UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Taíla Caproni Ferreira...
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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
Taíla Caproni Ferreira Fortes
ASPECTOS POLÊMICOS DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
ENVOLVENDO OS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS
CURITIBA
2011
ASPECTOS POLÊMICOS DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
ENVOLVENDO OS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS
CURITIBA
2011
Taíla Caproni Ferreira Fortes
ASPECTOS POLÊMICOS DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
ENVOLVENDO OS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Danielli Weber Santos
CURITIBA
2011
TERMO DE APROVAÇÃO
Taíla Caproni Ferreira Fortes
ASPECTOS POLÊMICOS DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
ENVOLVENDO OS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS
Esta monografia foi julgada e aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito do Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, de de 2011.
_____________________________________
Professor Doutor Eduardo de Oliveira Leite Coordenador de Monografias do Curso de Direito da
Faculdade de Ciências Jurídicas Universidade Tuiuti do Paraná
Orientador: _____________________________________ Profª. Danielli Weber Santos Membros: _____________________________________ Prof. 1º Membro da Banca _____________________________________ Prof. 2º Membro da Banca
Agradecimento
Ao Carlos Alberto Nepomuceno Filho, por seus conhecimentos e pela habilidade em transmiti-los, pela dedicação e interesse, minha eterna gratidão.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 9
2 DO DIREITO COLETIVO NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO ......................................................................................................... 11
2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES........................................................................... 11
2.2 DAS ESPÉCIES ................................................................................................. 12
2.2.1 Direito difuso................................................................................................... 13
2.2.2 Direito coletivo ................................................................................................ 14
2.2.3 Direito individual homogêneo......................................................................... 15
3 DO DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO ................................................ 18
3.1 A NATUREZA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA NO CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR ................................................................................................ 18
3.1.1 Legitimidade para propositura do cumprimento de sentença.......................... 21
3.2 REFLEXOS DA EXTINÇÃO DO REGIME JURÍDICO DA EXECUÇÃO DE
TÍTULO JUDICIAL E SURGIMENTO DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA NOS
DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS......................................................... 24
4 ASPECTOS POLÊMICOS DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
ENVOLVENDO DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS ....................... 27
4.1 A (IM)POSSIBILIDADE DE INICIAR O PROCEDIMENTO NOS PRÓPRIOS
AUTOS DA AÇÃO COLETIVA............................................................................. 27
4.2 A INTIMAÇÃO DO DEVEDOR OU DO SEU ADVOGADO COMO MARCO
INICIAL PARA O PAGAMENTO ESPONTÂNEO PREVISTO NO ART. 475-J, DO
CPC........................................................................................................................... 29
4.2.1 Da multa prevista no artigo 475-J do Código de Processo Civil .................... 31
5 CONSIDERAÇÕES EM RELAÇÃO AO POSICIONAMENTO DOS
TRIBUNAIS ACERCA DA MATÉRIA............................................................... 35
5.1 A NECESSIDADE DE O CREDOR, BENEFICIÁRIO DA SENTENÇA
COLETIVA ENVOLVENDO DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS,
INGRESSAR COM UM PROCESSO AUTÔNOMO DE CUMPRIMENTO DE
SENTENÇA ............................................................................................................. 35
5.2 A FLUÊNCIA DO PRAZO PREVISTO NO ART. 475-J, DO CPC, NÃO DEVE
OCORRER DA PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA ................ 36
5.2.1 Da inexistência do termo a quo para a incidência da multa de 10%, prevista no
art. 475-J, do CPC .................................................................................................... 38
6 CONCLUSÃO...................................................................................................... 40
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................... 43
RESUMO O objeto deste trabalho é levantar alguns aspectos polêmicos relativos ao cumprimento de sentença envolvendo os direitos individuais homogêneos, em razão do advento da Lei nº 11.232/2005. Para isso, é realizada uma breve disposição dos direitos coletivos com o propósito de definir o que são direitos individuais homogêneos. Discute-se a natureza da sentença condenatória prevista no art. 95 da Lei nº 8.078/1990, além dos reflexos da extinção do regime jurídico da execução de título judicial e suas implicações no cumprimento de sentença envolvendo esta modalidade de direito coletivo. Como fontes são utilizadas pesquisas doutrinária e jurisprudencial. É relevante o estudo na medida em que a legislação atual não regulamenta adequadamente estas demandas. Palavras-chave: processo coletivo; cumprimento de sentença; direitos individuais homogêneos
ABSTRACT The object of this work is to raise some controversial aspects relating to the performance of the sentence regarding to the homogeneous individuals rights, with the appearance of the law number 11.232/2005. For this purpose, it´s realized a short description of the collectives law with the intention to define what the homogeneous individuals rights are. The nature of the conviction sentence in the law number 8.078/1990 is discussed, besides the reflex of the extinction of the execution´s lawsuit and its implications in the performance of the sentence regarding this kind of collective law. As sources, it uses the bibliographical research and the judgments of the superior courts. It´s relevant the study because the actual laws doesn´t regulate well this actions. Key-words: collectives law; performance of the sentence; homogeneous individuals rights.
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1. INTRODUÇÃO
O Direito Processual Civil é um instrumento a serviço do direito material, isto
é, o processo “existe em função do direito material e da necessidade de se contar com
instrumento capaz de servir de conduto para as pretensões de direito material diante do
aparelho jurisdicional.” (WAMBIER, 2007, p. 62).
Esta íntima correlação entre a função do Processo Civil e a estrutura do Poder
Judiciário motivou as substanciais modificações ocorridas com o Código de Processo
Civil nos últimos anos, que tiveram por finalidade simplificar sua estrutura e facilitar
seu manejo, tornando-o um instrumento útil para a administração da justiça.
Dentro desse contexto foi editada a Lei nº 11.232/05, que alterou a Lei nº
5.869/73 (Código de Processo Civil - CPC), estabelecendo a fase de cumprimento de
sentença no processo de conhecimento.
Ao revogar dispositivos relativos à execução fundada em título judicial,
pretendeu o legislador proporcionar ao credor maior celeridade e eficácia no
cumprimento da sentença, tornando desnecessária a instauração de novo processo com
a citação do devedor.
Entretanto, apesar destas modificações, os meios tradicionalmente utilizados
pelo Direito Processual Civil brasileiro ainda se mostram insuficientes para resolver
todos os litígios, sobretudo aqueles que transcendem a esfera individual, os
denominados “direitos coletivos”.
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O Direito Processual Coletivo é um novo ramo do direito processual. Em
razão disso, muito dos seus conceitos, princípios e diretrizes interpretativas ainda estão
em construção. Em regra, são aplicáveis no processo coletivo os procedimentos
previstos no Código de Processo Civil, embora sua aplicabilidade seja limitada pelo
fato deste diploma processual ter sido elaborado com base em uma concepção
individualista (ALMEIDA, 2007).
Decorrem desta equivocada concepção os principais problemas que serão
objetos de análise no presente trabalho. Como imaginar a continuidade do
cumprimento de sentença dentro dos próprios autos da ação coletiva, quando houver
milhares de beneficiários do título executivo? Ainda, diante do efeito erga omnes da
sentença de procedência, e de sua natureza genérica, teria como o devedor proceder ao
pagamento espontâneo, visto que na maioria dos casos desconhece seus credores? Em
consequência, como aplicar a multa prevista no art. 475-J, do Código de Processo
Civil?
É nesse contexto que o presente trabalho pretende abordar os principais
aspectos polêmicos do cumprimento de sentença envolvendo os direitos individuais
homogêneos.
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2. DO DIREITO COLETIVO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES
O Código Civil de 1916, marcadamente individualista, afastou qualquer
possibilidade de abertura para as tutelas coletivas, o que Fredie Didier (2010) chamou
de “réquiem”1 para as ações coletivas.
Somente com a Constituição de 19342, pela primeira vez, teve-se a expressa
menção às ações populares. Contudo, é a partir do Estado Democrático de Direito que
“o Estado tem que atuar para se reestruturar, reestruturando também a sociedade e
abrir igualmente as portas para a participação popular, como fator de sua legitimação
político-democrátiva.” (ALMEIDA, 2003, p. 56).
A evolução dos conflitos humanos ao longo do tempo evidenciou a
necessidade da sociedade em requerer soluções aos litígios que atingem uma
coletividade de pessoas. Diante disso, procedimentos foram criados para servir às
demandas coletivas: a ação popular (Lei nº 4.717/65 e art. 5º, inc. LXXIII da
Constituição Federal), a ação civil pública (Lei nº 7.347/85), o mandado de segurança
coletivo (art. 5º, inc. LXX da Constituição Federal), as ações coletivas para defesa de
direitos coletivos (arts. 81 a 100 do Código de Defesa do Consumidor) e as recentes
reformas no Código de Processo Civil, em especial a Lei nº 11.232/2005.
1 Uma missa dos mortos encomendada para as tutelas coletivas, em 1916, com o Código Civil de Beviláqua. Segundo o autor, tem-se pela primeira a vez um diploma legal profundamente comprometido com a exclusividade. O objetivo do legislador era purificar o sistema, retirando dele todos os temas que pudessem manter uma indesejável característica “pública”, de direito público. 2 Art. 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] 38- Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios.
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Ocorre que não há como tutelar os direitos coletivos somente por meio das
regras de direito processual civil clássico e leis complementares. Diante disso, quatro
anteprojetos de Código de Processo Civil Coletivo foram publicados no Brasil nos
últimos anos, de acordo com Antonio Gidi:
O primeiro anteprojeto foi o Código de Processo Civil Coletivo, de autoria de Antonio Gidi, iniciado em 1993 e terminado em 2002; o segundo foi o Código Modelo de Processos Coletivos do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual, iniciado em 2003 e aprovado em 2005, que tiveram como relatores Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Antonio Gidi; o terceiro foi o Código Brasileiro de Processos Coletivos da USP, iniciado no fim de 2003 e terminado em 2006, liderado por Ada Pellegrini Grinover, e o quarto foi o Código Brasileiro de Processos Coletivos da UERJ/Unesa, iniciado em 2005 e terminado no mesmo ano, liderado por Aluísio Gonçalves de Castro Mendes. (2008, p. 02).
Contudo, nas recentes reformas do Código de Processo Civil em relação ao
cumprimento de sentença (Lei 11.232/2005), não houve preocupação com a execução
coletiva e os modelos até então existentes não dispensam tratamento específico a esta
execução.
É nesse contexto que serão abordados alguns aspectos polêmicos do
cumprimento de sentença envolvendo os direitos individuais homogêneos, diante da
inexistência, no sistema jurídico brasileiro, de um corpo legislativo próprio para reger
esta execução coletiva.
2.2 DAS ESPÉCIES
Consideram-se espécies dos direitos coletivos lato sensu os direitos difusos, os
direitos coletivos stricto sensu e os direitos individuais homogêneos. É a subdivisão
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adotada pelo Código de Defesa do Consumidor, artigo 81, parágrafo único, nos seus
incisos I, II e III.
Para Tesheiner (2010), estas “três categorias são redutíveis a duas: a dos
interesses coletivos ou transindividuais, que compreende os interesses difusos e
coletivos stricto sensu, e os direitos individuais homogêneos.”
Independentemente da classificação utilizada, para se estudar alguns aspectos
polêmicos do cumprimento de sentença envolvendo os direitos individuais
homogêneos, torna-se relevante distingui-los das demais espécies de direitos coletivos.
2.2.1 Direito difuso
Dispõe o art. 81, parágrafo único, inciso I, do Código de Defesa do
Consumidor, que são “interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos
deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares
pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”.
De acordo com este critério seguido pelo Código de Defesa do Consumidor,
sob o aspecto subjetivo, os interesses ou direitos difusos têm como titulares pessoas
indetermináveis e indeterminadas, que possuem uma origem comum, sem vínculo
jurídico prévio entre elas, uma vez que estão ligadas por meras circunstâncias fáticas.
Já o objeto dessa categoria de direito é indivisível, só podendo ser considerado como
um todo (id., 2003).
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Por afetar um número indeterminado de pessoas, “a coisa julgada que advier
das sentenças de procedência será erga omnes, ou seja, irá atingir a todos de maneira
igual (art. 103, inc. I, CDC).” (DIDIER, 2010, p. 74).
São exemplos de direito difuso a publicidade enganosa ou abusiva, veiculada
por meio da imprensa falada, escrita ou televisionada, que afeta um número
incalculável de pessoas, sem que entre elas exista uma relação jurídica base, a proteção
ao meio-ambiente, a preservação da moralidade administrativa, etc.
2.2.2 Direito coletivo
Em seu art. 81, inciso II, o Código de Defesa do Consumidor estabelece que
são “interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os
transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de
pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.”
Os interesses ou direitos coletivos pertencem a um grupo, categoria ou classe
de pessoas indeterminadas, mas determináveis, ligadas entre si por uma relação
jurídica prévia, mantida entre si ou com a parte contrária, cujo objeto também é
indivisível (id., 2003).
Esclarece Didier (2010) que a relação jurídica necessita ser anterior à lesão,
assumindo um caráter de anterioridade. No direito coletivo, a coisa julgada será ultra
partes, conforme o art. 103, inc. II do CDC, mas limitado ao grupo, categoria ou
classe.
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Como exemplo de direito coletivo, tem-se os interesses dos contribuintes do
imposto de renda, pois existe uma relação jurídica base entre eles e o fisco.
2.2.3 Direito individual homogêneo
Direitos ou interesses individuais homogêneos são, pela definição do art. 81,
inciso III do Código de Defesa do Consumidor, os “decorrentes de origem comum”.
O que esses direitos têm em comum, segundo Didier (2010), é a procedência,
a gênese na conduta comissiva ou omissiva da parte contrária, questões de direito ou
de fato que lhes conferem características de homogeneidade.
A homogeneidade “não é uma característica individual e intrínseca desses
direitos subjetivos, mas, sim, uma qualidade que decorre da relação de cada um deles
com os demais direitos oriundos da mesma causa fática ou jurídica.” (GIDI, 2009, p.
279).
É esta homogeneidade que possibilita “a defesa coletiva de interesses
individuais, porque as peculiaridades inerentes a cada caso concreto são irrelevantes
juridicamente, já que as lides são individuais, no que diz respeito às questões de
direito, são muito semelhantes e, em tese, a decisão deveria ser a mesma em todos e
em cada um dos casos.” (id., 1995, p. 30).
Não se confunde com o litisconsórcio, pois não se trata de uma reunião de
pessoas que em conjunto defendem interesses ou direitos individuais. De acordo com
Didier (2010), a ação coletiva para interesses individuais homogêneos é caracterizada
pela pretensão do legitimado, que se concentra na procedência de uma tese jurídica
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geral que pode aproveitar a muitas pessoas, o que é diferente de haver pretensões
singularizadas, verificadas em relação a cada um dos respectivos titulares do direito.
Os direitos individuais homogêneos têm como titulares, na ótica de Gregório
Assagra de Almeida,
pessoas perfeitamente individualizadas, que podem ser indetermináveis, mas facilmente determináveis. Pelo aspecto objetivo e pelo caráter predominantemente individualizado, são eles divisíveis e distinguíveis entre seus titulares. Pelo aspecto origem são eles de origem comum. Em relação à origem comum é que há ponto de semelhança entre os direitos individuais homogêneos e os direitos ou interesses difusos, pois ambas as categorias, diferentemente dos direitos coletivos, em que se exige prévia relação jurídica base, geralmente nascem ligadas pelas mesmas circunstâncias, não obstante sejam, quanto à titularidade e objeto, totalmente distinguíveis. (2007, p. 332).
Embora seja perfeitamente divisível e identificável o beneficiado por um
direito individual homogêneo, o motivo para seu tratamento coletivo, segundo o
Superior Tribunal de Justiça (STJ)3, é a dimensão social, o impacto de massa, por ser
grande o número de interessados e das graves repercussões na comunidade que possam
ser provocadas pelo direito lesionado.
A ação coletiva para a tutela dos direitos individuais homogêneos visa a uma
sentença condenatória. É através do cumprimento desta sentença que será possível a
identificação dos titulares do direito subjetivo. Entretanto, tal medida exige um
tratamento jurisdicional específico, uma vez que não está compreendida nas situações
clássicas.
3 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processual Civil e Direito do Consumidor. Defesa dos interesses ou direitos individuais homogêneos. Dispensa de pré-constituição pelo menos há um ano. Inversão do ônus da prova. Impossibilidade da ação coletiva superada. Recurso Especial nº 140.097. Philip Morris Marketing S.A. a Associação de Defesa da Saúde do Fumante. Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha. 04 de maio de 2000. Diário da Justiça da União, 11/09/2000, p. 252.
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Dentro desse contexto é que se deve adaptar o cumprimento de sentença aos
direitos individuais homogêneos, diante dos aspectos polêmicos que envolvem as
alterações advindas com a Lei 11.232/05 na efetividade destes direitos.
18
3. DO DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO
3.1 A NATUREZA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA NO CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR
O presente trabalho busca demonstrar, na prática forense, as principais
incongruências entre o cumprimento de sentença envolvendo uma ação individual
daquele proveniente de ação coletiva.
Ocorre que para chegar a essa conclusão final, alguns conceitos importantes
acerca das ações coletivas, envolvendo o direito individual homogêneo, devem ser
previamente analisados.
O ponto central, para o entendimento dos aspectos polêmicos que serão
tratados posteriormente, diz respeito à natureza da sentença condenatória proferida nas
ações coletivas.
Dispõe o artigo 95, do Código de Defesa do Consumidor, que “em caso de
procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu
pelos danos causados.”
Nas lições de Elton Venturi, “a pretensão deduzida na ação coletiva que visa a
tutelar direitos individuais homogêneos, quando condenatória, diz respeito somente à
fixação genérica do dever de ressarcir (an debeatur).” (2000, p. 125).
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Logo, a sentença de procedência envolvendo direitos individuais homogêneos
será ilíquida, uma vez que não especifica o valor da condenação nem a identidade dos
titulares do direito subjetivo.
A condenação genérica, portanto, visa identificar a lesão a direito e os danos
advindos desta lesão, tendo em vista que o dano efetivamente sofrido por cada vítima
será apurado em liquidação de sentença a ser realizada posteriormente.
Deve-se fazer, então, a seguinte indagação: Haveria sempre necessidade de os
legitimados ingressarem com a prévia liquidação, para quantificar o seu direito?
A doutrina especializada não possui entendimento pacificado acerca do
assunto. Segundo Rizzato Nunes,
o magistrado julga a ação procedente e apenas fixa a responsabilidade do réu pelos danos causados. Os valores a serem pagos advirão da fase posterior de liquidação, conforme se verá na seqüência. Portanto, a sentença é certa e genérica, mas ilíquida, demandando liquidação. (2009, p. 95).
Nesse mesmo sentido, Antonio F. Benjamin esclarece que
ao determinar que a condenação, na hipótese de procedência da ação coletiva será genérica, o legislador do CDC definiu o âmbito de conhecimento judicial na decisão da causa, a identificação da lesão a direito e os danos causados por esta. O caráter de generalidade da decisão judicial, neste sentir, indica primeiro que esta será ilíquida, ao mesmo tempo que não deverá debruçar-se sobre o que efetivamente cada vítima do dano perdeu. A condenação genérica apenas afirma a lesão a direito e a ocorrência de dano decorrente desta, restando a precisa determinação do ‘quantum’ devido para a liquidação e posterior execução da sentença, que poderá ser promovida tanto individualmente quanto pelos legitimados para a ação coletiva. (2010, p. 1429).
Para estes autores, portanto, existiria a necessidade de prévia liquidação, posto
que a sentença será sempre genérica.
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O artigo 475-B, caput¸ do Código de Processo Civil, inserido no capítulo que
trata da liquidação da sentença, entretanto, prevê que “quando a determinação do valor
da condenação depender apenas de cálculo aritmético, o credor requererá o
cumprimento da sentença, na forma do artigo 475-J desta Lei, instruindo o pedido com
a memória discriminada e atualizado do cálculo.”
Para o Prof. Wambier (20__), a respeito da norma processual acima citada,
“não obstante a redação do art. 95 do CDC, nada impede que, mesmo em se tratando
de ação coletiva para a tutela de direitos individuais homogêneos, seja proferida
sentença líquida, que defina com precisão o valor devido a cada um dos entes
individualmente considerados.”
Comenta este autor que isso aconteceu em Curitiba (PR), em ações civis
públicas nas quais foram concedidas tutelas coletivas, condenando instituições
financeiras ao ressarcimento das diferenças de correção monetária nas aplicações de
caderneta de poupança, geradas por planos econômicos nos anos de 1987 e 1989.
Embora essas sentenças não individualizassem nem os valores e tampouco
seus beneficiários, entendeu-se que as execuções individuais dispensariam prévia
liquidação: cada interessado iniciaria a execução individual, apresentando-se como um
dos beneficiários da tutela e trazendo consigo, na própria inicial da execução, os
demais elementos que permitissem a quantificação de seu crédito.
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Desse modo, ainda que genérica, a prática forense mostrou que haverá casos
em que os titulares do direito poderão ingressar diretamente com o cumprimento da
sentença, dispensando o procedimento de liquidação4.
São nesses casos, sobretudo, que os aspectos polêmicos aqui tratados ganham
corpo, pois que devem possuir tratamento diverso daqueles dispensados às ações
individuais.
3.1.1 Legitimidade para propositura do cumprimento de sentença
Conforme se observou no tópico anterior, toda a sentença de procedência,
proferida em ações coletivas, como regra, terá natureza genérica.
Cumpre, então, discorrer acerca dos legitimados para ingressar com o
cumprimento dessa sentença.
O artigo 97, do Código de Defesa do Consumidor, esclarece que “a liquidação
e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim
como pelos legitimados de que trata o art. 82.”.
4 Havendo a sentença acolhido todos os pedidos formulados em ação civil pública, na qual foram discriminados os valores a serem ressarcidos, cujo montante corrigido pode ser obtido por mero cálculo aritmético, não há falar em necessidade de liquidação por arbitramento nem tampouco ofensa à coisa julgada, pois o acórdão recorrido, confirmando a decisão do juízo da execução, não modificou comando contido na sentença transitada em julgado, apenas redirecionou o procedimento executivo para a técnica adequada. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processual Civil. Liquidação de sentença proferida em ação civil pública. Acórdão recorrido. Omissão. Não ocorrência. Distribuição de Feitos no STJ. Prevenção do órgão julgador. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 635.717. Recurso Especial. Ministério Público do Estado de São Paulo a Air Pires de Campos. Relatora Ministra Denise Arruda. 19 de maio de 2005. Diário da Justiça da União, 20/06/2005, p. 142.
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Embora não se despreze os legitimados de que trata o artigo 82, os quais só
teriam papel relevante na propositura de execução coletiva, para a análise da questão
serão utilizados tão somente os conceitos inerentes às vítimas e seus sucessores, como
forma de apresentar a diferença existente para os legitimados nas ações individuais.
Sabe-se que nessas ações, a sentença proferida no processo de conhecimento,
ainda que genérica (ilíquida), é dirigida especificamente às partes que compuseram a
lide. Em sede de liquidação da sentença, ou até mesmo o cumprimento de sentença
fundado no artigo 475-B, do CPC, a legitimidade para propositura dessa será da parte
beneficiada pela sentença, a qual desde o processo principal já é determinada.
Na ação envolvendo direito individual homogêneo, por serem os beneficiados
pela sentença, na maioria das vezes, pessoas diversas daquela que propôs a ação
principal coletiva, além da necessidade de “liquidar” a sentença, há também a
obrigatoriedade de a parte fazer prova constitutiva do seu direito.
Aqui reside a sensível diferença entre o processo individual e o processo
coletivo, envolvendo direito individual homogêneo. Enquanto naquele o titular da
liquidação ou do cumprimento de sentença é conhecido desde o momento da intimação
da sentença, nesse os titulares do direito terão que comparecer em juízo para fazer
prova não apenas do quantum que lhes é devido, mas também da titularidade do seu
crédito.
Segundo José Marcelo Menezes Vigliar (2003 citado por GOMES JUNIOR,
2008, p. 361), há necessidade de se remontar ao evento comum para que ocorra, de
fato, uma tutela jurisdicional, devendo o interessado provar a ocorrência do dano
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individual, seu nexo com a atividade lesiva reconhecida no julgado e o quantum
debeatur respectivo.
Corroborando esse entendimento, em recentes julgados o C. Superior Tribunal
de Justiça5 entendeu que
[...] a sentença coletiva (condenação genérica, art. 95 do CDC), ao revés da sentença que é exarada em uma demanda individualizada de interesses (liquidez e certeza, art. 460 do CPC), unicamente determina que as vítimas de certo fato sejam indenizadas pelo seu agente, devendo, porém, ser ajuizadas demandas individuais a fim de se comprovar que realmente é vítima, que sofreu prejuízo e qual o seu valor.” (sem grifo no original).
Ainda6,
[...] a ação individual destinada à satisfação do direito reconhecido em sentença condenatória genérica, proferida em ação civil coletiva, não é uma ação de execução comum. É ação de elevada carga cognitiva, pois nela se promove, além da individualização e liquidação do valor devido, também juízo sobre a titularidade do exeqüente em relação ao direito material.
Esse entendimento restou sedimentado tendo em vista que é por intermédio da
liquidação que “ocorrerá uma verdadeira habilitação das vítimas e sucessores, capaz de
transformar a condenação pelos prejuízos globalmente causados do art. 95, em
indenização pelos danos individualmente sofridos.” (GRINOVER et alii, 2007, p.
906).
Destaca Didier (2010) que embora tenham objeto divisível, os direitos
individuais homogêneos são indivisíveis e indisponíveis até o momento de sua
5 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Servidor Público. Ação coletiva. Execução individual no domicílio do autor. Foro diverso do foro do processo de conhecimento. Possibilidade. Incidência das Leis 8078/90 e 7347/85. Conflito conhecido. Competência da Justiça Federal do Estado do Amazonas. Conflito de Competência nº 96682. Fundação Nacional da Saúde a Alcides Gerardes Pereira da Silva Peres e outro. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. 23 de março de 2010. Diário da Justiça Eletrônico da União, 23/03/10. 6 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ação civil coletiva. Execução de sentença. Honorários advocatícios. Lei nº 9494/97, art. 1º-D. Inaplicabilidade. Agravo Regimental do Recurso Especial nº 489348. Fazenda Nacional a Wagner Amaury Gau. Relator Ministro Teori Albino Zavascki. 07 de agosto de 2003. Diário da Justiça da União, 01/09/03, p. 230.
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execução. Uma vez prolatada a sentença de condenação genérica, “competirá a cada
parte provar o nexo de causalidade entre o dano individual e o dano coletivo
reconhecido na sentença definitiva.” (GOMES JUNIOR, op. cit., p. 359).
Mas como visto linhas acima, na prática os beneficiários dessa sentença
poderiam ingressar diretamente com o cumprimento de sentença, dependendo a
liquidação “tão-somente de cálculo aritmético, o demandante apresentará diretamente
o pedido de cumprimento da sentença por execução forçada (art. 475-J, CPC),
apontando o valor que entende devido.” (MARINONI, 2008, p. 455).
Esse conceito será de suma importância para o enfrentamento da problemática
envolvendo o pagamento espontâneo pelo devedor.
3.2 REFLEXOS DA EXTINÇÃO DO REGIME JURÍDICO DA EXECUÇÃO DE
TÍTULO JUDICIAL E SURGIMENTO DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA NOS
DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS
O regime jurídico do Cumprimento de Sentença, instituído pela Lei nº
11.232/2005, trouxe ao sistema processual civil mudanças profundas no procedimento
a ser adotado pelo credor para cobrar do devedor valor concedido em sentença no
processo de conhecimento.
Diz-se profunda porque a Lei nº 11.232/2005 extinguiu o regime jurídico da
execução de título judicial, antes presente no Livro II do Código de Processo Civil, o
qual trata “Do Processo de Execução”.
25
Essa extinção, na prática, se deu porque o cumprimento de sentença passou a
integrar o Livro I do Código de Processo Civil, que trata “Do Processo de
Conhecimento”. Significa, em linhas muito gerais, que o processo de conhecimento
não mais encerra com a sentença.
A reforma, nas lições de Claudio Takeshi Tuda (2008), consolidou a tendência
do direito processual civil de unir cognição e execução em um só processo, prezando
pela efetividade.
Como se sabe, é prejudicial à estabilidade das relações que, mesmo após as
dificuldades do processo de conhecimento em razão do tempo despendido para haver o
reconhecimento do direito em juízo, o jurisdicionado não tenha sua pretensão
efetivada.
Por isso, estas alterações “têm tido como motivação ‘desmanchar alguns nós’
existentes no sistema, facilitando o acesso à Justiça e seus efetivos resultados [...] com
vistas ao alcance mais imediato dos resultados práticos do processo.” (WAMBIER,
2006, p. 214).
Se no regime jurídico da Execução de Título Judicial o credor, após ser
proferida a sentença, era obrigado a ingressar com uma nova ação, autônoma, para
cobrar o seu crédito, no novo regime do Cumprimento de Sentença, teoricamente,
bastará ao credor exigir o pagamento na própria ação de conhecimento.
26
Na prática, deixou de haver a necessidade de nova citação da parte, porque já
realizada na ação principal, bastando a simples intimação das partes dos termos da
sentença condenatória para que abra prazo para o pagamento espontâneo do devedor.
Mas como aconteceria essa continuidade nos casos de ação coletiva
envolvendo direitos individuais homogêneos? Ao contrário do que ocorria no regime
jurídico da Execução de Título Judicial, o Cumprimento de Sentença não é processado
mediante ação autônoma, exceto nos casos de que trata o artigo 475-N, parágrafo
único, do Código de Processo Civil.
Ainda, como o novo regime jurídico do Cumprimento de Sentença instituiu
multa para o caso de não pagamento espontâneo da dívida (artigo 475-J, do CPC), qual
seria o marco inicial para a realização do pagamento espontâneo, considerando-se que
o beneficiário da sentença coletiva deverá fazer prova não apenas do quantum a que
tem direito, mas também da prova constitutiva do seu direito?
Embora tenha representado um avanço, pelo menos do ponto de vista da
celeridade processual, é certo que a Lei nº 11.232/2005, que introduziu o
Cumprimento de Sentença no ordenamento processual civil, não contemplou as ações
coletivas que tratam dos direitos individuais homogêneos.
Sendo assim, passa-se a expor alguns aspectos polêmicos a serem enfrentados
no âmbito do cumprimento de sentença envolvendo as ações coletivas.
27
4. ASPECTOS POLÊMICOS DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
ENVOLVENDO DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS
4.1 A (IM)POSSIBILIDADE DE INICIAR O PROCEDIMENTO NOS PRÓPRIOS
AUTOS DA AÇÃO COLETIVA
Como primeiro ponto polêmico no cumprimento da sentença coletiva
envolvendo os direitos individuais homogêneos, destaca-se a possibilidade ou não, de
dar continuidade ao cumprimento de sentença nos próprios autos da ação coletiva que
gerou a sentença condenatória.
Conforme já mencionado em tópico anterior, o regime jurídico do
Cumprimento de Sentença está previsto no Livro I, do Código de Processo Civil, o
qual trata do Processo de Conhecimento.
De acordo com o exposto, a sentença condenatória não mais encerra o
processo, mas tão somente resolve o mérito (artigo 269, do CPC). Isso porque a parte
credora, beneficiada pela sentença, pode iniciar o cumprimento de sentença nos
próprios autos do processo de conhecimento, sendo desnecessária nova citação do
devedor.
Sob a ótica de Cerdeira (2011), com o advento da Lei nº 11.232/2005, o
legislador teve por objetivo acabar de vez com a ação autônoma de execução de
sentença, pois as condenações por quantia certa não mais dependerão de nova ação.
Seguindo literalmente o texto desta Lei, chega-se à conclusão que proferida a
sentença, as partes serão intimadas do seu teor e, nesse momento processual, iniciará o
28
prazo para pagamento espontâneo do devedor. Não havendo, iniciará o credor,
mediante petição a ser protocolizada nos mesmos autos da ação de conhecimento, o
cumprimento da sentença.
Contudo, observa-se que tal conduta é incompatível nos casos em que houver
uma sentença condenatória proferida numa ação coletiva que, por possuir efeito erga
omnes, pode alcançar milhares de beneficiados.
Transportando esse raciocínio para as causas envolvendo direito individual
homogêneo, chegar-se-ia ao absurdo de ter milhares de petições protocolizadas nos
próprios autos da ação coletiva que ensejou o cumprimento de sentença.
Mais do que tumultuo processual, esse fato tornaria inviável a tramitação tanto
da própria ação principal, como dos respectivos cumprimentos de sentença. Se a idéia
inicial era dar ao cumprimento de sentença maior celeridade na execução do crédito
proveniente de título judicial, para as ações coletivas esse mecanismo representou um
entrave.
A polêmica aqui levantada se traduz, então, na necessidade de um
procedimento autônomo de cumprimento de sentença para cada credor individual que
faça prova de seu direito.
Como reflexo deste procedimento autônomo, tem-se a necessidade do credor
em contratar um advogado para requerer o cumprimento da sentença e o pagamento de
novas custas, pois não foi parte na ação coletiva.
29
A identificação dessa problemática é de suma importância, pois que possibilita
demonstrar que na prática o Cumprimento de Sentença, nos casos em que estiver
sendo discutido direito individual homogêneo, pouco avanço trouxe às partes.
Isso porque permaneceu a necessidade de o credor ingressar com um processo
autônomo de cumprimento de sentença. Conseqüentemente, deverá ser realizada nova
citação.
Conclui-se, então, que a razão destas divergências se deve ao fato de a Lei nº
11.232/2005 ter sido idealizada com base nas premissas processuais das demandas
individuais, sem preocupação com a execução coletiva.
4.2 A INTIMAÇÃO DO DEVEDOR OU DO SEU ADVOGADO COMO MARCO
INICIAL PARA O PAGAMENTO ESPONTÂNEO PREVISTO NO ART. 475-J, DO
CPC
Foi visto no item anterior que o cumprimento de sentença oriundo de ação
coletiva envolvendo direitos individuais homogêneos necessita de instauração de
procedimento autônomo, apartados dos autos da ação coletiva.
Também já foi debatido o fato de quem teria legitimidade para ingressar com
o presente cumprimento de sentença que, via de regra (artigo 82, do Código de Defesa
do Consumidor), não é o mesmo autor que figurou no polo ativo da demanda coletiva.
Baseado nesses conceitos, e reafirmando a necessidade de os credores, ao
ingressarem com o cumprimento dessa sentença, fazerem prova não apenas do
quantum que lhes é devido, mas também de que estão abrangidos pelos limites da
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sentença condenatória coletiva, em que fase processual se daria a intimação do
devedor ou de seu advogado para contagem do prazo para pagamento espontâneo, no
intuito de evitar o pagamento da multa prevista no artigo 475-J, do Código de Processo
Civil?
Para Marinoni (2008), qualquer forma que se preste a dar ciência inequívoca
ao demandado ou a quem o represente no processo é suficiente para dar início à
fluência do prazo de 15 dias.
Nas ações de natureza individual, em que as partes são as mesmas que
integrarão o posterior cumprimento de sentença, em recente precedente o C. Superior
Tribunal de Justiça7 entendeu que o prazo para pagamento espontâneo se inicia com a
intimação, na pessoa do advogado, da sentença condenatória, e eventual baixa dos
autos ao juízo de origem, e a oposição do “cumpra-se”.
Já nas sentenças condenatórias advindas das ações coletivas, que por força do
artigo 95, do Código de Defesa do Consumidor, possuem natureza genérica, nos casos
em que houver procedimento de liquidação prévio o prazo para pagamento espontâneo
deve ocorrer da intimação da sentença de liquidação.
Isso porque será nesse momento processual que os credores farão a prova de
seu direito e do quantum debeatur, sendo a intimação dessa sentença de liquidação o
marco inicial para o pagamento espontâneo por parte do devedor.
7 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Lei nº 11.232, de 23.12.2005. Cumprimento da sentença. Execução por quantia certa. Juízo competente. Art. 475-P, inciso II, e parágrafo único, do CPC. Termo inicial do prazo de 15 dias. Intimação na pessoa do advogado pela imprensa oficial. Art. 475-J do CPC. Multa. Juros compensatórios. Inexigibilidade. Recurso Especial nº 940-274. Aparecida Ferreira Bezerra a Brasil Telecom S/A. Relator Ministro João Otávio de Noronha. 07 de abril de 2010. Diário da Justiça Eletrônico da União, 31/05/10.
31
Ocorre que o artigo 475-B, caput, do Código de Processo Civil, assim dispõe:
"quando a determinação do valor da condenação depender apenas de cálculo
aritmético, o credor requererá o cumprimento da sentença, na forma do art. 475-J desta
Lei, instruindo o pedido com a memória discriminada e atualizada do cálculo.”.
Por essa norma, os credores abrangidos por tal título judicial coletivo estariam
aptos a ingressar com o cumprimento de sentença sem haver necessidade de passar
pelo procedimento de liquidação.
Entretanto, mesmo dependendo de simples cálculo aritmético, é certo que a
planilha individualizada e atualizada do débito serviria exclusivamente para fazer
prova do valor do seu crédito. Todavia, como já mencionado anteriormente, o credor
deverá fazer prova de seu direito, ou seja, de que foi abrangido pela sentença coletiva,
cuja análise deverá ser feita pelo juiz da causa, motivo pelo qual deve ser anterior à
manifestação do devedor no cumprimento de sentença.
Sendo assim, tem-se que a intimação do devedor (ou do seu advogado), para
efetuar o pagamento espontâneo para cada credor que postule crédito oriundo de
sentença envolvendo direito individual homogêneo, diante do seu efeito erga omnes,
não pode ocorrer antes de o Juiz proceder à análise individualizada do direito de cada
credor postular aquele cumprimento de sentença.
4.2.1 Da multa prevista no artigo 475-J do Código de Processo Civil
32
A real necessidade de se discutir o termo inicial para que o devedor possa
efetuar o pagamento espontâneo do débito está intimamente ligado à aplicação da
multa de 10% (dez por cento) prevista no artigo 475-J, do Código de Processo Civil.
Mesmo após o entendimento do C. STJ mencionado no tópico anterior,
persiste o problema relacionado à multa prevista no artigo 475-J, do CPC.
Nas lições de Cássio Scarpinella (2010), formaram-se quatro correntes sobre
este assunto. Uma primeira corrente sustenta que o prazo de quinze dias previsto no
art. 475-J, do CPC, flui desde o trânsito em julgado da sentença condenatória,
independente da intimação do devedor. A segunda corrente sustenta a necessidade de
intimação do advogado do devedor para a fluência do prazo de quinze dias. A terceira
corrente entende ser necessária a intimação do devedor para a fluência deste prazo. Já
a quarta corrente condiciona a intimação do advogado do devedor à prévia
quantificação do valor devido.
Dentre as correntes acima expostas, observa-se que nenhuma pode ser
aproveitada nos casos envolvendo processos coletivos que disponham sobre direitos
individuais homogêneos, em face de suas peculiaridades, pois, conforme exposto
anteriormente, faz-se necessária a comprovação, pelo credor, de que foi beneficiado
pela sentença coletiva, para só então fazer valer o seu direito.
Embora se reconheça a necessidade de o credor fazer prova de que foi
albergado por esta sentença, o artigo 475-J, do CPC, não contempla essa fase
processual prévia. Em sua primeira parte, apenas dispõe sobre o prazo de 15 (quinze)
dias para que o devedor efetue o pagamento espontâneo e, em sua segunda parte, já
33
prevê a aplicação da multa de 10% (dez por cento) e a expedição de mandado de
penhora, a requerimento do credor.
Porém, ressalta-se que ainda que não haja previsão legal na Lei nº
11.232/2005, nos casos em que a determinação do valor depender apenas de cálculo
aritmético, antes de iniciar o cumprimento de sentença com base no artigo 475-B, do
CPC, cada credor individual deverá fazer prova de que seu direito foi tutelado pela
sentença proferida na ação coletiva e, mais importante, o juiz reconhecê-lo antes de o
devedor ser intimado a efetuar o pagamento do débito.
O raciocínio até agora traçado foi no sentido de que a sentença condenatória
envolvendo os direitos individuais homogêneos é genérica por natureza e obriga a
parte liquidá-la. Mesmo que o credor individual inicie o cumprimento de sentença nos
termos do artigo 475-J, do CPC, teria de haver uma análise preliminar do juiz acerca
da titularidade do direito postulado, tendo em vista que as partes que compuseram o
processo de conhecimento não serão as mesmas do cumprimento da sentença.
Logo, o prazo para pagamento espontâneo na demanda coletiva não pode ter
inicio com o trânsito em julgado da sentença condenatória coletiva. Se assim o fosse,
como o devedor não foi condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixado em
liquidação, uma vez que esta sentença tem natureza genérica, não haveria incidência
da multa de 10% prevista no artigo 475-J do CPC.
Entretanto, observa-se na prática forense que cada credor tem apresentado
individualmente seu pedido de cumprimento de sentença e o Juiz vem concedendo o
34
prazo de 15 (quinze) dias para o devedor efetuar o pagamento “espontâneo”, sob pena
da aplicação da multa, sem proceder tal análise.
Se esse pagamento pode ou não ser entendido como sendo espontâneo, visto
que o devedor é forçado a efetuá-lo sob pena de lhe ser aplicada a multa, é questão
secundária.
O que se buscou levantar como polêmico foi o fato de não existir, na Lei nº
11.232/2005, a possibilidade de ocorrer pagamento espontâneo por parte do devedor
na demanda coletiva, não havendo, portanto, como aplicar a multa prevista no artigo
475-J, do Código de Processo Civil.
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5. CONSIDERAÇÕES EM RELAÇÃO AO POSICIONAMENTO DOS
TRIBUNAIS ACERCA DA MATÉRIA
5.1 A NECESSIDADE DE O CREDOR, BENEFICIÁRIO DA SENTENÇA
COLETIVA ENVOLVENDO DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS,
INGRESSAR COM UM PROCESSO AUTÔNOMO DE CUMPRIMENTO DE
SENTENÇA
Conforme visto anteriormente, na sentença condenatória envolvendo os
direitos individuais homogêneos, há necessidade de o credor ingressar com um
processo autônomo de cumprimento de sentença, diante da impossibilidade deste
procedimento ser iniciado nos próprios autos da ação coletiva.
Mesmo diante da omissão legislativa acerca deste procedimento, os Tribunais
Superiores assim tem entendido. O E. Tribunal de Justiça do Paraná (TJ/PR)8, ao
afastar a incidência das custas processuais no incidente de impugnação à execução,
entendeu que “... o cumprimento se sentença exarada em ação coletiva ocorre em autos
apartados da ação em que foi prolatada a sentença coletiva.”
Em outro caso também envolvendo a questão referente às custas processuais,
o E. TJ/PR9, embora tenha entendido pelo cabimento destas custas, o fundamento
8 BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Impugnação a pleito de cumprimento de sentença. Exigência de pagamento de custas processuais. Impossibilidade. Recurso provido. Agravo de Instrumento nº 580.355-4. Banco do Brasil S/A a Irno Antonelli e outros. Relator Juiz Substituto de 2º Grau Eduardo Sarrão. 18 de agosto de 2009. Diário da Justiça do Estado do Paraná, 09/11/09. 9 BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Cumprimento de Sentença decorrente de ação civil pública proposta pela Apadeco. Condenação genérica. Necessidade de execução individual e autônoma. Despesas da serventia. Incidência de custas processuais. Decisão mantida. Banco do Brasil S/A a Alcides Belezzi e outros. Agravo de Instrumento nº 444.086-0. Relator Desembargador Abraham Lincoln Calixto. 01 de julho de 2008.
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também foi o cumprimento da sentença em autos apartados: “... considerando que os
exeqüentes não participaram da relação processual cognitiva [...] é devido o
pagamento das custas processuais. Assim, ainda que, como regra geral, já não mais
exista processo autônomo de execução de sentença, no caso sub judice não se trata de
simples cumprimento de sentença, já que a fase de conhecimento se desenvolveu em
ação da qual os exeqüentes não fizeram parte.”
Ainda, o C. Superior Tribunal de Justiça (STJ)10, ao apreciar conflito de
competência para processar ação autônoma de execução de sentença proferida em ação
coletiva, reconheceu a necessidade deste procedimento:
[...]as sentenças proferidas no âmbito das ações coletivas para tutela de direitos individuais homogêneos, por força de expressa disposição do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90, art. 95), são condenatórias genéricas. Nelas não se especifica o valor da condenação nem a identidade dos titulares do direito subjetivo. A carga condenatória, por isso mesmo, é mais limitada do que a que decorre das demais sentenças condenatórias. Sobressai nelas a carga de declaração do dever de indenizar, transferindo-se para a ação de cumprimento a carga cognitiva relacionada com o direito individual de receber a indenização.
5.2 A FLUÊNCIA DO PRAZO PREVISTO NO ART. 475-J, DO CPC, NÃO DEVE
OCORRER DA PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA
A sentença condenatória prevista no art. 95, do Código de Defesa do
Consumidor, tem natureza genérica. Isso significa, conforme visto anteriormente, que 10 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Servidor Público. Ação coletiva. Execução individual no domicílio do autor. Foro diverso do foro do processo de conhecimento. Possibilidade. Incidência das Leis 8078/90 e 7347/85. Conflito conhecido. Competência da Justiça Federal do Estado do Amazonas. Conflito de Competência nº 96682. Fundação Nacional da Saúde a Alcides Gerardes Pereira da Silva Peres e outro. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. 23 de março de 2010. Diário da Justiça Eletrônico da União, 23/03/10.
37
os credores devem fazer prova não apenas do valor que lhes é devido, mas também de
que estão abrangidos pela sentença condenatória coletiva.
É por este motivo que a fluência do prazo de 15 (quinze) previsto no art. 475-
J, do CPC, dias não deve ocorrer a partir do trânsito em julgado da sentença
condenatória, em face de sua iliquidez.
A respeito desse tema, o E. TJ/PR11, ao dispor sobre o prazo para que o
devedor promovesse o pagamento voluntário da pretensão individual fundada em uma
sentença coletiva, de modo a não incidir a multa prevista no referido dispositivo,
entendeu que
[...] o prazo de quinze dias para pagamento, sem a incidência da multa de 10%, iniciar-se-ia a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória. No entanto, considerando que no caso em apreço o título judicial que se pretende fazer cumprir se origina da ação coletiva, é natural concluir que o prazo para que o Banco promovesse o cumprimento voluntário da pretensão individual do poupador se inicie a partir de sua intimação, no âmbito do Cumprimento de Sentença formulado pelo credor, ora Agravado. Há notícia nos autos de que o BANCO DO BRASIL S/A foi intimado para "pagar a quantia de R$ 26.416,26, devidamente atualizada, no prazo de quinze dias, sob pena de multa de 10%".” (sem grifo no original).
Neste sentido também se posicionou o E. TJ/SP12, ao entender ser descabida a
imediata intimação do devedor da sentença condenatória, para pagamento espontâneo,
sob pena de multa de 10 % (dez por cento):
11 BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Expurgos inflacionários. Ação coletiva. Cumprimento de sentença. Prazo para impugnação. Agravo interno a que se nega provimento. Agravo interno no Agravo de Instrumento nº 533.079-6/02. Banco do Brasil S/A a Mario Vieira Neto. Relator Desembargador Leonel Cunha. 02 de dezembro de 2008. Diário da Justiça do Estado do Paraná, 19/01/09. 12 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Cumprimento de sentença. Sentença proferida em ação civil pública. Liquidação e execução promovida individualmente pelo lesado. Determinação imediata para pagamento em quinze dias, sob pena de multa (art. 475-J do CPC). Descabimento. Nova relação jurídica processual, entre o
38
[...] a liquidação e a execução da sentença coletiva pelos lesados individuais ocorrem por via distinta da ação civil pública, implicando na formação de uma nova relação jurídica processual voltada a demonstrar o nexo causai e a extensão do dano de cada indivíduo, concretizando a condenação genérica contida no título (...) não se mostra razoável, destarte, a determinação de intimação para pagamento voluntário, sob pena da multa do art. 475-J do CPC, antes mesmo de efetuada a citação do devedor.
5.2.1 Da inexistência do termo a quo para a incidência da multa de 10%, prevista no
art. 475-J, do CPC
O art. 475-J, do CPC, é omisso em relação ao termo inicial para a incidência
da multa de 10 % (dez por cento). Entretanto, o legislador expressamente previu sua
aplicação ao devedor que, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixado em
liquidação, não efetue este pagamento no prazo de 15 (quinze) dias.
Em assim sendo, considerando que a sentença condenatória envolvendo
direitos individuais homogêneos é, por sua natureza, genérica, apenas após a
liquidação do valor devido é que se daria a intimação do devedor, nos moldes do art.
475-J do CPC, ressaltando-se, ainda, a hipótese prevista no art. 475-B deste diploma.
Conforme já observado, ambos os casos exigem a comprovação, pelo credor, de que
foi beneficiário pela sentença coletiva.
Contudo, o E. TJ/PR13, em recente julgado, entendeu ser devida a incidência
da multa de 10% em execução individual advinda de sentença coletiva, no qual o
poupador e o banco, que exige nova citação e contraditório, ainda que apenas para individualizar a reparação do dano - Aplicação do art 475-N, parágrafo único, do CPC. Agravo de Instrumento nº 7250235-9. Banco Itaú S/A a Nelson da Silva. Relator Desembargador Rui Cascaldi. 13 de agosto de 2008. Diário da Justiça do Estado de São Paulo, 03/09/08. 13 BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Direito Processual Civil. Execução de sentença. Poupança. Expurgos inflacionários. Multa de 10%. Honorários de advogado. Cabimento. Agravo de Instrumento nº 628.597-8. Banco Banestado S.A. a Maria Aparecida de Goes. Relator Desembargador Leonel Cunha. 23 de novembro de 2009. Diário da Justiça do Estado do Paraná, 23/11/09.
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credor iniciou o cumprimento de sentença, tendo o devedor efetuado o depósito para
fins de garantia do juízo:
[...] A incidência da multa prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil não decorre da boa ou má-fé do devedor, mas da simples verificação de ter havido ou não o pagamento espontâneo, no prazo de 15 (quinze) dias. b) Na hipótese dos autos, embora os Executados- Agravantes tenham depositado o valor integral a obrigação, o fizeram apenas para possibilitar a respectiva impugnação, incidente no qual deduziram matérias de defesa visando a própria extinção da execução, o que revela de maneira inequívoca que o depósito não se prestou ao pronto pagamento.
Depreende-se, do julgado acima, que o Tribunal entendeu pela fixação da
multa antes mesmo de se verificar se o credor era ou não beneficiário da sentença
coletiva.
Porém, considerando a natureza individual homogênea do direito pleiteado
produzir sentença genérica, é por meio da execução individual que o juiz terá uma
cognição exauriente e o devedor, um contraditório amplo.
Deve haver, portanto, uma fase processual que possibilite ao juiz fazer esta
análise, bem como ao devedor de exercer seu contraditório.
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6. CONCLUSÃO
Diante do exposto, pode-se afirmar que o cumprimento de sentença em
relação aos direitos individuais homogêneos é um tema complexo e não possui um
tratamento legislativo específico.
O legislador, ao redigir a Lei nº 11.232/2005, em que pese ter procurado
proporcionar maior efetividade e celeridade à satisfação do direito material pelo
credor, não previu as hipóteses de como este cumprimento de sentença ocorreria nas
sentenças coletivas.
A natureza genérica (ilíquida) da sentença condenatória envolvendo os
direitos individuais homogêneos, por si só, traz uma série de implicações que
inviabilizam a aplicação de alguns dispositivos da Lei nº 11.232/2005.
O cumprimento de sentença por um beneficiário de um direito individual
homogêneo deve conter, além da individualização do valor devido, o juízo sobre a
titularidade do beneficiário em relação ao direito material, ainda que o valor da
condenação dependa apenas de cálculo aritmético, uma vez que não foi parte na ação
principal.
Embora o legislador não tenha previsto, este procedimento de cumprimento
de sentença deve ser efetuado em autos apartados diante da incompatibilidade de ter
milhares de petições protocolizadas nos autos da ação coletiva que originou o título
executivo.
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Quando a determinação do valor da condenação não depender apenas de
cálculo aritmético, o devedor deverá ser intimado a efetuar voluntariamente o
pagamento a partir da intimação da sentença de liquidação. Caso contrário, conforme
previsto no art. 475-B, do CPC, cabe ao credor requerer o cumprimento de sentença,
na forma do art. 475-J, do CPC. Nenhuma destas hipóteses afasta da apreciação, pelo
juiz, da legitimidade do credor para o cumprimento da sentença, procedimento prévio
à intimação do devedor.
No cumprimento da sentença condenatória envolvendo direito individual
homogêneo, não há como o devedor espontaneamente efetuar o pagamento com a
intimação ou com o trânsito em julgado da sentença, uma vez que esta é, em regra,
ilíquida. Logo, não há que se falar em aplicabilidade da multa prevista no art. 475-J,
do CPC, ao menos nesse momento processual, tendo em vista que o referido
dispositivo expressamente exige a condenação do devedor ao pagamento de quantia
certa ou já fixada em liquidação para fixação da multa.
Estes são alguns aspectos polêmicos do cumprimento de sentença envolvendo
os direitos individuais homogêneos que demonstram a falta de sistematização do
direito processual coletivo no ordenamento jurídico brasileiro.
Por este motivo, é importante a criação de disciplinas legislativas específicas
e adequadas para a execução desses direitos, sobretudo no plano procedimental, uma
vez que o CPC foi elaborado para a tutela de direito individual, e a reforma deste
diploma com a Lei nº 11.232/2005 não teve qualquer preocupação com a execução
coletiva.
42
Dessa forma, novos entendimentos sobre questões que norteiam o processo
coletivo devem ser buscados, para que se seja garantida a efetividade dos direitos
coletivos.
43
BIBLIOGRAFIA
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