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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO
PROGRAMA DE PS GRADUAO EM HISTRIA
MESTRADO EM HISTRIA SOCIAL DA CULTURAL REGIONAL
RMULO JOS FRANCISCO DE OLIVEIRA JNIOR
ANTONIO SILVINO De Governador dos Sertes a Governador da Deteno
(1875-1944)
RECIFE / 2010
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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO
PROGRAMA DE PS GRADUAO EM HISTRIA
MESTRADO EM HISTRIA SOCIAL DA CULTURAL REGIONAL
RMULO JOS FRANCISCO DE OLIVEIRA JNIOR
ANTONIO SILVINO De Governador dos Sertes a Governador da Deteno
(1875-1944)
Dissertao apresentada como requisito parcial a
obteno do grau de Mestre em Histria ao
Programa de Ps-Graduao em Histria Social da
Cultura Regional da Universidade Federal Rural de
Pernambuco.
Orientadora: Prof. Dr. Maria ngela de Faria
Grillo
RECIFE / 2010
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Ficha catalogrfica
O48a Oliveira Jnior, Rmulo Jos Francisco de
Antonio Silvino: de governador dos sertes a governador da
deteno (1875-1944) / Rmulo Jos Francisco de Oliveira
Jnior. 2010.
152 f. : il.
Orientadora: Maria ngela de Faria Grillo
Dissertao (Mestrado em Histria Social da Cultura
Regional) - Universidade Federal Rural de Pernambuco.
Departamento de Letras e Cincias Humanas, Recife, 2010.
Inclui referncias e anexo.
1. Histria 2. Antonio Silvino 3. Biografia 4. Cangao Representaes I. Grillo, Maria ngela de Faria, orientadora
II. Ttulo
CDD 920
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4
Para Vov Guilherme (in memorian), ao ler este
trabalho ele certamente relembraria seus tempos de
infncia no serto pernambucano.
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AGRADECIMENTOS
A tarefa de agradecer algo muito delicado, pois nos nossos sentimentos acabamos
por lembrar alguns e esquecemos de outros, desabafamos problemas, louvamos conquistas e
sempre temos a certeza de que, apenas uma etapa foi cumprida e que teremos pela frente uma
longa caminhada. Algumas pessoas e rgos institucionais precisam ser lembrados nestes
agradecimentos, no por pieguismo, mas porque realmente fizeram parte dessa construo.
Em primeiro lugar agradeo a minha Orientadora ngela Grillo, que tm estado
comigo desde os tempos da Graduao em Histria. Ela sempre me oportunizou o
crescimento acadmico. Sei que construmos muito mais do que uma relao de orientao de
mestrado, mas uma Verdadeira Amizade. A mim s resta dizer, muito obrigado!
Aos meus colegas do mestrado da UFRPE pelos debates e conversas, em especial
preciso agradecer a Juliana Rodrigues por andar de mos dadas da graduao at o mestrado,
Juli uma irm que a vida me deu! A Bianca Nogueira e Jordana Leo pelo estudo em
conjunto, pelo carinho, serenidade, horas de riso, conversas por msn, orkut e telefone.
A professora Isabel Guillen e ao professor Durval Muniz de Albuquerque, presentes
no exame de qualificao, em que muito aprendi e me beneficiei com as sugestes e
contribuies dadas ao meu trabalho, inclusive dando novos rumos na pesquisa acadmica.
Com a Prof Isabel aprendi posturas acadmicas e tive a possibilidade de conhecer uma
variedade de produes no campo da Histria e da Cultura. Com o Prof Durval aprendi por
meio de seus livros a usar da sensibilidade e o fazer a pesquisa com teso.
s professoras que tive no mestrado e muito contriburam para que eu pudesse ampliar
meus conhecimentos: Alcileide Cabral, Vicentina Ramires, Giselda Brito, Suely Almeida e
Isabel Guillen. Um time de mulheres que me fez analisar a sensibilidade que se precisa ter ao
estudar a vida de um homem do serto.
Noemia Luz, que carinhosamente me acolheu no Arquivo Pblico Estadual Jordo
Emerenciano e em sua casa, sempre lendo o texto e dando contribuies importantes. Sua
orientao, suas crticas e elogios, alm da torcida para que fosse possvel concluir este
trabalho foram de uma grande nobreza e amor a profisso do Historiador. Voc foi bastante
especial.
FACEPE, cujo apoio essencial, com recursos materiais, acredito que teria sido
muito difcil concluir essa etapa de aperfeioamento profissional sem o auxlio desse rgo de
fomento a pesquisa do Estado de Pernambuco.
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Aos meus colegas, funcionrios e funcionrias, professores e professoras do
Departamento de Educao, alunos e alunas da UFRPE, tenho que lembrar que durante o
mestrado fui professor substituto nesta mesma instituio, e estes estavam sempre curiosos
em saber como andava cada etapa da pesquisa, tirando dvidas, promovendo debates, me
recebendo com muito carinho, elogiando e criticando meu trabalho. Em especial no
Departamento de Educao agradeo a Denise, Clia e Jane. E no Departamento de Letras e
Cincias Humanas agradeo a Maria (Tia) e Marcos.
Ao Programa de Ps-graduao em Histria Social da Cultura Regional - UFRPE, sob
a coordenao do professor Wellington Barbosa e da professora Ana Nascimento,
funcionria Alessandra e ao estagirio Paulo, que muitas vezes foram de um companheirismo
muito importante dando sempre resposta aos trmites burocrticos do Mestrado.
Aos funcionrios dos espaos de pesquisa por onde andei: APEJE, FUNDAJ,
Biblioteca Pblica Castelo Branco, Biblioteca da UFRPE e UFPE, sempre prestativos na
busca de acervos e ainda contribuindo para o trabalho. Em especial a Ildo Leal, que me
acolheu no Arquivo Pblico Estadual Jordo Emerenciano (APEJE), auxiliando em muito na
pesquisa aos documentos da Casa de Deteno do Recife.
Durante a visita realizada na Cidade de Afogados da Ingazeira-PE, preciso agradecer a
vrias pessoas. Fui recebido pelo carinho de Dona Luzinete Amorim que passou horas
conversando sobre onde eu poderia encontrar informaes sobre o cangaceiro Silvino. Ao
padre Josenildo Oliveira, da Parquia do Senhor do Bom Jesus dos Remdios e a secretria da
Casa Paroquial Maria Socorro Cavalcanti, que abriram os arquivos religiosos datados desde
1836 para que eu pudesse pesquisar sobre o contexto da poca de infncia de Antonio Silvino.
As funcionrias da Biblioteca Pblica Municipal Monsenhor Arruda Cmara, Janana Lima e
Irene Nogueira que cederam manhs para pesquisar comigo o histrico da cidade e
fragmentos que versassem sobre Silvino.
A meus pais, Vera Guzella e Rmulo Oliveira, que me oportunizaram a formao
familiar, escolar, moral e tica para lidar no dia-dia com as situaes boas e ruins. Meus pais
so um presente na minha vida. A ateno, o carinho, as broncas, a torcida em cada vitria
que conquistei devo ao respeito e a dedicao que sempre tiveram comigo. Painho e Mainha
Amo muito vocs!
A minhas irms Daisy e Ktia, ao meu irmo Roberto, pela torcida, mas especialmente
a minha sobrinha, Maria Beatriz, uma menininha linda, que muitas vezes queria colo e
ateno justamente nas horas que eu estava escrevendo ou estudando. Riscou livros, papis,
apagava, pintava, falava e mexia em tudo. Ela me fez brincar e rolar no cho, ela me faz rir e
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emocionar desde o seu nascimento em 15 de abril de 2008 at os dias de hoje. Beatriz foi
importante nas horas que as leituras e o cansao me pedia para dar um tempinho e respirar.
Ao companheirismo de Euclides (Dinho), que soube compreender as horas de estudo
nas madrugadas, os meus choros e as ausncias emocionais. Ele transcreveu matrias de
jornais, visitou arquivos comigo, leu diversas vezes este trabalho e esteve atento aos meus
devaneios de historiador respondendo com risos, caras feias e com um carinho imenso. Nativo
de Afogados da Ingazeira, terra de Antonio Silvino, Euclides opinou e criticou sobre o cenrio
sertanejo e a descrio da regio do Paje, quando eu teimava em cair nas generalizaes
feitas por quem no viveu no serto. Agradeo demais por estar comigo nas horas que mais
precisei. Amo muito voc!
A Vov marinete, as minhas tias Denise e Demilze, que foram de grande carinho e
apoio nos momentos familiares e aos amigos e amigas que estiveram comigo nas horas de
descontrao, Amanda, Elaine Santos, Elaine Patrcia, Rose, Thiago, Thiaguinho, Anderson,
Wanderson, Gabi, Carla e Ingrid e Ingrid Pires.
As meninas da Xerox de Shirley: Elaine,Vivi, Renatinha e Shirley. Obrigado pela
ateno e pelos crditos nas horas que foram necessrias.
A todos e todas que direta ou indiretamente contriburam para essa pesquisa.
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[...] s havia uma grandeza no mundo, era a grandeza do homem quem no
temia o governo, do homem que enfrentava quatro estados, que dava dor de
cabea nos chefes de polcia, que matava soldados, que furava cercos, que
tinha poder para adivinhar os perigos.
Jos Lins do Rego. Fogo Morto. Rio de Janeiro. Jos Olympio. 2004. p.145.
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RESUMO
Antonio Silvino: De Governador dos Sertes a Governador da Deteno (1875-1944)
um trabalho que surgiu do desejo de compreender quem foi o cangaceiro Antonio Silvino
segundo a viso dos jornais, que eram lidos por uma classe letrada e pelos Cordis que
atingiam uma populao de pouca instruo. Este trabalho teve como objetivo construir uma
biografia, em que procurei estar atento nominao dada pelos documentos que versaram
sobre o cangaceiro, ao contexto histrico e s representaes que lhe foram atribudas pelos
jornais recifenses, pelos documentos pblicos e pelos cordis de Francisco das Chagas Batista
e Leandro Gomes de Barros, em cada fase que classifiquei da vida de Antonio Silvino. O
exerccio que ora apresento no abarca a totalidade do sujeito biografado, isso seria
impossvel de fazer, pois, assim como a escrita da histria uma resposta provisria sobre o
passado, a escrita biogrfica tambm . Busquei realizar uma discusso terico-metodolgica
pautado nos estudos da Histria Cultural e da construo de biografias, que j esto sendo
debatidos desde a dcada de 1970. O trabalho est divido em quatro captulos. No primeiro
apresento o contexto histrico em que nasceu Manuel Baptista de Moraes, verdadeiro nome
de Antonio Silvino. No segundo, analiso as aes do cangaceiro desde o ano 1900, quando ele
assume como chefe de bando, at sua priso em 1914. No terceiro discorro sobre a
espetacularizao que se fez a respeito de sua priso e sobre os sujeitos que atuaram nela. No
quarto captulo verso sobre o cotidiano de Silvino na Casa de Deteno do Recife, analisando
as suas mudanas de comportamento e seus desejos na cadeia, concluindo com a sua liberdade
e o findar de seus dias no ano de 1944, na cidade de Campina Grande PB. A pesquisa
mostrou a possibilidade de compreender o cangaceiro para alm da imagem de heri e
bandido, pois reconstituir a fragmentada vida deste cangaceiro permitiu visualizar um sujeito
do ponto de vista humano e perceber que ele foi um homem de natureza poltica.
Palavras-Chave: Antonio Silvino, Biografia, Representaes.
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RIASSUNTO
Antonio Silvino: Da Governatore dei retroterre a Governatore dellArresto (1875-
1944) un lavoro che venuto dal desidero di capire chi fu il brigante Antonio Silvino
secondo lopinione dei giornali che venivano letti da una classe letterata e dai cordel, i quali
raggiungevano una popolazione poco istruita. Questo lavoro ebbe come obiettivo costruire
una biografia dove ho cercato di essere attento alla nominazione data dai documenti che
versarono a riguardo del brigante al contesto storico ed alle rappresentazioni che gli furono
date dai giornali recifensi, dai documenti pubblici e dai cordel di Francisco das Chagas Batista
e Leandro Gomes de Barros, in ogni fase che ho classificato della vita di Antonio Silvino.
Lesercizio ora presentato non ci porta la totalit del soggetto biografatto, ci sarebbe
impossibile da fare, gi che, cos come la scritta della storia una risposta provvisoria sul
passato, anche lo la scritta biografica. Ho cercato di realizzare una discussione
teoricometodologica rigata sugli studi della Storia Culturale e della costruzione di biografie, i
cui vengono discussi dalla decade del 1970. Il lavoro viene diviso in quattro puntate. Nella
prima, presento il contesto storico in cui nato Manuel Baptista de Moraes, il vero nome di
Antonio Silvino. Nella seconda, faccio lanalisi delle azioni del brigante dal 1900, quando
viene presentato come un capofila, al suo arresto nel 1914. Nella terza, discorro sulla
spettacolarizzazione che c a riguardo del suo arresto e sui soggetti che ce ne hanno attuato.
Nella quarta puntata verso a riguardo del quotidiano di Silvino dentro la Casa de Deteno
do Recife, analizzando i suoi cambiamenti abitudini personali ed i suoi desideri dentro
larresto, concludendo con la sua libert e la fine dei suoi giorni nel 1944, nella citt di
Campina Grande PB. La ricerca mostr la possibilit di capire il brigante al di l
dellimmagine di eroe eppure brigante, gi che ricostruire la frammentata vita di questo
brigante permise visualizzare un soggetto dal punto di vista umano e rendersi conto di che lui
fu un uomo di natura politica.
Parole chiavi: Antonio Silvino, Biografia, Rappresentazioni.
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ABSTRACT
Antonio Silvino, "From Governor of backwoods to Governor of Detention" (1875-1944)
is a work that came from the desire to understand who the cangaceiro Antonio Silvino was,
from the vision of newspapers that were read by an educated class and the cordis that had
reached a population of little education. This study aimed to construct a biography, in which I
tried to be aware of the nomination given in the documents related to the bandit, the historical
context and the representations assigned to the newspapers from Recife, the public documents
and the cordis by Francisco das Chagas Batista and Leandro Gomes de Barros, in each
stage that I described Antonio Silvinos life. The exercise now presented does not cover the
whole subject of his biography, it would be an impossible thing to do, as well as the writing of
history is an interim response about the past, and so is the biographical writing. I wanted to
perform a theoretical and methodological discussion based on studies of cultural history and
the construction of biographies, which are already being debated since the 1970s. This work is
divided into four chapters. The first presents the historical context in which Manuel Baptista
de Moraes was born, Antonio Silvinos real name. In the second, I analyze the actions of the
bandit from 1900 on, when he takes on as the head of a gang, until his arrest in 1914. The
third one is about the spectacle that was made about his arrest and on the individuals who
acted on it. The fourth chapter focuses Silvinos routine in the Casa de Deteno in Recife,
analyzing his behavior changes and his desires in jail, concluding with his freedom and the
ending of his days in 1944, in the city of Campina Grande - PB. The research has shown the
possibility of understanding the cangaceiro beyond the image of hero and villain, cause
reconstruct the fragmented life of this cangaceiro allowed a visualization of this man from a
humans point of view and realize that he was a man with a political nature.
Keywords: Antonio Silvino, Biography, Representations
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LISTA DE ABREVIATURAS
APEJE Arquivo Pblico Estadual Jordo Emerenciano
CDR Casa de Deteno do Recife
DP Dirio de Pernambuco
FACEPE Fundao de Amparo Cincia e Tecnologia do Estado de Pernambuco
FUNDAJ Fundao Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais
PB Paraba
PE Pernambuco
RN- Rio Grande do Norte
RJ Rio de Janeiro
SDS Secretaria de Defesa Social
UFPE - Universidade Federal de Pernambuco
UFRPE Universidade Federal Rural de Pernambuco
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NDICE DE IMAGENS
FIGURA FONTE PGINA
Fig. 01
Folhetos de Cordel pendurados para venda.
Acervo fotogrfico da FUNDAJ
31
Fig. 02
Foto da Tipografia e Livraria Popular
Editora, de Chagas Batista.
livro- Francisco das Chagas
Batista. Rio de Janeiro: Fundao
Casa Rui Barbosa. 1977.
32
Fig. 03
Foto do busto de Leandro Gomes de Barros publicada nos
seus folhetos. Acervo: Fundao Casa de Rui Barbosa
RJ.
34
Fig. 04
Capa do folheto Todas as lutas de Antonio Silvino,
contendo no alto, a assinatura de Rachel Aleixo, filha do
poeta. Acervo: Fundao Casa de Rui Barbosa RJ.
34
Fig. 05
Foto da construo da Igreja matriz
no ano de 1910.
Acervo da Parquia do Senhor Bom
Jesus dos Remdios. Livro de Tombo
ano de 1911. p.25.
43
Fig. 06
Foto da Igreja matriz aps a concluso
da obra e j com o coreto central. Ano
de 1920. Acervo da Biblioteca Pblica
da Prefeitura de Afogados da Ingazeira.
43
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14
Fig. 07
Mapa de Pernambuco contendo as cidades que Silvino
circulou no perodo do Cangao. Acervo do autor.
57
Fig. 08
Capa do folheto A Vida de Antonio
Silvino, datado do ano de 1905
Fundao Casa de Rui Barbosa - RJ
58
Fig. 09
Xilogravura de Antonio Silvino na
Capa do folheto A Histria de
Antonio Silvino, de autora de Chagas
Batista, publicado em 1907.
Fundao Casa de Rui Barbosa - RJ
71
Fig. 10
Propaganda da Loja Casa Freitas
publicada no Dirio de Pernambuco
em 30 de nov. de 1914. p. 02
Acervo FUNDAJ.
96
Fig. 11
Antonio Silvino, ferido, na
enfermaria da Casa de Deteno do
Recife. 1914.
Jornal Pequeno. Recife. 28 de nov.1914.
Acervo FUNDAJ
97
Fig. 12
Pontos de ferimentos de Antonio
Silvino, na enfermaria da Casa de
Deteno do Recife. 1914.
Jornal Pequeno. Recife. 28 de nov.
1914. Acervo FUNDAJ
97
Fig. 13
-
15
Capa do Jornal do Recife. Recife. 02 de dez. 1914
Acervo FUNDAJ.
97
Fig. 14
Subscrio publicada no jornal
Dirio de Pernambuco. Recife. 01
de dez. 1914. p.01.
Acervo FUNDAJ
99
Fig. 15
Fotografia do Delegado Tephanes Ferraz Torres. 1914.
Acervo fotogrfico da FUNDAJ
101
Fig. 16
Thephanes Ferraz e sua esposa Amlia Torres no ano de
1916.
Acervo fotogrfico da FUNDAJ
101
Fig. 17
Sargento Alvino. Policial que
aprisionou Silvino junto com o
Alferes Theophanes Torres
Acervo fotogrfico da FUNDAJ
102
Fig. 18
Soldados integrantes da volante que
prendeu Antonio Silvino.
Acervo fotogrfico da FUNDAJ
102
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16
Fig. 19
Registro da entrada de Silvino na Casa de Deteno do
Recife. Livro das Partes das Ocorrncias Dirias da Casa
de Deteno do Recife dos anos de 1914-1915. n 4.8/54.
p. 184v. e 185. Ms. APEJE.
105
Fig. 20
Nome de Silvino na lista de movimento da enfermaria da
Deteno. Livro das Partes das Ocorrncias Dirias da
Casa de Deteno do Recife dos anos de 1914-1915. n
4.8/54. p. 185v. Ms. APEJE.
106
Fig. 21
Gravura da Casa de Deteno do Recife, de L. Shlappnz.
Acervo da FUNDAJ.
108
Fig. 22
Foto de Antonia F. de Arruda, amante
de Antonio Silvino. Publicada no
JORNAL PEQUENO. 05 de dez.
1914. p. 01. APEJE
110
Fig. 23
Mapa demonstrativo de alunos da escola de detentos com
respectivo adiantamento durante o ano de 1918. Livro de
Relatrio da Casa de Deteno 01 de jan a 31 de dez 1918.
p. 23. Fundo CDR. APEJE.
124
Fig. 24
Ficha catalogrfica de Antonio Silvino, contendo nmero
de registro e escrito que foi liberto pelo perdo de Vargas.
FUNDO CDR. APEJE
127
Fig. 25
Fotografia de Antonio Silvino, diretores
da Casa de Deteno e de seu filho,
publicadas pelo Dirio de Pernambuco
em 04 de fev. 1937. Acervo FUNDAJ
128
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17
Fig. 26
Fotografia de Antonio Silvino e diretores da Casa de
Deteno publicadas pelo Dirio de Pernambuco em 04 de
fev. 1937. Acervo FUNDAJ
128
Fig. 27
Foto publicada no Jornal Pequeno quando da morte de
Antonio Silvino em 1944.
Fonte: Acervo FUNDAJ
134
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SUMRIO
INTRODUO 18
1. NOS PASSOS DE MANOEL BATISTA DE MORAES. 38
1.1 A transio de sculos e a cidade de Afogados da Ingazeira 1.2 A gesta de um sertanejo
2. ANTONIO SILVINO: O GOVERNADOR DOS SERTES 58
2.1 Trilhando rumos desconhecidos
2.2 - Anti-moderno, justo e mandingueiro
3. ESPETACULARIZANDO UMA PRISO 89
3.1 O trajeto de Taquaretinga - PE Casa de Deteno do Recife
3.2 Espetculos para o delegado Thephanes Torres
4. O GOVERNADOR DA DETENO 104
4.1 - Novos espaos, velhos comportamentos
4.2 - Do julgamento liberdade: novos comportamentos, novos desejos
CONSIDERAES FINAIS 136
REFERNCIAS 139
ANEXOS 150
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19
INTRODUO
Houve um tempo em que a escrita da Histria consistia no relatar da trajetria de
pessoas importantes da sociedade. A vida dos reis, dos lderes polticos e as hagiografias eram
as que mereciam ter suas histrias contadas, pois serviriam de exemplo para as futuras
geraes. Essas narrativas feitas de forma precisa apresentavam uma cronologia do nascer
ao morrer dos indivduos, que comprovadas com a mais pura verdade do documento, sem
deform-lo e sem permitir os devaneios da fico e da criatividade do narrador estariam
comprometidas com o passado de cada um1.
O sculo XX veio para mexer nas estruturas do fazer historiogrfico. Em 1929, na
Frana, a fundao da Revue de Annales trouxe para as pesquisas histricas a aproximao
com mtodos e concepes tericas das outras cincias sociais, como a antropologia, a
psicologia e a sociologia. Na dcada de 1970 Jacques Le Goff e outros historiadores
popularizaram a expresso Nova Histria atravs do livro La Nouvelle Histoire2, para se
referir as vrias perspectivas da escrita da Histria3.
As produes no retratavam apenas os grandes homens e heris, tudo tinha a sua
histria. O que integrasse a participao dos homens constitua possibilidades de escrita. A
historiadora Lynn Hunt foi uma das que denominou esse perodo como uma virada cultural.
Para ela as anlises de grandes heris, fatos polticos e econmicos comearam a ser deixadas
de lado, e conduziram os historiadores a perceberem estruturas individuais e coletivas que
envolviam tambm as populaes que no estavam dentro dos campos de prestgio social e
econmico4. Assim, temas que eram pouco analisados, como vesturio, ritos, indivduos
desconhecidos, entre tantos outros, estiveram relegados pelos historiadores, e s a partir da
1 Refiro-me as produes da vida dos santos, papas, reis e pessoas de grande destaque da sociedade Ocidental,
feitas pelos historiadores da corrente positivista datada do final do sculo XIX, tida como daqueles que desejam
mais segurana e menos ambio, aquele que visa o fato e no a idia que faz dele, aqueles que olham para o
documento e relatam defendo a verdade nica. Sobre essa discusso ver: REIS, Jos Carlos. A Histria: entre a
filosofia e a cincia. Belo Horizonte: Autntica. 2006. Em especial o captulo: A escola metdica, dita
positivista. 2 Cf. LE GOFF, Jacques. La Nouvelle Historie. Paris: Retz, 1978.
3 Sobre a fundao da Escola dos Annales e suas geraes ver: BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-
1989): a revoluo francesa da historiografia. So Paulo: UNESP. 1997. E REIS, Jos Carlos. Escola dos
Annales: a inovao em histria. Rio de Janeiro: Paz e terra, 2000. 4 Sobre essa virada cultural Cf. em. HUNT, Lynn. A nova histria cultural. So Paulo. Martins Fontes. 1992.
Ver a apresentao do livro, em que a autora versa sobre as aproximaes entre a Histria e as Cincias Sociais e
as novas abordagens realizadas nas pesquisas histricas. Sobre essa discusso ver tambm: BURKE, Peter. A
escrita da histria: novas perspectivas. (org.). So Paulo: UNESP. 1992.; PESAVENTO, Sandra Jatahy.
Histria e histria cultural. Belo Horizonte: Autntica, 2005.
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20
primeira metade do sculo XX que acamparam no cenrio das pesquisas sociais, devido
influncia da Escola dos Annales.
O fazer biogrfico tambm passou por mudanas significativas e sofreu grandes
crticas. Passou-se a desacreditar na construo da trajetria do sujeito como a nica
possibilidade de entender o caminho por ele traado e na certeza de uma narrativa total sobre
o sujeito. Segundo a historiadora Vavy Pacheco o percurso da biografia no mundo ocidental
no algo novo:
Ao longo de mais ou menos dois milnios, autores acharam que contar a
histria de vida de algum era algo distinto de uma Histria(que narra
fatos coletivos e contava a verdade): as histrias das vidas(termo usado
ento pelos autores) serviam, desde o mundo greco-romano, para dar
exemplos morais, negativos ou positivos muitas vezes constituindo os
panegricos. Essa chamada biografia clssica punha um acento muito maior
no carter poltico, moral ou religioso do biografado do que em sua pessoa,
em sua singularidade. No mundo medieval, a idia dos exempla prolongou-
se, configurando-se nas hagiografias e crnicas5.
Ainda para Vavy Pacheco, a obra Life of Samuel Johnson LL.D, escrita por James
Boswell, em 1971 tida como o marco inicial dos trabalhos que hoje se preocupam em
demonstrar um mtodo investigativo da vida de sujeitos de destaque ou no para determinada
sociedade, alm de evitar o panegrico, e usando documentos, entrevistas e as escritas de si.
Esta autora advoga que a maneira mais completa de biografar algum por meio da escrita de
si e por meio do cruzamento de fontes entre informaes dos familiares e documentos
materiais: fotos, jornais, vdeos, literatura, objetos pessoais6.
O historiador Franois Dosse sugere trs fases para elaborar um percurso de vida: a
primeira que denomina: Idade herica, pois so biografias que sugerem modelos e valores
para outras geraes; a segunda chamada biografia modal, na qual o sujeito apresenta
importncia diante do contexto social; e uma ltima fase que acredita ser a atualmente usada,
em que o bigrafo se permite experimentar, ensaiar e construir atravs das fontes e da
influncia de outras disciplinas a vida dos indivduos7.
O socilogo Pierre Bourdier apontou que a construo de narrativas de vida, algo
preso a uma iluso biogrfica, em que existe a tradio da cronologia dos homens, datada do
nascimento at a morte, levando em considerao a funo global dos acontecimentos,
5 BORGES, Vavy Pacheco. Grandezas e misrias da biografia. In: PINSKY, Carla B. (org.) Fontes histricas.
So Paulo: Contexto. 2008. p.205. 6 Idem. p. 214.
7 DOSSE, Franois. Le pari biographie: crive une vie, Paris: La Dcouverte, 2005.
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21
elencados como causa e conseqncia na vida de cada um. Bourdier sugere que para sair da
tradio biogrfica indispensvel reconstituir o contexto, a superfcie social em que agiu o
indivduo, respeitando a variedade de campos e momentos da vida, estando atento s
nominaes dadas pelos documentos: registros civis, religiosos, presidirios, judiciais, entre
outros e s redes de sociabilidade em que o indivduo biografado esteve inserido8.
O historiador Giovanni Levi tambm apontou caminhos para o fazer biogrfico em seu
artigo Usos da biografia9. Para ele existem algumas tipologias nessa produo. A primeira a
biografia modal, aquela que desperta o interesse quando ilustra os comportamentos ou
aparncias ligadas s condies sociais estatisticamente mais freqentes10
, possvel ver o
singular e o comum em determinado grupo. o que alguns historiadores chamam de
prosopografia11
. A segunda tipologia se refere a biografia e contexto, em que a poca e o
ambiente so bastante valorizados como fatores capazes de caracterizar a atmosfera que
explicaria a singularidade do sujeito. Aqui, o contexto explicaria o que parece ser
inexplicvel. A terceira proposio de Levi alerta para a biografia e os casos extremos, na
qual a vida do sujeito auxilia a compreender o contexto social de determinada rea e poca. O
autor cita como exemplo o moleiro Menocchio, principal sujeito do livro de Carlo Ginzburg:
O queijo e os vermes12
. A ltima proposio tipolgica apresentada pelo autor a biografia e
hermenutica, cuja ao consiste na interpretao dos dilogos, descries e processo de
comunicao entre sujeitos e entre culturas.
Srgio Vilas Boas advoga que para elaborar trabalhos biogrficos preciso refletir
sobre elementos inerentes a esta escrita. So eles: A descendncia, cuja origem do indivduo
est construda pela suas influncias familiares. O autor critica a idia de muitos bigrafos que
retratam as pessoas como necessariamente retrato do gene deixado pela famlia; O fatalismo,
cuja crtica se concentra nas biografias em que o sujeito est predestinado a ser heri e
famoso, aquele que desde o bero foi algum que o destino colocaria no rumo da visibilidade
social. Para Boas, a noo de extraordinariedade, tambm est presente nas escritas
biogrficas, ele no concebe que pessoas sejam extraordinrias por essncia, mas que as
8 Cf. BOURDIER, Pierre. A iluso biogrfica. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janana. (orgs.).
Usos e abusos da Histria Oral. Rio de Janeiro: FGV, 2002. p.183-191. 9 LEVI, Giovanni. Usos da biografia. In: FERREIRA, Marieta de Moraes & AMADO, Janana. Usos e abusos
da histria Oral. Rio de Janeiro: FGV, 2002. p.167-182. p.174. 10
Idem. p.174. A respeito deste debate biogrfico ver tambm: LORIGA, Sabina. A biografia como problema.
In: REVEL, Jacques (Org.) Jogos de Escala: a experincia da microanlise. 1 edio. Rio de Janeiro: FGV,
1998. 11
Uma obra que trabalha nessa perspectiva de produo histrica HEINZ, Flvio M.(org.) Por outra Histria
das elites. Rio de Janeiro: FGV, 2006. 12
Cf. GINZBURG, Carlo. O Queijo e os Vermes. O cotidiano e as idias de um moleiro perseguido pela
Inquisio. 12 ed. So Paulo: Companhia da Letras, 1987.
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22
escolhas, as realizaes, os acontecimentos, a mentalidade cultural e regional e as condies
socioeconmicas foram de sobremodo, influncia em tornar a pessoa extraordinria. Por
ltimo o pesquisador dos biografismos lembra que trs elementos precisam ficar ntidos no
trabalho do bigrafo: a noo de verdade, a transparncia e o tempo. O primeiro sendo
indicado como a certeza de que no retratar a verdade nica sobre algum, o segundo
alertando os escritores para a necessidade de informar quais as fontes foram consultadas no
trabalho e o terceiro para a possibilidade de quebrar a cronologia: nascer-viver-morrer. A
anlise que Srgio Vilas Boas realizou sobre o processo de produo das biografias quase no
citado nas pesquisas realizadas pelos historiadores que adentraram no campo da escrita de
vida.
Sobre a perspectiva do tempo nas biografias, a historiadora ngela de Castro Gomes
defende que o mesmo perodo da vida de uma pessoa pode ser decomposto em tempos
com ritmos diversos: um tempo da casa, um tempo do trabalho, etc.13
Ainda sobre a idia de
tempo, Jacques Le Goff ao biografar a vida de So Luis defende que possvel em certos
limites ordenar o tempo e apresentar a idia de tempo plural, em que o tempo de vida de
determinado sujeito no o mesmo de sua permanncia na memria de determinada
sociedade14
. Por isso realizar uma biografia, seja de homens de destaque social ou de sujeitos
comuns preciso estar alerta para a fragmentao que o tempo pode sofrer conforme as fontes
e conforme a fixao de sua imagem na sociedade, principalmente quando tal indivduo
mitificado.
Utilizei algumas posturas metodolgicas sugeridas por estes autores, para a elaborao
desta biografia sobre Antonio Silvino, objetivo da dissertao, quando procurei estar atento
nominao dada pelos documentos que versam sobre o cangaceiro, ao contexto histrico e s
representaes que eram atribudas para Silvino. Atento aos nomes atribudos a Silvino
procurei apontar a descendncia dele no como fatalismo, a sua extraordinariedade no como
curiosidade e a idia de verdade sobre os fatos como uma perspectiva, um ponto de vista.
O relatar despretensioso, a informao exata, a no referncia das fontes consultadas e
o no apontar de possibilidades ou ao menos a reconstruo de contextos fica a margem do
trabalho de muitos profissionais. O fazer biogrfico o ensaio de possibilidades que a anlise
documental proporciona, construir uma metabiografia, pois as escolhas do bigrafo esto
13
GOMES, ngela de Castro (org). Escrita de si, escrita da histria. Rio de Janeiro: FGV, 2004. p. 13. 14
Cf. LE GOFF, Jacques. So Luis: Biografia. Rio de Janeiro: Record, 2002.
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23
para alm da vida do sujeito biografado. A seleo das fontes, as interpretaes e produo do
texto um trabalho metabiogrfico15
.
O exerccio que ora apresento no abarca a totalidade do sujeito biografado, isso seria
impossvel de fazer, pois, assim como a escrita da histria uma resposta provisria sobre o
passado, a escrita biogrfica tambm . Ambas carregaram suas verdades, impresses,
amores, escolhas, angstias, conquistas e desafetos. Nunca poderemos conhecer um sujeito de
forma completa e verdadeira. Segundo Viana Filho:
O bigrafo jamais conseguir sair do seu trabalho com a satisfao dum
matemtico, que acaba de resolver uma equao e est seguro da exatido
dos resultados. Para ele, restar sempre margem de erro e de dvida,
conseqncia da nossa capacidade de discernir e destrinchar o que h de
complexo em qualquer existncia. (...) no estgio atual do conhecimento
humano, poucas coisas poderiam ser to jactanciosas, e por isso mesmo
ridculas, quanto um bigrafo pretender haver escrito a vida verdadeira de
algum. Evidentemente, poder faz-lo, mas jamais poder ter a certeza
plena de o haver conseguido. Afirmar, portanto, que alcanar aquela meta
seria apenas impostura16
.
Algumas questes me inquietaram para realizar este trabalho. Como saber sobre um
sujeito? Robert Darnton responderia que: S Deus sabe! O historiador sabe, mas
imperfeitamente, por meio de documentos obscuros, e com a ajuda da insolncia, brincando
de ser Deus17
. Por que biografar Antonio Silvino importante? O que ele tem de interessante
a ponto de ser escrito este trabalho? preciso defender esta biografia para ampliar os estudos
sobre o Cangao e sair do jogo duplo de que o cangaceiro ora heri ora bandido. Mas,
acima de tudo, realizar este exerccio importante para perceber a trajetria de Silvino do
ponto de vista de ser um sujeito de natureza poltica, de visualizar o lado humanstico deste
sertanejo, de buscar perceber como os jornais da cidade do Recife e os folhetos de cordel o
representaram, pois ele afrontou o poder poltico e policial e muitas vezes dizia assumir este
poder, deixando irrequietas as autoridades que o perseguiam.
Alerto aos que se aventurarem na leitura das pginas seguintes que no encontraro
relatos das aventuras do cangaceiro ou respostas para perguntas do tipo: Antonio Silvino foi
um heri ou um criminoso sanguinolento? Quais as artimanhas que ele usava para fugir das
perseguies? Essas histrias de herosmo, de violncia e de perseguies aparecero, porm
15
Sobre o conceito de metabiografia ver: BOAS, Srgio Vilas. Biografismo: reflexes sobre as escritas da vida.
So Paulo: UNESP, 2006. 16
VIANA FILHO, Luiz. A verdade na biografia. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1945. p. 53-54 e 57. 17
DARNTON, Robert. Os esqueletos no armrio; como os historiadores brincam de ser Deus. In: Os dentes
falsos de George Washington: um guia no convencional para ao sculo XVIII. So Paulo: Companhia das
Letras, 2005. p. 2000.
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24
preciso advertir que este trabalho fruto de uma vasta anlise documental e que a vida de
Antonio Silvino ser reconstruda de modo fragmentado, a partir das representaes que
outros deixaram.
Criei uma narrativa elencando os episdios mais conhecidos e quando as histrias
eram relatadas em dois ou mais documentos analisei as representaes de Silvino. Assim, a
narrativa foi composta de tempos diversos, principalmente quando foi preciso cruzar a
documentao de cordel com os jornais recifenses, avancei em diferentes velocidades, apontei
as representaes partindo do tempo de cada pessoa que versou sobre Silvino , procurei unir o
passado, o presente e o futuro, (re)direcionado o meu olhar.
Roger Chartier advoga que o objeto central da Histria Cultural perceber como
determinada realidade social construda, pensada, dada a ler de formas diferentes18
. Para
este historiador francs, representar uma prtica, a ao de apresentar algo ou algum,
levando em considerao que as representaes do mundo social so sempre determinadas
pelos interesses dos grupos que as forjam19
, sejam elas de classes dominantes ou dominadas.
Na produo desta pesquisa fiz a escolha de trabalhar apenas com documentos escritos e com
imagens que apresentavam Antonio Silvino. Portanto alm desta narrativa sobre a vida do
sertanejo que se tornou cangaceiro, apresentarei, no texto ou nas notas de rodap, quem falava
e de onde falava a respeito deste sujeito20
.
A Seduo pelo Objeto e a Historiografia do Cangao
Sou neto de sertanejos pernambucanos, e sempre ouvia de meus avs paternos as
histrias sobre os feitos dos cangaceiros. Como criana curiosa que fui, fazia perguntas sobre
essas histrias, que mais parecia ser uma investigao policial do que um mero ouvinte dos
relatos sobre o Cangao. Dcadas mais tarde, o ofcio do historiador por mim fora escolhido.
Em Fevereiro de 2007 eu realizava uma pesquisa institucional a convite da professora
Dra. Maria ngela de Faria Grillo. Estudava as representaes do Cangao na Imprensa de
Pernambuco e por opo me detive ao perodo de atuao de Lampio (1920 a 1938). O que
eu no esperava que em 09 de fevereiro de 2007 receberia de um funcionrio do Arquivo
Pblico Estadual Jordo Emerenciano (APEJE), uma cpia do Jornal Pequeno, com a data de
18
CHARTIER, Roger. A Histria Cultural: entre prticas e representaes. Lisboa: Difel, 2002. p.17. 19
Idem. 20
Segundo Michel de Certeau, o trabalho do historiador referendado atravs do local de fala, o que ele fala e
para quem fala. Cf. CERTEAU, Michel. A operao histrica. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (Orgs.).
Histria: novos problemas. Rio de Janeiro: Ed. F. Alves. 1976. p.17-48.
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25
09 de fevereiro de 1907. Na verdade o objetivo desta reedio era comemorar o centenrio do
Frevo. Nas pginas a mim entregues, estava presente uma matria que tratava de um
cangaceiro chamado Antonio Silvino, que eu pouco conhecia. Indubitavelmente foi o primeiro
indcio para realizar este trabalho e para perceber qual a importncia que este cangaceiro teve
no cotidiano social, poltico e policial de Pernambuco.
Acabei assim, despertando o interesse por estudar Antonio Silvino. Foram meses de
consultas aos jornais das quatro primeiras dcadas do sculo XX e de busca dos fragmentos
que me dessem possibilidades de compreender os feitos deste indivduo. Quando j
consultados boa parte dos jornais, Dirio de Pernambuco e Jornal Pequeno, busquei outras
pistas, com questionamentos que pareciam os meus de outrora: Por que ele tinha virado
cangaceiro? Ele vingou o assassinato do pai? Como ele conseguia fugir da polcia? Entre
outros. Para ter essas respostas, ou ao menos parte delas fragmentadas, comecei a ler a parca
bibliografia sobre Antonio Silvino.
Aps as leituras, percebi que as perguntas que antes eu fizera tinham tomado outra
proporo e a investigao agora caminhara para questes do tipo: Quem legitimava ser
Silvino importante? Qual o seu desejo de se ver e de ser representado? Como ele era
representado nas fontes consultadas? As representaes eram similares ou totalmente
dspares?
Assim, adentrei nas pesquisas sobre o Cangao e sobre este indivduo, procurando
perceber como ele foi construdo pela historiografia. Identifiquei que a figura do homem
cangaceiro passou a ser analisada nos estudos acadmicos a partir dos livros, Rebeldes e
Primitivos e Bandidos de Eric Hobsbawm21
. O historiador ingls realizou no seu texto um
estudo do banditismo social em vrios lugares e defende que um fenmeno universal. Ele
apresenta a figura do bandido social como:
[...] proscritos rurais, encarados como criminosos pelo senhor e pelo
Estado, mas que continuam a fazer parte da sociedade camponesa, e so
considerados por sua gente como heris, como campees, vingadores,
paladinos da Justia, talvez at mesmo como lderes da libertao e, sempre
como homens a serem admirados, ajudados e sustentados[...]22
21
HOBSBAWM, Eric. J. Bandidos. Rio de Janeiro: Forense-Universitria, 1975. e HOBSBAWM, E. J.
Rebeldes e Primitivos: estudos de formas arcaicas de movimentos sociais nos sculos XIX e XX. Rio de
Janeiro: ZAHAR, 1978. A primeira edio do livro Rebeldes e Primitivos datada de 1959. 22
HOBSBAWM, Eric J. Bandidos. Rio de Janeiro: Forense-Universitria. 1975. p.11.
-
26
Hobsbawm elencou elementos que eram semelhantes em vrios pases analisados23
,
ele acabou por generalizar o banditismo social, quando defendeu, que seus integrantes eram
homens pr-polticos, rebeldes sem causa, sujeitos que defendiam apenas os interesses
pessoais e que aderiam a este meio de vida quando algum incidente, no necessariamente
grave, o colocavam fora da lei. Porm, o banditismo no ocorreu da mesma forma nas vrias
naes que ele estudou. Cada tipo de banditismo apresentou sua particularidade e dentro das
aes praticadas por cada sujeito, elas chegaram a divergir ou se assemelhar.
As produes de Hobsbawm no campo do poltico, em que considera estes sujeitos
pr-politicos, foram de grande repercusso para que outros trabalhos viessem a ser
elaborados24
. Autor brasileiro, que junto com o trabalho de Hobsbawm abriu caminhos para
edificar o cangao como temtica histrica foi o jornalista Rui Fac, no livro Cangaceiros e
fanticos. No seu texto Fac analisa as possveis causas que conduziam os homens do serto a
tornarem-se cangaceiros utilizando-se dos estudos de intelectuais do perodo do Cangao,
como Euclides da Cunha, Loureno Filho, Xavier de Oliveira, Gustavo Barroso e Jos
Amrico de Almeida. Os estudos indicavam como causa do cangaceirismo, a mestiagem, o
clima, a estrutura biolgica, a m distribuio de terras, a falta de trabalho, a pouca atuao da
Justia, o fanatismo religioso oriundo do arraial de Canudos e o dficit de transportes e
comunicao entre o serto e as grandes cidades. Ele argumenta que, no serto nordestino,
cada sujeito assumia uma funo, seja de cangaceiro, de coronel, de coiteiro ou de soldado da
volante.25
A sociloga Maria Izaura Pereira de Queiroz ainda defendeu no seu livro Os
Cangaceiros, que o banditismo no foi um movimento social, pois argumenta que movimento
social aquele que altera o sistema social, poltico e econmico de determinada rea. A autora
apresenta o cangao por meio dos aspectos sociais e justifica a existncia dele, devido falta
de investimentos sociais e econmicos na zona seca do Brasil. Ela historia o ciclo econmico
do gado e o espao sertanejo associando-os necessidade de sobrevivncia da populao e
23
O estudo deste historiador analisou o banditismo social no Mxico, na Inglaterra, na Itlia, no Brasil e outros
pases. 24
Segundo Susan Pedersen, desde as dcadas de 1960 na Inglaterra a Histria Poltica tem sido o alvo
preferencial dos historiadores. Para ela, grande parte destes trabalhos pertence ao gnero da chamada histria da
liderana poltica, podendo assumir a forma de biografia poltica ou de estudos de partidos polticos e do
governo. Pedersen ainda defende, que a Histria Poltica tem sido enriquecida por novas investigaes nas reas
da poltica popular e da cultura poltica, investigaes essas realizadas por historiadores sociais j no
convencidos do poder explicativo da classe. Cf. PEDERSEN, Susan. O que a Histria Poltica Hoje? In:
CANNADINE, David. (org) Que a Histria Hoje? Lisboa: Gradiva. 2006. p.65. 25
Cf. FAC, Rui. Cangaceiros e Fanticos: gnese e lutas. Rio de Janeiro: Editora Civilizao Brasileira.
1963.
-
27
que as aes dos cangaceiros foram muitas vezes resposta s necessidades que se passava no
serto26
.
Na defesa de o cangao se tornar forma de sobrevivncia, no livro Guerreiros do Sol,
o historiador Frederico Pernambucano de Mello avalia o cangao como fenmeno social, que
apresentou trs tipos de origem: o Cangao-meio de vida, no qual viver de saques, subornos e
uso da violncia era uma forma de sustento, Cangao vingana - menos freqente cujo
objetivo era vingar desonras e mortes de parentes, e por fim O Cangao refgio em que
muitos sertanejos entravam para buscar subsistncia e refgio das perseguies das volantes,
por terem cometido alguma infrao27
. Estas obras permitiram conhecer o Cangao num
contexto amplo de aes dos cangaceiros e a significncia deste fenmeno social que ocorreu
no serto do Nordeste brasileiro durante a primeira metade do sculo XX.
Aps estas leituras creio ser importante estudar os trabalhos que biografaram Antonio
Silvino, para ento pensar meu exerccio biogrfico. O primeiro a apresentar relatos sobre o
cangaceiro foi Gustavo Barroso28
, no livro Heris e Bandidos, publicado em 1917. Barroso
apresentou Silvino no tempo em que ele ainda estava vivo, caracterizou-o como o sertanejo
que foi um bandido romntico, o protetor das crianas e mulheres, o rifle de ouro, um mito
popularizado, o governador dos sertes. Para este autor, o tempo do cangaceiro durou at o
momento em que no havia chegado o desenvolvimento tecnolgico nas cidades interioranas.
O trem da Great Western, o telgrafo e o aparato de armas propiciaram que o poder de Silvino
tivesse findado.
Outro trabalho de importncia foi Antonio Silvino: o capito de Trabuco, escrito por
Mrio Souto Maior29
e publicado em 1969. Este autor produziu a biografia de Silvino por
26
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Os Cangaceiros. So Paulo: Ed. Livraria Duas Cidades, 1977. 27
Cf. MELO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do Sol: o banditismo no nordeste do Brasil. Recife: Ed.
Massangana, 1985. 28
Sobre este autor vale lembrar que ele nasceu no dia 29/12/1888 no Cear e faleceu em 03/12/1959 no Rio de
Janeiro. Filho de Antnio Filinto Barroso e de Ana Dodt Barroso. Foi redator do Jornal do Cear (1908-1909) e
do Jornal do Commrcio (1911-1913); professor da Escola de Menores, da Polcia do Distrito Federal (1910-
1912); secretrio da Superintendncia da Defesa da Borracha, no Rio de Janeiro (1913); secretrio do Interior e
da Justia do Cear (1914); diretor da revista Fon-Fon (a partir de 1916); deputado federal pelo Cear (1915 a
1918); diretor do Museu Histrico Nacional (a partir de 1922; representou o Brasil em vrias misses
diplomticas, entre as quais a Comisso Internacional de Monumentos Histricos (criada pela Liga das Naes)
e a Exposio Comemorativa dos Centenrios de Portugal (1940-1941). Participou do movimento Integralista.
No concordou com o rumo dos acontecimentos a partir de 1937, porm, manteve-se fiel filosofia do
Integralismo. Barroso falava do cangao em seus trabalhos com teor folclrico que mitificava os sujeitos.
Cf. http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/biografias/ev_bio_gustavobarroso.htm. . Acesso em 05 de dez. de
2009. 29 Este autor oriundo de Pernambuco, Filho do coronel da Guarda Nacional, comerciante e fazendeiro Manuel Gonalves Souto Maior e Maria da Mota Souto Maior. Foi Bacharel em Cincias Jurdicas e Sociais. Em 1945,
foi nomeado Prefeito do municpio de Orob, Pernambuco. Exerceu tambm as funes de promotor pblico das
comarcas de Surubim e Joo Alfredo, em Pernambuco, e professor da Escola Normal Santana, de Bom Jardim.
http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Jornal_do_Cear%C3%A1&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/wiki/Jornal_do_Commerciohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Distrito_Federalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_de_Janeirohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Fon-Fon_(revista)http://pt.wikipedia.org/wiki/Museu_Hist%C3%B3rico_Nacionalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Liga_das_Na%C3%A7%C3%B5eshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Integralismohttp://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/biografias/ev_bio_gustavobarroso.htm
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28
meio da anlise de jornais, folhetos de cordel, e apresentou o cangaceiro pelos escritos do
literato Jos Lins do Rego. Sua produo seguiu a cronologia: nascimento, predestinao ao
cangao, aventuras, sujeito extraordinrio, fracasso e morte. Souto Maior tambm classificou
Silvino como o governador dos sertes, o bandido romntico, o protetor das mulheres e
crianas e no se percebe o texto anlises polticas, apesar de lhes atribuir a alcunha de
Governador dos Sertes. O sensacionalismo est presente no seu texto e o personagem
alocado como o antecessor de Lampio, o bandido que no fizera as mesmas aes
sanguinrias que seu sucessor, mas que se regenerou e que foi integrado no crculo social aps
sua liberdade da cadeia, um ano antes da morte de Lampio
O jornalista Severino Barbosa em 1979 publicou o livro Antonio Silvino: O Rifle de
ouro30
. Neste trabalho o autor apresentou o serto como territrio sangrento e de disputas
familiares, em que a vingana era algo predominante na populao. Silvino estava envolvido
neste meio e sua vida foi relatada atravs das proezas, aventuras, amores, e derrotas. Para
Barbosa, Silvino o bandido que em suas aes estabelecia acordos de proteo com coronis
e polticos, fazia uso do que roubava para seu beneficio e procurava manter a boa convivncia
social, contanto que no fosse afrontado, mesmo quando esteve preso, pois relatou essa
vivncia no Cangao quando esteve na cadeia. A morte deste sertanejo foi espetacularizada e
seu nome ficou para a histria como o cangaceiro cavalheiro. Barbosa consultou boa parte dos
jornais ainda em bom estado de conservao, o que permitiu seguir a trilha dos documentos
que versavam sobre o cangaceiro.
O trabalho do Juiz de Direito Srgio Dantas foi outra produo biogrfica sobre
Silvino, que narrou a trajetria sem anlises ou opinies31
. O Autor permaneceu durante todo
o texto descrevendo as informaes coletadas dos documentos e atribuindo juzos de valores
ao sujeito categorizando-o como: cangaceiro destemido, heri, mito e bravo homem do serto.
O exerccio realizado por Dantas foi descrito como: a histria que aqui se narra, progride
segundo um enredo formal, cronolgico e preciso. O Juiz permaneceu no ilusionismo
biogrfico to criticado por Pierre Bourdier. Entretanto a produo de Dantas serviu de
orientao para consultar os documentos e referendar as fontes que se encontram deterioradas.
partir de 1967, torna-se assessor da diretoria executiva do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais
(IJNPS), hoje Fundao Joaquim Nabuco e Inspetor Federal de Ensino, do Ministrio da Educao e Cultura. Cf.
http://www.fundaj.gov.br/docs/mario/msm.html. Acesso em 03 de dez. De 2009. Sobre a obra Cf. SOUTO
MAIOR, Mario. Antonio Silvino o capito de trabuco. Recife: Edies Arquimedes, 1969 30
BARBOSA, Severino. Antonio Silvino: o rifle de ouro. Vida, combates, priso e morte o mais famoso
cangaceiro do serto. 2 ed. Recife: Cia. Editora de Pernambuco, 1979. 31
DANTAS, Srgio Augusto de Souza. Antonio Silvino: o cangaceiro, o homem, o mito. Natal: Cartograf.
2006.
http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=16
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29
A pesquisa deste autor foi realizada desde os anos 90 do sculo XX e so de importncia para
meu trabalho.
Penso que esta historiografia contribuiu para edificar a figura do cangaceiro como um
indivduo de propores anti-polticas, do rebelde sem causas para defender. Entretanto,
busco construir este trabalho, pensado exatamente o contrrio. Apresento Antonio Silvino
enquanto sujeito poltico, uma vez que suas aes esto dentro do que era e de como se
praticava a poltica do serto e na cidade do Recife no final do sculo XIX e comeo do
sculo XX32
. Uma poltica em que as aes pblicas estavam em sintonia com as aes
privadas e ambas eram feitas pelos laos de clientelismo, pela parentela, pelas relaes de
poder entre os lderes governantes das cidades interioranas.
Nesta dissertao o jogo entre representaes, prticas sociais e apropriaes das
posturas polticas do cangaceiro Silvino se delineou conforme a documentao consultada e
permitiu que fosse questionada a imagem de um serto de pobreza, repleto de cangaceiros e
homens fortes, astutos e sofredores devido s intempries locais e s injustias praticadas
pelos donos de terras e poderosos polticos.
O cordel como fonte para pesquisa histrica
Durante a pesquisa foram utilizadas diversas fontes, jornais, relatos policiais,
telegramas, ofcios e folhetos de cordel. Entretanto, os cordis pouco tm sido utilizados nas
pesquisas histricas e acredito que merecem um cuidado e uma visibilidade maior do
historiador, pois representam lugares de fala, sentimentos, formas e contaram histrias para
pblicos variados. Por isso, creio que seja significativo apresentar a importncia dos folhetos
de cordel no debate historiogrfico.
A literatura de cordel tem sido usada como fonte aps a abertura dada pela Historia
Cultural. Essas folhas volantes eram vistas pelos historiadores como fico, como relato
literrio de um perodo. Aps a virada cultural dos anos 70, a literatura adentrou no campo
dos trabalhos histricos, pois durante dcadas no era bem aceita. Literatura e Histria no se
cruzavam nas pesquisas sociais e havia a zona limtrofe das duas cincias e restries quanto
ao uso de trabalhos literrios apenas como ficcional. A fronteira existia como argumenta
32
Percebo aqui, como a abertura dada pela Histria Cultural em analisar fontes variadas e pensar a
multiplicidade dos sujeitos pode ser associada ao estudo da Histria Poltica e nos permite realizar anlises para
alm do estudo das classes sociais.
-
30
Kramer33
, pois, era preciso separar os territrios devido a restrio que passou a histria no
sculo XIX, no que diz respeito ao evitar as metaforizaes e o desenfatizar das semelhanas
entre a historiografia e a atividade imaginativa dos romances. Mas, foi acima de tudo por
defender que a Histria estaria preocupada com a verdade, enquanto a literatura com o
fictcio, uma narrativa fruto da imaginao de seus autores34
.
Autor relevante para esse debate Hayden White, no qual defende que o historiador:
poderia ento ser visto como algum que, a exemplo do artista e do cientista modernos,
procura explorar uma certa perspectiva do mundo que no pretende esgotar a descrio ou a
anlise35
. Defesa esta, que tem tornado a fronteira entre a Histria e a Literatura cada vez
mais tnue, principalmente por ser o objetivo da Histria Cultural, resgatar as representaes
do passado, dando a ver as diferentes formas em que realidades culturais eram construdas e
transmitidas36
. Assim, produes historiogrficas balizadas pela anlise cultural, no esto
mais limitadas ao mecanismo de utilizar fontes para provar uma verdade nica, alocando-as
em caixas ou formas prontas. A literatura de determinado perodo tm sido usadas como fonte
e como meio de entender as relaes pessoais, os jogos sentimentais e o imaginrio de um
grupo social. Sandra Pesavento, ao analisar as relaes entre Histria e Literatura afirma que:
Ambas so formas de explicar o presente, inventar o passado, imaginar o
futuro. Valem-se de estratgias retricas, estetizando em narrativas os fatos
dos quais se propem falar. So ambas formas de representar inquietudes e
questes que mobilizam os homens em cada poca de sua histria e, nesta
medida, possuem um pblico destinatrio e leitor37
.
Pesavento, ainda defende que preciso que os historiadores olhem para o passado
tambm por meio da literatura, pois ela:
[...] permite o acesso sintonia fina ou ao clima de uma poca, ao modo
pelo qual as pessoas pensavam o mundo, a si prprias, quais os valores que
guiavam seus passos, quais os preconceitos, medos e sonhos. Ela representa
o real, ela fonte privilegiada para a leitura do imaginrio38
.
33
KRAMER, Lloyd S. Literatura, crtica e imaginao histrica: o desafio literrio de Hayden White e
Dominick LaCapra . In: HUNT, Lynn. A nova histria cultural. 2 ed. So Paulo: Martins, 2006. 34
A respeito deste debate entre histria e literatura verificar ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de.
Histria a arte de inventar o passado: ensaios de teoria da histria. Bauru: EDUSC, 2007. Em especial o
captulo: A hora da estrela: histria e literatura, uma questo de gnero? 35
WHITE, Hayden. Tropics of discourses: essays in cultural criticism. Baltimore. 1978. p. 46-47. 36
Cf. em CHARTIER. Roger. Op. Cit. 2002. p. 17. 37
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Histria e histria cultural. Belo Horizonte: Autntica, 2005. p.81. 38
Idem. p. 82.
-
31
Diante deste debate entre histria e literatura, voltei meu olhar neste trabalho, para
algumas literaturas que versaram sobre o Serto e sobre Silvino como um dos campos em que
poucos historiadores tm se debruado atualmente, no apenas como documentao, mas
tambm para compreender as possibilidades de interpretao dos eventos histricos. A
historiadora Isabel Guillen defende que o Nordeste brasileiro considerado um local
privilegiado em se tratando da produo dos cordis e de como os seus produtores foram
exmios narradores. So esses poetas, por excelncia os grandes narradores das histrias do
serto39
. Acredito que o uso da literatura de cordel se tornou significativo, pois so produes
que retrataram as linguagens de povos e culturas de modo mais humanstico e sensvel,
apresentavam os meios sociais dos autores, o que eles desejavam descrever, e quais os
interesses que eles tinham na construo de determinadas obras.
No Brasil destaca-se o trabalho realizado pela historiadora ngela Grillo que defende
o cordel como fonte para a Histria. Sua tese intitulada: A Arte do Povo: histrias na
literatura de cordel (1900-1940), historiciza a existncia dos folhetos no Brasil, em especial
no Nordeste, e aponta os principais poetas e temas desses livretos40
. Segundo Grillo o cordel
serve de instrumento para perceber outras representaes sobre os fatos histricos, fatos esses
narrados pela verso dos homens comuns e no dos grandes heris e polticos. A tese da
ngela Grillo serviu de modelo para pensar o estudo das representaes de determinada
cultura por meio da linguagem simples dos cordis e de como o cangao tema que ainda no
se analisou pelo vis das representaes. A partir do seu trabalho tive a idia de elaborar a
biografia de Silvino, pois grande parte da trajetria deste cangaceiro est narrada nos cordis
que ela analisou.
E o que so os folhetos de cordel? Segundo Irani Medeiros j do senso comum que o
cordel oriundo da Europa. Em seu argumento ela escreve que:
[...] a literatura de cordel chegou atravs dos colonizadores lusos, em
folhas soltas ou mesmo em manuscritos. S muito mais tarde, com o
aparecimento das pequenas tipografias fim do sculo dezenove -, a
literatura de cordel surgiu e fixou-se no Nordeste como uma das
peculiaridades da cultura regional41
.
Entretanto, Mrcia Abreu discorda dessa origem europia e argumenta que:
39
Cf. em GUILLEN, Isabel Cristina M. Errantes da selva: histrias da migrao nordestina para a Amaznia.
Recife: Ed. UFPE, 2006. a historiadora realiza, no 3 captulo uma anlise sobre a importncia dos poetas de
cordel na construo de narrativas sobre, nordeste e a migrao para a Amaznia. 40
GRILLO, Maria ngela de Faria. A Arte do Povo: Histrias na literatura de cordel (1900-1940). Tese de
doutorado em Histria social UFF-RJ. Niteri. 2005. 41
MEDERIOS, Irani. No reino da poesia sertaneja: antologia de Leandro Gomes de Barros. Joo Pessoa: Idia.
2002. p. 27.
-
32
[...] no havia, no Brasil, sequer um folheto portugus, tampouco
bibliografia disponvel sobre essa literatura de cordel portuguesa, exceto um
trabalho de Cmara Cascudo Cinco livros do povo e um punhado de
pargrafos introdutrios sempre insistindo nas origens lusitanas da literatura
de folhetos nordestinas42
.
Destarte as influncias e origens dos folhetos, vale salientar que eles no eram
simplesmente espalhados pelo serto como papis avulsos, pois, os brasileiros eram
comercializados em feiras livres e acabavam atingindo boa parte da populao. Muitos
passaram pelo processo de apropriao cultural43
, pois receberam grande influncia da
produo de folhetos europeus. O nome cordel provm de cordo, pois eram vendidos
pendurados em cordes ganhando difuso e popularidade entre seus consumidores.
Fig.01
Folhetos de Cordel pendurados para venda.
Fonte: Acervo fotogrfico da FUNDAJ
Segundo Ronald Daus, esse tipo de poesia s atingiu sua posio dominante dentro da
literatura popular do Nordeste, quando os textos clssicos e picos da cultura dominante
foram transformados em folhetos de formato 12X16 cm, contendo 8, 16, 24 ou 32 pginas
impressas em papel pardo44
. Entretanto, acredito que os folhetos ganharam maior repercusso
no apenas por terem sido produzidos em tamanhos menores, mas tambm, graas ao
42
ABREU, Mrcia. Histrias de cordis e folhetos. Campinas: Mercado da Letras. 1999. p. 10 43
Sobre a idia de apropriao cultural verificar CHARTIER. Roger. Op. Cit. 2002. Para este autor a
apropriao se d quando pessoas de uma cultura se apropriam de informaes de outras culturas e repassam aos
seus, com adaptaes e tradues. 44
Cf. em DAUS, Ronald. O ciclo pico dos cangaceiros na poesia popular do Nordeste. Rio de Janeiro:
Fundao Casa Rui Barbosa. 1982. Na pesquisa bibliogrfica sobre a grafia e difuso dos cordis essa
informao recorrente. A historiadora ngela Grillo tambm defende essa grafia na sua tese. Cf. em.
GRILLO, Maria ngela de Faria. A Arte do Povo: histrias na literatura de cordel (1900-1940). Doutorado em
Histria. Niteri. UFF/ EHESS. 2005.
-
33
surgimento das tipografias, como a Livraria Coqueiro e a Livraria Popular Editora45
, no
sculo XX. Esta ltima pode ser vista na imagem a seguir:
Fig. 02
Foto da Tipografia e Livraria Popular Editora. Ver nota 45.
Essas tipografias divulgaram os folhetos e seus escritores, que antes de articularem
com as tipografias e jornais de grande circulao a confeco dos folhetos e divulgao dos
livretos, praticamente tinham a autoria desconhecida. Mas, a partir do sculo XX, grandes
nomes demarcaram territrio na composio dos livretos, entre eles destacam-se: Francisco
das Chagas Batista, Leandro Gomes de Barros, Joo Martins Athayde, Jos Costa Leite, e
outros que assinavam os folhetos. Tais poetas eram exmios narradores que passavam as
histrias contadas atravs da oralidade para as pginas dos papis pardos e difundiam as
informaes, denunciavam as injustias, relembravam as secas, as crendices e experincias do
cotidiano sertanejo. Walter Benjamin escreve que: a experincia que passa de pessoa a
pessoa a fonte que recorreram todos os narradores. E, entre as narrativas escritas, as
melhores so as que menos se distinguem das histrias orais contadas pelos inmeros
narradores annimos46
.
Neste sentido, ao afirmar sobre as experincias dos narradores populares acredito no
poder que tinham os cordelistas em narrar sobre o dia-dia e sobre as histrias de Antonio
Silvino. A historiadora ngela Grillo tambm defende que a identidade desses autores se
45
Livraria e Tipografia de Francisco das Chagas Batista, em Joo Pessoa- PB, localizada na Rua da Repblica,
n 65, depois n584. No primeiro plano est Chagas Batista e seu irmo Pedro Batista Guedes. Percebe-se na
imagem os livros na direita e os cordis na esquerda apresentando uma significativa produo e comercializao
de obras. Sobre livros e tipografias ver HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua histria. So Paulo.
Editora USP, 1985. 46
BENJAMIN, Walter. O narrador: Consideraes sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Magia e Tcnica, Arte e
Poltica: ensaios sobre literatura e histria da cultura. Obras escolhidas. V. 1. So Paulo: Brasiliense. 1994. p.
198.
-
34
confunde com a do grupo, ressalvada sua condio de portador de uma herana cultural e
literria, cujas razes se perdem no tempo e na memria coletiva47
. Isso justifica o fato de
que muitos cordelistas retratavam suas insatisfaes atravs dos personagens dos folhetos.
Acredito, ento, que necessrio reler os acontecimentos do passado tambm pelas narrativas
populares presentes nos cordis. Pois, muitas das histrias presentes nessa literatura
retratavam fragmentos da realidade e do imaginrio dos sertanejos48
. O comum entre os
autores que os temas dos cordis surgiam conforme o perodo histrico, mas que o Cangao
era algo recorrente.
Sobre o cangao, Ronald Daus realizou no final da dcada de 1970 e comeo dos anos
1980, um estudo usando como fonte esta literatura popular, consultando os livretos do acervo
da Casa Rui Barbosa RJ. Ele apresentou uma anlise do Ciclo pico dos cangaceiros e a
classificao dos poemas populares nordestinos49
. Na obra sua categorizao foi sobre o
grande ciclo herico, cujos cangaceiros apareceram destacados. Entre os cangaceiros deste
ciclo esteve presente Antonio Silvino. Creio que os livretos tiveram alm de um processo de
editorao, divulgao e comercializao, uma repercusso no que tange ao processo de
informao dos acontecimentos da poca e retrataram as insatisfaes da populao rural, que
nas falas dos poetas passaram a apresentar o cotidiano de modo geral.
Os poetas de cordel consultados para realizar este trabalho foram Leandro Gomes de
Barros e Francisco das Chagas Batista. Para compreender os relatos sobre Silvino foi preciso
saber quais os locais de fala de cada poeta e qual o pblico consumidor dos folhetos.
Leandro Gomes de Barros
Leandro Gomes de Barros, paraibano nasceu em 19 de novembro de 1865, na Fazenda
da Melancia, no Municpio de Pombal. Foi educado pela famlia do Padre Vicente Xavier de
Farias, proprietrios da fazenda e dos quais era sobrinho por parte de me. Em companhia da
famlia "adotiva" mudou-se para a Vila do Teixeira, que se considera o bero da Literatura
47
GRILLO, ngela. Op. Cit. 2005. p. 40. 48
Sobre essa variedade alguns autores apresentam classificaes distintas verificar GRILLO, ngela. Op. Cit.
2005. No terceiro captulo de sua tese intitulado: Da cantoria ao cordel: o reconhecimento dos intelectuais, a
historiadora faz uma anlise de como vrios escritores categorizaram os tipos de folhetos. Ela menciona Origens
Lessa, Ariano Suassuna, Roberto Benjamim, Manoel Diegues Jnior e Lido Maranho e defende que difcil
determinar uma categorizao concreta, devido a temporalidade e variedade de temas dos folhetos. Ainda
destaco que no sigo uma cronologia quanto ao uso dos cordis, pois procuro associar as representaes dentro
do perodo de 1900 a 1944. 49
DAUS, Ronald. O ciclo pico dos cangaceiros na poesia popular do Nordeste. Rio de Janeiro: Fundao
Casa Rui Barbosa, 1982. p.22.
-
35
Popular nordestina, onde permaneceu at os quinze anos de idade tendo conhecido vrios
cantadores e poetas ilustres, entre eles Chagas Batista. Da Vila Teixeira vai para Pernambuco
e fixa residncia primeiramente em Jaboato, onde morou at 1906, depois residiu em Vitria
de Santo Anto e a partir de 1907 no Recife onde viveu de aluguel em vrios endereos,
imprimindo a maior parte de sua obra potica no prprio lar ou em diversas tipografias50
.
Leandro foi um exmio narrador das aes de Antonio Silvino nos Sertes e na
pesquisa idifiquei mais de doze folhetos que versam sobre o cangaceiro. Caboclo
entroncado, de bigode espesso, alegre, bom contador de anedotas: este o retrato que dele
faz Cmara Cascudo em Vaqueiros e Cantadores51
. Casou-se com Venustiniana Eullia de
Barros antes de 1889 e teve quatro filhos: Rachel Aleixo de Barros Lima, Erodildes (Didi),
Julieta e Esa Eloy, que seguiu a carreira militar tendo participado da Coluna Prestes e da
Revoluo de 1924.
De Leandro Gomes de Barros s existem fotografias de meio busto, que ele colocava
em seus folhetos para provar a autoria de seus cordis. Ao colecionar alguns folhetos de seu
pai, Rachel Aleixo os assinava con caligrafia caprichada.
Fig. 03 Fig. 04
Fonte: Na figura da esquerda est a foto do busto de Leandro Gomes de Barros publicada nos seus folhetos e ao
lado direito a capa do folheto Todas as lutas de Antonio Silvino, contendo no alto, a assinatura de Rachel
Aleixo, filha do poeta. Acervo: Fundao Casa de Rui Barbosa RJ. A sinalizao da caligrafia foi feita por mim.
50
Cf. GRILLO, ngela. Op. Cit. 2005. 51
CASCUDO, Luiz da Cmara. Vaqueiros e cantadores. So Paulo: Global, 2005. p.28.
http://www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/leandro_biografia_ctd.html#rachel#rachel
-
36
Na crnica intitulada: Leandro, O Poeta, publicada no Jornal do Brasil em 9 de
setembro de 1976, Carlos Drummond de Andrade o chamou de "Prncipe dos Poetas" e
assinala:
No foi prncipe dos poetas do asfalto, mas foi, no julgamento do povo, rei
da poesia do serto, e do Brasil em estado puro". E diz mais: "Leandro foi o
grande consolador e animador de seus compatrcios, aos quais servia sonho
e stira, passando em revista acontecimentos fabulosos e cenas do dia-a-dia,
falando-lhes tanto do boi misterioso, filho da vaca feiticeira, que no era
outro seno o demo, como do real e presente Antnio Silvino, mulo de
Lampio52
.
Aps o seu falecimento, em 4 de maro de 1918, no Recife, o poeta e editor Joo
Martins de Atade ficou com os direitos autorais de seus folhetos.
Francisco das Chagas Batista
Francisco das Chagas Batista, nasceu na Vila do Teixeira, PB, em 05 de maio de 1882
e faleceu na capital do Estado da Paraba em 26 de janeiro de 1930. Em 1900 foi vendedor de
gua e de lenha e realizou seus estudos na cidade Campina Grande, na Paraba. Seu primeiro
folheto, Saudades do Serto, de 1902; em 1905 vendeu folhetos no Recife, e em Olinda
passou pouco tempo no seminrio; depois, trabalhou na ferrovia de Alagoa Grande. Em 1907,
pioneiramente, versejou o romance Quo vadis, de Henryk Sienkiewicz; em 1909, residiu em
Guarabira, onde trabalhou com o irmo, o editor Pedro Batista e casou com a prima Hugolina
Nunes - tiveram onze filhos, dentre eles os poetas populares Paulo, Pedro, Maria das Neves e
o folclorista Sebastio Nunes Batista, que produziu obras referenciais do cordel.
Em 1911, viveu na capital da Paraba e negociou com livros e folhetos ; em 1913
fundou a Livraria Popular Editora, editando pardias, modinhas, novelas, contos, poesia. Em
1929 publicou o livro Cantadores e poetas populares, importante para a pesquisa em literatura
popular em verso por conter as mais antigas informaes sobre esta forma potica. Ele foi um
dos primeiros editores de cordel e imprimiu produes de muitos poetas populares da poca,
exceto de Joo Martins de Atade. Conquanto se o tenha como dos maiores autores do cordel,
o estgio atual da pesquisa no permite precisar quantos folhetos produziu. Ruth Terra
identificou em colees quarenta e cinco inquestionavelmente escritos por ele, dentre os quais
dezenove sobre a nascente gesta do cangao e clssicos que criou ao dar forma potica
52
Cf. http://www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/leandro_biografia.html. Acesso em 05 de dez. 2009.
-
37
Histria da Imperatriz Porcina, de Balthazar Dias, Escrava Isaura, de Bernardo Guimares e
Histria de Esmeraldina, baseada em novela do Decameron, de Boccaccio53
. Chagas Batista
escreveu um considervel nmero de folhetos sobre Antonio Silvino, que hoje uma das
maiores fontes para a biografia do cangaceiro. Este poeta faleceu em 26 de janeiro de 1930 na
cidade de Joo Pessoa na Paraba.
Aps situar escolhas, debates historiogrficos e o local de fala das principais
referncias analisadas na pesquisa, informo que o exerccio biogrfico a respeito de Antonio
Silvino est dividido em 4 captulos, onde em todos, fiz uso da historiografia clssica e
contempornea e procurei abarcar os aspectos polticos, sociais e humanos da vida do
governador dos sertes.
No primeiro captulo, Nos passos de Manuel Baptista de Moraes, descrevo o contexto
histrico da transio do sculo XIX para o XX e como se encontrava a cidade de Afogados
da Ingazeira, local de nascimento do sujeito que foi biografado. Utilizei registros paroquiais,
folhetos dos poetas Francisco das Chagas Batista e Leandro Gomes de Barros para
reconstituir a infncia e juventude deste sujeito. Vale salientar que sobre este momento de
vida, que vai de 1875 a 1900, foi preciso levar em considerao a datao dos cordis, cujo
primeiro a relatar sobre a vida deste indivduo foi do ano de 1905. Portanto os tempos no so
preciso, e uso das possibilidades e da capacidade de associao e suposies.
No segundo captulo, Antonio Silvino: o Governador dos Sertes, procurei
reconstituir os principais fatos e analisar as principais representaes que foram atribudas a
Silvino entre os anos de 1900 e 1914, tempo de sua atuao como cangaceiro. No utilizei o
excesso de rigor de dias, meses e anos, procurei levar em considerao os acontecimentos,
assaltos, crimes que mais foram noticiados pelos cordelistas Chagas Batista e Leandro de
Barros e pelos jornais Dirio de Pernambuco, Jornal Pequeno, Jornal do Recife, Correio do
Recife e Jornal Folha do Povo.
No terceiro captulo, Espetacularizando uma priso, descrevi e analisei a captura de
Antonio Silvino e como esse fato foi espetacularizado, recebendo Antonio Silvino mltiplas
representaes nos Jornais: Dirio de Pernambuco, Jornal Pequeno e Jornal do Recife.
Tambm analisei o ofcio enviado pelo alferes Thephanes Torres ao Chefe de Policia de
Pernambuco onde relatou a priso do cangaceiro e alguns telegramas que felicitavam o alferes
53
Sobre a biografia de Francisco das Chagas Batista ver.
http://www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/FranciscoChagas/franciscoChagas.html. Acesso em 05 de dezembro de
2009. Ver tambm TERRA, Ruth. Memria de Lutas: literatura de folhetos no Nordeste (1893-1930). So
Paulo: Global, 1983.
http://www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/FranciscoChagas/franciscoChagas.html
-
38
e seu grupo. Neste captulo procurei mostrar um pouco da vida do alferes Theophanes Torres
e como ele se popularizou aps ter aprisionado Silvino. Aqui, imagens e anncios e
correspondncias que retratavam sobre o cangaceiro complementaram as anlises.
No quarto captulo, o Governador da Deteno, analisei o cotidiano de Silvino na
Casa de Deteno do Recife, as permanncias e mudanas de comportamento, seu
julgamento, sua liberdade e o fim da vida em Campina Grande como um sujeito comum e
pouco valorizado. Para tanto fiz uso dos Jornais Dirio de Pernambuco, Jornal Pequeno,
cordis e dos documentos da Casa de Deteno do Recife, todos apresentando detalhes e
representaes da vida do encarcerado.
Grande parte das fontes analisadas foram consultadas em seu formato original,
principalmente os cordis de Chagas Batista e Leandro de Barros, que no decorrer da Pesquisa
foram digitalizados e disponibilizados pelo site da Fundao Casa de Rui Barbosa RJ. Optei
por fazer a reproduo de algumas citaes longas, pelo carter informativo e pelo poder que
cada uma tinha para as anlises que foram realizadas, bem como mantive a grafia da poca
por acreditar que a escrita, a sonoridade e a linguagem aproxima as pessoas do passado,
mesmo que pelo simples exerccio de imaginao histrica.
O que resta ento? Se debruar e ler: Antonio Silvino: De Governador dos Sertes a
Governador da Deteno (1875-1944)!
-
39
1. NOS PASSOS DE MANUEL BATISTA DE MORAES
1.1 - A transio do sculo XIX para o XX e a cidade de Afogados da Ingazeira
Mario Sette denominou de doido varrido o sculo XX54
. Foram tantas as
transformaes ocorridas no Brasil na transio dos oitocentos para os novecentos que talvez
Sette tenha razo. Duas mudanas que reconfiguraram o pas significativamente se deram na
fora de trabalho e na poltica. E a histria de vida de Antonio Silvino esteve envolvida em
transies que ocorreram no Brasil durante a passagem do sculo XIX para sculo XX.
Na transio dos sculos, a mo de obra, em grande escala, era escrava e imigrante, e
os sinais do fim da escravido comearam a despontar nos espaos polticos por meio dos
abolicionistas. Em 1879, Joaquim Nabuco, na poca deputado pernambucano, escreveu que:
[...] para o Norte, para a provncia que tenho a honra de representar neste
recinto, de grande vantagem desfazer-se de todos os escravos. No desejo
nada mais para o norte do que o dia que ele no empregue seno o trabalho
livre. Mas acima dos interesses de minha provncia, coloco os interesses do
pas; acima dos interesses do pas, coloco os da humanidade; que no
permite que esse trfico possa por mais tempo continuar sob a nossa
bandeira55
.
O fim da escravido ficou iminente por acontecer. A Lei urea em 188856
executou tal
feito e os latifundirios sofreram forte impacto com a perda da mo de obra de baixo custo e a
no indenizao pelo fim da escravido. No se pode generalizar que tal mudana foi
desastrosa, porque parte significativa dessa massa trabalhadora continuou exercendo o
trabalho pesado em troca de moradia e subsistncia, uma vez que a aceitao dos recm
libertos no se deu de forma imediata na sociedade.
A situao ps escravido agravou a economia geral e a poltica se fragmentou, pois as
medidas adotadas pelo governo imperial no agradavam aos latifundirios. Em 1889 foi
proclamada a Repblica, por meio do golpe militar, liderado pelo marechal Deodoro da
54
No comeo do sculo XX vislumbrava-se o Recife como uma cidade em processo de modernizao nas
diversas faces que se pode imaginar: urbanizao, imprensa, transportes, valores e costumes. Estas mudanas
aconteceram em diversas partes do pas. Rio de Janeiro, So Paulo, Salvador foram cidades que tambm se
impactaram com essas mudanas. Ver. SETTE, Mario. Maxambombas e Maracatus. 4 ed. Recife:
FUNDARPE, 1981. 55
Discursos parlamentares. So Paulo: IPE, 1949. p.12. 56
Lei decretada pela Princesa Isabel que extinguia a escravido negra no Brasil. Sobre a lei e a princesa Isabel
ver. BARMAN, Roderick J. Princesa Isabel do Brasil: gnero e poder no sculo XIX. So Paulo: ed. UNESP,
2005.
-
40
Fonseca, que depe D. Pedro II. A colaborao civil praticamente no fora notada nessa
empreitada que almejava os interesses polticos da populao mais abastada e das classes
mdias urbanas.
A poltica ficou ento a cargo dos lderes militares, que aps alguns anos de poder,
passou para os produtores agrrios da regio Sul. Configurou-se assim, a chamada poltica do
caf com leite57
, dando visibilidade produo cafeicultora e pecuarista do pas, o que
reduziu parte da economia na regio Norte.
E para rea Norte, como essa Repblica chegou? O impacto das mudanas tambm foi
significativo? Acredito que sim. Os engenhos bang e central entraram em declnio dando
lugar s usinas, principalmente, quando em 15 de outubro de 1890 foi aprovada a lei, que
revogava as Leis Provinciais do Imprio de nmeros 1.860 e 1.972, que ofereciam
emprstimos de 200 contos em ttulos estatais a 7% dos agricultores que construssem
pequenas usinas produtoras de 900 toneladas de acar por safra58
.
Aos poucos o panorama econmico canavieiro, como denominou Peter Einsenberg,
vivenciou uma modernizao sem mudanas, pois apesar da alterao tecnolgica em que
se introduziram mquinas no fabrico do acar, a mo de obra continuou a ser explorada e
no se modificou a estrutura social e econmica. O acar neste momento, ainda passou a
perder consideravelmente a importncia no mercado exportador. O nmero de homens que
trabalhavam no corte da cana, tornados ex-escravos, ou dos migrantes da regio sertaneja para
a zona da mata, passou a ser reduzido devido introduo de mquinas no fabrico do acar e
de seus derivados. Cada vez mais a situao se tornou difcil e muitos emigraram para outras
regies em busca de trabalho, ou ingressaram nos arraiais contra a seca, que o governo
instalou.
O serto da rea Norte apresentava temperaturas elevadas, oscilando entre trinta e
quarenta graus, o ndice pluviomtrico considerado baixo apresentava-se entre 500mm a
700mm por ano, a vegetao de caatinga, bastante seca e espinhenta onde aparecem espcies
como o mandacaru, a palma, a quixabeira, a algaroba, o xique-xique, se fazia presente. O solo
rido, muitas vezes rachado pelo excesso de calor sentiu de sobremodo as fortes
57
importante lembrar que o poder estava sob o domnio da poltica sulista, em que a cada eleio deveria haver
a alternncia entre um lder paulista e outro mineiro. O primeiro produtor de caf e o segundo de leite. Essa
prtica vigorou at a dcada de 1930. Cf. em. FAUSTO, Boris. A Revoluo de 1930: historiografia e histria.
So Paulo: Cia das Letras, 1997. Em especial o terceiro captulo quando ele escreve sobre as oligarquias
governantes. 58
EINSENBERG, Peter. Modernizao sem mudana: a indstria aucareira em Pernambuco: 1840/1910. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 125. Vale salientar que apesar do declnio, ainda possvel encontrar engenhos
centrais em alguns Estados brasileiros.
-
41
conseqncias da que foi considerada a maior seca do sculo XIX, ocorrida entre os anos de
1877-1879, cuja populao brasileira foi dizimada em 5%59
.
Desde agosto de 1877 se anunciava nos jornais da cidade do Recife que o serto estava
assolado pela seca e que os gneros alcanavam preos exorbitantes: a carne, a farinha e a
rapadura eram os gneros que apareciam e que constituam a dieta alimentar dos sertanejos,
mas eles no os compravam por no dispor de valores60
. Marco Antonio Villa em seu estudo
sobre a histria das secas no Nordeste entre os sculos XIX e XX apresenta o seguinte relato
sobre os migrantes do serto para o Recife:
Manoel Clementino Carneiro da Cunha, presidente da provncia de
Pernambuco, escreveu que os emigrantes atravessam caminhos desertos,
abrasados pelo sol, sofrendo fome, e chegam enfraquecidos e mais a ponto
de no poderem aparecer. Com as roupas em frangalhos, muitos nus,
famintos e doentes, arrastavam-se pelas ruas do Recife procura de comida.
No havia nenhum planejamento nas obras pblicas de emergncia a no
ser ocupar os milhares de retirantes em algumas horas por dia em algum
tipo de trabalho. Estava