Vida apos vida nessa vida
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VIDA APÓS VIDA
NESSA VIDA
by Verinh@
"Sempre pensei que ia morrer cedo.
A luta armada, a clandestinidade na
luta contra a ditadura, aventuras,
promiscuidade, orgias, riscos...
Tudo me levava a crer que não
chegaria aos trinta anos. Para
quem tem vinte anos, quem tem
trinta já é coroa.
Tomei um susto quando vi-me
vivo e saudável aos trinta.
Aos quarenta percebi a
possibilidade real da morte. No
dia do meu aniversário
quarentão, um jovem ator de 24
anos perguntou como
eu me sentia:
“Agora? de frente
para a morte”.
Para minha surpresa foi
o jovem quem morreu
logo depois.
Aos cinqüenta apaixonei-me pela
letra de Aldir Blanc na voz de
Paulinho da Viola: “... aos cinqüenta
anos, insisto na juventude...”, isto
enquanto percebia meu ângulo
peniano caminhando para os 90º.
Mas, antes dos sessenta a pílula azul
alargou minhas possibilidades e
possibilitou-me ver o sexo por
ângulos mais estreitos.
Agora estou além dos sessenta. Aos
quarenta, rezava pela alma dos mortos
amigos e parentes. Nome por nome eu
pedia ao Senhor. Hoje, são tantos os
que caíram, que apenas peço “... pelos
mortos em geral”.
E mais uma vez espanto-me por estar
ainda vivo, e consolo-me no Salmo 91.7
que diz: “... 1.000 cairão ao teu lado e
10.000 à sua direita, mas você não será
atingido”. Mesmo confiando na Palavra,
ainda assim caminho embaixo de
marquise pra São Pedro não me ver.
Ainda estou vivo, e pra quem pensou
que morreria aos trinta, descubro que
existe vida após a vida.
Mas o preço do viver é muito alto para
o jovem de hoje: tem que comprar
apartamento, arranjar um trampo,
ganhar dinheiro, ficar famoso, comer
todas, bombar no iutube, malhar,
casar, ter filhos, comprar carro, estar
bronzeado, conhecer tudo de web, e
ainda ir ao show da Madonna, entre
outras miudezas.
Após os sessenta, você já está
quite com tudo isto e pensa que vai
viver em paz.
Qual o quê: tem que tomar insulina,
antidepressivos, rivotris, controlar
a pressão, não comer açúcar, não
comer sal, não fumar, não beber, se
conseguir comer uma e outra já é
uma vitória, tem que caminhar ao
menos meia hora por dia mesmo
sem querer, cuidar do joanete,…
… dormir cedo, vender o
apartamento, fugir da bolsa, não
discutir no trânsito, não se alterar
no caixa do supermercado, tolerar
os filhos, agradar os netos, ficar
calado diante da mediocridade,
aceitar o salário de aposentado, ter
o testamento em dia, e curtir todas
as dores ósseas, nervosas e
musculares porque se algum dia
você acordar sem dor é porque
está morto...
Claro que o idoso tem suas
vantagens: uma delas é a
transparência. Quanto mais velho
mais transparente você se torna.
Chega a ficar invisível: ninguém
mais lhe percebe, mais um pouco e
nem lhe enxergam. Mas, pode
passar à frente dos jovens nas filas
todas, com aquele ar de superior:
“Você é jovem e sarado, mas eu
tenho prioridade”.
E ante qualquer aborrecimento ou
dificuldade você ameaça enfartar ou ter
um AVC. Funciona sempre, todos logo
se tornam gentis e cordatos, e é
garantia de muitas meias e lenços
como presentes no Natal.
Lidando com a minha “terceira idade”
ouço de meu psicanalista, o bom Luiz
Alfredo: “Só há dois caminhos:
envelhecer... ou o outro, muito pior”.
Prefiro envelhecer, aceitando cada
minúsculo “sim” que a vida me dá com
uma grande alegria e uma grande
vitória.
Hoje quando encontro vaga num elevador
do shopping, quando o banco está vazio,
ou quando encontro promoção na
farmácia, já considero uma bênção
gigantesca e agradeço a Deus pela Graça
alcançada.
Após os sessenta, como no filme de Brad
Pitt, regrido na existência, deixo Paulinho
e a viola de lado e reencontro Lupiscinio
“Esses moços, pobres moços... ah se
soubessem o que eu sei...”. Mas se
soubessem não ia adiantar nada: porque a
sabedoria é filha do tempo.
Como diz o amigo
Percinotto, também
idoso: “o diabo é sábio
porque é velho”.
Pelo andar da
carruagem, percebo
que já morri muitas
vezes nesta vida, e que
viverei até fartar-me."
Texto: (Bemvindo Sequeira - ator e diretor de teatro e TV, autor e idoso.)
Música: In Memoriam Anthony Quinn
Formatação: Vera Lúcia de Siqueira
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