Violência e Mídia: uma abordagem do terror
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RENATA DE SOUZA PRADO
VIOLÊNCIA E MÍDIA: ABORDAGEM DO TERROR
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS2011
RENATA DE SOUZA PRADO
VIOLÊNCIA E MÍDIA: ABORDAGEM DO TERROR.
Artigo científico produzido para a disciplina de Seminário de Mídia e Cidadania, sob orientação da Prof. Simone Tuzzo.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS2011
VIOLÊNCIA E MÍDIA: ABORDAGEM DO TERROR
Renata de Souza Prado
ResumoO presente artigo tem como objetivo explorar a relação entre mídia televisiva e
violência do ponto de vista social, verificando como essas variáveis afetam o indíviduo enquanto ser social, que tem papel determinante para uma coletividade. O trabalho busca também antever timidamente como essa relação se transplanta para as redes sociais.
Palavras-chaveMedo, sociedade, mídia, televisão, ideologia, violência urbana..
Introdução
Sabe-se que a temática da violência urbana é um dos recheios favoritos dos
noticiários televisivos. O cidadão comum chega em casa após um dia de trabalho
regular e ao ligar a TV, assiste junto com os gols do seu time e as fofocas das
celebridades a realidade do seu bairro, da sua cidade. Em grande parte, notícias de
crimes: assaltos, assassinatos, seqüestros.
É comum ouvir dizer que uma determinada ocorrência policial aumenta em
função de seu maior noticiamento na mídia. Ou seria o contrário, se existem mais
ocorrências consequentemente este se torna um assunto de maior relevância?
Nos Estados Unidos, por exemplo, mais de 10 anos após os ataques
terroristas de 11 de Setembro, mesmo que as vítimas desse tipo de violência
tenham uma representação mínima dentro de uma escala estatística global, a
impressão que se tem de uma análise mesmo superficial da mídia, é a de que o
assunto continua com relevância hiperbólica.
Muito se fala na responsabilização da mídia pelos medos auferidos e no
seu uso para manipular a opinião pública e transmitir ideologias. Pode-se falar
então em uma cultura do medo propagada pela mídia de uma forma geral? E
principalmente, surge uma necessidade grande de atestar os fatos: a informação
noticiada corresponde à realidade social? As estatísticas da criminalidade estão de
acordo com a realidade? No que isto afeta os cidadãos? Como percebemos
acima, no caso dos Estados Unidos com o terrorismo, grande parte da informação
veiculada corresponde a uma realidade estatisticamente desconsiderável.
Esta reflexão torna-se muito importante à medida em que a sociedade
converge para uma realidade preocupante, um estado de vigília e isolamento e uma
condição de medo social alarmantes. Alguns valores e direitos do cidadão como a
liberdade e a privacidade são reavaliados e uma nova ordem surge, com
modificações estruturais até relativas ao próprio Estado, como alteração de sistema
legislativo.
O contraponto de estatísticas e a reflexão sobre a espetacularização da
violência na mídia convidam os indivíduos e a sociedade enquanto organização
coletiva a buscarem soluções mais viáveis para a questão da violência urbana,
problema tão grave no país.
A busca pela verdade no discurso da televisão é importante porque esta é
uma mídia de massa, importante para a formação de opinião pública. O
telespectador deve sair de sua condição vulnerável, passível de manipulação.
Deve-se desincentivar a criação de expectativas e sentimentos com relação à
violência que muitas vezes não fazem parte da realidade, assegurando assim a
liberdade do indivíduo.
Esse cenário de forma alguma desmerece a questão da violência urbana no
país, e sim convida a um debate mais consciente e cidadão, que seja menos
imediatista e irresponsável. Cada elemento observado à parte, poderá dar uma
direção sobre qual caminho tomar na caminhada rumo à proposição de estratégias
eficazes no combate à violência.
1. O medo da violência urbana
O medo tem várias formas de entendimento, não apenas como instinto de
sobrevivência e reações químicas e físicas corporais. Num plano filosófico, o
medo deve ser considerado paixão, pelo fato de dar sentido à existência da alma,
assim como outras paixões. Objeto de estudo de autores como Kierkegaard, que
o abordou como desespero humano, e também Espinosa, num de seus
cadernos Ethica, esteve presente em obras famosas como Macbeth e Otelo, de
Sheakspeare, e vários outros ainda que o consideraram como paixão, e que com
isso mostraram um pouco dos efeitos do medo na alma e na psique humanas.
Na externalização do medo, ocorre também deslocamento para os outros,
de quem se passa a ter medo. A paixão oposta nesse caso é a segurança, que se
identifica com a “ordem e suscita o pavor quanto a tudo que pareça capaz de
destruí-la internamente” (CHAUÍ, 1995, p.41), e continua sendo ambígua pelo fato
de gerar reações tão distintas, quando o indivíduo geralmente age ao contrário do
que deveria, e numa nova releitura, segundo a autora opondo o medo não à
coragem, mas à prudência.
Paixão triste, o medo então nunca poderá ser extinto, podendo ser
apenas diminuído pela presença de outras paixões, maiores a ele. Da condição
de mortal do homem, e dessa interdependência de outras paixões, o medo
nasce de forma articulada, nascendo o que a autora chama de “sistema do
medo”. O funcionamento deste sistema baseia-se na existência do medo, de
seus opostos e das conseqüências geradas para a alma humana. A esperança
contrapõe-se ao medo, mas os dois são sentimentos provenientes de situações
incertas.
O sistema do medo não se refere então ao presente, mas a algo que ficou
no passado, ou a expectativas do que ocorra no futuro, sendo constituído o
presente de paixões passadas e futuras, e que gera crenças e vícios mortais na
mobilização das paixões, como por exemplo, a superstição associada à alienação,
e conseqüentemente, segundo o conceito de Marilena Chauí, em outra de
suas obras, ideologia (CHAUÍ, 1991).
Depois de um entendimento sobre as manifestações físicas e psíquicas do
medo, torna-se necessário entendê-lo como instrumento, que altera
personalidades, produz reações em massa, e principalmente, é objeto de
controle, se considerarmos o medo social. Essa fabricação do medo no plano
social é inevitável e vital para a construção das sociedades, segundo Delumeau:
“Porque é impossível conservar o equilíbrio interno afrontando por muito tempo uma angústia incerta, infinita e indefinível, é necessário ao homem transforma-la e fragmentá-la em medos precisos de alguma coisa ou de alguém. ‘O espírito humano fabrica permanentemente o medo’ para evitar uma angústia mórbida que resultaria na abolição do eu. É esse processo que reencontraremos no estágio de uma civilização. Em uma seqüência longa de traumatismo coletivo, o Ocidente venceu a angústia ‘nomeando’, isto é, identificando, ou até ‘fabricando’ medos particulares”. (1996, p. 26)
Além disso, e logicamente, o medo está intrinsecamente ligado à violência.
Esta pode dizer respeito a vários tipos de atitude, dependendo de fatores
jurídicos, sociais, variando também de comunidade a comunidade. A mais
abrangente definição de violência vem do autor Yves Michaud (1989, p.10-11):
“Há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais”.
Passando agora ao contexto urbano, a sociedade está cada dia mais
amedrontada com assaltos, assassinatos, seqüestros, estupros e várias outras
formas de agressão ao indivíduo e à coletividade. Estando estes dois elementos
desta maneira atados, relaciona-se facilmente o medo também à agressividade,
um dos “componentes” emocionais dos seres humanos.
Alguns autores defendem a idéia de que a linha divisória entre humanidade
e bestialidade é extremamente tênue, como é o caso de Muniz Sodré e Raquel
Paiva (2002):
“É partindo da analogia platônica entre homens e animais com e sem chifres que Sloterdijk descreve o processo civilizatório como uma lenta extirpação dos chifres (simbolização da natureza selvagem ou animalesca) rumo a uma domesticação que, levemente arranhada, exporia uma subcutânea animalidade. Daí, sua insistência a respeito do fenômeno da monstruosidade como característico da humanidade atual, citando o apocalipse atômico e as experiências genéticas”.
A violência e a agressividade seriam então inerentes ao homem, sendo
parte de suas vidas, e até sendo algo em que eles sentem certa quantidade de
prazer, e aí relacionando isso ao medo surge o conceito que alguns psiquiatras
nomeiam de objetivação, em que o homem não sendo vítima da violência,
contenta-se com a posição de observador, ou como observa Delpierre (19[?]
apud DELUMEAU, 1996, p. 30), “o homem [...] encontra prazer em
escrever, ler, ouvir, contar histórias de batalhas. Assiste com certa paixão
às corridas perigosas, às lutas de boxe, às touradas. O instinto combativo
deslocou-se para o objeto”.
Num contexto social, fica clara essa associação entre medo e violência, a
partir dos momentos que novas formas de sociabilidade são criadas, levando a
conseqüências como o isolamento, e várias outras modificações no
comportamento de indivíduos, comunidades e outros grupos. A agressividade
neste caso está diretamente ligada ao grau de segregação, marginalização e
privação dos indivíduos, situações traduzidas em pobrezas, carências, convívio
familiar arruinado e outros fatores desagregadores. Essa ligação de violência a
medo cria também ações discriminatórias ineficientes no combate à violência nas
grandes cidades, como a segregação em favelas, e a grande disparidade
econômica e social criando medo de alguns grupos por outros. Altera-se a
estrutura social (tanto em forma quanto em comportamento) em virtude de uma
situação isolada. A pesquisadora Luzia Fátima Baierl (2004, p.20) chama esse
cenário de medo social, e assim o caracteriza:
“A violência urbana tem ampliado o que denominamos medo social. Medo esse construído socialmente e que afeta a coletividade. Trata-se do medo utilizado como instrumento de coerção por determinados grupos que submetem pessoas aos interesses deles [...] Ameaças reais, vindas de sujeitos reais, são contrapostas a ameaças potenciais típicas do imaginário singular coletivo, produzido pelos índices perversos do crescimento da violência nas cidades. [...] Os sentimentos generalizados são de insegurança, ameaça, raiva, ódio, medo e desesperança”.
2. A espetacularização da violência pela mídia
Fala-se muito na espetacularização da TV, mas o que não foi ela, e não
somente ela, mas também o cinema, a fotografia e o rádio, senão formas de
espetáculo? O homem sempre precisou de uma ponte que ligasse o real, sua
vivência, com seu imaginário, funcionando como uma válvula de escape para os
problemas do cotidiano. Seja para unir amigos em torno de uma simples partida
esportiva, ou servir de companhia a um trabalhador cansado, ansioso apenas por
ouvir ao invés de falar. A televisão cumpre bem esse papel na transmissão de
novelas, noticiários, esportes, filmes e mais uma variada gama de atrações.
Para cumprir essa função o espetáculo é inevitável, estabelecendo “tensão
entre momentos de fantasia liberada e restabelecimento do esquema da ordem”
(MARCONDES, 1988, p. 40). Diz também o autor (Ibid., p.41) que “o
espetáculo é a linguagem da televisão. E é segundo a lógica do espetáculo – a
única lógica possível à TV – que tudo nela é transmitido”.
A mídia atual, no formato em que a conhecemos, é força geratriz
constante de controvérsias e polêmica. Adaptada a formas alucinadas de
consumo, transmite idéias e conceitos efêmeros, com uma estética distorcida
e tresloucada, que promove valores do consumo de massa, e uma
revolução de imagens quase que permanente. Ocorre uma retroalimentação
entre meio e cultura, em que muitas vezes, valores como a tradição oral, são
deixados para trás, em virtude do que é pop, urbano e capitalista. A sociedade
assiste à construção presente da história em tempo real, principalmente com o
que se vê na TV, confirmando que:
“é aos mass media que se deve o reaparecimento do monopólio da história. De agora em diante esse monopólio lhes pertence. Nas nossas sociedades contemporâneas é por intermédio deles e somente por eles que o acontecimento marca a sua presença e não nos pode evitar. [...] Imprensa, rádio, imagens não agem apenas como meios dos quais os acontecimentos seriam relativamente independentes, mas como a própria condição de sua existência”. (NORA, 1995 apud BARBOSA, 2003, p. 116)
É de uma análise da TV, de imagem e discurso, que surge a relação entre
os fatos e a realidade, e que se pode realmente iniciar um julgamento de valor.
Usualmente, a televisão leva a responsabilidade por vários desvios sociais. Aqui
a citam como incentivadora da violência, dos maus costumes, libidinagem e outras
perversidades. Mas há fatores importantes a serem considerados antes de
atribuir à TV a responsabilidade. Não há como negar um envolvimento sedutor
de homem e imagens, e toda a persuasão que cerca a linguagem televisiva,
mas em termos de sociedade, “todos os meios de comunicação antes confirmam
do que alteram as opiniões gerais e refletem as normas sociais. Em ambos os
casos atuam como força conservadora”. (GOODLAD [19-?] apud MARCONDES,
1988, p.28).
A psicanalista Maria Rita Kehl (2002, p. 171) afirma ainda que a relação do
indivíduo com o meio “quase que independentemente dos conteúdos desse
discurso (da TV) – é uma relação imaginária, que se rege prioritariamente pela
lógica da realização de desejos. Portanto, prescinde do pensamento”. Houve
épocas no estudo das teorias da comunicação quando se considerou a audiência
passiva e receptiva de tudo, como quando segundo a Teoria Hipodérmica
os meios são vistos como onipotentes, causa única e suficiente dos efeitos
verificados.
Telespectadores são diferentes não apenas quanto a dados básicos
como os supracitados, mas também quanto a vivência, hábitos e caráter
psicológico. Pesquisas realizadas por Nathan Katzman (MARCONDES, 1988, p.
82) mostram que quanto menor a renda e o nível educacional da população,
mais estas assistem à televisão.
O que, então, faz com que a mídia esteja no meio de tanta discussão e
polêmica sobre manipulação ideológica? Algo simples de enxergar, é que
qualquer informação ou notícia repassada precisa de credibilidade. A televisão é
apenas um instrumento, muitas vezes controlado por grupos capitalistas
poderosos, e que em muitos países estão ligados ao próprio governo. “Culpar a
TV é localizar erroneamente o verdadeiro inimigo”. (MARCONDES, 1988, p. 8)
Alguns recursos retóricos empregados no jornalismo, como imparcialidade e
distanciamento, e na publicidade, como uso de silogismos (CITELLI, 2000, p.43),
acabam trabalhando na mente humana uma intrincada forma de persuasão,
aditivada com jogos de elementos emocionais e figuras de heróis e bandidos
(Ibid., p. 64-66) capazes de definir formas de pensamento e transmitir ideologias
ao telespectador.
A relação da mídia com a violência torna-se fatídica na medida em que
aquela vive da transmissão de informações, e que esta é talvez um dos aspectos
sociais mais recorrentes da modernidade capitalista. Especificamente no caso
da televisão, somam-se a força das imagens, naturais ou enganosas, e a
própria disseminação de dados sobre a violência, que causa medo na população.
Diz Yves Michaud que:
“A mídia precisa de acontecimentos e vive do sensacional. A violência, com a carga de ruptura que ela veicula, é por princípio um alimento privilegiado para a mídia, com vantagem para as violências espetaculares, sangrentas ou atrozes sobre as violências comuns, banais e instaladas.” (1989, p.49)
Aqui, como foi citado anteriormente, tem lugar ainda a generalização da
informação, quando se comprova que muitas das pessoas que têm medo da
violência nem sequer foram vítima dela, mas ouviram alguém contar um caso,
ou viram na TV. Em cidades pacatas e pequenas do interior temem com a
mesma intensidade os males da cidade grande. Mas ao mesmo tempo, essa
sensação de que tudo se sabe sobre os acontecimentos com relação à
violência, pode mais aproximá-la do sensacionalismo do que da verdade. Isso é
extremamente comum com o exagero das estatísticas, as manipulações de uso
político que causam mais mal estar do que a realidade permite.
“A fala do crime, tanto pelas pessoas como pela divulgação na
mídia tende a ampliar a sensação e os sentimentos de medo e insegurança nos grandes centros urbanos. Trata-se de uma fala fragmentada, que amplia o medo e não potencializa formas de solucionar a violência.” (BAIERL, 2004, p.61)
Um fato cada vez menos recorrente é a questão do tratamento das
imagens da violência, causando ainda mais sensacionalismo. Antes havia uma
preocupação de abrandar imagens, ou como diz Michaud (1989, p. 51), “mostrar
a violência com celofane”. Na TV, onde o impacto é maior, há ainda alguma
preocupação, mas no geral o que ocorre é a tendência em mostrar a
realidade exatamente como ela é, com o objetivo de chocar mais e talvez
causar mais medo, ocorrendo isso principalmente em fotos de revistas.
O fotojornalismo já não é mais o mesmo, existindo agora agências
especializadas em tratar imagens, conferindo mais dramaticidade (e menos
imparcialidade) ao exposto.
Além disso, no caso da violência, há sempre a preocupação de atribuir
culpados, como afirma Sérgio Adorno (2002, p. 184):
“Outro tema freqüente é o das causas da criminalidade. Jornalistas, autoridades e público são estimulados a refletir e a expressar opiniões a respeito das causas da criminalidade. Essas opiniões têm, na verdade, uma grande variabilidade. Mas em linhas gerais, podemos dizer que, em períodos de grande crise social, há o que se denomina sociologização das causas, isto é, a crise econômica – falta de emprego, más condições de vida – explicaria a criminalidade. Quando a crise fica mais ou menos contida, a tendência é psicologizar as causas da criminalidade.”
Para muitos, o alerta na mídia sobre a violência, é de certa forma bom
para mostrar que ela é ruim e errada. O medo torna-se um instrumento
pedagógico para forçar novos comportamentos e novas atitudes. Para outros, só
serve para aumentar o alarde e fazer com que as pessoas temam mesmo os
crimes que não há possibilidade quase nenhuma que se ocorra com elas, como
por exemplo, seqüestros.
3. Um novo horizonte para a relação entre a mídia e violência?
Visto esse cenário, percebemos que o indivíduo enquanto ser colaborador do
bem estar geral da sociedade fica um tanto quanto sem poder de ação, uma vez que
na sua relação com a mídia de massa ele não está totalmente inserido no processo
de forma colaborativa.
A informação vem da TV pré- moldada de forma a reforçar (ou em alguns
casos mudar) uma opinião pública pré-existente, de acordo com interesses de
terceiros. Com o surgimento de novas tecnologias, do ambiente da internet e da
grande adesão dos indivíduos às redes sociais, passamos a ter um novo paradigma
comunicacional.
O teórico da comunicação Marshall McLuhan talvez seja o que melhor explica
essas mudanças do ponto de vista da importância que os meios adquirem. Na nova
era da comunicação, entender os meios significa entender a mensagem, de acordo
com a célebre sentença do pensador.
Segundo as dimensões analisadas por André Lemos (2002) pode-se
considerar o ciberespaço como indexador dos mais variados tipos de meios, que
cada vez mais estão inseridos numa situação de inter-dependência entre si. Daí
vemos também a relação de inter-dependência de um meio com relação a outro.
Nenhum meio existe por si só, por exemplo: o cinema sempre se apropria da
literatura, da TV ou mesmo de uma história falada. Nos dias atuais percebemos isso
também na própria internet: os tópicos populares do twitter quase sempre tem uma
relação muito direta com os tópicos de audiência da mídia televisiva por exemplo,
como mostrou uma pesquisa recente do IBOPE.
“A principio, o “conteúdo” de qualquer meio ou veículo é sempre um outro meio ou veículo. Por sua vez, a “mensagem” de qualquer meio ou tecnologia é a mudança de escala, cadência ou padrão que esse meio ou tecnologia introduz nas coisas humanas”. (McLUHAN, 1974, p. 22)
É importante perceber neste contexto que segundo o pensamento de
McLuhan, a evolução da tecnologia em cada uma de suas etapas provoca
mudanças estruturais na sociedade. Isso acontece meio que ao acaso já que o
surgimento de uma tecnologia não ocorre por uma tentativa isolada do
desenvolvimento técnico em si, e sim de uma tentativa de transformar, reproduzir e
documentar as experiências do homem (MCLUHAN, 1974, cap. 6).
Assim, o sentido natural e que é uma realidade percebida é de que a
correlação das novas tecnologias com a mídia de massa nada mais é do que uma
amplificação da mensagem através de um novo meio e o reforço de uma ideologia
pré-existente. De fato, se analisarmos as redes sociais veremos essa extensão da
opinião pública provocada pela mídia de massa. Até aí nenhum avanço.
Mas e se pudermos pensar num cenário diferente e mais positivo para as
questões da violência e da cidadania? Afinal na internet temos um elemento novo
que não tínhamos na mídia de massa que é o seu caráter colaborativo. Essa
característica dá vazão a um outro conceito desenvolvido por McLuhan, que é o da
aldeia global, e que pode ser útil para compreendermos esse novo cenário que
poderá ser criado.
Este espaço da aldeia global nada mais seria que um espaço de
convergência, em que toda a evolução tecnológica estivesse caminhando no sentido
de formar uma aldeia, em que em qualquer instância seja possível a comunicação
direta, sem barreiras.
Mais importante que o que se diz é como se diz: o meio é fundamental na
intercomunicação e muitas vezes depende só dele o sucesso do processo
comunicacional no sentido de estabelecer comunicações globalizadas. Quando
analisamos os conflitos de países distantes, e acompanhamos em tempo real as
notícias que em outrora demorariam muito mais para chegar até nós, percebemos a
evolução da tecnologia no sentido de formar a aldeia global.
McLuhan chamou esse processo de implosão, que é o resultado das
tecnologias fragmentárias e mecânicas. Segundo McLuhan, citado por Gomes
(1997, p. 115):
“Durante as idades mecânicas projetamos nossos corpos no espaço. Hoje, depois de mais de um século de tecnologia elétrica, projetamos nosso próprio sistema nervoso central num abraço global, abolindo tempo e espaço(...). Estamos nos aproximando rapidamente da fase final das extensões do homem: a simulação tecnológica da consciência, pela qual o processo criativo do conhecimento se estenderá coletiva e corporativamente a toda a sociedade humana, tal como já se fez com nossos sentidos e nossos nervos através dos diversos veículos”.
Nesse sentido, a aldeia global é colaborativa e podemos perceber dois lados
da mesma moeda nesse cenário. De um lado temos a cooperação, o
comportamento tribal no sentido de manutenção da ordem: talvez a utopia criticada
na aldeia global de McLuhan tenha algum sentido – a união em favor da melhoria. O
compartihamento e o engajamento que hoje são princípios por exemplo das redes
sociais, servem para um bem maior: mesmo com um sistema judiciário falho para as
questões do ciberespaço, nunca tivemos cidadãos tão engajados e vigilantes. Esse
é um avanço considerável para a cidadania.
Partindo daí poderíamos imaginar um sentido inverso do discutido
anteriormente: uma forma de comunicação que surge na internet para então depois
chegar à mídia de massa. Qual seria a grande questão nessa inversão de sentido?
O que tem sido percebido nos movimentos que seguem esse caminho contrário é
que na maioria das vezes são uma reivindicação popular. Ou seja, na internet o
povo tem voz ativa, num grau bem maior do que na mídia de massa.
Isso se torna de grande valia para as questões dos direitos, da democracia e
da cidadania. Mas ainda existem questões a serem consideradas no uso das novas
tecnologias principalmente quando o foco está na violência urbana. Existe uma
discussão generalizada a respeito de variáveis como superexposição, por exemplo.
Os cidadãos tem mais liberdade para usar a internet e as redes sociais, mas o
excesso de exposição (e também o anonimato que a internet ainda permite) não
estará comprometendo o exercício da cidadania e o direito do indivíduo à
segurança?
É um pensamento quando se trata por exemplo das redes sociais de
geolocalização. Na Inglaterra foi constatada a relação direta entre a exposição de
indivíduos em redes sociais do tipo e a freqüência de crimes como assaltos e
seqüestros em alguns locais, como portas de bancos, por exemplo. Mas nesse caso,
o próprio ambiente da internet propiciou o exercício da cidadania: foi criado um
aplicativo (http://www.fearsquare.com) que alerta as pessoas dos índices de
criminalidade dos locais em que elas costumam fazer check-in.
No Brasil alguns blogs já começaram a fazer essa reflexão, mas qual será a
correlação exata em nosso país, uma vez que o brasileiro está cada vez mais
conectado nas redes sociais, e cada vez se expõe mais? Neste caso é necessário
confrontar os fatos reais, inexistentes, com a opinião pública que parece já estar se
formando, de uma forma ou de outra.
Conclusão
Ao final, o cenário me parece mais positivo do que o contrário. A democracia
e o exercício da cidadania caminham junto com o reconhecimento e a luta pelos
novos direitos, e a mídia deve ser enxergada como aliada nessa evolução.
Quando considerávamos apenas a mídia televisiva não existia um cenário de
colaboração tão forte e desenvolvido. A discussão de idéias e a criação de um
espaço comum em que a sociedade pudesse expressar suas opiniões e contribuir
para a formação de uma opinião pública consciente ficava limitada a espaços
comunitários. Com o desenvolvimento das novas tecnologias, a percepção de tempo
e espaço foi alterada e esse lugar comum passou a não ser exatamente mais físico.
A rede, ou ciberespaço passou a ser o ponto de encontro de cidadãos para o
desenvolvimento de novas idéias e para o exercício da cidadania. Hoje vários
movimentos se iniciam na internet, nas redes sociais, como uma pequena idéia
embrionária que aos poucos toma forma e ganha as ruas, ganha a mídia.
O sentido do movimento deixou de ser unilateral, deixou de partir do sentido
da mídia de massa para ampliação em outras mídias. Podemos perceber agora as
idéias surgindo não dos grandes conglomerados de comunicação, mas dos
cidadãos, dos indivíduos, tomando forma e crescendo.
Para a nossa democracia essa reversão ainda que tímida é fundamental. O
novo caráter colaborativo da informação dá novo ânimo ao desenvolvimento da
democracia. Na questão da violência urbana, apesar das estatísticas, a vigilância e o
zelo que essa aldeia global proporcionam compensam e são uma nova forma do
indivíduo participar ativamente do sistema.
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