. Aí minha mãe disse assim “Meu filho vai fazer uma
casa lá, por que vocês nunca deram um trocado a ele”. E de fato, nunca deram um trocado a
eu não. Uma vez, tinha um menino aqui que vendia caranguejo, aí eu vim aqui pedir um
trocado a eles. Aí ele disse: “Tem não. O que eu tinha eu comprei de caranguejo”. Mesmo
assim. Mas isso já faz muitos anos que eles... eu tomava conta da granja e eles nunca deram
nada a mim. Aí eu construí essa casa aí. Fui poupando, comprando tijolo, pronto, aí eu tô com
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vontade de pegar os documentos dela, fazer os documentos dela. Minha mãe perguntou ao
que tinha o cabelão grandão, e aí de lá pra cá eles não apareceram mais. Aí eu venho aí, dou
uma roçadinha aí, meu menino tá com uma plantação de macaxeira aí. E eu venho, tomo conta
de lá, moro lá e aqui, aqui eu trabalho. Por que eu gosto de trabalhar. Aí pronto, meu menino
é que está olhando aí, que eu deixei ele olhando aí. E um dia eu vou fazer um documento
daqui. Vou andar, que eu tenho um advogado que eu conheço e vou ver se eu faço o
documento. Por que eu estou com vontade de ver se eu faço negócio. Vender. Aí tem que ter
o documento. Chegou um camarada um dia aqui e botou 30 mil e eu tô pedindo nela
cinquenta mil. Aí pra comprar a casa não dá não, por que aonde eu estou morando não é meu
não. Lá não é meu. Agora meu é aqui, fiz essa casinha aí, gastei, eu gastei somente nessa casa
aí eu gastei pra mais de dois mil real. Aí eu tô pedindo 50 mil. E o cara botou 30 mil. O que é
que eu vou fazer com 30 mil, me diga? Eu tô sempre por aqui, todo dia, por que eu tenho
medo que o pessoal invada.
Manoel Moraes – Mas o senhor entenda. A gente não tem nada com isso, viu. O negócio da
gente não é a sua posse, não é a questão... não tem absolutamente nada a ver com isso.
Milton – É por que naquele dia mesmo meu irmão ficou com medo, com esse negócio de
polícia...
Manoel Moraes – Não, a preocupação da gente é contar o que aconteceu com essas pessoas
que foram mortas aqui, entendeu? A gente não está discutindo a propriedade. Vamos
encerrando essa primeira gravação da visita local da Granja, 30 de setembro de 2015.
OBS: Após encerrada a gravação conseguimos localizar a foto de Eudaldo e mostrar a seu
Milton que o reconheceu como o rapaz que ia compra leite e pedir mangas. Ficamos de
retornar para regravar o reconhecimento mas não houve mais tempo.
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