VILIPÊNDIO E INTERNET

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VILIPÊNDIO E INTERNET Helena Brígido 1. INTRODUÇÃO O Código Penal Brasileiro dispõe no Capítulo II DOS CRIMES CONTRA O RESPEITO AOS MORTOS, em que o artigo 212 institui: Vilipendiar cadáver ou suas cinzas. Pena - detenção, de um a três anos, e multa. O núcleo do artigo é o verbo vilipendiar, mas o que significa? É aviltar, ultrajar, ofender, desprezar, depreciar o cadáver ou as cinzas. É uma ação que ocorre após a morte, pois o vilipêndio resulta de uma ação nova e de independente motivação do agente (animus) para um corpo humano sem vida. É um obséquio aos vivos, e não aos mortos previsto no art.138, §2º do Código Penal Brasileiro, que dispões sobre calúnia contra os mortos. Para Capez o tipo penal não exige nenhum elemento subjetivo do tipo, mas Magalhães Noronha tem um entendimento diverso em que refere que o tipo penal exige, além do dolo genérico, o dolo específico que é o elemento subjetivo do tipo, consistente no fim de transgredir ou violar o sentimento de piedade com os que não mais vivem (Capez, 2004). As causas excludentes de ilicitude estão no art.163 do Código de Processo Penal que autoriza a exumação para exame cadavérico para fins específicos. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, pois é definido como crime comum. O bem jurídico lesado é o respeito ao morto pela família, amigos e todos que o conheceram, portanto os sujeitos passivos são as pessoas individualmente e a coletivamente. Sobre o sujeito passivo, Mirabete refere com sendo a coletividade destituída de personalidade jurídica e formada pelas pessoas da família do falecido. Masson refere como sendo a coletividade (crime vago), pois a moralidade média reclama o respeito aos mortos. O objeto material é o corpo humano sem vida ou as cinzas do morto. O elemento subjetivo é o dolo genérico, consistente na vontade livre e consciente de praticar ação de vilipêndio a cadáver ou cinzas do referido corpo. É preciso mencionar a existência de dolo específico, isto é, a intenção de tratar o cadáver com desrespeito. O elemento subjetivo especial do tipo é constituído pelo fim especial de aviltar, vilipendiar, sendo necessária para configuração do crime a presença do elemento moral, do fim específico, consistente no desejo consciente de desprezar o corpo sem vida da vítima, com a intenção clara de ultrajá-lo. A consumação e tentativa ocorre no ato de vilipêndio ao cadáver ou suas cinzas. A tentativa é possível, salvo na hipótese de vilipêndio verbal. Pode ocorrer concurso de crimes se o agente violar a sepultura e ultrajar o cadáver.

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VILIPÊNDIO E INTERNET

Helena Brígido

1. INTRODUÇÃO

O Código Penal Brasileiro dispõe no Capítulo II – DOS CRIMES CONTRA O

RESPEITO AOS MORTOS, em que o artigo 212 institui: Vilipendiar cadáver ou suas

cinzas. Pena - detenção, de um a três anos, e multa.

O núcleo do artigo é o verbo vilipendiar, mas o que significa? É aviltar, ultrajar,

ofender, desprezar, depreciar o cadáver ou as cinzas.

É uma ação que ocorre após a morte, pois o vilipêndio resulta de uma ação nova

e de independente motivação do agente (animus) para um corpo humano sem vida. É

um obséquio aos vivos, e não aos mortos previsto no art.138, §2º do Código Penal

Brasileiro, que dispões sobre calúnia contra os mortos.

Para Capez o tipo penal não exige nenhum elemento subjetivo do tipo, mas

Magalhães Noronha tem um entendimento diverso em que refere que o tipo penal exige,

além do dolo genérico, o dolo específico que é o elemento subjetivo do tipo, consistente

no fim de transgredir ou violar o sentimento de piedade com os que não mais vivem

(Capez, 2004).

As causas excludentes de ilicitude estão no art.163 do Código de Processo Penal

que autoriza a exumação para exame cadavérico para fins específicos.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, pois é definido como crime comum.

O bem jurídico lesado é o respeito ao morto pela família, amigos e todos que o

conheceram, portanto os sujeitos passivos são as pessoas individualmente e a

coletivamente.

Sobre o sujeito passivo, Mirabete refere com sendo a coletividade destituída de

personalidade jurídica e formada pelas pessoas da família do falecido. Masson refere

como sendo a coletividade (crime vago), pois a moralidade média reclama o respeito

aos mortos.

O objeto material é o corpo humano sem vida ou as cinzas do morto. O elemento

subjetivo é o dolo genérico, consistente na vontade livre e consciente de praticar ação de

vilipêndio a cadáver ou cinzas do referido corpo. É preciso mencionar a existência de

dolo específico, isto é, a intenção de tratar o cadáver com desrespeito. O elemento

subjetivo especial do tipo é constituído pelo fim especial de aviltar, vilipendiar, sendo

necessária para configuração do crime a presença do elemento moral, do fim específico,

consistente no desejo consciente de desprezar o corpo sem vida da vítima, com a

intenção clara de ultrajá-lo.

A consumação e tentativa ocorre no ato de vilipêndio ao cadáver ou suas cinzas.

A tentativa é possível, salvo na hipótese de vilipêndio verbal.

Pode ocorrer concurso de crimes se o agente violar a sepultura e ultrajar o

cadáver.

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Resumidamente é um crime comum com relação ao sujeito ativo, bem como ao

sujeito passivo, é um crime vago; doloso, material, comissivo, podendo ser omissivo

impróprio quando o agente tiver o status de garantidor, por exemplo, de transporte e não

o fornece, segundo Fernando Capez; de forma livre; instantâneo; monossubjetivo ou

plurissubsistente; deixando vestígios ou não (transeunte ou não transeunte).

2. O CRIME DE VILIPÊNDIO E A INTERNET

Atualmente, depara-se com imagens com fotos ou vídeos sobre cadáveres

circulando nas redes sociais bem mais do que habitualmente era visto em mídia escrita

(jornais e revistas). As imagens são propagadas com ou sem busca de ganhos

financeiros.

Diante do exposto, considera-se como vilipêndio? Acredita-se que sim por

causar deterioração da imagem da pessoa ainda que sem vida. E ocorre dolo eventual ou

dolo indireto ao ser enviado para divulgação prejudicando amplamente a imagem da

pessoa. E cada pessoa que divulga, compartilha, pratica o crime, de acordo com o Art.

29: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este

cominadas, na medida de sua culpabilidade”.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A internet expõe a vida interpessoal e comercial, entretanto é preciso ser

utilizada de forma ética, sabendo definir e respeitar o que é público e privado. A invasão

pode causar danos gigantescos.

É preciso também tipificar melhor os crimes oriundos da má utilização das

ferramentas. Houve um avanço com a Lei 12.737/12, mas que está relacionada a delitos

informáticos sobre segredos comerciais e industriais ou conteúdos privados por meio da

violação de mecanismo de segurança de equipamentos de informática.

O crime de vilipendiar está tipificado, mas não abrange, de forma satisfatória, a

análise do verbo sobre a divulgação de imagens de cadáveres sem a intenção de aviltar,

ultrajar, ofender, desprezar, depreciar o cadáver ou as cinzas. Ainda que seja eticamente

justificado e cause transtornos psicológicos severos nos familiares e coletividade.

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BIBLIOGRAFIA

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Curso de Processo Penal - Ed. Saraiva. São

Paulo. 20ª Ed. 2013.

MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado: parte especial. v. 2. Rio de Janeiro:

Forense; São Paulo: Método, 2012.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial, art. 121 a 234-B

do CP. v. 2. São Paulo: Atlas, 2012.

SYDOW, Spencer Toth. Crimes Informáticos e suas Vítimas. 2a Edição, Editora

Saraiva, São Paulo, 2015.