UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ - UTP FACULDADE DE...
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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ - UTP
FACULDADE DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO
Rodrigo Selvino Bigolin
ATUAÇÃO DO CADE NO DIREITO CONCORRENCIAL
CURITIBA
2010
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Rodrigo Selvino Bigolin
ATUAÇÃO DO CADE NO DIREITO CONCORRENCIAL
Monografia apresentada como requisito parcial ao Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná – UTP para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Cláudio Demeterco.
CURITIBA
2010
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TERMO DE APROVAÇÃO
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
ATUAÇÃO DO CADE NO DIREITO CONCORRENCIAL
Este TCC foi julgado e aprovado para a obtenção do título de Bacharel em Direito, no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná - UTP.
Curitiba, 15 de março de 2010. Orientador: ________________________________________
Professor Dr. Claudio Demeterco Universidade Tuiuti do Paraná
________________________________________ Professor
Universidade Tuiuti do Paraná
________________________________________ Professor
Universidade Tuiuti do Paraná
5
Dedico este trabalho ao meu pai.
Obrigada pela vida, pelo amor, pelo terno
coração, pelo calor e pela doce companhia no
transcurso de meu viver.
Aos meus irmãos, amigos para sempre, meu
afeto.
A minha esposa, pela luz que alumia meu
caminho, minha eterna companheira, amiga e
paixão dos meus sonhos.
Ao meu filho, luz e esperança, o presente que
fará a história do amanhã.
6
AGRADECIMENTOS
Agradeço a DEUS que sempre esteve ao meu lado, nas lutas travadas,
controvérsias e vitórias. Obrigado pelo presente que me ofereces, pelo que vi, ouvi e
aprendi, mas, principalmente, pelo que retive em minha memória nesses anos de curso.
Agradeço ao meu orientador, Professor Dr. Claudio Demeterco, aos demais
professores do Curso de Direito, pela dedicação ao ensino e trabalho desempenhado.
Aos meus colegas de Curso, pela amizade e pelo tempo que estivemos juntos.
A Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), pelo espaço, pelo ensino, pelo cuidado,
pela educação e preocupação com a formação de indivíduos melhores.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................ 9
1 DIREITO CONCORRENCIAL............................................................. 12
1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA....................................................................... 12
1.2 LEGITIMIDADE....................................................................................... 19
1.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO CONCORRENCIAL 31
2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO
CONCORRENCIAL...............................................................................
36
2.1 LIVRE CONCORRÊNCIA....................................................................... 37
2.2 LIVRE INICIATIVA................................................................................. 42
3 ABUSO DE PODER ECONÔMICO..................................................... 49
3.1 DIREITOS DO CONSUMIDOR............................................................... 51
4 CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA –
CADE........................................................................................................
56
4.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA.................................................. 66
4.2 COMPOSIÇÃO DO CADE...................................................................... 68
4.3 COMPETÊNCIA DO CADE..................................................................... 68
4.4 ATUAÇÃO PRÁTICA DO CADE........................................................... 68
4.4.1 Fusão entre Pão de Açúcar Ponto Frio, Extra Eletro e Casas Bahia.......... 74
4.4.2 Fusão entre Perdigão e sadia...................................................................... 77
CONCLUSÃO.......................................................................................... 79
REFERÊNCIAS....................................................................................... 81
8
RESUMO
Os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência são valores fundamentais do Direito Concorrencial, que regulam os bens de produção e de mercado, evitando o abuso de poder econômico, causando prejuízos ao consumidor, com a formação de trustes e oligopólios, em que grupos isolados dominam o mercado por meio da fusão ou incorporação de várias empresas do mesmo setor, com a manufatura, venda de artigos ou oferta de serviços com domínio exclusivo. A preservação da iniciativa de mercado é um bem jurídico tutelado pelo Estado, sendo a manutenção e o controle do ambiente concorrencial regulado para que as forças da oferta e demanda seja mantida em equilíbrio visando o bem-estar do consumidor. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) é responsável por receber as matérias concernentes aos litígios ou mesmo a autorização da fusão ou incorporação de empresas e por julgá-las também. Nesse sentido, este trabalho tem como objetivo geral estudar a atuação do CADE no Direito Concorrencial brasileiro. Como objetivos específicos, discorrer sobre os aspectos históricos do Direito Concorrencial e sua evolução histórica, conceitualização e respectiva legitimidade, no sentido de elucidar uma compreensão sobre a normatização do Direito Concorrencial no Brasil, evidenciando a proteção do consumidor, delimitando os princípios fundamentais que regem a ordem econômica de uma nação; abordando os princípios fundamentais do Direito Concorrencial, tratando da livre concorrência e da livre iniciativa de comércio e de mercado; abordar o abuso de poder econômico, iniciando com o conceito e definição, comentando posteriormente sobre o direito do consumidor, de acordo com os arts. 4o. incs. III e VI, 6o. inc. II e 39, inc. X, do Código de Defesa do Consumidor (1990); argumentar sobre o CADE, apresentando o conceito e natureza jurídica, composição, função, atuação e os atos de fusão entre as empresas do ramo alimentício, Perdigão e Sadia em maio de 2009, bem como a pretensão de fusão entre o Pão de Açúcar e as Casas Bahia em dezembro de 2009 (aguardando aprovação do CADE). Como método de pesquisa utilizou-se de obras relativas ao assunto tratado, artigos e matéria postada na Internet visando com que se consiga atingir os objetivos inicialmente propostos. Palavras-chaves: Direito Concorrencial; Livre concorrência; Livre iniciativa; Abuso de
poder; Atuação prática do CADE;
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INTRODUÇÃO
A Lei no. 8.884/94, conhecida como Lei Antitruste, dispõe sobre o Direito
Concorrencial no Brasil, abordando a atuação do Estado em âmbito do direito à
concorrência e livre iniciativa de mercado, o qual assume posição intervencionista
coibindo intenções contrárias as propostas reguladoras, no sentido de controlar o abuso de
poder, proporcionando condições competitivas de mercado. Como princípio fundamental
à constituição da ordem econômica de uma nação está a livre iniciativa e a livre
concorrência1.
O ordenamento jurídico brasileiro, representado pelo Estado, é responsável por
punir o uso indevido e lascivo de poder econômico em detrimento ou prejuízo ao
consumidor, o qual fere os princípios de liberdade econômica, liberdade de iniciativa e de
livre concorrência2. Legítimo é o poder da empresa quando exercido em busca do lucro e
sua maximização, em que o agente adota diferentes estratégias para redução dos custos de
produção e de preços em prol de uma economia centrada no bem-estar do consumidor
final, traçadas segundo a capacidade econômica e vigor concorrencial3.
Os princípios que regem a atuação do Estado na economia encontram-se
respaldados nos arts. 173 e 174, da Constituição Federal (1988), cuja função é intervir na
1 FRANCESCHINI, A. D. Regulação e Direito Concorrencial. São Paulo, 2001, p. 229. 2 SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial as estruturas. 2 ed. São Paulo:
Malheiros, 2002, p. 21. 3 Idem.
9
10
atividade econômica do país, fiscalizar o exercício da atividade desenvolvida por
particulares e normatizá-la4.
O capitalismo conduziu os mercados à formação de trustes e, representado por
organizações empresariais de grande poder passam a fazer pressão no mercado, cujo
oligopólio pretende dominar o mercado, por isso, conduz empresas envolvidas em um
mesmo setor a abrirem mão de sua independência legal, constituindo uma única
organização, por meio da fusão ou incorporação, visando dominar determinada oferta de
produtos ou serviços.
No entanto, o Direito Antitruste é encarregado por controlar a formação desse
modelo de estrutura por meio da sanção das condutas de mercado, denominada doutrina
administrativa ou atos de controle e fiscalização, de modo que a doutrina não cria a
utilidade pública, limita-se em fiscalizar e controlar tais atividades5.
Diante dos atos ilícitos adotados pelos agentes que atuam na livre concorrência e
na livre iniciativa de mercado surgiu o Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(CADE) com a finalidade de impedir o abuso de poder econômico e regular as práticas
concorrenciais no Brasil.
A Lei no. 8.894/95, art. 3º. menciona que o CADE é uma autarquia federal
vinculada ao Ministério da Justiça, com funções administrativas de última instância,
responsável pela decisão final sobre dada matéria concorrencial. Após receber o processo
4 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 200. 5 HAMMERSCHMIDT, Denise; ENDLICH, Hassiane Mechon M.; SCALASSARA, Lecir
Maria; RAMOS, Simone Boer; OLIVEIRA, Valéria M. Natureza e fins da regulação da atividade econômica. Revista Jurídica Cesumar, v. 2, n. 1, 2002, p. 5.
11
instruído pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE/MF) ou pela Secretaria
de Direito Econômico (SDE/MJ) tem como tarefa julgar e, enquanto autarquia
desempenha o papel de órgão preventivo, repressivo e educativo.
Este trabalho encontra-se estruturado em quatro capítulos, sendo que o capítulo I
discorre sobre o Direito Concorrencial no Brasil, abordando a evolução histórica, sua
conceitualização e respectiva legitimidade, no sentido de elucidar um entendimento capaz
levar o leitor a compreensão sobre a normatização do Direito Concorrencial no Brasil,
evidenciando a proteção do consumidor e delimitar os princípios fundamentais que regem
a ordem econômica de uma nação. O capítulo II trata dos princípios fundamentais do
Direito Concorrencial e dos aspectos da livre concorrência, da livre iniciativa de comércio
e de mercado. O capítulo III aborda o abuso de poder econômico, iniciando um discurso
sobre o conceito e definição, posteriormente, discorre sobre o direito do consumidor, de
acordo com os arts. 4o. incs. III e VI, 6o. inc. II e 39, inc. X, do Código de Defesa do
Consumidor (1990). O capítulo IV argumenta sobre o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (CADE), apresentando o conceito e natureza jurídica, composição, função,
atuação e os atos de fusão entre as empresas Perdigão e Sadia em maio de 2009, bem
como a pretensão de fusão entre o Pão de Açúcar e as Casas Bahia em dezembro de 2009
(aguardando aprovação do CADE). Finalmente, o estudo encerra com uma conclusão
sobre o tema tratado.
12
CAPÍTULO I
DIREITO CONCORRENCIAL
Este capítulo tem como finalidade discorrer sobre o Direito Concorrencial no
Brasil, abordando a evolução histórica, sua conceitualização e respectiva legitimidade,
sendo o lucro e sua maximização o legitima, no sentido de compreender a normatização
do Direito Concorrencial no país, evidenciando os efeitos protetivos ao consumidor,
delimitando os princípios fundamentais que regem a ordem econômica de uma nação.
1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Segundo Calixto Salomão Filho, a tradição Smithiana da economia de mercado,
quando transportada para o Direito, ganha sua expressão máxima na Escola Ordo-Liberal
alemã, de Freiburg, especialmente, quando identifica a necessidade de um nível mínimo
de regulamentação, ou seja, a economia deve contar com regras mínimas de regulação
visando garantir seu funcionamento6.
A Escola Ordo-Liberal ou Escola de Freiburg nasce nos anos 30, na Alemanha,
originária dos fracassos econômicos da República de Wiemar, como uma crítica à
12
13
concepção econômica nazista que ainda recém se iniciava. Notoriamente, os componentes
dessa Escola identificaram no livre jogo dos monopólios e cartéis da Alemanha, nesse
período, um dos grandes motivos para o fracasso econômico da República de Weimar e
ascensão ao nazismo7.
Ocorre que a organização ideal da ordem privada é aquela que permita a auto-
coordenação e autocontrole. Sendo assim, o Direito como ciência é responsável pela
elaboração de normas e regras quem disciplinem os povos, deve criar condições para que
tais garantias se efetivem, sendo: a auto-coordenação, a garantia, por meio de transações
privadas, para as quais o Direito de propriedade e o Direito das obrigações são elementos
organizativos fundamentais. O auto-controle, segundo Salomão Calixto Filho8,
fatalmente:
[...] implica em assegurar condições formais e materiais de concorrência por meio de certas regras de proteção à concorrência no sentido formal e material. Essas regras mínimas permitiriam ao mercado e aos agentes privados impulsionar o processo de integração diminuindo a necessidade de criação de instituições supranacionais pelos Estados-partes.
No entendimento dos seguidores desse pensamento crítico, a concorrência é
essencial para garantir o funcionamento econômico de uma economia de mercado. A déia
6 SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial – as estruturas. São Paulo: Malheiros,
1998, p. 16. 7 Ibidem, p. 17. 8 SALOMÃO FILHO, Calixto. Comércio internacional e desenvolvimento. Seminário Regional
Pós Doha dos países da América Latina e Caribe sobre os temas de concorrência na OMC. São Paulo, 23-25 de abril de 2003, p. 7. Disponível em <http://www.unctad.org/en/docs/ditcclp20038section2_en.pdf>. Acesso em 15 fev 2010.
14
de regulamentar o poder econômico origina-se na premissa sócio-econômica
fundamental:
[...] todo agrupamento social, por mais simples que seja, organizado ou não, sob a forma de Estado, que queira ter como fundamento básico da organização econômica a economia de mercado, deve contar com um corpo de regras mínimas, que garantam ao menos o funcionamento desse mercado [...] que garantam um nível mínimo de controle das relações econômicas9.
O conjunto de regras supra-referenciado, que a doutrina denominou de
Constituição Econômica, cujo termo “constituição” deve ser entendido como indicativo
do nível mínimo de regulamentação para o funcionamento do sistema escolhido10.
O Direito Concorrencial opõe-se a Teoria Clássica de Economia de Mercado.
Entre as Teorias críticas fundamentais que se opõem ao pensamento neoclássico,
formuladas no seio do pensamento Ordo-Liberal, a primeira refere-se aos pressupostos
econômicos da definição de bem-estar do consumidor. A segunda refere-se ao próprio
conceito de concorrência. Para os seguidores da Escola de Freiburg não é possível atribuir
ao direito concorrencial qualquer tipo de objetivo econômico pré-determinado, senão a
eficiência. O Direito Concorrencial não é um sistema cujos efeitos podem ser previstos
àqueles desejáveis selecionados, de modo a orientar a aplicação da Lei11.
Para os Ordo-Liberais, a vantagem do sistema concorrencial está no fato de que,
por meio da transmissão de informações e da existência de liberdade de escolha o sistema
9 SALOMÃO FILHO, 1998, op cit., p. 16. 10 Ibidem, p. 23-24. 11 Ibidem, p. 23.
15
de mercado permite descobrir as melhores opções existentes e o comportamento mais
racional a ser adotado12.
Notadamente, para os Ordo-Liberais, a proteção da existência da concorrência é
vista não apenas sob a perspectiva do concorrente, mas sob a perspectiva do consumidor
também. A preocupação com a liberdade de escolha e com a decisão do consumidor é a
questão-chave para responder à uma das principais críticas dos neoclássicos à inclusão da
defesa da concorrência entre os valores a serem perseguidos pela legislação antitruste. Tal
critica consiste em afirmar que considerando a concorrência como um valor em si mesmo
implica em prejuízo ao consumidor, pois em nome da defesa da concorrência impede-se a
formação de economias de escala, que são benéficas ao consumidor, isto é, na medida em
que se reduzem custos permite a redução de preços, assim, portanto, consideram-se
eficientes13.
O conceito de eficiência, aplicado do Direito Antitruste, aplica-se ao bem-estar do
consumidor e a liberdade de escolha entre as várias opções diferenciadas, objetiva e
subjetivamente, como: preço, qualidade, quantidade, entre outros. Todavia, não há como
o Direito proteger a competição ineficiente, sob o ponto de vista do consumidor, tendo em
vista que viria trazer complicações tanto para o consumidor como para o Estado, que é
responsável por controlar a iniciativa privada14.
Sob o ponto de vista da Teoria Geral do Direito, a análise econômica do direito de
concorrência caracteriza-se segundo seus próprios defensores, é atribuição de apenas um
12 SALOMÃO FILHO, 1998, op cit., p. 23. 13 Ibidem, p. 24-25.
16
objetivo à regra jurídica, com base na correção indiscutível e matemática de pressupostos
econômicos, é de difícil aceitação.
A Teoria Neoclássica aplicada ao Direito pretende atribuir valor absoluto às
premissas econômicas, capazes de indicar o sentido das regras jurídicas, sem que possa
ser contestado, com base em considerações valorativas e distributivas, geralmente,
desenvolvido por meio da utilização de conceitos econômicos, os quais atribuem certeza
matemática.
Segundo Calixto Salomão Filho, mesmo os teóricos da Escola de Chicago
aceitam críticas referente aos pressupostos da Teoria Neoclássica. A situação de bem-
estar do consumidor é definida a partir do modelo de concorrência perfeita15.
O poder econômico passa a ser visto como uma necessidade, desde que apto a
promover a "eficiência econômica", entendido como produção em escala a baixo custo
unitário. Estão, portanto, abertas as portas para o predomínio do que a Escola de Chicago
postulou. Essa tendência não tarda em influenciar a Suprema Corte americana. Nos anos
80 tanto as Cortes como o ambiente acadêmico americano desapareceram sem qualquer
oposição importante aos princípios centrais da Escola de Chicago16.
O principal mérito da Escola de Chicago e a razão essencial da aceitação de suas
teses pelas cortes está no fato de ter sido capaz de adaptar objetivos tão claramente, de
política econômica a uma teoria econômica aparentemente preocupada, exclusivamente
com a defesa do consumidor e, portanto, de apelo teórico e até político-ideológico. Foi
14 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 25. 15 Ibidem, p. 26.
17
visto que o elemento eficiência é identificado para a promoção do bem-estar do
consumidor. Através dessa definição engenhosa dos objetivos (ou para os neoclássicos,
do único objetivo) é possível compatibilizar a nova teoria política econômica de
promoção da competitividade internacional com a proteção do consumidor contra os
monopólios17.
Há dois equívocos, um conceitual, outro lógico. O conceitual refere-se ao pensar
que está demonstrada a interdisciplinaridade entre Direito e Economia nas áreas como
Antitruste, em que o Operador de Direito deve levar em consideração as relações causais
sugeridas pela Teoria Econômica, a aceitação das premissas teóricas utilizadas para
desenvolver a teoria deva ser automática. O erro lógico somente adquire significado
quando analisado sob cada postulado econômico utilizado no Direito Antitruste. O
postulado pelo qual parte a escola de Chicago é a que sustenta a crença na análise
econômica do Direito como critério indicativo da regra jurídica mais adequada para a
sociedade é que toda regra jurídica que impeça ou dificulte transações privadas em que a
vantagem dos beneficiados é maior que a perda dos prejudicados é ineficiente e deve ser
removida18.
Uma sociedade ideal, eficiente, é aquela que atinge estado de equilíbrio onde a
vantagem dos beneficiados é idêntica à perda dos onerados. Esse é o chamado princípio
da maximização de riquezas .
16 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 39. 17 Idem, p. 39. 18 Ibidem, p. 26-27.
18
Teoricamente, remover as barreiras, ou seja, as normas jurídicas, contratuais ou
legais, que dificultam as transações privadas, não implicaria em custo social, seria
economicamente neutro e juridicamente incontestável.
Não se pode confiar na eficiência econômica para garantir os interesses dos
consumidores. Requer a certeza de que esses ganhos de eficiência serão efetivamente
repartidos com os consumidores, não simplesmente apropriados pelo monopolista. A
única maneira de se garantir a repartição dos benefícios com os consumidores é a
proteção do sistema concorrencial ou a existência de concorrência efetiva ou potencial19.
Veja-se que:
O equívoco conceitual está em pensar que, demonstrada a interdisciplinaridade entre Direito e Economia naquelas áreas como [...] Direito Antitruste, em que o Operador do Direito deve, necessariamente, levar em consideração as relações causais sugeridas pela Teoria Econômica, a aceitação das premissas teóricas utilizadas para desenvolver a Teoria deva ser automática. Ou seja, o mesmo modelo utilizado para explicar as relações causais deve ser utilizado para determiná-las, pois, uma vez aceita a veracidade das relações causais, a aceitação dos pressupostos implica, necessariamente concordância com os resultados20.
No contexto, verifica-se que não apenas sob o ponto de vista do consumidor a
proteção do sistema concorrencial é necessária. Afetando o Direito Concorrencial, os
interesses de todos os participantes do mercado, sendo não neutro em relação à todos eles,
19 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 28. 20 Idem.
19
é necessário incluir entre os titulares dos direitos subjetivos dele decorrentes todos os
componentes de mercado, tanto os consumidores como os concorrentes21.
1.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO CONCORRENCIAL
O Direito Concorrencial, segundo Umberto Celli Junior, fundamenta-se em
normas específicas e regulamentadoras, incumbindo-se ao compromisso de atender a
quatro fatores importantes no contexto de mercado, sendo de:
I) Impedir grupos ou empresas de celebrarem acordos entre eles ou entre eles e terceiros, que restrinjam a [livre] concorrência;
II) Controlar tentativas de grupos monopolistas com posição dominante de abusarem de tal posição e de criarem obstáculos ao surgimento de novos concorrentes;
III) Assegurar que a concorrência factível seja mantida entre os oligopólios; IV) Monitorar e fiscalizar fusões entre grupos de empresas independentes que
possam resultar nas concentrações de mercado e na diminuição da concorrência22.
Sobre os limites do Direito Concorrencial, Faraco acrescenta que:
As ações dos agentes econômicos podem criar um regime que, em princípio, afasta o direito concorrencial no tocante a certos aspectos da atividade regulada, porque estabelecem uma isenção relacionada ao fortalecimento da coordenação do poder econômico [...] porque afastam o poder econômico do âmbito de certas decisões. Isto pressupõe que a positivação de tais normas esteja no âmbito de competência dos respectivos órgãos encontre fundamento em princípios de igual
21 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 30-31. 22 CELLI JUNIOR, Umberto. Regras de Concorrência no Direito Internacional Moderno.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p.
20
ou maior dignidade constitucional em relação àqueles no qual baseia-se o Direito Concorrencial23.
A globalização da concorrência, sob o plano internacional, três fatores acentuam
a importância da defesa da concorrência, sendo a formação de blocos sub-regionais; o
processo de desestatização, a desregulamentação e re-regulamentação e; por fim, a função
objetiva do investidor global24.
No que concerne ao abuso econômico no país, Forgioni relata o seguinte
entendimento:
Não se pune a posição dominante em si. Conforme dispõe o art. 20, parágrafo 1º. da Lei no. 8884/94, a posição dominante resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação à seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II, do caput. Consagra-se, deste modo, a vantagem competitiva do agente econômico: se há maior eficiência, nada se deve punir25.
A legislação brasileira tem sido clara em relação à concorrência de mercado, de
modo que o Estado intervém na economia nacional visando assegurar ao consumidor de
um preço justo. Eis, pois, segundo Hammerschmidt et al.:
[...] o monopólio ocorre quando o domínio da atividade econômica é exercido pela iniciativa privada. Quando há situação de concorrência imperfeita – um só vendedor para um produto de difícil substituição, podendo o mesmo,
23 FARACO, A. D. Regulação e Direito Concorrencial: uma análise jurídica da disciplina da
concorrência no setor de telecomunicações. [Tese] [Doutorado em Direito]. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2000, p. 39.
24 FORGONI, op cit., p. 11. 25 Ibidem, p. 273.
21
automaticamente, alterar os preços de mercado do produto26.
Denomina-se monopólio uma situação em que determinada atividade econômica
é exercida com predominância de domínio pela iniciativa privada, em âmbito interno.
Nesse sentido, Hammerschmidt et al. explicam que:
Os monopólios, de fato, também são regulados pela Constituição [Federal de 1988]. O art. 174 estabelece o Estado como agente normativo e regulador da economia e o art. 170, IV elege o princípio da livre concorrência como um dos instrumentos da Ordem Econômica e, ainda o art. 173, § 4., estabelece que a Lei reprimirá o abuso do poder econômico, a dominação do mercado e a ameaça à livre concorrência27.
Sobre o monopólio Leães explica o seguinte:
A posição monopolista não é ilícita, a legislação se preocupa com o "comportamento" de quem tenha adquirido essa posição de dominante [...] é a partir daí que desenvolve o seu aparato repressivo. Embora o conceito fundamental seja a dominação dos mercados, para que haja abuso de poder econômico no sentido da legislação antitruste, é mister que concorra, pelo menos, um dos dois fatos assinalados pelo dispositivo constitucional citado: a eliminação da concorrência ou o aumento arbitrário dos lucros28.
Segundo a Lei n°. 4.137/62, Lei Antitruste, art. 2o. há três espécies de ilícitos
concorrenciais. Nesse sentido, verifica-se que a referida norma:
26 HAMMERSCHMIDT, Denise; ENDLICH, Hassiane Mechon M.; SCALASSARA, Lecir
Maria; RAMOS, Simone Boer; OLIVEIRA, Valéria M. Natureza e fins da regulação da atividade econômica. Revista Jurídica Cesumar, v. 2, n. 1, 2002, p. 9.
27 HAMMERSCHMIDT et al., op cit., p. 10. 28 LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. O dumping como forma de abuso de poder econômico.
Revista de direito mercantil, n. 91, julho-setembro, 1993, p. 13.
22
[...] tipificou as três espécies de ilícitos concorrenciais e a especificação dos vários ilícitos à eles ligados: os atos tendentes à dominação dos mercados (inc. I), o abuso de posição dominante (incs. II, III e IV) e a concorrência desleal (inc. V)29.
A Lei Concorrencial protege qualquer tipo de concorrente. Não deve e não pode
ter preferência por qualquer tipo de agente econômico. Não pode privilegiar uma
determinada estrutura de mercado. O direito concorrencial é dado, por exemplo, controlar
o comportamento paralelo dos oligopolistas, mas não é permitido intervir no mercado,
obrigando a venda de unidades empresariais, simplesmente porque a forma estrutural de
mercado pode requerer a presença de participantes de grande porte, dotados de
capacidade financeira suficiente para investimentos em tecnologia ou melhoria de
eficiência30.
Ocorre que na Lei brasileira atual a intervenção é um recurso de última instância,
mesmo assim, admissível apenas em função da existência de reiterados comportamentos
abusivos ou tendentes a consolidar a dominação do mercado através da exclusão de
concorrentes. Jamais pode ser baseada em dados meramente estruturais do mercado31.
Outra consequência da neutralidade do Direito Concorrencial com relação às
dimensões societárias é a necessária diferenciação entre critérios de identificação do
poder no mercado e critérios de sancionamento32.
29 CARVALHO, Tais. IV Prêmio Literário CIEE / CADE. O Direito da Concorrência e as
suas relações com o Direito Penal. (2005, p. 1). Disponível em < http://www.facs.br/revistajuridica/edicao_outubro2005/convidados/con_5.pdf>. Acesso em 11 fev 2010.
30 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 34. 31 Ibidem, p. 35. 32 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 34.
23
O Direito Concorrencial, anteriormente, visto como uma ordem autônoma, em
que o objetivo principal aparentava ser de proteção ao sistema concorrencial, passa a ser
influenciado e, em alguns casos, submetido aos objetivos de política industrial, nos
moldes nipônicos.
A proteção da concorrência e, sobretudo, do pequeno concorrente através do
direito concorrencial advém dos anos 50 e 66, como um dos principais objetivos do
direito concorrencial, passando a ser visto como seu principal defeito. Na proteção
concorrencial da pequena empresa identifica-se a principal razão da perda de
competitividade das empresas americanas. O sistema concorrencial deve ser remodelado
de forma a permitir a promoção da competitividade interna e internacional das empresas
americanas.
O legislador brasileiro procurou incorporar tais novidades à legislação brasileira.
A Lei no. 8.884/94 dá ao conceito de eficiência uma posição de grande destaque, cuja
noção é a "regra da razão" do direito concorrencial, permitindo a justificação tanto das
situações de domínio de mercado já existentes (art. 20, § 12) quanto de posições
dominantes em formação (art. 54, § 12, I, "C,)33.
O art. 54, § 12 prevê justificativas para os atos de concentração de política
industrial, como o desenvolvimento tecnológico e econômico. Finalmente, o art. 54, § 22
traz fórmula semelhante à alemã permitindo a aprovação das concentrações desde que
existam "motivos preponderantes da economia nacional e do bem comum e não
impliquem em prejuízos ao consumidor ou usuário final". Com essa fórmula atribui-se ao
24
CADE competência para decidir sobre a política industrial brasileira, competência essa
pouco compatível com seus objetivos, composição e a desejada independência do Poder
Executivo34.
O Direito Concorrencial assume um caráter de verdadeira constituição
econômica, com corpo de regras mínimas visando à garantia de igualdade de condições de
concorrência entre os agentes econômicos que atuam no espaço econômico comum. A
principal preocupação do Direito Concorrencial, de origem comunitária, é a garantia das
condições estruturais da concorrência, isto é, as condições de acesso e permanência no
mercado dos agentes35.
Não há tendência típica dos ordenamentos estatais para qualquer preocupação
com a eficiência. Na medida em que se amplia a massa territorial envolvida e em que o
espaço econômico torna-se mais auto-suficiente, não é necessário mais preocupar-se tanto
com a proteção dos mercados contra a concorrência internacional através do direito
concorrencial. O que o direito concorrencial deve garantir é a igualdade de condições de
concorrência entre regiões econômicas em que vigorem condições econômicas muito
diversas, tarefa essa, que por si só é bastante complicada.
Se o direito concorrencial funciona como um corpo de regras mínimas de
organização da ordem privada, que deve oferecer a seus agentes a possibilidade de livre
escolha e, consequentemennte, de descoberta da melhor opção de conduta, deve garantir,
33 Ibidem, p. 35. 34 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 40. 35 FORGONI, op cit., p. 12.
25
no mínimo, liberdade de escolha e máxima precisão possível das informações
transmitidas.
Ora, para atender a esses dois requisitos mínimos, o conteúdo central (mas não
exclusivo) do direito concorrencial deve ser a regulamentação do poder econômico no
mercado. É intuitivo que a existência de agentes com poder sobre o mercado, quando
levada ao ponto máximo do monopólio, elimina por completo a possibilidade de escolha
por parte dos consumidores36. Mas, mesmo antes disso, o poder econômico pode ser
entendido como limitador da liberdade de escolha (de todos os agentes, consumidores e
produtores) quando é suficientemente grande para criar barreiras à entrada de
concorrentes37.
O poder econômico é capaz de falsear as informações sobre o mercado, sobretudo
através do instrumento fundamental do mercado, verdadeira representação da "mão
invisível" de Adam Smith: o preço. O preço em uma situação normal deve ser
representação da escassez relativa de um produto. Em uma situação de monopólio, no
entanto, o preço não transmite para o consumidor informação sobre a real escassez do
produto. É decorrência do poder do agente econômico, que, sendo responsável por grande
parte da produção, é capaz de reduzir a oferta de forma a obter aumento de preços e,
consequentemente, o chamado "lucro monopolista"38.
No Brasil, o estudo dos efeitos econômicos e políticos do poder econômico no
mercado é de ampla relevância. Nesse contexto, propõe-se que a estrutura econômica do
36 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 40-41. 37 FORGONI, op cit., p. 11.
26
país foi historicamente construída a partir do poder econômico externo, que de início se
sobrepunha ao próprio poder estatal interno. Essa sobreposição do poder econômico
estrangeiro, tanto de origem estatal como não estatal, ao poder governamental interno é
uma característica imanente à exploração colonial. A forma básica da exploração Brasil-
Colônia era o monopólio da metrópole para o fornecimento dos produtos de consumo, de
forma a criar raízes e se perpetuar nos sistemas econômicos. A dependência estrutural da
economia do poder econômico se perpetua após a independência39.
No Brasil independente, com uma monocultura exportadora dependente do
exterior a importação dos bens de consumo, não mais obrigatória da metrópole, passa a
ser monopolizada pelos grandes comerciantes de escravos, que impõem preços e que, de
tão fortes financeiramente, afugentam do mercado quaisquer potenciais concorrentes40. O
mercado interno continua, portanto, diretamente dependente de agentes com poder
monopolista. Percebe-se que tampouco a passagem para uma economia industrial traz
consigo a democratização da vida econômica. Com efeito, são, sobretudo, os grandes
exportadores que têm capital suficiente para investir na industrialização. O grande volume
de capital necessário para investir na substituição de importações faz com que o poder
financeiro obtido através da exploração da monocultura exportadora transforme-se
diretamente em poder econômico na economia industrial brasileira. Essa tendência só faz
se acentuar após alguns planos desenvolvimentistas do país destinados em proporcionar
um salto industrial. Sua política mestra é o incentivo da grande empresa brasileira, de
38 FORGONI, op cit., p. 13. 39 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 40.
27
modo a proporcionar-lhe poderio econômico e escala suficiente para competir com
empresas estrangeiras. Reforçam-se, portanto, as estruturas do poder econômico no
mercado, cujo controle desse poder cumpre importante função na regulação das relações
entre a ordem econômica privada e o Estado41.
De um lado, serve como proteção da própria ordem privada com relação ao
Estado. Obviamente, uma ordem econômica em que o poder privado não tem limite não
pode auto-controlar. O Estado deve exercer poder de direção constante. Exemplo recente
dessa necessidade de controle é o do Japão42.
Na maioria dos países esse controle se manifesta de maneira menos pacífica e
indolor que na experiência japonesa. Em alguns casos, como o Brasil, a crença na
incapacidade de auto-controle do mercado somada à aplicação de planos
desenvolvimentistas executados pelo setor público acaba resultando em um
açambarcamento pelo Estado de parte da atividade produtiva que normalmente seria
exercida pelo setor privado. Quando isso ocorre acaba sendo necessário, como ocorreu no
Brasil, incluir o próprio Estado e suas empresas como sujeitos passivos da Lei
concorrencial (Lei no. 8.884/94, art. 15). Com isso não se está desvirtuando a Lei
Antitruste, que continua a se aplicar apenas à regulação do mercado de bens e serviços e
fatores de produção. Ocorre que o mercado considerado conta com agentes estatais
dotados de apreciável poder e que não podem ser desconsiderados.
40 FORGONI, op cit., p. 32-36. 41 Ibidem, p. 14. 42 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 46-48.
28
O Tratado de Lisboa, art. 101º., em relação ao Direito de Concorrência relata o
seguinte:
1. São incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afetar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno, designadamente as que consistam em: [...] e) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objeto desses contratos. [...] as disposições no [item] 1 podem, todavia, ser declaradas inaplicáveis: em certos casos mas desde que, segundo [a alínea] b), não dêem à essas empresas a possibilidade de eliminar a concorrência relativamente uma parte substancial dos produtos em causa43.
De outro lado, o controle do poder econômico serve garantia do Estado contra a
ordem econômica privada. O poder econômico no mercado, quando excessivo, tende à
criação de verdadeiros centros políticos de poder paralelo, com interesse próprio e que
procuram (e frequentemente conseguem) influenciar o centro estatal de decisões políticas.
A ameaça à ordem democrática é evidente. Thomas Jefferson anteviu esse perigo ao
colocar o controle dos monopólios como questão central para a preservação das
liberdades democráticas dos indivíduos44.
Entre vários outros efeitos do poder econômico nos mercados sobre os centros
decisórios estatais vale mencionar dois. O primeiro deles consiste na forte influência do
poder econômico, quando exageradamente concentrado, sobre a atividade normativa do
Estado, principalmente, em matéria de regulação da atividade econômica. Muitas vezes
43 Tratado de Lisboa Proíbe Ligação do Windows aos Computadores. Disponível em
<http://nao.quero.imposto.ms/?cat=7>. Acesso em 18 fev 2010. 44 FORGONI, op cit., p. 5.
29
consegue-se ou procura-se conseguir, através de agências governamentais,
regulamentação setorial ou, pelo menos, aprovação de acordos que criem ou legitimem
verdadeiros cartéis entre produtores45. Com isso, procura-se obter imunidade
governamental à aplicação da Lei Antitruste. Uma legislação antitruste coerente deve dar
resposta a esses abusos. O segundo problema é a conhecida maior capacidade de
resistência dos monopólios às tentativas de implementação de medidas macroeconômicas
por parte das autoridades governamentais. A mais conhecida e discutida delas é a relação
entre poder econômico no mercado e processo inflacionário. Muito estudada nos EUA
nos anos 70, essa relação foi inicialmente considerada como um one-shot affair (um tiro
no acaso). Segundo essa teoria, a concentração de poder econômico no mercado não
deveria ser temida do ponto de vista macroeconômico, pois, segundo demonstrado pela
teoria microeconômica neoclássica, o aumento de preços só ocorreria no momento da
criação do monopólio, quando a empresa procuraria atingir o equilíbrio (consistente no
ponto em que a receita marginal iguala o custo marginal). Uma vez atingido esse
equilíbrio, a empresa não mais aumentaria seus preços. Essa teoria encontra-se, hoje, em
grande parte ultrapassada. Sabe-se, por meio de dados empíricos, que o comportamento
dos monopólios é o inverso das empresas em concorrência perfeita em caso de oscilações
macroeconômicas. Em épocas de recessão, por exemplo, diminuindo as vantagens de
escala (por diminuição da demanda e consequentemente da produção), o custo médio dos
produtos tende a subir. No caso dos monopólios, que têm, ao contrário das empresas em
concorrência, capacidade de influenciar os preços de mercado, tendem a fazer esses
45 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 48.
30
preços subirem (ao invés de caírem), para se protegerem contra a perda de receita
decorrente dos custos crescentes. Assim, monopólios e oligopólios são mais resistentes a
medidas governamentais recessivas objetivando reduzir a inflação. Têm, portanto,
importante influência na ocorrência da chamada "estagflação" (estagnação ou recessão
econômica acompanhada de inflação)46.
E importante observar que a referência feita à instrumentalidade do direito
antitruste para a proteção do Estado contra a sociedade e vice-versa, apesar de justificar a
concentração das atenções do direito antitruste sobre o poder econômico no mercado, não
transforma o direito antitruste em instrumento de tutela direta dos particulares contra o
Estado e vice-versa. A proteção das liberdades particulares contra a interferência estatal
em matéria econômica é função primária das normas da Constituição Federal (1988) que
definem os direitos fundamentais individuais e sociais e indiretamente daquelas que
regulam a ordem econômica. O direito antitruste só será utilizado em caso de
desvirtuamento das duas formas possíveis de atuação do Estado no campo econômico:
“através da prática direta de atividade econômica ou através da atuação normativa”47. No
primeiro caso, o direito antitruste só será invocado quando o Estado passar a exercer
atividade econômica relevante no mercado de bens, serviços e fatores de produção.
A aplicação da legislação antitruste, quando a intervenção do Estado na ordem
privada é feita por via regulatória torna-se mais complexa, por envolver diretamente a
resolução de um conflito entre normas e entre esferas de competência governamental.
46 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 47. 47 FORGONI, op cit., p. 17.
31
Pode-se adiantar que a Lei antitruste só pode ser aplicada à atuação estatal quando esta
estiver desnaturada e orientada à facilitação de criação de poder sobre o mercado, através
da admissão de acordos entre particulares (ou entes estatais exercendo atividade
econômica no mercado) que visem à criação de restrições à concorrência48.
A utilização do termo “poder econômico no mercado” intui ligar as preocupações
antitruste à garantia de um mercado de bens, serviços e fatores de produção, dotado de
regras de conduta que garantam um maior grau possível de auto-controle. O controle deve
ser exercido sobre todos aqueles que tenham poder de influenciar o mercado, sejam
agentes privados, estatais no exercício de atividade econômica ou estatais exercendo
atividade normativa ou fiscalizadora, quando essa for dirigida à proteção de interesses
particulares no mercado. O conceito central é o exercício de influência sobre o mercado,
qualquer que seja sua origem49.
1.3 LEGITIMIDADE
Identificam-se três interesses protegidos pelas normas de concorrência, sendo: o
interesse do consumidor, dos participantes do mercado e o interesse institucional da
ordem concorrencial.
Segundo Neide Terezinha Malard, o poder econômico se expressa por meio do
48 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 47-48. 49 FORGONI, op cit., p. 18.
32
exercício da atividade econômica e, quando exercido pelo Estado é representado pelo
poder econômico público, tem como meta principal o lucro social, quando o pode
econômico é exercido por particulares denomina-se poder privado, objetivando, todavia, o
lucro privado e financeiro50.
O poder econômico manifesta-se por meio de condutas servindo de medida para
assim legitimá-lo e, legítimo vem a ser o poder da empresa se exercido em busca do lucro
e sua maximização. Manifestações de poder pró-competitiva são legítimas, de modo que o
agente pode adotar diferentes estratégias em se tratando de custos de produção e preços,
traçadas segundo a capacidade econômica e vigor concorrencial51.
Os princípios básicos que regem a atuação do Estado na economia encontram-se
respaldados nos arts. 173 e 174, da Constituição Federal (1988). De sua leitura
interpretativa depreende-se que três são as funções possíveis do Estado na economia: em
primeiro lugar como agente direto da atividade econômica, em segundo como agente
fiscalizador do exercício da atividade econômica pelos particulares e, finalmente, como
agente normativo da atividade econômica52.
No primeiro caso não há dúvida quanto à sujeição do Estado ao sistema
concorrencial. A Constituição Federal (1988) deixou essa sujeição clara ao incluir a
50 MALARD, Neide Teresinha. A liberdade de iniciativa e a livre concorrência: as questões
jurídicas do poder econômico. Disponível em <http://www.iesb.br/ModuloOnline/Atena/arquivos_upload/Neide%20Teresinha%20Malard.pdf>. Acesso em 12 fev 2010.
51 Idem. 52 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 200.
33
proteção contra o abuso do poder econômico em um dos parágrafos que tratam da
exploração direta da atividade econômica pelo Estado (art. 173, § 42).
A Lei no. 8.884/94 prevê a sujeição de todos, sejam pessoas de natureza física ou
jurídica, de direito público ou privado, às normas concorrenciais53.
Já quanto ao poder fiscal e regulamentar, a questão é verificar a natureza da
atividade que está sendo fiscalizada ou normatizada, sendo esta quem determinará a
extensão do poder regulamentar e fiscal. Pode o sistema de regulamentação e fiscalização
estatal visar ou não à substituição do sistema concorrencial54.
A relação entre poder regulamentar e direito antitruste tem sido discutida na
casuística norte-americana. E, nesse embate, duas tendências jurisprudenciais paralelas se
destacam, cada qual ligada a importantes eventos da história política norte-americana55.
A primeira tendência decorre diretamente da própria natureza do federalismo
norte-americano que, ao atribuir relevante nível de autonomia aos Estados,
frequentemente coloca em choque a autonomia estadual com a regulamentação antitruste
de nível federal56.
Para determinar se o ato dos governos estaduais conferia ou não imunidade à
aplicação do direito antitruste, desenvolveu-se a chamada State Action Doctrine, cuja
melhor e mais recente formulação citada em decisões posteriores foi dada pela Suprema
Corte em California Retail Liquor Dealers Association uso Midcal Aluminum Inc.
53 SALOM1AO FILHO, op cit., p. 201. 54 Idem. 55 Idem. 56 Ibidem, p. 202.
34
(Midcal). Estabeleceram-se dois critérios básicos para determinar se a regulamentação
estadual conferia ou não imunidade à aplicação do direito antitruste57. Em primeiro lugar
é necessário que a decisão seja tomada ou a regulamentação expedida em consequência
de uma política claramente expressa e definida de substituição da competição pela
regulamentação. Não basta, portanto, que a lei dê poderes para determinação das variáveis
empresariais básicas (preço e quantidade produzida). É necessário que expresse
claramente a intenção de substituir a competição pela regulamentação58.
Mas é necessário que haja supervisão ativa e constante em relação ao
cumprimento das obrigações impostas pela regulamentação. A aplicação desses dois
critérios no sistema brasileiro levaria à conclusão necessária de que apenas quando o
Estado permite a alguém a exploração de serviço público mediante concessão haveria a
imunidade59. Apenas a concessão de serviço público permite, de um lado, pressupor a
existência de interesse em substituição do sistema concorrencial (exatamente por se
aplicar ao exercício pelo particular de serviços públicos que não se sujeitam ao regime
concorrencial) e, de outro, confiar na existência de poderes suficientes por parte da
administração de supervisionar ativamente o cumprimento das obrigações previstas no
texto regulamentar. Ausentes quaisquer desses dois requisitos, a ação estatal é passível de
revisão pelo órgão encarregado de aplicação do direito concorrencial60.
57 MALARD, op cit. 58 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 202. 59 MALARD, op cit. 60 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 203.
35
A segunda tendência manifesta-se na análise das competências regulamentares
das agências governamentais federais americanas. Não se trata de discutir a competência
de Estados Federados para excluir a aplicação do direito antitruste61. Trata-se de verificar
em que hipóteses a atribuição de competência a uma agência federal dotada de poderes
regulamentares afasta a possibilidade de aplicação do direito antitruste62. O poder
conferido à agência governamental independente inclui competência para aplicar a Lei
Antitruste; não há que se pensar em controle do ato do ponto de vista concorrencial pelo
órgão encarregado da aplicação do Direito Antitruste (FTC) ou pelas Cortes porque tais
regras já foram levadas em consideração quando da regulamentação ou decisão
aprovando determinado tipo de procedimento63.
As teorias desenvolvidas, extraídas do contexto sócio-político permitem
identificar critérios para avaliação da relação entre poder regulamentar e direito antitruste.
Para que o poder regulamentar possa se exercer sem consideração dos princípios
concorrenciais é necessário que a competência atribuída ao órgão regulamentar seja
extensa o suficiente para excluir a aplicação do direito concorrencial. Isso se verifica
quando a Lei substitui o sistema concorrencial pela regulamentação, declarando
expressamente esse objetivo e/ou oferecendo os meios para tal64. Veja-se que esse último
61 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 203. 62 GOMES, Carlos Jacques Vieira. Ordem econômica constitucional e direito antitruste.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004, p. 116. 63 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 205. 64 FORGONI, Paula. A. Os fundamentos do antitruste. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1998, p. 149.
36
requisito é fundamental, sendo preciso determinar as variáveis econômicas
fundamentais65.
65 Sendo a quantidade e preço, postas à cargo do órgão regulamentar, mas é necessário que haja
fiscalização eficaz do cumprimento das regras sobre preços e quantidades estabelecidas pelo órgão regulamentar. SALOMÃO FILHO, op cit., p. 205-206.
37
CAPÍTULO II
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO CONCORRENCIAL
Este capítulo tem como finalidade abordar os princípios fundamentais do Direito
Concorrencial, tratando dos aspectos da livre concorrência, da livre iniciativa de comércio
e de mercado.
Para Afonso José da Silva:
A livre iniciativa e a livre concorrência são primados fundamentais para a eficiente defesa do consumidor. A obediência a tais princípios é que propiciará uma ordem econômica fundada em ambiente que iniba a cartelização e promova o franco embate de preços, oferecendo aos consumidores produtos e serviços a valores mais acessíveis, condizentes com a realidade do mercado e de melhor qualidade. A combinação de preços, a formação de cartéis é, talvez, a chaga mais nefasta que atinge aos consumidores, impedindo sua livre escolha, refletindo duramente sobre suas contas, derrubando dramaticamente a qualidade de produtos e serviços66.
Segundo Afonso José da Silva, a atuação do Estado é uma tentativa de por ordem
o sistema econômica e social do país, de arrumar a desordem proveniente do liberalismo,
cujos efeitos importam em condicionar a atividade econômica, derivando daí direitos
66 BASTOS FILHO, Orlando. Os princípios fundamentais ordenadores da ordem econômica
e as Leis que restringem a livre iniciativa e a livre concorrência, ofendendo a direitos dos consumidores. Disponível em <mhtml:file://C:\Users\Cliente\AppData\Local\Temp\Restrição à livre iniciativa e à.mht#_ftn4>. Acesso em 15 fev 2010.
38
econômicos que fundamentam o conteúdo da constituição econômica de uma sociedade
economia democrática67.
Nesse embate, onde o Estado se posiciona como responsável para tutelar a livre
iniciativa e a livre concorrência verifica-se que:
O combate à [...] prática não é fácil, sendo dificílima a prova do ajuste entre os fornecedores. Muito mais eficaz, assim, que provar a existência de cartéis é criar ambiente de mercado que evite a sua existência, o que só se faz com aguerrida defesa da livre iniciativa e contínuo estímulo à concorrência. Não raro se observa que o saudável ambiente mercadológico é negativamente influenciado pelo próprio Poder Público, por meio de normas que o limitam, criando, com justificativas sofísticas, entabuladas para nublar motivação de protecionismo a reserva de mercado, disposições que dificultam a instalação e aparecimento de novos empreendedores. [...] a melhor forma de corromper o normal funcionamento do mercado: impedir que novos fornecedores ingressem no sistema, de forma a não desajustar o movimento reservado que o domina. O combate às legislações [...] que se quer chamar atenção, se apresenta [...] como imprescindível para a real tutela dos interesses dos consumidores68.
Os fundamentos propostos pelo Estado para regular a ordem econômica é
assegurar a todos uma existência digna, segundo os ditames da justiça social.
2.1 LIVRE CONCORRÊNCIA
A Constituição Federal (1988) prevê como princípios gerais da ordem econômica,
a orientar a aplicação de toda a legislação – relacionada à livre concorrência e a defesa do
67 SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2004,
p. 752. 68 GOMES, op cit., p. 116.
39
consumidor. Consagra no Título VII – Da Ordem Econômica –, Capítulo I, ressaltando o
princípio da livre concorrência no art. 170, inc. IV. e o art. 173, § 4º. estipula que: "a Lei
reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação
da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros".
O princípio da livre concorrência está previsto na Constituição Federal, em seu artigo 170, inciso IV e baseia-se no pressuposto de que a concorrência não pode ser restringida por agentes econômicos com poder de mercado. Em um mercado em que há concorrência entre os produtores de um bem ou serviço, os preços praticados tendem a se manter nos menores níveis possíveis e as empresas devem constantemente buscar formas de se tornarem mais eficientes, a fim de aumentarem seus lucros. Na medida em que tais ganhos de eficiência são conquistados e difundidos entre os produtores, ocorre uma readequação dos preços que beneficia o consumidor. Assim, a livre concorrência garante, de um lado, os menores preços para os consumidores e, de outro, o estímulo à criatividade e inovação das empresas69.
Essa pluralidade de interesses é repetida na própria Lei no. 8.884, que se orienta
pelos ditames constitucionais da "liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social
da propriedade, defesa dos consumidores e repressão do abuso do poder econômico". Não
obstante, livre concorrência e proteção do consumidor convivem como os objetivos da
legislação antitruste brasileira70.
A consequência direta da concepção imanente ao objetivo declarado na
Constituição e na Lei de Defesa da Livre Concorrência é a preocupação com estruturas ou
práticas que possam limitar ou falsear a igualdade de condições mínimas em suas duas
vertentes, liberdade de acesso e liberdade de permanência no mercado. A liberdade de
69 Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Disponível em
<http://www.cade.gov.br/Default.aspx?82a265ab70ae71c99f>. Acesso em 12 fev 2010. 70 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 30-32.
40
acesso no mercado é salvaguardada pela proteção da liberdade de iniciativa que, como os
demais princípios é prevista em sede constitucional (art. 170, parágrafo único) e legal (art.
1o., da Lei no. 8.884). Limitadora da liberdade de acesso é a existência de barreiras
(naturais ou artificiais) à entrada de concorrentes. Falseadoras da liberdade de
permanência são as práticas predatórias, tendentes a excluir artificialmente os
participantes do mercado71.
De outro lado, a defesa dos consumidores, incluída expressamente na Lei como
objeto de proteção do sistema concorrencial (Lei no. 8.884, art. 1o.), leva à consideração
dos consumidores como titulares imediatos das regras concorrenciais. Consequência dessa
concepção é a preocupação necessária com a eficiência econômica e com a correta
distribuição de seus benefícios entre produtores e consumidores72.
Entre essa perspectiva e a defesa da livre concorrência não existe qualquer
incompatibilidade, o que há é uma relação de instrumentalidade73.
A discussão a respeito da conflitualidade entre interesses dos consumidores e dos
concorrentes é útil por colocar em destaque a defesa do sistema concorrencial, entendida
como defesa da existência da concorrência, não pode ser confundida com a proteção da
existência de um tipo particular de concorrente ou de uma estrutura específica do
mercado. Não é possível, portanto, incluir como objeto específico do direito concorrencial
71 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 30-33. 72 FORGONI, op cit., p. 13. 73 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 33.
41
a defesa de uma estrutura empresarial formada por pequenas empresas. Esse objetivo,
sim, poderia conflitar com os interesses dos consumidores74.
A implementação generalizada de uma política de incentivo à existência apenas
de estruturas empresariais pequenas e médias poderia entrar em choque direto com os
interesses dos consumidores, na medida em que desconsideraria as exigências estruturais
específicas de cada mercado. Existem certos tipos de bens que por sua própria natureza
requerem altos investimentos em tecnologia, cuja forma de produção é sensível a
economias de escala. Nesse caso, a capacidade financeira e produtiva maior das empresas
participantes é uma exigência natural e uma vantagem para os consumidores, na medida
em que são aptas - desde que utilizadas em forma competitiva - a gerar produto de maior
qualidade e de menor custo75.
A diferença entre defesa da livre concorrência e defesa da pequena empresa foi
reconhecida pelo legislador brasileiro. A proteção da pequena e média empresa, ainda que
prevista na Constituição Federal (1988), como princípio geral da ordem econômica (art.
170, inc. IX), não vem repetida na Lei Concorrencial. A consequência dessa omissão não
é a inconstitucionalidade da Lei. Os princípios do art. 170 são orientadores da ordem
econômica como um todo, não apenas do Direito Concorrencial. Princípios
constitucionais especificamente concorrenciais podem ser considerados apenas os do art.
173, § 4o.76.
74 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 33 75 FORGONI, op cit., p. 14. 76 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 34.
42
Em consequência, não se pode considerar as pequenas e médias empresas
titulares privilegiadas dos interesses tutelados pela Lei. Seus interesses são defendidos
como qualquer outra empresa, não merecendo proteção especial ou favorecimento em
função de suas dimensões reduzidas77.
Dispõe André Ramos Tavares:
[...] a livre concorrência é a competição entre empresários, produtores, negociantes, etc. É a abertura jurídica concedida aos particulares para competirem entre si, em segmento lícito, objetivando êxito econômico pelas Leis de mercado e a contribuição para o desenvolvimento nacional e a justiça social78.
Segundo o entendimento dos pesquisadores Campos et al.79:
A livre concorrência significa o princípio econômico segundo o qual a fixação dos preços não deve resultar de atos da autoridade, mas do livre jogo das forças em disputas no mercado. Essa liberdade não é, porém, ilimitada, e só se justifica quando revela eficiência no desenvolvimento econômico e dela resultem benefícios à comunidade.
Verifica-se ainda nos estudos de Campos et al. que:
A livre concorrência significa a certeza de uma competição honesta, liberta de fraudes e abusos. Trata-se de uma obrigação de meio e não de resultado, pois não se assegura o direito de ganhar, mas apenas o direito de não ser lesado em suas forças pelos adversários.
77 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 34. 78 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2003, p.
35. 79 CAMPOS, Clarice Garcia de; BERTONCELLO, Franciellen; PALLONE, Julio Cesar Coelho;
MORAES, Carlos Alexandre. Direito Concorrencial e a disciplina jurídica do poder econômico. Revista Jurídica Cesumar, a. I, n. 1, 2001, p. 236. Disponível em <http://www.cesumar.br/pesquisa/periodicos/index.php/revjuridica/article/viewFile/455/229>. Acesso em 13 fev 2010.
43
Segundo Calisto Salomão Filho, o vocábulo – livre concorrência invoca a idéia de
Ordo-Liberal do sistema concorrencial, preocupado com a igualdade de condições
mínimas de concorrência, ou mais precisamente, com a liberdade de acesso e
permanência no mercado.
2.2 LIVRE INICIATIVA
De acordo com Orlando Bastos Filho, o legislador cuidou em introduzir na
Constituição Federal do Brasil (1988), em capítulo próprio, os princípios da atividade
econômica, tratando dos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. O art. 170
desse Diploma afirma o seguinte posicionamento:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I. soberania nacional; II. propriedade privada; III. função social da propriedade; IV. livre concorrência; V. defesa do consumidor; VI. defesa do meio ambiente; VII. redução das desigualdades regionais e sociais; VIII. busca do pleno emprego; IX. tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob
as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país.
44
Parágrafo único. È assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em Lei80.
Logo mais adiante, no mesmo Diploma Legal, o art. 173, §4º adverte que a Lei
reprimirá o abuso do poder econômico que busque como finalidade a dominação de
mercado, eliminando a concorrência e o aumento arbitrário dos lucros. Sendo assim, a
regra da razão como princípio tem como função proporcionar a harmonia à antinomia
entre a livre iniciativa de mercado, estimulando o empreendedorismo e a livre
concorrência, que preserva a competitividade do mercado81.
Por outro lado, a Lei no. 10.149/00 instituiu o acordo de leniência, o qual estimula
a iniciativa do agente econômico aos atos de comércio, em prática ofensiva aos ditames
competitivos.
A tutela de um mercado competitivo recai sobre o Estado, com repercussão para
entidades de natureza pública e privada, onde o interesse comum em produzir e
comercializar produtos e serviços com custos acessíveis a população, com qualidade e
tecnologia moderna é de responsabilidade de cada instituição em particular, visando
oferecer ao consumidor o melhor produto ou serviço possível.
Segundo Luciano Sotero Santiago, em face ao texto constitucional, a livre
concorrência não se confunde com a livre iniciativa. Embora complementares, possuem
conceitos distintos. A livre iniciativa, por sua vez, correlaciona-se com a manutenção das
possibilidades reais de acesso e exercício de atividade econômica pelos indivíduos, como
80 BASTOS FILHO, op cit.
45
garantia de sua liberdade econômica. A livre concorrência refere-se às possibilidades
desses agentes de disputarem as preferências do consumidor no mercado de consumo82.
Essa distinção elucidada decorre do fato de a Constituição da República (1988)
ter feito uma diferenciação entre livre concorrência e livre iniciativa, ao considerar que a
livre concorrência não é uma consequência natural ou necessária da livre iniciativa.
A realidade fática e econômica comprova o acerto e a importância de se distinguir
a livre concorrência da livre iniciativa, atribuindo-se àquela uma autonomia em relação a
esta, visto que há situações em que os agentes econômicos, ao pretexto de exercerem a
livre iniciativa, se valem de estratégias para prejudicar, eliminar ou falsear a concorrência
em um dado mercado83.
Os agentes econômicos sabem que a livre concorrência pode ser contrária aos
seus interesses, que alcançarão melhores resultados se houver acordo, arranjo para
eliminar ou neutralizar a concorrência; ou se impuserem restrições ou dificuldades à
entrada de novos concorrentes no mercado84.
Como ressalta Selene Maria de Almeida, desembargadora do Tribunal Regional
Federal da 1a. Região:
Não se pode admitir que agentes econômicos, seja através de ato unilateral, seja mediante a celebração de um contrato, impeçam que a livre concorrência exerça seu papel no mercado. Daí a livre concorrência ter sido consagrada [...] como
81 BASTOS FILHO, op cit. 82 SANTIAGO, Luciano Sottero. Direito da concorrência. Doutrina e jurisprudência. Salvador:
Podivm, 2008, p. 59. 83 COSTA Mauricio de Moura. O princípio constitucional de livre concorrência. Revista Ibrac,
vol. 5, n. 01, 2005, p. 12. 84 GOMES, op cit., p. 113-114.
46
um bem digno de receber tutela jurídica - o art. 170 da Constituição do Brasil impõe seja, a ordem econômica, fundada na livre iniciativa e o art. 20, I da Lei no. 8.884/94, inspirado no § 4° do art. 173 do texto constitucional, condena qualquer ato que possa prejudicar a livre concorrência. Isso importa em que a concorrência cause alguns prejuízos a determinados agentes econômicos que, impedidos de adotar estratégias independentes, restam obrigados a respeitar o jogo próprio do mercado em que atuam (mercado relevante). Em consequência, lucros menores e maiores preocupações com os concorrentes, consumidores e fornecedores. É explicável, portanto, o desejo nutrido pelos agentes econômicos, de eliminação de toda concorrência incômoda que lhes seja contraposta. Isso é muitas vezes buscado mediante a celebração de acordo entre os agentes econômicos concorrentes (cartel). Outras, o agente econômico que detém poder de mercado adota práticas anticompetitivas (abusando, portanto, do poder que detém), visando a eliminação da concorrência. É o que ocorre [... ] nos casos de vendas abaixo do preço de custo85.
Em outros casos, segundo Carlos Jacques Vieira Gomes, os agentes econômicos,
ao argumento de preservação do exercício da livre iniciativa, defendem que:
[...] o Estado não poderia impor limites aos atos de concentração econômica. Tais acordos deveriam ser aprovados sem qualquer restrição, dado que se inclui na esfera da autonomia privada (na livre iniciativa) o direito de adquirir e alienar grupos econômicos. Óbvio, pois, que a autorização indiscriminada das concentrações econômicas, a pretexto de se respeitar a livre iniciativa, seria capaz de provocar danos irreparáveis a livre concorrência, o que basta à conclusão de que livre iniciativa e livre concorrência constituem valores antinômicos86.
Dentro da diferenciação constitucional entre livre iniciativa e livre concorrência,
o princípio da livre concorrência assume caráter instrumental ao princípio da livre
iniciativa, na medida em que constitui um dos elementos a balizar seu exercício, a fim de
que seja exercido dentro de finalidades sociais, conforme prescreve o texto constitucional,
85 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1o. Região: Medida Cautelar n.
2000.01.00.0000454/DF, relatora Desembargadora. Federal Selene Maria de Almeida, DJ 09/04/2002. 86 GOMES, op cit., p. 114.
47
mantendo condições propícias à atuação dos agentes econômicos, beneficiando os
consumidores87.
Por conseguinte, a livre concorrência é um princípio que deve ser protegido, ao
qual a livre iniciativa deve submeter-se. Conforme entendimento da desembargadora
Federal Selene Maria de Almeida, do Tribunal Regional Federal da 13a. Região:
[...] O Estado brasileiro protege e quer que seja assegurada a livre concorrência, com a liberdade dos agentes econômicos de desenvolvimento de suas atividades. A liberdade de iniciativa de que fala a Constituição Federal não existe sem livre concorrência. O princípio da livre iniciativa é para todos e não só para alguns, detentores de maior poder econômico. Daí o dever do Estado, em favor do princípio da igualdade, reprimir [...] o abuso de posição dominante. O princípio constitucional da igualdade conduz à obrigatoriedade de uma ação que observe a igualdade de direito de todos os agentes econômicos do mercado. Esse princípio regula a possibilidade de atuação da garantia de todos, sendo irrelevante sua posição de domínio. Nesse sentido, o § 4° do art. 173 da Constituição Federal [1988] reprime o abuso do poder econômico porque se acredita que a concorrência é o melhor processo para uma ordem econômica mais eficiente e justa.
Portanto, é consagrado como atividade econômica legítima no contexto ordem
econômica constitucional a livre iniciativa concorrencial. A realização da ordem
econômica constitucional só é possível mediante a integração da livre iniciativa à livre
concorrência, porquanto a iniciativa só será livre à medida que agentes econômicos
puderem ter acesso aos meios de produção, o que só se concebe em um mercado onde,
concorrentemente, as forças produtivas possam atuar88.
87 COSTA, op cit., p. 12. 88 NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Defesa da concorrência e globalização econômica: o
controle da concentração das empresas. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 237.
48
O princípio da livre concorrência tem um significado próprio que o distingue do
princípio da livre iniciativa, se apresenta como um elemento desejável, ou mesmo
necessário para que se possa presumir que a livre iniciativa promova a realização do bem
comum, o que é um elemento favorável para que a livre iniciativa reencontre seu valor
social. A livre concorrência desempenha um papel fundamental para que livre iniciativa
possa se beneficiar da presunção de beneficiar a coletividade. Trata-se de elemento
importante para a valorização social da livre iniciativa89.
A autonomia que a Constituição da República (1988) atribuiu à livre concorrência
em relação à livre iniciativa é fundamental para se compreender a validade jurídica da
introdução de um modelo concorrencial em mercados regulados. Tradicionalmente,
entendia-se que somente poderia haver concorrência em um regime de mercado, que
pressupusesse a existência de uma atividade econômica qualquer, exercida sob o regime
da livre iniciativa, sem controle do Estado.
No entanto, ocorre que há setores da atividade econômica, como determinados
tipos de serviços públicos em que a regulação substitui o mercado, já que é o Estado
Regulador e não o mercado que define preço, acesso, permanência, saída, qualidade e
formas de prestação do serviço. Neste marco regulatório em que o mercado é plenamente
regulado pelo Estado não há espaço para o exercício da livre iniciativa. Se mantida a
visão tradicional de que a livre concorrência é uma consequência da livre iniciativa, não
89 MALARD, Neide Terezinha. Concentração de empresas e concorrência. [Monografia].
Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, 2002, p. 4.
49
se poderia admitir a introdução de um regime de concorrência onde não há mercado livre,
pois sem livre iniciativa não há livre concorrência90.
Entretanto, como, no contexto constitucional, o princípio da livre concorrência
possui significado próprio que o distingue do princípio da livre iniciativa, não há
impedimento para que se introduza a concorrência em mercados regulados, tal como o de
telecomunicações ou de energia elétrica91.
90 COSTA, op cit., p. 14. 91 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 30.
50
Capítulo III
ABUSO DE PODER ECONÔMICO
Este capítulo tem como finalidade abordar o abuso de poder econômico, iniciando
um discurso sobre o conceito e definição, posteriormente, discorre sobre o direito do
consumidor, de acordo com os arts. 4o. incs. III e VI, 6o. inc. II e 39, inc. X, do Código de
Defesa do Consumidor (1990).
O abuso de poder econômico é proibido pela Lei no. 8.884/94, porém, ainda não
foi definido pelo mesmo Diploma. Na verdade, o que é punido são os efeitos do abuso
econômico cometido92.
Pelo que consta no Código de Defesa do Consumidor (1990), art. 4o.93, incs. III e
VI, em relação aos interesses dos participantes nas relações de consumo, verifica-se que:
92 SELEME, op cit., p. 9. 93 Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo atender as
necessidades dos consumidores, respeito à dignidade, saúde e segurança, proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da qualidade de vida, transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios. I. reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; II. ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta; b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas; c) pela presença do Estado no mercado de consumo; d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho. III. harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170/CF), com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores-fornecedores; IV. educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo; V. incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos/serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo; VI. Coibição/repressão eficiente de abusos praticados no mercado de consumo, concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes
50
51
Art. 4º. - A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Lei nº. 9.008, de 21/3/95) [...] III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo; [...]
Em se tratando dos direitos básicos do consumidor, o art. 6o., inc. II, Capítulo III,
Dos Direitos Básicos do Consumidor, do Código de Defesa do Consumidor (1990) relata:
são direitos básicos do consumidor: [...] II - a educação e divulgação sobre o consumo
adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas
contratações [...].
No que tange aos produtos e serviços, o art. 39, X, Seção IV, Das Práticas
Abusivas relata o seguinte: “é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre
outras práticas abusivas: (Lei nº. 8.884, de 11/6/1994). [...] X - elevar sem justa causa o
preço de produtos ou serviços (Lei nº. 8.884, de 11/6/1994).
comerciais/signos distintivos que causem prejuízos aos consumidores; VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos; VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo.
52
3.1 CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS
A definição do abuso de poder econômico é um conceito jurídico indeterminado94
e que ainda precisa ser preenchido e terminado pelo intérprete. No entanto, não se
confunde com discricionariedade, ao passo que esta trata de juízos de oportunidade,
enquanto o conceito jurídico indeterminado trata de juízos de legalidade. O intérprete só
poderá fazer sua interpretação fundamentada em Leis e em princípios. Por fim, a
discricionariedade somente se dará nos casos em que seja atribuída por Lei ao
administrador.
Para se buscar a definição de abuso de poder econômico é preciso utilizar-se do
conceito de abuso de direito. Existem duas teorias que buscam a conceituação de abuso de
direito: a subjetiva e a objetiva. Para a teoria subjetiva é necessário analisar a intenção do
sujeito, é preciso que esteja com intenção de prejudicar95.
Pode-se afirmar que a teoria predominante é a objetiva, segundo a qual se deve
trocar a visão individualista, tendo em vista um enfoque sobre a destinação que o direito
subjetivo produzirá no meio social, levando em conta os interesses da coletividade. Essa
teoria vai ao encontro da função social da empresa e da função social do poder
econômico96.
94 BRUNA, Sergio Varella. O poder econômico e a Constituição do abuso em seu exercício.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 148. 95 SELEME, op cit., p. 14. 96 Idem.
53
Conceituando o abuso de poder econômico à luz do Direito Econômico,
resumidamente, tem-se que o Direito Econômico é aquele através do qual o Estado faz
políticas públicas e intervém na economia97. Desta forma, parece claro que é nesse ramo
do Direito que se enquadra o Direito Antitruste, uma vez que o Direito antitruste possui
caráter instrumental, servindo como meio de o Estado intervir no domínio econômico.
Contudo, não deixa o Direito Antitruste de participar também, embora em menor escala,
de outros ramos do Direito, como o Direito Penal, Societário, Comercial, do Consumidor,
Trabalhista, entre outros98.
Deve-se compreender que o Direito Antitruste busca não a realização de
interesses individuais, como do concorrente, e sim interesses da sociedade, do mercado
como um todo. O controle do abuso ao poder econômico, normalmente, é feito através do
controle dos preços, o qual provoca certa distorção da realidade do mercado. O agente em
posição dominante não permite a correta distribuição dos recursos econômicos99.
Sendo assim, frente a distribuição incorreta dos recursos econômicos é tido como
ultrapassada a idéia de um ambiente de concorrência ideal, não compatível com o poder
econômico vigente. O poder econômico deixa de ser visto como um dado maléfico à
sociedade, na medida em que se consegue tirar proveito dele. Ou seja, o poder econômico
passa a ser benéfico a partir do momento que é encarado como um dado estrutural da
sociedade, composto de sua função social. Assim, ao invés de atrapalhar na distribuição
da renda, no desenvolvimento da sociedade e na realização da justiça social, passa a servir
97 BRUNA, op cit., p. 149. 98 SELEME, op cit., p. 14.
54
de instrumento para a consecução desses objetivos. Para isso, certamente, não poderá o
agente detentor de posição dominante dela abusar, nem deixar de cumprir sua função
social. Desta forma, o poder econômico passa a ter uma conotação socialmente útil, na
medida em que é exercido também com vistas ao interesse comum100.
O lucro e a propriedade, dentro do exercício regular da atividade empresária,
casam com os princípios da livre iniciativa e livre concorrência, privilegiado pelo valores
sociais. Caminhando junto aos interesses privados (próprios da atividade empresarial não
estatal) e os interesses sociais (princípio constitucional da sociedade brasileira)101.
Entretanto, há que se ter em mente que a concorrência é a regra e não a exceção,
assim, não pode ser admitido um poder econômico que cause danos substanciais à
concorrência. E por assim dizer, poder econômico e concorrência podem ser encarados
como dados incompatíveis, sendo este o ponto central do debate. Sendo assim, é preciso
encontrar um equilíbrio102.
Nesta direção, afirma Eras Roberto Grau, que as regras da Lei no. 8.884/94
conferem concreção aos princípios da liberdade de iniciativa, da livre concorrência, da
função social da propriedade, da defesa dos consumidores e da repressão ao abuso do
poder econômico em coerência com a ideologia constitucional adotada pela Constituição
Federal (1988)103. Esses princípios coexistem harmonicamente entre si, conformando-se,
99 SELEME, op cit., p. 15. 100 BRUNA, op cit., p. 150. 101 SELEME, op cit., p. 15. 102 BRUNA, op cit., p. 153. 103 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição Federal (1988). 3. ed. São
Paulo: Malheiros, 1997, p. 234.
55
mutuamente, uns aos outros. Daí porque o princípio da liberdade de concorrência ou da
livre concorrência assume, no quadro da Constituição Federal (1988), sentido conformado
pelo conjunto dos demais princípios por ela contemplados; seu conteúdo é determinado
pela sua inserção em um contexto de princípios, no qual e com os quais subsiste em
harmonia104.
Para que se chegue a uma conclusão faz-se necessário um exame in concreto.
Neste ponto muito se divergem as opiniões, segundo a teoria de quem a adota. Porém,
parece que deve ser levado em consideração o custo/benefício da existência do poder
econômico, e sendo ele benéfico à sociedade não deve ser tido como ilícito. Para essa
análise deve ser usado o critério da legalidade, com fulcro na Constituição Federal (1988)
e na Lei no. 8.884/94105.
Através da noção de abuso deve-se entender lícita ou não a posição dominante.
Abusa de posição dominante aquele que não cumpre sua função social. O agente
econômico deve ter como objetivo o lucro e a busca pela justiça social, o
desenvolvimento social, o livre mercado e concorrência, não o fazendo, estará abusando
de sua posição. Deve-se ter em mente que a concorrência é um meio, e não um fim em si
mesma106.
No campo do Direito Antitruste não importa a culpa (sentido lato) do agente, mas
sim a verificação de um resultado diverso da função estabelecida, pouco importando a
intenção do agente. Cumpre ressaltar que não é necessário que o dano já tenha ocorrido,
104 GRAU, op cit., p. 234-235. 105 SELEME, op cit., p. 16.
56
como o dumping, onde o dano emergirá após eliminada a concorrência. Além disso, não é
necessário que o dano seja sofrido por concorrentes, podendo ser por outros agentes da
cadeia produtiva107.
Sérgio Varella Bruna tem por abuso do poder econômico o exercício, por parte do
titular de posição dominante, de atividade empresarial contrariamente a sua função social,
de forma a proporcionar-lhe, mediante restrição à liberdade de iniciativa e à livre
concorrência, apropriação (efetiva ou potencial) de parcela de renda social superior àquela
que legitimamente lhe caberia em regime de normalidade concorrencial, não sendo
abusiva a restrição quando ela se justifique por razões de eficiência econômica, não tendo
sido excedidos os meios estritamente necessários à obtenção de tal eficiência, e quando a
prática não representa indevida violação de outros valores maiores (econômicos ou não)
da ordem jurídica108.
A atividade é abusiva por contrariar sua função social, mas a contrariedade
verifica-se no campo das liberdades de iniciativa e de concorrência. Outros valores não
concorrenciais que eventualmente sejam violados pelas atitudes dos detentores de poder
econômico serão objeto de outras técnicas jurídicas, diversas da repressão aos abusos do
poder econômico. Sob o prisma concorrencial, o desvio do poder econômico dessa sua
função contraria o desenvolvimento, pois impede a correta alocação de recursos
econômicos na atividade produtiva, contrariando a justiça social, na medida em que
subverte os critérios de distribuição de renda. Por esse mesmo motivo, a conduta não será
106 BRUNA, op cit., p. 177-178. 107 SELEME, op cit., p. 16.
57
abusiva quando se justifique por motivos econômicos que favoreçam o desenvolvimento e
a justiça social, mesmo representando restrição à liberdade de concorrência, já que a
concorrência é um meio e não fim em si mesma. Mas os imperativos da eficiência
econômica deverão ceder o passo a outros valores maiores da ordem jurídica, não
necessariamente econômicos. Desse modo, não se pode justificar violação de bens
jurídicos maiores, como a vida ou a saúde do trabalhador, a pretexto de atingir-se a
aludida eficiência109.
Conclui-se, segundo o pensamento adotado por Eros Roberto Grau que a ordem
econômica na Constituição Federal (1988), sendo objeto de interpretação dinâmica,
poderá ser adequada às mudanças da realidade social, prestando-se a instrumentá-las.
3.1 DIREITOS DO CONSUMIDOR
Toda a teorização econômica do Direito Concorrencial baseia-se na proteção do
consumidor. Teóricos Ordo-Liberais, estruturalistas e neoclássicos não discordam quanto
ao ponto. A discordância maior está quanto ao sentido a ser dado à expressão "bem-estar
do consumidor". Enquanto para os Ordo-Liberais e para muitos dos defensores das teorias
108 GRAU, op cit., p. 348-349. 109 Idem.
58
pós-Chicago significa liberdade de escolha, para os teóricos neoclássicos significa
simplesmente eficiência econômica110.
De acordo com Calisto Salomão Filho, o Direito do Consumidor é o segundo
interesse tutelado pelas normas concorrenciais. Em matéria concorrencial a expressão
"interesse do consumidor" tem assumido sentido equívoco111.
No entanto, o fato de o consumidor ser o destinatário econômico final das normas
concorrenciais não o transforma em destinatário jurídico direto das mencionadas normas.
Muitas vezes é apenas através da proteção da instituição concorrência que seu interesse
será protegido. O interesse institucional consistente exatamente na proteção da
concorrência - destaca-se como um interesse dotado de objetividade jurídica própria de
instrumentos de tutela112.
É o caso da proteção contra os atos tendentes à dominação do mercado (art. 20,
III, da Lei no. 8.884/1994). Neles, apenas indiretamente o consumidor tem interesse.
110 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 81. 111 Segundo o Código de Defesa do Consumidor (1990): art. 6º São direitos básicos do
consumidor: I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; IX - (Vetado); X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
59
Diretamente o que há é o interesse institucional na proteção da ordem concorrencial e os
interesses dos concorrentes que serão eliminados do mercado pelos referidos atos.
Imagine-se, por exemplo, a prática de preços predatórios. De maneira sintética, dizer que,
economicamente, para o predador os preços predatórios funcionam como um
investimento. Ele incorre em prejuízos no presente para poder ganhar poder monopolista
e dele abusar no futuro113.
Um raciocínio baseado exclusivamente no interesse imediato do consumidor
poderia considerar ilícita a prática, pois os preços predatórios, no curto prazo,
evidentemente o beneficiam. Basta entender que o interesse do consumidor consiste na
existência da concorrência e que é nesse caso mediado pela proteção da existência de
concorrentes para ter de considerar a prática ilícita114.
Finalmente, como última razão para o não-reconhecimento de uma titularidade
direta do consumidor em relação aos interesses protegidos pela Lei concorrencial. Trata-
se de uma razão prática, mas de extrema importância. Ocorre que em muitos casos, sendo
vários os interesses envolvidos, atribuir titularidade direta dos interesses ao consumidor e,
consequentemente, legitimidade para propor as demandas protetivas de tais interesses
poderia levar a abusos. Demandas poderiam ser propostas com o exclusivo fim de
prejudicar determinados concorrentes115.
112 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 82-83. 113 GRAU, op cit., p. 348-350. 114 Ibidem, p. 348-349. 115 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 82-83.
60
Um exemplo evidente é o controle das estruturas. Nele, além dos interesses
institucionais, os interesses de todos os agentes daquele determinado mercado poderiam
estar envolvidos. Nada mais correto que atribuir a competência para investigá-los e julgá-
los a um órgão técnico (CADE)116.
O legislador brasileiro limitou a possibilidade de propositura de ações individuais
ou coletivas às infrações à ordem econômica, ou seja, apenas às hipóteses elencadas nos
arts. 20 e 21 da Lei Concorrencial (controle dos comportamentos) (arts. 29 e 88, Lei no.
8.884/1994). No caso do controle das estruturas a via judicial continua aberta, mas apenas
para o natural e constitucionalmente obrigatório controle judicial dos atos administrativos
(decisão do CADE)117.
Resta saber com relação a que direitos tem o consumidor titularidade direta?
Excluído o controle das estruturas e excluídos os atos tendentes à dominação do mercado,
em que o interesse do consumidor é mediado pelo interesse institucional da concorrência
o que resta?118
O primeiro grupo de ilícitos que vem à mente é o de abuso do poder econômico.
Relativamente à eles é inquestionável a existência de uma relação direta entre o agente
que pratica o ilícito e o consumidor. É por isso que em doutrina se coloca em dúvida a
conexão de sua existência. Afirma-se que a proteção do consumidor em curto prazo teria
efeitos estruturais negativos sobre o mercado. Haveria desestímulo à entrada de
concorrentes e concorrentes com menor poder econômico poderiam ser expelidos do
116 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 82-83. 117 Ibidem, p. 82.
61
mercado. Isso porque não mais poderiam se beneficiar dos efeitos positivos de um
aumento de preços do concorrente com o poder econômico e da consequente migração de
consumidores que daí adviria119.
Com efeito, imaginando-se que existem instrumentos concorrenciais para
controlar a formação de barreiras à entrada, um controle sobre os preços abusivos só será
inconveniente se os potenciais entrantes no mercado forem ineficientes. Isto é, esses
competidores só precisarão dos preços abusivos na medida em que forem incapazes de
oferecer os produtos a preços competitivos. Ora, se isso ocorre, não será difícil ao
monopolista abaixar seus preços por um curto espaço de tempo, mesmo sem chegar a
caracterizar preços predatórios, para eliminar esses concorrentes do mercado.
Ademais, segundo Calisto Salomão Filho, a manutenção de uma concorrência
ineficiente não pode ser motivo para o prejuízo dos consumidores que, sobretudo, em
economias oligopolizadas como a brasileira são frequentemente vítimas de abusos. O
Brasil não tem uma longa tradição de controle das estruturas concorrenciais, o que requer
um eficiente e presente controle do abuso de poder econômico. Não por acaso a disciplina
concorrencial brasileira origina-se exatamente deste tipo de ilícito120.
Finalmente, existem os ilícitos de concorrência desleal, despontando o interesse à
proteção institucional da concorrência. E, ao lado dela, o consumidor será o destinatário
direto das normas sempre que puder caracterizar que é diretamente através dele que a
concorrência desleal está se praticando. Veja-se que a publicidade enganosa baseada na
118 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 83. 119 Idem.
62
divulgação de informações falsas sobre o concorrente. Na concorrência desleal, o
concorrente será sempre destinatário direto das normas de proteção.
Do exposto, conclui-se que o consumidor não é o destinatário direto das normas
concorrenciais, mas é sempre sua justificação última. No caso do controle das estruturas e
- como regra geral - também no controle dos comportamentos é protegido de maneira
reflexa, através da proteção acordada aos interesses institucionais e aos concorrentes. É o
que ocorre no caso dos atos tendentes à dominação do mercado e nos atos de concorrência
desleal. Evidente está que mesmo nesses casos todos os danos individualmente causados
ao consumidor, por força da prática dos ilícitos concorrenciais deverão ser devidamente
ressarcidos. Não sujeitos à regra geral são os ilícitos consistentes em abuso de posição
dominante. Não por acaso, essas regras não são consideradas rigorosamente
concorrenciais. Essa relação direta entre agente econômico que pratica ilícito
concorrencial e consumidor não é típica do Direito Concorrencial, mas corresponde a uma
necessidade prática e dogmática decorrente das situações de concentração de poder da
economia brasileira121.
As considerações podem parecer um pouco teóricas em ausência de menção à
forma concreta de proteção dos interesses do consumidor. O interesse institucional da
concorrência é sempre protegido nas vias administrativas (SDE e CADE), onde só
interesses institucionais têm abrigo122.
120 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 83-84. 121 Idem. 122 Idem.
63
Já o interesse direto e individual do consumidor tem outra forma de proteção.
Ainda que indiretamente salvaguardado pela proteção do interesse institucional, pode e
deve ter tutela própria. É da própria natureza dos interesses institucionais esse efeito
duplo sobre a esfera institucional e a esfera individual. Daí a tutela das garantias
institucionais no campo privado dever-se fazer através de normas especiais. No sistema
brasileiro essa característica ganha duplo significado: material e processual. No campo
material, não há necessidade de prova de intenção; ou a intenção demonstra-se por
elementos exclusivamente objetivos. No campo processual, através das formas
tradicionais de tutela individual, há a já mencionada ação coletiva para proteção de
interesses individuais homogêneos. Assim, toda vez que for possível demonstrar que do
ato anticoncorrencial decorreu prejuízo a um grupo identificável de consumidores será
possível a qualquer associação de defesa dos consumidores promover a demanda (art. 82,
IV, c/c o art. 91, do CDC, 1990)123.
Como visto, o Direito Concorrencial acaba por interferir nas relações diretas entre
produtor e consumidor. É o que corre nos ilícitos de abuso de posição dominante, onde da
posição de poder e de domínio do agente sobre o mercado decorre risco para o interesse
institucional protegido (concorrência)124.
É de se perguntar se o Direito do consumidor pode e/ou deve interferir nas
relações concorrências; e, em caso positivo, de que forma. Para tanto analisaremos dois
123 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 85. 124 Ibidem, p. 82-83.
64
principais grupos de regras do Código de Defesa do Consumidor (1990) que podem
interferir nessas relações125.
O Código do Consumidor Brasileiro (1990) não contém previsão expressa para a
publicidade enganosa. O art. 37 proíbe toda publicidade enganosa ou abusiva, definindo
como enganosa a publicidade que, entre outras coisas, é capaz de induzir em erro o
consumidor a respeito do preço do produto. Não há referência expressa à indução em erro
através da alteração de preço – lacuna que parece facilmente suprível através de uma
interpretação teleológica da norma.
Entretanto, não é só com relação ao preço que a publicidade pode ser sugestiva.
Aliás, pode-se dizer que é exatamente com relação ao preço que pode ser menos
sugestiva. A publicidade é por excelência sugestiva quando sequer como tal se identifica.
O Código de Defesa do Consumidor Brasileiro (1990) é duro nesse sentido. O art. 36
impõe que toda publicidade se identifique como tal126.
A proibição de aumento injustificado de preços é prevista no art. 21, inc. XXIV,
da Lei no. 8.884/94 e no art. 39, inc. X, da Lei no. 8.078/90. A “venda casada” é
considerada infração contra a ordem econômica, prevista no art. 21, inc. XXIIII, da Lei
no. 8.884/94, como prática comercial abusiva, vedada no art. 39, inc. I, da Lei no.
8.078/90. A recusa de venda está prevista como infração contra a ordem econômica no
125 SANTIAGO, op cit., p. 106-107. 126 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 106.
65
inc. XIII, art. 21, da Lei no. 8.884/94, como prática comercial abusiva no inc. II, art. 39,
da Lei no. 8.078/90127.
1. A intervenção do Estado na ordem econômica, fundada na livre iniciativa, deve observar os princípios do direito do consumidor, objeto de tutela constitucional fundamental especial (CF, arts. 170 e 5°., XXXII). 2. Nesse contexto, consagrou-se ao consumidor no seu ordenamento primeiro, a saber: o Código de Defesa do Consumidor Brasileiro, dentre os seus direitos básicos 'a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações' (art. 6°, lI, do CDC). 3. A denominada 'venda casada', sob esse enfoque, tem como ratio essendi da vedação a proibição imposta ao fornecedor de, utilizando de sua superioridade econômica ou técnica, opor-se à liberdade de escolha do consumidor entre os produtos e serviços de qualidade satisfatório e preços competitivos. 4. Ao fornecedor de produtos ou serviços, consectariamente, não é lícito, dentre outras práticas abusivas, condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço (art. 39, I, do CDC). 5. A prática abusiva revela-se patente se a empresa cinematográfica permite a entrada de produtos adquiridos na suas dependências e interdita o adquirido alhures, engendrando por via oblíqua a cognominada “venda casada”. Interdição inextensível ao estabelecimento cuja venda de produtos alimentícios constituiu a essência da sua atividade comercial como, verbi gratia, os bares e restaurantes128.
O primeiro critério para se definir a aplicação de uma ou outra Lei é a
identificação do bem jurídico tutelado. O principal interesse protegido pela Lei no.
8.884/94 é o mercado, não o consumidor em si. Este, por sua, vez, possui legislação
específica em seu proveito, o Código de Defesa do Consumidor (1990), que procura
protegê-lo das mais diferentes formas, seja individual, seja coletivamente, buscando
nivelar as relações contratuais e incentivar, inclusive, o caráter de cidadania nas relações
127 SALOMÃO FILHO, op cit., p. 106. 128 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça: Recurso Especial no. 774.602. RJ, Relator Ministro
Luiz Fux. Administrativo. Recurso especial. Aplicação de multa pecuniária por ofensa ao Código de Defesa do Consumidor (1990). Operação denominada “venda casada” em cinemas. CDC, art. 39, I vedação do consumo de alimentos adquiridos fora dos estabelecimentos cinematográficos.
66
de consumo129. Na Lei n.o 8.884/94, o fim principal é a tutela do mercado, sendo o
interesse do consumidor considerado apenas de forma mediata como critério nas
considerações de práticas anti-concorrenciais130. No entanto, na Lei no. 8.078/90 o
principal interesse é a tutela do consumidor, parte reconhecidamente vulnerável no
mercado de consumo131.
129 MIRON, Rafael Brun. O Direito Concorrencial como instrumento de defesa do
consumidor. Lei antitruste – 10 anos de combate ao abuso do poder econômico. ROCHA, João Carlos de Carvalho et al. (coords). Belo Horizonte: Del Rey, p. 212.
130 MIRON, Rafael Brum. O direito da concorrência como instrumento de defesa do consumidor. Lei antitruste -10 anos de combate ao abuso do poder econômico. (Coords. ROCHA, João Carlos de Carvalho et al.) Belo Horizonte: DeI Rey, p. 2l2.
131 SANTIAGO, op cit., p. 106.
67
CAPÍTULO IV
CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA – CADE
Este Capítulo tem como finalidade argumentar sobre o Conselho Administrativo
de Defesa Econômica (CADE), apresentando o conceito e natureza jurídica, composição,
função, atuação e os atos de fusão entre as empresas do ramo alimentício, Perdigão e
Sadia em maio de 2009, bem como a pretensão de fusão entre o Pão de Açúcar e as Casas
Bahia em dezembro de 2009 (aguardando aprovação do CADE).
4.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
Segundo o site www.cade.gov.br, “o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (CADE) é um órgão judicante, com jurisdição em todo o território nacional,
criado pela Lei no. 4.137/62, transformado em autarquia vinculada ao Ministério da
Justiça pela Lei no. 8.884, de 11 de junho de 1994”132.
Segundo Luciano Sotero Santiago, a decisão do CADE possui natureza
administrativa, visto que o CADE é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da
Justiça. Ressalta ainda que o CADE é um órgão do Poder Executivo, mesmo tendo função
68
judicante não exerce nenhum Poder Jurisdicional, sendo este privativo dos órgãos do
Poder Judiciário, previstos no art. 92 da Constituição da República (1988)133.
As atribuições do CADE estão previstas também na Lei nº 8.884/94. Ele tem a
finalidade de orientar, fiscalizar, prevenir e apurar abusos de poder econômico, exercendo
papel tutelador da prevenção e da repressão a tais abusos.
4.2 COMPOSIÇÃO DO CADE
Segundo a Lei nº. 9.021, art. 4., Capítulo II, Da Composição do Conselho, de 30
de março de 1995, a qual dispõe sobre a implementação da autarquia, criada pela Lei nº.
8.884, de 11 de junho de 1994, dando outras providências, o CADE é composto da
seguinte forma:
Art. 4º. O Plenário do CADE é composto por um Presidente e seis Conselheiros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta anos de idade, de notório saber jurídico ou econômico e reputação ilibada, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovados pelo Senado Federal. § 1º. O mandato do Presidente e dos Conselheiros é de dois anos, permitida uma recondução. § 2º. Os cargos de Presidente e de Conselheiro são de dedicação exclusiva, não se admitindo qualquer acumulação, salvo as constitucionalmente permitidas. § 3º. No caso de renúncia, morte ou perda de mandato do Presidente do CADE, assumirá o Conselheiro mais antigo ou o mais idoso, nessa ordem, até nova nomeação, sem prejuízo de suas atribuições.
132 Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Disponível em
<http://www.cade.gov.br/Default.aspx?82a265ab70ae71c99f>. Acesso em 12 fev 2010.
69
4.3 COMPETÊNCIA DO CADE
Segundo Leonardo Ayres Santiago é conhecer e julgar não apenas matérias
ligadas à concorrência, mas também a abusividade no aumento de preços praticados pelo
mercado e de tarifas públicas, conforme segue comentários:
COMPETÊNCIA – AUMENTO ABUSIVO DE PREÇOS PÚBLICOS – TARIFA DE TRANSPORTE PÚBLICO FIXADA POR MUNICIPALIDADE – COMPETÊNCIA DO CADE RECONHECIDA. A Lei no. 8.884/94 confere ao CADE competência para conhecer e julgar não apenas de matéria ligada à concorrência. Assim, tem o Conselho competência para apreciar eventual abusos de aumento de preços públicos e de tarifas de serviços públicos134.
4.4 ATUAÇÃO PRÁTICA DO CADE
A Lei no. 8.884/94 elevou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(CADE) à autarquia federal, “com atribuição para decidir sobre a prática de infração da
ordem econômica e aplicar penalidade, além de apreciar atos de concentração econômica,
aprovando-os ou não”.
133 SANTIAGO, op cit., p. 314-315. 134 CADE - Averiguação Preliminar nº 08000.011794/94-75, de 16 de fevereiro de 1996, Relator
Conselheiro Edgard Lincon de Proença Rosa, representante: Departamento de Produção e Defesa Econômica (DPDE), representado: Município do Rio de Janeiro, DOU de 11.03.96, conforme consulta realizada no site <http://www.cade.gov.br> em 10/03/2001. In: SANTIAGO, Leonardo Ayres. O perfil do CADE no ordenamento jurídico pátrio e os aspectos decorrentes de sua atuação. Revista Mundo Jurídico, p. 11. Disponível em <www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 18 fev 2010.
70
O mesmo Diploma legal prevê, no art. 53, o chamado “compromisso de
cessação”. No entanto, “sem implicar na confissão quanto à matéria de fato, podendo ser
celebrado em qualquer fase do processo administrativo, livrando o agente da aplicação da
penalidade”.
Segundo Carla Lobão Barroso de Souza135:
[...] o compromisso de cessação é um instrumento de composição de conflitos concorrenciais, conferindo a Lei que o adotou, além de uma orientação repressiva do abuso do poder econômico, uma posição de proteção à concorrência, revelando que a concorrência efetiva e prontamente restaurada é tão importante para o mercado quanto à repressão, uma vez que a cessação espontânea traz benefícios imediatos para o mercado. O objetivo desse instrumento é a imediata restauração da concorrência.
Na vertente da atuação preventiva, celebra-se o compromisso de desempenho (art.
58), que permite o controle sobre o cumprimento das condições previstas no §1º. do art.
54. Além disso, não obstante, a aprovação do ato pelo CADE pode ficar condicionada ao
atendimento de outras condições especificadas no termo de desempenho. A principal
vantagem desse dispositivo é formalizar a monitoração e a cobrança dos resultados
efetivos dos alegados ganhos de eficiência, sob pena de seu descumprimento injustificado
levar à revogação da autorização dada pelo CADE136.
Segundo o site www.cade.gov.br, o CADE é a última instância, na esfera
administrativa, responsável pela decisão final sobre a matéria concorrencial. Assim, após
135 BARROSO DE SOUZA, Carla Lobão in Estudo da Evolução da Legislação Brasileira de
Defesa da Concorrência, apud KLAJMIC, Magali. Política legal da concorrência. Revista de Direito Econômico, nº. 27, Brasília: Janeiro/Julho de 1998. CADE, p.84.
136 SANTIAGO, op cit., p. 11-12.
71
receber o processo instruído pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE/MF)
e/ou pela Secretaria de Direito Econômico (SDE/MJ) tem a tarefa de julgar as matérias,
de modo que a autarquia desempenha, em princípio, três importantes papéis, sendo o
preventivo137, repressivo138 e educativo139.
Ao CADE são atribuídas funções administrativas, não jurisdicionais. Ademais, a
decisão do CADE, seja no âmbito da repressão às infrações contra a ordem econômica,
seja no âmbito do controle dos atos de que trata o art. 54, da Lei no. 8.884/94 decorre de
processo administrativo. Significa, pois, que o único instrumento de que o CADE pode
ser valer para atingir a finalidade de suas funções é o processo administrativo.
O controle judicial material das decisões do CADE possibilita ao Poder Judiciário
examinar toda a matéria alegada, incluindo aspectos jurídicos e econômicos envolvidos.
Este tipo de controle judicial é mais pleno do que o controle judicial formal, que limita-se
apenas ao exame ao controle da legalidade e aos aspectos formais concernentes à ampla
defesa, ao contraditório e ao devido processo legal.
137 O papel preventivo corresponde basicamente à análise dos atos de concentração, ou seja, à
análise das operações de fusões, incorporações e associações de qualquer espécie entre agentes econômicos. Este papel está previsto nos arts. 54 e ss da Lei no. 8.884/94.
138 O papel repressivo corresponde à análise das condutas anticoncorrenciais. Essas condutas anticoncorrenciais estão previstas nos artigos 20 e seguintes da Lei nº 8.884/94, no Regimento Interno do CADE e na Resolução 20 do CADE, de forma mais detalhada e didática. Nesses casos o CADE tem o papel de reprimir práticas infrativas à ordem econômica, tais como: cartéis, vendas casadas, preços predatórios, acordos de exclusividade, dentre outras.
139 O papel pedagógico do CADE é difundir a cultura da concorrência, presente no art. 7º., XVIII, da Lei nº. 8.884/94. No entanto, para o cumprimento deste papel é essencial a parceria com instituições como universidades, institutos de pesquisa, associações, órgãos do governo. Desenvolve esse papel através de seminários, cursos, palestras, da edição da Revista de Direito da Concorrência, do Relatório Anual e de Cartilhas, cujo resultado está presente no crescente interesse acadêmico pela área, na consolidação das regras antitruste junto à sociedade e na constante demanda pela maior qualidade técnica das decisões.
72
A possibilidade de controle judicial das decisões do CADE sob o aspecto material
é controvertido, tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Há quem defende esse tipo de
controle, ao fundamento de que a decisão do CADE, por ser um ato administrativo de
natureza vinculada, está sujeita ao exame do Poder Judiciário; é inconstitucional qualquer
limite ao controle jurisdicional das decisões do CADE; o exame das decisões do CADE
pelo Poder Judiciário atende ao princípio da segurança jurídica, pois contribui para o
próprio fortalecimento institucional do CADE, que passa a trabalhar com referenciais
legais e jurisprudenciais mais sólidos e, progressivamente, terá as suas decisões cada vez
menos reformadas por recursos ao Judiciário; o controle das decisões pelo Poder
Judiciário é saudável para promoção e defesa da concorrência, visto que possibilita a
formação e consolidação de jurisprudência na área de defesa da concorrência.
Os que são contrários ao controle judicial pleno defendem que as decisões do
CADE, por se apoiarem em conteúdos indeterminados, estão infensas ao controle judicial,
pois cabe ao CADE, dentro de sua discricionariedade, realizar a melhor escolha; o Poder
Judiciário não está preparado tecnicamente para julgar matérias afetas ao Direito da
Concorrência, visto que as decisões do CADE envolvem matéria de grande complexidade
econômica; o exame das decisões do CADE pelo Poder Judiciário desatende ao princípio
da segurança jurídica, pois enfraquece a atuação do CADE; o controle das decisões pelo
Poder Judiciário gera inefetividade das decisões do CADE, já que o litígio judicial vem
sendo empregado por muitos como uma etapa protelatória das decisões administrativas.
73
Para se chegar a uma conclusão favorável ou não ao controle judicial pleno, é
importante se analisar alguns aspectos fundamentais que envolvem a função judicante do
CADE. Observem-se os números em termos de evolução dos processos jurídicos versus
distribuição com estoque no CADE.
GRÁFICO 1 - Evolução dos processos jurídicos versus distribuição e estoque no CADE
Conforme pode ser observado no Gráfico 1, em final de 2009 haviam 538
processos distribuídos no CADE, mas o maior número existente foi em 2008, com 809
processos.
Nesse contexto, infere-se que as decisões do CADE referentes à aplicação de
penas apresentam conteúdo discricionário, pois o art. 24 da Lei no. 8.884/94 atribui ao
74
aplicador da penalidade, quando assim exigir a gravidade dos fatos ou o interesse público
geral, a possibilidade de impor outras penas, isolada ou cumulativamente. Não há uma
única pena prescrita, de modo vinculante, ao aplicador da lei. Afinal, o ordenamento não
determinou que fossem aplicadas todas as penalidades ao infrator. Ao contrário,
reconheceu que as cinco penalidades previstas em Lei podem ser aplicadas, de forma
isolada ou cumulativa. Desta forma, pode-se aplicar uma, duas, três, quatro ou as cinco
penalidades, tudo a depender da gravidade dos fatos ou do interesse geral. Tem-se clara
discricionariedade na aplicação da penalidade administrativa. Neste caso, o ordenamento
usou uma fórmula que, por si só, já evidencia a liberdade pública para eleger, conforme
conveniência e oportunidade administrativas, uma dentre as várias opções que o direito
estipulou claramente e considerou igualmente como legítimas140.
A discricionariedade também se apresenta na decisão do CADE referente à
realização do compromisso de cessação, porquanto a Lei no. 8.884/94 não estipulou a
obrigatoriedade de o CADE firmar compromisso de cessação. Ao contrário, firmou a
possibilidade de o CADE julgar a infração contra a ordem econômica ou celebrar o
compromisso de cessação. Tanto que artigo 53 da Lei no. 8.884/94 emprega a expressão
poderá e não deverá realizar compromisso de cessação141.
Por fim, o fato de a Lei no. 8.884/94 apresentar conceitos jurídicos
indeterminados não significa que a decisão do CADE, quando aplicados estes conceitos,
seja discricionária. A indeterminação dos conceitos somente existe em abstração perante
140 CARVALHO, Raquel Mello Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Salvador:
Podvm, 2000, p. 407.
75
um caso concreto, ou o ato de concentração aumenta a produtividade ou não, ou melhora
a qualidade de bens ou serviços ou não, ou propicia a eficiência e o desenvolvimento
tecnológico ou econômico ou não. Na realização da hipótese legal não reside imprecisão.
Ademais, embora alguns conceitos da Lei no. 8.884/94 possam ser considerados
juridicamente indeterminados, economicamente não conferem a quem os aplica qualquer
discricionariedade.
4.4.1 Fusão entre Pão de Açúcar Ponto Frio, Extra Eletro e Casas Bahia
As empresas Pão de Açúcar, Ponto Frio e Casas Bahia celebraram um Acordo
Operacional de Reversibilidade Operacional (APRO) no mês de dezembro de 2009.
Segundo Marcos Morita, o acordo de fusão entre o grupo Pão de Açúcar, o Ponto Frio,
Extra Eletro e Casas Bahia, anunciado em 04 de dezembro de 2009 ainda precisa de
aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) para tornar-se
realidade. O órgão é o responsável por garantir a concorrência entre as empresas no
Brasil142.
141 SANTIAGO, op cit., p. 317-318. 142 União de Pão de Açúcar e Casas Bahia precisa de aprovação do CADE: entenda Redes anunciaram acordo de fusão nesta sexta-feira. Em junho, grupo de Abílio Diniz tinha
anunciado compra da rede Ponto Frio. (4/12/2009). Disponível em <http://www.portalms.com.br/noticias/Uniao-de-Pao-de-Acucar-e-Casas-Bahia-precisa-de-aprovacao-do-Cade-entenda/Brasil/Economia/959568186.html>. Acesso em 15 fev 2010.
76
No entanto, o objetivo da fusão e aprovação do CADE é garantir que a união das
operações entre as Casas Bahia, Extra Eletro e Ponto Frio não resulte em prejuízos ao
consumidor, como aumento excessivo de preços, juros ou queda na qualidade dos
serviços.
Segundo Paulo Augusto Silva Novaes, especialista em Direito Concorrencial, a
semelhança entre os negócios da Casas Bahia e Ponto Frio pode gerar obstáculos para a
aprovação do Conselho, o qual poderá impor algumas restrições antes de aprovar o
negócio, principalmente, porque as duas empresas têm presença marcante nos setores de
eletrodomésticos e linha branca, além da concessão de crédito. No entanto, não há
consenso se a nova operação será benéfica ou não para o consumidor, alvo principal de
proteção do Direito Concorrencial.
De acordo com a Lei, fusões ou aquisições entre empresas são aceitáveis desde
que tenham negócios complementares. “No caso da Casas Bahia e o Pão de Açúcar, por
exemplo, está em conformidade por vender mais produtos da linha branca e o outro é
supermercado.
No entanto, segundo Novaes, tanta concentração pode resultar em taxas de juros
caras nos financiamentos oferecidos, tanto pelas Casas Bahia quanto pelas lojas do Ponto
Frio. Segundo Novaes, ocorre que: “o risco imediato é o de que o custo do crédito fique
mais caro, o que é normal em caso de mercado concentrado. O Brasil já é concentrado no
mercado de bancos, o que é uma das razões pelas quais os juros no Brasil são tão altos”.
77
O professor e especialista em empresas, Marcos Morita, da Faculdade Mackenzie,
acredita que o aumento de “poder” por parte do grupo pode se reverter em maior
capacidade de barganha e produtos mais baratos. Segundo Morita, “é papel do CADE
avaliar esse poder de concentração [...] com essa fusão [...] ganham poder [...] para
negociar com os fornecedores. Se eu fosse fabricante de linha branca ou eletro eu estaria
preocupado”. Para o especialista:
[...] o CADE deve restringir alguns pontos do negócio para evitar domínio excessivo do mercado por parte do Grupo Pão de Açúcar. O CADE pode colocar algumas travas para evitar que isso aconteça. Como fez com a Sadia e Perdigão, por exemplo, em que só foi permitida a união das operações financeiras e não das marcas [...]143.
De acordo com Mariana Tavares, secretária de Direito Econômico do Ministério
da Justiça: “ainda não há razão para preocupação sobre os efeitos da fusão para o
consumidor. Vamos ver se é uma empresa mais eficiente ou se deterá poder de mercado
em excesso”144.
143 União de Pão de Açúcar e... 144 Fusão de Sadia e Perdigão manterá marcas e funcionários de fábricas. (20/05/2009).
Gazeta do Povo. Disponível em < http://pt.engormix.com/MA-avicultura/noticias/fusao-sadia-perdigao-mantera_15066.htm>. Acesso em 12 fev 2010.
78
4.4.2 Fusão entre Perdigão e Sadia
Recentemente, de modo semelhante, as empresas Sadia e Perdigão, ambas com
sede radicada no Estado de Santa Catarina, Brasil, celebraram um Acordo Operacional de
Reversibilidade Operacional (APRO), resultando na Brasil Foods.
De acordo com Cristiane Barbieri, repórter da Folha Online, os presidentes-
executivos e representantes dos acionistas das empresas Sadia e Perdigão assinaram em
18 de maio de 2009 o contrato de fusão das empresas, criando a indústria alimentícia
Brasil Foods (BRF). Com 75 anos à época, a Perdigão está presente em 12 países, além
do Brasil, nasceu, inicialmente, com a aquisição de um frigorífico em Santa Catarina,
sendo um dos maiores desafios para os órgãos de defesa da concorrência145.
Na atualidade, com 119 mil funcionários, 42 fábricas construídas e mais de R$:
10 bilhões em exportações/ano, a BRF ressurge com um faturamento líquido de R$: 22
bilhões anuais. No entanto, as discordâncias foram com relação ao valor patrimonial do
Banco Concórdia, pertencente à empresa Sadia, mas que desde o início ficou claro que a
área financeira do grupo ficaria fora da BRF. A avaliação do valor “para baixo” significou
milhões de reais a menos em ações para os acionistas da Sadia.
De acordo com Nildemar Secches, presidente do Conselho de Administração da
Perdigão:
79
[...] a BRF, empresa resultante da fusão, será a marca institucional da empresa. Já os produtos tradicionais das duas empresas "vão continuar indefinidamente". Continuaremos a operar com os mesmos produtos, com todas as marcas que oferecemos ao público. As marcas têm a sua vida e sua comunicação própria, são os grandes ativos das empresas [...].
Sob o aspecto comercial, afirmou Luiz Fernando Furlan, presidente do Conselho
de Administração da Sadia, que os consumidores não sentiram a mudança, ou melhor, o
processo de fusão, todas as marcas estiveram disponíveis.
No entanto, o negocio requereu a aprovação do Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (CADE), órgão de defesa da concorrência, de modo que a estrutura
das companhias continuou funcionando de maneira independente.
Segundo o Banco do Desenvolvimento Econômico (BNDES:
[...] apesar de a Perdigão manter seu CNPJ e ter 68% do capital da nova empresa [...] não restava outra opção à Sadia. Depois de perder R$ 4,55 bilhões em operações no mercado de câmbio [em 2008] tentou se capitalizar buscando ajuda de fundos de pensão e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Furlan, [...] não obteve nenhuma proposta interessante. A única saída foi render o controle à concorrente por R$ 1,45 bilhão – menos da metade dos R$ 3,3 bilhões estimados pelo mercado – distribuídos em ações a seus sócios. Diante das circunstâncias, o acordo não deixa de ser bom para Furlan e a família Fontana, principais acionistas da Sadia146.
145 BARBIERI, Cristiane. Perdigão e Sadia assinam acordo de fusão. (19/05/2009).
Disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u568000.shtml>. Acesso em 12 fev 2010.
146 PLATAFORMA BNDES. Fusão da Sadia com Perdigão foi boa só para as empresas. (29/0509). (escrito por Época). Disponível em <http://www.plataformabndes.org.br/index.php/pt/noticias/38-materias/273-fusao-da-sadia-com-perdigao-foi-boa-so-para-as-empresas>. Acesso em 15 fev 2010.
80
CONCLUSÃO
O tema abordado ATUAÇÃO DO CADE NO DIREITO CONCORRENCIAL
levou a concluir que a defesa da ordem econômica implica em uma ordem fundada na
liberdade de iniciativa e valorização do trabalho humano, visando assegurar aos sujeitos
de direito a existência de uma vida digna, segundo os ditames da justiça social, sendo
estes os destinatários de direitos indivisíveis e finalísticos.
Notavelmente, que a transformação do CADE em autarquia mostra a intenção do
Estado em dotá-lo de eficiência na repressão ao abuso de poder econômico, implicando
em maior autonomia frente aos litígios.
A redação do art. 173, § 4º, da Constituição Federal (1988), que trata da repressão
do abuso de poder econômico no contexto mercadológico significa a positivação e
reconhecimento do exercício do Estado rumo à concretização da função social da
propriedade, dos recursos econômicos e dos bens de produção, devendo estes serem
utilizados para o bem-estar do consumidor.
Em relação à atuação das Procuradorias do CADE e do Ministério Público
Federal para coibir o abuso de poder econômico concedido às empresas e seus agentes,
verifica-se que procura fazer com que haja maior sentido de cooperação e proteção aos
princípios de livre concorrência e livre iniciativa, tornando o mercado e seus sistemas
mais eficientes e moderados.
81
Finalmente, o estudo levou a concluir que o CADE não possui competência
exclusiva para coibir o abuso de poder econômico e seus resultados ilícitos, nem mesmo a
competência de outros órgãos ou entidades afasta a legitimidade de sua atuação quando
configurado o exercício abusivo de poder econômico pelos atores.
Entende-se como fato conclusivo que o CADE é responsável pelo controle
técnico de áreas sujeitas à livre iniciativa e livre concorrência, com papel preventivo,
repressivo e educativo.
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REFERÊNCIAS
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