UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE... · IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IFES...
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - MESTRADO
DIVERSIDADE, DESIGUALDADES SOCIAIS E EDUCAÇÃO
FRANCISCO MARCELO DA SILVA
PROGRAMA CONEXÕES DE SABERES: UMA POLÍTICA DE AÇÃO
AFIRMATIVA PARA A PERMANÊNCIA DE NEGROS MORADORES DE
FAVELA, NA UNIVERSIDADE?
MAIO 2012
NITERÓI – RJ
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FRANCISCO MARCELO DA SILVA
PROGRAMA CONEXÕES DE SABERES: UMA POLÍTICA DE AÇÃO
AFIRMATIVA DE PERMANÊNCIA PARA NEGROS MORADORES DE FAVELA,
NA UNIVERSIDADE?
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal Fluminense como
requisito para obtenção do Grau de Mestre
Orientadora: Profª. Drª. Iolanda de Oliveira
MAIO 2012
NITERÓI – RJ
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S586 Silva, Francisco Marcelo da.
Programa conexões de saberes: uma política de ação
afirmativa de permanência para negros moradores de favela, na
Universidade? / Francisco Marcelo da Silva. – 2012.
250 f.
Orientador: Iolanda de Oliveira.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense,
Faculdade de Educação, 2012.
Bibliografia: f. 241-245.
1. Programa de ação afirmativa. 2. Estudante negro.
3. Favela. 4. Territorialidade humana. I. Oliveira, Iolanda de.
II. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Educação.
III. Título
CDD 371.829
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AGRADECIMENTOS
Gostaria de iniciar agradecendo a minha amiga, orientadora e mentora, Professora
Doutora Iolanda de Oliveira. Foi inspirado na sua determinação e paixão pela História do
Povo Negro que decidi fazer o curso na Pós-graduação em Educação nessa Instituição de
Ensino. A senhora, Professora Iolanda, o meu Muito Obrigado!
À Fundação Ford, representada aqui pela Fundação Carlos Chagas. Agência que
apostou no meu potencial e investiu no meu projeto me garantindo todo suporte material,
psicológico e pedagógico para a conclusão dessa pesquisa com toda tranqüilidade e
qualidade.
Quero agradecer também a Coordenação do Programa Conexões de
Saberes/UNIRIO e as bolsistas egressas que foram minhas interlocutoras nesse debate
sobre permanência de negras/os moradores/as de favela no Ensino Superior e cujas histórias
estarão para sempre em minhas lembranças. Muito Obrigado!
Meu muito obrigado a todas e todos bolsistas e ex-bolsistas do Programa Conexões
de Saberes, em especial a Elisângela Andrade do Nascimento, minha parceira e
interlocutora nesse trabalho. Assim como a todos voluntários, técnicos e professores, ao
Fórum de Estudantes de Origem Popular, Ministério da Educação, ao Observatório de
Favelas do RJ e as Universidades Federais que fazem a verdadeira conexão desse
Programa.
Não poderia deixar de agradecer a toda minha família. Sem o amor, a segurança e o
carinho de vocês eu nada seria.
À Favela por tudo que me deu e tem me dado até hoje. Espero estar honrando a
confiança que depositou em mim.
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À minha mãe (in memoriam). Dona Edna, mulher negra e
guerreira, minha eterna rainha.
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RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo investigar se o Programa Conexões de Saberes: diálogos
entre a universidade e as comunidades populares, criado pela SECADI/MEC, em 2004,
caracteriza-se como política de ação afirmativa para negros oriundos de espaços favelados.
O Programa em sua amplitude não se restringe apenas à população negra, mas também a
outros sujeitos sociais em similar condição social, com o objetivo de garantir-lhes
condições de permanência com desempenho satisfatório no Ensino Superior. O recorte
social e territorial aqui estabelecido foi apontado pela necessidade de delimitar a questão de
pesquisa e por motivo do interesse particular do pesquisador em relação aos sujeitos negros
e favelados considerado. Buscou-se nessa pesquisa analisar de que forma o Programa
Conexões de Saberes, segundo o MEC/SECADI, uma Política de Ação Afirmativa, se
caracteriza de fato como tal para os estudantes negros e oriundos de favelas. Para a
realização deste estudo serão considerados dois fatores que se julgam imprescindíveis para
a permanência satisfatória desses sujeitos sociais no Ensino Superior: garantia das
condições materiais indispensáveis aos estudos e a conexão entre o saber acadêmico e as
questões vividas pelos estudantes nos seus respectivos espaços e os conteúdos curriculares
oferecidos. Entre as 33 IFES que desenvolvem o Programa, selecionou-se a UNIRIO para a
realização da presente investigação na qual foram realizados estudos sobre a permanência
no Programa de até cinco egressos, com ênfase nos fatores mencionados. Além dos
bolsistas egressos, entrevistou-se também o Coordenador Geral do Programa na UNIRIO.
Utilizou-se como recurso, a análise de documento e entrevistas para contextualizar a
pesquisa. Como referencial teórico recorreu-se à produção sobre política de ação afirmativa
e as categorias territorialização, desterritorialização e reterritorialização, como categorias
da geografia para apoiar o debate sobre entrada e permanência na universidade. O resultado
da pesquisa aponta para uma redução de estudantes negros e oriundos de favelas no
Programa Conexões de Saberes, além de outros também importantes que apontam para o
desenvolvimento de uma política de assistência e extensão, em detrimento da consolidação
de uma política de ação afirmativa de fato.
Palavras-chave: Conexões de Saberes, ação afirmativa, negro morador de favela,
territorialidades.
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ABSTRACT
Nuestra investigación tiene como objetivo investigar si el Programa Conexões de
Saberes: el diálogo entre la academia y la comunidad popular creado por SECAD / MEC en
el año 2004, se caracteriza por ser de acción afirmativa para los negros en áreas ocupadas.
El Programa en su amplitud no se limita a la población de negro, pero las otras materias de
origen popular, con el fin de garantizar las condiciones de estancia de valores con un
rendimiento satisfactorio en la educación superior. El corte de tugurios negro se determinó
por primera vez por la necesidad de analizar las estrategias y todos los días a estos
estudiantes en sus relaciones de convivencia, tanto en la academia y en sus comunidades y,
en segundo lugar, definir el propósito de la encuesta, otros estudiantes de posgrado con los
perfiles y trayectorias universo social diferentes también son parte del Programa Conexões
de Saberes.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
MAPAS:
Mapa da Favela da Maré – RJ..................................................................... 32
FOTOGRAFIAS:
Foto da Favela da Maré – Fonte: www.myzoom.com.br............................. 36
GRÁFICOS:
Gráfico 1 – Distribuição de Bolsistas do Sexo Feminino por Curso no Período de 2006 a
2010 153
TABELAS:
Tabela 1 – Estudantes que Ingressaram no Programa Conexões de Saberes/UNIRIO no Ano
de 2006, por Curso e Cor............................................................................... 155
Tabela 1.1 – Estudantes que Ingressaram no Programa Conexões de Saberes/UNIRIO no
Ano de 2007, por Curso e Cor......................................................................... 156
Tabela 1.2 – Estudantes que Ingressaram no Programa Conexões de Saberes/UNIRIO no
Ano de 2008, por Curso e Cor.......................................................................... 158
Tabela 1.3 – Estudantes que Ingressaram no Programa Conexões de Saberes/UNIRIO no
Ano de 2009, por Curso e Cor........................................................................... 160
Tabela 1.4 – Estudantes que Ingressaram no Programa Conexões de Saberes/UNIRIO no
Ano de 2010, por Curso e Cor............................................................................ 161
Tabela 1.5 – Balanço da Movimentação Estudantil no Programa Conexões de
Saberes/UNIRIO no Período de 2006 a 2010, por Curso e Cor.......................... 163
Tabela 2 – Estudantes que Ingressaram no Programa Conexões de Saberes/UNIRIO no Ano
de 2006, por Local de Moradia e Cor................................................................... 166
Tabela 2.1 – Estudantes que Ingressaram no Programa Conexões de Saberes/UNIRIO no
Ano de 2007, por Local de Moradia e Cor............................................................ 167
Tabela 2.2 – Estudantes que Ingressaram no Programa Conexões de Saberes/UNIRIO no
Ano de 2008, por Local de Moradia e Cor............................................................. 169
Tabela 2.3 – Estudantes que Ingressaram no Programa Conexões de Saberes/UNIRIO no
Ano de 2010, por Local de Moradia e Cor............................................................. 172
Tabela 3 – Estudantes que Ingressaram no Programa Conexões de Saberes/UNIRIO no Ano
de 2006 a 2010, por Curso e Período Letivo.......................................................... 174
http://www.myzoom.com.br/
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LISTA DE SIGLAS
ANDIFES Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de
Ensino Superior
CEASM Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré
CJ Coletivo Jovem
CLAMA Comissão Local de Acompanhamento, Monitoramento e Avaliação
CNIJMA Conferência Nacional Infanto Juvenil pelo Meio Ambiente
CPV Curso Pré-Vestibular
EJA Educação de Jovens e Adultos
ENEM Exame Nacional de Ensino Máedio
EUA Estados Unidos da América
FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FNEOP Fórum Nacional de Estudantes de Origem Popular
FONAPRACE Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e
Estudantis
FORPROEX Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IFES Instituição Federal de Ensino Superior
MEC Ministério da Educação
NEPOS Núcleo de Estudos e Pesquisas do Observatório Social
ONG Organização Não Governamental
OSCIP Organização Social e Civil de Interesse Público
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PET Programa de Educação Tutorial
PIBIC Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
PROUNI Programa Universidade Para Todos
PVNC Pré-Vestibular Para Negros e Carentes
REUNI Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais
RJ Rio de Janeiro
RUEP Rede de Universitários de Espaço Popular
SECAD Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
SECADI Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e
Inclusão
SESU Secretaria de Ensino Superior
TDR Territorialização; Desterritorialização e; Reterritorialização
UERJ Universidade Estadual do Rio de Janeiro
UFAC Universidade Federal do Acre
UFAL Universidade Federal de Alagoas
UFAM Universidade Federal do Amazonas
UFBA Universidade Federal da Bahia
UFC Universidade Federal do Ceará
UFES Universidade Federal do Espírito Santo
UFF Universidade Federal Fluminense
UFG Universidade Federal de Goiás
UFMA Universidade Federal do Maranhão
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
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UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
UFMT Universidade Federal de Mato Grosso
UFPA Universidade Federal do Pará
UFPB Universidade Federal da Paraíba
UFPE Universidade Federal de Pernambuco
UFPI Universidade Federal do Piauí
UFPR Universidade Federal do Paraná
UFRB Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UFRPE Universidade Federal Rural de Pernambuco
UFRR Universidade Federal de Roraima
UFRRJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
UFS Universidade Federal de Sergipe
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
UFSCar Universidade Federal de São Carlos
UFT Universidade Federal do Tocantins
UnB Universidade de Brasília
UNESCO Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura
UNIAFRO Programa de Ações Afirmativas para a População Negra nas
Instituições Federais e Estaduais de Educação Superior
UNIFAP Universidade Federal do Amapá
UNIR Universidade Federal de Rondônia
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UNIRIO Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
UNIVASF Universidade Federal do Vale do São Francisco
UPP Unidade de Policiamento Pacificadora
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 16
CAPÍTULO I
PERCURSO E DESDOBRAMENTOS DO PROGRAMA CONEXÕES DE SABERES
E ATUAL SITUAÇÃO .................................................................................................... 32
Do Conjunto de Favelas da Maré (RJ) para o Brasil .................................................... 35
De RUEP a Programa Conexões de Saberes: diálogos entre a universidade e as
comunidades populares ................................................................................................. 42
O Programa Conexões de Saberes e as Parcerias Institucionais ................................... 46
2008: o ano que não aconteceu ..................................................................................... 52
O Programa Conexões de Saberes e o Fórum Nacional de Estudantes de Origem
Popular – FNEOP .......................................................................................................... 58
O Programa Conexões de Saberes no PET – Programa de Educação Tutorial: a busca
pela institucionalização ................................................................................................. 65
CAPÍTULO II
CONCEITOS E MARCOS HISTÓRICOS SOBRE POLÍTICAS DE AÇÃO
AFIRMATIVA ................................................................................................................. 71
O Programa Conexões de Saberes e a Questão Afirmativa .......................................... 87
CAPÍTULO III
TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADES: UMA ABORDAGEM TEÓRICA ............. 96
Concepções de Território para Entender a Desterritorialização ................................. 107
Territorialização, Desterritorialização e Reterritorialização (T D R): o desafio da
multiterritorialidade..................................................................................................... 111
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CAPÍTULO IV
O PROGRAMA CONEXÕES DE SABERES NA UNIRIO ......................................... 121
Programa Conexões de Saberes na UNIRIO: um olhar introspectivo ........................ 125
A Importância de uma Política de Permanência na Busca por uma Universidade mais
Equânime..................................................................................................................... 132
A Formação/Atuação dos Bolsistas do Programa Conexões de Saberes .................... 138
O Programa Conexões de Saberes na UNIRIO: entre números e fatos ...................... 147
Programa Conexões de Saberes UNIRIO e a Questão da Identidade Territorial ....... 179
A Questão Afirmativa no Programa Conexões de Saberes UNIRIO .......................... 205
A Presença de Estudantes Negros e Oriundos de Favelas no Ensino Superior e o
Desafio da Igualdade de Oportunidades e Condições ................................................. 223
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ...................................................................................... 231
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................ 241
ANEXOS
Instrumento de Investigação/Coordenação ................................................................. 246
Roteiro de Entrevista/Estudante .................................................................................. 249
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INTRODUÇÃO
Sou natural do Rio de Janeiro e formado em Geografia pela Universidade Federal
Fluminense – UFF. Cresci entre os becos e vielas da favela Baixa do Sapateiro, a qual
integra o conjunto de favelas da Maré, localizada na Zona Norte do Rio de Janeiro. A Maré
é formada por dezesseis favelas1. De acordo com o Censo 2010 realizado pelo IBGE a
Maré hoje já atingi uma população de aproximadamente 129,7 mil habitantes. Ou seja, em
termos populacionais ocuparia a 22ª posição entre os municípios do estado do Rio de
Janeiro, o que demonstra seu enorme potencial político, econômico e cultural.
Nossa casa na Maré era nas palafitas, os antigos barracos de madeira sobre o mar
poluído da Baia de Guanabara; na minha memória território era o que me remetia à terra
firme, algo que só se materializava ao me esquivar pelas pontes de madeira e alcançar os
aterros diariamente despejados pelos moradores na tentativa de aterrar a Baia até o local de
suas moradias. Atualmente resido na favela da Vila do João, construída em 1982 pelo
Governo Militar para abrigar parte das famílias removidas das antigas palafitas da Maré
através do Programa de Habitação Projeto Rio. Onde morava em meio ao mau cheiro e
condições insalubres hoje existem o 22° Batalhão de Polícia Militar, a Linha Vermelha, um
Conjunto Habitacional Nova Maré e uma Vila Olímpica. Com exceção da escola, a Vila do
João foi uma das minhas primeiras experiências no âmbito da des-re-territorialização. Sair
de uma casa de madeira e pregos para morar propriamente em um bairro equipado com
água encanada, esgoto, luz elétrica, rua asfaltada etc., foi meu primeiro contato com um
mundo “moderno”, uma realidade muito diferente daquelas onde minhas territorialidades
foram construídas.
1 As outras favelas que completam a Maré são: Conjunto Esperança, Vila do João, Sala e Merengue, Vila dos
Pinheiros, Conjunto dos Pinheiros, Morro do Timbau, Bento Ribeiro Dantas, Nova Maré, Nova Holanda,
Parque Maré, Rubens Vaz, Parque União, Marcílio Dias, Roquete Pinto e Praia de Ramos.
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Crescer na favela não é tarefa fácil. É preciso entender inúmeros símbolos e
códigos para desenvolver as estratégias necessárias para driblar as dificuldades impostas.
Talvez seja daí que venha a expressão “ta ligado!?”. Uma espécie de código, enigma, para
deixar a todos sempre em alerta, focados.
Longe de querer criminalizar a pobreza e engrossar o discurso vitimizador que
fragiliza os favelados, é fato que as dificuldades sociais que nos são impostas desde a
infância nos forçam, muitas vezes, ao abandono precoce da escola em prol de uma
oportunidade no mercado de trabalho, e muitos por falta das condições exigidas para
ingressar no mercado de trabalho preferem o caminho mais “fácil” e rápido, mas quase
sempre sem volta, que é o da criminalidade.
Após curta passagem pelo serviço militar, retornei a escola para conclusão do
ensino médio regular. Até aqui desconhecia por completo a existência de “vida escolar”
após a Educação Básica. Foi então que pela primeira vez tomei conhecimento da
universidade através da existência de um curso preparatório para o vestibular, o CPV -
Maré – Curso Pré-Vestibular Maré.
Mesmo sendo arrimo de família, e até onde tenho conhecimento, o primeiro pós-
abolição da escravidão no Brasil, em 1888, a entrar para uma universidade pública, as
questões relacionadas à minha origem racial e realidade social, só nascem para mim a partir
do penúltimo ano do Ensino Médio por intermédio das aulas na disciplina de Geografia. Foi
através das aulas do Prof. Eduardo Francisco, no curso noturno do Colégio Estadual Bahia,
que tive meus primeiros contatos com as questões que me instigam até hoje. Foi nas aulas
da disciplina de Geografia que pela primeira vez ouvi falar no movimento negro norte-
americano liderado por um ativista político de nome Malcolm X. E foi por seu intermédio
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que adentrei pela primeira vez uma universidade pública, a UERJ, para assistir a uma
aula do magnífico Prof. Abdias Nascimento sobre a questão da desigualdade racial no
Brasil.
A partir desse momento passei a ter maior compreensão sobre o quanto negativa foi
à ausência de políticas públicas que garantissem aos libertos, após Proclamação da
República, igualdade de condições e oportunidades para reconstruírem dignamente suas
vidas, principalmente em relação à Educação. Acredito que o acesso a uma Educação de
qualidade é um dos principais meios de luta contra a discriminação racial no Brasil.
Minha trajetória escolar foi construída nas escolas públicas da Maré2. Em 1998 me
matriculo no pré-vestibular oferecido pela ONG CEASM – Centro de Estudos e Ações
Solidárias da Maré.
Em 1999, fui aprovado no processo seletivo para o curso de graduação em
Geografia pela Universidade Federal Fluminense - UFF. No mesmo ano passo a integrar os
grupos de estudos e alguns movimentos sociais estudantis da Maré.
A partir do meu ingresso no pré-vestibular do CEASM passo a ter contato com
pessoas cuja atuação política no território das causas sociais, me instigou a buscar respostas
que me ajudaram a compreender melhor minha realidade social e a de meus pares. O
ingresso no CEASM e o contato com pessoas com formação universitária e atuantes
profissionalmente foi fundamental, pois suas trajetórias de vida motivaram-me a construir
minhas estratégias para ingressar no Ensino Superior.
2 A Maré conta hoje com cerca de dezessete escolas públicas entre creches, ensino fundamental e médio.
Além disso, existem em funcionamento dezenas de pequenos estabelecimentos de ensino particulares, a
maioria na clandestinidade, que atende ao excedente provocado pelas poucas vagas oferecidas para crianças
no primeiro seguimento do ensino fundamental. Em relação ao ensino médio o problema é ainda mais grave,
pois do universo de estabelecimentos de ensino presentes na Maré, apenas três são destinados a ao ensino
médio, e desses, apenas um atende em horário integral; os outros dois funcionam apenas no horário noturno,
fazendo com que se reduza muito a possibilidade de um estudante recém saído do ensino fundamental
ingressar no ensino médio.
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No ano de 2002, conheço o Projeto RUEP – Rede de Universitários de Espaço
Popular. Esse projeto consistia em garantir uma bolsa-auxílio aos graduandos, além de
investir na sua formação acadêmica. Concomitantemente acompanhei a fundação do
NEPOS – Núcleo de Estudos e Pesquisas do Observatório Social que mais tarde deu
origem ao Observatório de Favelas do Rio de Janeiro, hoje uma OSCIP – Organização
Social e Civil de Interesse Público, onde atuou até fevereiro de 2010 na função de
pesquisador da Vertente de Desenvolvimento Territorial, que entre outros objetivos se
prestava a avaliação de políticas públicas, como também, ao desenvolvimento de novas
tecnologias sociais, como por exemplo, o Programa Conexões de Saberes.
O NEPOS surgiu como um espaço de formação paralelo à formação acadêmica ao
mesmo tempo em que se tornou um lugar interdisciplinar onde estudantes de diferentes
áreas de conhecimento trocavam experiências e debatiam sobre temas quase sempre
relacionados sempre à favela, assim como, as desigualdades sociais. Seus integrantes, cerca
de 20 pessoas, eram universitários recém ingressados no Ensino Superior e oriundo do CPV
– Maré, Pré-vestibular do CEASM. Mas o NEPOS também se preocupava em oferecer uma
formação técnico-científico para seus integrantes, no geral, universitários de comunidades
faveladas. Com uma formação também voltada para o campo da pesquisa, seria possível
minimizar o impacto da entrada na universidade (familiarizando-nos com alguns autores,
conceitos e termos) e ainda ampliar nosso capital político, social e cultural. O interessante
era perceber que os temas discutidos no NEPOS raramente eram debatidos em sala de aula.
A exemplo da ausência de temas importantes para uma formação acadêmica mais ampla e
plena que reunisse questões do cotidiano vivenciado por esses estudantes em suas
comunidades, temas como a questão das desigualdades raciais eram também silenciadas nas
reuniões do grupo.
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Criado em 2004, no âmbito da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização
e Diversidade do Ministério da Educação – SECAD/MEC, a partir de uma experiência
pioneira do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro, o Programa Conexões de Saberes
teve o propósito inicial de se construir uma rede sociopedagógica para a ampliação de
vínculos entre as instituições acadêmicas e as comunidades populares, através da inserção
de estudantes negros e indígenas de origem popular e outros que não tenham a mesma
origem étnico-racial, mas que são originários de comunidades cujo padrão socioeconômico
compromete a sua qualidade de vida. O propósito do Programa é garantir uma formação de
qualidade por meio da inserção dos sujeitos selecionados nas práticas de pesquisa e
extensão universitárias, vinculadas aos problemas enfrentados por suas comunidades de
origem. Entende-se, portanto, que esta qualificação deverá ser caracterizada por uma
formação que articule os saberes acadêmicos e os problemas e saberes oriundos das
comunidades dos graduandos selecionados ao mesmo tempo em que são garantidas as
condições materiais/objetivas necessárias a um desempenho satisfatório. É, portanto,
durante o processo de formação que a qualificação pretendida deverá ocorrer.
No âmbito do Programa Conexões de Saberes estão previstas diversas ações, dentre
as quais destaca-se o desenvolvimento de projetos educacionais inovadores para
comunidades de baixa renda, que têm como finalidade o apoio a projetos que ampliem as
oportunidades para a produção de conhecimentos científicos e de intervenção em prol de
comunidades faveladas, com atenção especial às crianças, adolescentes e jovens,
pertencentes ou não ao sistema estadual ou municipal de educação básica, e para
universitários de origem popular/baixa renda, vinculados a instituições públicas federais de
Ensino Superior.
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O Programa busca articular ensino-pesquisa-extensão às atividades voltadas para
o acesso3 e permanência com garantia das condições materiais para os estudantes de origem
popular4. Os bolsistas desenvolvem pesquisas e projetos nas suas comunidades de origem e
recebem orientação para as atividades institucionais (organização de seminários, pesquisas,
produção de artigos, capacitação etc.) ao mesmo tempo em que devem corroborar para o
debate político e tensionamento em prol da democratização do acesso e da permanência dos
estudantes de origem popular no Ensino Superior através da aplicação das políticas de ação
afirmativa.
Essa proposta de estudo pretende averiguar o papel desta política pública junto aos
estudantes negros moradores de favelas e suas contribuições para a permanência dos
mesmos no ensino superior, assim como, investigar a forma como se estabelecem o
fortalecimento dos vínculos identitários no que concernem as questões raciais e territoriais,
metas pretendidas pelo Programa Conexões de Saberes.
Minha experiência enquanto pesquisador no Programa Conexões de Saberes
proporcionou-me, em quatro anos de atuação, observar de que forma as dimensões
territorial e racial são contempladas e desenvolvidas no âmbito dessa política de
permanência o que o estimulou a publicizar sua rica experiência baseada em dados
empíricos, além de buscar contribuir para o aperfeiçoamento de políticas importantes para o
desenvolvimento e equidade na Educação Superior como o Programa Conexões de Saberes.
3 Por outro lado, como a maioria das coordenações do Programa opta por desenvolver nas favelas atendidas os
chamados prés-vestibulares comunitários, aproveitando os bolsistas como professores/monitores, isso acaba
caracterizando o Programa como uma política de acesso ao ensino superior, pois contribui diretamente para a
entrada de mais estudantes com características semelhantes no espaço universitário. 4 O termo estudante de origem popular foi cunhado pelos organizadores do Programa para identificar nas
Instituições Federais de Ensino aqueles estudantes que reúnem as características compatíveis com o perfil
desejado para concorrer a uma bolsa no Programa Conexões de Saberes. A preocupação inicial foi em
encontrar um termo que ao mesmo tempo em que cria uma identidade, não traz consigo estigmas construídos
socialmente como, por exemplo, estudante favelado.
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Se entendermos o estudante negro morador de favela como parte (corpo) de um
território que tem cor/raça e as diferentes estratégias utilizadas por eles para se manterem
na universidade (um espaço majoritariamente elitizado e branco), melhor perceberemos que
mudanças essa entrada e permanência podem provocar nas diferentes relações nos
diferentes campos de atuação e convivência desses estudantes. O que pode contribuir para
novas proposições de políticas afirmativas ou para o aperfeiçoamento de políticas de
permanência como a que por ora apresentamos: o Programa Conexões de Saberes, que tem
como propósito primeiro conectar o saber popular e o saber acadêmico na construção de um
novo paradigma epistemológico educacional acadêmico que leve em consideração o
pertencimento racial e territorial desses novos estudantes que hoje, adentram em maior
número o espaço acadêmico.
O Programa Conexões de Saberes se insere na agenda de debate e proposições de
políticas públicas para o Ensino Superior, tanto no que diz respeito ao acesso (a maior parte
dos projetos desenvolvidos pelo Programa, através das universidades nas comunidades
faveladas está diretamente ligada a cursos preparatórios para o vestibular, os chamados pré-
comunitários), e permanência com qualidade5 para grupos historicamente desfavorecidos
6
nas universidades públicas brasileiras. No foco das ações do Programa se encontram os
estudantes negros (pretos e pardos) e indígenas, os oriundos de escolas públicas, os com
pais com ensino fundamental incompleto e os de famílias com baixa renda. Sabe-se que, o
5 Permanência com qualidade é outro termo cunhado pelos organizadores do Programa para enfatizar a
importância do Programa para a formação dos bolsistas e que tem como objetivo afirmar o comprometimento
do Programa com a garantia sem sobressaltos para seus bolsistas em relação às necessidades materiais já que
as ações do Programa se limitavam majoritariamente a Extensão, com pontuais ações no campo do Ensino
como, por exemplo, a produção de artigos acadêmicos. 6 O Programa enquanto uma política afirmativa não enfatiza que se destina a esses grupos, ficando subtendido
já que entre seus critérios de seleção exige que o estudante universitário seja primordialmente (foco da ação)
a) de família com renda familiar não superior a seis salários mínimos; b) morar ou ser oriundo de espaços
populares e; c) escolaridade dos pais não superior ao Ensino Fundamental. Entre os critérios
complementares: d) proveniente de escola pública; e) negro ou indígena e; f) ter inserção em atividades
cidadãs em sua comunidade de origem. Detalhe: Entre os seis critérios é obrigatória a escolher de quatro para
os editais de seleção. Não é difícil supor, qual critério fica de fora na maioria dos editais.
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acesso ao ensino superior para estudantes pertencentes a tais grupos sociais não garante,
por si só, que estes disponham das condições e dos requisitos materiais necessários para
uma permanência com qualidade. Essa problemática se agrava muito mais quando a
instituição de Ensino Superior na qual são admitidos não oferece nenhum tipo de política
afirmativa para a sua permanência no campo da assistência estudantil, sinalizando, desta
forma, um descompromisso com a temática da desigualdade e da discriminação racial e
social na Educação.
Considerando o que foi exposto no parágrafo anterior, e alguns elementos implícitos
no projeto original (SECAD/MEC, 2004), entende-se que a denominada formação
qualificada deverá desenvolver nos sujeitos do Programa a capacidade de recorrer aos
conhecimentos acadêmicos cientificamente produzidos e disponibilizados, para dar
sustentação as suas argumentações para a transformação de suas comunidades de origem a
fim de que os direitos humanos sejam devidamente garantidos a tais populações, sem que
se perda de vista o âmbito mais geral da sociedade nacional e internacional a fim de que
tenham uma visão de contexto para além das suas realidades imediatas.
O objetivo ao analisar o Programa Conexões de Saberes é buscar entender de que
forma o mesmo tem contribuído para essa permanência qualificada de universitários
negros moradores de comunidades faveladas7, associando as questões de pertencimento
territorial, formação política e de formação acadêmica, levando em consideração todas as
especificidades e particularidades desse grupo. Com efeito, a formação de novas redes
sociais, pode demandar uma maior compreensão em relação a seu território de origem,
gerando assim uma ampliação do sentimento de pertencimento e identidade por parte
7 Esse público é o foco desse estudo. Ao evidenciar o estudante de origem popular de forma genérica até
mesmo na questão territorial, pois ser de origem popular, a nosso entender, não contribui para o debate sobre
pertencimento. O programa acaba desta forma, por diluir questões extremamente essenciais para uma política
afirmativa de permanência como a cor/raça e a origem territorial de seus estudantes, induzindo a uma postura
politicamente incorreta por parte de seus bolsistas que pode vir a ser entendida como uma negação ou até
mesmo homogeneização da sua cor/raça e território.
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desses estudantes universitários, importantes, que podem estimulá-los na produção de
conhecimentos sobre a realidade sociorracial de suas comunidades faveladas8, assim como,
na qualificação e aperfeiçoamento de políticas públicas já existentes.
De acordo com um dos objetivos do Programa, os estudantes ao realizarem
trabalhos em suas comunidades ou outras com características semelhantes às suas,9 podem
estreitar ainda mais seus vínculos territoriais criando assim possibilidades para a conexão
entre diferentes saberes produzidos no espaço acadêmico e nas favelas e,
conseqüentemente, vindo mais tarde a configurarem-se como legítimas lideranças
comunitárias. Além disso, todos os graduandos-bolsistas passam por uma formação política
e social no campo das relações étnico-raciais. Considerando a importância de um currículo
com tais características e o papel social da universidade, em uma sociedade que pelo menos
formalmente busca a igualdade10
, mas mantêm de fato altos índices de desigualdades,
questiona-se, se esta não seria a formação necessária a todos os brasileiros, independente do
seu local de residência e de sua origem racial, social e econômica. Buscar a justiça é papel
político apenas dos pobres discriminados ou de toda a população em um país pretensamente
democrático?
Segundo documento da SECAD/MEC (2008), essa nova tecnologia social surgida
nos territórios favelados da cidade do Rio de Janeiro, tem entre outros objetivos a
pretensão, em longo prazo, de criar um novo paradigma de universidade pública mais
democrática e plural e verdadeiramente republicana.
O desafio inerente ao Programa Conexões de Saberes é justamente o
empenho sistemático e abrangente de construir uma nova Universidade
8 Optamos pelo termo comunidades de favelas na intenção de ressignificá-lo. Nos textos e documentos do
programa consultados até aqui, o termo favela foi substituído pelos eufemismos comunidade popular ou
comunidade de origem popular, talvez para fugir do estigma. 9 O objetivo do programa é fazer com que cada estudante atue na sua comunidade de origem, mas isso nem
sempre é possível porque cabe a universidade escolher a comunidade onde as atividades serão realizadas. 10
Ao longo desse trabalho esse tema será melhor desenvolvido.
-
25
Pública, capaz de combinar a excelência da produção do conhecimento
à ação pública de construção de uma sociedade mais generosa. Seu
compromisso maior é reunir experiências de práticas inovadoras que
estimulem o protagonismo de estudantes de origem popular na produção
do conhecimento científico, técnico e cultural, combinado às ações
solidárias nos seus territórios de morada. Trata-se, é bom frisar, da criação
de momentos de aproximação e troca de experiências e de potencializar
talentos que, além de promover uma formação acadêmica mais universal,
também estimule novas sociabilidades. Assim, estarão conjugados – de
modo indissociável – a construção do saber, a realização do fazer e a
invenção do conviver. (Relatório Final: Observatório de Favelas, 2008 p.
08)
O espaço acadêmico brasileiro, segundo informações da Associação Nacional dos
Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior – ANDIFES, e do Fórum Nacional
de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis - FONAPRACE (2004), atualmente
é a expressão maior do preconceito social e racial no Brasil. Infelizmente, apesar do gradual
aumento de universitários negros, indígenas, entre outros, oriundos de grupos etnicorraciais
e sociais também discriminados, na universidade, por conta das políticas de reserva de
vagas e/ou cotas, aplicadas em mais de 70% das universidades públicas brasileiras até 2010
(PAIVA, 2010 p. 07), o impacto nas suas comunidades de origem ou no próprio ambiente
universitário ainda é quase imperceptível11
. Isso talvez se deva ao papel “catequizador” da
universidade na vida de seus estudantes, que muitas vezes são “obrigados” a negar suas
origens para afugentar o estigma racial e/ou social e, assim, usufruir de uma permanência
menos turbulenta e desgastante, do ponto de vista psicosociopedagógico, e que podem, a
médio e longo prazo, deixar seqüelas irreversíveis na formação desses estudantes,
constituindo-se assim, a permanência na universidade, como um rito de passagem de alto
custo emocional para essa parte da população acadêmica.
Partimos da consideração de que a inserção de novos sujeitos sociais na
universidade acarreta implicações diretas no seu funcionamento cotidiano. Em
11
Salvo a existência de alguns cursos prés-vestibulares comunitários, ainda não percebe-se de que forma a
entrada de estudantes moradores de favelas tem impactado essas comunidades.
-
26
contrapartida, os afeta também nas suas relações de afetividade, identidade e convivência
com seus familiares e comunidade. Busca-se, ao analisar o Programa Conexões de Saberes,
primeiramente entender se realmente o mesmo se constitui enquanto uma política de ação
afirmativa na forma como nos apresenta GOMES (2001), SISS (2003), MELO (1998) e
ROCHA (1996).
Por outro lado, interessa entender de que forma esse Programa tem contribuído para
uma formação qualificada conjugando simultaneamente a conexão entre os saberes desses
estudantes negros oriundos de comunidades de favelas, construídos ao longo de suas
trajetórias e o saber acadêmico/científico, convergindo para uma formação acadêmica
plena, sem a perda de pertencimento racial e territorial de forma a mitigar o desgaste
emocional adquirido quando da entrada na universidade (SOUZA, 1983). Quais então
seriam as estratégias desenvolvidas por esses estudantes para uma permanência com
sucesso em uma universidade elitista (PAIVA, 2010), de maioria branca e desprovida de
uma política afirmativa de recorte racial como a UNIRIO? É possível a incorporação de
novos habitus sem a perda dos habitus antigos? E ainda, quais os efeitos da
atuação/presença desses novos sujeitos enquanto bolsistas de um programa de permanência
acadêmico, no debate sobre democratização da universidade?
Sabendo-se que não raro entre o ideal e a realidade, isto é, entre os valores
declarados no projeto original e os valores reais que ocorrem durante a realização concreta
do proposto, acontecem distanciamentos e sendo os graduandos negros moradores de
favelas, participantes desse projeto, pretende-se averiguar se em sua dinâmica o Programa
de fato contribuiu para a permanência satisfatória que englobe a garantia das necessidades
materiais com a formação política no campo das desigualdades sociorraciais dos egressos
oriundos de espaços favelados.
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27
A nossa experiência e prática como morador da favela da Maré e universitário
negro, somado as minhas atividades enquanto ativista social em prol das lutas contra as
desigualdades sociorraciais também me despertaram o desejo de averiguar quais as
estratégias utilizadas por estudantes, com trajetórias semelhantes a minha, para acessar e,
principalmente, permanecer na sua universidade.
Foram selecionados entre os egressos do Programa, três graduadas negras
moradoras de favelas que concluíram diferentes cursos, sendo um do curso de Pedagogia,
dois de Museologia alem de um integrante da Coordenação Geral do Programa Conexões
de Saberes na UNIRIO, para aplicação de um questionário semi-estruturado.
Com intuito de traçar uma análise mais completa do perfil social dos bolsistas no
Programa Conexões de Saberes/UNIRIO, analisamos todas as fichas cadastrais com
informações socioeconômicas dos bolsistas desde o início do Programa na UNIRIO em
2006 até o ano de 2010, já que a partir de 2011 o Programa sofre algumas alterações, vindo
a se configurar como Programa de Educação Tutorial Conexões de Saberes, o
PET/Conexões de Saberes. Como cada universidade no Programa Conexões de Saberes
goza de autonomia universitária, a análise documental nos proporcionou a possibilidade de
construir através da distribuição dos dados em tabelas, o perfil dos estudantes que passaram
pelo Programa Conexões de Saberes UNIRIO nesses mais de cinco anos de existência,
podendo assim constatar a presença dos percentuais de negros moradores de favela, assim
como, a distribuição dos contemplados por curso, cor/raça e local de residência.
Para o real estabelecimento da referida conexão torna-se necessário que ambos os
atores, graduandos negros favelados e a academia, aqui representada pelos profissionais
responsáveis pela formação dos bolsistas e pelos coordenadores, assumam um
compromisso de formar intelectuais genuínos na concepção de Milton Santos (SANTOS,
2004). Mas, o que significa ser um intelectual genuíno na concepção do autor citado?
-
28
Significa a busca da verdade independente de interesses particulares, individuais ou de
grupos. Daí, a importância da abertura de ambas as partes para ressignificar os saberes
sempre que as pesquisas apontarem equívocos nas partes que compõem as investigações
realizadas. Sabe-se, entretanto, que esta conexão possivelmente não ocorre sem conflitos
por motivo da busca do estabelecimento de uma relação de poder entre as partes, o que
deve ser eliminado como condição indispensável para que a conexão proposta se
estabeleça.
Destacam-se nessa pesquisa, dois aspectos a serem considerados como referenciais
teóricos pertinentes à investigação pretendida: políticas de ações afirmativas e a questão da
territorialidade.
O que permite classificar preliminarmente o Programa Conexões de Saberes como
uma política de ação afirmativa é a pretendida reparação sobre a permanência de grupos
historicamente sub-representados nos espaços universitários públicos, cujas identidades são
em geral negadas nestas instituições. Neste sentido deve-se atentar para a garantia das
condições materiais necessárias à permanência dos selecionados, com desempenho
satisfatório na universidade e para as alterações curriculares com vistas à incorporação de
conteúdos socialmente relevantes para que esses grupos compreendam o seu estar na
sociedade. Conteúdos estes que, nesse caso, devem versar prioritariamente sobre a
população negra e favelas, entre outros tradicionalmente já incorporados nos currículos dos
cursos de Ensino Superior que contribuem para ampliação da visão de mundo dos
graduandos e para uma formação profissional qualificada.
Territorialização, Desterritorialização e Reterritorialização (TDR), são conceitos
que também serão incorporados na pesquisa porque essa investigação trata de dois espaços
a serem pesquisados; favela/negritude e universidade, que deverão interagir por meio dos
sujeitos que os freqüentam de maneira concomitante.
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29
Os referenciais teóricos anteriormente citados ao mesmo tempo em que mantém a
sua autonomia, no caso desta investigação, também se cruzam.
Sem descartar a possibilidade de que a presente pesquisa tenha implicações com
outras concepções teóricas, que podem ter sido evidenciadas no processo de
desenvolvimento da investigação ou por leitores desta produção, decidiu-se incorporar a
esse trabalho, priorísticamente, alguns aspectos sobre as políticas de ação afirmativa e
territorialidade.
A literatura sobre políticas de ação afirmativa se encontra hoje largamente
difundida. Nesse sentido, diferentes autores utilizam vários elementos para expressar o seu
significado. Recorreu-se neste estudo a uma definição ampla e ao mesmo tempo
relativamente consensual utilizada pelo jurista e professor Joaquim Benedito Barbosa
Gomes, apoiada nas contribuições de Ayas Siss, Mônica de Melo e Cármen Lúcia Antunes
Rocha.
É de interesse dessa investigação, entender quais são as implicações, ou não, da
inserção desses estudantes negros moradores de favelas no espaço acadêmico. E por outro
lado, analisar como se dá a sua relação com suas comunidades de origem a partir da sua
entrada na universidade. Essa preocupação se evidencia também nos objetivos do Programa
Conexões de Saberes a partir do momento em que busca estreitar ainda mais a relação dos
bolsistas com suas comunidades.
Essa dissertação estrutura-se em quatro capítulos. O primeiro apresenta um histórico
sobre o surgimento do Programa na favela da Maré – RJ, ainda como Rede de
Universitários de Espaços Populares (RUEP) e seus desdobramentos políticos, sociais e
financeiros até chegar ao seu formato atual como PET/Conexões – Programa de Educação
Tutorial/Conexões de Saberes.
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30
O segundo capítulo apresenta os referenciais teóricos, conceitos e histórico sobre
as políticas de ação afirmativa. A partir dos subsídios conceituais e teóricos oferecidos
pelos autores privilegiados buscou-se relacioná-los com os objetivos e diretrizes
encontrados nos documentos do Programa Conexões. Buscou-se também fazer um paralelo
entre a formação oferecida pelo Programa Conexões de Saberes e a crítica feita por alguns
intelectuais marxistas que afirmam existir forte cooptação de novas lideranças através de
Programas sociais de forte teor neoliberal.
No terceiro capítulo procurou-se explorar o debate sobre território tendo como
ponto de partida a relação entre favela e universidade para entender como essa dupla
vivência pode influenciar a vida dos sujeitos sociais entrevistados nessa pesquisa, na
construção e/ou desconstrução de vínculos, pertencimentos e identidades.
No quarto e último capítulo apresentamos uma análise do Programa Conexões de
Saberes na UNIRIO através da análise dos documentos e das entrevistas realizadas com ex-
bolsistas do Programa, fazendo um cruzamento entre as práticas desenvolvidas pelo
Programa na universidade e os conceitos e referenciais teóricos contemplados ao longo do
trabalho como as ações afirmativas e a questão territorial, no intuito de observar qual foi o
legado deixado pelo Programa Conexões de Saberes para a carreira desses estudantes.
Buscamos apresentar um levantamento quantitativo e qualitativo do Programa nos últimos
cinco anos através das variáveis cor/raça, período letivo, local de moradia e curso, para
construir um perfil do Programa na instituição. Após a análise dos dados quantitativos,
percebemos que a questão de gênero se apresentou de forma expressiva, fato que se
confirmou na seleção para as entrevistas. Desta forma, essa pesquisa mesmo não
privilegiando a questão, buscou de forma tímida iniciar essa discussão na esperança que ela
possa ser melhor desenvolvida em uma próxima oportunidade.
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31
Mapa da Favela da Maré - RJ
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CAPÍTULO I
PERCURSO E DESDOBRAMENTOS DO PROGRAMA
CONEXÕES DE SABERES E ATUAL SITUAÇÃO
A análise desta parte do trabalho é iniciada situando o posicionamento geográfico e
às condições sociais em que surge o Programa Conexões de Saberes. A intenção nesse
capítulo é apresentar a realidade de um conjunto de favelas da cidade do Rio de Janeiro, a
favela da Maré.
Nosso esforço é fazer com que todas as arestas sejam aparadas para que possamos
visualizar com clareza esse “embrião” que recebeu o nome de RUEP – Rede de
Universitários de Espaços Populares. Entender a origem do Programa Conexões de Saberes
é de suma importância para a compreensão dos desdobramentos que virão a seguir, pois só
assim será possível uma análise mais apurada e mais esclarecedora sobre o esforço
realizado aqui para relacionar a questão territorial com as questões raciais.
O Programa Conexões de Saberes apresenta metas audaciosas, principalmente,
geográficas. Tem a seu favor o fator novidade. Pela primeira vez propõe-se a realização de
um programa de permanência a nível nacional, para estudantes oriundos das camadas
empobrecidas com recortes específicos de escolaridade dos pais, que não pode ser superior
ao ensino fundamental e, estritamente para moradores de territórios favelizados, por
exemplo.
Mesmo sendo implantado pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade, SECAD, os recursos destinados ainda eram parcos frente à demanda existente
nas IFES no que se refere à assistência estudantil para estudantes sem condições materiais
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33
de prosseguirem suas carreiras universitárias. Com os primeiros resultados do Programa
nos anos iniciais e a percepção da necessidade de demanda aliada ao desejo da
Coordenação Nacional em ampliá-lo, a solução foi buscar parcerias com outros Programas
do MEC e até mesmo com outros Programas em outros Ministérios. Essas parcerias
influenciaram diretamente o projeto original e determinaram os rumos do Programa
Conexões de Saberes.
O ano de 2008 foi um ano crítico em termos de gestão do Programa Conexões de
Saberes. As dificuldades impostas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação,
responsável a partir daquele ano por administrar todos os recursos do MEC por conta de
algumas denúncias de corrupção em outros programas sociais, trouxe para o Programa
Conexões de Saberes dificuldades para a liberação dos recursos para as universidades. O
que interferiu diretamente no cotidiano do Programa. O FNDE adotou uma postura austera
de gestão e passou a exigir das universidades uma série de documentos que justificassem os
orçamentos informados pelas coordenações locais, além da exigência de uma legislação
específica que regulamentasse as atividades da Extensão nas Instituições Federais de
Ensino. Esse impasse não decretou o fim do Programa Conexões de Saberes em 2008, mas
deixou seqüelas irreversíveis que mais tarde acabaram por desestruturá-lo a ponto de vir a
tornar-se PET/Conexões.
Diante desse impasse várias frentes de mobilização foram abertas para garantir que
o Programa não perecesse. O projeto original do Programa Conexões de Saberes, sempre
foi marcado por uma dimensão política e geográfica muito forte, muito maior do que a
dimensão racial. Os formuladores e dirigentes do Programa tentaram por muitas vezes
organizar politicamente coordenadores e bolsistas em torno de questões importantes para o
fortalecimento do Programa. Os coordenadores por sua vez propuseram a criação de uma
espécie de coordenação colegiada nos moldes da que se encontra na maioria das
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34
universidades públicas onde os votos têm pesos diferentes de acordo com o cargo e
titulação de cada um. Ou seja, o voto dos bolsistas e técnicos continuaria a ter um peso
percentualmente menor nas tomadas de decisão em relação às questões cotidianas do
Programa. Dessa forma, propuseram aos bolsistas a criação de um espaço político de
articulação para discussão das questões voltadas ao Programa e a questão do acesso e
permanência no Ensino Superior a nível nacional, é nesse momento que surge o FNEOP –
Fórum Nacional de Estudantes de Origem Popular. Aos coordenadores de cada
universidade coube o papel de persuasão junto as Pró-reitorias de Extensão na tentativa de
tensionar dentro do Fórum de Pró-reitores de Extensão, o FORPROEX, sobre a importância
do Programa Conexões de Saberes para a Extensão Universitária e a necessidade da criação
de lei que regulamentasse as atividades da Extensão e que justificasse o pagamento de
bolsas a estudantes e professores/coordenadores, até então não permitido pelo FNDE.
Ao final desse primeiro capítulo discutimos as razões que levaram um Programa
de Permanência para estudantes negros/as oriundos de favelas a se transformar em um
Programa de Educação Tutorial – PET. A principal alegação da SECAD se encontra na
busca pela institucionalização do Programa Conexões de Saberes, anteriormente
identificado como um Programa de Extensão Universitária e que como tal não se
enquadrava em nenhuma legislação vigente que garantisse o repasse de recursos para
pagamento de bolsa-auxílio tanto para estudantes como para os professores coordenadores,
correndo o Programa o risco de extinção.
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35
DO CONJUNTO DE FAVELAS DA MARÉ (RJ) PARA O BRASIL
Foto Favela da Maré – Fonte: www.myzoom.com.br
A Cidade do Rio de Janeiro tem na sua formação morfológica centenas de
comunidades de favelas. Na região da Zona da Leopoldina, bem próximo ao centro da
cidade, concentra-se o maior número, pejorativamente conhecido como Complexo da Maré.
Ao contrário do que se pensa a Maré desde 1993, por conta de um decreto municipal, é
oficialmente um bairro, mas as condições de desigualdades que ainda marcam seus
moradores e suas favelas estão distantes em comparação a um bairro convencional. Apesar
de abrigar a 30ª Região Administrativa, prédios públicos, serviços básicos como
fornecimento de água, luz, escola pública, saúde, entre outros, a Maré está longe de se
constituir como um bairro de fato. A grande maioria dos serviços públicos oferecidos são
marcados pela precariedade e pela falta de manutenção. Outro fator preponderante no
bairro são os constantes conflitos entre grupos armados pela disputa por territórios. Mesmo
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a Maré sendo um dos bairros da cidade privilegiado por possuir um destacamento
permanente de mais de 700 policiais militares, lotados no 22º Batalhão de Polícia Militar.
Para além das representações estereotipadas que fazem sobre as favelas cariocas, a
Maré é um espaço em constante movimento, construção e criação de idéias e ideais. É a
partir dessa riqueza social que tem origem o Observatório de Favelas do RJ. O
Observatório de Favelas surge, então, com o propósito de desenvolver novas tecnologias
sociais, análise e proposição de políticas públicas em territórios de favelas, na perspectiva
de desconstrução de estereótipos negativos e valorização dos espaços favelados.
Como foi mencionada anteriormente, a Maré é formada por dezesseis favelas, sua
população no ano 2000 já ultrapassava a casa de 114.000 moradores12
. No campo
educacional a Maré não é diferente dos espaços socialmente segregados da cidade em
termos de precariedade do Sistema de Educação Pública. A disponibilidade de
equipamentos públicos destinados a suprir a demanda por escolarização é insuficiente. De
acordo com a oferta de vagas oferecidas pelas escolas de Ensino Médio (das três, apenas
uma funciona em tempo integral). Segundo o Censo IBGE 2010 a população da Maré
cresceu 14% nos últimos 10 anos. Mantendo-se esse crescimento se a melhoria e ampliação
dos serviços públicos, principalmente na Educação de Ensino Fundamental e Médio,
muitos dos moradores da Maré que chegarem a concluir o Ensino Fundamental estarão
fadados a não acessar o Ensino Médio. Esse cenário só não é pior porque uma grande
parcela da população da Maré busca em bairros vizinhos estabelecimentos onde possam
concluir a Educação Básica. Diante de um cenário como esse, fica explícita a importância
social, econômica e simbólica que o ingresso no Ensino Superior representa para um
estudante da Maré. Assim como para sua família.
12
Fonte: CENSO IBGE 2000.
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37
O Observatório de Favelas do RJ surge dessa necessidade e dentro dessa
realidade. Seus fundadores são moradores e ex-moradores da Maré que antes de criarem
esta instituição também tiveram participação direta, ou indireta, na criação de outra grande
Organização Não Governamental na Maré, o CEASM – Centro de Estudos e Ações
Solidárias da Maré13
. O CEASM é uma instituição que teve na sua constituição interna
moradores e ex-moradores que conseguiram ingressar no Ensino Superior com sucesso e se
organizaram para fundar essa instituição que tem a função de dar um retorno positivo as
suas comunidades de origem. Independente da constituição racial de seus membros
fundadores, do seu espaço de militância, credo, ou da área de formação universitária de
cada um, o que os uniu naquele momento foi à ligação mais forte com o território, o
compromisso social e político e o sentimento de pertencimento. Apesar da felicidade de
fazer parte do primeiro projeto dessa instituição em 1998, através do pré-vestibular
comunitário conhecido como CPV – Maré; recordo-me muito bem de que apesar da
formação política da maioria de seus fundadores e dos professores do curso pré-vestibular,
questões como as relações raciais apenas perpassavam em sala de aula, ao contrário da
questão territorial, da valorização dos saberes espontâneos, essa parte sim, sempre foi muito
bem trabalhada, em detrimento de uma educação voltada para as questões ligadas às
desigualdades e discriminações raciais, o que pode representar uma lacuna também na
formação dos fundadores e professores da instituição. Para Gonçalves e Silva (2011), há
um diálogo de saberes implicado no próprio conhecimento que se faz com e não sobre esses
espaços. (GONÇALVES e SILVA, 2011 p. 07).
Para esses autores,
13
O Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré “CEASM” é uma organização não-governamental
localizada no conjunto de favelas da Maré no Rio de Janeiro. Há 12 anos disponibiliza acesso a cultura e
educação. E seu público alvo são moradores do Bairro Maré.
http://maps.google.com.br/maps?ll=-22.859128,-43.244685&spn=0.023331,0.045447&z=15
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38
A mestiçagem, mais que uma constatação de um fenômeno sociológico
de mistura de raças, seja lá o que isso significa, é quase um imperativo
categórico de um destino inexorável que impede que se seja negro, que se
seja índio, como se essas afirmações identitárias negassem a democracia
racial. Ou seja, na democracia racial não se pode ser negro ou ser índio,
pois estamos todos condenados a ser mestiços quando, então, as
diferenças se diluem. (2011 p. 36)
Como se a questão racial já estivesse dada, resolvida, superada através do discurso
da democracia racial, percebemos nos dirigentes dessas instituições uma preocupação com
a mobilidade social dos moradores da favela que poderia refletir na mobilidade social do
próprio território, algo próximo da Teoria do Capital Humano, por meio da qual,
aumentando o nível escolar das pessoas se aumentaria também o nível da qualidade de
vida. Como se a questão da favela enquanto fenômeno social não estivesse diretamente
ligada à questão estrutural do racismo, da discriminação racial. Nessa perspectiva que
muitos autores especialistas em escrever sobre os territórios favelados, conduzem seus
estudos, e aonde, muitos dos intelectuais orgânicos desses espaços, alguns por conta da sua
formação marxista, irão também buscar as informações para entender o fenômeno favela.
Nesse sentido, estudos como o que vem sendo realizado pela pesquisadora Licia
Valladares, sobre o impacto dos graduandos e graduados de favela nos seus espaços de
moradia, apenas corroboram ainda mais para essa concepção economicista do espaço
favelado, em detrimento do combate da questão racial. Ou seja, para eles a questão
econômica está sempre acima da questão racial, quando acreditamos ao contrário, de que a
questão da discriminação racial é anterior a questão econômica, ou classe. Para Valladares,
Em oposição a essa linha de pensamento, fala-se da “nova favela”, que é
mais heterogênea e diversificada tanto do ponto de vista do seu espaço
construído quanto de sua população residente (MACHADO DA SILVA,
1967; LEEDS, 1969; MEDINA, 1969; PRETECEILLE e
VALLADARES, 2000; ALVITO, 2001; ABRAMO, 2002; SOUZA e
SILVA, 2003; PICCOLO, 2006). Com efeito, o modelo tradicional é
posto em questão frente a mudanças verificadas nas mais consolidadas e
antigas, na “favela globalizada” (VALLADARES, 2000), que há pelo
menos 15 anos tem comércio e serviços como agência de correios, bancos,
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39
clínicas médicas particulares, supermercados, MacDonald’s, telefones
celulares, internet, turismo, ONGs que oferecem os serviços mais
variados, que vão desde o aprendizado de línguas estrangeiras até a
formação de fotógrafos, músicos e dançarinos, sem falar de agências
imobiliárias e o desenvolvimento de um mercado de aluguéis. Além disso,
uma parte de sua população usa cartões de crédito, toma empréstimos em
bancos, compra carros e motos a prestação etc. Nossa hipótese é a de que
as favelas (que correspondem atualmente a cerca de mil aglomerados só
no município do Rio de Janeiro) estão passando, a cada dia mais, por um
complexo processo de diferenciação social, seguindo a tendência geral de
mobilidade social por que passa a sociedade urbana brasileira (SCALON,
1999), onde a educação tem seu lugar. Com base em um estudo sobre
graduados e graduandos que moram ou tenham morado em favelas do
Rio, sugerimos que, já há alguns anos, estamos diante de um processo
significativo de mobilidade social por intermédio da educação. Mediante
o acesso de alguns ao ensino superior, a população das favelas se
diversifica e complexifica, afetando assim sua estrutura social. Diversos
programas governamentais e políticas públicas vêm colaborando nesse
sentido. (VALLADARES, 2010)
Nosso objetivo com essa breve introdução não é apenas de criticar o modelo
pedagógico oferecido pelo CEASM aos seus vestibulandos, mas sim, estabelecer uma
ligação entre atmosfera sociopedagogica do CEASM que teve continuidade no
Observatório de Favelas do RJ, com a presença de geógrafos entre seus fundadores, para
assim compreendermos o surgimento do projeto RUEP – Rede de Universitários de Espaço
Popular, que mais tarde daria origem ao Programa Conexões de Saberes: diálogo entre a
universidade e as comunidades populares.
O Projeto RUEP foi uma tecnologia social criada pelo Observatório de Favelas em
2002 e desenvolvido em 2003 em parceria com as universidades UFF e UERJ com recursos
da SESU – Secretaria de Ensino Superior. O Programa RUEP tinha como propósito
subsidiar a criação de agendas propositivas para políticas públicas afirmativas, tendo como
princípio à participação de instituições públicas de Ensino Superior e de organizações
comunitárias e, principalmente, de jovens estudantes das comunidades de favelas. Seu
objetivo maior era constituir novas relações de saberes e fazeres em relação à realidade dos
jovens dos espaços populares e, através destes, constituir novas práticas sociopedagógicas
capazes de estimular a participação direta na resolução de demandas socioculturais, geração
-
40
de trabalho e renda e na orientação de políticas públicas focais e transversais para
juventude moradora de espaços populares. Seu objetivo geral era contribuir com a produção
e difusão de experiências culturais e educacionais que dessem suporte a construção de
políticas públicas de desenvolvimento e inclusão social dos jovens residentes nos espaços
populares de Niterói (UFF) e São Gonçalo (UERJ).
A semelhança com os princípios e objetivos do Programa Conexões de Saberes não
deixam dúvidas de que tratou-se na prática do projeto embrionário que mais tarde daria
origem ao Programa Conexões de Saberes, mas desta vez com uma roupagem étnico-racial
e pequenas mudanças na sua metodologia e estratégias de implementação. Não queremos
afirmar uma reprovação, longe disso. Não há nada em contrário a tentativa de
aperfeiçoamento de uma tecnologia social e sua ampliação na busca para aperfeiçoá-la e
transformá-la em uma política pública, muito menos nesse caso onde o grupo a ser
beneficiado é merecedor e faz jus a tais políticas. A mudança de status em 2004, tomando
dimensão nacional e passando a ser financiado pelo MEC/SECAD, implicou em algumas
mudanças filosóficas e conceituais para transformar o Programa Conexões de Saberes em
uma ação afirmativa a ser desenvolvida em todo Ensino Superior a nível nacional.
Infelizmente, apesar das mudanças engendradas que o promoveram nacionalmente a ponto
de receberem do Banco do Brasil o prêmio de metodologia social, na prática ainda deixava
muito a desejar na busca pela institucionalização enquanto uma política afirmativa de
permanência para estudantes oriundos de territórios favelados.
Sua chegada ao MEC/SECAD o transformou em uma política de ação afirmativa de
permanência com recorte social, territorial e racial, e apesar da presença da Professora
Eliane dos Santos Cavalleiro (especialista e ativista das questões raciais em Educação) à
frente da Diretoria de Diversidade da SECAD, e sua extensa contribuição militante e
acadêmica no campo das políticas de ação afirmativa no campo da Educação, as mudanças
-
41
efetuadas no Programa pouco alteraram suas características na prática. O exemplo disso
é que em 2007 em um encontro da coordenação nacional em Brasília com a presença de
cerca de noventa integrantes entre professores, estudantes e técnicos, quando se debatia
sobre a escolha dos eixos temáticos para a produção dos artigos para a publicação do
segundo volume da Coleção Grandes Temas14
; na votação para escolha desses eixos
temáticos, o tema que tratava das políticas de ação afirmativa foi voto vencido, ficando fora
dos que comporiam a publicação. Não fosse uma defesa emocionada da coordenação do
Programa na UFMG, que ameaçou se retirar do Programa caso o eixo temático sobre ações
afirmativas não fosse aprovado, pois defendia que um programa de ação afirmativa não
poderia abster-se dessa discussão imprescindível para a formação de seus bolsistas. A mesa
coordenadora formada pelo MEC/SECAD e Observatório de Favelas (que não tinha poder
de voto) decidiu que o eixo temático passaria então a ser obrigatório a todas as IFES.
Ao se tornar um programa nacional com 33 IFES, o Programa Conexões de Saberes
com mais de 2.000 graduandos (bolsistas e voluntários), constitui-se como a principal
política de permanência do MEC, mas seu crescimento vertiginoso passando de cinco para
catorze e depois para trinta e três universidades e cobrindo todos os estados da federação
incluindo o Distrito Federal representou uma vitória, mas ao mesmo tempo passou a exigir
um esforço muito maior da Coordenação Nacional para geri-lo de forma eficiente.
14
O Programa Conexões de Saberes tem duas publicações nacionais, além das publicações locais que ficam a
cargo de cada coordenação, são elas: Coleção Caminhadas e Coleção Grandes Temas. Em ambas os bolsistas
são os autores, com uma pequena diferença. Na primeira os bolsistas fazem um relato de sua trajetória até a
universidade, a intenção é publicizar o ardo caminho percorrido por esses estudantes e sensibilizar a
comunidade acadêmica em relação as políticas de permanência para esses grupos. O segundo, se trata artigos
produzidos coletivamente pelos bolsistas sob orientação de um professor (o programa destinava recursos para
contratação desse profissional, mas na maioria das vezes esse professor-orientador era o coordenador do
programa).
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DE RUEP A PROGRAMA CONEXÕES DE SABERES: DIÁLOGOS ENTRE A
UNIVERSIDADE E AS COMUNIDADES POPULARES
Como já foi explicitado anteriormente, o Programa Conexões de Saberes teve sua
origem embrionária no coração do conjunto de comunidades de favelas do bairro Maré no
Rio de Janeiro, mais especificamente na ONG, hoje OSCIP (Organização Social e Civil de
Interesse Público), Observatório de Favelas do RJ. Instituição que até bem pouco tempo
estava diretamente ligada ao Programa na condição de parceira, responsável por coordenar
as produções acadêmicas das coordenações locais produzidas pelos bolsistas. Foi através da
Rede de Universitários de Espaço Popular – RUEP que o Programa Conexões de Saberes
teve origem, chegando ao MEC em 2004 por meio da SECAD sob a Coordenação Nacional
Executiva da Diretoria de Diversidade. SECAD que na época era dirigida pelo Secretário
Ricardo Henriques.
Abre-se aqui um parêntese e pede-se atenção para o fato de que a criação da
SECAD se deu de modo concomitante ao lançamento do Programa Conexões de Saberes
pelo MEC no final de 2004. Ou seja, esse Programa foi uma das primeiras iniciativas da
SECAD a nível nacional e em parceria com as universidades e o Terceiro Setor. No
segundo ano do primeiro mandato do Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em
2004, cria-se a SECAD – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade,
que tinha entre várias atribuições a de contribuir para a redução das desigualdades
educacionais por meio da participação de todos os cidadãos, propondo políticas públicas
que assegurassem a ampliação do acesso à Educação. Apesar de algumas observações em
relação à política desenvolvida pela SECAD nos últimos anos, reconhece-se que seu
surgimento representou um avanço, principalmente, no diálogo entre o Governo e os
Movimentos Sociais Negros Organizados e as ONGs. Até início desse ano esta Secretaria
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era responsável pela execução de 24 Projetos Educacionais nas áreas de Direitos
Humanos, Diversidade, EJA, Educação Étnico-racial, Educação Quilombola, Educação no
Campo, entre outros. É também na SECAD que se encontram os principais programas do
MEC voltados para a permanência de grupos historicamente desfavorecidos como o
UNIAFRO e o Programa Conexões de Saberes, tidos até então como as únicas políticas de
permanência com recorte sócio-racial do Ministério da Educação15
.
Cada Instituição Federal de Ensino Superior integrante do Programa deve produzir
diagnósticos sobre as condições socioeconômicas, culturais e pedagógicas dos estudantes
universitários residentes em espaços populares denominados de favelas. Aos bolsistas
atendidos pelo Programa cabe assumir postura de mediador na relação entre universidade e
comunidade. Além disso, cabe a cada estudante o direito a uma bolsa de auxílio financeira
no valor de R$300,00 (trezentos reais) e orientação para produção de artigos com temáticas
ligadas a políticas de ação afirmativa, permanência de estudantes de origem popular na
universidade, relação universidade e comunidade e sobre acesso ao ensino superior, que são
publicados em coleções acadêmicas financiadas com recursos do próprio Programa, mas
sob controle e coordenação do MEC através da parceria com o Observatório de Favelas do
RJ. Para a construção dos artigos os bolsistas devem participar de pesquisas sobre as
desigualdades sociais, inclusive no interior da universidade, e sobre as experiências
vivenciadas no campo de atuação, seja na comunidade, seja na escola pública através da
parceria com o Programa Escola Aberta16
onde desenvolvem oficinas com jovens nos finais
de semana.
15
Importante salientar nossa estranheza em constatar que os principais programas de permanência com
recorte social, racial e territorial do Ministério da Educação estejam alocados na SECAD e não na SESU. 16
O Programa Escola Aberta se propõe a promover a ressignificação da escola como espaço alternativo para o desenvolvimento de atividades de formação, cultura, esporte, lazer para os alunos da educação básica das
escolas públicas e suas comunidades nos finais de semana. O Programa é uma parceria da UNESCO com o
Ministério da Educação e assim como o Programa Conexões de Saberes, abrange todas as unidades
federativas do país. Suas atividades são realizadas por oficineiros voluntários e destinadas a toda população
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O Programa Conexões de Saberes é um Programa de abrangência nacional com
grande diversidade cultural. Os bolsistas que o integram apesar de genericamente
identificados nas produções e documentos oficiais do Programa como estudante de origem
popular17
apresentam ricas experiências de vida e trajetórias escolares muito distintas umas
das outras. Apesar do status de política de ação afirmativa, o Programa não exige das
coordenações locais a utilização do recorte racial (negro e indígena) nos processos de
seleção18
, atitude diferente em relação às publicações, nas quais todas as coordenações
foram obrigadas a produzir um artigo sobre o tema, em parceria com os bolsistas, para fazer
parte da Coleção Grandes Temas no eixo temático “E” sobre políticas de ação afirmativa no
Ensino Superior. O que demonstra uma preocupação em explicitar uma realidade que não
condiz com o que de fato ocorre internamente.
De acordo com as diretrizes do Programa, são seis os critérios para seleção dos
bolsistas, classificados em primordiais e complementares. Segundo os documentos oficiais
do Programa, homologados em assembléias da Coordenação Executiva Nacional, critérios
primordiais seriam a intenção primeira, o objetivo principal a ser atingido, os obrigatórios a
serem contemplados nos editais de seleção para bolsistas. Os complementares ficariam a
cargo de cada coordenação local em cada universidade de acordo com seu momento
político. Como o recorte racial foi colocado entre os critérios complementares, ficando
explícito o não comprometimento da Coordenação Nacional em garantir a presença do
do entorno da escola. Segundo seus coordenadores o objetivo é a redução da violência no bairro e nas
localidades próximas.
17
Não se pretende nesse trabalho desenvolver uma problemática sobre as questões que envolvem esse termo.
Mas esclarecemos que de acordo com o documento Termo de Referência 2007 do Programa, não se apresenta
uma explicação conceitual para o termo. A categoria estudante de origem popular foi uma tentativa
consensual entre os coordenadores do programa e o MEC/SECAD para escolha de uma terminologia
socioeconômica que pudesse ser aplicada em todo território nacional para identificar os sujeitos sociais a
serem contemplados pelo programa. Mas que nos pareceu muito mais uma tentativa de “marketing” sem uma
preocupação teórico-metodológica. Muito comum em projetos desenvolvidos pelo Terceiro Setor. 18
Esse critério passa a ser exigência para a seleção de bolsistas a partir do Edital-2009, mas é revogado no
ano subseqüente no Edital de 2010 que marca a transição do Programa para PET – Programa de Educação
Tutorial.
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estudante negro no Programa. Ou então, o interesse em não se indispor com as
universidades que insistentemente se negavam a utilizar o critério de cor/raça em seus
editais de seleção, diferente do ocorrido em relação ao critério de recorte territorial,
socioeconômico e socioeducacional. Os primordiais são: a) soma da renda mensal dos pais
ou responsáveis pela criação, não superior a seis salários mínimos mensais, podendo ser
reduzida de acordo com as especificidades econômicas regionais; b) morar ou ser oriundo
de espaços populares [favela]; c) escolaridade dos pais ou responsáveis pela criação, não
superior ao ensino fundamental. Os complementares: d) proveniência de escola pública
(corriqueiramente utilizado pelas universidades para complementar o mínimo de quatro
critérios no momento da seleção); e) ser negro ou indígena e; f) ter histórico de
engajamento em atividades coletivas cidadãs em suas comunidades de origem. Dos seis
critérios, cada universidade tem a obrigação de privilegiar no mínimo quatro ao divulgarem
seus editais internos de seleção para bolsistas. Como o tema das políticas afirmativas está
longe de ser um consenso em nossa sociedade, e isso se reflete também nas IFES, os editais
divulgados pelas coordenações locais para seleção dos bolsistas quase sempre deixam de
fora o critério racial, privilegiando, primordialmente o critério econômico, territorial,
proveniência na Educação Pública e escolaridade dos pais19
. No início cada universidade
poderia ter entre 25 e 30 bolsistas. A partir do início das parcerias institucionais em 2006,
com o Programa Escola Aberta, esse número poderia ser facilmente extrapolado chegando
a mais de cem bolsistas em uma única universidade, de acordo com o número de escolas a
serem atendidas, como ocorria no Programa Conexões de Saberes/UFRPE.
19
Ao atentar para os critérios primordiais e complementares fica fácil o entendimento da coordenação
nacional do programa a intenção de selecionar o estudante morador de favela e universitário de primeira
geração ao sugerir como critério estudantes que tenham pais com escolaridade fundamental incompleta.
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O PROGRAMA CONEXÕES DE SABERES E AS PARCERIAS
INSTITUCIONAIS
A partir de 2006 a SECAD/MEC firmou uma parceria entre o Programa Conexões
de Saberes e o Programa Escola Aberta20
. Por parte do Programa Conexões de Saberes a
parceria se deu de forma satisfatória, pois além de ampliar os recursos do Programa,
aumentou significativamente o número de graduandos e, principalmente, o número de
universidades, cobrindo todo o território brasileiro. Na outra ponta do Programa, contribuiu
para estender ainda mais as ações nas comunidades de favelas em todo país e nas parcerias
locais, sem falar do aumento substancial nos recursos anuais do Programa. No edital de
2009 o MEC/SECAD disponibilizou mais de R$11.000.000,00 (onze milhões de reais) para
gestar o Programa, uma boa parte desses recursos veio dessas parcerias institucionais. A
parceria com o Programa Conexões de Saberes proporcionou ao Programa Escola Aberta a
oportunidade de melhoria qualitativa nas ações realizadas por seus oficineiros já que passou
a ter o apoio de professores e estudantes universitários que passaram a coordenar as
oficinas de Leituração e Direitos Humanos nas escolas públicas nos fins de semana. A
aproximação do Programa Escola Aberta com a universidade através do Programa
Conexões de Saberes trouxe a possibilidade de troca de experiências metodológicas e
institucionais. Com o crescimento da abrangência do Programa Conexões de Saberes,
cresceu também sua força política junto ao MEC e junto às universidades federais. As
ações extensionistas se multiplicaram fazendo com que a extensão universitária passasse a
ser mais e melhor valorizada no espaço acadêmico, inclusive melhorando a infra-estrutura
dos projetos de Extensão nas universidades.
20
O Programa Escola Aberta tem como objetivo diminuir os pequenos atos criminosos realizados por
adolescentes, ocupando seu tempo nos finais de semanas com atividades lúdicas para moradores de favelas
nos prédios escolares da vizinhança nos fins de semanas.
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Em meado de 2007, outra parceria foi firmada, mas desta vez sem muito sucesso,
entre MEC e Ministério do Meio Ambiente. Ambos buscaram construir uma parceira que
envolveria o Programa Conexões de Saberes e Escola Aberta, pelo MEC, e o Coletivo
Jovem de Meio Ambiente, apelidado de CJ. O CJ foi criado em 2003, em torno da
construção e realização da I Conferência Nacional Infanto Juvenil pelo Meio Ambiente
(CNIJMA). A idéia inicial seria formar um representante do Coletivo Jovem, não
necessariamente universitário, e um graduando