UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · “Mito da Caverna” no Livro VII de A ......
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
ULYSCLEY DE SOUSA MACEDO
O ESCLARECIMENTO ANTIGO E MODERNO:
PLATÃO E KANT
NATAL/RN 2015
Ulyscley de Sousa Macedo
O Esclarecimento Antigo e Moderno:
Platão e Kant
Monografia apresentada ao Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial à obtenção do grau de bacharela em Filosofia
Orientador: Prof. Dr. Joel Thiago Klein.
Natal/RN 2015
Ulyscley de Sousa Macedo
O Esclarecimento Antigo e Moderno:
Platão e Kant
Monografia apresentada ao Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial à obtenção do grau de bacharela em Filosofia
Orientador: Prof. Dr. Joel Thiago Klein.
Área de concentração: Filosofia Política;
Natal/RN, 16 de junho de 2015;
Resultado: _____/___________.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________
Prof. Dr. Joel Thiago Klein – Orientador e Presidente
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
______________________________________
Profa. Dra. Cristina Foroni Consani – Membro
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
______________________________________
Profa. Dra. Cinara Maria Leite Nahra – Membro
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
______________________________________
Prof. Dr. Antônio Basílio Novaes Thomaz de Menezes – Membro Suplente
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Aos inquietos pelo conhecimento que preservam
a consciência de que não sabem de tudo e não
subestimam o próximo por terem algum
conhecimento.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à referência dos ótimos professores que tive durante o curso,
que representarei no nome de Jaime Biella, e que inevitavelmente serão
carregados comigo a partir de agora, afinal fizeram parte de minha formação.
Agradeço também aos professores que não foram bons, pois me mostraram os
erros que jamais quero cometer na vida acadêmica. Sou grata a mim mesma por
ter enfrentado os medo e inseguranças tão majorados por professores sem o dom
do ensino.
Ao colega de curso e amigo da vida Alex Rodrigues, que já possui todos os
atributos de um bom orientador. Bem como aos preciosos amigos e amigas que
me ajudaram efetivamente na realização desse sonho: Alice Dantas, Raphaela
Simplício, Renata, Lauro, Everson, Ricardo, à vocês minha gratidão.
As preciosas primas Ana Beatriz, de onde senti verdadeiros e sinceros
reconhecimento e incentivo por eu ter escolhido o curso de Filosofia.
Por fim agradeço a minha fé, que me garante o otimismo de que tudo
acontece para o bem.
É “O MITO DA CAVERNA”
Considerado hoje em dia
Por estudiosos, filósofos
E os artesãos da poesia
Como sendo, edificante,
A metáfora mais brilhante
De toda a filosofia.
O diálogo põe entraves
Que se dá pra perceber
A mudança imprescindível
Que sempre pode ocorrer,
E mostra, sem verborréia,
O poder que tem a idéia
E a importância do saber.
Pois, “O MITO DA CAVERNA”
Para muitas gerações
Há dois milênios e meio
Vem produzindo lições. . .
Seu saber é tão fecundo
Que ainda hoje no mundo
Semeia reflexões.
(Medeiros Braga)
RESUMO
Propõe-se neste trabalho a análise da busca pelo conhecimento em dois momentos específicos da história e pela visão de dois filósofos de relevante importância. Primeiro a filosofia de Platão, com toda sua dialética em torno do “Mito da Caverna” no Livro VII de A República de Platão e depois as reflexões de Immanuel Kant contida no opúsculo Resposta à Pergunta: o que é Esclarecimento? Destaque para a inquietação individual na busca do conhecimento, próprio do ser humano, representado tanto com relação a saída caverna quanto na busca pelo esclarecimento, onde ambas situações remetem a necessidade de se buscar o entendimento da situação atual de cada indivíduo afim de, a partir de reflexões particulares, seja possível empreender melhorias na sociedade. Por fim, uma comparação entre as ideias dos pensadores e uma contemporização aos dias atuais. O método utilizado se baseia em uma pesquisa histórico-bibliográfica, onde por meio de análise das obras relacionadas dos referidos filósofos cuja relevância aponta para o movimento individual de se buscar a emancipação do pensamento por cada um e consequentemente constituir uma sociedade mais justa. PALAVRAS-CHAVE: Esclarecimento. Platão. Kant. Mito da Caverna.
ABSTRACT
It is proposed in this work the analyzing search for knowledge in two specific moments in history, by the vision of two philosophers of great importance. First, Plato’s Phylosophy, with all its dialectical around the "Myth of the Cave", in the Book VII of The Republic of Plato and then the reflections of Immanuel Kant contained in the booklet Response to the Question: What is Enlightenment? Emphasis on individual disquiet in the pursuit of knowledge, proper to the human being, represented both with respect to cave exit as in the search for enlightenment, where both situations refer to the need to seek the understanding of the current status of each individual in order to, from Personal reflections, be possible to undertake improvements in society. Finally, a comparison between the ideas of thinkers and an update to nowadays. The method used is based in a historical and bibliographical research, where by analysis of related works of such philosophers, whose relevance points to the individual movement of seeking emancipation of thought for each other and thus constitute a fairer society. KEYWORDS: Enlightenment. Plato. Kant. Myth of the Cave.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 09
2 A INDIVIDUALIDADE NA SAÍDA DA CAVERNA ............................................. 11
3 ESCLARECIMENTO PARA KANT .................................................................... 24
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 31
REFERÊNCIAS .................................................................................................. 32
1 INTRODUÇÃO
A partir de uma reflexão pautada na inquietação humana, será feito um
breve recorte no momento onde a civilização dava os primeiros passos, na
Grécia, onde Platão escreveu A República, e no livro VII dessa obra discorreu
sobre alguns prisioneiros que viviam acorrentados em uma caverna, este foi o
cenário onde Platão criou o famoso Mito da Caverna. Neste primeiro momento
uns breves resgates do momento histórico bem como uma rápida abordagem da
consagrada dialética platônica irão compor a abordagem por onde caminha a
pretensão deste trabalho, qual seja destacar a inquietação individual pelo
conhecimento e os reflexos sociais. Nestes termos buscou-se demonstrar que a
solução para os problemas na sociedade começa em cada um.
Da mesma forma, em outro momento histórico Immanuel Kant escreveu
para revista Berlinischer Monatschrifft sobre o Esclarecimento. As buscas pelo
esclarecimento tratado por Immanuel Kant demonstram as atuais limitações
intelectuais da sociedade, que eram a mesmas de sua época, e igualmente
aponta para a busca individual pelo esclarecimento, onde da mesma forma,
reservadas as devidas proporções, Platão escreveu no Mito da Caverna.
Kant, desenvolveu uma sequência de ações para o individuo que busca o
esclarecimento, com o objetivo, nos limites da obra, de fazer uso público da sua
própria razão. Para chegar nesse objetivo o filósofo dirá que é necessária ousadia
– Sapere Aude! – para se conquistar a liberdade de raciocinar e só então fazer
uso público da sua razão, que segundo Kant há de ser feita de forma escrita ao
público letrado.
Em decorrência da pesquisa realizada, o problema que impulsionou as
reflexões acerca do tema foi a notória relação entre as ideias as de Platão e Kant.
Somado a isso temos a atualidade do tema que justifica a pesquisa. Além disso
há o esforço para contribuir, na compreensão da influência da filosofia de Platão e
Kant para a vida do indivíduo e consequentemente na construção de uma
sociedade cada vez mais justa.
Oportuno frisar que a busca pelo conhecimento é um movimento porfioso,
ou seja, é permanente, continua e continuará acontecendo por um tempo sem fim.
Uma parcela da humanidade, que não arrisco quantificar, quer descobrir e
naturalmente deseja saber como melhor usar o conhecimento através de
incessante estudo. Deste modo o real interesse desta pesquisa visa incitar o
pensamento sobre a realidade política individual, bem como a realidade política
social refletida. Em ambos os casos é latente o apelo das duas obras
selecionadas para o desenvolvimento particular de cada indivíduo com vistas ao
desenvolvimento social efetivo.
2 A INDIVIDUALIDADE NA SAÍDA DA CAVERNA
Existe facilidade em encontrar no projeto filosófico de Platão um start para
desenvolver qualquer tema da filosofia, entretanto há neste filósofo a
particularidade da gênese da pesquisa a que se pretende neste trabalho.
Encontramos no Livro VII de A República, sua principal obra relacionada a
filosofia política, o Mito da Caverna1. O trabalho apresentará uma ordem
cronológica do desenvolvimento da própria história da humanidade, com vistas a
incessante busca da verdade e domínio do conhecimento. Para tanto é de notável
prudência compreender em linhas gerais a vida dos filósofos para uma aferição
firme do pensamento proposto, e não é demasiado destacar algumas passagens
da vida de Platão e posteriormente de Immanuel Kant, que justificam em certa
parte o relevante conteúdo das obras deixadas para toda humanidade.
Platão e sua percepção do mundo das ideias já lançava olhares ao abstrato
e se preocupava em compreender a essência mais profunda da realidade. Ele
associava ao conceito de perfeição do ‘mundo das ideias’ as formas geométricas
puras que jamais se transformam. Desconfiava declaradamente da percepção do
mundo através dos sentidos e destacava em sua crença o fato de que os sentidos
iludem e confundem a mente humana. Aferia perfeição somente ao mundo das
ideias, que se estabelece em argumentos geométricos ligados a beleza cientifica
irrepreensível da matemática.
Nasceu e morreu em Atenas, sua vida perdurou entre 428 a.C a 347 a.C,
período de apogeu político e cultural de Atenas. Uma das cidade-Estado da
Grécia que por volta de 450 a.C exerceu o domínio dos mares, vastos territórios,
decidia democraticamente sobre seu próprio destino, além de impor sua moeda
às outras cidades. O Parthenon erguido em homenagem a deusa Atena entre 447
a.C e 438 a.C é símbolo da pujança daquele momento e se destacou como
monumento à própria cidade de Atenas (ZINGANO, 2005, p.17).
O Parthenon e toda sua ornamentação em esculturas e demais belezas
declarou o notável apogeu ateniense, e os seus traços muito mais que destaque
1 Para uma melhor compreensão das ideias aqui expostas, utilizamos o termo “Mito da Caverna”
como referência a parábola exposta por Platão no Livro VII de A República.
arquitetônicos, demonstravam a vitória da razão sobre o primitivo, e evidenciava o
cidadão ateniense como homem civilizado em contraste com o homem bárbaro.
Platão viveu além dos tempos de glórias e esteve em Atenas durante a época dos
trinta tiranos, quando a democracia sucumbiu e a oligarquia se instalou em
Atenas após sucessivas derrotas. Platão foi, segundo Marco Zingano, o olhar
arguto e ferino de todos esses eventos.
Ainda quando Atenas passava pelo reinado dos trinta tiranos Platão
encontrou Sócrates e passou a ser seu discípulo. Após o restabelecimento da
democracia e o fim do governo dos trinta tiranos, Sócrates foi julgado e
condenado, fato que revolta Platão e o faz deixar Atenas. Entretanto continuou a
perseguir seu sonho de reformar os homens com base em um saber infalível,
manteve a ideia de que os reis deveriam ser filósofos, e os filósofos deveriam ser
reis. Tempos depois, após infelizes experiências na carreira política, em seu
regresso a Atenas, Platão fundou sua Academia e estabeleceu o diálogo como
gênero, e pela inspiração e influência de Sócrates, deu voz a sua filosofia e
materializou sua obra através do diálogo.
A ideia pesquisada começa a estabelecer uma linha de raciocínio a partir
da filosofia antiga, como já anunciado. Para tanto O Mito da Caverna foi
imediatamente relacionado ao objetivo da pesquisa, de evidenciar a
individualidade em busca do conhecimento. Antes, porém destaca-se que Platão
dividiu a realidade em mundos: de um lado, há o mundo concreto, percebido
pelos sentidos, irregular, constantemente gerado e destruído, e do outro lado está
o mundo das Ideias, uniformemente existente, apreendido apenas pelo
pensamento (ZINGANO, 2005, p. 49-50).
Na narração do Mito da Caverna, Platão relata as condições físicas e
sensíveis em que alguns prisioneiros viviam dentro de uma caverna, tal como os
homens que vivem na ignorância:
– Depois disto – prosseguiu eu – imagina nossa natureza, relativamente à educação ou à sua falta, de acordo com a seguinte experiência. Suponhamos uns homens numa habitação subterrânea em forma de caverna, com uma entrada aberta para a luz, que se estende a todo comprimento dessa gruta. Estão lá dentro desde a infância, algemados de pernas e pescoços, de tal maneira que só lhes é dado permanecer no mesmo lugar e olhar em frente; são incapazes de voltar a cabeça, por causa dos
grilhões; serve-lhes de iluminação um fogo que se queima ao longe, numa eminência, por detrás deles; entre a fogueira e o prisioneiros há um caminho ascendente, ao logo do qual se construiu um pequeno muro, no género do tapumes que os homens dos <<robertos>> colocam diante do público, para mostrarem as suas habilidades por cima deles. (PLATÃO, 514a-b).
Em linhas gerais O Mito da Caverna, descrito no livro VII da obra A
República de Platão, é uma crítica à coletividade que se sujeita ao conformismo,
sobretudo em uma situação precária. Platão narra no decorrer da obra a cena da
peleja de um indivíduo em busca da ascensão para sair dessa situação precária.
Ele chama este ambiente de mundo das aparências. Necessário se faz o
destaque da condição dos homens como escravos acorrentados, que só dispõe
das informações dadas pela sensibilidade da audição e visão e só enxergam
sombras projetadas de coisas e pessoas que estão fora da caverna. Estes
homens prisioneiros são o retrato da humanidade que se conforma com o senso
comum e seguem acreditando em uma ilusão como se verdade fossem. Após o
relato das condições humanas na caverna, Platão discorre sobre duas
possibilidades. Uma demonstra a filosofia, que representa a saída do mundo das
sombras/aparências para a contemplação das coisas reais. A outra mostra a
possibilidade de continuar na caverna, dominado integralmente pela ignorância e
sem outras expectativas além das já postas.
Na ocasião em que o homem sai da caverna outros dois caminhos podem
ser percorridos. Um dos caminhos será contemplar a verdade, apesar das
dificuldades de romper com o conformismo. Neste primeiro momento, a metáfora
da saída da caverna para o mundo exterior representa a saída do que podemos
chamar de senso comum, pois se baseia nas aparências dadas e não nas
convicções pessoais. O individuo que sai da caverna é guiado pela luz da filosofia
vai em busca da verdade e do conhecimento. A saída efetiva da caverna expõe o
sujeito ao esclarecimento de algo antes era conhecido só parcialmente ou
totalmente desconhecido.
Via de regra é gerado um desconforto pelo pensamento de se conhecer
somente ilusões, a ponto de muitos rejeitarem a verdade do mundo das ideias,
fato comum ao habitual nível de conhecimento da maioria das pessoas desde a
época de Platão, especialmente quando o sujeito já tem um pré-conceito sobre
algo. A saída da caverna proporciona o contato com a verdade em absoluta
plenitude, o que para generosa parcela das pessoas é de difícil assimilação, pois
a sensibilidade convence mais que a ideia.
Há outra possibilidade, que relata o caso de alguns prisioneiros que saem,
mas brevemente retornam à caverna, estes representam os indivíduos que não
suportam a verdade, no mito representado pela forte luz do sol. Diante da
dificuldade em se habituar com o mundo externo, ou ainda a falta de coragem de
enfrentar as dificuldades da realidade fora da caverna, acabam por retornar.
Entretanto, os que se aprazem com a saída da caverna, persistiram e com o
tempo adaptam-se a claridade e passam a contemplar a verdade, aos poucos
naturalmente se servirão do conhecimento e da estabilidade do mundo das ideias.
Vejamos:
– Considera pois – continuei – o que aconteceria se eles fossem soltos das cadeias e curados da sua ignorância, a ver-se, regressados à sua natureza, as coisas se passavam deste modo. Logo que alguém soltasse um deles, e o fossassem a endireita-se de repente, a voltar o pescoço, a andar e a olhar para a luz, ao fazer tudo isso, sentiria dor, e o deslumbramento impedi-lo-ia de fixar os objectos cujas sombras via outrora. Que julgas tu que ele diria, se alguém lhe afirmasse que até então ele só vira coisas vãs, ao passo que agora estava mais perto da realidade e via de verdade, voltado para objectos mais reais? E se ainda, mostrando-lhe cada um desses objectos que passavam, o forçassem com perguntas a dizer o que era? Não te paresse que eles se veria em dificuldades e suporia que os objetctos vistos outrora eram mais reais do que os que agora lhe mostravam? – Muito mais – afirmou. – Portanto, se alguém o forçasse a olhar para a própria luz, doer-lhe-iam os olhos e voltar-se-ia, para buscar refúgio junto dos objectos para os quais podia olhar, e julgaria ainda que estes eram na verdade mais nítidos do que os que lhe mostravam? – Seria assim – disse ele. – E se o arrancassem dali à força e o fizessem subir o caminho rude e ingrime, e não o deixassem fugir antes de o arrastarem até à luz do Sol, não seria natural que ele se doesse e agastasse, por ser assim arrastado, e, depois de chegar à luz, com os olhos deslumbrados, nem se quer pudessem ver nada daquilo que agora dizemos serem os verdadeiros objectos? – Não poderia, de facto, pelo menos de repente. (PLATÃO, 515c-516-a).
Esses que optaram em sair da caverna e cumprir o dever moral de retornar
para libertar os outros das correntes da ignorância, abrem precedente para duas
outras situações apresentadas no Mito da Caverna. Uma mostra que alguns
poucos irão buscar a liberdade e a estabilidade do mundo das ideias, contemplar
a verdade e alcançar o conhecimento. E a outra mostra que o liberto que
regressou para salvar os demais será agredido e desacreditado pela maioria dos
outros prisioneiros.
Alguns aspectos contidos no Mito da Caverna merecem análise
aprofundada, dentre estes aspectos a linguagem, condição humana, fases do
conhecimento, dever moral e incompreensão dos prisioneiros serão analisados,
todas com destaque para o apelo ao indivíduo de forma particular.
Durante todo o diálogo Platão se ocupa em convencer seu interlocutor
individualmente e usa dos mais variados artifícios para que a ideia fosse
apreendida individualmente. A linguagem usada no mito da caverna é mítica, ou
seja, baseada em alegorias, que por sua vez é uma comunicação estabelecida
em metáforas, e é sustentada também pelo método socrático de inquirição.
A linguagem mítica é observada desde os primeiros registros da civilização
humana e é usada para explicar a realidade em que a sociedade estava. O mito
vem dizer através de metáforas e analogias a vontade que o filosofo tem de se
fazer entender, alcançando dessa forma inclusive aqueles que não
compreenderiam um texto filosófico.
O mito é uma narrativa, demasiadamente usada pelos povos da Grécia
antiga, onde o objetivo era explicar tudo o mais que fugia da compreensão
humana. As simbologias, personagens sobrenaturais, heróis, deuses e deusas,
explicações de cunho informativo são propriedades do mito, que misturam a
esses aspectos as características humanas.
Fundamental compreender que a metáfora é uma figura de linguagem que
corresponde a uma substituição de um termo por outro através de uma analogia.
Entretanto o sentido literal é a base a partir da qual se criam as metáforas, que
naturalmente instituem um mundo imaginário, em que as palavras funcionam com
base no faz-de-conta. Por fim, a metáfora é uma ferramenta linguística
importantíssima na comunicação humana, pois facilita o acesso do interlocutor a
informação pretendida.
O mito da caverna é mais um exemplo da escrita no estilo filosófico de
Platão, qual seja o diálogo, por meio do qual a dialética fundada na opinião de
mais de uma pessoa (as que compõe o diálogo) encontra terreno para refletir
sobre os mais variados temas. E é comum em suas obras o uso desse gênero
linguístico, além de ser igualmente comum, os vários mitos que eram o meio mais
difundido para compreensão da ideia que se pretendia colocar.
No mito da caverna é possível notar a união do diálogo, que é o gênero
textual mais usado por Platão, com a metáfora, que é um recurso expressivo da
linguagem. É sabido que a dialética platônica é influenciada pelo método de
inquirição socrático e esta relação entre a inquirição socrática e a linguagem
dialética de Platão possui uma relação intrínseca e de impossível dissociação.
Além do caráter pedagógico, a dialética retrata especificamente no Mito da
Caverna um diálogo onde a função mitológica busca organizar a realidade a partir
da experiência sensível do prisioneiro que se liberta das correntes e saí da
caverna – cena marcante descrita no mito da caverna –.
Dentro da linguagem dialética é natural perceber também o método
maiêutico socrático, que genericamente é conhecido como “parto” intelectual,
onde Sócrates conduzia o discípulo por si mesmo a produzir o conhecimento,
usando amplamente a essência pedagógica. Nestes termos, Sócrates se
colocava em uma posição relativamente distante do saber, e por meio deste
método lançava perguntas com intenções a evidenciar o ponto de vista lógico e
psicológico individual do discípulo, para a conclusão sancionada por ele próprio.
Nesse sentido, a dialética do Mito da Caverna segue a maiêutica socrática
onde se busca a verdade das coisas pelas interrogações e através do diálogo se
apurava a verdade pautada na compreensão da realidade pela evidencia logica e
ontológica. Observado o auxílio por meio da linguagem metafórica e dialética que
Platão estende ao interlocutor, que não se confunde com uma condução, posto
que o filósofo usa de toda articulação a viabilizar uma conclusão individual, com
respostas formadas no intimo de cada um.
Esta passagem clássica da filosofia convida a reflexão a partir da natureza
humana com relação a ignorância e a instrução. A nomenclatura dada a
ignorância e a instrução pode variar no vocabulário de cada época e,
consequentemente, autores, porém o sentido permanece o mesmo. O termo
“ignorância” usado por Platão pode sem prejuízo ser entendido por falta de
“esclarecimento” ou mesmo “menoridade” usado séculos depois por Kant no
opúsculo Resposta à pergunta: o que é o esclarecimento?. Logo, a busca pela
escrita fluente permitirá sinônimos de fácil assimilação, que, entretanto, em
essência remetem ao mesmo significado.
Pois bem, dentro do cenário da caverna, a realidade sensível fica a cargo,
principalmente, dos sentidos. Uma realidade restrita na qual os prisioneiros viviam
sob a limitada informação das sombras. Metaforicamente, a maioria dos
indivíduos vivem até hoje em uma sociedade condicionada a ilusão das sombras,
parafraseando Platão se diz que a condição humana dentro da caverna tem
acesso somente ao mundo concreto. Em outras palavras, a realidade sensível da
caverna é limitada a sensibilidade da visão e audição, onde habita o prisioneiro,
que pode ser equiparado ao homem comum atual, que permanece limitado, sem
qualquer reflexão cognitiva sobre mundo dos sentidos, sem questionamentos
sobre a realidade em que vive.
A mera realidade sensível aprisiona e impede que o sujeito busque o
inteligível. De modo que esta realidade é uma infeliz condição onde os
prisioneiros estão acorrentados ao fundo de uma caverna desde a mais terna
infância, sempre de frente a uma parede onde projeções de sombras são as
únicas informações das quais dispõe. Esta condição limita a compreensão das
informações disposta pela percepção sensível, ou seja, visão e audição de
imagens fantasmagóricas da ilusão das sombras projetadas na parede, e
tomavam o espectro pela realidade, de modo que a existência daqueles
prisioneiros era dominada absolutamente pela ignorância.
É relevante destacar que a ignorância é difundida coletivamente, pois na
caverna os prisioneiros são “acorrentados”2 desde a mais terna infância e assim
permanecem, bem como na sociedade em que vivemos atualmente, onde temos
elementos limitadores desde o ensino básica, de onde saem fundamentos para o
preconceito, como exemplo as várias segregações até hoje instituídas por raça e
credo, entre outras. Em contrapartida, não há disponibilização de chaves que
abram as correntes e libertem os prisioneiros, não há um ensino isento que use a
verdade honestamente em todas as etapas do ensino, infantil ao superior.
2 O termo utilizado aqui faz referência ao condicionamento intelectual pelos quais os prisioneiros
são submetidos, ou seja, não havendo espaço para que estes possam pensar de forma autônoma.
Queremos dizer que só existe estimulo para que as pessoas sejam cada vez mais
limitadas, tolhidas em sua capacidade pensante, para que fiquem cada vez mais
acomodadas nas cavernas além de serem reprimidas com medo do desconhecido
existente da fora da caverna. Uma justificativa cabível para o que foi discorrido é
que a natural condição humana da maioria das pessoas, diante da realidade
sensível é limitada e insuficiente para compreensão da realidade do mundo das
ideias. Entretanto, o mundo das ideias é possível de ser alcançado, mas somente
é atingido quando o indivíduo busca pelo conhecimento na área do inteligível.
O inteligível é do domínio da inteligência percebida pela razão. Dessa
forma, o indivíduo inteligente é inclinado para objetividade e percebe através da
razão um universo de conhecimento diante de si. A condição humana dotada de
inteligência não suporta a pesarosa ignorância e busca a liberdade das correntes.
Mas está natureza não é manifesta na maioria dos indivíduos, motivo pelo qual
nem todos os homens desejam ou buscam sair da caverna. Conforme
entendimento de Platão, a condição do filósofo torna possível o cultivo da
sabedoria e a busca pela verdade. Nestes moldes o indivíduo orientado pela
inteligência vive na plenitude da liberdade apto a investigar tudo ao seu redor,
conhecendo formas perfeitas e alcançando consequentemente a ciência e o
conhecimento.
Deste mondo a saída da caverna possibilita que a condição humana se
expanda diante da realidade inteligível da verdade, da ciência e do conhecimento.
Fala-se aqui das propriedades do mundo das ideias, onde a perfeição de formas
geométricas e fórmulas matemáticas são a referência em busca do
aperfeiçoamento do comportamento humano. Aqui se tem a saída da caverna
pelo prisioneiro inquieto que busca o conhecimento para além do mundo
concreto, este indivíduo que contemplará a realidade do mundo das ideias
representa a inquietação do filósofo e faz uso da razão diante da condição
inteligível do homem.
Bem se sabe que o conhecimento é um caminho longo e árduo, pois que
não é simples sair da inércia da ignorância e se lançar ao movimentado mundo do
saber, este ato segue uma ordem estabelecida em três fases disposto no Livro VII
de A República.
A inquietação é primeira fase e acontece, dentro do contexto do mito da
caverna, em um primeiro momento quando o indivíduo sai da caverna e se depara
com as novas e ainda imprecisas imagens do mundo externo, pois que mesmo
que com a vista ofuscada pela forte luz do sol, o indivíduo já começa a trilhar os
primeiros passos entre a ignorância e a sabedoria, a partir daí o indivíduo já
começa a formar uma opinião, o que por si só já denota autonomia. Platão
considera a opinião como algo intermediário entre o conhecimento e a ignorância,
mesmo que ainda no âmbito do conhecimento sensível.
É na formação da opinião que o indivíduo faz as primeiras reflexões sobre
a realidade em que vive, os questionamentos sobre sua condição e a condição
dos outros pode ser o primeiro passo para o mundo das ideias. Deste modo esta
fase habilita o indivíduo para próxima fase do conhecimento, pois que passa a
apresentar as primeiras dúvidas.
O espírito inquiridor é o segundo momento rumo ao conhecimento. Depois
de se ter uma opinião, carente de ainda de ciência, o indivíduo se coloca a
questionar a realidade a fim de não mais se deixar iludir pela realidade sensível
do mundo concreto. É nesta fase que as questões filosóficas se destacam, pois
diante de uma nova realidade onde se contempla uma infinita gama de novas
possibilidades oferecidas pelo mundo das ideias, o pensamento conduz para
terceira e última fase.
Inicialmente, conhecimento se estabelece em uma relação de identidade
com o objeto, em seguida, quando se conhece o objeto é possível investigar a
verdade, o indivíduo a partir de então contempla o bem, o belo e a justiça, que
são ideais morais que regem a sociedade e que serão os meios pelos quais o
filosofo terá condições de governar a cidade, conforme dispõe o mito da caverna.
Ou seja, ao sair da caverna o indivíduo forma uma opinião, passa a questionar o
ambiente em que vivia e traça assim os primeiros passos rumo ao conhecimento,
que sabemos bem é dinâmico e movido sempre por mais e mais
questionamentos.
Sendo a República uma obra com vista, entre outras coisas, a filosofia
política, o indivíduo que sai da caverna e se apropria da verdade, é imbuído pelo
dever de levar a verdade aos que ainda estão aprisionados pelas correntes do
mundo sensível. O conhecimento percebido diante da saída da caverna deve ser
compartilhado com seus semelhantes.
Segundo Platão, o sábio somente tem serventia quando contribui para o
fortalecimento do Estado no cumprimento do dever moral. Ao regressar caverna,
o indivíduo também alcança um dever ético de tentar livrar os demais da visão do
senso comum, do mundo das sombras. Nestes termos, o mito postula que
somente o homem guiado pela luz da verdade, ou seja, que apenas o filósofo –
aquele que saiu da caverna – teria condições e governar a cidade, pois cabe aos
mais instruídos e aos que manifestamente são indiferentes ao poder o governo da
cidade. Dessa forma, o desinteresse que o filósofo tem pelo poder e pelos cargos
públicos, são justamente as razões de ser ele o capacitado para tais cargos,
posto que é o único a perceber o bem, o belo e o justo, como já dito. Depreende-
se aí tese da busca individual pelo conhecimento, pois que somente um, entre
tantos, saí efetivamente da caverna.
Os fatos narrados na alegoria, Platão discorre sobre a hostilização dos
prisioneiros para com o que retornou após ter, individualmente, se livrado das
correntes, contemplado a luz do sol e cumprindo com o dever moral de resgatar
os demais, lhes falando da beleza que existe fora da caverna e o terror de se
conhecer apensas as sombras. Ora, os demais prisioneiros, dotados apenas do
conhecimento sensível e que atribuem toda a verdade somente ao mundo das
sombras, colocarão certamente em dúvida a existência de outro mundo, ainda
mais por ser baseado na realidade inteligível, totalmente desconhecida. Os
prisioneiros não possuem discernimento para usar a razão, tanto que preferem
ridicularizar os relatos do companheiro que conseguiu se libertar. Vejamos a
seguir o pequeno trecho que relata a incompreensão dos prisioneiros:
– E se lhe fosse necessário julgar daquelas sombras em competição com os que tinham estado sempre prisioneiros, no período em que ainda estava ofuscado, antes de adaptar a vista – e o tempo de se habituar não seria pouco – acaso não causaria o risco, e não diriam dele que, por ter subido ao mundo superior, estragara a vista, e que não vaia a pena tentar a ascensão? E a quem tentar-se soltá-los e conduzi-los até cima, se pudessem agarrá-lo e matá-lo, não o matariam? – Matariam, sem dúvida – confirmou ele. – Meu caro Gláucon, este quadro – prosseguiu eu – deve agora aplicar-se a tudo quanto dissemos anteriormente, comparando o
mundo visível através dos olhos à caverna da prisão, e a luz da fogueira que lá existia à força do Sol. Quanto à subida ao mundo superior e à visão do que lá se encontra, se a tomares como a ascensão da alma ao mundo inteligível, não iludirais a minha expectativa, já que é teu desejo conhecê-la. O Deus sabe se ela é verdadeira. Pois, segundo entendo, no limite do cognicivel é que se avista, a custo, a ideia do Bem; e, uma vez avistada, compreende-se que ela é para todos a causa de quanto a de justo e belo; que, no mundo visível, foi ela que criou a luz, da qual é senhora; e que, no mundo inteligível, é ela a senhora da verdade e da inteligência, e que é preciso vê-la para se ser senssato na vida particular e pública. (PLATÃO, 517a-c).
Com isso devemos perceber o desconforto pelo qual o indivíduo que
conhece a verdade suporta quando é obrigado a conviver com os indivíduos ainda
prisioneiros e que se negam a buscar ou mesmo aceitar que há um mundo (das
ideias) fora caverna. O que saiu da caverna e agora conhece a verdade é
incompreendido pelos demais, pois é visto apenas pelos olhos do senso comum,
de uma visão limitada a sensibilidade. Deste modo, para os prisioneiros, o liberto
representa um extravagante individualista, indesejado e inconveniente. Um
agitador das águas calmas da ignorância.
Tudo isso confirma ainda mais ideia de que a saída da caverna é um
movimento individual, pois mesmo que haja quem queira livrar a coletividade do
mundo das sombras, todo esforço é inútil pois que cabe a cada um experimentar
as fases da saída da caverna e construir individualmente o caminho em busca do
conhecimento. Em outras palavras a saída da caverna é individual, tanto que
quem retornou a caverna não consegue livrar os demais, e além disso é
hostilizado.
Nos tempos atuais o Mito da Caverna nos soa contemporâneo, pois não é
difícil visualizar pessoas, inclusive próximas, que se aprazem em viver na
ignorância e se bastam com as sombras, que são ilusões da verdade. Entretanto,
é possível visualizar outras possibilidades além das já narradas no mito, por
exemplo, o prisioneiro que saí da caverna, mas não cumpre com seu dever moral
de retornar para tentar livrar outros prisioneiros das sombras. Platão não
visualizou este indivíduo, mas ele existe nos dias atuais. Ora, vivemos um
momento de isolamento proporcionado pela tecnologia.
Pode ser que o mal-uso da tecnologia seja a caverna de hoje, que limita em
outros termos a coletividade. O isolamento do indivíduo do convívio social real em
detrimento de um convívio em redes sociais virtuais. Temos ou não novas
correntes? Interessante que diante das mesmas possibilidades existem indivíduos
que prosperam e outros que regridem.
Há ainda outras possibilidades de condutas dos indivíduos após a saída da
caverna, que podem ser percebidos ao observar o comportamento humano na
sociedade atual. Entretanto o não cumprimento moral e ético do que sai da
caverna compromete o mérito da sabedoria.
Com base fiel ao que traz a obra em contento, notou-se, em meio a toda
articulação da dialética platônica, onde a inquirição e metáforas foram
fundamentais para assimilação da ideia trazida pelo Mito da Caverna, que a
coletividade mantem o indivíduo aprisionado na caverna e ao senso comum
oferecido pelo mundo sensível, onde tudo gira em um ciclo vicioso onde os
prisioneiros justificam as sombras da ilusão como verdade e pautam todo
conhecimento nestas justificativas limitadas.
Entretanto constitui ainda fundamento no pensamento platônico a
relevância de que cada um se liberte por uma inquietação individual. Platão, por
certo sabendo que a liberdade não é um anseio da maioria das pessoas, muito
embora seja possível a todos se libertarem, pretende desta feita o autor que um
liberto, a saber o filósofo, chegue ao governo da cidade para melhorar a vida em
sociedade. O que nos leva a concluir que é a partir do indivíduo que a sociedade
tem condições de melhorar, neste caso um governante livre do mundo sensível
vai possibilitar, segundo Platão, um governo a construir uma sociedade justa.
Em termos semelhantes Immanuel Kant trata do esclarecimento através do
opúsculo Resposta à Pergunta: O que é o Esclarecimento? e situa um aspecto
semelhante diante de uma situação equivalente, qual seja o impulso individual de
cada um que se percebe limitado de alguma forma e que busca sair de tal
situação. Para tanto este indivíduo se utiliza de suas próprias faculdades para, em
ambos os casos, dá o primeiro passo rumo a autonomia pessoal.
3 ESCLARECIMENTO PARA KANT
Immanuel Kant, nasceu e morreu (1724-1804) em Königsberg, pequena
cidade da então Prússia. Era um homem extremamente metódico e pontual, Kant
não casou e nem teve filhos, dedicou sua vida inteira aos estudos, refletindo e
escrevendo sobre o indivíduo com vistas a sociedade, sempre à procura de
fundamentos últimos, necessários e universais. Estudou no Colégio Fridericianum
e na Universidade de Konigsberg, onde mais tarde passou a ser professor.
(CHAUÍ,1987,p. VII).
Mesmo sem ter saído de sua pequena cidade, Kant esteve em sintonia
com os acontecimentos que marcaram a história da humanidade em sua época,
tanto que poucos anos antes da Revolução Francesa, escreveu, entre outras
obras, a Resposta à pergunta: o que é esclarecimento?, onde, em meio a suas
considerações, teceu uma opinião sobre a revolução. Sabemos que a Revolução
Francesa, pautada no lema “liberdade, igualdade e fraternidade”, colocou um fim
no sistema absolutista e mudou o quadro social e político da época. Kant
testemunhou os acontecimentos revolucionários do período e em seus escritos
discorre a favor da liberdade em termos específicos propriamente kantianos, mas
que não são alvo deste trabalho.
Ao escrever Resposta à pergunta: o que é Esclarecimento?, Kant abre mão
de seu estilo literário acadêmico com vista ao acesso de leitores de uma revista
com uma abrangência que ultrapassava os limites da academia, a Berlinischer
Monatschrifft. Por tanto “[a]ntes de tudo, é importante ter em mente que ele possui
um caráter muito mais publicitário do que acadêmico, [...] além de ser um texto
imbuído de intenção política e com um forte apelo ao público” (KLEIN, 2009, p.
212). De fato, o texto é escrito para reverenciar um monarca, a saber o rei da
Prússia Frederico II, que deu liberdade aos súditos no que tange a matéria
religiosa, permitindo que fizessem uso público de sua própria razão sob aquela
matéria, e argumenta o filósofo da seguinte forma sobre isso:
Pus o ponto central do Iluminismo, a saída do homem da sua menoridade culpada, sobretudo nas coisas de religião, porque em relação às artes e às ciências de nossos governantes não têm interesse algum em exercer a tutela sobre os seus súbditos; por outro lado, a tutela religiosa, além de ser, mais prejudicial, é também a mais desonrosa de todas. Mas de todo modo de pensar de um chefe de Estado, que favorece a primeira, vai ainda mais além e discerne que mesmo no tocante à sua legislação/não há perigo em permitir aos seus súbditos fazer uso público da sua própria razão e expor publicamente ao mundo as suas ideias sobre a sua melhor formulação, inclusive por meio de uma ousada crítica da legislação que já existe; um exemplo brilhante que temos é que nenhum monarca superou aquele que admiramos (KANT, 2013, p. 17, grifo do autor).
Em linhas gerais Resposta à pergunta: que é Esclarecimento? busca
explicar de modo claro como Kant entende os conceitos de esclarecimento,
menoridade, liberdade, uso público e privado da razão. Destas não nos interessa
investigar a fundo somente o uso privado da razão, muito embora mereça ser
comentada e será adiante. Acredita-se que os demais conceitos corroboram para
a investigação proposta.
Possui aspectos e definições relevantes ao tema, por tanto esta obra foi
escolhida para reforçar e refletir sobre o apelo pessoal que é feito ao indivíduo
com vistas a melhoria da sociedade, pois Kant é um filósofo que fortemente visa
sanar problemas da sociedade a partir do indivíduo. Deste modo, temos sobre as
reflexões a construção de conceitos voltados para o entendimento, e visa
compreender o movimento individual com reflexo direto no social adiante
descritos.
Temos dois momentos no texto que nos remete aos conceitos que serão
desenvolvidos, um está logo no primeiro parágrafo, com as seguintes informações
sobre esclarecimento, menoridade e ousadia.
O Iluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria se a sua causa não reside na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem de se servir de si mesmo sem orientação de outrem. Sapere Aude! Tem a coragem de te servires de teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do Iluminosmo (KANT, 2013, p. 09, grifo do autor).
Um pouco adiante, quatro parágrafos a frente, outro está falando sobre
liberdade e uso da razão:
Mas, para esta ilustração, nada mais se exige que a liberdade; e, claro está, a mais inofensiva entre tudo o que se pode chamar liberdade, a saber, a de fazer uso público da sua razão em todos os elementos (KANT, 2013, p. 11, grifo do autor).
Devemos, por tanto, entender primeiramente o que é ousadia, e para isso
uma reflexão e investigação a cerca do texto é fundamental, pois no contexto da
obra, ousadia é ter a coragem necessária para se utilizar do próprio
entendimento. Ousadia que remete a iniciativa, inquietação. Quem se utiliza do
próprio entendimento saí da menoridade, logo, ser menor é não ter ousadia, de
modo que ser ousado significa não ser menor.
O apelo notado quando se clama ao individuo para que seja ousado é
individual, pois que a ousadia é uma característica íntima e pessoal. Que quando
ativa no individuo o leva, segundo o texto, ao esclarecimento. Entretanto há no
opúsculo muito mais informações de como não ser menor, ou seja, de como sair
da menoridade, do que informações de como de como ser ousado. A referência
marcante é feita à menoridade e não à ousadia.
A ousadia individual é colocada como a solução, o caminho, o meio único
para que o indivíduo – e é importante destacar a individualidade com que atua a
ousadia na vida das pessoas – consiga alcançar, ou retomar a liberdade original
por meio de uma responsabilidade assumida e desejada por cada um a partir de
uma iniciativa, que é a ousadia de buscar saber (Sapere Aude).
Nestes termos o esclarecimento, obtido a partir da ousadia, é tratado como
a saída do indivíduo de sua menoridade. Kant dirá que tanto a permanência neste
estado, quanto o movimento que lhe tira dele, é de responsabilidade individual.
Ser menor, em última instancia, é ser voluntariamente dependente de outrem,
sobretudo para pensar. Em outras palavras, o indivíduo que aliena sua
capacidade pensante, seja em termo privado ou público, permanece na
condicionado a menoridade, e consequentemente sujeito as decisões de outras
pessoas.
Sobre a liberdade há uma consideração intrigante, pois Kant relata a
existência de uma liberdade secundária. A liberdade original é a que nasce com o
indivíduo, e a secundária remete exatamente a menoridade. A natureza
secundária soa como se fosse adquirida voluntariamente pelo indivíduo e não
imposta, nos termos do opúsculo, pelo governante.
É, pois, difícil a cada homem desprender-se da menoridade que para ele se tornou/quase uma natureza. Até lhe ganhou amor e é por agora realmente incapaz de se servir do seu próprio entendimento, porque nunca se lhe permitiu fazer uma tal tentativa apenas (KANT, 2013, p. 10).
Há na menoridade um comodismo que permanece mesmo em situações
desfavoráveis ao indivíduo, é como se o comodismo fosse mais forte que o
esclarecimento, conseguindo alcançar o esclarecimento apenas aqueles que são
ousados. Kant incita a ousadia de saber, e macula a ignorância. Diz que ao que
tem coragem de se servir do próprio entendimento este alcançará o
esclarecimento. Por outro lado, atribui a preguiça e a covardia toda comodidade
de ser menor, pois que em troca da liberdade natural, permanecem menores e
outorgantes da própria reflexão, assumindo uma espécie de segunda natureza
limitada e servil, que é paradoxalmente oposta a natureza originária.
Poucos são os que conseguem se livrar dessa condição, pois que a todos
os cantos, até os dias de hoje, existe um esforço do poder público para que a
maioria das pessoas continuem conformadas com situações precárias. Aí nota-se
que há um embate pessoal entre o indivíduo que busca o esclarecimento e a
sociedade dominada pela menoridade. Isso acontece de forma tal que a
menoridade é considerada como uma segunda natureza a ponto da maioria dos
indivíduos não lembrar que a natureza humana é originalmente livre.
Até aqui anotamos a relação da ousadia com a menoridade e da
menoridade com a liberdade; os próximos comentários serão para a relação de
liberdade com o esclarecimento. Pois que o indivíduo é inclinado a conquistar a
sua liberdade, que por tantos preceitos e fórmulas é como se tivesse perdido a
capacidade de raciocinar. Os preconceitos sociais, são desde os tempos mais
remotos, uma limitação do raciocínio. Por serem tidos como preceitos e fórmulas
sociais de absoluta coerência, acabam por conduzirem o pensamento dos mais
acomodados, aqueles que por preguiça ou covardia se colocam menores e
permitem a tutela de outro.
Segundo Kant (2013, p. 10) “[p]receitos e fórmulas, instrumentos
mecânicos do uso racional [...] são os grilhões de uma menoridade perpétua”.
Desta forma, a menoridade é vinculada aos mecanismos destinados ao uso
racional, estes mecanismos são os preceitos e fórmulas, ou seja, são ordens,
regras e normas editadas socialmente como estatuto inquestionável. Estes
entraves (preceitos e fórmulas) limita a reflexão do indivíduo pois garante através
de um preceito a conduta correta. Dessa forma a sociedade enrijece a capacidade
de questionar e se firma em preconceitos sem nunca conhecer a verdade. É como
se os menores não se atualizassem dos fatos e permanecessem usando uma
regra que não serve mais. Tanto é que os preconceitos, frutos dos preceitos e
fórmulas, conduz a menoridade, e somente aos poucos, os indivíduos, tomados
um a um, precisam ousar e pensar autonomamente, para então, sair da
menoridade.
Percebe-se, fundado no texto, que o preconceito é o que corresponde aos
preceitos e fórmulas editadas por normas sociais e é o preconceito que, em última
instância funciona como uma cinta, como grilhões a impedir o livre pensamento
individual. Consequentemente, a sociedade como um todo não tem liberdade para
pensar, o que garante a permanência de todos na menoridade. É como se
preceitos e fórmulas fundados em preconceitos fossem a regra que denigre o
entendimento e impede o esclarecimento, pois conformam os indivíduos os
perpetuando menores. Vale dizer que Kant não assente em nenhum momento
que não se dever seguir as regras, aliás esta é sua principal bandeira, que
precariamente reduzida diz: viva sob o imperativo categórico. E o imperativo
categórico é, ressalvada a importância da filosofia kantiana, uma regra, mas uma
regra usada por indivíduos livres.
Exemplos de menoridade podem ser visualizados dentre as formas de
Estado a menoridade nos moldes do opúsculo acontece principalmente na
Autocracia, onde ou menores outorgam sua responsabilidade pensar a uma só
pessoa; e acontece também na Aristocracia, que consiste na outorga da
responsabilidade a um grupo de pessoas. Em ambas as situações não há
liberdade e consequentemente também não há esclarecimento aos outorgantes.
Ora, se o indivíduo cede a outra pessoa o uso da própria capacidade de
refletir, necessariamente a razão deste indivíduo será manipulada, e não mais
fará o uso de seu entendimento, consequentemente de sua razão. Tem-se então
o sério comprometimento do esclarecimento, posto que a liberdade de refletir foi
cedida, e sem liberdade não há de se falar em esclarecimento
Kant incita individualmente para que se tenha a ousadia de sair da
menoridade afim de ser livre para pensar e se auto esclarecer. Tanto que o
individuo precisa necessariamente estar livre da opinião dos outros para
conseguir formar sua própria opinião e assim se tornar esclarecido.
A recapitulação de Keinert (2010) sobre o pensamento kantiano refletido
por outros filósofos é relevante para compreensão de um projeto crítico e político
com base na autonomia e esclarecimento – tema de seu artigo –, sendo possível
afirmar que o pensamento kantiano e sua filosofia é sim refletido na sociedade.
Em outras palavras, caso se imagine um caminho a ser percorrido rumo a uma
sociedade justa – expectativa presente desde as primeiras reflexões filosóficas –
o esclarecimento seria o primeiro passo.
O esclarecimento é a abertura para outras possibilidades, é o feixe de luz
que os libertos dos preceitos e fórmulas alcançam, ou é ainda a característica
daquele que não admitiu a segunda natureza, a da menoridade. É fácil entender
que qualquer sujeito livre é esclarecido, segundo o pensamento kantiano o
esclarecimento não exige nada a mais que a liberdade, ou seja, conforme nossa
natureza original o indivíduo nasceu com nas condições de ser esclarecido e
consequentemente capaz de fazer uso publico da razão. Aliás o uso público da
razão é inseparável do esclarecimento. Diz Kant:
Por toda a parte se depara com a restrição de liberdade [de fato]. Mas qual é a restrição que se opõe ao iluminismo? Qual a restrição que não o impede, mas antes o fomenta? Respondo: o uso público da própria razão deve sempre ser livre e só ele pode levar a cabo a ilustração/entre os homens (KANT, 2013, p. 11-12, grifo do autor).
Por uso público da razão, conforme o pensamento kantiano, deve-se
entender que é o que os indivíduos esclarecidos fazem enquanto sábios para o
conjunto do público que lê, ou seja, é a manifestação do uso público se dá
somente através de escritos destinados ao público letrado. Compreendido que o
uso público da razão se dá ao ato da escrita dos esclarecidos sobre suas opiniões
ou ainda convicções aos letrados, chama-se atenção que mais uma vez é um
individuo que se destina a escrever manifestando seu raciocínio. Que é um
movimento individual em favor ao esclarecimento e, por conseguinte favorece o
uso público da razão. Por fim uma reflexão conclusiva.
Se, por um lado, o esclarecimento se constitui como um movimento vinculado com a noção de sabedoria e, por outro, relaciona-se estreitamente com a possibilidade do uso público da razão, então, juntando-se esses dois elementos, chega-se a conclusão de que o esclarecimento exige um uso público da razão que ao mesmo tempo garanta a possibilidade e a promoção do esclarecimento moral dos indivíduos. (KLEIN, 2009, p. 222).
Entretanto, Kant tece definições sobre o uso privado da razão, que em
poucas palavras pode ser entendido como o estrito cumprimento da sua função,
ou seja, ao profissional que exerce uma função é permitido que aliene seu
raciocínio desde que seja em nome da profissão. Mas a este profissional é
permitido, caso seja esclarecido, a escrever ao público letrado sobre seus
conhecimentos, incluindo aí opiniões contrárias ao exercício de sua função. É
como se houvesse momentos para obedecer e outros para pensar.
Por um instante, se a menoridade for ignorada, é possível perceber que os
indivíduos a partir de então são capazes de ver, perceber, pensar e refletir sobre
outras possibilidades, são inclusive capazes de criar novas possibilidades, pois
que estão livres para pensar e agir conforme seus próprios entendimentos e mais,
os difundir por meio do uso público da razão.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, temos a partir do estudo realizado a compreensão de que tanto
Kant, quanto Platão falam igualmente da inquietação do indivíduo em busca o
conhecimento, um pela saída da caverna, outro pela busca ao esclarecimento.
Evidentemente, que necessário se faz guardar as devidas proporções no tocante
ao perfil de cada filósofo, igualmente importante considerar que foram obras
escritas em momentos diferentes da história. De toda sorte ambos tratam da
natureza humana e concluem de forma semelhante quanto as impressões em
busca do conhecimento.
Algumas reflexões são analogicamente parecidas ao se analisar no Livro
VII de A República e no opúsculo Resposta à pergunta: O que é Esclarecimento?,
a começar pelo aspecto que guiou a pesquisa, qual seja a inquietação individual
em buscar do conhecimento e da verdade. Enquanto Platão fala em correntes
individuais e prisão coletiva, Kant define menoridade cuja saída é a ousadia
individual – Sapere Aude – para não se submeter a tutela de outrem. Ambos
convergem para a ideia do pensamento individual, sem tutelas alheias e com o
compromisso da escolha livre. Enquanto Kant estimula a ousadia, Platão foca no
prisioneiro que rompe com as correntes. Em outras palavras a ousadia de Kant é
o rompimento das correntes de Platão.
A contemplação da luz do sol, que ofusca por instantes a visão do então
liberto das correntes – que por uma vida esteve nas sombras – é o início do
esclarecimento. A luminosidade do sol de Platão é o esclarecimento de Kant.
Sabemos que o ofuscamento pela luz do sol é inevitável, mas é natural que a
visão se habitue e possa contemplar as belezas do mundo fora da caverna. Da
mesma forma o esclarecimento é indispensável para que o indivíduo venha
exercer o uso público da razão. Em um comparativo afim de equiparar as
situações colocadas, uma em cada escrito, é possível visualizar que o
ofuscamento inicial do sol para só depois ter a nítida visão, conforme o Mito da
Caverna, é equivalente ao esclarecimento para só depois ser possível o uso
público da razão, de acordo com o opúsculo.
Ainda refletindo sobre os aspectos equitativos das duas obras em analise,
há um ponto relevante que tange com relação ao uso razão e a volta do liberto
para salvar os outros prisioneiros. Platão atribui um feitio moral ao liberto que
volta a caverna para tentar salvar os demais que permaneceram acorrentados,
muito embora os prisioneiros optaram pela comodidade da caverna. Já Kant
dignifica a o uso público da razão através da escrita sobre o assunto a que se
deseja opinar desde que seja direcionado aos demais, não é forçoso pensar que
que o uso público da razão em Kant é equivalente ao retorno do prisioneiro a
caverna de Platão. Em ambos, o movimento remete ao resgate. O indivíduo que
se livrou das correntes e o que alcançou o esclarecimento, se dispuseram a tentar
resgatar os demais.
REFERÊNCIAS CHAUÍ, Marilena de Souza. Kant: vida e obra. In: KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Trad. Valério Rohden; Udo Baldur Moosburger. 3. ed. São Paulo: Nova Cultura, 1987 (Os Pensadores). KANT, Immanuel. A Paz Perpétua e Outros Opúsculos. Trad. Artur Mourão. Lisboa: Edições 70, 2013. KEINERT, Maurício Cardoso. Autonomia e esclarecimento: o projeto crítico enquanto projeto político. Dois pontos, Curitiba, São Carlos, v. 7, n. 2, p. 127-139, out. 2010. KLEIN, Joel Thiago. A Resposta Kantiana à Pergunta: que é esclarecimento? Etic@, Florianópolis v. 8, n. 2, p. 211-227, dez. 2009. MOURA, Heronides. Vamos pensar em metáforas? Editora Unisinos, 2012 (Coleção Aldus 36). PLATÃO. A República. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. 13. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012. SCHIAPPA, Maria Tereza Schiappa de Azevedo. Da maiêutica socrática à maiêutica platônica. Humanitas. Coimbra. Disponível em: <http://www.uc.pt/fluc/eclassicos/publicacoes/ficheiros/humanitas55/15_Azevedo.pdf>. Acesso em: 07 maio 2015. ZINGANO, Marco. Platão e Aristóteles: o fascínio da filosofia. 2. ed. São Paulo: Odysseus Editora, 2005.