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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
Caracterização de aspectos da cognição social, habilidades sociais e funções
executivas de crianças diagnosticadas com Transtorno Autista e Transtorno de
Asperger
Samantha Santos de Albuquerque Maranhão
Natal
2014
Samantha Santos de Albuquerque Maranhão
Caracterização de aspectos da cognição social, habilidades sociais e funções
executivas de crianças diagnosticadas com Transtorno Autista e Transtorno de
Asperger
Dissertação elaborada sob orientação da
Profª. Drª. Izabel Hazin e apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre e Psicologia.
Natal
2014
3
Agradecimentos
À Nossa Senhora, por sempre iluminar e abençoar meus passos;
Aos meus pais, meu porto seguro, cujo imenso apoio fez valer cada segundo desse
percurso;
Ao meu marido, cujo imenso apoio e experiência no âmbito acadêmico trouxeram
contribuições importantes para o delineamento da dissertação;
A minha orientadora Izabel Hazin pela competência e profissionalismo com que conduziu
este trabalho, sem, no entanto, esquecer-se da delicadeza, do incentivo e do carinho que
permeiam as relações entre sujeitos;
Aos colegas do Laboratório de Pesquisa e Extensão em Neuropsicologia (LAPEN),
especialmente as integrantes Artemis de Paula e Priscila Magualhães com quem compartilhei
momentos árduos e de conquistas deste percurso;
Aos meus amigos de graduação, em especial Miliana Galvão, Nívia Andrade e Rafaele
Pinheiro. Antes mesmo de ingressar na Pós-graduação em Psicologia, compartilhávamos
angústias e sonhos;
As crianças participantes e pais pela disponibilidade e convivência durante os meses de
realização do estudo;
Ao Núcleo de Atendimento Neuropsicológico Infantil Interdisciplinar (NANI), pela ajuda
com a correção dos questionários do Child Behavior Checklist (CBCL), em especial à
professora Cláudia Berlim de Mello e à André Luiz Sousa;
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela
concessão da bolsa de estudos e pelo apoio e incentivo à pesquisa.
4
Sumário
Lista de Tabelas ......................................................................................................................... 6
Lista de Figuras .......................................................................................................................... 9
Lista de Siglas e Abreviaturas .................................................................................................. 12
RESUMO ................................................................................................................................. 13
ABSTRACT ............................................................................................................................. 14
Considerações iniciais:............................................................................................................. 15
Capítulo 1: O Autismo e o percurso histórico do conceito diagnóstico .................................. 21
Capítulo 2: O perfil neuropsicológico do Transtorno Autista e Transtorno de Asperger . 34
Capítulo 3: A defectologia de Vygotsky e reflexões sobre o conceito diagnóstico do Autismo
.................................................................................................................................................. 57
Capítulo 4: Neuropsicologia – fragmentos históricos e premissas de base ............................. 60
Capítulo 5: A neuropsicologia de Luria (1902-1977) .......................................................... 64
Capítulo 6: A neuropsicologia de Luria e contribuições para o delineamento do desenho
metodológico da dissertação em vigor ..................................................................................... 68
Objetivos: ................................................................................................................................. 73
Método: .................................................................................................................................... 74
Resultados: ............................................................................................................................... 90
Criança 1 – Pseudônimo Andy – Transtorno Autista: ............................................................. 90
Criança 2 – Pseudônimo Cauê – Transtorno Autista ............................................................. 113
Criança 3 – Pseudônimo Amy Rose – Transtorno Autista: ................................................... 133
Criança 4 – Pseudônimo Jake – Transtorno de Asperger: ..................................................... 154
5
Criança 5 – Pseudônimo Hugo – Transtorno de Asperger: ................................................... 174
Criança 6 – Pseudônimo Max – Transtorno de Asperger: ..................................................... 195
Discussão: .............................................................................................................................. 217
Considerações finais: ............................................................................................................. 242
Referências bibliográficas:..................................................................................................... 244
Anexos ................................................................................................................................... 256
6
Lista de Tabelas
Tabela 1: características das crianças avaliadas ....................................................................... 74
Tabela 2: instrumentos utilizados ............................................................................................ 76
Tabela 3: domínios cognitivos e testes do NEPSY-II utilizados na pesquisa .......................... 86
Tabela 4: resultados quantitativos de Andy no MPCR .......................................................... 101
Tabela 5: resultados quantitativos de Andy na prova de atenção auditiva e conjunto de
respostas (NEPSY-II)............................................................................................................. 102
Tabela 6: resultados quantitativos de Andy na prova Classificando Animais (NEPSY-II) .. 103
Tabela 7: resultados quantitativos de Andy na prova Fluência de Desenhos (NEPSY-II) .... 103
Tabela 8: resultados quantitativos de Andy na prova Inibindo Resposta (NEPSY-II) .......... 103
Tabela 9: resultados quantitativos de Andy na prova Relógios (NEPSY-II)......................... 104
Tabela 10: resultados quantitativos de Andy na prova Teoria da Mente (NEPSY-II) .......... 109
Tabela 11: resultados quantitativos do Cauê no MPCR ........................................................ 123
Tabela 12: resultados quantitativos do Cauê na prova de atenção auditiva e conjunto de
respostas (NEPSY-II)............................................................................................................. 125
Tabela 13: resultados quantitativos do Cauê na prova Classificando Aninais (NEPSY-II) .. 125
Tabela 14: resultados quantitativos do Cauê na prova Fluência de Desenhos (NEPSY-II) .. 126
Tabela 15: resultados quantitativos do Cauê na prova Inibindo Resposta (NEPSY-II) ........ 126
Tabela 16: resultados quantitativos do Cauê na prova Relógios (NEPSY-II) ....................... 127
Tabela 17: resultados quantitativos do Cauê na prova Teoria da Mente (NEPSY-II) ........... 131
Tabela 18: resultados quantitativos da Amy no MPCR ......................................................... 142
Tabela 19: resultados quantitativos da Amy na prova Atenção Auditiva e Conjunto de
Respostas (NEPSY-II) ........................................................................................................... 144
Tabela 20: resultados quantitativos da Amy na prova Classificando Animais (NEPSY-II) . 144
7
Tabela 21: resultados quantitativos da Amy na prova Fluência de Desenhos (NEPSY-II) ... 145
Tabela 22: resultados quantitativos da Amy na prova Inibindo Resposta (NEPSY-II) ......... 145
Tabela 23: resultados quantitativos da Amy na prova Relógios (NEPSY-II) ....................... 146
Tabela 24: resultados quantitativos da Amy na prova Teoria da Mente (NEPSY-II) ........... 151
Tabela 25: resultados quantitativos do Jake no MPCR ......................................................... 162
Tabela 26: resultados quantitativos do Jake na prova Atenção Auditiva e Conjunto de
Respostas (NEPSY-II) ........................................................................................................... 164
Tabela 27: resultados quantitativos do Jake na prova Classificando Animais (NEPSY-II) .. 164
Tabela 28: resultados quantitativos do Jake na prova Fluência de Desenhos (NEPSY-II) ... 164
Tabela 29: resultados quantitativos do Jake na prova Inibindo Resposta (NEPSY-II) ......... 165
Tabela 30: resultados quantitativos do Jake na prova Relógios (NEPSY-II) ........................ 166
Tabela 31: resultados quantitativos do Jake na IMHSC-Del-Prette (Perfil Geral) ................ 169
Tabela 32: resultados quantitativos do Jake na IMHSC-Del-Prette (Indicadores e Reações)
................................................................................................................................................ 169
Tabela 33: resultados quantitativos do Jake na IMHSC-Del-Prette (Indicadores e Reações –
subescalas) ............................................................................................................................. 169
Tabela 34: resultados quantitativos do Jake na IMHSC-Del-Prette (Indicadores e Reações –
valor de cada item) ................................................................................................................. 171
Tabela 35: resultados quantitativos do Jake na prova Teoria da Mente (NEPSY-II) ............ 171
Tabela 36: resultados quantitativos do Hugo no MPCR ........................................................ 183
Tabela 37: resultados quantitativos do Hugo na prova Atenção Auditiva e Conjunto de
Respostas (NEPSY-II) ........................................................................................................... 184
Tabela 38: resultados quantitativos do Hugo no Classificando Animais .............................. 184
Tabela 39: resultados quantitativos do Hugo na prova Fluência de Desenhos (NEPSY-II) . 185
Tabela 40: resultados quantitativos do Hugo na prova Inibindo Respostas (NEPSY-II) ...... 185
8
Tabela 41: resultados quantitativos do Hugo na prova Relógios (NEPSY-II) ...................... 186
Tabela 42: resultados quantitativos de Hugo no IMHSC-Del-Prette – Perfil Geral .............. 189
Tabela 43: resultados quantitativos do Hugo no IMHSC-Del-Prette – Indicadores e Reações
................................................................................................................................................ 189
Tabela 44: resultados quantitativos do Hugo no IMHSC-Del-Prette – Indicadores e Reações,
subescalas ............................................................................................................................... 189
Tabela 45: resultados quantitativos do Hugo no IMHSC-Del-Prette – Indicadores e Reações,
valor de cada item .................................................................................................................. 191
Tabela 46: resultados quantitativos do Hugo na prova Teoria da Mente (NEPSY-II) .......... 192
Tabela 47: resultados quantitativos do Max no MPCR ......................................................... 204
Tabela 48: resultados quantitativos do Max na prova Atenção Auditiva e Conjunto de
Respostas (NEPSY-II) ........................................................................................................... 205
Tabela 49: resultados quantitativos do Max na prova Classificando Animais (NEPSY-II) .. 206
Tabela 50: resultados quantitativos do Max na prova Fluência de Desenhos (NEPSY-II) ... 206
Tabela 51: resultados quantitativos do Max na prova Inibindo Respostas (NEPSY-II)........ 206
Tabela 52: resultados quantitativos do Max na prova Relógios (NEPSY-II) ........................ 207
Tabela 53: quantitativos na prova Teoria da Mente (NEPSY-II) .......................................... 214
9
Lista de Figuras
Figura 1: Hans Asperger em atendimento clínico.................................................................... 25
Figura 2: Diagrama de Luria .................................................................................................... 70
Figura 3: exemplo de um problema do MPCR série Ab .......................................................... 78
Figura 4: exemplo do teste teoria da mente, tarefa contextual ................................................ 83
Figura 5: extrato do desenho figurativo produzido por Andy.................................................. 95
Figura 6: desenho com tema “Eu e minha família”, produzido por Andy ............................... 95
Figura 7: resultado do Andy na Escala de Competências Sociais (CBCL) ............................. 97
Figura 8: resultado do Andy na Escala de Síndromes (CBCL) ............................................... 98
Figura 9: resultado do Andy na Escala de Problemas Totais (CBCL) .................................... 99
Figura 10: resultado do Andy na Escala Orientada pelo DSM-IV (CBCL) .......................... 100
Figura 11: extrato do teste Fluência de Desenhos (NEPSY-II), parte estruturara, produzido
por Andy ................................................................................................................................ 106
Figura 12: extrato do teste Fluência de Desenhos (NESPY-II), parte aleatória, produzido por
Andy ....................................................................................................................................... 106
Figura 13: extrato do teste Relógios (NEPSY-II), item 1, produzido por Andy ................... 107
Figura 14: extrato do teste Relógios (NEPSY-II), itens 9 e 10, produzido por Andy ........... 108
Figura 15: desenho história do Cauê com tema “Eu e minha família” .................................. 116
Figura 16: desenho história do Cauê com tema “Eu e minha escola” ................................... 117
Figura 17: resultado do Cauê na Escala de Competências Sociais (CBCL) .......................... 119
Figura 18: resultado do Cauê na Escala de Síndromes (CBCL) ............................................ 120
Figura 19: resultado do Cauê na Escala de Problemas Totais (CBCL) ................................. 121
Figura 20: resultado do Cauê na Escala Orientada pelo DSM-IV (CBCL) ........................... 122
10
Figura 21: extrato do item 8, série B, respondido por Cauê no MPCR ................................. 124
Figura 22: extrato dos itens 1 e 2 (teste Relógios, NEPSY-II) produzido por Cauê – horários
de 3h e 11:10h ........................................................................................................................ 129
Figura 23: dos itens 3 e 4 (teste Relógios, NEPSY-II) produzido por Cauê ......................... 130
Figura 24: extrato dos itens 9 e 10 (teste Relógios, NEPSY-II) produzido por Cauê ........... 130
Figura 25: desenho história da Amy com o tema "Eu e minha família" ................................ 137
Figura 26: desenho história da Amy com o tema "Eu e minha escola" ................................. 138
Figura 27: resultado da Amy na Escala de Competências Sociais (CBCL) .......................... 139
Figura 28: resultado da Amy na Escala de Síndromes (CBCL) ............................................ 140
Figura 29: resultado da Amy na Escala de Problemas Totais (CBCL) .................................. 140
Figura 30: resultado da Amy na Escala de Orientada pelo DSM-IV (CBCL) ....................... 142
Figura 31: extrato do teste Fluência de Desenho, parte estruturada, produzido por Amy ..... 148
Figura 32: extrato do teste Relógios, item 2, produzido por Amy – horário 11:10 ............... 149
Figura 33: extrato do teste Relógios, itens 3 e 4, produzido por Amy .................................. 150
Figura 34: extrato do teste Relógios, itens 9 e 10, produzido por Amy ................................ 151
Figura 35: resultado do Jake na Escala de Competências Sociais (CBCL) ........................... 158
Figura 36: resultado do Jake na Escala de Síndromes (CBCL) ............................................. 159
Figura 37: resultado do Jake na Escala de Problemas Totais (CBCL) .................................. 160
Figura 38: resultado do Jake na Escala Orientada pelo DSM-IV (CBCL) ............................ 162
Figura 39: extrato do item 1, teste Relógios (NEPSY-II), produzido por Jake – horário 3h . 168
Figura 40: desenho livro produzido por Jake, animal ............................................................ 168
Figura 41: desenho livro produzido por Jake, Angry Birds ................................................... 169
Figura 42: desenho do Hugo com tema “Eu e minha escola”................................................ 177
Figura 43: desenho do Hugo com tema “Eu e minha família” .............................................. 178
Figura 44: resultado do Hugo na Escala de Competências Sociais ....................................... 180
11
Figura 45: resultado do Hugo na Escala de Síndromes ......................................................... 181
Figura 46: resultado do Hugo na Escala de Problemas Totais (CBCL) ................................ 181
Figura 47: resultado do Hugo na Escala Orientada pelo DSM-IV (CBCL) .......................... 182
Figura 48: extrato do teste Relógios (NEPSY-II), item 2, produzido por Hugo ................... 188
Figura 49: extrato do teste Relógios (NEPSY-II), itens 9 e 10, produzido por Hugo ........... 189
Figura 50: desenho história do Max sobre o tema "Eu e minha família" .............................. 198
Figura 51: resultado do Max na Escala de Competências Sociais (CBCL) ........................... 201
Figura 52: resultado do Max na Escala de Síndromes (CBCL) ............................................. 202
Figura 53: resultado do Max na Escala de Problemas Totais (CBCL) .................................. 202
Figura 54: resultado do Max na Escala Orientada pelo DSM-IV(CBCL) ............................. 203
Figura 55: extrato do Max referente aos itens 9 e 10 do teste Relógios (NEPSY-II) ............ 210
Figura 56: parágrafo produzido pelo Max sobre o tema “Eu e minha escola” ...................... 211
12
Lista de Siglas e Abreviaturas
CID Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde
CBCL Child Behavior Checklist
DSM Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
DSM-IV-TR Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – 4ª edição revisada
DSM-V Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – 5ª edição
IMHSC-Del-Prette Inventário Multimídia de Habilidades Sociais para Crianças
MPCR Matrizes Progressivas Coloridas de Raven
NEPSY-II A Developmental Neuropsychological Assessment – 2ª edição
TA Transtorno de Asperger
TEA Transtorno do Espectro do Autismo
TGD Transtorno Global do Desenvolvimento
SEPA Serviço de Psicologia Aplicada da UFRN
13
Resumo
O ano de 2013 marca o 70º aniversário da descrição clássica de Leo Kanner sobre o Autismo.
Em 1994, na quarta edição do Manual Diagnostico e Estatístico de Transtornos Mentais
(DSM), o autismo foi incluído em uma nova classe diagnóstica denominada Transtornos
Globais do Desenvolvimento (TGD), os quais incluem: o Transtorno Autista, Transtorno de
Rett, Transtorno Desintegrativo da Infância, Transtorno Global do Desenvolvimento sem
outra especificação e o Transtorno de Asperger. O DSM apresenta critérios bem específicos
que diferenciam os TGD, no entanto, estudos médicos discutem se o Transtorno de Asperger
(TA) compõe o Transtorno Autista, ou se é qualitativamente distinto. Discute-se a reduzida
validação empírica dos critérios diagnósticos concernentes ao TA. Nessa perspectiva, o DSM
ganhou uma quinta e polêmica revisão no ano de 2013. A polêmica mudança centra-se na
substituição de uma análise diagnóstica categorial para uma abordagem dimensional, a qual
evidencia que a maior parte dos problemas psicopatológicos da infância e adolescência
manifesta-se em um contínuo de frequência e intensidade. Diante da mudança na quinta
edição do DSM, o presente estudo deparou-se com a problemática identificada no âmbito
clínico e científico, qual seja, a heterogeneidade sintomática presente no espectro autista e,
por conseguinte, as dissonâncias no estabelecimento de características clínicas e
neuropsicológicas do espectro. Amparado pelo legado teórico de Luria, buscou-se clarificar o
perfil da cognição social, comportamento, sócio afetividade e funções executivas em crianças
com diagnóstico de Transtorno Autista e Transtorno de Asperger, conforme critérios
estabelecidos pelo quarta edição revisada do DSM. Para operacionalização dos objetivos
propostos, propôs-se estudo multicasos de seis crianças. O processo avaliativo foi composto
por anamnese com os pais, entrevista com a escola e protocolo avaliativo composto por
tarefas qualitativas e instrumentos psicométricos. A avaliação neuropsicológica realizada foi
guiada pela análise clínica-processual, conforme pressuposto teórico de Luria. No tocante aos
resultados, foi possível identificar dificuldades nos relacionamentos sociais e no cotidiano
escolar das crianças avaliadas. De modo interdependente, falhas na teoria da mente, nas
funções executivas e na linguagem versam como principais fragilidades neuropsicológicas
dos grupos clínicos vigentes, notadamente do grupo que compõe o Transtorno Autista. Os
resultados encontrados demonstram que a cognição social e a habilidade social estão
altamente relacionadas. Ainda que se reconheçam as limitações inerentes à proposição de
pesquisas neuropsicológicas de vertente clínica/sócio histórica, acredita-se que o desenho
metodológico possibilitou compreender características neuropsicológicas das crianças
avaliadas, sem limitar-se à mera descrição. Espera-se que pais, profissionais clínicos e
instituições sociais, como a escola, compreendam a forma de individuação do TGD,
antes de classificarem ou proporem tratamentos as crianças.
Palavras-chave: Psicologia Sócio Histórica, Luria, Espectro Autista, Avaliação
Neuropsicológica
14
Abstract
The year 2013 marks the 70th anniversary of the classic description by Leo Kanner on
Autism. In 1994, the fourth edition of the Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders (DSM), the autism was included in a new diagnostic class called Pervasive
Developmental Disorders (PDD), which include: Autistic Disorder, Rett's Disorder,
Childhood Disintegrative Disorder, Pervasive Developmental Disorder not otherwise
specified and Asperger's Disorder. The DSM has very specific criteria that differentiate IGT,
however, medical studies discuss whether Asperger's Disorder (TA) consists Autistic
Disorder, or if it is qualitatively distinct. Discusses the reduced empirical validation of
diagnoses pertaining to the TA. In this perspective, the fifth DSM won a controversial
revision in 2013. The controversial change focuses on the replacement of a categorical
diagnostic analysis for a dimensional approach, which shows that most of the
psychopathological problems of childhood and adolescence manifested in a continuum of
frequency and intensity. Given the change in the fifth edition of the DSM, the present study
was faced with the problems identified in the clinical and scientific scope, ie, symptomatic
heterogeneity present in the autistic spectrum and, therefore, the dissonances in establishing
clinical and neuropsychological characteristics spectrum. Upheld by the theoretical legacy of
Luria, we sought to clarify the profile of social cognition, behavior, social affection and
executive functions in children diagnosed with Autistic Disorder and Asperger's Disorder,
according to criteria established by the revised fourth edition of the DSM. Although they
acknowledge the limitations inherent in the proposition of clinical neuropsychological
research strand / historical partner, it is believed that the study design allowed us to
understand neuropsychological characteristics, without limiting himself to the mere
description. For operationalization of the proposed objectives, we proposed multi-case study
of six children. The evaluation process consisted of anamnesis with parents, interviews with
school and evaluative protocol using qualitative tasks and psychometric instruments.
Neuropsychological validation was performed guided by clinical-procedural analysis as
theoretical assumption of Luria. Regarding the results, it was possible to identify difficulties
in social relationships and in everyday school life of children assessed. Versam main
neuropsychological weaknesses in existing clinical groups, especially the group that makes
up Autistic Disorder. The results show that social cognition and social skills are highly
related. It is hoped that parents, clinicians and social institutions such as school, understand
how the individuation of TGD before classifying children or propose treatments.
Keywords: Historical-Cultural Psychology, Luria, Autistic Spectrum, Neuropsychological
Assessment
15
Considerações iniciais:
Quem pode traçar, em um arco-íris, uma linha que marca o fim do tom violeta e o
começo do tom laranja? A diferença de cor é muito clara, mas quem pode dizer qual o lugar
exato em que um se torna o outro? (Melville, 1891, p. 233).
O ano de 2013 marca o 70º aniversário da descrição clássica de Leo Kanner sobre o
Autismo. Os nomes “autismo” e “autista” derivam do grego “autos”, que significa eu/self. O
termo “autismo” foi utilizado pela primeira vez em 1911, quando Eugen Bleuler o
empregou para descrever uma característica específica da esquizofrenia, segundo a qual
um indivíduo se recolheria do mundo exterior para se refugiar em si mesmo (Frith, 2003;
Pacheco, 2012; Sicile-Kira, 2003).
Baseado na esquizofrenia descrita por Bleuler, em 1943, o chefe do serviço de psiquiatria
infantil do Johns Hopkins Hospital de Baltimore, Leo Kanner, publicou artigo intitulado “Os
distúrbios autísticos do contato afetivo”. Ele descreveu onze crianças, cujo distúrbio
patognomônico seria “a incapacidade de se relacionarem de maneira normal com pessoas e
situações, desde o princípio de suas vidas” (Kanner, 1943, p. 242).
Durante a década de 1970, tornou-se claro que o autismo era uma condição distinta da
esquizofrenia, com forte componentes genéticos e neurobiológicos. Na época, o extenso
trabalho empírico visando à construção e validação de critérios diagnósticos explícitos
resultou na descrição do autismo na terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais - DSM (Volkmar, Reichow, & McPartland, 2012).
Tanto na primeira (1952) quanto na segunda (1968) edição do DSM, os termos "autismo"
e "autista" designavam comportamentos típicos da esquizofrenia. Em 1980, a terceira edição
do manual introduziu o termo “Autismo Infantil”. Já em 1994, na quarta edição do DSM, o
16
autismo foi incluído em uma nova classe diagnóstica denominada Transtornos Globais do
Desenvolvimento (TGD), os quais incluem: o Transtorno Autista, Transtorno de Rett,
Transtorno Desintegrativo da Infância, Transtorno Global do Desenvolvimento sem outra
especificação e o Transtorno de Asperger (APA, 1994).
Desde então, o Transtorno de Asperger (TA) emerge como categoria diagnóstica dos
TGD. A congruência dos critérios clínicos com o CID-10 desencadeou uma explosão de
publicações científicas (350 em 1993 para mais de 2100 em 2011), sem perder de vista o
crescente interesse pelo estudo do TA. Kite, Gullifer and Tyson (2013) informam que, até o
início de 2012, havia no Google mais de 9¹/² milhões de tópicos sobre o TA (Mahjouri &
Lord, 2012; Volkmar, 2013; Volkmar & Reichow, 2013).
Rutter (2005) ressalta a ampliação do diagnóstico do autismo nos últimos quarenta anos.
Esta mudança ocorreu não pela determinação de características sintomatológicas de um único
distúrbio, mas pela introdução da ideia de um espectro, conhecido como Autism Spectrum
Disorder (ASD), ou Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).
Nesta perspectiva, o DSM ganhou uma quinta e polêmica revisão no ano de 2013. A
polêmica mudança centra-se na substituição de uma análise diagnóstica categorial para uma
abordagem dimensional, a qual evidencia que a maior parte dos problemas psicopatológicos
da infância e adolescência manifesta-se em um continuum de frequência e intensidade. Assim
como Melville (1891) discute os nuances nas delimitações das cores do arco-íris, a
abordagem dimensional leva à reflexão do modo pelo qual será possível discernir os nuances
de grupos clínicos e, consequentemente, as repercussões para a sociedade.
A abordagem dimensional do DSM-V propõe evidenciar um continuum de frequência e
intensidade de características clínicas autistas. Conforme Rutter (2011), a mudança está
relacionada à constituição diagnóstica do espectro autista, cuja caracterização clínica
17
contínua substitui a atual diferenciação diagnóstica dos Transtornos Globais do
Desenvolvimento (DSM-IV).
Desde a década de 1940, descrições clínicas dos TGD esbarram-se na heterogeneidade
sintomática. O acervo histórico demonstra que, de modo independente, Kanner (1943) e
Asperger (1944) apresentaram denominações homônimas para descrições peculiares de
crianças em faixa etárias aproximadas. Enquanto o pediatra austríaco com interesse em
educação especial, Hans Asperger, denominou suas descrições como “psicopatia autística”;
Kanner (1943) as denominou de “distúrbio autístico inato do contato afetivo” (Editorial Brain
and Cognition, 2006; E. Salle, Sukiennik, A. Salle, Onófrio, & Zuchi, 2005; Montero, 2009;
Sanders, 2009; Schwartzman, Orsati, & Macedo, 2008).
Ambos descreveram pacientes com alterações do comportamento, da linguagem e das
habilidades cognitivas imprescindíveis para aprendizagem e interação social, porém, as
tentativas iniciais de comparar as duas condições foram difíceis devido às grandes diferenças
nos pacientes descritos. A conceitualização de Asperger foi influenciada pelos relatos de
esquizofrenia e de transtornos de personalidade, ao passo que Kanner foi influenciado pelo
trabalho de Arnold Gesell e sua abordagem de desenvolvimento (Editorial Brain and
Cognition, 2006; E. Salle et al., 2005; Frith, 2004; Klin, 2006; Klin, Pauls, Schultz, &
Volkmar, 2005; Montero, 2009; Sanders, 2009).
O DSM-IV e CID-10 apresentam critérios bem específicos que diferenciam os
Transtornos Globais/Invasivos do Desenvolvimento; bem como há definição consensual para
o Transtorno de Asperger (TA). No entanto, estudos médicos discutem se o TA compõe o
Transtorno Autista, ou se é qualitativamente distinto. Discute-se a reduzida validação
empírica dos critérios diagnósticos concernentes ao TA (Editorial Brain and Cognition, 2006;
Frith, 2004; Klin, 2006; Klin et al., 2005; Leão & Aguiar, 2005; Montero, 2009; Sanders,
2009; Schnur, 2005; Schwartzman et al., 2008; Planche & Lemonnier, 2012).
18
Diante da mudança no DSM-V, o presente estudo depara-se com a problemática
identificada no âmbito clínico e científico, qual seja, a heterogeneidade sintomática presente
no espectro autista e, por conseguinte, as dissonâncias no estabelecimento de características
clínicas e neuropsicológicas do espectro (Assumpção, 2005; Carmargos, 2005; Editorial
Brain and Cognition, 2006; Frith, 2004; Klin, 2006; Klin et al., 2005; Sanders, 2009; Schnur,
2005; Schwartzman et al., 2008; Planche & Lemonnier, 2012).
Isto posto, o presente estudo teve como objetivo avaliar aspectos da cognição social,
habilidades sociais e funções executivas de crianças com diagnóstico de Transtorno Autista e
Transtorno de Asperger, conforme os critérios estabelecidos pela quarta edição revisada do
DSM (DSM-IV-TR).
De acordo com Sasson, Nowlin and Pinkham (2013) a cognição social denota processos
cognitivos que mediam experiências sociais. Trata-se da decodificação, processamento e
interpretação de informações sociais associadas, por exemplo, a linguagem corporal,
reconhecimento de faces, reconhecimento de emoções e teoria da mente.
A cognição social entrelaça-se com capacidade de inferir representações mentais em
estreita relação com a linguagem, reconhecimento de emoções e funções executivas,
notadamente quando exigidos dentro de um contexto dinâmico pautado em relações sociais
(Baron-Cohen, 1995).
Por sua vez, entende-se por habilidades sociais um conjunto de habilidades interpessoais
que aumentam a eficácia de um indivíduo em situações sociais. Constituem comportamentos
sociais habilidosos ou não habilidosos. Níveis elevados de habilidades sociais levam ao maior
sucesso no relacionamento com os colegas e ambientes acadêmicos, ao passo que déficits de
habilidades sociais têm sido associados a uma série de comportamentos mal adaptativos
(Lamont & Horn, 2013).
19
Sasson e colaboradores (2013) demonstraram que a cognição social e a habilidade social
estão altamente correlacionadas. Déficits em habilidades associadas à cognição social
(reconhecimento de emoções e teoria da mente, por exemplo) constituem significativa
contribuição para a baixa qualidade das habilidades sociais de indivíduos inseridos no
espectro autista. Eles ainda ratificam Baron-Cohen (1995) ao relevar que tal correlação não
depende do desempenho intelectivo.
Destarte, amparado pelo legado teórico de Luria e Vygotsky, buscou-se clarificar
aspectos da cognição social, das habilidades sociais e funções executivas característicos do
Transtorno Autista e do Transtorno de Asperger. Ainda que se reconheçam as limitações
inerentes à proposição de pesquisas neuropsicológicas de vertente clínica/sócio histórica,
acredita-se que o desenho metodológico possibilitou compreender características
neuropsicológicas, sem limitar-se à mera descrição.
Posteriormente, avançou-se para análises explicativas, que tentaram abarcar a
complexidade do fenômeno investigado a partir da utilização de um sistema nervoso
conceitual, cuja perspectiva processual e dialógica norteará possíveis integrações do
desenvolvimento individual com particularidades do contexto sócio-histórico-cultural
(Akhutina & Pylaeva, 2011; Freitas, 2002; Haase et al., 2008; Hazin et al., 2010).
Destaca-se a importância deste estudo para profissionais, familiares e indivíduos
diagnosticados com Transtorno Autista ou Transtorno de Asperger (DSM-IV-TR). Acredita-
se que a apresentação dos pontos fortes, fracos e característicos dos transtornos citados
favoreça o delineamento de intervenções clínicas, sob as quais há a preocupação de dissociar
a gravidade do sintoma do comprometimento funcional; sem perder de vista considerações
acerca das potencialidades que o indivíduo possui para exercer, ou lapidar, sua participação
em atividades cotidianas (Novelli & Canon, 2012).
20
Como parte complementar, espera-se que a presente pesquisa também tenha contribuído
para problematizar os critérios clínicos vigentes no DSM-V para o diagnóstico do Transtorno
do Espectro do Autismo.
Almeja-se que os resultados obtidos por este estudo constituam massa crítica importante
para proposição de discussões nacionais acerca da sensibilidade e especificidade do DSM-IV-
TR e DSM-V; sobretudo em virtude da atual polêmica diante à eliminação da distinção entre
Transtorno Autista e Transtorno de Asperger para diagnóstico do Transtorno do Espectro do
Autismo.
21
Capítulo 1: O Autismo e o percurso histórico do conceito diagnóstico
A apreciação da história permite visualizar o processo de descoberta e aprimoramento das
características comportamentais congruentes ao autismo. Relatos de crianças com
características comportamentais consonantes ao que atualmente denomina-se espectro autista
advêm dos primórdios da civilização escrita (Rosenberg, 2011).
Os contos de fada, antes de ser a antítese do real, compõem a forma de interpretar a
realidade. No início do século XVII, há a identificação de contos de fada europeus e chineses
que remetem histórias homônimas de enfants fadas (The changeling) – crianças, comumente
do sexo masculino, raptadas por fadas ou gnomos. Nesses contos, a criança é raptada e
substituída por outra idêntica fisicamente, porém, oposta no modo de ser e estar no mundo.
Tal rapto ocorreria quando a criança ainda era pequena e a mãe não o notaria imediatamente.
Com decorrer do tempo, ela estranharia, pois a criança deixaria de ser afetiva e passaria a
ignorá-la (Rosenberg, 2011).
Em 1801, foi encontrado nos boques de Caune, na região de Aveyron (França), um
menino de 11 a 12 anos de idade que andava nu em meio aos lobos com os quais vivia. Aos
cuidados do médico Jean Marc Itard, o menino recebeu o nome de Victor de Aveyron
(L‘enfant sauvage), cujas descrições clínicas assemelham-se a um caso típico do Transtorno
Autista (DSM-IV-TR), bem como faz valer a discussão sobre a importância da linguagem
para a constituição da subjetividade do ser humano.
Em 1809, John Haslam publicou suas “observações sobre a loucura e a melancolia”
(idem). Neste livro há a descrição de casos clínicos sobre crianças, dentre os quais destaca-se
o caso de W.H. – menino de aproximadamente 7 anos de idade que começou a falar após o
quarto ano de vida e, aos 5 anos, falava como se tivesse de 2 a 3 anos de idade. W.H. se
mantinha distante das crianças de sua idade; não brincava com elas; e apresentava ecolalia
22
tardia a respeito de seus soldados de chumbo. No livro em questão, Haslam (1809) também
se refere a uma criança agressiva e incontrolável que rasgava roupas, quebrava todos os
objetos que lhe eram apresentados e se opunha a comer. Conforme o autor, esta criança agia
como se fosse surda e de forma opositora.
Em 1832, Anselm Ritter Von Feuerbach relata o caso de Kaspar Hauser, intitulado “crime
na alma de um homem” (idem). O autor descreve com objetividade o estranho
comportamento de Kaspar – menino de aproximadamente 16 anos de idade que vivera em um
porão isolado sem contato verbal com outros indivíduos. Segundo descrições de Feuerbach
(1832), Kaspar não conseguia estabelecer diálogo por longo período de tempo, mas repetia a
frase: “quero ser um cavaleiro como meu pai”.
Nos primórdios da psiquiatria, na virada do século XVIII para o XIX, o diagnóstico de
“idiotia” embasava o campo da psicopatologia de crianças e adolescentes. A idiotia pode ser
considerada a condição clínica precursora, não só da atual deficiência intelectiva, mas
também das psicoses infantis, da esquizofrenia infantil e do Transtorno do Espectro do
Autismo – DSM-V (Bercherie, 2001).
A partir do século XX, os psiquiatras passam a destacar as particularidades do que
denominaram “demências precoces e precocíssimas” (idem). Pode-se considerar que as
primeiras descrições de psicoses especificamente infantis incluíram a dementia precocissima,
pelo italiano De Sanctis, em 1906 e 1908, e a dementia infantilis pelo austríaco Heller, em
1908. Ambas tendo como referência a dementia praecox do alemão Emil Kraepelin (Kanner,
1971; Wing, 1997).
Em 1911, o psiquiatra suíço Eugen Bleuler apresentou e discutiu seis casos clínicos
denominados de esquizofrenia infantil, nos quais os sintomas emergiam antes da puberdade,
assim como incluíam alterações no comportamento, falta de conexão emocional e ausência de
integração com o ambiente. Eugen Bleuler empregou o termo autismo para descrever uma
23
característica específica da esquizofrenia, segundo a qual um indivíduo se recolheria do
mundo exterior para se refugiar em si mesmo.
Baseado na esquizofrenia descrita por Bleuler, em 1943, o chefe do serviço de psiquiatria
infantil do Johns Hopkins Hospital de Baltimore, Leo Kanner, publicou artigo intitulado “Os
distúrbios autísticos do contato afetivo”. Ele descreveu onze crianças, cujo distúrbio
patognomônico seria “a incapacidade de se relacionarem de maneira normal com pessoas e
situações, desde o princípio de suas vidas” (Kanner, 1943, p. 242).
Tais crianças eram descritas como apresentando “isolamento autístico extremo” (idem).
Ao catalogar relatos dos pais dessas crianças, Kanner concluiu que, desde os primeiros anos
de vida, elas negligenciam, ignoram ou recusam o contato com o ambiente. As mães
comumente recordavam que o filho não apresentara atitude corporal antecipatória, ou seja,
não inclinara o rosto nem movera os ombros antes de ser levado ao colo. De modo geral, os
problemas na aquisição da fala costumavam retratar os primeiros sinais inequívocos de que
algo estava errado (Kanner, 1943).
A linguagem verbal não tinha função comunicativa. Há descrição de reunião de palavras
sem ordenação e aparentemente sem sentido, ou de repetições de informações decoradas,
como listas de animais, presidentes ou trechos de poemas. As crianças também tinham
dificuldades em generalizar conceitos, tendendo a usá-los de modo literal e associados ao
contexto no qual foram ouvidos pela primeira vez. Até os cinco ou seis anos de idade,
apresentavam ecolalia e não usavam o pronome ‘eu’ para se referirem a si mesmas. Para
manifestarem um desejo ou aquiescência repetiam, com a mesma entonação, a frase ou
pergunta que haviam escutado de outrem (Kanner, 1943).
Segundo Kanner (1943), tudo que vinha do exterior era experimentado por essas crianças
como uma “intrusão assustadora” (ibidem), o que explicava não só a tendência a ignorar o
que lhes era perguntado, mas também a recusa de alimentos e o desespero provocado por
24
barulhos fortes ou objetos em movimento. Os ruídos ou movimentos repetidos produzidos
por elas próprias, entretanto, não eram acompanhados de manifestações de desespero. Kanner
(1943) descreveu um “desejo obsessivo e ansioso pela manutenção da uniformidade”
(ibidem), levando à preferência por tudo que se mostrava repetitivo, rotineiro e esquemático.
Havia sempre uma boa relação com os objetos, especialmente aqueles que não
modificavam sua aparência e posição. As relações com as pessoas, por outro lado, estavam
gravemente perturbadas. Por vezes, se dirigia a partes do corpo dos outros, com o objetivo de
retirar um pé ou um braço que funcionava como obstáculo ao que queria alcançar. Não
olhavam os outros no rosto. Aparentemente não se interessavam pelo que os adultos
conversavam.
Todavia, no decorrer do artigo, Kanner (1943) contrapunha-se sobre as origens do quadro
clínico. Defendia uma “incapacidade inata de estabelecer o contato afetivo habitual e
biologicamente previsto com as pessoas, exatamente como as outras crianças vêm ao mundo
com deficiências físicas ou intelectuais inatas” (ibidem). Por outro lado, sugeriu que os
problemas dos filhos teriam alguma articulação com a personalidade dos pais e o tipo de
relações precoces estabelecidas entre eles e a criança.
Um ano após a publicação de Kanner, o pediatra austríaco, Hans Asperger (1906-1980),
junto com colaboradores do Hospital Universitário Infantil de Viena, desenvolveu ambicioso
programa de reabilitação pautado na terapia da linguagem, da representação teatral e da
educação física. Asperger (1944) seguiu o termo “Autismo” sugerido por Bleuler e publicou
trabalho intitulado “die autistischen psichopathen im kindersalter” (psicopatia autística
infantil, também discutida como personalidade autista na infância). A partir de observações
clínicas de quatro crianças, Asperger (1944) indicou grupo clínico, cujo acentuado
isolamento social despertou atenção para a necessidade de proposições em educação especial
(Asperger, 1944; Montero, 2009).
25
Asperger (1944) acreditava que as proposições em educação especial deveriam embasar-
se em um planejamento adequado, norteado pelo conhecimento profundo da condição clínica.
Para tanto, ele descreveu crianças que demonstraram problemas de integração social e
comunicação não-verbal (tanto gestos, como tom afetivo de voz), associada à
comunicação verbal idiossincrática, qual seja, inclinação para o uso de fala prolixa em
monólogo; tendência ao formalismo (como se fossem “pequenos professores”) e
intelectualização das emoções. Segundo o pediatra austríaco, essas crianças eram retraídas ou
alheias; possuíam interesses incomuns e circunscritos, inabilidade de explicar e predizer
comportamentos de outras pessoas, bem como histórico de aquisição atrasada de habilidades
motoras em contraponto ao não atraso clinicamente importante na aquisição da linguagem
(Asperger, 1944; Frith, 2004; Klin, 2006; Klin, Volkmar, & Sparrow, 2000).
Asperger salientou a natureza familiar da condição e, inclusive, sugeriu a hipótese de
transmissão dos traços de personalidade ligada ao sexo masculino. Ele observou que tais
crianças possuíam melhor desempenho escolar, quando guiadas por seus próprios interesses
especiais e quando havia utilização de métodos pedagógicos mais objetivos (Asperger, 1994;
Frith, 2004).
Figura 1: Hans Asperger em atendimento clínico
26
Apesar das contribuições relevantes, o trabalho de Hans Asperger ganhou visibilidade no
mundo anglófono quase quarenta anos depois, quando a psiquiatra inglesa Lorna Wing
publicou trabalho intitulado “Asperger’s Syndrome” (Wing, 1981).
Wing and Gould (1979) organizaram observações sistemáticas de casos clínicos com
sintomas similares descritos por Asperger. Ainda que os critérios de validação tenham sido
dissonantes ao trabalho do pediatra austríaco, o estudo inseriu o conceito de espectro autista e
despertou, na comunidade científica internacional, o interesse em desenvolver estudos
comparativos atrelando as contribuições de Kanner (1943) e Asperger (1944).
O trabalho original de Hans Asperger foi traduzido para o inglês por Uta Frith (1991). A
tradução literal permitiu compreender que tanto os conceitos de Kanner, quanto Asperger
diferem do conceito clínico de esquizofrenia, bem como permitiu clarificar pontos comuns e
divergentes entre as contribuições dos dois teóricos.
Durante o período da década de 1990 e, início do século XXI, estudos médicos discutem
se o Transtorno de Asperger (TA) compõe o Transtorno Autista, ou se é qualitativamente
distinto. Discute-se a reduzida validação empírica dos critérios diagnósticos concernentes ao
TA. Estudos genéticos reforçam a discussão ao apontar a expressividade clínica variável do
Transtorno Autista – o mesmo genótipo pode produzir fenótipos de maior ou menor
gravidade, dificultando, portanto, procedimentos de diagnóstico-padrão robustos e, por
conseguinte, prognóstico e intervenção apropriados ao TA (Frith, 2004; Klin, 2006; Klin et
al., 2005; Schwartzman et al., 2008).
Convém ressaltar um elemento a mais neste debate acerca das dificuldades de
caracterização dos sintomas clínicos diferenciadores das duas condições clínicas supracitadas.
Em 1970, Elizabeth Newson referiu-se a pessoas autistas mais capazes e, a partir da década
de 80, surgiu o termo Autismo de Alto-funcionamento (AAF) para designar uma forma de
Transtorno Autista sem deficiência intelectiva, mas com claro atraso ou impacto na aquisição
27
da linguagem em estágios iniciais do desenvolvimento (Klin et al., 1995; Nydén et al., 1999;
Planche & Lemonnier, 2012).
Diante à problematização, a quinta versão do DSM (DSM-V), lançada em 2013, entra em
vigor com a denominação Transtornos do Espectro Autista (TEA). Tal perspectiva propõe
evidenciar um continuum de frequência e intensidade de características clínicas autistas. A
partir de então, a constituição diagnóstica será pautada na caracterização clínica contínua do
espectro, a qual substitui a atual categorização diagnóstica dos Transtornos Globais do
Desenvolvimento – TGD (DSM-IV-TR).
Estudos recentes evidenciam prevalência do diagnóstico de Transtorno Autista, a partir
dos critérios do DSM-IV-TR, aproximado a 4.1/10.000 indivíduos, ao passo que o
diagnosticado do Transtorno do Espectro do Autismo, critérios do DSM-V, aproxima-se de
70/10.000 indivíduos (Mahjouri & Lord, 2012).
No Brasil, estima-se 2 milhões de Autistas, 80% deles sem diagnóstico. Se forem
utilizados os critérios descritos no DSM-IV, edição revisada (DSM-IV-TR), há prevalência
de 1:2000 para o Transtorno Autista e, quando associado ao Transtorno de Asperger, tal
prevalência praticamente dobra (Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República, 2012).
Um dos primeiros estudos internacionais sobre os novos critérios clínicos para o TEA
revela que, aproximadamente, 80% dos casos clínicos inseridos nos TGD não atendem aos
critérios diagnósticos para o TEA. Destes, 75% correspondem ao Transtorno de Asperger
(Mahjouri & Lord, 2012; Volkmar, 2013).
Especialistas temem que a eliminação da diferenciação entre Transtorno Autista e
Transtorno de Asperger prejudique a investigação de casos clínicos: “O risco é que os
pacientes sejam classificados com uma rotulação patológica muitas vezes equivocada”, alerta
a psicóloga Cristina Keiko (dezembro, 2012).
28
Em contraponto, Williams et al. (2008) realizou pesquisa documental com 466
prontuários registrados por profissionais da saúde, destes 348 casos relevantes para análise
dos TGD. A pesquisa revela que 44% das crianças atendem aos critérios diagnósticos do
Transtorno de Asperger, ou do TGD sem outra especificação; mas estão diagnosticadas com
Transtorno Autista.
Wilkinson (2012) defende que os critérios para o Transtorno de Asperger são
consistentes, quando há consenso entre profissionais especializados e capacitados para
diferencia-los dentre os subtipos de funcionamento cognitivo mais elevado do Transtorno
Autista.
Estudos científicos especializados estão em vigor a fim de discutir critérios clínicos
passíveis de distinguir o Autismo de Alto-funcionamento do Transtorno de Asperger (Klin,
Volkmar, Sparrow, Cicchetti, & Rourke, 1995; Nydén, Gillberg, Hjelmquist, & Heiman,
1999; Planche & Lemonnier, 2012).
Planche and Lemonnier (2012) realizaram estudo empírico transversal, cujo objetivo foi
investigar se crianças com Transtorno de Asperger possuem perfil cognitivo diferente do de
crianças com Autismo de Alto-funcionamento. Para tanto, avaliaram trinta crianças, sendo
quinze com diagnóstico de Transtorno de Asperger e quinze com Autismo de Alto-
funcionamento. Dentre os instrumentos de pesquisa, utilizaram a terceira edição da escala
Wechsler de inteligência para crianças (WISC-III).
A discussão do estudo põe em xeque à similaridade do perfil neuropsicológico ao
apresentar diferença significativa entre o perfil cognitivo do Transtorno de Asperger e do
Autismo de Alto-funcionamento. Identificaram que, apesar de não apresentarem diferença
significativa no desempenho intelectivo global, os grupos clínicos divergem nos domínios
verbal e não-verbal. Enquanto o grupo do Transtorno de Asperger apresentou desempenho
29
intelectivo verbal maior do que o não-verbal, o grupo com Autismo de Alto-funcionamento
contrapõe-se.
Na análise dos subtestes que compõem o domínio verbal da WISC-III (Informação,
Semelhanças, Aritmética, Vocabulário, Compreensão e Dígitos), o grupo clínico do
Transtorno de Asperger destaca-se nos subtestes Informações, Compreensão e Aritmética.
Tal resultado legitima a inexistência de atraso clinicamente importante na linguagem, uma
vez que a execução das tarefas pressupõe o desenvolvimento da linguagem verbal.
Em contrapartida, o grupo clínico com Autismo de Alto-funcionamento possui baixo
desempenho no domínio verbal, porque, segundo os pesquisadores, as crianças desse grupo
adquirem linguagem funcional – a partir de certa idade cronológica, elas adquirem expressão
verbal, mas a dificuldade na habilidade de compreensão verbal persiste.
Planche and Lemonnier (2012) constataram que o grupo clínico com Autismo de Alto-
funcionamento destaca-se no domínio não-verbal da WISC-III. Tal grupo clínico possui forte
habilidade cognitiva na percepção visual; processamento simultâneo de estímulos
visoespaciais; forte habilidade na capacidade de organização e síntese perceptual; bem como
formação de conceito por raciocínio visoespacial.
O grupo clínico com Transtorno de Asperger e o com Autismo de Alto-funcionamento
aproximam-se no tocante a dificuldades em habilidades motoras. Embora dificuldades
motoras raramente tenham sido operacionalmente definidas ou descritas de forma
sistemática, Klin e colaboradores (1995; 2006) reforçam déficits em habilidades motoras
amplas e finas, notadamente no grupo com Transtorno de Asperger, cujas dificuldades
repercutem na falta de jeito motor, comumente caracterizada clinicamente.
Planche and Lemonnier (2012) defendem que crianças com quadro clínico de Autismo de
Alto-funcionamento podem tornar-se semelhante ao Transtorno de Asperger na vida adulta,
especialmente quando desenvolvem habilidades de linguagem fluente.
30
Klin e colaboradores (1995) também investigaram a validade clínica do Transtorno de
Asperger, comparando os perfis neuropsicológicos dessa condição clínica com o do Autismo
de Alto-funcionamento. Para tanto, seguiram procedimento diagnóstico rigoroso a partir dos
critérios clínicos definidos pela CID-10. Os grupos de pesquisa tinham idades compatíveis e
distribuição controlada do desempenho intelectivo.
Os resultados indicaram diferença significativa em onze funções neuropsicológicas entre
o Transtorno de Asperger e o Autismo de Alto-funcionamento. Segundo a pesquisa, enquanto
o grupo com Transtorno de Asperger possui desempenho intelectivo maior no domínio
verbal, o grupo com Autismo de Alto-funcionamento possui desempenho intelectivo maior
no domínio não-verbal.
Frith (2004) afirma a necessidade de esclarecer a natureza do Transtorno de Asperger
(TA), a partir o curso desenvolvimental do transtorno. Em média, o conjunto de sintomas
característico do TA aparece muito mais tarde do que no Autismo de Alto-funcionamento.
Howlin and Ashgarian (1999) verificaram que a idade média para diagnóstico de Autismo de
Alto-funcionamento foi de aproximadamente cinco anos e cinco meses, enquanto o TA foi
diagnosticado por volta dos onze anos de idade.
Ambos os grupos reconheciam anormalidades no âmbito das interações sociais, todavia,
pais e professores de crianças com TA eram menos propensos a preocupações intensas, em
virtude das habilidades verbais preservadas (Frith, 2004).
Stichter, O’Connor, Herzog, Lierheimer and McGhee (2012) destacam que o Transtorno
de Asperger e o Autismo de Alto-funcionamento convergem em déficits qualitativos nas
habilidades sociais e emocionais. Em ambos os grupos clínicos há comprometimento
qualitativo em habilidades sociais, ou seja, na habilidade de se engajar em interações sociais,
sucessivamente e independentemente; estabelecer e manter relações com os outros; bem
como entender necessidades e desejos dentro de um contexto.
31
Por outro lado, Klin e colaboradores (1995) ressaltaram a diferenciação clínica entre o
Transtorno de Asperger (TA) e Autismo de Alto-funcionamento, na medida em que
pontuaram similaridades do perfil neuropsicológico do Transtorno de Asperger com o
Transtorno Não-Verbal de Aprendizagem (TNVA).
O TNVA constitui-se por alterações cognitivas decorrentes do comprometimento da
substância branca e do hemisfério direito. Acredita-se que o comprometimento do hemisfério
direito é condição necessária, enquanto o comprometimento da substância branca é condição
suficiente para a ocorrência das manifestações do TNVA. O transtorno é caracterizado por
dificuldades específicas de aprendizagem decorrentes de déficits cognitivos que envolvem
habilidades como psicomotricidade; processamento visoespacial; caligrafia; prosódia e
pragmática; aritmética; exploração do ambiente e adaptação à novidade (Haase et al., 2005).
A denominação TNVA e sua caracterização sindrômica são derivadas dos estudos do
neuropsicólogo Byron Rourke, da Universidade de Windsor, Canadá. Não existem estudos
populacionais sobre a prevalência do TNVA, mas estima-se que as crianças com transtornos
de aprendizagem correspondam a 10% da população em idade escolar.
O principal motivo de encaminhamento no TNVA são as dificuldades de aprendizagem,
as quais constituem um enigma para os educadores e profissionais de saúde. As dificuldades
visoespaciais, de comportamento e de socialização são frequentemente observadas e relatadas
pelos pais e educadores. Pode haver história prévia de dificuldades de desenvolvimento na
primeira infância, inclusive, atraso na aquisição da linguagem com posterior compensação.
As crianças com TNVA comumente são descritas como tímidas, ingênuas e sem malícia.
Apresentam dificuldades para compreender os aspectos implícitos na interação social e na
linguagem, principalmente a linguagem metafórica, a ironia e o sarcasmo. Todavia, é
imperativo frisar que o perfil neuropsicológico do Transtorno Asperger aproxima-se do
32
TNVA, mas distancia-se ao se investigar o curso clínico e a etiologia dos quadros em questão
(Planche & Lemonnier, 2012).
Enquanto no TNVA as alterações cognitivas são decorrentes do comprometimento da
substância branca e do hemisfério direito; a etiologia do Transtorno de Asperger (TA) ainda é
desconhecida. O diagnóstico do TA é predominantemente clínico e baseado em critérios
definidos pelo CID-10 e/ou DSM-IV-TR, ao passo que o TNVA não se insere nos manuais
classificatórios de transtornos mentais. Asperger (1944) notou predisposição familiar na
natureza das características, com um padrão masculino de transmissão, em contraponto, o
TNVA possui características clínicas atreladas a quadros lesionais ou disfuncionais no
hemisfério direito (Foster & King, 2003; Leão & Aguiar, 2005; Rinehart, Bradshaw,
Brereton, & Tonge, 2002; Schwartzman et al., 2008).
Apesar dos estudos científicos elucidados, Dra. Francesca Happé (2011), colaboradora do
DSM-V para proposição dos critérios do Transtorno do Espectro do Autismo, declarou que,
até o momento, não há robustas pesquisas capazes de evidenciar a distinção diagnóstica entre
Autismo e Asperger. A revisão de literatura desenhada por ela indica proporção de 1:5
estudos que evidenciam diferença significativa entre o Transtorno Autista e Transtorno de
Asperger (Editorial J Psychiatry, 2013).
A decisão de eliminar a distinção entre Transtorno Autista e Transtorno de Asperger
desencadeou discussões no âmbito sociocultural. Muitas pessoas diagnosticadas com
Transtorno de Asperger não se denominam autistas. Para além de uma concepção
psiquiátrica, o grupo clínico em vigor comumente se designa “Aspie”: grupo sociocultural
implicado com um modo de ser e estar no mundo qualitativamente diferente (observar
websites como: aspieweb.net, wrongplanet.net, ou aspieworld.net).
Kite et al. (2013) preocupam-se com o possível estigma social para com o grupo “Aspie”.
Eles analisaram respostas de questionários, estruturados na escala Likert, as quais reuniam a
33
opinião de 547 profissionais sobre a possível diluição do diagnóstico Transtorno de Asperger
no Transtorno do Espectro do Autismo. Destes, aproximadamente metade demonstrou
insatisfação com a mudança; 22% apoiaram, enquanto 28% manifestaram incerteza.
A maioria dos profissionais insatisfeitos com a mudança compõe a área da saúde e da
educação. Eles argumentam o impacto da alteração sobre a percepção do Transtorno Autista e
Asperger. Para eles, são conceitos diagnósticos diferentes sob os quais subjaz características
clínicas dissonantes e, por conseguinte, necessidades interventivas diferenciadas. Ademais,
eles defendem que o termo Autismo tem um impacto maior sobre o indivíduo e a família do
que o termo Asperger. Segundo Kite et al. (2013), comumente há pior estigma social para
com aqueles denominados autistas.
Em contrapartida, os profissionais defensores da mudança argumentam que o conceito de
Transtorno do Espectro do Autismo torna-se condição sine qua non para eliminar percepções
tendenciosas entre rótulos de Autistas e Asperges. Ademais, eles defendem que a nova
proposição diagnóstica introduz descrições clínicas detalhadas, passíveis de aferir níveis de
gravidade dentro do espectro.
Em suma, do percurso histórico do conceito diagnóstico do autismo parece emergir
desconcertos e fascinação em torno do termo variabilidade. Há variabilidade nas taxas de
prevalência, variabilidade entre os diagnósticos médicos e intervenções educacionais;
variabilidade em pesquisas que buscam entender a sensibilidade e especificidade das edições
classificatórias imbricadas com o diagnóstico clínico do autismo (Mahjouri & Lord, 2012).
É factível perceber que o percurso histórico está imbricado com um universo imbuído de
fascinantes peculiaridades. Para além de esforços taxonômicos, o autismo e seu percurso
histórico refletem a intrigante complexidade e sofisticação de um ser humano atravessado por
um transtorno do desenvolvimento.
34
Capítulo 2: O perfil neuropsicológico do Transtorno Autista e Transtorno de
Asperger
Conforme exposto anteriormente, a quarta edição do DSM inseriu o autismo em uma
nova classe diagnóstica denominada Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD), os
quais incluem: o Transtorno Autista, Transtorno de Asperger, Transtorno de Rett, Transtorno
Desintegrativo da Infância e o Transtorno Global do Desenvolvimento sem outra
especificação (APA, 1994).
Para o diagnóstico de Transtorno Autista exige-se presença de comprometimento
qualitativo da interação social, comunicação, assim como padrões restritos e repetitivos de
comportamento, interesses e atividades. Indivíduos que atendem ao diagnóstico têm total de
seis (ou mais) características clínicas, sendo pelo menos duas no critério de interação social,
uma no de comunicação, bem como uma no de padrões restritos e repetitivos de
comportamento, interesses e atividades. Ademais, deve-se apresentar atrasos ou
funcionamento anormal em pelo menos uma das seguintes áreas, com início antes dos 3 anos
de idade: 1) interação social, 2) linguagem para fins de comunicação social ou 3) jogos
imaginativos ou simbólicos (APA, 2002).
O diagnóstico do Transtorno de Asperger abarca comprometimento qualitativo da
interação social e no desenvolvimento de padrões restritos e repetitivos de comportamento,
interesses e atividades. Em contraste com o Transtorno Autista, não há atrasos ou desvios
clinicamente significativos na aquisição da linguagem, embora aspectos mais sutis de
comunicação social possam ser afetados. Ademais, durante os 3 primeiros anos de vida, não
ocorrem atrasos clinicamente significativos no desenvolvimento cognitivo, o que, por
conseguinte, desencadeia curiosidade normal diante do ambiente ou na aquisição de
habilidades de aprendizagem e comportamentos adaptativos próprios da idade (APA, 2002).
35
Em contraponto ao Transtorno de Asperger, o Transtorno de Rett caracteriza-se por um
grave comprometimento no desenvolvimento da linguagem expressiva e receptiva. Descrito
por Rett em 1966, através de estudo com gêmeas univitelinas, o transtorno caracteriza-se pelo
desenvolvimento de múltiplos déficits específicos, após um período de funcionamento
normal durante os primeiros anos de vida. Após o período de desenvolvimento normal há
desaceleração do crescimento cefálico, perda de habilidades manuais voluntárias, perda do
envolvimento social no início do transtorno e incoordenação da marcha ou movimentos do
tronco. O Rett tem sido diagnosticado apenas no sexo feminino e está tipicamente associado
com deficiência cognitiva grave ou profunda. A etiologia genética específica foi determinada
(APA, 2012; Volkmar et al., 2012).
O Transtorno Desintegrativo da Infância, também denominado síndrome de Heller
(1908), constitui-se por um prolongado período de desenvolvimento típico (normalmente 3
ou 4 anos) seguido de deterioração drástica no desenvolvimento da comunicação verbal e
não-verbal, relacionamentos sociais, jogos e comportamento adaptativo próprios da idade. Os
indivíduos afetados exibem déficits sociais, comunicativos e comportamentais geralmente
observados no Transtorno Autista. Ocasionalmente pode está associado à condição médica
geral (como leucodistrofia metacromática), mas robustas pesquisas não afirmam a condição
como aspecto essencial ao transtorno (APA, 2002; Volkmar et al., 2012).
Por sua vez, o TGD sem outra especificação caracteriza-se por comprometimento grave e
global do desenvolvimento da interação social recíproca, ou de habilidades de comunicação
receptiva e expressiva, ou comprometimento de estereotipias de comportamento, interesses e
atividades. Para tanto, os critérios do Transtorno Autista não devem ser satisfeitos, em virtude
da idade tardia de seu início, quadro com sintomatologia atípica, sintomatologia subliminar
ou todas acima (APA, 2002).
36
O TGD revela-se como transtorno mental. Os transtornos mentais são categorias
descritivas e não explicativas ou etiológicas. Constituem expressão clínica mental imbricada
com alterações da experiência subjetiva e do comportamento que se manifestam
independentemente das causas subjacentes, sejam estas biológicas, psicológicas ou sociais.
Constituem alterações qualitativas da vida subjetiva ou do comportamento de modo atípico
ao esperado pela sociedade e cultura a qual pertence o indivíduo (Ministério da Saúde, 2013).
O TGD também se constitui como “transtorno do desenvolvimento”, cuja perspectiva
abarca basicamente duas vertentes: específico ou global. Os transtornos específicos do
desenvolvimento constituem aqueles que afetam o funcionamento psíquico ou cognitivo de
forma circunscrita – todos os transtornos de aprendizagem, por exemplo. Já os transtornos
globais do desenvolvimento afetam uma ampla gama de funções psíquicas, sendo também
conhecidos como transtornos invasivos ou abrangentes do desenvolvimento.
Para além de um conceito arcaico acerca do desenvolvimento como processo
fundamentalmente determinista e de base estritamente genética; considera-se a perspectiva
contemporânea da psicopatologia do desenvolvimento, qual seja, compreender o
desenvolvimento como processo resultante de uma intrincada e complexa interação entre
fatores genéticos e sócio-culturais, sendo estes últimos tanto de natureza psicossocial quanto
ecológica.
Nesta perspectiva, o neurodesenvolvimento da criança não é um processo contínuo e
homogêneo. Depende da interação entre os múltiplos fatores de crescimento neuronal
diferencial das várias áreas cerebrais, do grau de mielinização das estruturas cerebrais, do
desenvolvimento cerebral pré-natal e das possibilidades que têm o cérebro em
desenvolvimento para reorganizar seus múltiplos padrões de respostas e conexões mediante a
experiência (Muzskat, 2006).
37
Desta forma, o conceito de (neuro)desenvolvimento não pode ser dissociado do conceito
de plasticidade. À medida que o desenvolvimento cumpre o seu percurso, diferentes
potenciais de modificabilidade se expressam no cérebro devido à experiência (Muzskat,
2006). Pressupõe o estabelecimento de uma relação de aprendizagem e comunicação
constante entre o organismo e o meio ambiente em que este se desenvolve, ou para o qual se
direciona. Inter-relação esta que desencadeia modificações na estrutura física e funcional
(incluindo-se os padrões maturacionais e ontogenéticos), modificando, assim, as conexões de
acordo com as várias influências socioculturais e ambientais.
Acredita-se que o TGD é uma espécie de “pane” neurofisiológica que cria obstáculos para
o processamento cerebral. Se considerarmos o desenvolvimento ontogenético pelo princípio
de crescimento ascendente e sobreposto das zonas corticais, provavelmente, há modificações
no desenvolvimento de uma zona cortical elementar de atividade mental, a qual desencadeia
efeito secundário, ou sistêmico, no desenvolvimento de zonas corticais superiores sobrepostas
a essa atividade elementar (Luria, 1981).
Como a trama de fina renda, onde ao se modificar um elo há o risco de desmanchar todo
o desenho, possivelmente, nas manifestações clínicas dos transtornos globais do
desenvolvimento subjaz um processo atípico ou prejudicial que atravessa e “reconfigura” o
(neuro)desenvolvimento típico.
Achados neuroanatômicos e neurofisiológicos:
No tocante ao Transtorno Autista, Machado e colaboradores (2003) encontraram
alterações anatômicas em 75% do grupo clínico infanto-juvenil (0 a 19 anos de idade).
Estudos neuropatológicos indicaram que indivíduos diagnosticados com Transtorno Autista
possuem comprometimentos no desenvolvimento associados a impactos na maturação do
sistema nervoso central. Tais estudos revelaram alterações microscópicas na organização e
proliferação celular localizadas nos circuitos do sistema límbico, cerebelar, hipocampo, lobo
38
temporal e lobo frontal. Frequentemente há redução de volume cerebral à custa da atrofia do
lobo frontal e da região fronto-temporal (Campos, 2005; Carmargos, 2005; Machado et al.,
2003).
Comumente verifica-se redução no número e tamanho das células neuronais do complexo
hipocampal, amigdala e corpo mamilar, além de alterações da árvore dendrítica do
hipocampo. O cerebelo pode apresentar hipoplasia global ou seletiva do vermis neocerebelar
associada, ou não, a outras malformações do sistema nervoso central (Campos, 2005;
Carmargos, 2005; Machado et al., 2003).
O comprometimento de áreas associativas, no que diz respeito às sinapses, organização
neuronal, conexões entre diversos circuitos e distribuição do fluxo sanguíneo, também
desempenha importante papel no Transtorno Autista (Campos, 2005; Castelli, Frith, Happe,
& U. Frith, 2002).
Levy, Mandell, Schultz (2010) propõem que o autismo está relacionado a uma desordem
na organização cortical que, por conseguinte, desencadeia comprometimento neuronal no
processamento de informações do sistema nervoso central (desde a organização de
conectividade sináptica até a estrutura cerebral).
De forma geral, as principais regiões cerebrais disfuncionais no Autismo são os lóbulos
frontais, os quais têm amplas conexões recíprocas com o hipocampo (memória), lobo
temporal/ sistema límbico e amígdala (envolvidos na memória e afetividade) e cerebelo
(envolvido na afetividade, cognição, atenção) (Lyons & Fitzgerald, 2004).
Dentre as alterações funcionais, as mais frequentes estão associadas à hipoconcentração
do radiofármaco no córtex frontal esquerdo e no lobo temporal esquerdo. Silva e
colaboradores (2013) verificaram baixa conectividade funcional em virtude de diferentes
padrões na ativação e no tempo de sincronização da rede cortical anterior.
39
Schultz e colaboradores (2000) chamam a atenção para ressonâncias magnéticas
funcionais de crianças com Transtorno de Asperger. O estudo sugere que durante a
identificação de expressões faciais há mais atividade no gyrus temporal inferior, em
detrimento da menor atividade no gyrus fusiforme. Enquanto esta área está implicada com a
discriminação do rosto humano, aquela é responsável pela discriminação de objetos. Nesta
perspectiva, o estudo reafirma o comportamento já observado nos indivíduos com Transtorno
de Asperger – maior interesse pelos objetos, em detrimento das relações humanas
(Carmargos, 2005; Castelli et al., 2002; Frith, 2004).
Apesar da presença dessas alterações anátomo-funcionais serem frequentes, o diagnóstico
do Transtorno Autista e Transtorno de Asperger continuam sendo prioritariamente clínico,
uma vez que as características clínicas não são completamente explicadas por estas
alterações, bem como pela constatação que tais alterações não estão presentes em 100% dos
casos.
Tanto o Transtorno Autista, quanto o Transtorno de Asperger, desvelam alterações
qualitativas da experiência subjetiva e dos processos cognitivos envolvidos na interação
social, na comunicação e em padrões restritos, repetitivos e estereotipados de
comportamento, interesses e atividades (APA, 2002).
O autismo constitui-se como transtorno do desenvolvimento com forte indício de
componente genético. Entretanto, apesar dos estudos sugerirem alterações na região
intergênica entre caderina 9 e 10, bem como variações nos cromossomos 2,3,5,7,16,22 e X; a
etiologia continua desconhecida (Lyons & Fitzgerald, 2004; Pacheco, 2012).
Aspectos comportamentais:
Por meio de observações clínicas sistemáticas e longitudinais, Messinger (2012)
comparou crianças sem histórico familiar de Transtorno Autista, com crianças autistas. Ele
observou a presença de falhas gestuais nos primeiros meses de vida a partir da observação do
40
modo pelo qual os bebês autistas olhavam para os objetos, pediam o que desejavam, ou como
reagiam quando apontavam para alguma direção. Tais bebês apresentaram sinais mais
evidentes de autismo, após os 2 anos e meio de idade.
Outro comportamento indicativo de características clínicas do Transtorno Autista é a
aceitação do colo de qualquer pessoa. Comumente, a partir dos 8 meses, a criança tende a
estranhar quem não é do seu convívio e até chora demonstrando aparente insatisfação. Uma
criança autista sugere sentir-se confortável com qualquer pessoa.
O choro quase ininterrupto, uma inquietação constante, ou ao contrário, uma aparente
apatia exacerbada, também despertam a atenção. É importante observar, inclusive, se o
pequeno se incomoda com o toque, com alguns sons e com certas texturas de alimentos (o
que comumente dificulta a transição do leite materno para as comidas sólidas). Quando as
crianças estão mais velhas, os pais geralmente observam ausência da fala, uma aparente
surdez e os movimentos pendulares estereotipados de tronco, mãos e cabeça.
Desde os primeiros anos de vida, as crianças autistas podem demonstrar um
comprometimento na reciprocidade social. Comumente verifica-se aparente ausência de
necessidade de aconchego, ausência de elevação dos braços (como antecipação a ser pego no
colo), falta de imitação da fala ou dos gestos, falha em apontar ou mostrar objetos para os
outros e peculiar contato visual. Comumente as crianças procuram o objeto/evento de
interesse, mas não há partilha social do mesmo. Frequentemente demonstram não responder
ao nome próprio, especialmente quando há envolvimento excessivo no que estão fazendo
(Grossman, Carter, & Vokmar, 1997).
Em contraponto, Frith (2004) sugere árdua tarefa de identificação do Transtorno de
Asperger (TA) ainda na primeira infância, porque, à primeira vista, crianças com TA parecem
mais avançadas do que seus pares, notadamente quando o desempenho intelectivo está acima
da média esperada para faixa etária.
41
É sabido que crianças com Asperger têm grandes dificuldades para estabelecer
brincadeiras com seus pares. Pesquisas de cunho clínico indicam que fracassos duradouros
em interações sociais de indivíduos com TA, normalmente estão atrelados a comportamentos
autênticos e falhas na empatia. A própria brincadeira de inventar um mundo paralelo e de
brincar com personagens imaginários estão distantes do perfil do TA, marcado pela rigidez e
concretude do pensamento lógico (Frith, 2004; Klin, 2006).
Klin, Jones, Schultz, Volkmar and Cohen (2002) indicam que crianças com TA são
isoladas pelos pares porque possuem dificuldade no manejo social, em virtude da inabilidade
de compreender que outras pessoas têm pensamentos e sentimentos diferentes dos seus.
Em diferentes níveis de severidade, crianças com Transtorno Autista ou Transtorno de
Asperger possuem comprometimento qualitativo da interação social e comunicação. Haase,
Freitas, Natale, Teodoro e Pinheiro (2005) definem a mente autista como o resultado de um
cérebro que se desenvolve “solipsisticamente” fechado sobre si mesmo. De modo
interdependente, falhas na teoria da mente, nas funções executivas e na linguagem versam
como principais fragilidades neuropsicológicas dos grupos clínicos vigentes (Champagne-
lavau & Joanette, 2009).
Habilidades Sociais e Teoria da mente:
A Teoria da Mente remete à capacidade de entender ações alheias não só pela leitura de
movimentos corporais, mas também de ações intencionais, a partir da atribuição a terceiros
de atitudes proposicionais, isto é, crenças, desejos, pensamentos e intenções. Neste
sentido, dirige-se o comportamento e torna-o previsível o que, em última análise,
caracteriza o processo de mentalização (Rizzolatti & Sinigaglia, 2007).
Por meio da Teoria da Mente o ser humano consegue negociar, enganar, ensinar,
demonstrar, reconhecer emoções complexas e manipular pensamentos permitindo uma
previsão comportamental baseada no mecanismo de inferência de emoções e crenças com
42
consideráveis probabilidades de acerto. Este processador constituir-se-ia, em síntese, de um
mecanismo gerador de representações mentais acerca de estados mentais.
Nitrini (2002) advoga que o processamento da Teoria da Mente (ToM) contempla uma
teoria, porque os estados mentais não são diretamente observáveis e, por conseguinte, torna-
se necessário fazer inferências (teorizações) sobre o comportamento dos outros. Por outro
lado, Tonelli (2011) afirma que há uma habilidade mental automática para se atribuir
estados mentais a si mesmo e a outros indivíduos, com a finalidade principal de
compreensão e predição de seus comportamentos. Tonelli (2011) prefere utilizar os termos
“mentalização” ou “adoção de uma postura intencional” (Dennett, 1987).
Tonelli (2011) apresenta o nome de ToM implícita (ToMi) à habilidade de inferência de
estados mentais, a qual permite um processamento rápido das informações oriundas do
ambiente social; e o nome de ToM explícita (ToMe) à capacidade de aprender as regras do
jogo social, de forma a otimizar o convívio com outros seres humanos. Estudos sobre a
Teoria da Mente estão presentes no âmbito da Psicologia Evolucionista, Psicologia do
Desenvolvimento e da Psicologia Cognitiva.
A Teoria da Mente pode ser compreendida como a resultante de um novo emprego de
habilidades cognitivas pré-existentes. Isto é, a evolução pode ter exercido pressão para que o
cérebro ancestral recrutasse sistemas neurais originalmente envolvidos com outras funções e
os utilizasse como substrato para os futuros circuitos de processamento ToM. Não é à toa que
as funções cerebrais comumente atribuídas às origens da habilidade da Teoria da Mente são a
percepção visual, de movimento, a capacidade de atenção visual compartilhada e a habilidade
de representar ações objetivo-dirigidas (Frith & Frith, 1999).
Enquanto a Psicologia Evolutiva tenta situar o momento no qual a Teoria da Mente surge
dentro da escala filogenética. A Psicologia do Desenvolvimento versa em situar o momento
no qual tal habilidade emerge dentro da ontogênese humana.
43
O enfoque investigativo (tanto empírico quanto teórico) da Psicologia do
Desenvolvimento sobre a Teoria da Mente recai mormente sobre aspectos da origem desta
habilidade nas crianças (em que idade ela surgiria) e de seu desenvolvimento nas mesmas.
Diversas são as habilidades que parecem atestar o aparecimento da Teoria da Mente no
desenvolvimento infantil. Os bebês comumente possuem atenção visual compartilhada ao
demonstrarem peculiar interesse por rostos, particularmente os olhos e a direção do olhar de
terceiros. Ao redor dos 18 meses de vida, a criança geralmente sorri como resposta a um
sorriso ou verbalização de outrem. Em tal fato subjaz a atenção conjunta, também designada
como atenção compartilhada, cuja habilidade em partilhar com o outro acerca de um objeto
ou acontecimento esboça a habilidade de construir representações mentais objetivo-dirigidas
(Baron-Cohen, 1989; 1996).
Aproximadamente dos 4 até os 6 anos de idade, a criança desenvolve a habilidade de
representar a relação entre os estados mentais de duas ou mais pessoas. Neste período, ela
adquire a habilidade de fingir num contexto de uma brincadeira ou jogo (como numa
brincadeira de faz-de-conta) e, portanto, adquire a capacidade de teorizar a respeito da mente
dos outros.
A capacidade de acerto nas tarefas de crenças falsas, a utilização dos verbos mentais (tais
como acreditar, pensar, entender, conhecer), a capacidade de diferenciar estados físicos de
mentais (o concreto que pode ser tocado e o abstrato que pode ser pensado); também seriam
indicadores da presença de Teoria da Mente nas crianças acima de 6 anos.
Hutchins, Prelock, and Bonazinga (2012) catalogaram características clínicas da teoria da
mente, por período do desenvolvimento infantil. Similar ao exposto, eles verificaram estágios
iniciais atrelados á atenção compartilhada, seguido do estágio da “crença”, onde a criança
torna-se apta a diferenciar o real do faz-de-conta e se permite ao acesso da imaginação e
simbolização.
44
Dos 4 aos 6 nos de idade, verificaram o desenvolvimento da segunda ordem da teoria da
mente, "crença sobre crença", onde as crianças são capazes de atribuir estados mentais a
outras pessoas (o outro também pensa ou tem "crença") e adquirem a habilidade de inferir
sobre os estados mentais do outro. Em última instância, os pesquisadores também verificaram
o surgimento da terceira ordem de estados mentais, "crença sobre crença sobre crença", na
qual crianças conseguem estabelecer a crença do outro sobre minha crença. Neste estágio
torna-se possível a auto percepção de sentimentos e características pessoais, bem como o
aprimoramento da empatia.
Ao apresentar o estágio operacional, Piaget (1929) sugere a presença característica do
raciocínio reversível, o qual proporciona o pensamento baseado em operações mentais e, por
conseguinte, torna a criança apta para resolução de problemas matemáticos a nível abstrato;
para além do concreto, para além do perceptível na realidade. De acordo com Guttenplan
(1996), tal constructo remete ao moderno conceito da Teoria da Mente, na medida em que se
torna possível atrelar o raciocínio reversível à competência da representação mental. Ambos
forjam uma divisão entre subjetividade e objetividade, entre o que é verdade para minha
mente e o que é verdade para a realidade.
Tal constructo Piagetiano também remete ao percurso desenvolvimental da Teoria da
Mente, ao delinear que o controle sobre as representações perceptivas frequentemente advém
quando a criança abandona o estágio do egocentrismo, em favor do outro (não
necessariamente outro indivíduo, mas a consideração de outra realidade para além da
própria). Nesta perspectiva, a criança supera a leitura mental de seu próprio conhecimento,
assimilando que o objeto não é mais o que aparenta ser.
No final da década de 1970, a Psicologia Cognitiva propõe estudos dedicados a
desenvolver modelos explicativos para a Teoria da Mente. Baron-Cohen (1996) postulou a
existência de quatro módulos cerebrais inter-relacionados para produção do sistema de
45
“leitura mental” do ser humano. Nesta perspectiva, representações mentais podem ser
consideradas “cópias” do mundo, geradas a partir de circuitos cerebrais que computam a
informação sobre o meio ambiente conduzida pelos órgãos do sentido (Gazzaniga, Ivry, &
Mangun, 2006).
As representações mentais de estados mentais são modelos das mentes de terceiros (e
da própria mente) e participam do planejamento dos comportamentos a serem adotados
diante da interação com outros humanos. A maneira pela qual tais representações são
geradas ainda é motivo de controvérsia entre autores, que se dividem, basicamente, em três
grupos, a saber, teoria-teoria, teoria da simulação e teoria modular.
A “Teoria-Teoria” postula que o processamento ToM se desenvolve a partir de uma
capacidade de simulação dos estados mentais de terceiros, possível graças à apreciação
dos próprios estados mentais. A “Teoria da Simulação” considera a experiência individual
essencial para configuração das habilidades ToM. Tal concepção advoga que as habilidades
ToM se configuram a partir do contínuo aprendizado adquirido através do convívio social.
Por sua vez, a “Teoria Modular”, a qual não valoriza o papel da experiência no
desenvolvimento da Teoria da Mente, propõe a existência de “módulos” cerebrais
configurados de maneira inata para a atribuição de estados mentais.
O teórico modular Alan Leslie (1994) advoga que as representações de estados mentais,
geradas pelo processador ToM, poderiam ser incluídas em três categorias distintas, quais
sejam, representações de estados mentais volitivos, perceptuais e epistêmicos.
Neste sentido, o desenvolvimento da teoria da mente estaria associado com a perspectiva
de crescimento ascendente e sobreposto das zonas corticais e, consequentemente, das
estruturas cerebrais imbricadas com a atividade mental dessa habilidade cognitiva. Enquanto
os estágios iniciais de desenvolvimento da teoria da mente repousam sobre uma base mais
elementar e depende de uma função básica (como atenção seletiva e percepção visual, por
46
exemplo); em estágios subsequentes, ela não só adquire complexidade, mas também começa
a ser desempenhada com a participação estreita de formas de atividade estruturalmente
superiores, tais como a linguagem e funções executivas (Luria, 1981).
Em crianças com perfil comportamental compatível com o Transtorno Autista, o
comprometimento do desenvolvimento da Teoria da Mente é passível de observação desde a
primeira infância.
Baron-Cohen (1995) cunhou o termo “cegueira mental” para descrever os déficits
apresentados por indivíduos autistas no processamento ToM, isto é, na capacidade de inferir
ou atribuir estados mentais a terceiros, comprometendo sua capacidade de interagir
socialmente.
Sabe-se que a maioria das crianças diagnósticas com Transtorno Autista apresenta um
atraso no desenvolvimento de habilidades ToM em relação a crianças com desenvolvimento
típico. A razão pela qual o atraso ocorre está atrelada ao prejuízo na configuração da ToMi,
em favor da ToMe (Tonelli, 2011).
Conforme Joseph & Flusberg (2004), o comprometimento da interação social no
Transtorno Autista não está diretamente relacionado com o impacto na habilidade de
representar estados mentais. O comprometimento parece advir da dificuldade de interpretar e
inferir acerca de estados mentais de outras pessoas.
Stichter, O’Connor, Herzog, Lierheimer and McGhee (2012) destacam o
comprometimento qualitativo em habilidades sociais, ou seja, na habilidade de se engajar em
interações sociais, sucessivamente e independentemente; estabelecer e manter relações com
os outros; bem como entender necessidades e desejos dentro de um contexto.
Nesta perspectiva, comprometimentos qualitativos da interação social estariam
relacionados à estados mentais epistêmicos, em detrimentos dos perceptivos e volitivos.
Destarte, Joseph and Tager-Flusberg (2004) advogam que crianças autistas teriam
47
comprometimento na cognição social, em detrimento da percepção social. Esta está
imbricada com representações mentais guiadas pelo rastreamento perceptual e motor. Por sua
vez, a cognição social entrelaça-se com capacidade de inferir representações mentais em
estreita relação com a linguagem, reconhecimento de emoções e funções executivas,
notadamente quando exigidos dentro de um contexto dinâmico pautado em relações sociais
(Baron-Cohen, 1994).
De forma geral, estudos no âmbito da Cognição Social ainda questionam como
operacionalizar o conceito de atribuição de intenções (ou Teoria da Mente), de tal maneira
que ele pudesse ser testado.
Diversos grupos de pesquisa têm utilizado diferentes métodos. A história de Sally-Anne, o
teste visual Smarties e teste John and Mary são alguns dos mais utilizados para avaliar a
capacidade de detecção de uma falsa crença. Ressalta-se que o último avalia falsas crenças de
segunda ordem, ou seja, falsas crenças que alguém pode ter em relação às crenças de outra
pessoa.
Alguns autores têm utilizado vinhetas compostas por cartoons ou desenhos de cenários
ToM mais complexos – envolvendo cooperação, sabotagem e traição entre os protagonistas.
Associados, ou não, a tarefas ToM verbais, os mais populares são Hinting Task (HT), o Eyes
Test (ET) e o Faux Pas Test (FPT).
Para além do envolvimento diferencial de hemisfério esquerdo (sistema fonológico e
semântico, por exemplo) e direito (associação de funções cognitivas e afetivas), imagens de
ressonâncias funcional revelam extensa rede neural implicada na cognição social.
Estudos recentes utilizam o termo Inteligência Emocional (IE) para designar um conjunto
de habilidades cognitivas inter-relacionadas. Caracteriza-se por capacidades que incluem o
reconhecimento dos significados da emoção e as complexas relações entre emoção e
raciocínio, bem como raciocínio e resolução de problemas subsidiados pela interação social.
48
A IE correlaciona-se positivamente com a empatia, satisfação com a vida e interações sociais
bem-sucedidas.
Montgomery, Stoesz and Mccrimmon (2013) conceituam dois componentes da IE, quais
sejam, capacidade e traço, os quais soam distintos do conceito de personalidade e
desempenho intelectivo global. Traços da IE remetem a uma série de competências
relacionadas com a emoção que podem incluir características como otimismo,
autoconhecimento, autoestima e autocriticas.
Embora estudos sobre a Teoria da Mente e Funções Executivas forneçam valiosas
informações sobre a natureza do Transtorno Autista e Transtorno de Asperger, em geral, estes
constructos têm limitações concernentes à predição de comprometimento social,
principalmente para o Transtorno de Asperger.
Nesta perspectiva, estudos recentes indicam que jovens adultos com Transtorno de
Asperger demonstram relações interpessoais não duradouras em virtude falhas no traço da IE.
Portanto, Montgomery (2013) sugere a inclusão da IE em futuros estudos neuropsicológicos,
voltados para investigação dos impactos na habilidade social de indivíduos com Transtorno
de Asperger.
Salienta-se que tais hipóteses de comprometimento cognitivo não pretendem contemplar
categorias diagnósticas. Conforme Nitrini (2002), no âmbito clínico tais fragilidades
cognitivas permitem sugerir perfil neuropsicológico compatível com os grupos clínicos
supracitados, mas não justificam a existência de toda uma entidade.
É importante frisar que nenhuma das fragilidades cognitivas supracitadas é exclusiva do
Autismo ou Asperger. Estudos neuropsicológicos revelam impacto semelhante em grupos
clínicos como o Transtorno de Déficit de Atenção e Retardo Mental (DSM-IV-TR). Portanto,
faz-se necessário a compreensão do modo pelo qual tais funções cognitivas sobressaltam-se
em manifestações clínicas específicas de cada caso clínico.
49
Funções executivas:
As funções executivas correspondem a conjunto de habilidades que, de forma integrada,
permite ao indivíduo direcionar comportamentos a metas, avaliar a eficiência e adequação
desses comportamentos, abandonar estratégias ineficazes em prol de outras mais eficientes e,
deste modo, resolver problemas imediatos, de médio e longo prazo (Robinson, Goddard,
Dritschel, Wisley, & Howlin, 2009). Dentre as funções executivas, destaca-se a flexibilidade
cognitiva, controle inibitório, planejamento e memória operacional.
Estudos com crianças com Transtorno Autista e Asperger sugerem que entraves na
flexibilidade cognitiva explicariam a presença de padrões restritos de interesses e atividades,
bem como a dificuldade de considerar diferentes possibilidades. A necessidade de uma rotina
estruturada e de previsibilidade faz com que as crianças inseridas no Transtorno Autista, ou
Asperger, tenham dificuldade em adaptar-se a novas situações, implicando em ajustamento
da dinâmica familiar e escolar.
Substanciais estudos neuropsicológicos argumentam o entrelaçamento das funções
executivas com a teoria da mente. Conforme Joseph and Tager-Flusberg (2004), a memória
operacional e o controle inibitório podem mediar ou, pelo menos, fornecer necessárias
condições para o sucesso da teoria da mente. Tal perspectiva ganha força à medida que se
verifica acertos nas tarefas de crenças falsas, quando o indivíduo consegue manter uma falsa
representação de um dado estado de coisas na memória operacional, bem como consegue
resistir à tendência normal de atribuir estados mentais a partir de uma realidade
predominante.
A memória operacional mantém uma representação mental e, simultaneamente, coordena
diversas representações em um sistema temporário de armazenamento. Por sua vez, o
50
controle inibitório inibe outras representações a fim de manter um curso de ação flexível e
adaptado às circunstâncias (Ozonoff, Pennington, & Rogers, 1991).
Estudos neuropsicológicos concernentes ao Transtorno de Asperger comumente verificam
que crianças e adolescentes possuem dificuldades em atividades que envolvem as funções
executivas e teoria da mente, apenas, quando requeridos em situações de exposição social
e/ou conversação. Channon, Charman, Heap, Crawford and Rios (2001) verificaram que
crianças com Transtorno de Asperger possuem dificuldades na resolução de problemas
sociais, especialmente por não conseguirem lembrar-se de fatos sociais pertinentes à
resolução.
Questiona-se se as funções executivas são primordiais para o bom desempenho em tarefas
da teoria da mente, ou se elas estão mais envolvidas no desenvolvimento conceitual
necessário para compreensão representacional da mente. Pesquisas neste âmbito são
dissonantes. Todavia, a discussão lança luz sobre um funcionamento cerebral sistêmico, cuja
dinamicidade e complexidade fazem valer reflexões do modo pelo qual ocorre o
(neuro)desenvolvimento ontogenético de funções neuropsicológicas.
Os lobos frontais, área cerebral envolvida com o funcionamento executivo, são
caracterizados por Goldberg (2002, p.13) como “a mais recente realização na evolução do
sistema nervoso”. São uma das últimas regiões do córtex cerebral a se desenvolver,
evolutivamente e ontologicamente, e por possuírem o padrão mais complexo de
circunvolunções corticais que qualquer outra região do cérebro (Fuster, 2001; Damasio &
Anderson, 1945).
Anatomicamente, os lobos frontais são uma enorme área cerebral anterior à fissura
rolândica e acima da fissura silviana. De acordo com uma categorização anátomo-funcional,
o córtex frontal é subdividido em três áreas, quais sejam, córtex pré-central (área 4 de
Brodmann), que constitui a área motora primária; córtex pré-motor (área 6), que inclui a área
51
motora suplementar na face interna dos hemisférios e a área de Broca (área 44); bem como o
córtex pré-frontal. O córtex pré-frontal (CPF), mais especificamente, corresponde às regiões
dorsolateral, órbito-frontal e mesial (Lezak, Howieson, & Loring, 2004; Mello, 2008; Poletti,
2010).
Ao tentar compreender os processos mentais subjacentes à relação entre teoria da mente e
funções executivas, estudos apontam a região órbito-frontal como diretamente relacionada
com a regulação do processamento de informações sociais. Tais estudos indicam que
processos mentais subjacentes à habilidade de explicar e predizer comportamentos de outras
pessoas, por atribuir seus estados mentais e intenções, estão associados ao aumento da
densidade de matéria cinzenta no córtex órbito-frontal, gânglios basais e polos temporais.
Destarte, as pesquisas neuropsicológicas indicam que além da forte conexão com a amígdala
e o sistema límbico, o córtex órbito-frontal participa do circuito fronto-estriatal responsável
pelo processamento de informações sociais (Ardila, 2008; Lebreton et al., 2009; Powell et al.,
2010).
Teoria da coerência central:
Indivíduos com Transtorno Autista e Transtorno de Asperger apresentam tendência para
focar detalhes em detrimento das informações que perpassam o contexto da troca social. Em
diferentes níveis, problemas específicos com integração de informações diversas prejudica a
capacidade de compreensão global de um contexto, ou seja, prejudica a "coerência central"
do âmbito posto.
Designada de Teoria da Coerência Central, a falha na coerência central de um contexto
constitui-se como outra teoria que tenta explicar o comprometimento qualitativo da interação
social e comunicação no autismo. Caracteriza-se como a escassa capacidade de integrar
informações em um todo coerente em nível perceptual e conceitual.
52
Falhas na coerência central estariam subjacentes à dificuldades apresentada por crianças
com autismo para identificar o rosto humano a partir do arranjo espacial de olhos, nariz e
boca. Também explicariam o motivo pelo qual há insuficiente compreensão do significado
global de uma história/piada, ou quando demonstram não responder ao chamado de seu nome
próprio, especialmente quando há envolvimento excessivo no que estão fazendo. O
processamento de informações parece ser preferencialmente local, ao invés de global.
Estudos especializados sugerem correlação positiva entre falhas na teoria da mente e
teoria da coerência central. Outros correlacionam com o controle inibitório, mas, de forma
geral, não há estudos substanciais sobre a temática (Beaumont & Newcombe, 2006; Jarrold,
Butler, Cottington & Jimenez, 2000). Mecanismos neurológicos subjacentes à falhas na
coerência central são escassos. Piven et al. (1995) propõem anormalidades difusas da
estrutura cerebral, citando provas de crescimento excessivo do cérebro.
Linguagem:
Faz-se relevante frisar que o processo de aquisição da linguagem verbal envolve a
integração de níveis de desenvolvimento interdependentes, a saber, o sistema fonológico
(percepção e produção de sons para formar palavras); o semântico (respeita as palavras e seu
significado); o pragmático (uso comunicativo da linguagem no contexto social) e o
gramatical ou morfológico (compreende as regras sintáticas e morfológicas para combinar
palavras em frases compreensíveis).
Estados mentais epistêmicos, os quais remetem à segunda e à terceira ordem da teoria da
mente, envolvem a habilidade de monitorar componentes subjetivos do próprio estado mental
e de outrem. Quando o indivíduo oferece uma nova informação relacionada com
preocupações sobre outrem, ou sobre tema relevante para o contexto de conversação, por
exemplo, há habilidade da Teoria da Mente imbricada com a linguagem verbal (Joseph &
Tager-Flusberg, 2004).
53
Lyons and Fitzgerald (2004) asseguram que, no discurso de um indivíduo, a
autoconsciência do locutor é uma fonte de conhecimento desconhecida para o alocutário.
Durante conversação recíproca, a tomada de consciência do falante e a capacidade de avaliar
o interesse do ouvinte, sem dúvida, requerem uma compreensão representacional de outros
estados mentais.
Frith (2004), ao catalogar autobiografias de indivíduos com Transtorno de Asperger,
informa que os mesmos possuem dificuldade na conversação recíproca, porque comumente
não compartilham conhecimentos com os outros. Ou seja, falam sobre eles mesmos e suas
experiências, mas não indicam curiosidade sobre o conhecimento do que os outros pensam ou
sentem. Geralmente são hostis, porque é difícil realizar atividades que os outros solicitam,
notadamente quando estas são incompatíveis com os seus interesses.
Champagne-Lavau and Joanette (2009) discutem a relação entre a linguagem pragmática,
funções executivas e teoria da mente. Sugere-se que o desenvolvimento da linguagem
pragmática solicita sofisticadas habilidades da Teoria da Mente, mas acredita-se que as
funções executivas, sozinhas, podem ser melhores preditores de diferentes padrões de déficits
da linguagem pragmática.
Ironia, metáfora e pedidos indiretos, por exemplo, compõem aspectos pragmáticos da
linguagem. Tal habilidade exige ir além do significado literal a fim de compreender a
intenção do falante em um determinado contexto e, por conseguinte, decidir se a sentença
significa o que é dito ou se vai além, como no caso do pedido indireito.
A interpretação pragmática, processamento da linguagem não-literal, por exemplo,
solicita um exercício de teoria da mente à medida que se infere sobre o estado mental do
alocutário. Assim, um déficit na decodificação de tais inferências pode resultar em um
prejuízo no processamento da linguagem não-literal.
54
A capacidade de distinguir uma piada de uma mentira, por exemplo, apoia-se na segunda
e terceira ordem da teoria da mente. A segunda ordem, "crença sobre crença", se faz presente
quando o alocutário pretende identificar o que locutor realmente transmite. Para tanto, torna-
se mister a correta interpretação do significado do enunciado através da correta compreensão
das intenções do locutor. Ou seja, exige o reconhecimento de que os outros têm crenças que
podem ser diferentes das suas próprias.
Por sua vez, a terceira ordem da teoria da mente, "crença sobre crença sobre crença" se
faz presente no momento em que o locutor sabe que o alocutário identificou que o enunciado
é irônico ou falso.
No tocante às funções executivas, déficits no controle inibitório levariam à deficiência da
supressão de múltiplas interpretações, tornando-se difícil escolher o sentido correto da
linguagem não-literal. Neste sentido, o controle inibitório permitiria suprimir interpretações
irrelevantes ou embaraçosos, em favor daquelas que são mais apropriadas no/para o contexto.
De acordo com Champagne-Lavau and Joanette (2009), falhas na flexibilidade cognitiva,
ou pensamento perseverante, sugere fixação rígida no sentido literal, a qual comumente
acarreta dificuldade de conceber significados alternativos adequados ao contexto.
Joseph and Flusberg (2004) advogam que as funções executivas (planejamento, memória
operacional, controle inibitório, flexibilidade cognitiva) contribuem para a linguagem
pragmática ao permitir que uma pessoa reflita e raciocine, a fim de planejar contribuições
para o discurso em curso. Além disso, o funcionamento integrado das habilidades executivas
permitiria a manutenção e atualização da conversação em curso, sem perder de vista
informações relevantes advindas da manipulação de fatos na memória operacional e da
inibição de respostas que estão fora do tema.
O estudo encontrou correlação positiva entre funções executivas e teoria da mente como
preditores da severidade de sintomas do Transtorno Autista. De acordo com o nível de
55
desenvolvimento da linguagem, a relação entre teoria da mente e funções executivas possui
significativa variação na comunicação, mas não na interação social ou nos padrões
comportamentais repetitivos.
Portanto, ressalta-se a importância da linguagem como preditor do nível de severidade do
transtorno. Conforme González Rey (2005):
“A linguagem, portanto, não apresenta heurístico ilimitado no que concerne à
compreensão dos processos envolvidos na constituição da subjetividade. Nesse
sentido, a questão da emoção tem sido apontada [...] como fundamental tanto para a
compreensão dos processos semióticos envolvidos na constituição da
subjetividade [...] como para o entendimento da subjetividade. Isso significa que, ao
mesmo tempo que compartilhamos emoções, como medo e raiva, com os demais
animais, estas adquirem uma nova configuração entre os humanos.[...]. Isso
parece sugerir que a emoção entre os seres humanos consiste em um fenômeno
resultante da intrínseca interação entre componentes biológicos (resultantes da
história filogenética) e culturais, [...] incluindo diferenciadas dimensões da
subjetividade, [...].” [González Rey, 2005, p.150; grifos próprios].
É sabido que o Transtorno Autista pode desencadear atraso ou funcionamento anormal na
linguagem para fins de comunicação, com início antes dos 3 anos de idade. No Transtorno de
Asperger não existe atraso geral clinicamente importante na linguagem, mas estudos
neuropsicológicos argumentam que tal definição ampla dificulta critérios diagnósticos-
padrão.
Diante da problemática, Bennett e colaboradores (2008) identificaram, em crianças de 6 a
8 anos de idade com Transtorno de Asperger (TA), déficits na linguagem pragmática, em
contraponto ao desenvolvimento adequado da linguagem semântica, uso da gramática e
sintaxe. Embora anormalidades na linguagem não sejam comuns em indivíduos com TA, há
padrões de comunicação peculiares ao subgrupo clínico. Klin (2006) destaca a prosódia
pobre, espectro restrito de padrões de entonação, pobre modulação do volume da fala, bem
como frequente possibilidade de estilo de fala em monólogo.
56
Isto posto, observa-se que os grupos clínicos vigentes possuem uma relação peculiar com
a linguagem. Relação esta que evidencia diferenças significativas em relação aos indivíduos
considerados com desenvolvimento típico, mas que não deixa de ser um fenômeno humano,
e, como tal, apresenta as suas peculiaridades e diferenças. Conforme Lins, Carvalho e
Pernambuco (2006), caminho pelo qual a linguagem emerge e se desenvolve representa a
existência de uma persistente, e até mesmo profunda, singularidade autista.
Os indivíduos com Transtorno de Asperger frequentemente têm sido associados à
disfunção do hemisfério direito em funções atribuídas à visoespacialidade. Em contraponto, o
Transtorno Autista tem sido associado com disfunção do hemisfério esquerdo em funções
tradicionalmente atribuídas a linguagem e processamento sequencial.
O atraso ou funcionamento anormal na linguagem para fins de comunicação (sistema
fonológico, semântico e gramatical) aparece predominantemente no Transtorno Autista,
enquanto o comprometimento da linguagem pragmática, relacionada ao hemisfério direito,
frequentemente sobressalta no Transtorno de Asperger.
Estudos de lateralização sugerem que quase todas as operações mentais envolvidas na
cognição social, a saber, habilidades linguísticas, linguagem pragmática, teoria da mente,
funções executivas, memória episódica, auto consciência e teoria da coerência central estão
prejudicadas em indivíduos com Autismo e, em menor nível de severidade, em indivíduos
com Asperger.
57
Capítulo 3: A defectologia de Vygotsky e reflexões sobre o conceito diagnóstico do
Autismo
Lev Semenovich Vygotsky, Alexei Nikolaivich Leontiev e Alexsandr Romanovich Luria
formaram a tríade científica na qual buscava firmar a premissa sustentadora da psicologia
Sócio-Histórico-Cultural, a saber, a problematização acerca do papel dos meios culturais para
o desenvolvimento das funções psicológicas complexas (Hazin et al., 2010).
Para a presente pesquisa, Vygotsky desvela-se como referência teórica na área da
defectologia, cuja perspectiva proporciona rever e compreender o conceito do patológico e a
definição diagnóstica.
A defectologia Vygotskiana defende a relação dialética entre indivíduo e sociedade numa
perspectiva analítico-histórica. Nesta perspectiva, o desenvolvimento atravessado por uma
deficiência produz, em certo sentido, dificuldades na inserção cultural, ou melhor, na
adaptação do sujeito aos padrões culturais dominantes. Assim sendo, as limitações das
pessoas consideradas deficientes estão diretamente relacionadas, construídas e estabelecidas
pelo social.
A concepção quantitativa da deficiência está baseada numa visão de desenvolvimento
como algo "natural", onde o crescimento é quantitativo e embasado no aumento das funções
psicológicas e orgânicas que já estão pré-determinadas pelo biológico. Em contraponto, a
defectologia Vygotskyana baseia-se em uma concepção de desenvolvimento qualitativo,
onde, segundo W. Stern, citado por Vygotsky (1989), seria “uma cadeia de metamorfose”.
Tal concepção qualitativa lança luz sobre a singularidade do indivíduo, cuja peculiaridade
representaria um desenvolvimento qualitativamente diferente.
Conforme Vygotsky (1983),
58
“Uma criança, cujo crescimento foi atravessado por uma deficiência, representa um tipo
de desenvolvimento qualitativamente diferente e único. [...] Se uma criança cega ou surda
atinge o mesmo nível de desenvolvimento de uma criança sem alterações neurológicas, ela o
faz de outra maneira, por outro percurso, por outros meios [...].” (Vygotsky, 1983, trecho
adaptado, grifos próprios).
Destarte, a deficiência possui função paradoxal: ao mesmo tempo em que dificultaria o
trilhar em caminhos similares aos das crianças típicas na obtenção dos fins pretendidos;
estimularia a busca de outros caminhos, conduzindo-a aos processos compensatórios.
Portanto, indivíduos atravessados por uma deficiência podem se engajar numa via
compensatória, alcançando um desenvolvimento qualitativamente diferente.
A compensação pressupõe estimular capacidades a partir da deficiência. Tal perspectiva
compensatória propicia um desenvolvimento por caminhos não-convencionais, os quais
constituem vias alternativas de ação, passíveis de decorrer em (re)criações, (re)construções,
(res)significações.
A lei compensatória não substitui, mas origina uma formação psicológica secundária. Ou
seja, a ação do defeito na personalidade da pessoa deficiente, acaba sendo secundária,
indireta, pois o indivíduo não está reduzido às suas limitações, apesar de perceber as
dificuldades que resultam dele, ou melhor, as consequências sociais de ser diferente.
Em artigo publicado na década de 1980, “Problemas Fundamentais da Defectologia
Contemporânea”, Vygotsky (1989) argumenta a necessidade de uma nova direção na
investigação patológica. Sugere que a ciência deve dominar e explicar as diferentes formas de
desenvolvimento infantil, estabelecer os ciclos e as mudanças deste desenvolvimento, bem
como suas variações e seus níveis em sua diversidade.
Vygotsky defendeu a concepção social acerca da deficiência, criticando os métodos
psicológicos de investigação baseados numa concepção quantitativa de desenvolvimento
59
infantil. Segundo ele, este tipo de caracterização somente considera o grau da redução
causada pelo problema, esquecendo-se da estrutura e do funcionamento da personalidade -
forma de subjetividade - originada por este problema.
A defectologia de Vygotsky faz valer reflexões sobre o conceito diagnóstico do autismo,
na medida em que permite refletir o modo pelo qual se concebe o quadro clínico e,
consequentemente, subsidia propostas de intervenções clínicas e pedagógicas.
Para Vygotsky (1989), a defectologia firma-se como ciência que estudar seus
fenômenos e processos numa perspectiva qualitativa. Tal perspectiva solicita a ousada
tentativa de refletir sobre o lugar do autismo no âmbito clínico e da pesquisa, no sentido de
verificar se as proposições vão contribuir para a descoberta caminhos isotrópicos. Ou seja,
“vias colaterais de desenvolvimento cultural” (Vygotsky: 1989, pág.43).
Vygotsky (1989) solicita ir além de fundamentos e princípios clínico-pedagógicos
mecanizados. Sua proposição vai ao encontro da descoberta de vias entendidas como
compensatórias, em contraposição ao reforço do defeito, cuja formação psicológica
secundária pode culminar em sentimento de inferioridade, menos-valia.
Em suma, vale ressaltar a premissa de que o sujeito considerado deficiente atinge o
desenvolvimento de funções elementares em funções complexas, porém por caminhos
diferentes do desenvolvimento considerado típico. Trata-se, então, de um trabalho complexo
voltado para o reconhecimento da diferença e criação de condições propicias ao
desenvolvimento, ou lapidação, de funções psicológicas complexas.
60
Capítulo 4: Neuropsicologia – fragmentos históricos e premissas de base
Além das contribuições de Vygotsky no âmbito da defectologia, o aparato teórico
fundamentador desta pesquisa será a neuropsicologia Sócio-Histórico-Cultural, em especial,
aquela avançada pelo legado teórico de Alexandr Romanovich Luria (1902-1977) e suas
aplicações práticas decorrentes do seu programa científico.
No início do século XX, na Rússia posteriormente intitulada URSS, Lev Semenovich
Vygotsky, Alexei Nikolaivich Leontiev e Alexsandr Romanovich Luria formaram a tríade
científica na qual buscava ir além da dicotomia vigente na psicologia europeia entre
psicólogos naturalistas e fenomenólogos (Hazin et al., 2010).
No âmbito da história da Psicologia, a tríade possibilitou reflexões teóricas que iam de
encontro à Psicologia Científica (amparada por estudo correlacional e experimental), bem
como à Psicologia Compreensiva – amparada pela fenomenologia e hermenêutica (Cornejo,
2005).
A perspectiva Sócio-Histórico-Cultural foi além do reducionismo das concepções
empiristas e idealistas, na medida em que tentava compreender como processos naturais, tais
como maturação física e mecanismos sensoriais, interagem com a cultura para construção das
funções psicológicas complexas (Akhutina & Pylaeva, 2011; Freitas, 2002; Hazin et al.,
2010; Luria, 1992).
Com premissas epistemológicas do materialismo histórico-dialético, a psicologia Sócio-
Histórico-Cultural define o homem como ser construído e constitutivo dos significados
acumulados historicamente e socialmente compartilhados. Graças à linguagem, o homem é
construído por significados imbricados nas relações dinâmicas e interdependentes com a
sociedade, a cultura e a história. Mas, ao mesmo tempo, é temporal no espaço e em suas
61
ações, devido à capacidade autocrítica de refletir e problematizar o que foi feito no passado e
o que está sendo feito no presente. Há intenção permanente de promover um ciclo virtuoso de
destituir o instituído, em busca da evolução pessoal e histórico-cultural (González Rey,
2005).
À perspectiva teórica inaugurada pela psicologia Sócio-Histórico-Cultural subjazem
quatro premissas de base. A primeira defende que a inserção em ambiente sócio-histórico-
cultural tem implicações diretas sobre a estruturação das funções psicológicas superiores em
estágios relacionados, à medida que se processa a imersão nas práticas socioculturais. A
segunda informa que as funções psicológicas superiores, embora tenham suporte biológico
irrefutável, não podem ser compreendidas como produto biológico direto. Tal premissa
converge com a terceira, a qual argumenta que o funcionamento psicológico complexo está
fundamentado nas relações sociais estabelecidas entre o sujeito e o mundo, imersos em uma
dimensão histórica e cultural (Eilam, 2003; Hazin et al., 2010).
Já a quarta premissa, relaciona-se ao papel do universo simbólico na constituição do ser
humano. Argumenta-se que as relações estabelecidas entre o indivíduo e o mundo não são
diretas, mas requerem que a ação do primeiro sobre/com o segundo seja mediada por
instrumentos, signos e sistemas simbólicos, notadamente a linguagem verbal (Hazin & Meira,
2004; Oliveira, 2000; Vygotsky, 1991; Vygotsky & Luria, 1996).
Destarte, o desenvolvimento humano não é embasado por processo contínuo e
homogêneo, uma vez que se pressupõe o estabelecimento de uma relação de aprendizagem e
comunicação constante entre o organismo e o contexto sócio-histórico-cultural em que este se
desenvolve, ou para o qual se direciona. Acredita-se que a interdependência natureza/cultura,
mediada por instrumentos, signos e sistema simbólico, desencadeia modificações estruturais e
funcionais, tendo em vista as possibilidades de redefinições sinápticas mediante influencias
62
socioculturais e ambientais (Ciasca, Guimarães, & Tabaquim, 2006; Eilam, 2003; Muszkat,
2006).
As quatro premissas supracitadas permitem compreender o desenvolvimento humano a
partir de níveis de análise distintos, porém complementares. A saber, o nível histórico,
filogenético, ontogenético e microgenético (Oliveira, 2000; Vygotsky, 1991; Vygotsky &
Luria, 1996).
O nível histórico refere-se às aquisições sociais, históricas e culturais da humanidade, da
comunidade e do momento histórico no qual se revela a ação humana. O filogenético versa
pelo desenvolvimento das espécies e às especificidades de cada uma destas. Neste nível,
pensar sobre o universo simbólico como constituinte do ser humano, necessariamente implica
pensar sobre o salto qualitativo que o homem deu, enquanto espécie animal (Cornejo, 2005;
Hazin et al., 2010).
O nível ontogenético refere-se ao desenvolvimento cognitivo, comportamental e
socioafetivo dos sujeitos, contemplando as mudanças estruturais e funcionais que ocorrem ao
longo da vida. Parte-se do pressuposto que os estágios de internalização, atravessados nas
relações interdependentes entre homem e contexto sociocultural, gradativamente, permitem
que funções elementares transformem-se em funções qualitativamente diferentes (Hazin et
al., 2010).
O desenvolvimento ontogenético debruça-se sobre a compreensão da linha natural de
desenvolvimento (curso maturacional) imbricada à linha cultural. Nesta perspectiva, admite-
se que, após imersão no universo simbólico, os processos psicológicos inferiores,
inicialmente independentes (funcionamento unimodal), são agregados a redes complexas
capazes de produzir significados (funcionamento polimodal) e, consequentemente,
possibilitam a emergência da consciência (Hazin et al., 2010; Vygotsky, 1991).
63
Neste nível é factível perceber que percepções sensoriais transformam-se em ideias,
conceitos e pensamentos, permitindo o distanciamento das contingências do aqui e agora para
uma dimensão mais reflexiva, intencional e transformadora (González Rey, 2005; Hazin et
al., 2010; Luria, 1981; Mello, 2008).
Conforme Freitas (2002), a psicologia Sócio-Histórico-Cultural procura refletir o
indivíduo em sua totalidade, articulando dialeticamente os aspectos externos com os internos,
considerando a relação do sujeito com a sociedade à qual pertence. Assim, sua preocupação
central é encontrar métodos que possibilitem estudar o ser humano como unidade de corpo e
mente, ser biológico e ser social, membro da espécie humana e participante do processo
histórico. A perspectiva teórica em questão fornece subsídios para a integração complementar
da perspectiva nomotética e idiográfica no desenho metodológico de pesquisas, assim como
agrega a dimensão sociocultural no processo de pesquisa e nas propostas de intervenções
clínicas/neuropsicológicas (Haase et al., 2008; Hazin et al., 2010).
64
Capítulo 5: A neuropsicologia de Luria (1902-1977)
Luria dedicou-se a assistir pacientes acometidos por lesões cerebrais, notadamente após a
Segunda Guerra Mundial. (Hazin et al., 2010; Luria, 1981). O objetivo maior da
neuropsicologia por ele avançada era compreender o curso da dissolução das funções
psicológicas superiores nos quadros de lesão e/ou disfunção cerebral (congênita ou
adquirida). Tal posicionamento implica na defesa que funções psicológicas superiores são
formadas ao longo da ontogênse, possuem origem social, bem como são complexas e
hierarquizadas em suas estruturas (Luria, 1981).
As contribuições teóricas lurianas emergiram em pleno impasse científico entre
perspectivas localizacionistas e antilocalizacionistas. Neste âmbito, Luria impulsiona um
salto qualitativo na discussão, ao refletir o papel das estruturas cerebrais sobre o
funcionamento psicológico superior a partir da revisão dos conceitos de função, localização e
sintoma (Luria, 1981).
No tocante ao conceito de função, Luria defende que não há como delimitá-la a uma
determinada área do córtex cerebral. Em contraponto à concepção de função atrelada a um
tecido particular (como a secreção de bile atrelada à função do fígado, por exemplo), as
funções cognitivas devem ser concebidas como sistemas funcionais. Tal concepção corrobora
com a ideia de que formas superiores do funcionamento constituem complexas redes
funcionais estruturadas, a partir da mediação da cultura e dos significados historicamente
acumulados e transmitidos (Luria, 1981).
O princípio de sistema funcional imprime a complexidade da estruturação e organização
cerebral inaugurada pelo princípio da organização extracortical das funções mentais
complexas. Neste sentido, a internalização de fatores externos, em especial os mediadores
65
simbólicos, tem papel decisivo na organização funcional dos sistemas cerebrais. E, portanto,
permite inferir que o curso maturacional, preestabelecido geneticamente e universalmente
determinado em âmbito filogenético, pode sofrer variabilidade em virtude da influência
cultural (Hazin et al., 2010; Luria, 1981).
Os sistemas funcionais são essencialmente dinâmicos, permitindo a utilização de
mecanismos diversos (variáveis) para a realização de uma tarefa constante (invariável) que
almeja um resultado também constante (invariável) (Luria, 1981). Tal proposição evidencia
que o ser humano pode utilizar diversos caminhos para atingir o desenvolvimento e a
aprendizagem – premissa fundamental do modelo de reabilitação luriano (Hazin et al., 2010;
Luria, 1981).
Revisar o conceito de função também implica rever o conceito de localização. Sabe-se
que a aprendizagem, a inserção em meio sociocultural e/ou disfunções/lesões cerebrais
podem reorganizar conexões sinápticas, o crescimento de espículas dendríticas, a
conformação de macroproteínas das membranas pós-sinápticas, os neurotransmissores e
neuromoduladores, bem como as áreas sinápticas funcionais. Desse modo, a “localização”
dos processos psicológicos superiores é dinâmica, havendo deslocamento dos sistemas
funcionais ao longo da ontogênese (Hazin et al., 2010; Luria, 1981; Mello, Miranda, &
Muzskat, 2006; Muzskat, 2006).
Assim, o conceito de localização é substituído pelo de zonas funcionais, as quais, ao
longo da ontogênese, organizam-se em grupos de áreas corticais que são reestruturadas em
processos superiores e reorganizadas de modo interfuncional por meio de estágios
subsequentes, ascendentes e sobrepostos (Hazin et al., 2010; Luria, 1981).
De modo geral, no primeiro estágio há desenvolvimento das capacidades de alerta e
focalização atencional. No segundo há coordenação progressiva entre áreas motoras e
sensoriais primárias. No terceiro verifica-se desenvolvimento das áreas sensórias e motoras
66
secundárias, bem como lateralização progressiva das funções linguísticas. No quarto observa-
se maturação das áreas terciárias relacionadas aos lobos parietal, temporal e occipital
(integração intermodal). E, por sua vez, no quinto estágio há maturação progressiva das áreas
pré-frontais (Luria, 1981).
Compreender que os sistemas de zonas funcionais operam em concerto complexo e
hierarquizado implica compreender que as repercussões neuropsicológicas decorrentes das
lesões ou alterações cerebrais, especialmente na infância, dependem de diversos fatores em
complexa interação (Luria, 1981).
Nesta perspectiva, a natureza, localização e extensão da alteração cerebral, a idade, o
contexto maturacional do Sistema Nervoso Central (SNC), a inserção sociocultural da
criança, dentre outros fatores, irão exercer importante papel no processo de organização do
cérebro, determinando o curso de seu desenvolvimento em condições patológicas.
As presentes considerações também implicam redefinições para o conceito de sintoma,
“perda de função” ou disfunção, em casos de lesão ou alteração do funcionamento cerebral.
Como as funções cognitivas superiores são realizadas por sistemas funcionais complexos,
organizados por grupos de áreas corticais que operam em concerto, um sintoma decorrente de
lesão ou disfunção não forneceria, por si só, informações acerca da sua localização. Neste
sentido, o sistema funcional como um todo pode ser prejudicado de diferentes formas em
diferentes pontos, tornando-se essencial a qualificação detalhada do sintoma observado
(Hazin et al., 2010; Luria, 1981).
Embora o sistema funcional não possua localização cortical específica, sabe-se que
existem áreas corticais importantes para cada um dos sistemas funcionais. Luria propõe uma
nova organização das funções cognitivas superiores, que pode ser subdividida em três
unidades, as quais regem simultaneamente o complexo funcionamento cerebral. A primeira
unidade seria responsável pela regulação do tono ou vigília; a segunda unidade seria
67
receptora e teria o papel de manter contato com o mundo externo, armazenando e
processando informações que chegam através dos canais sensoriais e; a terceira unidade seria
efetora e estaria responsável pela programação, regulação e verificação da atividade mental
(Luria, 1981). Tais unidades funcionais encontram-se organizadas de forma hierárquica em
três zonas corticais: primária, secundária e terciária as quais apresentam complexidade
crescente (Machado, 2002).
68
Capítulo 6: A neuropsicologia de Luria e contribuições para o delineamento do
desenho metodológico da dissertação em vigor
O legado teórico de Luria levou à proposição de uma nova metodologia de investigação
da organização e funcionamento cerebral em condições de normalidade e de patologia, bem
como de proposição de programa de reabilitação para pacientes com lesões e disfunções
cerebrais.
Embora sua experiência tenha sido com pacientes adultos acometidos por lesões cerebrais
focais, a presente pesquisa propõe adequar o método de Luria para intervenções
neuropsicológicas infanto-juvenis. Sobressalta-se que tal esforço não é pautado na mera
transposição do método Luriano para a população infanto-juvenil. O desenho metodológico
dessa pesquisa busca considerar a dinâmica do funcionamento cognitivo infanto-juvenil no
transcurso da maturação do sistema nervoso central e na inserção em ambiente sociocultural
específico, complementando o trabalho de Luria com conhecimentos contemporâneos acerca
da neuropsicologia do desenvolvimento (Hazin et al., 2010; Muszkat, 2006).
Em primeira instância, é preciso relembrar os desdobramentos de sua obra para a
neuropsicologia clínica:
1) a elevação do papel atribuído à dimensão sociocultural no contexto do
neurodesenvolvimento e no processo de reabilitação dos diversos quadros de lesões e/ou
disfunções cerebrais;
2) a construção de novo método de diagnóstico neuropsicológico para pacientes com
lesões cerebrais, a partir da integração complementar de aspectos qualitativos e quantitativos,
transpondo a ênfase da avaliação do produto para o processo. Nesta perspectiva, os
instrumentos avaliativos seriam uma maneira pragmática para adquirir amostras
69
comportamentais e devem ser sempre utilizados dentro do contexto avaliativo. É cabível
afirmar que reduzir o diagnóstico neuropsicológico à testagem é um equívoco, sendo
imprescindível a análise das estratégias utilizadas, em detrimento de resultados brutos;
3) a proposição de programas de reabilitação neuropsicológica que ultrapassam os limites
impostos pela organização espontânea do sistema nervoso, abre espaço para a incorporação
de recursos auxiliares da cultura – as chamadas “próteses culturais” – que permitem ao
sujeito construir caminhos alternativos que o auxiliem a transformar o negativo da deficiência
no positivo da compensação (Hazin et al., 2010).
O diagnóstico neuropsicológico prioriza a identificação das funções cognitivas mais
afetadas. A metodologia proposta por Luria pressupõe a análise qualitativa do sintoma
investigado, sendo requerida a realização de análise sindrômica, através da investigação,
análise e comparação de alterações primárias (aquelas imediatamente relacionadas ao fator
deficitário) e secundárias (aquelas que surgem em decorrência da organização sistêmica das
funções psicológicas superiores) (Glozman, 1999). Destarte, a mera descrição do sintoma não
é suficiente para esta investigação, fazendo-se necessária uma especificação da estrutura
exata do sintoma, tendo em vista que sintomas aparentemente idênticos podem ter diferentes
causas patológicas (Eilam, 2003).
É sabido que a perspectiva epistemológica subjacente ao legado teórico de Luria autoriza
a integração complementar da perspectiva quantitativa e qualitativa no desenho metodológico
de pesquisa.
A pesquisa em questão lançou como hipótese a existência de diferenças no perfil
neuropsicológico de crianças com diagnóstico de Transtorno Autista ou Transtorno de
Asperger, conforme quarta edição revisada do DSM (DSM-IV-TR).
Para tanto, pretendeu-se seguir diagrama de processo diagnóstico e interventivo proposto
por Luria. A figura 2 o apresenta de forma esquemática.
70
O presente estudo desenvolveu anamnese integrada a componentes da Classificação
Internacional de Funcionalidade (CIF), o Child Behavior Checklist (CBCL) e tarefas
qualitativas a fim de contemplar a avaliação comportamental e sócio afetiva dos participantes
da pesquisa.
Nesta perspectiva, pretendeu-se obter análise qualitativa do sintoma amparada pelo
histórico clínico e curso desenvolvimental dos grupos clínicos supracitados, bem como se
pretende identificar comprometimentos na capacidade funcional e/ou o impacto da doença
sobre essa capacidade, sem perder de vista as potencialidades que os grupos possuem para
exercer, ou lapidar, sua participação em atividades cotidianas (Luria, 1981; Muszkat, 2006;
Novelli & Canon 2012).
Em seguida, tornou-se necessário a avaliação quantitativa. Neste contexto, destaca-se a
avaliação neuropsicológica amparada por dados quantitativos, com vistas à investigação do
funcionamento cognitivo global do paciente. As tarefas propostas não podem estar limitadas
à investigação de uma única função, uma vez que o transtorno pode consistir de sintomas
que, à primeira vista, podem parecer heterogêneos, mas, de fato, podem estar vinculados a
uma só área cerebral constituinte de diversos sistemas funcionais (Eilam, 2003).
Figura 2: Diagrama de Luria
71
A presente pesquisa propôs contemplar a avaliação quantitativa do sintoma por meio de
protocolo avaliativo composto por instrumentos de cunho nomotético-nomológico, cujo
desempenho do participante de pesquisa é comparado a um referencial normativo
populacional, comumente por meio de testes psicométricos. A fim de revelar as causas exatas
dos déficits em uma habilidade específica, o protocolo em questão possui instrumentos que
abarcam ampla variedade de funções, das quais, à primeira vista, não parecem diretamente
relacionadas com o prejuízo aparente.
Pretende-se verificar quais tarefas os grupos clínicos têm mais dificuldades e, desse
modo, pretende-se contribuir para construção de recursos interventivos pautados pelo
delineamento de características peculiares aos grupos clínicos supracitados.
O legado teórico de Luria, para pesquisas neuropsicológicas de vertente clínica, solicita
análise e interpretação dos resultados de modo a elevar o papel atribuído à dimensão
sociocultural no contexto do (neuro)desenvolvimento; assim como solicita a construção de
uma metodologia que transponha a ênfase do produto para o processo.
É cabível afirmar que reduzir a pesquisa neuropsicológica de cunho Sócio-Histórico-
Cultural à testagem é um equívoco. Torna-se imprescindível a análise das estratégias
utilizadas pelos participantes da pesquisa, em detrimento de resultados dos instrumentos
normatizados.
Neste sentido, a dissertação de mestrado em questão envolve a consideração de um
continuum entre informações quantitativas (oriundas de escores produzidos por testes
psicométricos) e informações qualitativas (obtidas através da observação e análise do
processo avaliativo, dos tipos de erros produzidos e da antecipação de estratégias dos
participantes da pesquisa, durante o processo avaliativo). Ressalta-se, nesse sentido, a
avaliação qualitativa da atividade (Eilam, 2003; Glozman, 1999).
72
A fim de contemplar esta etapa, a pesquisa em questão propõe que todas as sessões
avaliativas sejam filmadas. Pretende-se preestabelecer comportamentos-alvo de análises (tais
como contato visual, elementos verbais e não-verbais de comunicação e contato afetivo
estabelecido), sem perder de vista registros de cunho clínico e observações sistemáticas
concernentes à postura dos grupos clínicos supracitados.
Espera-se que esta avaliação qualitativa da atividade contribua para a caracterização de
aspectos cognitivos, comportamentais e socioafetivos do Transtorno Autista e Transtorno de
Asperger.
O objetivo principal do perfil neuropsicológico detalhado é o planejamento de um
Programa de Intervenção. Para Luria, a reabilitação de uma função mental é possível por
meio da reconstrução ou reorganização estrutural do sistema funcional afetado. Esta
reconstrução pode se dar por três formas distintas: 1) reorganização cerebral espontânea; 2)
compensação e; 3) inserção de recursos auxiliares externos que substituam habilidades
comprometidas, conhecidos como “próteses culturais” (Eilam, 2003).
Apesar da proposta não contemplar o curso operacional da presente pesquisa, espera-se
que os resultados e análises realizadas possam constituir massa crítica importante para futuras
proposições de intervenções clínicas e educacionais aos grupos clínicos em questão.
73
Objetivos:
Objetivo geral:
Caracterizar aspectos da cognição social, habilidades sociais e funcionamento
executivo dos subgrupos clínicos de crianças diagnosticadas com Transtorno Autista e
Transtorno de Asperger.
Objetivos específicos:
Avaliar a inteligência fluida, funções executivas, teoria da mente, habilidades sociais,
do comportamento e afetividade de crianças diagnosticadas com Transtorno Autista e
Transtorno de Asperger;
Realizar análise clínica-processual das atividades das crianças dos dois subgrupos
clínicos ao longo da execução das tarefas propostas.
74
Método:
Para operacionalização dos objetivos propostos, adotou-se estudo de caso múltiplos, por
meio do seguinte arranjo operacional:
10.1 Participantes:
Participaram do estudo seis crianças, sendo três com diagnóstico de Transtorno Autista e
três com Transtorno de Asperger.
Os critérios de inclusão foram: 1) diagnóstico emitido por neuropediatra ou psiquiatra
infantil que acompanha a criança; 2) inserção na rede regular de ensino; 3) idade entre sete e
doze anos, independente do nível de escolaridade; 4) autorização dos responsáveis legais,
através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Ressalta-se que a faixa de idade delimitada no critério de inclusão permite a utilização de
testes psicométricos normatizados para crianças em idade escolar. Como critérios de exclusão
prevaleceram algumas patologias ou condições que pudessem falsear o diagnóstico de
Transtorno Autista ou Transtorno de Asperger, tais como síndrome do X-frágil; Transtorno
da Linguagem Expressiva ou Transtorno Misto da Linguagem Receptivo-Expressiva;
Mutismo Seletivo; ou ainda acentuado comprometimento na acuidade auditiva e visual.
As características das crianças estão resumidas da tabela 1 abaixo:
Tabela 1: características das crianças avaliadas
75
A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFRN (CAAE:
11701312.9.0000.5537), cumprindo, portanto, com os aspectos éticos pertinentes à
investigação envolvendo seres humanos, conforme a Resolução nº 466/2012 do Conselho
Nacional de Saúde (2012).
Salienta-se que os resultados ora apresentados são um recorte de conjunto de dados maior
a ser discutido em sua totalidade em doutoramento futuro. A pesquisa cumpriu com todas as
etapas previstas na metodologia luriana, etapas estas caracterizadas anteriormente. Entretanto,
diante da limitação de tempo imposta pelo mestrado (24 meses) foram analisados neste
estudo os dados oriundos da etapa 1 (análise qualitativa do sintoma), dados parciais da etapa
2 (análise quantitativa do sintoma) circunscritos à avaliação da inteligência fluida,
funcionamento executivo, teoria da mente, habilidades sociais, comportamento e afetividade.
Assim como, dados da etapa 3 (análise procedural da atividade) referente aos instrumentos da
etapa 2.
10.2: Instrumentos e Técnicas:
Diagnostico Participante Sexo Idade Tipo de
escola
Nível de
escolaridade
Idade do
diagnóstico
Transtorno
Autista
Andy Masculino 8 anos e 2
meses
Pública 2º ano do Ensino
Fundamental
7 anos
Cauê Masculino 10 anos e
0 meses
Privada 2º ano do Ensino
Fundamental
8 anos
Amy Rose Feminino 9 anos e
10 meses
Privada 3º ano do Ensino
Fundamental
8 anos
Transtorno
de
Asperger
Jake Masculino 10 anos e
3 meses
Pública 5º ano do Ensino
Fundamental
10 anos
Hugo Masculino 7 anos e
11 meses
Pública 2º ano do Ensino
Fundamental
7 anos
Max Masculino 11 anos e
7 meses
Privada 6º ano do Ensino
Fundamental
6 anos
76
A tabela 2 apresenta o protocolo global de avaliação neuropsicológica utilizado nas etapas
1 e 2, sendo este constituído por provas quantitativas e qualitativas. Destaca-se em azul os
instrumentos e tarefas cujo desempenhos serão alvo de análise neste documento.
As avaliações foram realizadas no SEPA (Serviço de Psicologia Aplicada – clínica escola
do curso de Psicologia da UFRN), em aproximadamente 8 sessões individuais de 50 minutos
cada. Os instrumentos utilizados são apresentados na tabela 2 a seguir:
Tabela 2: instrumentos utilizados
Avaliação cognitiva
Função neuropsicológica Instrumentos
Desempenho intelectivo
Escala Wechsler de Inteligência para crianças,
terceira edição (WISC-III);
Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (MPCR)
Atenção seletiva e
alternada
Teste de Atenção por Cancelamento (Capovilla &
Montiel, 2007);
Teste de Trilhas Coloridas
Sistema mnemônico
Teste de aprendizagem auditivo-verbal de Rey
(RAVLT);
Teste de Memória Lógica ou de Recordação de
Histórias;
Span Auditivo de Palavras em Sentenças (Neupsilin
Adulto);
Subteste Dígitos (WISC-III);
Teste de fluência verbal semântica (animais, frutas e
roupas);
Teste de fluência verbal fonológica (FAM)
Visoespacialidade e
Visoconstrução
Figuras Complexas de Rey;
Subtestes Cubos e Arranjo de Figuras (WISC-III)
Linguagem Processamento de Inferências (Neupsilin Adulto);
Provas de Avaliação dos Processos de Leitura
(PROLEC)
Funções executivas A Developmental Neuropsychological Assessment
(segunda edição, NEPSY-II)
77
Avaliação de habilidades sociais
A Developmental Neuropsychological Assessment (segunda edição, NEPSY-II)
Inventário Multimídia de Habilidades Sociais para Crianças (IMHSC-Del-Prette)
Avaliação comportamental
Child Behavior Checklist (CBCL)
Avaliação emocional
Desenho história com tema: “Eu e minha família”; “Eu e minha escola”
Segue descrição dos instrumentos utilizados, assim como os objetivos do estudo ao
escolher cada um destes instrumentos.
Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (MPCR):
Embora controverso, a revisão de literatura do presente estudo aponta publicações
científicas que trazem a severidade do quadro clínico do espectro autista atrelado ao
desempenho intelectivo e idade.
A avaliação intelectual comumente constitui-se como recurso valioso a pesquisas
neuropsicológicas de cunho clínico. Estudos recentes buscam pontos convergentes entre
inteligência e funções executivas, uma vez que, juntos, refletem proposições teóricas
frutíferas no âmbito da pesquisa clínica (Brydges, Reid, Fox, & Anderson, 2012).
Quando comparado a outros instrumentos, o MPCR possui a vantagem de não depender
da fala para a execução da tarefa e emissão das respostas. O teste investiga a capacidade
de estabelecer comparações, o desenvolvimento do pensamento lógico, assim como o
raciocínio analítico e a capacidade de raciocinar por analogia (Albuquerque, 1996). Tal
instrumento traz a ele subjacente a teoria do fator geral de inteligência (fator “g”) e investiga
78
a capacidade edutiva, ou seja, a capacidade de extrair novos insights (compreensões) e
informações do que já é percebido ou conhecido.
Os itens do MPCR são apresentados sob a forma de desenhos ou matrizes nos quais falta
uma parte. A tarefa da criança consiste em escolher, entre as alternativas colocadas na metade
inferior da página, a que completa corretamente o desenho. A escala contém 36 itens
divididos em três séries: A, Ab e B. Os 12 itens de cada série estão dispostos em ordem de
dificuldade crescente. A maioria dos itens está impresso com fundos coloridos, o que os torna
mais atraentes para crianças. A avaliação é feita através de um crivo ou chave de correção. Os
totais parciais de cada série permitem determinar a consistência da pontuação, que indica a
validade do resultado. O total de acertos é convertido em percentil, de acordo com a faixa
etária e tipo de escola da criança avaliada.
Figura 3: exemplo de um problema do MPCR série Ab
79
O teste MPCR vem sendo bastante utilizado em amostras de indivíduos com
deficiência intelectual, em grande parte devido a sua rápida e fácil administração, além da sua
maior independência das habilidades psicomotoras e verbais.
Para além do percentil, a escolha do MPCR está atrelada à possibilidade de análises
qualitativas do modo pelo qual as crianças realizaram o teste, notadamente concernente ao
tipo de erro produzido. De certo modo, o tipo de erro cometido fornece indicadores
qualitativos da natureza das dificuldades subjacentes à avaliação intelectual e, por
conseguinte, propicia escolher outros instrumentos avaliativos direcionados à investigação
robusta das dificuldades delineadas (Angelini et al., 1999).
Raven, Court e Raven (1990) (citado por Albuquerque, 1996), consideraram que os erros
efetuados poderiam ser agrupados nas seguintes categorias:
I - Erros de Diferença:
1. A alternativa selecionada não contém nenhuma figura semelhante ao padrão a
completar;
2. A alternativa selecionada é irrelevante em relação ao padrão a completar.
II - Erros de Individuação Inadequada:
1. A alternativa escolhida está contaminada por irrelevâncias e distorções;
2. A alternativa selecionada combina figuras irrelevantes;
3. A alternativa contém metade ou a totalidade do padrão a completar.
III - Erros de Repetição do Padrão:
1. A alternativa selecionada reproduz o padrão situado acima e à esquerda do espaço a
completar;
80
2. A alternativa selecionada reproduz o padrão situado exatamente acima do espaço a
completar;
3. A alternativa selecionada reproduz o padrão situado exatamente à esquerda do espaço
a completar.
IV- Correlato Incompleto:
1. A figura está orientada incorretamente;
2. Está incompleta, mas correta até esse ponto.
V- Figura Correlativa:
1. Completa o padrão tanto horizontalmente como verticalmente.
A Developmental Neuropsychological Assessment (segunda edição, NEPSY-II):
A segunda edição da Avaliação Neuropsicológica do Desenvolvimento, originalmente
publicada por Korkman, Kirk e Kemp (2007), encontra-se em processo de validação para o
Brasil. O NEPSY-II já foi traduzido e adaptado. Atualmente está em fase de normatização,
sendo o estudo coordenado no Brasil pela Profa. Dra. Nayara Argollo da Universidade
Federal da Bahia (UFBA) em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
O NEPSY é o resultado de um longo percurso de tentativas psicométricas voltadas para
aplicação dos métodos de Luria na população infantil. O instrumento integra alguns aspectos
importantes da abordagem teórica de Luria com abordagens contemporâneas da avaliação
neuropsicológica infantil.
O instrumento destaca-se em escala internacional por contemplar aspectos central da
teoria Luriana, a saber, a análise dos processos cognitivos compreendidos como sistemas
funcionais, tornando-se essencial a qualificação detalhada do sintoma observado por um
sistema interligado de sub-processos, ou componentes, em uma variável dinâmica. Nesta
81
perspectiva, o NEPSY permite a avaliação da criança transpondo a ênfase do produto para o
processo avaliativo (Korkman, 1999; Shayer, 2007).
Trata-se de bateria neuropsicológica ampla voltada para avaliação das funções
neuropsicológicas de crianças em idade pré-escolar e escolar (3-16 anos de idade). Constitui-
se de 32 subtestes que permitem a administração de subtestes específicos, grupos de
subtestes, ou a bateria inteira. O NEPSY-II é dividido em seis domínios: atenção/funções
executivas, linguagem, processamento visoespacial, sensório-motor, memória e
aprendizagem, percepção social.
A escolha do NEPS-II pauta-se pela perspectiva teórica subjacente à construção do
instrumento e por permitir a avaliação do domínio da atenção/funções executivas, bem como
medidas de percepção social. Tais domínios são associados a déficits específicos na criança
com Transtorno Autista e Transtorno de Asperger, conforme literatura prévia. Até o presente
momento, alguns estudos internacionais independentes têm utilizado uma seleção de
subtestes do NEPSY-II para avaliar funções cognitivas específicas concernentes aos quadros
clínicos citados (Narzisi Muratori, Calderoni, Fabbro, & Urgesi, 2013). Estes são
apresentados a seguir.
Domínio Atenção e Funções Executivas:
Constitui-se por seis testes, mas o presente estudo contemplou cinco destes. Foi excluído
o teste estátua, uma vez que o mesmo foi desenvolvido para ser aplicado a crianças na faixa
etária de 3-6 anos, sendo esta não contemplada na pesquisa em questão.
O teste de atenção auditiva e conjunto de respostas possui duas etapas: na primeira a
criança escuta uma série de palavras e, quando ela ouve a palavra-alvo, deve apontar para o
círculo apropriado. A etapa objetiva avaliar a atenção auditiva seletiva e sustentada. Por sua
vez, a segunda etapa requer escutar uma série de palavras, tocar em distintos círculos diante
82
de palavras-alvo diferentes da cor dos círculos. Tal etapa visa avaliar flexibilidade mental,
inibição de resposta e memória operacional para matéria verbal.
Classificando animais requer classificar os cartões em dois grupos de quatro cartas, cada
um usando vários critérios de classificação. O teste fluência de desenhos investiga fluência
visomotora para gerar desenhos originais, na medida em que ela é convidada a gerar projetos
gráficos originais, conectando até cinco pontos apresentados em um conjunto estruturado,
depois, aleatório.
O teste inibindo respostas avalia a capacidade de inibir respostas automáticas e alternar
entre respostas congruentes ou incongruentes durante nomeação de estímulos visuais. Neste
há três etapas: na primeira a criança é convidada a nomear a forma de quadrados e círculos,
ou a direção para cima ou para baixo de flechas. A segunda avalia o controle inibitório, à
medida que a criança precisa nomear de maneira invertida a forma ou direção da flecha, ou
seja, precisa inibir respostas automáticas em favor de respostas novas. A terceira etapa
investiga a flexibilidade mental, uma vez que requer a nomenclatura congruente ou
incongruente à resposta de acordo com a cor do estímulo.
Por fim o relógios avalia planejamento e organização visoespacial, percepção visual e
conceito de tempo, à medida que se solicita ler ou desenhar a hora apresentada por meio de
relógios analógicos ou digitais.
Domínio Percepção Social:
O domínio da percepção social no NEPSY-II é investigado através de dois testes:
reconhecendo emoções e teoria da mente. Para este estudo foi utilizado o subteste da teoria
da mente, que por sua vez, contempla duas tarefas, quais sejam:
1) Teoria da mente, tarefa verbal: apresentam-se descrições verbais ou pictóricas de
algumas situações sociais. A partir de então, são feitas perguntas sobre tais
83
situações que requerem o conhecimento do ponto de vista dos personagens
apresentados;
2) Teoria da mente, tarefa contextual: avalia a capacidade de entender como certas
emoções estão ligadas a determinadas situações sociais. Em quatro tarefas
diferentes, a criança é convidada a reconhecer a expressão emocional (feliz, triste,
raiva, medo, nojo, neutro) a partir de fotografias de rostos de crianças.
Ressalta-se que a vertente verbal contempla adaptações de tarefas clássicas,
internacionalmente utilizadas, para avaliação da teoria da mente. Tendo em vista a faixa
etária dos participantes da pesquisa, o presente estudo incluiu tarefas da vertente verbal, cujas
propostas inserem o público infanto-juvenil entre as faixas etárias de 9 a 16 anos.
Os itens 6, 7 e 8 constituem tarefas de falsa crença, cujo objetivo é investigar a primeira,
segunda e terceira ordem da teoria da mente. No item 6, por exemplo, apresentam-se duas
caixas de embalagem de cubos à criança. Logo em seguida, pergunta-se sobre seu conteúdo.
A mesma responde imediatamente: “cubos/blocos”. Em seguida, a embalagem é aberta e é
mostrada a criança que, na realidade, ela contém vários lápis, ao invés de cubos/blocos.
Então, pergunta-se a criança o que ela acha que um suposto amigo (para o qual nada foi dito a
respeito do conteúdo da embalagem) responderá sobre o que há naquela embalagem de
cubos/blocos.
Figura 4: exemplo do teste teoria da mente, tarefa contextual Figura 4: exemplo da tarefa contextual do teste teoria da mente
84
A situação reporta-se ao teste de Smarties (Hogrefe, Wimmer, & Perner, 1986), bem
como ilustra a falsa crença sustentada pelo suposto amigo, ou seja, a de que ambas as caixas
contém o mesmo conteúdo, pois ele não viu previamente o que está vinculado às respectivas
caixas. Nessa situação, a criança precisa imaginar um amigo e atribuir uma crença sobre a
compreensão/atitude do mesmo. Caso acerte, pode-se sugerir que ela atingiu o primeiro
estágio do desenvolvimento da teoria da mente (crença), tornando-se apta a diferenciar o real
do faz-de-conta e permitindo o acesso à imaginação e simbolização de crenças.
O item 7 avalia a segunda ordem da teoria da mente, quando a criança interpreta o
significado do enunciado e, por conseguinte, consegue atribuir correta compreensão (crença)
sobre a atitude do personagem Beto. Beto é uma criança que tem muita dificuldade com a
escrita. Na mesma tarde em que não foi bem na prova escrita da escola, ele foi à casa da sua
amiga Carol, onde foi convidado a brincar com um jogo de escrever palavras. Após convite,
Beto decidiu voltar para casa.
Aqui, a criança precisa se colocar no lugar de um personagem da história e atribuir uma
crença sobre a atitude do mesmo. Caso acerte, sugere-se que ela atingiu o segundo estágio do
desenvolvimento da teoria da mente (crença sobre a crença), no qual as crianças adquirem a
habilidade de inferir sobre os estados mentais do outro.
Por sua vez, o item 8 avalia a terceira ordem da teoria da mente, quando a criança precisa
inferir sobre a crença das personagens Adriana e Raquel em relação aos os personagens
Rodrigo e Paulo. Ou seja, verifica-se a "crença sobre crença sobre a crença", quando a
criança interpreta o significado do enunciado e, por conseguinte, consegue atribuir correta
compreensão do pensamento de Adriana e Raquel sobre Rodrigo e Paulo.
A história versa sobre quatro amigos que vão ao parque de diversões. Adriana e Raquel
decidem brincar no carrossel, enquanto Rodrigo e Paulo optam pela roda-gigante. Ao
chegarem ao local da roda-gigante, a fila estava tão grande que os meninos decidiram ir
85
brincar na casa-mal-assombrada, sem avisar as meninas. Nesse sentido, Adriana e Raquel
sustentam uma falsa crença acerca do lugar onde os amigos encontram-se, isto é, elas pensam
que Rodrigo e Paulo estão na roda-gigante. A compreensão da falsa crença é acessada através
da pergunta: “Quando Adriana e Raquel terminaram no carrossel, aonde elas foram procurar
os meninos, na casa-mal-assombrada ou na roda-gigante?”.
No item 9 a criança olha para a foto de um menino designado por Henrique. Nela,
Henrique está vestido com roupa de adulto (paletó e gravata), usa óculos, segura papéis e
uma mala. Quando a foto é apresentada pergunta-se à criança do quê Henrique está
brincando, investiga-se a habilidade de distinguir aparência-realidade através da
representação mental da criança sobre a foto.
O item 10 é composto por uma vinheta apresentada na forma de texto. Nesta, descreve-se
uma situação na qual um dos personagens aparece tomando uma atitude, cuja compreensão
por parte da criança ouvinte só torna-se possível quando ela consegue inferir o estado mental
da personagem naquela situação.
O item 14 é semelhante, porém com maior nível de complexidade. Neste, descreve-se
uma situação congênere à anterior, na qual a criança ouvinte só identifica o disfarce de um
dos personagens e só consegue compreender a expressão facial do outro personagem, se
compreender a história e inferir estados mentais dos personagens adscritos. Ambas as
vinhetas remetem ao teste Hinting (Corcoran, Mercer, & Frith, 1995) e ao teste Faux Pas
(Stone, Baron-Cohen, & Knight, 1998), tarefas clássicas que pretendem investigar a
habilidade de inferência de estados mentais.
Os itens 11 e 12 propõem a compreensão de imagem e texto com duplo-sentido. No
primeiro há a imagem de um bule que parece uma maçã, onde se pretende avaliar
representações mentais guiadas pelo rastreamento perceptual. O segundo há um texto
apresentado com auxílio de uma imagem. A criança é convidada a interpretar o termo “ponto
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final” na seguinte situação: “Os alunos da professora Regina estão fazendo presentes para as
crianças de um orfanato. Estava na hora do recreio. A professora Regina disse: meninos,
precisamos colocar um ponto final nos trabalhos.”
Por fim, os itens 13 e 15 propõem interpretação de provérbios populares na sociedade
brasileira. Ambos com auxílio de imagem, a criança é convidada a interpretar a expressão
“cara de uma, focinho da outra” e “gato e sapato”, nas respectivas situações:
1. Item 13: “Denise e Emília são irmãs. Mamãe diz que elas são cara de uma,
focinho da outra.”;
2. Item 15: “Oscar disse: Mãe, tio Carlos está vindo me pegar para tomar sorvete!
Mamãe sorriu e disse: Oscar, você faz seu tio Carlos de gato e sapato.”.
Por sua vez, a segunda vertente de avaliação (teoria da mente, tarefa contextual) sugere
estruturação semelhante ao teste Eyes (Baron-Cohen, Wheelwright, Hill, Raste, & Plumb,
2001). Tal teste contempla tarefa composta (verbal e não verbal) baseada na avaliação da
capacidade de descrição de estados mentais, a partir da observação de fotografias das regiões
em torno dos olhos de pessoas desconhecidas. A descrição de estado mental é feita através da
melhor opção de descritor dentre quatro possibilidades apresentadas por fotografia.
Tabela 3: domínios cognitivos e testes do NEPSY-II utilizados na pesquisa
Domínio Teste Idade (anos)
Atenção/
Funções executivas
Atenção auditiva conjunto de repostas 5-16 anos
Classificando animais 7-16 anos
Fluência em desenhos 5-12 anos
Inibindo respostas
Relógios
5-16 anos
7-16 anos
Percepção social Teoria da mente 3-16 anos
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Inventário Multimídia de Habilidades Sociais para Crianças (IMHSC-Del-Prette):
O IMHSC-Del-Prette consiste de um conjunto de materiais para avaliação de habilidades
sociais de crianças em faixa etária correspondente à primeira fase do Ensino Fundamental (7
a 12 anos).
O instrumento apresenta três grandes grupos de reações sociais, quais sejam:
1. Reações habilidosas: comportamentos apresentados pela pessoa para lidar com
demandas interativas do seu ambiente;
2. Reações não-habilidosas:
a. Passivas: comportamentos que predominantemente se expressam na forma
encoberta de incômodo, mágoa, ressentimento, ansiedade e/ou por meio de
esquiva ou fuga das demandas interpessoais;
b. Ativas: comportamentos que predominantemente se expressam na forma de
agressividade física ou verbal, negativismo, ironia, coerção.
Para tanto, o IMHSC-Del-Prette apresenta situações compatíveis com reações de
empatia/civilidade, assertividade de enfretamento, autocontrole e participação, sendo
avaliadas pelas crianças de acordo com a frequência de emissão da reação, adequação
atribuída à reação e dificuldade de emissão da reação.
A apuração dos resultados envolve protocolos que analisam as reações habilidosas ou não
habilidosas gerais da criança, sem perder de vista o possível caráter situacional das
habilidades sociais.
A escolha do instrumento justifica-se pela possibilidade de analisar habilidades sociais do
grupo clínico investigado de forma semelhante à realidade, uma vez que o sistema multimídia
agrega situações e reações em vídeo, equivalentes ao ambiente escolar. O programa é
interativo e a criança pode responder diretamente clicando o mouse do computador.
Child Behavior Checklist (CBCL):
88
O CBCL constitui-se como questionário traduzido e adaptado para o português do Brasil,
com fins de utilização em pesquisa que propõe a avaliação de competências sociais e
problemas comportamentais em indivíduos de 4 a 18 anos, a partir de informações fornecidas
pelos pais ou responsáveis diretos.
Adaptado para o Brasil por Bordin, Mari e Caeiro (1995), o CBCL caracteriza-se como
questionário composto por 138 itens divididos em onze categorias. Dessas, três originam a
Escala de Competência Social e as demais compõem a Escala de Problemas
Comportamentais.
A primeira escala, Escala de Competência Social, objetiva identificar problemas no
desempenho de atividades e nos aspectos relacionados à sociabilidade e à escolaridade.
Obtém-se informações sobre o envolvimento da criança em diversas atividades (brincadeiras,
jogos, execução de tarefas), participação em grupos, relacionamento com pessoas (familiares,
amigos), independência no brincar e desempenho escolar (Borsa & Nunes, 2008).
A segunda escala, Escala de Problemas Comportamentais, se subdivide em duas, quais
sejam, Escala de Problemas de Comportamento Internalizante e Externalizante.
Esta inclui padrões comportamentais manifestos e desajustados, como agressividade,
agitação psicomotora e comportamento delinquente, correspondendo às classificações de
Comportamento de Quebrar Regras/Delinquencial e Comportamento Agressivo.
Aquela abarca padrões comportamentais privados desajustados, correspondendo às
classificações de Ansiedade/Depressão, Isolamento/Depressão, Queixas Somáticas,
Problemas Sociais, Problemas de Pensamento, Problemas de Atenção.
O CBCL ainda inclui a Escala de Síndromes e a Escala Orientada pelo DSM-IV, onde os
dados para classificação remetem a perfis clínicos do DSM-IV.
A escolha pela aplicação do CBCL justifica-se pela sua larga utilização em pesquisas
voltadas para avaliação do comportamento infanto-juvenil, em virtude de caracterizar-se
89
como instrumento eficaz para quantificar as respostas de pais ou responsáveis legais.
Ademais, o rigor metodológico do instrumento torna-o sensível para utilização no âmbito
clínico e científico (Borsa &Nunes, 2008).
Desenho história com tema:
O desenho história com tema é uma técnica projetiva utilizada como meio auxiliar
para o conhecimento da dinâmica psíquica no diagnóstico psicológico. A técnica possibilita
uma exploração ampla da personalidade e destaca aspectos da dinâmica emocional. Segundo
Trinca (1997), os desenhos livres associados a histórias constituem um instrumento para
obtenção de informações sobre a personalidade que não são facilmente detectáveis pela
entrevista psicológica.
A aplicação da técnica é bastante simples, podendo ser individual ou coletiva, com
qualquer faixa etária, de qualquer nível intelectual e socioeconômico. O material consiste em
folhas de papel em branco sem pauta e lápis para os desenhos. Primeiramente é pedido à
criança que faça um desenho relacionado com o tema em estudo. Após o desenho, solicita-se
ao avaliando que conte uma história associada ao estímulo. As temáticas utilizadas para a
presente pesquisa foram: “Eu e minha família” e “Eu e minha escola”.
A escolha pela utilização deste teste deve-se à necessidade de investigar os
aspectos afetivos das crianças inseridas nos quadros clínicos do Autismo ou Asperger. Além
disto, sabe-se que as associações livres tendem a se dirigir a setores em que o indivíduo é
emocionalmente mais sensível.
Desta forma, a utilização desta técnica permite vislumbrar a expressão de aspectos da
dinâmica emocional da criança.
90
Resultados:
A seguir serão apresentados os resultados encontrados na avaliação neuropsicológica de
cada criança avaliada, as quais, por sigilo ético, serão designadas por pseudônimos. Para fins
didáticos, os resultados serão apresentados por domínios investigados.
Criança 1 – Pseudônimo Andy – Transtorno Autista:
Andy é uma criança do sexo masculino, com oito anos e dois meses de idade no momento
da avaliação neuropsicológica. Destaca-se que o pseudônimo Andy remete ao personagem que
compõe o atual tema de interesse da criança, a saber, o desenho animado Toy Story.
Etapa 1 – Análise qualitativa do sintoma:
ANAMNESE COM A MÃE DO ANDY:
As informações registradas sobre o histórico clínico do Andy foram fornecidas pela
progenitora, durante entrevista clínica no mês de abril de 2013. O parto foi normal, porém
“complicado” (sic). Não há lembranças sobre os primeiros dias e meses de vida do pequeno,
mas o histórico clínico refuta a presença de intercorrências clínicas graves.
Em relação ao histórico clínico, o teste do pezinho, realizado em fevereiro de 2005, não
sugeriu anormalidades. A avaliação auditiva, realizada em abril de 2012, indica “integridade
auditiva das vias retrococleares bilateralmente” (idem). Por fim, a pesquisa molecular de X-
Frágil, realizada em maio de 2012, indica normalidade, assim como o exame do cariótipo
91
com banda G, também realizado em maio de 2012, informa que “não há alteração
cromossômica numérica e/ou estrutural nas metáfases analisadas” (ibidem).
O relato da progenitora sugere que a linguagem de Andy encontra-se preservada na
dimensão receptiva. Todavia, aspectos do desenvolvimento da linguagem expressiva
merecem detalhamento. Segundo progenitora, ele tinha aproximadamente 3 anos de idade,
quando disse, pela primeira vez, palavras com significado, para além de “mamã” ou “papá”.
Por volta dos 5 anos de idade, Andy começou a aprimorar o uso da linguagem expressiva, na
medida em que falava algo com significado que envolvesse juntar palavras, isto é, usar frases
com 2 ou 3 palavras.
Andy possui pronuncia de fácil entendimento, mas ainda há alguns sons que ele não
consegue dizer muito bem. Ele é uma criança que não constrói frases narrativas para relatar
como foi o dia na escola, por exemplo. Geralmente traz frases curtas e objetivas como:
“pintei uma bola”, “brinquei com Alexandro”, mas, em todo caso, “só fala se alguém
perguntar” (sic), informa a mãe.
Comumente fala sozinho e gesticula de acordo com situações vivenciadas em desenhos
animados prediletos. Às vezes, usa frases de forma inapropriada ou sem significado. Ainda
não há conversação recíproca, na qual compreende e responde sobre tópicos que lhe sejam
propostos; bem como ainda não há relatos de conversação demonstrando interesse nos outros.
Conforme informações proferidas pela mãe, há momentos nos quais Andy emite perguntas ou
afirmações inadequadas. Geralmente, não regula o tom da voz, repete o que o outro fala,
repete várias vezes o que chama a atenção.
De modo geral, Andy se ampara muito bem na comunicação não-verbal. Ele fala nome de
pessoas familiares, expressa concordância e discordância, responde a perguntas fechadas do
tipo sim/não. Todavia, possui dificuldade para explicar como se faz algum procedimento,
seguir instruções e, geralmente, possui entraves para compreender significado não literal.
92
Frequentemente, utiliza fala e gestos dos personagens de desenhos animados prediletos,
sem perder de vista a imitação do tom da voz. Apesar de atualmente utilizar a fala para se
comunicar e expressar desejos, quando pequeno, utilizava o corpo de outrem para comunicar
algo.
Observa-se interesse pela brincadeira de montar quebra-cabeça de animais e desenhos
animados do Pica Pau, Tom e Jerry e, primordialmente, o Toy Story. Não há relatos que
sugiram presença de brincadeira simbólica. A mãe do Andy relata uso repetitivo de objetos
por parte do filho.
Ademais, há relato de dificuldades com pequenas alterações na rotina ou no ambiente que
o rodeia. Segundo progenitora, Andy apresentou febre emocional ao mudar a rotina do
interior do Estado para a capital Natal. Ela o considera desorganizado, mas ao mesmo tempo,
reconhece que o filho não gosta que ninguém mexa nos objetos pessoais dele, por exemplo.
Andy demonstra ficar com raiva, quando o pai tira o brinquedo do lugar. Geralmente chora
quando tentam mudar a rotina/objetos dele.
Andy consegue expressar seus sentimentos. Comumente diz quando está triste. Quando
alegre, geralmente abraça aqueles que o rodeiam e diz: “eu gosto de você”. Observa-se
dificuldade para ingestão de alimentos novos. No tocante às interações sociais, a mãe queixa-
se da dificuldade de Andy para estabelecer brincadeiras com seus pares, notadamente em
âmbito escolar. Observa-se comprometimento qualitativo da interação social, manifestado
por fracasso em desenvolver relacionamentos apropriados ao nível de desenvolvimento com
seus pares; e ausência de tentativas espontâneas de compartilhar prazer, interesses ou
realizações com outras pessoas.
Filho único, Andy cresceu no interior do Rio Grande do Norte sem acesso a
acompanhamento sistemático com profissionais da área da saúde. Quando ele completou três
anos de idade, a mãe começou a compará-lo a prima de idade próxima e, por conseguinte,
93
observar diferenças qualitativas no âmbito do desenvolvimento da linguagem verbal, tais
como: não contar histórias e não elaborar frases longas, aparentemente, Andy falava sem
intenção comunicativa.
Andy ingressou na escola com 4 anos de idade. As dificuldades globais no processo de
aprendizagem, atrelado à aparente diferença qualitativa no âmbito do desenvolvimento da
linguagem verbal, suscitaram questionamentos familiares sobre a possibilidade de quadro
clínico subjacente. Andy percorreu a educação infantil com dificuldades de aprendizagem e
socialização, mas os recursos financeiros restritos adiaram planos de vir à capital do Estado a
fim de investigar com maior profundidade as dificuldades recorrentes.
O diagnóstico de Transtorno Autista foi emito por neuropediatra da rede particular de
saúde da capital Potiguar, quando Andy completou 7 anos de idade.
A progenitora afirma que sempre desconfiou que o filho tivesse algum quadro clínico
subjacente ao modo peculiar de ser e estar no mundo. Andy sempre foi designado por
familiares distantes e colegas de sala como criança “doida” e preguiçosa. Embora
importunada, a mãe do Andy confessa que a escassez de conhecimento teórico e prático sobre
temáticas psiquiátricas impossibilitaram clarificar a terceiros os comportamentos do filho.
Ela descreve características atuais marcantes na criança, quais sejam, dificuldade na
comunicação verbal; comportamento compulsivo e ritualístico; gritos constantes,
notadamente em momentos opositores aos seus interesses; agressividade aparentemente sem
motivos; alimentação seletiva; dificuldade de interação social duradoura, especialmente entre
pares; risos aparentemente sem motivos; repetição de palavras e ações vistas em desenhos
animados apreciados por ele; dificuldade de entender regras e aparente escassez da
brincadeira simbólica, ao afirmar que o filho “não sabe brincar” (sic).
Até o momento da presente avaliação neuropsicológica, Andy é designado como criança
dispersa que possui dificuldade global de aprendizagem. Ele ainda não sabe ler, mas escreve
94
o nome próprio e reconhece as letras do alfabeto. No momento em vigor, cursa o segundo ano
do Ensino Fundamental em escola pública do interior do Estado. Há histórico de repetição de
ano (repetiu o 1ª ano do ensino fundamental, duas vezes) e é acompanhado em aula de
reforço escolar há quatro anos.
Devido à distância geográfica da escola, informações sobre o Andy, enquanto aluno,
foram fornecidas por relatório escolar. Segundo relatório da professora que o acompanha há
quatro anos:
“Andy não se concentra nas tarefas que está realizando e necessita de
sistemáticas mediações em todas as atividades escolares propostas. Identifica e
escreve as letras do alfabeto (...), após a leitura e exploração de um texto, consegue
identificar algumas palavras solicitadas, mas não consegue ler. O segundo semestre
escolar foi marcado por avanços significativos. Andy consegue transcrever da lousa
para o caderno, escreve o nome próprio completo” (sic).
Em suma, Andy mora em uma cidade estimada em trinta mil habitantes, mas grande
parcela da comunidade onde reside o conhece e oferece apoio para participação e
envolvimento em tarefas cotidianas. Diariamente, Andy possui autonomia para comprar pão e
leite, por exemplo.
DESENHO HISTÓRIA COM TEMA:
Destaca-se que o desenho história de Andy caracteriza-se por desenhos figurativos
constituídos por figura agregada. Conforme figura 5, observa-se a organização da estrutura
cabeça/corpo, mas verifica-se cabeça e olhos desproporcionalmente grandes em comparação
com o resto da figura. Salienta-se que a capacidade de lidar com proporção ao representar
algo começa a surgir aproximadamente aos oito anos de idade (Piaget & Inhelder, 1956).
95
Ainda não se observam
diferenciações dos personagens gráficos. Adicionalmente, dificuldades visuoespaciais,
associadas à cabeça e olhos desproporcionalmente grandes em comparação com o resto da
figura, parecem interferir na elaboração do desenho figurativo de Andy (observar figura 6).
Figura 6: desenho com tema “Eu e minha
família”, produzido por Andy
A dificuldade de
Figura 5: extrato do desenho figurativo produzido por Andy
96
comunicação verbal de Andy é um empecilho à produção narrativa da técnica do desenho
história com tema. Ele desenhou o tema “Eu e minha família”, mas recusou-se a discorrer
sobre o tema “Eu e minha escola”.
Conforme figura 10, apresentada anteriormente, o desenho com tema “Eu e minha
família” foi caracterizado pela presença da criança e seus pais. Não se verifica acabamento
diferenciado da figura humana, mas Andy coloca as letras iniciais do nome próprio de cada
membro familiar na tentativa de oferecer diferenciações para as suas representações gráficas.
Salienta-se que, ao apresentar-se enquanto membro da família, ele falou seu nome próprio,
em detrimento do uso do pronome pessoal “eu”.
Possivelmente, Andy recusou-se a realizar o desenho história com tema “Eu e minha
escola” devido à aparente escassez de vínculos e vivências significativas neste âmbito.
RESULTADO DO CBCL (RESPONDIDO PELA MÃE DE ANDY):
A primeira escala fornecida pela CBCL refere-se à Escala de Competência Social,
relacionada a problemas no desempenho de variadas atividades (brincadeiras, jogos, execução
de tarefas), no relacionamento com pessoas (familiares, amigos) e desempenho escolar (Borsa
& Nunes, 2008).
Conforme figura 7, o comportamento de Andy foi classificado como clínico na Escala de
Competências Sociais, assim como em todas as esferas da referida escala. Conforme
informações elucidadas pela progenitora, Andy não estabelece brincadeiras com seus pares,
notadamente em âmbito escolar. Ele não possui amigos, não há relatos que sugiram presença
de brincadeira simbólica e participação em atividades esportivas. Ademais, há histórico de
repetência escolar e, até o momento da presente avaliação, embora soubesse escrever o nome
próprio e reconhecer as letras do alfabeto, ele ainda não sabia ler.
97
Figura 7: resultado do Andy na Escala de Competências Sociais (CBCL)
Na segunda escala fornecida pelo CBCL, a Escala de Síndromes (figura 8), Andy
enquadra-se nas categorias clínicas compatíveis com Isolamento/Depressão, Problemas
Sociais, Problemas de Pensamento e Problemas Atencionais, sem perder de vista a faixa
limítrofe para Ansiedade/Depressão, Comportamentos Agressivos e comportamentos que
tendem à
quebra de
regras.
98
Figura 8: resultado do Andy na Escala de Síndromes (CBCL)
Aqui, verifica-se aproximação dos resultados com o discurso da progenitora ao lembrar
que ela descreveu características atuais marcantes no filho, quais sejam, gritos constantes,
notadamente em momentos opositores aos seus interesses; agressividade aparentemente sem
motivos; dificuldade de interação social duradoura, especialmente entre pares; risos
aparentemente sem motivos; dificuldade de entender regras e comportamento disperso.
Andy obteve classificação clínica na Escala de Problemas Total, tendo em vista o
enquadramento clínico para Problemas Internalizantes e Externalizantes (escala derivada do
CBCL, observar figura 9).
99
Figura 9: resultado do Andy na Escala de Problemas Totais (CBCL)
Em última análise, na Escala Orientada pelo DSM-IV, onde os dados para classificação
remetem perfis clínicos do DSM-IV, Andy obteve resultado compatível com a categoria
clínica circunscrita a problemas de ansiedade, problemas opositores-desafiadores e problemas
de conduta, sem perder de vista a faixa limítrofe para problemas de hiperatividade/déficit
atencional. Sobressaltam-se quadros clínicos de comportamento obsessivo-compulsivo e de
estresse pós-traumático.
100
Figura 10: resultado do Andy na Escala Orientada pelo DSM-IV (CBCL)
101
A grande parte dos resultados encontrados no CBCL consona com aspectos específicos
apontados pela anamnese de Andy, mas destaca-se aqui que alguns resultados clínicos,
podem ter sido potencializados pela dificuldade de compreensão das perguntas.
Etapas 2 e 3 – Análise Quantitativa do Sintoma e Análise Qualitativa da Atividade:
INTELIGÊNCIA FLUÍDA:
a. Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (MPCR):
Tabela 4: resultados quantitativos de Andy no MPCR
A Ab B
Soma 07 04 04
Consistência 07 04 04
Discrepância 0 0 0
Somatório Percentil1 Classificação
15 30 III-
(Intelectualmente médio)
No Teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (MPCR), o desempenho de Andy
foi classificado como intelectualmente médio. Ele obteve somatório de 15 pontos (pontuação
máxima = 36 pontos), sem discrepância nas respectivas séries A, Ab, B.
Ao analisar o tipo de erro cometido, ocorreram 5 erros na série A e 8 erros nas séries
consecutivas (Ab e B). Verificam-se erros predominantemente do tipo repetição do padrão.
Andy frequentemente cometeu erro do tipo III (g), ou seja, repetição do padrão
imediatamente acima do espaço a ser preenchido.
1 Percentil de acordo com a população geral
102
Tal resultado sugere respostas impulsivas associadas a comportamento perseverativo,
apontando para dificuldades no funcionamento executivo, notadamente nas habilidades de
flexibilidade mental.
FUNÇÕES EXECUTIVAS:
a. NEPSY-II, provas do domínio da atenção e funções executivas:
Valores de referência:
Tabela 5: resultados quantitativos de Andy na prova de atenção auditiva e conjunto de respostas (NEPSY-
II)
Atenção auditiva e conjunto de respostas
Parte 1
Acertos Erros de
ação
Erros de
omissão
Erros de
inibição
15 34 12 03
Escore
ponderado/percentil
Percentil Percentil Percentil AA Combinado –
Escore ponderado
01 <2% 2-5% 2-5% 01
Parte 2
Acertos Erros de Erros de Erros de
Escore Ponderado Percentil Classificação
13 – 19 >75% Acima do nível esperado
08 – 12 26 - 75% Nível esperado (Média)
6 – 7 11 - 25% Limítrofe
4 – 5 3 – 10% Abaixo do nível esperado
1 – 3 <2% Muito abaixo do nível esperado
103
ação omissão inibição
07 21 08 11
Escore
ponderado/percentil
Percentil Percentil Percentil CR Combinado –
Escore ponderado
01 <2% 26-50% 2-5% 01
Tabela 6: resultados quantitativos de Andy na prova Classificando Animais (NEPSY-II)
Classificando animais
Erros originais Erros repetidos Total de erros Acertos
0 02 02 0
Percentil Percentil Percentil Escore
ponderado
Escore
combinado
51-75% 11-25% 26-50% 03 04
Tabela 7: resultados quantitativos de Andy na prova Fluência de Desenhos (NEPSY-II)
Fluência de desenhos
Estruturada Aleatória Total
03 02 05
Percentagem acumulada Percentagem acumulada Escore ponderado
4-5 <3 02
Tabela 8: resultados quantitativos de Andy na prova Inibindo Resposta (NEPSY-II)
Inibindo resposta
Não se aplica
104
Tabela 9: resultados quantitativos de Andy na prova Relógios (NEPSY-II)
Relógios
Escore total Escore ponderado
18 01
De forma geral, o desempenho de Andy nas provas do domínio da atenção e funções
executivas do NEPSY-II sugere dificuldades significativas no funcionamento executivo.
No teste Atenção Auditiva e Conjunto de Respostas, seu desempenho foi classificado
como muito abaixo do nível esperado para sua faixa etária nas partes 1 e 2 (respectivo escore
combinado equivalente a 01 ponto). Em ambas as etapas, a criança obteve baixo número de
acertos, seguido de acentuado número de erros nas três vertentes analisadas, a saber, erros de
ação, omissão e inibição.
Nesse sentido, verifica-se que Andy apresenta dificuldade contínua na ação de escutar a
palavra-alvo de cor para apontar o círculo da cor correspondente na parte 1 e, por
conseguinte, flexibilizar ou inibir o toque a fim de emitir resposta congruente à regra de
manter ou alternar o círculo da cor correspondente à palavra-alvo na parte 2.
Aqui, adverte-se para a possibilidade de dificuldade na compreensão verbal das regras
ouvidas para execução da tarefa, ou ainda sugere-se a presença de déficits na atenção auditiva
seletiva e sustentada. Acredita-se que dificuldades associadas aos substratos cognitivos
básicos, como a atenção, culminaram em entraves nas habilidades cognitivas superiores que
as têm como substrato, como as funções executivas, notadamente no funcionamento do
controle inibitório e flexibilidade mental.
Tais hipóteses ganham força ao verificar que Andy não conseguiu concluir o teste
Inibindo Respostas. O teste é constituído por dois itens fragmentados em três etapas. No
primeiro a criança precisa nomear formas para, posteriormente, inibir e mudar o estímulo
105
“forma” de acordo com as regras elucidadas no manual do NEPSY-II. O segundo item, setas,
constitui-se de três etapas, sendo congênere ao primeiro item.
O cômputo final dos resultados do teste referido exige a integralização das três etapas
constituintes dos itens 1 (formas) e 2 (setas). Andy nomeou a forma de quadrados e círculos,
bem como concluiu a etapa de nomeação invertida da forma com tempo de execução de 65
segundos e integralização de 11 erros, desses 06 auto-corrigidos e 05 não corrigidos. Todavia,
ele recusou a tarefa (exaustivamente) explicada de flexibilizar a nomenclatura da forma e, por
conseguinte, recusou as três etapas constituintes do item 2 (setas).
Nessa perspectiva, não foi possível obter o cômputo final dos resultados de Andy no teste
Inibindo Respostas. A análise qualitativa da atividade permite vislumbrar dificuldades na
atenção sustentada e nas funções executivas (notadamente no funcionamento da flexibilidade
mental), subjacente à dificuldade de compreensão verbal. Verifica-se que Andy segue as
instruções propostas, fato que o levou à execução das etapas de nomeação e inibição do item
1 do teste Inibindo Respostas. Contudo, verifica-se dificuldade exaustiva nas atividades
subsidiadas por habilidades de flexibilidade mental e devida continuação em itens
posteriores, passível de sugerir entraves na atenção sustentada e funções executivas.
A hipótese de dificuldades na flexibilidade mental também emerge ao analisar o
desempenho de Andy nos testes Classificando Animais e Fluência de Desenhos.
No primeiro, ele encontra-se abaixo do nível esperado para sua faixa etária (escore
combinado equivalente a 04 pontos). Aqui, verifica-se acentuado número de erros por padrão
de repetição. Andy persistiu em repetir a categorização de animais que andam e voam, em
detrimento da presença de acertos.
No segundo, ele obteve desempenho muito abaixo do nível esperado (integralização de 05
produções, equivalente a 02 pontos ponderados). Verifica-se baixo número de produções, em
contraponto ao acentuado número de erros, mais uma vez, por padrão de repetição. Conforme
106
extrato, Andy segue com 3 desenhos repetidos na série estruturada e prossegue com maior
intensidade na séria aleatória, onde há registro de 4 desenhos repetidos (observa figuras 11 e
12).
Figura 11: extrato do teste Fluência de Desenhos (NEPSY-II), parte estruturara, produzido por Andy
Figura 12: extrato do teste Fluência de Desenhos (NESPY-II), parte aleatória, produzido por Andy
107
Por fim, o desempenho de Andy no teste Relógios sugere que ele ainda não domina o
conceito de tempo (não acertou os itens voltadas para nomeação da hora), assim como
adverte para a possibilidade de presença de dificuldades em atividades subsidiadas por
habilidades visuoespaciais e visuoconstrutivas.
Andy obteve desempenho muito abaixo do esperado no referido teste. Conforme figura
13, no item 1, por exemplo, há contorno fechado que remete à recuperação mnemônica de um
relógio analógico, entretanto, traços gráficos aleatórios em detrimento da presença de
números sugerem que ele ainda não apresenta conceito de tempo, ou possui dificuldades nas
habilidades visuoespaciais e visuoconstrutivas.
De acordo com Maia (2010), a habilidade visuoespacial envolve pensar em imagens,
transformar e recriar aspectos do mundo visual e espacial. Habilidades relacionadas à rotação
mental, percepção espacial e visualização espacial estão envolvidas na visuoespacialidade.
Por sua vez, dificuldades visuoconstrutivas estão associadas a entraves de traduzir uma
percepção visual em ação motora adequada.
Figura 13: extrato do teste Relógios (NEPSY-II), item 1, produzido por Andy
108
Dificuldades visuoespaciais e visuoconstrutivas parecem repercutir nos itens 9 e 10 do
teste, por exemplo, nos quais Andy copia os relógios analógicos, mas observa-se números
desproporcionais organizados de forma assimétrica, bem como ponteiros desproporcionais
inseridos em contornos que não os acomodam de modo adequado. Observar figura 14.
HABILIDADES SOCIAIS E ASPECTOS SOCIOAFETIVOS:
a. Inventário Multimídia de Habilidades Sociais (IMHSC-Del-Prette): não se aplica;
b. NEPSY-II, provas do domínio da percepção social:
Figura 14: extrato do teste Relógios (NEPSY-II), itens 9 e 10, produzido por Andy
109
Tabela 10: resultados quantitativos de Andy na prova Teoria da Mente (NEPSY-II)
Teoria da mente
Tarefa verbal
Escore Percentil
06 < 2%
Tarefa contextual
Escore
02
Escore total Escore ponderado/Percentil
08 < 2
A aplicação do Inventário Multimídia de Habilidades Sociais (IMHSC-Del-Prette) foi
iniciada com as perguntas do Perfil Geral, em que a criança assiste a três reações e
posteriormente escolhe aquela considerada adequada.
O avaliador optou por interromper a aplicação do IMHSC-Del-Prette, ao observar o
comportamento disperso de Andy, atrelado às respostas impulsivas, semelhantes a padrão de
perseveração (persistia em assinalar a alternativa “A” das reações propostas). Ressalta-se que
o comportamento disperso estava associado à brincadeira com o Buzz Lightyear, boneco do
desenho Toy Story que o acompanhava em todas as sessões avaliativas. Andy pegava o
boneco e sugeria ecolalia diferida da fala de personagens do desenho animado citado.
Exemplos foram apresentados, auxílios de execução foram propostos, mas a criança
prosseguiu com dificuldade na execução da atividade. Quando o avaliador propôs a
finalização da mesma, Andy disse: “muito difícil” (sic).
Para além da avaliação de habilidades sociais, percebe-se aqui a dificuldade de
engajamento e, possivelmente, de compreensão do inventário (mesmo com auxílio de
110
recursos audiovisuais e multimídia). Nesse sentido, adaptações de situações hipotéticas do
IMHSC-Del-Prette foram propostas na tentativa de investigar habilidades sociais da criança.
Situações específicas do IMHSC-Del-Prette foram adaptadas, recorrendo-se à presença
presença dos personagens do Toy Story (desenho predileto da criança) envolvidos em
contextos sociais semelhantes à versão original do instrumento. Habilidades de
empatia/civilidade, assertividade de enfrentamento, autocontrole e participação foram
avaliadas de modo qualitativo, a partir das seguintes proposições:
- Juntar-se a um grupo em brincadeiras (habilidade de participação, adaptada do item 1):
Sr. Cabeça de Batata e o Porquinho estão brincando de futebol. Buzz quer brincar também. O
que Buzz vai fazer?;
a) Fica esperando Sr. Cabeça de Batata e o Porquinho o convidarem para brincar de futebol;
b) Chega perto do Sr. Cabeça de Batata e o do Porquinho e se auto convida para brincar de
futebol;
c) Puxa a bola de futebol do Sr. Cabeça de Batata e o do Porquinho e diz: “agora é minha
vez!”.
- Pedir mudança de comportamento (habilidade de assertividade de enfretamento, adaptada
do item 05):
Sr. Cabeça de Batata e Buzz estão assistindo aula, quando Buzz começar a cutucar o Sr.
Cabeça querendo conversar. O que Buzz vai fazer?
a) Mesmo com vontade de prestar atenção na professora, Buzz vira-se para ouvir o que o Sr.
Cabeça de Batata tem a dizer;
b) Buzz diz ao Sr. Cabeça de Batata que depois escuta o que ele tem a dizer, porque, no
momento, ele quer prestar atenção na explicação da professora;
111
c) Buzz diz ao Sr. Cabeça de Batata: “Cala a boca!! Não está vendo que você está
atrapalhando?!”.
- Oferecer ajuda (habilidade de empatia/civilidade, adaptada do item 10):
O Sr. Cabeça de Batata vê o amigo Buzz querendo subir os degraus da escada da escola, mas
o Buzz está com uma perna quebrada. O que o Sr. Cabeça de Batata vai fazer?
a) Passa pelo Buzz e não tá nem ai;
b) Diz ao Buzz: “quebrou a perna, foi? Bem feito! Ninguém mandou você jogar futebol. Ra-
ra-ra”;
c) O Sr. Cabeça de Batata oferece ajuda ao amigo Buzz para subir os degraus da escada.
- Aceitar gozações (habilidade de autocontrole, adaptada do item 15):
Buzz precisa usar óculos de grau. Quando ele chega à escola, todos os amigos começam a
dizer: “quatro olhos! Quatro olhos!”. O que Buzz vai fazer?:
a) Fica calado, apenas ouvindo os amigos o chamarem de quatro olhos. Mas, ao mesmo
tempo, pensa: “ai que saco! Bem que eu não queria vir à escola de óculos.”;
b) Fica calado e pensa: “já já eles param. Vão se acostumar com o meu óculos”;
c) Olha para os amigos e diz: “feios, chatos! Vocês são chatos!”.
As situações escolhidas do IMHSC-Del-Prette não seguiram critérios de inclusão. A
escolha foi aleatória e apresenta situações aparentemente comuns ao universo de diversas
crianças. Tais adaptações seguem com os mesmos personagens na tentativa de evitar
substituições que vão de encontro à dificuldade de flexibilidade mental: função executiva
aparentemente frágil no funcionamento executivo de Andy. Na tentativa de facilitar o
engajamento e motivação da criança na atividade proposta, o Buzz foi inserido nas situações,
porque ele acompanhou Andy em todos os encontros avaliativos.
112
As situações hipotéticas foram propostas de forma lúdica, mas sobressaltou a aparente
dificuldade de Andy na linguagem receptiva e expressiva. Ele demonstrou engajamento na
proposição, mas frequentemente emitia ecolalia imediata da fala do avaliador, ou ainda trazia,
em frases curtas e pontuais, relatos de vivências pessoais, o que por sua vez sugere adequado
desenvolvimento da memória episódica. Por exemplo, ao ouvir a adaptação do item 1, Andy
respondeu:
- Andy: “O que Buzz vai fazer? Fazer.” (sic);
- O avaliador prosseguiu: “a) Buzz vai ficar esperando Sr. Cabeça de Batata e o Porquinho o
convidarem para brincar de futebol?”;
- Andy: “Futebol. Lá em Pau dos Ferros2 Andy joga futebol. Na fazenda. É.” (sic).
Semelhante ao IMHSC-Del-Prette, Andy demonstrou comportamento disperso na tarefa
de teoria da mente do NEPSY-II. Ele encontra-se muito abaixo do nível esperado para sua
faixa etária. Entretanto, a análise qualitativa da atividade permite vislumbrar maior
engajamento em itens de perguntas curtas, subsidiados por imagens visuais ou auxílio de
objetos concretos (item 5 e 6, por exemplo), em detrimento dos itens longos, apresentados
sem auxílio de imagens (item 10, por exemplo).
Aqui, para além da avaliação da teoria da mente, sugere-se que Andy demonstra
beneficiar-se de atividades permeadas por informações objetivas e pontuais, subsidiadas por
estímulos visuais ou objetos concretos.
Como os itens verbais exigem que a criança escute toda a história, para depois responder
a perguntas específicas, indica-se que a dificuldade de Andy pode estar atrelada à carência de
estratégias para manipular e manter, mentalmente, a história narrada (memória operacional
para material verbal). Possivelmente, ele possui span mnésico pequeno (capacidade limitada
de armazenamento na memória de curto prazo) e, por conseguinte, beneficia-se de
2 Cidade onde Andy reside.
113
solicitações curtas. O reduzido tempo de manutenção do foco atencional sobre estímulo-alvo,
também podem ter-se constituído como barreira à execução das tarefas propostas.
Criança 2 – Pseudônimo Cauê – Transtorno Autista
Cauê é uma criança do sexo masculino, com dez anos de idade no momento da avaliação
neuropsicológica. A criança foi diagnosticada com Transtorno Autista (DSM-IV-TR) por
neuropediatra, aos 8 anos de idade. Cauê chegou ao SEPA encaminhado pela escola regular,
que demonstra intensa preocupação com a necessidade de elaborar planejamento pedagógico
condizente com o perfil neuropsicológico da criança.
Etapa 1 – Análise qualitativa do sintoma:
ANAMNESE COM OS PAIS DE CAUÊ:
As informações registradas sobre o histórico clínico do Cauê foram fornecidas pelos pais
da criança, durante entrevista clínica realizada em maio de 2013. O relato dos pais sugere
forte vínculo afetivo na relação pais-filho, entretanto, há pontos de vista dissonantes atrelados
ao perfil comportamental do Cauê.
A mãe associa o perfil comportamental e socioafetivo do filho ao quadro clínico indicado
por neuropediatra. O pai, por sua vez, parece resistir à aceitação do diagnóstico clínico. Leitor
fluente de publicações científicas, no decorrer da entrevista clínica, frequentemente atrelou
atitudes e dificuldades do filho a justificativas de causa-efeito.
Como consequência, eles sugerem assumir papéis desarmônicos na relação pais-filho. A
progenitora frequentemente ressalta perfil materno acolhedor e protetor, como se as
dificuldades do filho fossem específicas do quadro clínico e, portanto, passíveis de encobrir
com atitudes de aceitação. Por outro lado, o progenitor tem perfil associado ao rigor
educacional, como se as dificuldades do filho fossem passíveis de superação por meio de
intenso treino.
114
Por exemplo, enquanto o pai reconhece as dificildades de aprendizagem do Cauê, mas
acredita que as mesmas podem ser superadas com horário de estudo intensificado, a mãe
também sugere reconhecer tais dificuldades, entretanto, flexibiliza o horário de estudo posto.
Concernente ao desenvolvimento de Cauê, o pré-natal foi realizado adequadamente. O
parto foi normal, sem intercorrência clínica. Conforme relato do pai, o desenvolvimento das
habilidades motoras e linguísticas ocorreu dentro da faixa etária esperada. A queixa de atraso
circunscreve ao desenvolvimento da linguagem expressiva, a qual, segundo o pai, deve-se ao
comprometimento na articulação dos movimentos orofaciais que compõem a fala
oral/expressiva, sugerido por profissional da fonoaudiologia.
Cauê é uma criança que sempre gostou de brinquedos de montar e desmontar. Não gosta
de brinquedos convencionais e tem preferência por brincadeiras relacionadas ao ambiente da
construção civil. Como o pai trabalha na área, o discurso do mesmo indica que Cauê aprecia
manipular diferentes tipos de materiais do contexto em vigor. Ele é descrito como criança que
possui curiosidade aguçada pelo ambiente, mas que não gosta de barulho e lugares agitados.
Não há queixas relativas aos padrões de sono e alimentação.
No tocante ao desenvolvimento escolar, Cauê passou dois anos sem frequentar
instituições escolares, porque teve dificuldades de adaptação ao contexto de ensino-
aprendizagem oferecido. Nesse período, a criança foi acompanhada por psicopedagoga, que
sinalizava a presença de entraves na aprendizagem da leitura e escrita.
No momento da avaliação neuropsicológica, Cauê cursava o 2º ano do Ensino
Fundamental em uma escola particular do município de Natal-RN. Dentre as informações
decorrentes da entrevista na instituição, destaca-se: a dificuldades em manter interação social
por longo período de tempo, bem como o comportamento rigidamente rotineiro. Por
exemplo, todos os dias, ele precisa olhar todos os ralos dos banheiros e inspecionar a área de
115
lazer da escola. Quando a necessidade não é atendida, frequentemente há comprometimento
da atenção concentrada durante as aulas.
Ademais, Cauê foi designado como um aluno que não demonstra motivação durante
realização de atividades que não despertam seu interesse, notadamente aquelas voltadas para
leitura e escrita. Comumente ele chora e não se engaja em atividades escolares com maior
grau de dificuldade.
Durante anamnese, os pais informaram que Cauê frequentemente queixa-se de dores de
cabeça. Ele utiliza óculos com grau 4,5 devido à cicatriz na mácula do olho direito. Cauê é
apresentado como filho que possui comportamentos “opositores-desafiadores” (sic) e que se
sente “frustrado/culpado” (sic) em circunstâncias nas quais reconhece seus erros. Por
exemplo, ele comumente coloca a mão na tomada ou termina de rasgar camisas que estão
furadas, mas, depois, olha para os pais e diz: “Não. Não pode não.” (sic).
Ressalta-se que a expressão “comportamento opositor-desafiador” advém de psicólogo
clínico que acompanhou Cauê por aproximadamente dois meses. A hipótese foi sugerida pelo
profissional e, por conseguinte, passou a integrar o vocabulário dos pais para designar
comportamentos, tais como os supracitados.
Em relação ao histórico clínico, o exame Bera (Audiometria de Tronco Encefálico),
realizado em fevereiro de 2010, conclui que há “integridade auditiva das vias retrococleares
bilateralmente” (idem). Também em fevereiro de 2010, Cauê foi submetido à
eletroencefalografia em vigília. Apesar das condições técnicas pouco satisfatórias, uma vez
que estava inquieto e pouco cooperante, o resultado do exame conclui “ausência de
potenciais epileptogênicos” (idem).
O exame de X-Frágil por pesquisa PCR, realizado em novembro de 2010, aponta para
ausência de expansão no Locus FRAXA, excluindo, portanto, o diagnóstico de Síndrome do
116
X-Frágil. No mesmo período, o exame de cariótipo (pareamento cromossômico – banda G)
eliminou a possibilidade de células com aberração cromossômica.
No mais, dois exames neurológicos foram realizados, quais sejam, tomografia
computadorizada crânio-encefálica (realizado em janeiro de 2011) e ressonância magnética
crânio-encefálica (realizado em abril de 2011). O primeiro indica a presença de calcificações
intracranianas, considerando a hipótese de angiomas múltiplos, todavia, o segundo exame
indica parâmetros dentro da normalidade. Conforme impressão diagnóstica do exame: “as
calcificações vistas em tomografia anterior praticamente não têm expressão à ressonância
magnética” (idem).
DESENHO HISTÓRIA COM TEMA:
O desenho história de Cauê caracteriza-se por desenhos figurativos, ou seja, há a busca de
semelhança intencional entre o desenho e a figura que quer representar. De acordo com a
figura 15, o desenho da figura humana encontra-se em fase de verticalização da figura-girino:
a região da cabeça representa apenas a cabeça, as pernas representam uma forma de tronco e
pernas indistintos, e os braços são ligados a essas linhas verticais (Grieg, 2004).
Figura 15: desenho história do Cauê com tema “Eu e minha família”
117
A dificuldade de comunicação verbal de Cauê trouxe barreiras à construção narrativa do
desenho história com tema. Ele desenhou os temas solicitados, quais sejam, “Eu e minha
família”, “Eu e minha escola”, mas a apresentação verbal do desenho foi incentivada pelo
avaliador. Ele trouxe frases curtas e descritivas do desenho, por exemplo, “Cauê, na escola”
(sic), “Chegando à escola, bolsa” (sic). “Cauê, a mãe e o pai do Cauê” (sic). É interessante
notar que ele compreende o pronome Eu, já que realiza os desenhos sugeridos incluindo-se
em todos eles, mas não utiliza esse mesmo pronome na construção de suas narrativas,
recorrendo ao nome próprio para se auto-referir nos desenhos.
Conforme a figura 15, apresentada anteriormente, o desenho história com tema “Eu e
minha família” foi caracterizado pela presença da criança, pais e círculos ao lado das figuras
humanas. Verifica-se acabamento diferenciado da figura humana por meio de cores, mas o
formato do rosto e corpo segue mesmo padrão.
O desenho com tema “Eu e minha escola” constituiu-se por apresentação da estrutura
física da escola (observar figura 16). Cauê encontra-se sozinho no desenho. Em entrevista
com a professora da criança, ela confirma que Cauê é isolado dos pares. Ele é o único menino
da sala e, além disso, o padrão repetitivo de atividade (olhar ralos do banheiro e área de lazer)
impede aproximação dos pares no intervalo.
Figura 16: desenho história do Cauê com tema “Eu e minha escola”
118
A professora relata que frequentemente Cauê possui dificuldades para interagir
socialmente por longo período de tempo, geralmente não compartilha interesses e atividades
com os pares. Os pais afirmaram que Cauê diz: “A casa. A casa da menina da sala. Cauê
quer conhecer” (sic), mas a colega de sala parece que não sabe de tal desejo. Os pais
confirmaram que ele não tem amigos. O aniversário da criança sempre foi comemorado
apenas com a presença dos pais e avós paternos.
Os pais sugerem que ainda não despertaram para proposições que impulsionem a
participação/inserção social do Cauê. Eles frequentemente evitam ir a festas de datas
comemorativas da escola, como a festa de São João, por exemplo. Eles quase não saem para
passear nos finais de semana e, quando saem, preferem ir a lugares sem a presença de
crianças.
Em horário livre, frequentemente Cauê cria tubulações com pedaços de canos dispostos
na casa. Ele possui conhecimento aguçado sobre materiais de construção. Fato que o leva a
descrever a matéria-prima de diversos objetos da escola, por exemplo, sabe que a proteção da
lâmpada é feita de plástico. Através da sensibilidade tátil, Cauê tenta diferenciar objetos
ásperos e lisos presentes no carro.
Até o momento da avaliação neuropsicológica, a criança não estava em acompanhamento
multiprofissional. No final do processo avaliativo (novembro de 2013), os pais informaram
que Cauê aprendeu a identificar o dia da semana e a data correspondente ao ano de 2013, sem
olhar o calendário. Por exemplo, se perguntar a ele em que dia da semana caiu 20 de
fevereiro de 2013, ele responderá de modo assertivo, sem auxílio do calendário (informa os
pais). Tal depoimento sugere alto funcionamento específico da memória.
RESPOSTA DO CBCL (RESPONDIDO PELO PAI DE CAUÊ):
A primeira escala fornecida pela CBCL refere-se à Escala de Competência Social,
relacionada a problemas no desempenho de variadas atividades (brincadeiras, jogos, execução
119
de tarefas), no relacionamento com pessoas (familiares, amigos) e desempenho escolar (Borsa
& Nunes, 2008).
Conforme a figura 17, o comportamento de Cauê foi classificado como clínico na Escala
de Competências Sociais, notadamente na esfera de desempenho escolar. Conforme
informações elucidadas pelo pai, ele não estabelece brincadeiras com seus pares, notadamente
em âmbito escolar. Ademais, até o momento da presente avaliação, o progenitor trazia relatos
que sugerem intensas expectativas sobre a aprendizagem escolar do filho, o que
provavelmente culminou no destaque clínico para o âmbito do desempenho escolar: “Cauê
tem tudo para ser um grande engenheiro, só precisa estudar mais” (sic), relata o pai.
Figura 17: resultado do Cauê na Escala de Competências Sociais (CBCL)
120
Na segunda escala fornecida pelo CBCL, a Escala de Síndromes (figura 18), a análise do
comportamento de Cauê enquadrou-se nas categorias clínicas compatíveis com
Isolamento/Depressão, sem perder de vista a faixa limítrofe para Complicações Somáticas,
Problemas de Pensamento, Problemas Atencionais.
Figura 18: resultado do Cauê na Escala de Síndromes (CBCL)
Aqui, verificam-se aproximações com o discurso do progenitor ao lembrar que ele
descreveu características atuais marcantes no filho, quais sejam, dificuldade de interação
social duradoura; dificuldade de entender regras e comportamento disperso.
As complicações somáticas possivelmente remetem às dificuldades vivenciadas pelo pai
em relação à aceitação da gravidade do quadro clínico do filho. Até o momento da presente
avaliação neuropsicológica, ele resistia ao diagnóstico, emitido por neuropediatra. Conforme
anamnese, leitor fluente de publicações científicas, o progenitor do Cauê frequentemente
atrelou atitudes e dificuldades do filho a justificativas de causa-efeito.
121
Cauê obteve classificação clínica na Escala de Problemas Totais, tendo em vista o
enquadramento clínico para Problemas Internalizantes e limítrofe para Problemas
Externalizantes (escala derivada do CBCL, observar figura 19).
Figura 19: resultado do Cauê na Escala de Problemas Totais (CBCL)
Em última análise, na Escala Orientada pelo DSM-IV, onde os dados para classificação
remetem a perfis clínicos do DSM-IV, Cauê obteve resultado compatível com a categoria
clínica circunscrita a problemas opositores-desafiadores, encontrando-se na faixa limítrofe
para problemas de ansiedade e problemas somáticos. Sobressaltam-se quadros clínicos de
comportamento obsessivo-compulsivo e de estresse pós-traumático, sem perder de vista a
faixa limítrofe para baixa velocidade de processamento cognitivo.
A maioria dos resultados encontrados no CBCL consona com aspectos específicos
apontados na anamnese do Cauê. Contudo, salientam-se alguns resultados clínicos,
provavelmente, associados e potencializados pelas dificuldades de compreensão das
perguntas.
122
Figura 20: resultado do Cauê na Escala Orientada pelo DSM-IV (CBCL)
123
Etapas 2 e 3 – Análise Quantitativa do Sintoma e Análise Qualitativa da Atividade:
INTELIGÊNCIA FLUÍDA:
a. Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (MPCR):
Tabela 11: resultados quantitativos do Cauê no MPCR
A Ab B
Soma 07 08 06
Consistência 09 07 05
Discrepância -2 +1 +1
Somatório Percentil3 Classificação
21 40 III-
(Intelectualmente médio)
No Teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (MPCR), Cauê apresenta
desempenho intelectivo na média esperada para sua faixa etária. Ele obteve somatório de 21
pontos (pontuação máxima = 36 pontos), com discrepâncias de -2; +1; +1, nas respectivas
séries A, Ab, B.
Ao analisar o tipo de erro cometido, ocorreram 5 erros na série A (itens 7, 8, 9, 11 e 12),
predominantemente do tipo individuação inadequada e correlato incompleto caracterizar. Na
série Ab, Cauê cometeu 4 erros (itens 2, 10, 11 e 12), sendo três do tipo III (repetição de
padrão). E na série B, ele obteve 7 erros nos últimos sete itens, também predominantemente
do tipo III.
Tais resultados sugerem um padrão de perseveração das respostas, apontando para
dificuldades no funcionamento executivo, notadamente nas habilidades de flexibilidade
3 Percentil de acordo com a população geral
124
mental. Cauê frequentemente cometia erro do tipo III (h), ou seja, repetição do padrão
imediatamente à esquerda do espaço a ser preenchido, conforme figura 21.
Figura 21: extrato do item 8, série B, respondido por Cauê no MPCR
FUNÇÕES EXECUTIVAS:
a. NEPSY-II, provas do domínio da atenção e funções executivas:
Valores de referência:
Escore Ponderado Percentil Classificação
13 – 19 >75% Acima do nível esperado
08 – 12 26 - 75% Nível esperado (Média)
6 – 7 11 - 25% Limítrofe
4 – 5 3 – 10% Abaixo do nível esperado
1 – 3 <2% Muito abaixo do nível esperado
125
Tabela 12: resultados quantitativos do Cauê na prova de atenção auditiva e conjunto de respostas
(NEPSY-II)
Atenção auditiva e conjunto de respostas
Parte 1
Acertos Erros de
ação
Erros de
omissão
Erros de
inibição
19 0 10 07
Escore
ponderado/percentil
Percentil Percentil Percentil AA Combinado –
Escore ponderado
01 51-75% <2% 2-5% 04
Parte 2
Acertos Erros de
ação
Erros de
omissão
Erros de
inibição
23 02 11 01
Escore
ponderado/percentil
Percentil Percentil Percentil CR Combinado –
Escore ponderado
03 51-75% 6-10% >75% 08
Tabela 13: resultados quantitativos do Cauê na prova Classificando Aninais (NEPSY-II)
Classificando animais
Erros originais Erros repetidos Total de erros Acertos
0 02 02 02
Percentil Percentil Percentil Escore
ponderado
Escore
combinado
51-75% 11-25% 26-50% 05 05
126
Tabela 14: resultados quantitativos do Cauê na prova Fluência de Desenhos (NEPSY-II)
Fluência de desenhos
Estruturada Aleatória Total
05 08 13
Percentagem acumulada Percentagem acumulada Escore ponderado
6-8 7-8 04
Tabela 15: resultados quantitativos do Cauê na prova Inibindo Resposta (NEPSY-II)
Inibindo respostas
Parte 1
Erros não-
corrigidos
Erros auto-
corrigidos
Erros total Tempo
05 0 05 119”
Percentil Percentil Percentil Escore
ponderado
Escore
combinado
<2% 51-75% <2% 01 01
Parte 2
Erros não-
corrigidos
Erros auto-
corrigidos
Erros total Tempo
06 0 06 163”
Percetil Percentil Percentil Escore
ponderado
Escore
combinado
2-5% >75% 11-25% 01 06
Parte 3
127
Erros não-
corrigidos
Erros auto-
corrigidos
Erros total Tempo
04 0 04 356”
Percentil Percentil Percentil Escore
ponderado
Escore
combinado
26-50% >75% 51-75% 01 07
Erro (total – Partes 1, 2 e 3) = 15 02
Tabela 16: resultados quantitativos do Cauê na prova Relógios (NEPSY-II)
Relógios
Escore total Escore ponderado
65 09
De forma geral, o desempenho de Cauê nas provas do domínio da atenção e funções
executivas do NEPSY-II denota dificuldades significativas no funcionamento executivo.
No teste Atenção Auditiva e Conjunto de Respostas, Cauê obteve desempenho abaixo do
nível esperado para sua faixa etária na parte 1 (escore combinado equivalente a 04 pontos). Na
parte 2, seu desempenho atinge patamares condizentes com a média esperada (escore
combinado equivalente a 08 pontos).
Verifica-se acentuado número de erros de omissão em ambas as etapas (10 e 11,
respectivamente), bem como acentuado número de erros de inibição na primeira etapa, com
diminuição do cômputo na segunda etapa (07 pontos na parte 1; 01 ponto na parte 2).
Nesse sentido, parece que Cauê ouvia uma determinada palavra-alvo, mas continuamente
omitia-se a apontar para o círculo da cor congruente (erro de omissão) nas etapas 1 e 2.
Todavia, na etapa 2, ele demonstrou decréscimo de erros de inibição, ou seja, houve
128
aprimoramento da habilidade para inibir o toque a fim de emitir resposta congruente à regra
de manter ou alternar o círculo da cor correspondente à palavra-alvo (erro de inibição).
Diante do acentuado número de omissões retratadas, adverte-se para a possibilidade de
dificuldade de atenção auditiva sustentada, associada a dificuldades no controle inibitório.
Presença de dificuldades de atenção sustentada parecem plausíveis à medida que se observa
comportamento disperso de Cauê, durante processo avaliativo, notadamente em atividades de
cunho verbal. Em entrevista escolar, a professora do ano letivo de 2013 trouxe como queixa
central o seu comportamento disperso em sala de aula.
No teste Inibindo Respostas, verifica-se que a criança apresenta melhora atrelada à
continuação da tarefa (escore combinado de 01, 06 e 07 nas respectivas etapas 01, 02, 03),
provavelmente em virtude do maior engajamento observado na execução da atividade.
Cauê não apresenta grande oscilação no cômputo total de erros, entretanto, em todas as
etapas, verifica-se que ele ultrapassa o tempo de execução normatizado para sua faixa etária
(escore ponderado igual a 01 ponto), notadamente na etapa 3, onde integralizou a tarefa em
365 segundos. Em todas as etapas, verifica-se que ele acerta as respostas, mas o tempo de
execução ultrapassa o limite esperado para sua faixa etária.
Destarte, sugere-se que ele apresenta estilo de trabalho lento devido à preocupação de
obter respostas adequadas em atividades subsidiadas por pontos frágeis do seu funcionamento
cognitivo. Em análise pormenorizada, o maior tempo de execução da etapa 3, quando
comparado à etapa 2, torna plausível a hipótese de maior dificuldade em atividades
subsidiadas pela flexibilidade mental, do que pelo controle inibitório.
A hipótese de dificuldade na flexibilidade mental também emerge nos testes Classificando
Animais e Fluência de Desenhos, onde Cauê obteve escore ponderado 05 e 04,
respetivamente. Na análise qualitativa da atividade torna-se possível perceber perseveração na
classificação por cor e número, bem como repetição na produção de desenhos aleatórios. O
129
desempenho abaixo do nível esperado nos testes referidos corrobora com padrão repetitivo de
resposta observado em diversas atividades propostas ao longo do processo avaliativo,
especialmente no MPCR.
Conforme relato dos pais, Cauê frequentemente possui dificuldades para lidar com
alterações e variações na rotina. A criança possui diversos tipos de roupa, mas, segundo os
pais, o filho só usa uma determinada calça jeans e alterna o uso de duas camisas na cor preta.
Todos os dias antes do almoço precisa tomar e servir água com vitamina C. Ao finalizar
consumo do produto, retira o rótulo da embalagem e o guarda em uma caixa (Cauê possui
mais de 30 embalagens armazenadas). Em âmbito escolar, todos os dias, Cauê vai a secretaria
tomar água, e, ao chegar à sala de aula, senta na mesma cadeira (não há marcação prévia das
cadeiras por parte da professora).
Por fim, o desempenho dentro da média esperada no teste Relógios denota desenvoltura
em atividades permeadas por habilidades visuoespaciais e visuoconstrutivas. Cauê obteve
escore total equivalente a 65 pontos e escore ponderado situado em 09 pontos. Tal
desempenho remete a percentil no intervalo de 26-75, classificado na média esperada para
faixa etária. Nos itens 1 e 2 (figura 22), ele desenha relógios analógicos imbricados com
organização visuoespacial, mas observa-se ponteiro de minuto em lugar errado.
Figura 22: extrato dos itens 1 e 2 (teste Relógios, NEPSY-II) produzido por Cauê – horários de 3h e 11:10h
130
A sinalização do ponteiro de minuto continuou errada nos itens 3 e 4, seguido de
identificação equivocada do horário disposto nos itens 6, 7, 8 e 9. Conforme figura 23, Cauê
acerta o ponteiro da hora, mas erra o ponteiro do minuto em todos os itens supracitados.
A partir dos resultados pode-se sugerir que Cauê possui grande habilidade visuoespacial e
visuoconstrutiva, mas sugere-se que ainda não internalizou adequadamente o conceito de
tempo. É interessante notar que nos itens 9 e 10 (figura 24), onde a criança copia os relógios
analógicos, seu desempenho é adequado e preciso.
Figura 23: dos itens 3 e 4 (teste Relógios, NEPSY-II) produzido por Cauê
Figura 24: extrato dos itens 9 e 10 (teste Relógios, NEPSY-II) produzido por Cauê
131
HABILIDADES SOCIAIS E ASPECTOS SOCIOAFETIVOS:
a.Inventário Multimídia de Habilidades Sociais (IMHSC-Del-Prette): não se aplica;
b.NEPSY-II, provas do domínio da percepção social:
Tabela 17: resultados quantitativos do Cauê na prova Teoria da Mente (NEPSY-II)
Teoria da mente
Tarefa verbal
Escore Percentil
11 < 2%
Tarefa contextual
Escore
02
Escore total Escore ponderado/Percentil
13 < 2
A aplicação do Inventário Multimídia de Habilidades Sociais (IMHSC-Del-Prette) foi
iniciada com as perguntas do Perfil Geral, em que a criança assiste a três reações e
posteriormente escolhe aquela considerada adequada.
O avaliador optou por interromper a aplicação do IMHSC-Del-Prette, ao observar
dificuldade de engajamento na atividade. O comportamento disperso estava associado à
brincadeira com o estojo de lápis presente sobre a mesa avaliativa. Cauê demonstrou maior
interesse em organizar os lápis de modo simétrico em linha paralela, em detrimento de
assistir aos vídeos selecionados do IMHSC-Del-Prette.
Para além da avaliação de habilidades sociais, mais uma vez, percebe-se aqui a
dificuldade na atenção auditiva sustentada, mesmo com auxílio de recursos audiovisuais e
132
multimídia. Nesse sentido, adaptações de situações hipotéticas do IMHSC-Del-Prette foram
propostas na tentativa de investigar habilidades sociais da criança.
Situações específicas do IMHSC-Del-Prette foram adaptadas. Congênere ao proposto a
Andy (criança 1 da presente pesquisa), habilidades de empatia/civilidade, assertividade de
enfrentamento, autocontrole e participação foram avaliadas de modo qualitativo.
As situações escolhidas do IMHSC-Del-Prette não seguiram critérios de inclusão. Foram
utilizados os mesmos itens adaptados e apresentados a Andy (criança 1 da presente
pesquisa). Na tentativa de facilitar o engajamento e motivação da criança na atividade
proposta, os nomes de colegas da sala de aula do Cauê foram inseridos nas situações, porque,
durante encontros avaliativos, ele comumente falava de especificamente de dois colegas. As
situações hipotéticas foram propostas de forma lúdica, mas sobressaltou a sua aparente
dificuldade na linguagem receptiva e expressiva. Ele demonstrou engajamento na proposta,
mas frequentemente emitia ecolalia imediata da fala do avaliador.
Semelhante ao que ocorreu com IMHSC-Del-Prette, Cauê demonstrou comportamento
disperso na tarefa de teoria da mente do NEPSY-II. Ele encontra-se muito abaixo do nível
esperado para sua faixa etária. Entretanto, a análise qualitativa da atividade permite
vislumbrar maior engajamento em itens de perguntas curtas, subsidiados por imagens (itens 5
e 9, por exemplo), em detrimento dos itens longos, apresentados sem auxílio de imagens
(item 10 e 14, por exemplo).
Como os itens verbais exigem que a criança escute toda a história, para depois responder
a perguntas específicas, indica-se que a dificuldade de Cauê pode estar atrelada à carência de
estratégias mentais para manipular e manter, mentalmente, a história narrada (memória
operacional para material verbal). Possivelmente, ele possui span mnésico pequeno
(capacidade limitada de armazenamento na memória de curto prazo) e, por conseguinte,
beneficia-se de solicitações curtas.
133
A sugestiva dificuldade na compreensão contextual evidencia-se na tarefa contextual da
teoria da mente. Aqui, ele diferencia as expressões emocionais propostas (feliz, triste, raiva,
medo, nojo, neutro), mas sugere dificuldade para entender as situações sociais. Por exemplo,
no item 20 onde a personagem Júlia deveria se sentir triste porque o colega comeu todos os
biscoitos, Cauê optou pelo rosto feliz. Ao ser questionado acerca da escolha, ele emitiu
resposta sugestiva de que a Júlia estava feliz, porque ofereceu biscoitos ao amigo e ele
aceitou: “Ela tirou o biscoito, ele comeu” (sic), informa Cauê ao avaliador.
Criança 3 – Pseudônimo Amy Rose – Transtorno Autista:
Amy é uma criança do sexo feminino, com nove anos e dez meses de idade no momento
da avaliação neuropsicológica. Amy foi encaminhada por neuropediatra com o diagóstico de
Transtorno Autista. Destaca-se que o pseudônimo Amy remete ao personagem que compõe o
atual tema de interesse da criança, a saber, o desenho animado Sonic.
Etapa 1 – Análise qualitativa do sintoma:
ANAMNESE COM OS PAIS DE AMY:
As informações registradas sobre o histórico clínico de Amy foram fornecidas pelos pais
da criança, durante entrevista clínica realizada em agosto de 2013. O relato sugere forte
vínculo afetivo na relação pais-filha. Os pais são dedicados a proporcionar avanços
acadêmicos e sociais para ela. Amy ganhou uma irmã no percurso do processo avaliativo, mas
não há evidências de alterações comprometedoras na dinâmica da relação familiar.
Amy nasceu por parto cesáreo, após 9 meses de gestação. O pré-natal foi realizado
adequadamente, sem nenhuma intercorrência clínica no período pré e pós-natal.
Aproximadamente com 1 ano de idade, Amy começou a andar. Os pais não notaram nenhum
atraso no desenvolvimento motor: o engatinhar e o andar aconteceram dentro da faixa etária
esperada. Aos 2 anos de idade, quando a criança entrou na escola, eles começaram a comparar
134
Amy com outras crianças e, desse modo, começaram a perceber que ela repetia informações e
não apresentava fala articulada (não formava frases).
Aos 3 anos de idade, a escola solicitou avaliação neurológica. O exame de audiometria,
realizado no período em questão, não evidenciou alterações auditivas. Na mesma época, Amy
recebeu atendimento multiprofissional (fonoaudióloga, terapeuta ocupacional, psicóloga e
neurologista) na Unidade de Referência Estadual para atendimento a crianças e adolescentes
portadores de deficiências físicas, mentais, sensoriais ou múltiplas do Rio Grande do Norte.
O acompanhamento foi sistemático, mas a equipe multiprofissional em questão optou por
não evidenciar diagnóstico clínico. Preocupados com o sugestivo atraso no desenvolvimento
da linguagem verbal da Amy, os pais decidiram procurar outro neuropediatra, este levantou a
hipótese de Transtorno da Linguagem Expressiva, encaminhando a criança para profissional
especializado em fonoaudiologia, cujo trabalho interventivo foi realizado por
aproximadamente, 12 meses.
Os pais interromperam por conta própria o acompanhamento fonoaudiólogico, porque
características comportamentais da filha suscitaram dúvidas sobre a hipótese diagnóstica
evidenciada pela neuropediatra. Dentre as características, destaca-se expressão verbal
destoante dos pares, movimentos estereotipados com as mãos, isolamento social, interesse
restrito e intenso por determinado desenho animado. Decidiram levar Amy para outro
neuropediatra, que o Transtorno autista. Nesse período ela estava com 8 anos de idade.
Por ocasião da entrevista clínica em questão, a principal queixa dos pais centrava-se no
atraso do desenvolvimento da linguagem verbal da Amy. De acordo com eles, ela não mantém
conversação por longo período de tempo e é “desajeitada” (sic) para falar com os outros
“como se não soubesse conversar” (sic). “No período próximo ao carnaval, Amy encontrou,
por acaso, com uma colega de sala no shopping. Ai, imediatamente, disse: qual fantasia?
Vermelha?” (sic). Os pais afirmam que frequentemente ela chega para alguém e diz: “quem é
135
você?” (sic). Comumente eles precisam intermediar as suas conversações com outras crianças
– “geralmente a gente ajuda a outra criança a entender o que Amy quer dizer” (sic).
A mãe afirma ter vivenciado momentos embaraçosos com a filha, porque ela não soube
mentir, “disfarçar” (sic). Por exemplo, no dia da colação de grau da mãe, Amy disse, diante
os familiares, que a mãe estava semelhante a um pinguim.
Os pais também destacaram a dificuldade de Amy para interpretar o sentido não-literal de
determinadas situações. Certo dia, o pai pegou a sandália e, com raiva, disse: sabe o que é
isso?. Ela respondeu: uma sandália. De acordo com o contexto, o pai esperava uma reação
diferente por parte da filha: “esperava que ela fosse reagir como as demais crianças reagem –
se sentindo acuada e com medo de levar uma palmada. Amy nem percebeu o que eu pretendia
fazer com aquela sandália na mão” (sic).
Frequentemente, a criança não sabe quando está de castigo. “Estou de castigo?” (sic).
“Vocês estão com raiva de mim?” (sic), pergunta Amy aos pais. Ela frequentemente precisa
do feedback dos pais para compreender situações congêneres.
Amy possui movimentos estereotipados (movimenta as mãos, gira as mãos), desde os 3
anos de idade (aproximadamente). Atualmente, os pais afirmam que, quando percebem o
movimento, ela tenta “disfarçar” (sic) dizendo que está dançando. Eles observam que os
movimentos comumente acontecem quando ela está ansiosa e/ou estressada.
Amy fica muito ansiosa perante eventos sociais que aparentemente despertam prazer:
“Amy tem muita ansiedade para eventos. No período próximo ao carnaval, ela repete várias
vezes: carnaval? Qual fantasia?” (sic), informa a mãe.
Por outro lado, os pais destacaram que a filha possui “muita noção espacial” (sic) – “Amy
sabe direitinho os lugares onde anda” (sic). O pai confirma que Amy possui muita
dificuldade de aprendizagem, mas evidencia que a repetição proporciona o armazenamento de
136
informações com maior qualidade – “noto que Amy aprende mais quando repito a mesma
informação várias vezes” (sic).
Amy estuda há 3 anos na mesma escola particular do município de Natal-RN (contados do
momento da avaliação em questão). Atualmente cursa o 3º ano do Ensino Fundamental I,
reconhece letras e sílabas, mas ainda não sabe ler. Ressalta-se que ela estuda em uma sala de
aula onde predomina meninos.
A mãe observa que a filha possui “dificuldade excessiva” (sic) para entender conceitos
abstratos – possui dificuldade para compreender o conceito de bairro, por exemplo. A
progenitora relata que ela memoriza textos “ao ponto de passar a ideia de que está lendo tudo
direitinho” (sic). Ela é designada como estudante que gosta de repetir as coisas. Copia textos,
mas escreve com letra bastão.
Designada como criança detalhista e perfeccionista, Amy gosta de ballet e não vai ao
ensaio com os acessórios incompletos. Certo dia, ela exigiu voltar em casa porque havia
esquecido a tiara que compõe a roupa do ballet.
DESENHO HISTÓRIA COM TEMA:
Destaca-se que o desenho história de Amy caracteriza-se por desenhos figurativos, ou
seja, há a busca intencional de reproduzir a semelhança entre o desenho e a figura que quer
representar. De acordo com imagem ilustrativa, sugere-se que ela estrutura o desenho das
personagens com cabeça e corpo, acompanhado de sugestiva clivagem funcional da
condensação de figuras continentes e irradiantes que parecem ter constituído a figura-girino
da Amy Ainda não se observa a presença de diferenciações dos personagens gráficos (Grieg,
2004).
137
A dificuldade de comunicação verbal trouxe barreiras para a produção narrativa do
desenho história com tema. Conforme figura 25, o desenho com tema “Eu e minha família”
foi caracterizado pela presença da criança e pais. Verifica-se acabamento diferenciado dos
personagens gráficos, mas o formato do corpo segue mesmo padrão. Ao apresentar a família,
Amy fala seu nome próprio, em detrimento do uso dos pronomes pessoais: “Amy, mãe e pai
de Amy” (sic). Tal fato evidencia-se em outros momentos do processo avaliativo, nos quais
verificou-se que Amy não utiliza os pronomes eu-você (“Amy ganhou. Samantha perdeu” –
sic).
Figura 25: desenho história da Amy com o tema "Eu e minha família"
138
Figura 26: desenho história da Amy com o tema "Eu e minha escola"
O desenho com tema “Eu e minha escola” (figura 26, apresentada anteriormente)
constituiu-se por reprodução de colegas da sala de aula. Ao apresentar o desenho, Amy disse:
“qual o nome daquela menina? Amy na escola brinca de boneca.” (sic).
Em entrevista com a professora da criança, ela confirma que Amy não é isolada dos pares,
mas apresenta sugestivas dificuldades atreladas à cognição social, estas impedem o
estabelecimento de interações sociais duradouras. A docente relata que, frequentemente, Amy
compartilha seu interesse intenso e circunscrito ao desenho Sonic, mas a especificidade
temática e recorrente frequência interrompem o compartilhar social com os pares.
Destaca-se o salto qualitativo de Amy, identificado pela família e escola, quando
decidiram colocar a criança em uma sala com maior número de meninas. Desde então, todos
afirmam que Amy interage muito mais, porque se permite o compartilhamento de bonecas,
por exemplo.
139
Amy reside no munícipio de Natal, os pais possuem forte vínculo afetivo com a criança e
a escola particular regular demonstra preocupação com o planejamento e execução de
propostas pedagógicas condizentes ao perfil neuropsicológico da criança.
Destaca-se preocupação com o processo de alfabetização da Amy. Os pais solicitaram
reunião com equipe pedagógica a fim de suscitar discussão diante à proposta de trabalho
interventivo diferenciado e de qualidade para a criança. Ficou acordado acompanhamento
com fonoaudiólogo especializado com o objetivo de auxiliar no seu processo de alfabetização.
RESPOSTA DO CBCL (RESPONDIDO PELA MÃE DE AMY):
A primeira escala fornecida pela CBCL refere-se à Escala de Competência Social,
relacionada a problemas no desempenho de variadas atividades (brincadeiras, jogos, execução
de tarefas), no relacionamento com pessoas (familiares, amigos) e desempenho escolar (Borsa
& Nunes, 2008).
Conforme figura 27, o comportamento de Amy foi classificado como clínico na Escala de
Competências Sociais, notadamente nas esferas de relacionamento com pessoas (familiares,
amigos) e desempenho escolar. Conforme informações fornecidas pelos pais, Amy não
estabelece brincadeiras com seus pares, notadamente em âmbito escolar.
Figura 27: resultado da Amy na Escala de Competências Sociais (CBCL)
140
Na segunda escala fornecida pelo CBCL, a Escala de Síndromes (figura 28), o
comportamento de Amy não se enquadrou nas categorias clínicas sugeridas. Congruente, na
Escala de Problemas Totais, ela não obteve pontuações condizentes com grupos clínicos para
Problemas Internalizantes e Externalizantes (escala derivada do CBCL, observar figura 29).
Figura 28: resultado da Amy na Escala de Síndromes (CBCL)
Figura 29: resultado da Amy na Escala de Problemas Totais (CBCL)
141
De forma análoga, não foram identificadas características clínicas significativas na Escala
Orientada pelo DSM-IV (figura 30), exceto para problemas de comportamento obsessivo-
compulsivo, no qual há resultado limítrofe.
142
Figura 30: resultado da Amy na Escala de Orientada pelo DSM-IV (CBCL)
Etapas 2 e 3 – Análise Quantitativa do Sintoma e Análise Qualitativa da Atividade:
INTELIGÊNCIA FLUÍDA:
a. Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (MPCR):
Tabela 18: resultados quantitativos da Amy no MPCR
A Ab B
Soma 09 07 05
Consistência 09 07 05
Discrepância 0 0 0
143
Somatório Percentil4 Classificação
21 50 III+
(Intelectualmente médio)
No Teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (MPCR), Amy apresenta
desempenho intelectivo na média esperada para sua faixa etária. Ela obteve somatório de 21
pontos (pontuação máxima = 36 pontos), com discrepâncias de zero, nas respectivas séries A,
Ab, B.
Ao analisar o tipo de erro cometido, verifica-se a ocorrência de 3 erros na série A (itens 9,
11, 12), predominantemente do tipo individuação inadequada/correlato incompleto e repetição
do padrão por perseveração. Na série Ab, Amy cometeu 5 erros (itens 8 a 12), todos do tipo
III (repetição de padrão). Por sua vez, na série B, ela obteve 7 erros nos últimos sete itens,
também predominantemente do tipo III.
Tais resultados sugerem presença de padrão de perseveração das respostas, apontando
para dificuldades no funcionamento executivo, notadamente nas habilidades de flexibilidade
mental. Amy frequentemente cometeu erros do tipo III (h), ou seja, repetição do padrão
imediatamente à esquerda do espaço a ser preenchido, conforme figura 15, apresentada
anteriormente.
FUNÇÕES EXECUTIVAS:
b. NEPSY-II, provas do domínio da atenção e funções executivas:
Valores de referência:
4 Percentil de acordo com a população geral
Escore Ponderado Percentil Classificação
13 – 19 >75% Acima do nível esperado
144
Tabela 19: resultados quantitativos da Amy na prova Atenção Auditiva e Conjunto de Respostas
(NEPSY-II)
Atenção auditiva e conjunto de respostas
Parte 1
Acertos Erros de
ação
Erros de
omissão
Erros de
inibição
25 0 03 0
Escore
ponderado/percentil
Percentil Percentil Percentil AA Combinado –
Escore ponderado
06 51-75% 11-25% 26-50% 07
Parte 2
Acertos Erros de
ação
Erros de
omissão
Erros de
inibição
06 30 21 0
Escore
ponderado/percentil
Percentil Percentil Percentil CR Combinado –
Escore ponderado
01 <2% <2% >75% 01
Tabela 20: resultados quantitativos da Amy na prova Classificando Animais (NEPSY-II)
Classificando animais
Erros originais Erros repetidos Total de erros Acertos
0 03 03 01
08 – 12 26 - 75% Nível esperado (Média)
6 – 7 11 - 25% Limítrofe
4 – 5 3 – 10% Abaixo do nível esperado
1 – 3 <2% Muito abaixo do nível esperado
145
Percentil
Percentil Percentil Escore
ponderado
Escore
combinado
51-75% 6-10% 26-50% 04 05
Tabela 21: resultados quantitativos da Amy na prova Fluência de Desenhos (NEPSY-II)
Fluência de desenhos
Estruturada Aleatória Total
01 02 03
Percentagem acumulada
Percentagem acumulada Escore ponderado
<4 <3 01
Tabela 22: resultados quantitativos da Amy na prova Inibindo Resposta (NEPSY-II)
Inibindo resposta
Parte 1
Erros não-
corrigidos
Erros auto-
corrigidos
Erros total Tempo
02 0 02 168”
Percentil Percentil Percentil Escore
ponderado
Escore
combinado
6-10% >75% 26-50% 01 06
Parte 2
Erros não-
corrigidos
Erros auto-
corrigidos
Erros total Tempo
13 02 15 315”
Percentil Percentil Percentil Escore
ponderado
Escore
combinado
146
<2% 51-75% <2% 01 01
Parte 3
Erros não-
corrigidos
Erros auto-
corrigidos
Erros total Tempo
35 02 37 319”
Percentil Percentil Percentil Escore
ponderado
Escore
combinado
<2% 51-75% <2% 01 01
Erro (total – Partes 1, 2 e 3) = 54 01
Tabela 23: resultados quantitativos da Amy na prova Relógios (NEPSY-II)
Relógios
Escore total Escore ponderado
39 01
De forma geral, o desempenho da Amy nas provas do domínio da atenção e funções
executivas do NEPSY-II denota dificuldades significativas no funcionamento executivo.
No teste Atenção Auditiva e Conjunto de Respostas, Amy obteve desempenho
classificado como limítrofe na parte 1 (escore combinado equivalente a 07 pontos). Na parte
2, seu desempenho decresce tornando-se muito abaixo do esperado (escore combinado igual a
01 ponto).
Nessa última parte, verifica-se acentuado número de erros de ação e omissão (30 e 21,
respectivamente). Ou seja, ela frequentemente ouvia uma determinada palavra e apontava de
modo aleatório para uma cor (erro de ação), ou ainda omitia-se em flexibilizar ou inibir o
147
toque a fim de emitir resposta congruente à regra de manter ou alternar o círculo da cor
correspondente à palavra-alvo (erro de omissão).
Aqui, adverte-se para a possibilidade de adequada compreensão verbal, atenção auditiva
seletiva e sustentada, mas entraves significativos nas funções executivas, notadamente no
funcionamento do controle inibitório e flexibilidade mental. Tal hipótese ganha força ao
analisar o desempenho de Amy no teste Inibindo Resposta. Verifica-se que ela obteve
desempenho muito abaixo do nível esperado nas etapas 2 e 3 do teste (somatório total de 15 e
37 erros, respectivamente), mas encontra-se na média esperada para faixa etária na etapa 1
(somatório total de 2 erros). Verifica-se acentuado número de erros não-corrigidos nas etapas
2 e 3 (13 e 35, respectivamente). Entretanto, a análise qualitativa do processo de execução da
etapa 3 merece ressalvas.
Conforme descrição do teste Inibindo Respostas (Anexos), o mesmo é constituído por dois
itens (formas e setas) fragmentados em três etapas. Na terceira etapa de ambos os itens, a
criança é convidada a fornecer nomenclatura congruente ou incongruente da forma (quadrado
ou círculo) e, posteriormente, da direção da seta (para cima ou para baixo), de acordo com a
cor do estímulo.
A análise da etapa 3 de ambos os itens (forma e setas) sugere que Amy tentou mudar a
resposta, mas tal tentativa fracassou por fixar-se na cor preta. Ela obteve acertos aleatórios à
medida que respondia a forma ou direção da seta, quando as mesmas estavam na cor preta.
Quando errava, Amy repetia três vezes: “vamos conseguir” (sic).
Tal tentativa de acerto parece ter predominado ao longo da execução da atividade. Amy
obteve desempenho muito abaixo do esperado no tocante ao tempo de execução necessário
para integralizar cada etapa do teste. Logo, sugere-se estilo de trabalho lento na tentativa de
obter respostas adequadas.
148
A hipótese de dificuldades na flexibilidade mental também emerge ao analisar o
desempenho de Amy nos testes Classificando Animais e Fluência de Desenhos. Em ambos,
ela obteve desempenho abaixo do esperado para sua faixa etária.
Na análise qualitativa das atividades citadas percebe-se perseveração na classificação por
chuva e sol, bem como repetição na produção de desenhos estruturados e aleatórios, conforme
figura 31.
Destaca-se que no Classificando Animais, o avaliador proporcionou um exemplo extra de
classificação, qual seja, figuras com borda e sem borda nas margens das peças, mas as
categorizações de Amy ficaram circunscritas a padrão repetitivo de classificação.
O desempenho abaixo do nível esperado nos testes referidos corrobora com padrão
repetitivo de resposta observado em diversas atividades propostas ao longo do processo
avaliativo, especialmente no MPCR.
Figura 31: extrato do teste Fluência de Desenho, parte estruturada, produzido por Amy
149
Dificuldades no funcionamento executivo, notadamente nas habilidades de flexibilidade
cognitiva, parecem repercutir no cotidiano da criança. Convém relembrar que Amy não vai
ao ensaio do ballet se os acessórios estiverem incompletos. Conforme anamnese, certo dia, ela
firmou em voltar ao seu lar, porque, quando chegou ao local do ensaio, percebeu que havia
esquecido a tiara que compõe a roupa do ballet.
Por fim, o desempenho de Amy no teste Relógios sugere presença de dificuldades
visuoespaciais. Nesse, ela obteve desempenho muito abaixo do esperado para sua faixa etária
(P < 2), tendo em vista escore total equivalente a 39 pontos e escore ponderado situado em 01
ponto.
Nos itens 1 e 2, Amy desenha relógios analógicos com presença de números, contorno e
ponteiros, mas observa-se falhas à medida que se verifica contorno aberto e assimétrico,
números e ponteiros desproporcionais.
Figura 32: extrato do teste Relógios, item 2, produzido por Amy – horário 11:10
150
Nos itens 3 e 4 (figura 33), os números encontram-se distribuídos de modo assimétrico e
desproporcional em relação ao contorno. Congênere, nos itens 9 e 10 (figura 34), Amy
reproduziu por cópia os relógios analógicos dispostos, todavia, verifica-se dificuldades em
habilidades relacionadas à rotação mental, percepção espacial e visualização espacial
envolvidas na visuoespacialidade.
Rotação mental entende-se a capacidade de rotacionar, torcer ou inverter objetos tri (ou bi)
dimensionais. A percepção espacial está associada à habilidade de definir relações espaciais a
partir de informações visuais. Por sua vez, a visualização espacial ocorre na resolução de
problemas visuais complexos relativos às partes internas de uma imagem (Maia, 2010).
Figura 33: extrato do teste Relógios, itens 3 e 4, produzido por Amy
151
Figura 34: extrato do teste Relógios, itens 9 e 10, produzido por Amy
HABILIDADES SOCIAIS E ASPECTOS SOCIOAFETIVOS:
a.Inventário Multimídia de Habilidades Sociais (IMHSC-Del-Prette): não se aplica;
b.NEPSY-II, provas do domínio da percepção social:
Tabela 24: resultados quantitativos da Amy na prova Teoria da Mente (NEPSY-II)
Teoria da mente
Tarefa verbal
Escore Percentil
08 < 2%
Tarefa contextual
Escore
152
04
Escore total Escore ponderado/Percentil
12 < 2
A aplicação do Inventário Multimídia de Habilidades Sociais (IMHSC-Del-Prette) foi
iniciada com as perguntas do Perfil Geral, em que a criança assiste a três reações e
posteriormente escolhe aquela considerada adequada.
O avaliador optou por interromper a aplicação do IMHSC-Del-Prette, ao observar a
dificuldade de Amy para compreender o contexto e, por conseguinte, atender à demanda
subjacente. Por exemplo, no item 1, cuja proposição é avaliar a habilidade de participação
(juntar-se a um grupo em brincadeiras), Amy disse: “a menina vai brincar” (sic), mas não
escolheu a reação. Embora o avaliador tenha (exaustivamente) explicado a tarefa, a análise
qualitativa da atividade sugere que ela o esperava para assinalar a reação (A, B ou C).
Hipótese plausível ao verificar que, após apresentação das respectivas reações, Amy pegava
na mão do avaliador e a levava ao mouse.
Para além da avaliação de habilidades sociais, percebe-se aqui a dificuldade na
compreensão das instruções do inventário (mesmo com auxílio de recursos audiovisuais e
multimídia). Nesse sentido, adaptações de situações hipotéticas do IMHSC-Del-Prette foram
propostas na tentativa de investigar as habilidades sociais da criança. Situações específicas
foram adaptadas incluindo a presença dos personagens do Sonic: desenho predileto da criança.
As situações escolhidas do IMHSC-Del-Prette (habilidades de empatia/civilidade,
assertividade de enfrentamento, autocontrole e participação foram avaliadas de modo
qualitativo) não seguiram critérios de inclusão. Optou-se por apresentar os mesmos itens
utilizados com Andy (criança 1 da presente pesquisa).
153
As situações hipotéticas foram propostas de forma lúdica, mas sobressaltou a aparente
dificuldade de Amy na linguagem receptiva e expressiva. Ela demonstrou engajamento na
proposta, mas frequentemente emitia ecolalia imediata da fala do avaliador. Por exemplo, no
item 1, o avaliador perguntou à Amy:
- O que o Sonic vai fazer?
- Amy: “Fazer.” (sic);
- O avaliador prosseguiu: “a) Sonic vai ficar esperando Helen e Tails o convidarem para
brincar de futebol?”;
- Amy: “Vai. Vamos brincar?!” (sic). Aqui, sugere-se que Amy apoiou-se em tom de voz
sugestivo de ecolalia. Imediatamente, ela pegou o seu boneco Sonic e desencadeou ecolalia
diferida da fala de personagens do desenho animado citado.
Conforme elucidações da professora que a acompanha no ano letivo de 2013, congruente a
execução do IMHSC-Del-Prette, Amy demonstra muita dificuldade para compreender o
contexto e, por conseguinte, inferir demandas subjacentes, notadamente durante relações
interpessoais. Apesar da dificuldade, Amy parece apoiar-se na criação de estratégias
compensatórias: certo dia, ela solicitou a ajuda da professora perguntando o motivo pelo qual
os colegas estavam rindo em uma determinada situação no contexto da sala de aula.
Na tarefa de teoria da mente do NEPSY-II, Amy obteve desempenho muito abaixo do
nível esperado para sua faixa etária. Semelhante ao IMHSC-Del-Prette, ela demonstrou
dificuldade na compreensão contextual, bem como dificuldade de produzir respostas a nível
abstrato. No item 5, por exemplo, sugere-se elaboração de resposta amparada na percepção
visual. Amy respondeu: “Silvia. Ela está abraçando um golfinho” (sic). No item 6, Amy
respondeu “lápis” (sic), mas após o avaliador questionar como o suposto amigo sabe que tem
lápis, ela respondeu: “Ah. Então tem cubos” (sic).
154
A aparente dificuldade de compreensão do contexto sobressalta na tarefa contextual da
teoria da mente. Nessa, ela diferencia as expressões emocionais propostas (feliz, triste, raiva,
medo, nojo, neutro), mas apresenta dificuldade para entender as situações sociais. Por
exemplo, no item 20 onde a personagem Júlia deveria se sentir triste porque o colega comeu
todos os biscoitos, Amy optou pelo rosto feliz. Ao questionar a escolha, ela respondeu: “Feliz.
Júlia come os biscoitos” (sic).
Criança 4 – Pseudônimo Jake – Transtorno de Asperger:
Jake é uma criança do sexo masculino, com dez anos e três meses de idade no momento
da avaliação neuropsicológica, diagnosticado pela neuropediatra com Transtorno de Asperger
(DSM-IV-TR). Destaca-se que o pseudônimo Jake remete ao personagem que compõe o atual
tema de interesse da criança, a saber, o Angry Birds.
Etapa 1 – Análise qualitativa do sintoma:
ANAMNESE COM A MÃE DE JAKE:
As informações registradas sobre o histórico clínico de Jake foram fornecidas pela mãe da
criança, durante entrevista clínica no mês de março de 2013.
Jake nasceu por parto cesáreo, após 9 meses de gestação. O pré-natal foi realizado
adequadamente, sem nenhuma intercorrência clínica no período pós-natal. O relato da
progenitora não sugere que o filho possui atraso importante do desenvolvimento da linguagem
receptiva e expressiva. Inicialmente, ele apoiava-se na comunicação não-verbal para solicitar
algo e, aproximadamente com 2 anos de idade, começou a utilizar cerca de 2 palavras e, logo
em seguida, frases para se comunicar com outrem. Nesse período, Jake foi diagnosticado com
disfemia e, por conseguinte, foi submetido a tratamento de aproximadamente dois anos com
fonoaudiólogo especializado em aprimorar a fluência da fala.
155
Conversações recíprocas são estabelecidas quando o assunto desperta o interesse de Jake.
Diálogos sobre assuntos corriqueiros do cotiando são frágeis. A mãe afirma que busca saber
como foi o dia na escola, mas frequentemente ele emite respostas concisas. Também são raras
as conversações demonstrando interesse nos outros. Comumente ele parece interessado em
ouvir e falar apenas acerca dos temas do seu interesse, primordialmente sobre o jogo Angry
Birds.
Não há informações concernentes à presença de neologismos ou linguagem
idiossincrática. Há histórico sugestivo de ecolalia imediata, expressões estereotipadas ou
ecolalia diferida. Segundo progenitora, Jake persiste emitindo frases associadas a
personagens dos filmes infantis apreciados por ele: “ele decora a fala dos personagens e
durante o dia fica falando as frases de forma igualzinha” (sic), informa a mãe. Comumente
fala de modo rebuscado “como se fosse um adulto” (sic) sobre temas circunscritos ao seu
interesse, notadamente acerca de Ciências, Dinossauros e, primordialmente, Angry Birds.
Quando pequeno, a brincadeira simbólica parecia rara. A mãe afirma que incentivava
brincadeiras implicadas com a imaginação, mas Jake não demonstrava interesse: “tentava
brincar de super-heróis, mas meu filho nunca demonstrou ter prazer na brincadeira. Sempre
preferia assistir os mesmos DVDs ou brincar de montar e desmontar objetos, sempre com
muito cuidado.” (sic).
A mãe afirma que o filho sempre demonstrou aguçado interesse por temas específicos.
Quando pequeno, foram os dinossauros, depois, se interessou pelo Scooby Doo e todos os
temas associados: “ele adorava colecionar tudo que envolvesse o Scooby Doo. Achava
interessante o quanto ele era determinado a saber tudo e ter tudo sobre o desenho animado.”
(sic).
156
Pouco tempo depois, Jake transferiu o interesse do Scooby Doo para o Ben 10, inclusive,
queria ter o cabelo igual ao do personagem. Atualmente, o maior interesse são as Ciências e o
Angry Birds: “Jake sabe tudo que você possa imaginar sobre esse jogo. Talvez esteja ai o
problema de interação dele, porque ele só quer falar sobre isso na escola. Ninguém aguenta
mais” (sic), relata a progenitora.
Salienta-se dificuldades para flexibilizar os horários de dormir e o lugar de sentar na
cadeira que compõe a mesa de alimentação familiar. Segundo progenitora, Jake exige dormir
no mesmo horário e sentar-se na mesma cadeira, diariamente.
Jake demonstra grande sensibilidade a ruídos. Quando o barulho está intenso na sala de
aula, por exemplo, ele comumente põe um livro aberto sobre a cabeça na tentativa de isolar
os ouvidos dos ruídos.
Perfeccionista e detalhista, Jake elabora desenhos temáticos sobre o Angry Birds com
grande riqueza de detalhes. Comumente substitui as atividades escolares semanais pelo
desenho dos personagens do jogo citado.
Ele é designado pela mãe como criança “reservada/fechada” (sic), prefere estar com
pessoas mais velhas, tem mudanças repentinas de humor, tende a não se relacionar com os
pares; assim como é “extremamente ansioso” (sic) – comumente mexe a boca e possui hábito
de roer as cutículas das unhas.
Em entrevista com a escola regular da criança, as professoras que o acompanham relatam
que Jake possui repertório restrito de conversações, notadamente sobre o Angry Birds. Ele
não demonstra interesse por estabelecer interações sociais duradouras com os pares. Além
disso, demonstra movimentos ritualísticos, quais sejam, alongar a cabeça e braços, bem como
girar o pescoço do lado esquerdo para o direito, antes de iniciar a execução de atividades.
157
As características comportamentais susceptíveis ao diagnóstico clínico tornaram-se
evidentes quando a criança começou a recusar permanecer na escola. O isolamento social
gerou desconfianças ainda no período da educação infantil, mas a intensificação do
retraimento nas relações interpessoais, durante o Ensino Fundamental I, despertou
preocupações maiores, notadamente em termos de possível quadro clínico subjacente.
Motivada por professores que acompanham o estudante no ano letivo de 2013, a mãe do
Jake resolveu levá-lo ao serviço clínico do curso de Psicologia de uma instituição particular
do município de Natal, sendo posteriormente encaminhada para a neuropediatra.
Jake foi submetido a exames de audiometria e eletroencefalograma, realizados no mês de
fevereiro de 2013, cujos resultados refutam a presença de alterações auditivas ou no padrão
eletroencefalográfico cerebral.
O diagnóstico de Transtorno de Asperger, emitido um mês antes da presente avaliação
neuropsicológica, despertou interesse materno pela pesquisa científica, mas o pai recusa-se a
aceitar o quadro clínico. Atualmente, a dificuldade de aceitação paterna do Transtorno de
Asperger desencadeia recorrentes discussões na relação conjugal, as quais geram barreiras
frente à proposição de inserção de Jake em intervencão multidisciplinar de saúde, ou ainda
em propostas de inclusão escolar condizentes com o seu perfil clínico.
DESENHO HISTÓRIA COM TEMA:
Torna-se imperativo frisar que a criança recusou-se a realizar o desenho história com
tema. O avaliador solicitou os desenhos temáticos “Eu e minha família”, “Eu e minha escola”,
entretanto, Jake recusou o convite justificando que só está apto para desenhar personagens ou
animais do Angry Birds. Aqui, o intenso e restrito interesse pelo jogo sugere adesão inflexível
a novas proposições gráficas, ou ainda desvela a dificuldade para projetar aspectos da
dinâmica emocional diretamente envolvidos com os contextos solicitados. Tal hipótese ganha
força ao analisar a auto avaliação da criança no IMHSC-Del-Prette (posteriormente
158
detalhado), notoriamente concernente aos resultados compatíveis com problemas
internalizantes em demandas de empatia/civilidade e participação social.
RESPOSTA DO CBCL (RESPONDIDO PELA MÃE DE JAKE):
A primeira escala fornecida pela CBCL refere-se à Escala de Competência Social,
relacionada a problemas no desempenho de variadas atividades (brincadeiras, jogos, execução
de tarefas), no relacionamento com pessoas (familiares, amigos) e desempenho escolar (Borsa
& Nunes, 2008).
Conforme figura 35, o comportamento de Jake foi classificado como clínico na Escala de
Competências Sociais. Destaca-se o componente relacionamento social, cujo resultado situa a
criança na faixa clínica, em contraponto aos demais componentes (diversas atividades e
atividades escolares), nos quais ele se encontra dentro do padrão de normalidade.
Na segunda escala fornecida pelo CBCL, a Escala de Síndromes (figura 36), ele
enquadra-se nas categorias clínicas compatíveis com Ansiedade/Depressão,
Figura 35: resultado do Jake na Escala de Competências Sociais (CBCL)
159
Isolamento/Depressão e Problemas de Pensamento, sem perder de vista a faixa limítrofe para
Complicações Somáticas, Problemas Atencionais e Comportamentos Agressivos.
Figura 36: resultado do Jake na Escala de Síndromes (CBCL)
Congênere aos resultados sugestivos de problemas internalizantes no IMHSC-Del-Prette,
Jake obteve classificação clínica na Escala de Problemas Internalizantes do CBCL,
encontrando-se na faixa limítrofe para Problemas Externalizantes (escala derivada do CBCL,
observar figura 37).
160
Figura 37: resultado do Jake na Escala de Problemas Totais (CBCL)
Em última análise, na Escala Orientada pelo DSM-IV, onde os dados para classificação
remetem a perfis clínicos do DSM-IV, Jake obteve resultado compatível com a categoria
clínica circunscrita a problemas de afetividade e ansiedade, baixa velocidade de
processamento cognitivo, comportamentos obsessivos-compulsivos e problemas de estresse
pós-traumático.
A maioria dos resultados encontrados no CBCL consonam com aspectos específicos
apontados durante apresentação do processo avaliativo do Jake. É reconhecida a intensa
dificuldade da criança para estabelecer e manter relações interpessoais duradouras. São raras
as conversações demonstrando interesse nos outros. Comumente Jake parece interessado em
ouvir falar acerca dos temas do seu interesse e frequentemente emite reações não habilidosas
ativas frente às situações permeadas por brincadeiras de duplo-sentido e/ou irônicas.
Contudo, ressalta-se que o perfil avançado pelos resultados pode ter sofrido a interferência
da recência do diagnóstico de Jake. O resultado do CBCL está diretamente atrelado ao
discurso dos pais acerca da criança, refletindo a postura destes diante do quadro clínico do
filho, o que por vezes aumenta ou diminui o impacto de suas sintomatologias. No caso de
161
Jake, o CBCL foi respondido pela mãe, a qual recebeu diagnóstico clínico do filho há
aproximados dois meses, o que pode ter comprometido a compreensão das perguntas,
dificultando a identificação entre o que pode ou não ser considerado típico do transtorno.
Problemas de ansiedade, por exemplo, possivelmente correspondem ao comportamento
“extremamente ansioso” (sic) retratado pela progenitora da criança em entrevista clínica.
Comumente Jake mexe a boca e possui hábito de roer as cutículas das unhas.
162
Figura 38: resultado do Jake na Escala Orientada pelo DSM-IV (CBCL)
Etapas 2 e 3 – Análise Quantitativa do Sintoma e Análise Qualitativa da Atividade:
INTELIGÊNCIA FLUÍDA:
a. Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (MPCR):
Tabela 25: resultados quantitativos do Jake no MPCR
A Ab B
Soma 09 10 12
Consistência 11 10 10
Discrepância -2 0 +2
163
Somatório Percentil5 Classificação
31 80-90 II
(Definitivamente acima da média na
capacidade intelectual)
No Teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (MPCR), o desempenho de Jake
foi classificado como capacidade intelectual definitivamente acima da média esperada para
sua faixa etária. Ele obteve somatório de 31 pontos (pontuação máxima = 36 pontos), com
discrepâncias -2, 0, +2, nas respectivas séries A, Ab, B. Em contraponto a ausência de erros
na série B, Jake obteve três erros na série A e dois na série Ab, predominantemente por
repetição do padrão imediatamente acima do espaço a ser preenchido ou imediatamente à
esquerda do espaço a ser preenchido.
FUNÇÕES EXECUTIVAS:
b.NEPSY-II, provas do domínio da atenção e funções executivas:
Valores de referência:
5 Percentil de acordo com a população geral
Escore Ponderado Percentil Classificação
13 – 19 >75% Acima do nível esperado
08 – 12 26 - 75% Nível esperado (Média)
6 – 7 11 - 25% Limítrofe
4 – 5 3 – 10% Abaixo do nível esperado
1 – 3 <2% Muito abaixo do nível esperado
164
Tabela 26: resultados quantitativos do Jake na prova Atenção Auditiva e Conjunto de Respostas (NEPSY-
II)
Atenção auditiva e conjunto de respostas
Parte 1
Acertos Erros de
ação
Erros de
omissão
Erros de
inibição
30 0 0 02
Escore
ponderado/percentil
Percentil Percentil Percentil AA Combinado –
Escore ponderado
13 51-75% >75% 2-5% 13
Parte 2
Acertos Erros de
ação
Erros de
omissão
Erros de
inibição
28 04 05 03
Escore
ponderado/percentil
Percentil Percentil Percentil CR Combinado –
Escore ponderado
05 26-50% 26-50% 26-50% 07
Tabela 27: resultados quantitativos do Jake na prova Classificando Animais (NEPSY-II)
Classificando animais
Erros originais Erros repetidos Total de erros Acertos
01 03 04 02
Percentil Percentil Percentil Escore
ponderado
Escore
combinado
26-50% 6-10% 11-25% 05 04
Tabela 28: resultados quantitativos do Jake na prova Fluência de Desenhos (NEPSY-II)
Fluência de desenhos
165
Estruturada Aleatória Total
09 11 20
Percentagem acumulada Percentagem acumulada Escore ponderado
7-8 6-8 07
Tabela 29: resultados quantitativos do Jake na prova Inibindo Resposta (NEPSY-II)
Inibindo resposta
Parte 1
Erros não-
corrigidos
Erros auto-
corrigidos
Erros total Tempo
0 0 0 52”
Percentil Percentil Percentil Escore
ponderado
Escore
combinado
51-75% 51-75% >75% 09 13
Parte 2
Erros não-
corrigidos
Erros auto-
corrigidos
Erros total Tempo
15 03 18 96”
Percentil Percentil Percentil Escore
ponderado
Escore
combinado
<2% 26-50% <2% 06 03
Parte 3
Erros não-
corrigidos
Erros auto-
corrigidos
Erros total Tempo
01 15 16 163”
Percentil Percentil Percentil Escore
ponderado
Escore
combinado
51-75% <2% 2-5% 05 03
166
Erro total (Parte 1,2 e 3): 34 02
Tabela 30: resultados quantitativos do Jake na prova Relógios (NEPSY-II)
Relógios
Escore total Escore ponderado
66 09
No teste Atenção Auditiva e Conjunto de Respostas, Jake obteve desempenho acima do
nível esperado para sua faixa etária na parte 1, em contraponto ao desempenho limítrofe na
parte 2 (escore combinado equivalente a 13 e 07 pontos, respectivamente).
Em consonância, verifica-se desempenho acima do nível esperado na etapa 1 do teste
Inibindo Respostas, associada a desempenho muito abaixo do esperado nas etapas 2 e 3 do
referido teste. Nessas últimas etapas, Jake obteve escore combinado equivalente a 03 pontos
(P < 2). Na etapa 2, obteve número acentuado de erros não-corrigidos (total de 18 erros,
desses 15 não-corrigidos). Na etapa 3, a dificuldade prossegue com total de 16 erros, sendo 15
auto-corrigidos.
O acentuado número de erros não-corrigidos na etapa 2 corrobora com a aparente
impulsividade de Jake diante da nomeação de maneira invertida da forma ou direção da seta.
Por sua vez, o acentuado número de erros auto-corrigidos na etapa 3 sugere auto
monitoramento, identificação e controle das dificuldades para flexibilizar a resposta de
acordo com a cor do estímulo. Porém, o monitoramento repercute sobre a velocidade de
execução, o que implica na constante ultrapassagem do tempo permitido para realizar a
atividade.
167
A hipótese de dificuldades na flexibilidade mental ganha força ao analisar o desempenho
de Jake no teste Classificando Animais. Ele encontra-se abaixo do nível esperado para sua
faixa etária devido ao elevado número de erros predominantemente repetitivos (escore
combinado igual a 04 pontos). Jake persiste em repetir a categorização de cores e tamanhos,
em detrimento da realização de classificações originais passíveis de aumentar o seu escore de
acertos no referido teste.
No teste Fluência de Desenhos, ele obteve desempenho limítrofe (20 acertos, 7 pontos
ponderados, percentil situado no intervalo de 11-25). Verifica-se baixo número de produções,
sem registro de erros por repetição ou falhas no traço gráfico. Jake demonstra acurácia e
perfeccionismo na execução da cópia do símbolo gráfico, destarte, acredita-se que ele
precisaria de mais tempo para aumentar a pontuação nesse teste.
Produções gráficas marcadas pelo perfeccionismo parecem repercutir na produção de
relógios analógicos da criança. No teste Relógios, o seu desempenho esteve dentro da média
esperada para sua faixa etária (09 pontos ponderados).
Na análise qualitativa das atividades propostas, verifica-se produção de relógios
analógicos com a presença de números bem localizados e corretamente sequenciados,
contornos simétricos que permitem acomodar adequadamente os números; bem como
ponteiros proporcionais corretamente conectados aos números do horário preestabelecido
(observar figura 39).
168
Figura 39: extrato do item 1, teste Relógios (NEPSY-II), produzido por Jake – horário 3h
O perfeccionismo e acurácia das produções gráficas de Jake também aparecem no
desenho livre. De acordo com imagens ilustrativas (figuras 40 e 41), a representação do
animal ajusta-se ao corte e perfil do corpo com as patas e o rabo. Há inclusão de orelhas,
focinho e cabeça.
Identifica-se desenvolvimento adequado das habilidades visuoespaciais,
visuoconstrutivas e de motricidade fina, associadas ao perfeccionismo da representação
gráfica.
Figura 40: desenho livro produzido por Jake, animal
169
HABILIDADES SOCIAIS E ASPECTOS SOCIOAFETIVOS:
a. Inventário Multimídia de Habilidades Sociais de Crianças (IMHSC-Del-Prette):
Tabela 31: resultados quantitativos do Jake na IMHSC-Del-Prette (Perfil Geral)
Tabela 32: resultados quantitativos do Jake na IMHSC-Del-Prette (Indicadores e Reações)
Tabela 33: resultados quantitativos do Jake na IMHSC-Del-Prette (Indicadores e Reações – subescalas)
PERFIL GERAL (em %)
Avaliador Tipo de reação
Habilidosa
s
NH
Passivas
NH Ativas
Criança 23,81% 47,62% 28,57%
Professor
INDICADORES E REAÇÕES (Valor médio para os
21 itens)*
Indicadores Avaliador Tipo de reação
Figura 41: desenho livro produzido por Jake, Angry Birds
170
Habilidosa NH Passiva NH Ativa
Freqüência Criança 0,48 1,24 0,24
Professor
Adequação Criança 2,00 0,95 0,86
Professor
Dificuldade Criança 1,62 - -
Importância Professor - -
INDICADORES E REAÇÕES (Valor médio nas subescalas)
SUBESCALAS
Indicadores Reações Avaliador Empatia
Civilidade
Assertividade
enfrentamento
Autocontr
ole
Participação
Frequência Habilidosa Criança 0,38 0,20 1,00 0,33
Professor
NH passiva Criança 1,75 0,80 0,50 1,33
Professor
NH Ativa Criança 0,00 0,60 0,25 0,33
Professor
Adequação Habilidosa Criança 2,00 2,00 2,00 2,00
Professor
NH passiva Criança 1,00 1,20 0,75 0,67
Professor
NH Ativa Criança 0,38 1,00 1,50 1,33
Professor
Dificuldade Habilidosa Criança 1,63 2,00 0,75 2,00
Importância Professor
* Os resultados abaixo do intervalo [-1dp<média>+1dp] foram destacados em AMARELO
os acima do intervalo
foram
destacado
s em VERDE
171
Tabela 34: resultados quantitativos do Jake na IMHSC-Del-Prette (Indicadores e Reações –valor de cada item)
b. NEPSY-II, provas do domínio da percepção social:
Tabela 35: resultados quantitativos do Jake na prova Teoria da Mente (NEPSY-II)
Teoria da mente
Tarefa verbal
Escore Percentil
17 26-50
Tarefa contextual
Escore
6
Escore total Escore ponderado/Percentil
23 26-50
A aplicação do Inventário Multimídia de Habilidades Sociais (IMHSC-Del-Prette) foi
iniciada com as perguntas do Perfil Geral, seguido de auto avaliações, nas quais a criança era
A D F I E H P A H P A
6.Pedir desculpas C
10.Oferecer ajuda C
13.Responder pergunta da professora C
14.Fazer pergunta à professora
16.Agradecer um elogio C
18.Consolar o colega C
19.Elogiar o objeto do colega C
21.Defender o colega C
3.Expressar desagrado
5.Pedir mudança comportamento C
11.Propor nova brincadeira C
17.Resistir à pressão do grupo
20.Defender-se de acusações injustas
2.Recusar pedido de colega
7.Demonstrar espírito esportivo
9.Negociar, convencer C
15.Aceitar gozações
1.Juntar-se a um grupo em brincadeiras
8.Mediar conflitos entre colegas C
13.Responder pergunta da professora C
4.Pedir ajuda ao colega em classe C
12.Perguntar (questionar) C
Empatia e civilidade
Assertividade de
enfrentamento
Autocontrole
Participação
Não fatores
INDICADORES E REAÇÕES (Valor de cada item)
SUBESCALAS HABILIDADESTipo de Déficit
Reação não
habilidosaCSC CSP
172
convidada a informar a frequência, adequação e dificuldade implicada em cada reação
apresentada.
A auto avaliação geral de Jake indica uma proporção de reações habilidosas, não
habilidosas passivas e não habilidosas ativas semelhantes à da amostra de referência. Em
termos de frequência das reações, indica repertório social abaixo do esperado para sua faixa
etária nas reações habilidosas, mas dentro do esperado para as não habilidosas passivas e
ativas.
Os escores gerais de dificuldade para apresentar reações habilidosas são sugestivos de
déficits de fluência, ou seja, quando comparado à amostra normativa, ele apresenta essas
reações com maior frequência do que as crianças da amostra de referência. A análise dos
escores nos subgrupos de habilidades (subescalas) sugere que Jake apresenta dificuldade para
lidar com algumas das situações retratadas.
Na auto avaliação das reações habilidosas, o seu desempenho social situou-se abaixo da
média para empatia/civilidade, assertividade/enfrentamento e participação, sugerindo
dificuldade acima da média para as respectivas reações citadas.
Na auto avaliação das reações não habilidosas, Jake apresenta quantitativo acima da média
para as reações não habilidosas ativas de autocontrole. Conforme relato da progenitora, ele
comumente tende às reações de agressão verbal para com os pares, notadamente em
momentos marcados por brincadeiras de duplo-sentido ou ironias: “meu filho sofre muito na
escola, porque leva tudo ao pé da letra. Fica muito irritado quando alguém brinca com ele.
Peço para relevar, mas não tem jeito” (sic), informa a mãe.
Examinando-se os indicativos de problemas de comportamento com base nas reações não
habilidosas, os resultados sugerem problemas internalizantes em 13 itens. Os indicativos de
problemas internalizantes ocorrem para todas as demandas de empatia/civilidade, exceto fazer
perguntas à professora. Todas as demandas de participação, exceto juntar-se a um grupo em
173
brincadeiras. Vale ressaltar ainda problemas internalizantes a demandas de negociar e
convencer, como por exemplo propor uma nova brincadeira.
Em termos de compreensão social, em especial sobre o que é esperado ou valorizado em
seu ambiente, Jake apresenta a tendência geral da maioria das crianças: considerar mais
adequadas as reações habilidosas. Embora valorize um número importante de reações não
habilidosas ativas, essas continuam em terceiro lugar frente à compreensão social sobre o que
é esperado ou valorizado em seu ambiente.
Na tarefa de teoria da mente do NEPSY-II, Jake apresenta resultado dentro da média
esperada para sua faixa etária (total de 23 pontos, percentil situado no intervalo de 26-50).
Destacam-se os itens 14 e 15. No primeiro, cuja tarefa propõe inferir estados mentais dos
personagens descritos, Jake não soube informar o porquê da vovó sorrir para si mesma
quando abraçou a Ovelhinha Laura. Apesar do avaliador fornecer detalhes sobre a história,
Jake continuou sem entender o motivo pelo qual a vovó sorriu: “não sei. Realmente não sei”
(sic), informa a criança ao avaliador.
No segundo, cuja tarefa propõe interpretação do provérbio “fazer o outro de gato e
sapato”, Jake trouxe descrição marcada pelo rigor formal, sugerindo dificuldade para lidar
com tal provérbio de forma intuitiva e espontânea: “gato é um animal de estimação; sapato é
uma peça de vestuário. Talvez, a frase represente fazer do tio ora um animal de estimação
frágil e dependente, ora uma peça de vestuário passível de descartar, descartável” (sic),
responde Jake. Esta hipótese ganha força com a interpretação literal de imagem com duplo-
sentido presente no item 11. Jake olha para o bule que parece uma maçã, mas prioriza afirmar
que está diante uma “chaleira” (sic), ou seja, sugere-se que ele considera apenas o bule em
detrimento da possibilidade de considerá-la igualmente a imagem de uma maçã.
Nesse sentido, o desempenho mediano na tarefa da teoria da mente precisa ser
considerado com ressalvas, identifica-se dificuldade significativa ao lidar com situações
174
ambíguas, que exigem abstração e flexibilização do pensamento, seja para ultrapassar a
informação literal de um provérbio, ou para considerar a ambiguidade de um objeto que pode
assumir diferentes configurações.
Criança 5 – Pseudônimo Hugo – Transtorno de Asperger:
Hugo é uma criança do sexo masculino, com sete anos e onze meses de idade no
momento da avaliação neuropsicológica. O diagnóstico de TA foi dado pela neuropediatra
que o acompanha.
Etapa 1 – Análise qualitativa do sintoma:
ANAMNESE COM A MÃE DE HUGO:
As informações registradas sobre o histórico clínico de Hugo foram fornecidas pela mãe
da criança, durante entrevista clínica realizada em setembro de 2013. O relato indica forte
vínculo afetivo na relação mãe-filho. A mãe trabalha, aproximadamente, oito horas por dia e é
provedora do lar. Apesar das dificuldades financeiras, torna-se notório o esforço da provedora
para transformar a renda familiar em benefício para o aprimoramento das habilidades sociais e
linguísticas da criança. Até o momento da presente avaliação, Hugo estava em
acompanhamento com fonoaudiólogo e neuropediatra na rede particular de saúde, bem como
praticava caratê.
Hugo nasceu de parto cesáreo, após 9 meses de gestação. O pré-natal foi realizado
adequadamente, sem nenhuma intercorrência clínica no período pós-natal. Ele não apresenta
alterações em exames de audiometria e neurológicos, realizados no mês de junho de 2013.
De acordo com a mãe, nos primeiros meses de vida, ele foi uma criança muito quieta: não
chorava, não balbuciava. Começou a andar com aproximadamente 1 ano e 6 meses. Ainda
não consegue amarrar o cadarço dos tênis, pedalar bicicleta, cortar papel com tesoura e
escrever com letra cursiva. Concernente ao desenvolvimento da linguagem verbal, Hugo
apoiava-se na comunicação não-verbal para solicitar algo e, aproximadamente com 3 anos de
175
idade, começou a utilizar cerca de 2 palavras e, logo em seguida, frases para se comunicar
com outrem.
Conversações recíprocas são estabelecidas quando o assunto desperta o interesse do
Hugo. Diálogos sobre assuntos corriqueiros do cotiando são frágeis. A mãe afirma que busca
saber como foi o dia na escola, mas ele frequentemente emite respostas concisas e
monossilábicas. Também são raras conversações demonstrando interesse nos outros.
Comumente ele parece interessado em ouvir falar apenas acerca dos temas do seu interesse,
bem como as suas perguntas estão circunscritas a temáticas consideradas relevantes,
primordialmente sobre caratê. Não há informações concernentes à presença de neologismos
ou linguagem idiossincrática. Não há histórico sugestivo de ecolalia imediata, expressões
estereotipadas ou ecolalia diferida.
Quando pequeno, adorava assistir aos mesmos vídeos de desenhos animados e, sempre
suspendia o filme para repetir as mesmas cenas. Hugo é filho único e não possui primos ou
amigos familiares próximos. Ele mora sozinho com a mãe e a prima de dezenove anos, cujo
horário flexível de estudos possibilita passar o dia com a criança, enquanto a mãe trabalha.
As características comportamentais susceptíveis ao diagnóstico clínico tornaram-se
evidentes, quando a criança ingressou na escola. A mãe começou a compará-lo com as
demais crianças e, por conseguinte, perceber o quanto ele agredia os colegas, porque tinha
dificuldade para se comunicar verbalmente. Motivada por colegas de trabalho, a progenitora
decidiu procurar neuropediatra especializado a fim de investigar a dificuldade de
comunicação e socialização do filho. Desde então, Hugo foi diagnosticado com Transtorno de
Asperger e, segundo ela, a relação mãe-filho evoluiu de modo importante:
“eu brigava muito com meu filho, porque ele tinha manias, tinha dificuldade
de comer e, principalmente, porque ele não entendia quando eu brigava com ele. Isso
me tirava do sério, mas depois do diagnóstico e ler muito sobre, descobri que preciso
entender como meu filho é para poder ajudá-lo, ao invés de brigar” (sic).
176
Ressalta-se que Hugo foi diagnosticado há aproximados 7 meses antes da avaliação
neuropsicológica em vigor. A mãe sugere que o diagnóstico clínico clarificou o modo pelo
qual o filho interage e comporta-se, mas existem muitas dúvidas sobre o futuro da criança.
As manias sobressaltadas são uma preocupação da mãe. Hugo repete os mesmos
desenhos animados. Ademais, todos os dias, antes da mãe sair para o trabalho, Hugo a elogia
dizendo: “mãe você está linda. Bom trabalho” (sic). Ela afirma adorar ouvir a frase, mas
confessa que a repetição diária desperta preocupações atreladas à possível constituição de um
ritual.
Hugo é seletivo para com a alimentação, uma vez que não come frutas e verduras, bem
como não aceita alimentos que precisam de muita mastigação (carnes, por exemplo). Muitas
vezes, ele pergunta se a mãe está triste pelo fato dela não estar sorrindo. Assiste filmes de
terror, mas não demonstra medo das cenas. Comumente rir.
Hugo é designado como filho carinhoso, ainda que com dificuldades para demonstrar
seus sentimentos. A mãe preocupa-se com o futuro da criança no sentido de uma possível
“aversão aos sentimentos” (sic) ou eterna dificuldade de identificação das emoções
adequadas às circunstâncias postas. Muito preocupada, atualmente ela tenta explicar ao filho
o motivo pelo qual chora ou sorrir, o que o tem levado a questionar com mais frequência os
motivos subjacentes ao choro ou riso da mãe.
No tocante ao âmbito escolar, Hugo lê com dificuldade e não brinca com os pares. No
momento da avaliação em vigor, ele cursava o 2º ano do Ensino Fundamental I em escola
pública onde, segundo progenitora, não há esclarecimentos sobre o Transtorno de Asperger.
Por iniciativa da mãe, duas vezes por semana, ele tem acompanhamento extraescolar na
tentativa de atenuar a atual dificuldade de leitura e escrita.
Certo dia, a mãe do Hugo optou por destinar o dinheiro da feira alimentar para comprar o
lanche desejado pelo filho, porque ele ajudou o colega de turma a consertar um brinquedo.
177
Segundo o relato, ela deixou Hugo escolher o lanche e ainda esclareceu para a criança o
redirecionamento do dinheiro. Embora reconhecesse que o valor redirecionado fosse fazer
falta, ela acreditou que o elogio e as compensações esclarecidas poderiam favorecer a
manutenção de boas atitudes e comportamentos do filho.
Ele é descrito como uma criança colaborativa e organizada. Gosta de estar em diferentes
âmbitos sociais e, atualmente, encontra-se com interesse restrito e intenso pelo caratê – atual
modalidade esportiva praticada pela criança na tentativa de lapidar habilidades motoras em
concordância com a interação social, informa a mãe.
DESENHO HISTÓRIA COM TEMA:
De acordo com a figura 42, o desenho da figura humana está na fase de verticalização da
figura-girino: a região da cabeça representa apenas a cabeça, as pernas representam uma
forma de tronco e pernas indistintos, e os braços são ligados a essas linhas verticais. O
desenho da casa remete ao domínio recém-adquirido do retângulo e triângulo, também
constituído por pequena figura fechada que ocupa o lugar de porta e janelas (Grieg, 2004).
Conforme figura 43, o desenho com tema “Eu e minha família” foi caracterizado pela
presença da criança, mãe e prima. Não se verifica acabamento diferenciado da figura humana
e o formato do rosto/corpo segue mesmo padrão. Ademais, ao apresentar a família, observa-se
que Hugo utiliza pronome pessoal da primeira pessoa do singular (eu) para referir-se a si
mesmo.
Figura 42: desenho do Hugo com tema “Eu e minha escola”
178
Figura 43: desenho do Hugo com tema “Eu e minha família”
O desenho com tema “Eu e minha escola” (figura 42, apresentada anteriormente)
constituiu-se por apresentação da estrutura física da escola. Hugo encontra-se sozinho no
desenho. Em entrevista com a professora da criança, ela confirma o seu isolamento em
relação aos pares.
Diante da dificuldade de interação social, a mãe de Hugo propôs a prática do caratê como
modalidade esportiva com potencial para impulsionar a participação social do filho. Todavia,
o esporte despertou a curiosidade e o intenso interesse da criança ao ponto de contribuir para
o isolamento social, uma vez que constitui o único tema que ele deseja partilhar com os
colegas.
Conforme resultados do IMHSC-Del-Prette (posteriormente detalhados), Hugo apresenta
dificuldade significativa para efetuar ações que envolvem empatia/civilidade e participação.
Ou seja, ele frequentemente possui entraves em situações onde habilidades de afirmação,
179
defesa de direito e autoestima tornam-se imprescindíveis. Dificuldades em envolver-se e
comprometer-se com o contexto social também são significativas.
RESPOSTA DO CBCL (RESPONDIDO PELA MÃE DE HUGO):
A primeira escala fornecida pela CBCL refere-se à Escala de Competência Social,
relacionada a problemas no desempenho de variadas atividades (brincadeiras, jogos,
execução de tarefas), no relacionamento com pessoas (familiares, amigos) e desempenho
escolar (Borsa & Nunes, 2008).
Conforme figura 44, o comportamento de Hugo foi classificado como clínico na Escala
de Competências Sociais. Nos componentes atrelados às diversas atividades e atividades
escolares ele situa-se na faixa clínica, no componente relacionamento social ele se encontra
na faixa limítrofe. Tal perfil corrobora com relatos fornecidos pela progenitora. Hugo é
designado como bom aluno, não possui amigos próximos, mas encontra-se fascinado pela
prática do caratê.
180
Na segunda escala fornecida pelo CBCL, a Escala de Síndromes (figura 45), Hugo
enquadra-se nas categorias clínicas compatíveis com Isolamento/Depressão e Problemas de
Pensamento, sem perder de vista a faixa limítrofe para Problemas Sociais.
Figura 44: resultado do Hugo na Escala de Competências Sociais
181
Figura 45: resultado do Hugo na Escala de Síndromes
Congênere aos resultados sugestivos de problemas internalizantes no IMHSC-Del-Prette,
Hugo obteve classificação clínica na Escala de Problemas Internalizantes do CBCL (escala
derivada do CBCL, observar figura 46).
Figura 46: resultado do Hugo na Escala de Problemas Totais (CBCL)
Em última análise, na Escala Orientada pelo DSM-IV, onde os dados para classificação
remetem a perfis clínicos do DSM-IV, Hugo obteve resultado compatível com a categoria
182
clínica circunscrita à baixa velocidade de processamento cognitivo. Possivelmente, a tal perfil
clínico subjaz dificuldades na motricidade fina e coordenação motora apontadas, nos testes de
fluência de desenhos e relógios do NEPSY-II.
Figura 47: resultado do Hugo na Escala Orientada pelo DSM-IV (CBCL)
183
Etapas 2 e 3 – Análise Quantitativa do Sintoma e Análise Qualitativa da Atividade:
INTELIGÊNCIA FLUÍDA:
a. Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (MPCR):
Tabela 36: resultados quantitativos do Hugo no MPCR
A Ab B
Soma 10 10 06
Consistência 10 09 07
Discrepância 0 +1 -1
Somatório Percentil6 Classificação
26 80-90
II
(Definitivamente acima da média na
capacidade intelectual)
No Teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (MPCR), Hugo apresenta
capacidade intelectual definitivamente acima da média esperada para sua faixa etária. Ele
obteve somatório de 26 pontos (pontuação máxima = 36 pontos), com discrepâncias 0, +1, -1
nas respectivas séries A, Ab, B. Verifica-se dois erros nas respectivas séries A e Ab,
acompanhados de 6 erros na série B, todos predominantemente por repetição do padrão.
FUNÇÕES EXECUTIVAS:
b. NEPSY-II, provas do domínio da atenção e funções executivas:
6 Percentil de acordo com a população geral
184
Valores de referência:
Tabela 37: resultados quantitativos do Hugo na prova Atenção Auditiva e Conjunto de Respostas
(NEPSY-II)
Atenção auditiva e conjunto de respostas
Parte 1
Acertos Erros de
ação
Erros de
omissão
Erros de
inibição
22 09 04 02
Escore
ponderado/percentil
Percentil Percentil Percentil AA Combinado –
Escore ponderado
05 2-5% 26-50% 6-10% 03
Parte 2
Acertos Erros de
ação
Erros de
omissão
Erros de
inibição
21 06 06 0
Escore
ponderado/percentil
Percentil Percentil Percentil CR Combinado –
Escore ponderado
06 26-50% 51-75% >75% 07
Tabela 38: resultados quantitativos do Hugo no Classificando Animais
Escore Ponderado Percentil Classificação
13 – 19 >75% Acima do nível esperado
08 – 12 26 - 75% Nível esperado (Média)
6 – 7 11 - 25% Limítrofe
4 – 5 3 – 10% Abaixo do nível esperado
1 – 3 <2% Muito abaixo do nível esperado
185
Classificando animais
Erros originais Erros repetidos Total de erros Acertos
03 0 03 02
Percentil Percentil Percentil Escore
ponderado
Escore
combinado
6-10% >75% 26-50% 06 06
Tabela 39: resultados quantitativos do Hugo na prova Fluência de Desenhos (NEPSY-II)
Fluência de desenhos
Estruturada Aleatória Total
06 07 13
Percentagem acumulada Percentagem acumulada Escore ponderado
4 4-5 07
Tabela 40: resultados quantitativos do Hugo na prova Inibindo Respostas (NEPSY-II)
Inibindo Respostas
Parte 1
Erros não-
corrigidos
Erros auto-
corrigidos
Erros total Tempo
0 0 0 55”
Percentil Percentil Percentil Escore
ponderado
Escore
combinado
51-75% >75% >75% 11 14
Parte 2
Erros não- Erros auto- Erros total Tempo
186
corrigidos corrigidos
05 02 08 127”
Percentil Percentil Percentil Escore
ponderado
Escore
combinado
11-25% 51-75% 11-25% 06 06
Parte 3
Erros não-
corrigidos
Erros auto-
corrigidos
Erros total Tempo
18 06 24 167”
Percentil Percentil Percentil Escore
ponderado
Escore
combinado
11-25% 11-25% 11-25% 07 06
Erro total (Parte 1,2 e 3): 32 06
Tabela 41: resultados quantitativos do Hugo na prova Relógios (NEPSY-II)
Relógios
Escore total Escore ponderado
24 01
De forma geral, o desempenho de Hugo nas provas do domínio da atenção e funções
executivas do NEPSY-II sugere dificuldades no funcionamento executivo.
No teste Atenção Auditiva e Conjunto de Respostas, Hugo obteve desempenho muito
abaixo do nível esperado para sua faixa etária na parte 1 (escore combinado equivalente a 03
pontos). Destaca-se elevado número de erros de ação (09 erros, percentil situado no intervalo
2-5, classificado como muito abaixo do nível esperado), ou seja, frequentemente ele ouvia
187
uma determinada palavra e apontava de modo aleatório para uma cor. Na parte 2, embora com
menor número de erros (ação, inibição e omissão), seu desempenho continua classificado
como limítrofe ao esperado para sua faixa etária (escore combinado equivalente a 07 pontos).
Em consonância, verifica-se desempenho limítrofe nas etapas 2 e 3 do teste Inibindo
Respostas. Em ambas as etapas, ele obteve escore combinado equivalente a 06 pontos,
percentil situado no intervalo de 11-25.
Ressalta-se que na etapa 2, Hugo obteve número acentuado de erros predominantemente
do tipo não-corrigidos (total de 08 erros, desses 05 não-corrigidos), prosseguido com maior
intensidade na etapa 3 (total de 24 erros, sendo 18 não-corrigidos). Nessa perspectiva, sugere-
se a presença de dificuldades no funcionamento executivo atreladas ao controle inibitório e,
notadamente à flexibilidade mental.
No teste Classificando Animais, Hugo também obteve desempenho limítrofe ao esperado
para sua faixa etária (escore combinado igual a 06 pontos), tendo em vista 03 erros originais,
em contraponto a 2 acertos.
No teste Fluência de Desenhos, mais uma vez, o obteve desempenho limítrofe (13 acertos,
7 pontos ponderados, percentil situado no intervalo de 11-25). Aqui, provavelmente, ele
precisaria de mais tempo para aumentar a pontuação, devido ao baixo número de produções,
mas sem registro de erros por repetição ou falhas no traço gráfico.
Salienta-se que, como dito anteriormente, a criança ainda não consegue amarrar o cadarço
dos tênis, pedalar bicicleta, cortar papel com tesoura e escrever com letra cursiva. Tais
dificuldades despertam hipótese de comprometimentos na coordenação motora do Hugo.
No teste Relógios, destaca-se que Hugo ainda não possui desenvolvido o conceito de
tempo (não acertou os itens relacionados à nomeação de horas). Hipótese reforçada ao
analisar a sinalização inadequada dos ponteiros nos desenhos gráficos de relógios analógicos
solicitados pelo teste.
188
Tal dificuldade pode ter comprometido a produção de relógios analógicos do Hugo,
entretanto, a análise qualitativa da atividade sugere que ele copia os relógios analógicos, mas
com presença de números desproporcionais organizados de forma assimétrica, bem como
ponteiros desproporcionais inseridos em contornos que não os acomodam de modo adequado.
Observar figuras 48 e 49.
No teste relógios, Hugo obteve desempenho muito abaixo do nível esperado para sua faixa
etária (percentil menor do que 2), tendo em vista escore total equivalente a 24 pontos e escore
ponderado situado em 01 ponto.
Conforme figura 48, nos itens 1 e 2, ele desenha relógios analógicos com números mal
localizados, contorno assimétrico e ponteiros desproporcionais.
Figura 48: extrato do teste Relógios (NEPSY-II), item 2, produzido por Hugo
189
Especialmente na cópia dos relógios presentes nos 9 e 10, observa-se que Hugo sugere
dificuldade em habilidades visuopesaciais e de planejamento, uma vez que as relações
espaciais encontram-se dissonantes aos pontos de referência das imagens (relógios para
cópia). A cópia dos relógios analógicos também vislumbra dificuldade de planejamento ao
verificar que Hugo ainda não segue a sequência numérica disposta para cópia.
HABILIDADES SOCIAIS E ASPECTOS SOCIOAFETIVOS:
a.Inventário Multimídia de Habilidades Sociais de Crianças (IMHSC-Del-Prette):
Tabela 42: resultados quantitativos de Hugo no IMHSC-Del-Prette – Perfil Geral
Tabela 43: resultados quantitativos do Hugo no IMHSC-Del-Prette – Indicadores e Reações
Tabela 44: resultados quantitativos do Hugo no IMHSC-Del-Prette – Indicadores e Reações, subescalas
Figura 49: extrato do teste Relógios (NEPSY-II), itens 9 e 10, produzido por Hugo
190
PERFIL GERAL (em %)
Avaliad
or
Tipo de reação
Habilidos
as
NH
Passivas
NH
Ativas
Criança 71,43% 14,29% 14,29%
Professor
INDICADORES E REAÇÕES (Valor médio
para os 21 itens)*
Indicadores Avaliado
r
Tipo de reação
Habilidosa NH
Passiva
NH Ativa
Freqüência Criança 0,86 1,19 0,33
Professor
Adequação Criança 1,86 1,33 0,43
Professor
Dificuldade Criança 1,05 - -
Importância Professor - -
INDICADORES E REAÇÕES (Valor médio nas subescalas)
SUBESCALAS
Indicadores Reações Avaliador Empatia
Civilidade
Assertividade
enfrentamento
Autocontr
ole
Participação
Freqüência Habilidosa Criança 0,88 0,80 1,50 0,00
Professor
NH
passiva
Criança 1,13 1,00 0,75 2,00
Professor
NH
Ativa
Criança 0,00 0,60 0,75 0,33
Professor
Adequação Habilidosa Criança 2,00 1,60 2,00 2,00
Professor
NH passiva Criança 1,63 0,60 1,75 1,00
191
Professor
NH Ativa Criança 0,00 0,80 1,00 0,33
Professor
Dificuld
ade
Habilidosa Criança 1,25 0,80 0,50 2,00
Importâ
ncia Professor
* Os resultados abaixo do intervalo [-
1dp<média>+1dp] foram destacados em
AMAREL
O os acima do intervalo foram
destacad
os em VERDE
Tabela 45: resultados quantitativos do Hugo no IMHSC-Del-Prette – Indicadores e Reações, valor de cada item
192
b.NEPSY-II, provas do domínio da percepção social:
Tabela 46: resultados quantitativos do Hugo na prova Teoria da Mente (NEPSY-II)
Teoria da mente
Tarefa verbal
Escore Percentil
06 <2
Tarefa contextual
Escore
03
Escore total Escore ponderado/Percentil
09 <2
A aplicação do Inventário Multimídia de Habilidades Sociais (IMHSC-Del-Prette) foi
iniciada com as perguntas do Perfil Geral, seguido de auto avaliações, nas quais a criança era
A D F I E H P A H P A
6.Pedir desculpas
10.Oferecer ajuda C
13.Responder pergunta da professora C
14.Fazer pergunta à professora
16.Agradecer um elogio
18.Consolar o colega C
19.Elogiar o objeto do colega
21.Defender o colega
3.Expressar desagrado C
5.Pedir mudança comportamento C
11.Propor nova brincadeira C
17.Resistir à pressão do grupo
20.Defender-se de acusações injustas
2.Recusar pedido de colega C
7.Demonstrar espírito esportivo
9.Negociar, convencer C
15.Aceitar gozações
1.Juntar-se a um grupo em brincadeiras C
8.Mediar conflitos entre colegas C
13.Responder pergunta da professora C
4.Pedir ajuda ao colega em classe C
12.Perguntar (questionar) C
Empatia e civilidade
Assertividade de
enfrentamento
Autocontrole
Participação
Não fatores
INDICADORES E REAÇÕES (Valor de cada item)
SUBESCALAS HABILIDADESTipo de Déficit
Reação não
habilidosaCSC CSP
193
convidada a informar a frequência, adequação e dificuldade implicada em cada reação
apresentada.
A auto avaliação geral de Hugo indica uma proporção de reações habilidosas, não
habilidosas passivas e não habilidosas ativas semelhantes à da amostra de referência. Em
termos de frequência das reações, a auto avaliação de Hugo indica repertório social dentro do
esperado para sua faixa etária nas reações habilidosas, não habilidosas passivas e não
habilidosas ativas.
Os escores gerais de adequação mostram reações não habilidosas passivas acima da
média, em contraponto às reações habilidosas e não habilidosas ativas, as quais se encontram
na média. Por sua vez, os escores gerais de dificuldade para apresentar reações habilidosas
não são sugestivos de déficits de fluência, ou seja, quando comparado à amostra normativa,
ele apresenta essas reações sem dificuldade aparente.
A análise dos escores nos subgrupos de habilidades (subescalas) sugere que Hugo
apresenta dificuldade para lidar com algumas das situações retratadas. Na auto avaliação das
reações habilidosas, o desempenho social de Hugo situa-se abaixo da média para
empatia/civilidade e participação, cuja auto avaliação de dificuldade indica dificuldade acima
da média para as reações citadas. Na auto avaliação das reações não habilidosas, ele
apresenta-se acima da média para as reações não habilidosas passivas de participação.
Examinando-se os indicativos de problemas de comportamento com base nas reações não
habilidosas, os resultados sugerem problemas internalizantes em 11 itens. Portanto, os
indicativos de problemas internalizantes ocorrem para as demandas de oferecer ajuda,
responder pergunta da professora, consolar colega, expressar desagrado, propor nova
brincadeira, negociar e convencer, juntar-se a um grupo em brincadeiras, mediar conflitos
entre colegas, pedir ajuda ao colega em classe, perguntar (questionar).
194
Em termos de compreensão social sobre o que é esperado ou valorizado em seu
ambiente, Hugo apresenta a tendência geral da maioria das crianças: considerar mais
adequadas as reações habilidosas, situando em segundo lugar as não habilidosas passivas e
em terceiro as ativas.
Na análise qualitativa da atividade, Hugo demonstra dificuldade para imaginar
situação hipotética e, por conseguinte, colocar-se no lugar de outrem. Por exemplo, no item
15, cuja situação propõe avaliar o autocontrole na demanda de aceitar gozações, Hugo diz:
“não sei responder, porque não uso óculos” (sic).
Na tarefa de teoria da mente do NEPSY-II, Hugo obteve desempenho muito abaixo do
esperado para sua faixa etária (total de 09 pontos, percentil menor do que 2). Demonstra
apoiar-se em imagens visuais. No item 5, por exemplo, sugere-se resposta amparada na
percepção visual. Ele respondeu: “Silvia. Ela está abraçando um golfinho” (sic). Ademais,
observam-se os itens 13 e 15 que propõem interpretação de provérbios populares na sociedade
brasileira. Apesar dos mesmos apresentarem auxílio de imagem, Hugo respondeu: “não sei.
Nunca ouvi falar” (sic), sugerindo dificuldade para lidar com com a dimensão inferencial da
linguagem.
No desenho história com tema, Hugo desenhou os temas solicitados, quais sejam, “Eu e
minha família”, “Eu e minha escola”, mas a apresentação verbal do desenho foi incentivada
pelo avaliador. Ele produziu frases curtas e descritivas do desenho, por exemplo, “Estou na
escola” (sic), “Eu, minha mãe e minha prima em casa” (sic).
Tal fato reforça relato da mãe, o qual afirma que diálogos sobre assuntos corriqueiros do
cotiando são frágeis. Comumente, Hugo emite respostas concisas e monossilábicas, por
exemplo.
195
Criança 6 – Pseudônimo Max – Transtorno de Asperger:
Max é uma criança do sexo masculino, com onze anos e sete meses de idade no momento
da avaliação neuropsicológica. O diagnóstico de Asperger foi fornecido pela neuropediatra
que o acompanha de modo sistemático. Destaca-se que o pseudônimo Max remete a um dos
integrantes do atual tema de interesse da criança, a saber, Big Brother Brasil.
Etapa 1 – Análise qualitativa do sintoma:
ANAMNESE COM A MÃE DE MAX:
As informações registradas sobre o histórico clínico de Max foram fornecidas pela mãe da
criança, durante entrevista clínica realizada em fevereiro de 2013. O relato indica forte
vínculo afetivo na relação mãe-filho. A mãe de Max dedica-se à inserção da criança em
equipe multiprofissional a fim de fomentar o desenvolvimento de habilidades sociais e
linguísticas da criança. Até o momento da presente avaliação, Max estava em
acompanhamento com fonoaudiólogo, psicólogo clínico e neuropediatra na rede particular de
saúde.
Max nasceu de parto cesáreo, após 8 meses de gestação. O pré-natal foi realizado
adequadamente, sem nenhuma intercorrência clínica no período pós-natal. Nos primeiros
meses de vida, foi uma criança muito quieta: não chorava, era “todo molengo” (sic). Ele
começou a andar e falar palavras isoladas (como mamãe) aproximadamente com 1 ano de
idade. Aos 3 anos de idade, começou a ler sozinho, mas ainda por volta dos 4-5 anos de idade,
poucos entendiam o que ele falava. Aos 5 anos, a comunicação social da criança melhorou,
ainda que por meio do uso de palavras isoladas.
A mãe de Max afirma que o filho sempre utilizou gestos para se comunicar e
frequentemente repetia histórias dos desenhos favoritos. Quando pequeno, adorava
brincadeiras de montar e para onde fosse tinha que levar as peças de armação. Ela relembra
196
que Max tinha “manias” (sic), dentre elas, todas as roupas e objetos pessoais tinham que ser
na cor amarela.
Ele também associava pessoas a números específicos de repetição, por exemplo, antes de
estabelecer comunicação com a mãe, Max repetia a palavra “mãe”, três vezes: “mãe, mãe,
mãe vou à escola hoje à tarde” (sic). Max não sabia o nome próprio dos colegas de sala, mas
os associava ao número da lista de chamada.
Ele obteve diagnóstico clínico de Transtorno de Asperger aos 6 anos de idade. A mãe
relata que foi difícil perceber o atraso no desenvolvimento, porque Max era filho único até
então. As características comportamentais concernentes ao diagnóstico clínico tornaram-se
evidentes quando a criança ingressou na escola. A instituição começou a desconfiar de
possível quadro clínico, uma vez que Max frequentemente não respondia à professora, nem
olhava nos olhos dos outros, “como se estivesse no mundo dele”, informa a mãe (sic).
No período em questão, a mãe começou a observar que o filho confundia-se com a
colocação do pronome na frase, por exemplo, ele dizia: “filho, eu vou sair” (sic). Max
perguntava: “eu”? (sic). Como se o “eu” presente na frase da mãe, se referisse a ele, Max. Ou
seja, a criança confundiu o “eu”, pronome pessoal da primeira pessoa do singular, com o
“você”, pronome de tratamento pessoal. Seu uso verbal se dá na segunda pessoa, porém,
conjugado como a terceira pessoa (ele).
Max demorou a compreender o conceito de tempo e comumente confundia claro/escuro.
No momento da presente avaliação, apresentava dificuldades para entender antônimo. O
discurso da mãe sugere que ele precisa de um tempo específico para responder a perguntas,
muitas deles, sobre o cotidiano escolar – “eu faço uma pergunta a Max, mas ele demora um
tempinho para me responder. Às vezes, isso me tira do sério” (sic).
Certo dia, Max demonstrou estar muito chateado com a mãe porque ele solicitou pegar
um lápis que estava em cima da mesa, quando, na verdade, o mesmo estava embaixo da
197
mesa. Segundo relato, Max ficou “paralisado” (sic) tentando entender o que realmente a mãe
queria, já que o objeto não estava no lugar indicado. Também em certo dia, Max demonstrou
estar “transtornado” (sic), porque, brincando, a mãe o chamou de papagaio. Ele já solicitou
substituir psicólogo clínico que o acompanhava, porque, sem autorização, o profissional
pegou um pouco da pipoca que o Max estava comendo.
Max é designado como tendo dificuldades para demonstrar sentimentos. Certo dia, ele
ficou sem entender o motivo pelo qual uma criança chorava pele morte de um gato: “por que
ele chora? Todo mundo, inclusive animais, morrem!” (sic), disse Max. Ele possui
dificuldades para reconhecer quando a mãe está triste. Frequentemente confunde tristeza com
cansaço: “às vezes, eu chego em casa cansada, mas Max acha que estou triste. Para ele,
inveja, raiva, ódio e tristeza é uma coisa só” (sic), informa a mãe.
Max começou a ler com 3 anos de idade. As dificuldades escolares atuais circunscrevem-
se à aparente incredulidade sobre frequentes brincadeiras irônicas dos pares para com ele.
Max ainda adora relacionar pessoas a números. A mãe afirma que ele demonstra interesse
intenso pelo Big Brother Brasil, programa de entretenimento vinculado a uma rede de
televisão brasileira.
Max é descrito como criança que não se opõe ao estabelecimento de relações, gosta de
estar em diferentes âmbitos sociais e é um aluno colaborativo, mas apresenta dificuldades
para ler os contextos, o que culmina com posturas, por parte dos colegas, sugestivas de
bullying.
DESENHO HISTÓRIA COM TEMA:
Concernente ao desenho história com tema “eu e minha família”, verifica-se desenhos
figurativos constituídos por personagens com cabeça e corpo, acompanhado de sugestiva
clivagem funcional da condensação de figuras continentes e irradiantes que haviam
constituído a figura-girino do Max (Grieg, 2004).
198
Conforme figura 50, ainda não se observa traços precisos, e diferenciações dos
personagens gráficos ocorrem no rosto, acompanhado pelo nome próprio de cada membro
familiar representado.
Figura 50: desenho história do Max sobre o tema "Eu e minha família"
No desenho história com tema, Max desenhou o tema “Eu e minha família”, mas recusou
o desenho “Eu e minha escola”. Conforme figura 50, o desenho história com tema “Eu e
minha família” foi caracterizado pela presença da criança, pais e irmão caçula. Verifica-se
acabamento diferenciado dos personagens gráficos, mas o formato do corpo segue mesmo
199
padrão. Ao apresentar a família, Max utiliza o pronome pessoal da primeira pessoa do
singular (eu) para referir-se a si mesmo. Tal fato evidencia-se em outros momentos do
processo avaliativo, nos quais Max diferencia os pronomes eu-você: “Eu acertei a tarefa que
você passou?” (sic), pergunta ele ao avaliador.
Contudo, no tema “Eu e minha escola”, Max optou por escrever o seguinte parágrafo:
“Tenho muitos amigos na escola, ainda bem, pois nasci com Síndrome de
Asperger, e minha mãe tinha medo disso. Na escola eu sou bom em muitas matérias,
as professoras são legais, a sala é bonita, tem ar-condicionado. Eu sou do 6º ano A.
Sou muito inteligente” (sic).
No trecho em questão predomina a descrição da estrutura física da escola e de como Max
é caracterizado enquanto aluno. Ele afirma saber do diagnóstico de Transtorno de Asperger,
diz ter muitos amigos, mas, em seguida, apresenta o medo da mãe atrelado à possibilidade
oposta (não ter amigos).
Conforme anamnese, a mãe tenta clarificar situações, expressões, sugestivas de bullying.
Embora precise de certo tempo para entender, quando compreende, a mãe afirma que o filho
consegue perceber melhor as situações negativas que podem perpassar o seu cotidiano
escolar.
O avaliador perguntou a Max o que ele comumente faz com os amigos na escola. A
criança respondeu que frequentemente ajuda os colegas na realização de atividades escolares
e avisa aos amigos desinformados quando tem prova.
Em entrevista escolar, a coordenadora responsável pelo 6º ano do Ensino Fundamental
relatou situação na qual Max sugere não ter compreendido o contexto posto. Certo dia,
colegas da sala de aula estavam programando atividades de lazer para o final de semana. Max
ouviu a conversa e, empolgado, informou a coordenadora o que iria fazer no final de semana.
200
Desconfiada, a profissional conversou com um dos colegas de turma do Max, quando soube
que ele não foi efetivamente convidado, nem o envolveram nos detalhes da programação.
A coordenadora afirma que Max frequentemente é isolado dos pares nas atividades de
lazer, mas ele frequentemente está envolvido em atividades escolares (atividade em grupo,
por exemplo). A mãe acredita que os pares o envolvem em atividades escolares, porque
frequentemente Max as efetiva com qualidade, mas afirma que comumente precisa ligar para
as demais mães de crianças que estudam com ele, a fim de ter certeza se o filho foi convidado
para programação de lazer.
Conforme resultados do IMHSC-Del-Prette (posteriormente detalhado), Max indica
dificuldade significativa para agir em situações que envolvem empatia/civilidade e
participação. Ou seja, ele frequentemente possui entraves em contextos onde habilidades de
afirmação, defesa de direito e autoestima tornam-se imprescindíveis. Dificuldades em
envolver-se e comprometer-se com o contexto social também são significativas.
RESPOSTA DO CBCL (RESPONDIDO PELA MÃE DE MAX):
Em todas as escalas fornecidas pelo CBCL, o comportamento de Max pode ser
classificado como Clínica, Limítrofe ou Não-Clínica, segundo amostra normativa de pares de
Achenbach (1991, citado por Garzuzi, 2009). No entanto, torna-se imperativo frisar que tais
classificações não configuram um diagnóstico, apenas circunscrevem a categoria na qual a
criança ou adolescente encontra-se, conforme respostas fornecidas pelos pais ou responsáveis
legais.
A primeira escala fornecida pela CBCL refere-se à Escala de Competência Social,
relacionada a problemas no desempenho de variadas atividades (brincadeiras, jogos,
execução de tarefas), no relacionamento com pessoas (familiares, amigos) e desempenho
escolar (Borsa & Nunes, 2008).
201
Conforme figura 51, Max classificou-se na faixa clínica no relacionamento social, na
faixa limítrofe nas diversas atividades e não-clínica nas atividades escolares, classificando-se
como clínico na Escala de Competências Totais.
Figura 51: resultado do Max na Escala de Competências Sociais (CBCL)
De acordo com informações fornecidas pela sua mãe, Max é designado como bom aluno,
comumente colabora na resolução de atividades escolares realizadas em grupo, mas não
possui amigos próximos, nem é convidado para programações de lazer propostas entre os
pares.
Na segunda escala fornecida pelo CBCL, a Escala de Síndromes (figura 52), Max
enquadra-se nas categorias clínicas compatíveis com Ansiedade/Depressão e Problemas de
Pensamento, sem perder de vista a faixa limítrofe para Isolamento/Depressão.
202
Congênere aos resultados sugestivos de problemas internalizantes no SMHSC-Del-Prette,
Max obteve classificação clínica na Escala de Problemas Internalizantes do CBCL (escala
derivada do CBCL, observar figura 53).
Figura 53: resultado do Max na Escala de Problemas Totais (CBCL)
Figura 52: resultado do Max na Escala de Síndromes (CBCL)
203
Em última análise, na Escala Orientada pelo DSM-IV, onde os dados para classificação
remetem a perfis clínicos do DSM-IV, Max obteve resultado compatível com a categoria
clínica para problemas de ansiedade e problemas obsessivos-compulsivos. Observar figura
54.
Figura 54: resultado do Max na Escala Orientada pelo DSM-IV(CBCL)
204
Etapas 2 e 3 – Análise Quantitativa do Sintoma e Análise Qualitativa da Atividade:
INTELIGÊNCIA FLUÍDA:
a. Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (MPCR):
Tabela 47: resultados quantitativos do Max no MPCR
A Ab B
Soma 11 11 12
Consistência 12 11 11
Discrepância -1 0 +1
Somatório Percentil7 Classificação
34 90
II+
(Definitivamente acima da média na
capacidade intelectual)
No Teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (MPCR), a capacidade
intelectiva de Max foi classificado coma definitivamente acima da média esperada para sua
faixa etária. Ele obteve somatório de 34 pontos (pontuação máxima = 36 pontos), com
discrepâncias -1, 0, +1, nas respectivas séries A, Ab, B.
Verifica-se ausência de erro na série B e apenas 1 erro nas respectivas séries A e Ab
(ambos no item 12). Na série A, obteve erro por repetição do padrão, enquanto na série Ab,
obteve erro por individuação inadequada.
7 Percentil de acordo com a população geral
205
FUNÇÕES EXECUTIVAS:
b. NEPSY-II, provas do domínio da atenção e funções executivas:
Valores de referência:
Tabela 48: resultados quantitativos do Max na prova Atenção Auditiva e Conjunto de Respostas (NEPSY-II)
Atenção auditiva e conjunto de respostas
Parte 1
Acertos Erros de
ação
Erros de
omissão
Erros de
inibição
30 0 0 0
Escore
ponderado/percentil
Percentil Percentil Percentil AA Combinado –
Escore ponderado
12 51-75% 51-75% 26-50% 12
Parte 2
Acertos Erros de
ação
Erros de
omissão
Erros de
inibição
36 0 0 0
Escore Percentil Percentil Percentil CR Combinado –
Escore Ponderado Percentil Classificação
13 – 19 >75% Acima do nível esperado
08 – 12 26 - 75% Nível esperado (Média)
6 – 7 11 - 25% Limítrofe
4 – 5 3 – 10% Abaixo do nível esperado
1 – 3 <2% Muito abaixo do nível esperado
206
ponderado/percentil Escore ponderado
14 >75% >75% >75% 14
Tabela 49: resultados quantitativos do Max na prova Classificando Animais (NEPSY-II)
Classificando animais
Erros originais Erros repetidos Total de erros Acertos
02 04 06 06
Percentil Percentil Percentil Escore
ponderado
Escore
combinado
6-10% 2-5% 2-5% 09 07
Tabela 50: resultados quantitativos do Max na prova Fluência de Desenhos (NEPSY-II)
Fluência de desenhos
Estruturada Aleatória Total
14 11 25
Percentagem acumulada Percentagem acumulada Escore ponderado
9-10 8 09
Tabela 51: resultados quantitativos do Max na prova Inibindo Respostas (NEPSY-II)
Inibindo resposta
Parte 1
Erros não-
corrigidos
Erros auto-
corrigidos
Erros total Tempo
0 0 0 50”
207
Percentil Percentil Percentil Escore
ponderado
Escore
combinado
51-75% 51-75% >75% 08 12
Parte 2
Erros não-
corrigidos
Erros auto-
corrigidos
Erros total Tempo
0 02 02 127”
Percentil Percentil Percentil Escore
ponderado
Escore
combinado
51-75% 26-50% 51-75% 01 07
Parte 3
Erros não-
corrigidos
Erros auto-
corrigidos
Erros total Tempo
0 06 06 167”
Percentil Percentil Percentil Escore
ponderado
Escore
combinado
>75% 11-25% 51-75% 01 07
Erro total (Parte 1,2 e 3): 08 10
Tabela 52: resultados quantitativos do Max na prova Relógios (NEPSY-II)
Relógios
Escore total Escore ponderado
69 10
No teste Atenção Auditiva e Conjunto de Respostas, Max obteve desempenho dentro da
média esperada para sua faixa etária na parte 1 (escore combinado equivalente a 12 pontos).
208
Na parte 2, seu desempenho cresce, sendo classificado como acima do nível esperado (escore
combinado equivalente a 14 pontos).
Em contraponto, no teste Inibindo Resposta, Max obteve desempenho de acordo com a
média esperada para sua faixa etária na etapa 1 (escore combinado igual a 12 pontos), ao
passo que obteve desempenho limítrofe nas etapas 2 e 3 (em ambas, escore combinado
equivalente a 07 pontos). Verifica-se aumento crescente do cômputo de erros totais. Enquanto
na etapa 2 Max obteve 02 erros auto-corrigidos; na etapa 3, o número de erros auto-corrigidos
ascende para 06. Os erros auto-corrigidos nas etapas 2 e 3 sugerem auto monitoramento do
suposto entrave de inibir e, notadamente, flexibilizar a resposta de acordo com a cor do
estímulo. Embora demonstre maior dificuldade para flexibilizar a resposta, parece que a auto
supervisão minimiza possíveis desvios do seu comportamento em relação à meta desejada.
A análise da atividade de Max aponta para grande consumo de tempo na execução da
tarefa. Identifica-se um maior número de erros auto-corrigidos e o maior tempo de execução
na etapa 3, quando comparado à etapa 2. Tais achados sugerem maior dificuldade em
atividades subsidiadas pela flexibilidade mental do que pelo controle inibitório.
Tal hipótese ganha força ao analisar extratos de diálogos do processo avaliativo. Certa
sessão, Max sugeriu estar desenvolvendo capacidade para inibir comportamentos
inadequados:
“Minha psicóloga disse que eu tenho alguns comportamentos estereotipados
como falar baixinho tudo que escuto e repetir o que os outros falam. Na escola me
chamam de gravador, mas eu estou melhorando. Acho que controlo mais o que quero
falar” (sic).
Em contraposição, dificuldades de flexibilidade mental parecem repercutir com maior
frequência no cotidiano da criança. A mãe informa a necessidade de rotina e de
previsibilidade do filho, sem perder de vista o quanto ele fica “irritado” (sic) quando há
209
alterações ou variações. Ele apresenta ritual para vestir a farda da escola, todos os dias, Max
segue a sequência: camisa, calça, meia e tênis.
A hipótese de dificuldades na flexibilidade mental é corroborada pelo desempenho
limítrofe obtido no teste Classificando Animais (escore combinado equivalente a 7 pontos).
Apesar de obter 6 acertos (escore ponderado igual a 09 pontos, percentil situado no intervalo
de 26-75), verifica-se número compatível de erros repetidos (06 erros, percentil situado no
intervalo de 2-5). Max persistia nas classificações sol/chuva e nos animais cachorro, peixe e
pássaro.
No teste Fluência de Desenhos, Max obteve desempenho dentro da média esperada para
sua faixa etária (25 acertos, 9 pontos ponderados, percentil situado no intervalo de 26-75).
Verifica-se fluência visomotora para gerar desenhos originais, congruente com a fluência
verbal, primordialmente observada na interação social da criança, durante processo
avaliativo.
No teste Relógios, Max obteve desempenho dentro do esperado para sua faixa etária
(percentil entre 26-75), tendo em vista escore total equivalente a 69 pontos e escore
ponderado situado em 10 pontos.
A análise qualitativa de atividade sugere adequado desenvolvimento de habilidades
visuoespaciais. Max possui conceito de tempo e destaca-se nos itens 9 e 10, onde ele copia
relógios analógicos com presença de números, contorno e ponteiros de acordo com a imagem
de referência.
210
Figura 55: extrato do Max referente aos itens 9 e 10 do teste Relógios (NEPSY-II)
Contudo, a escrita do Max leva à hipótese de falhas na coordenação motora e motricidade
fina. Conforme figura 56, esta se encontra caracterizada por letras pouco diferenciadas, mal
elaboradas e mal proporcionadas.
211
Figura 56: parágrafo produzido pelo Max sobre o tema “Eu e minha escola”
HABILIDADES SOCIAIS E ASPECTOS SOCIOAFETIVOS:
a. Inventário Multimídia de Habilidades Sociais de Crianças (IMHSC-Del-Prette):
212
PERFIL GERAL (em %)
Avaliador Tipo de reação
Habilidosas NH Passivas NH Ativas
Criança 66,67% 14,29% 19,05%
Professor
INDICADORES E REAÇÕES (Valor médio para os 21 itens)*
Indicadores Avaliador Tipo de reação
Habilidosa NH Passiva NH Ativa
Frequência Criança 0,86 0,86 0,10
Professor
Adequação Criança 2,00 0,95 0,10
Professor
Dificuldade Criança 1,14 - -
Importância Professor - -
INDICADORES E REAÇÕES (Valor médio nas subescalas)
SUBESCALAS
Indicadores Reações Avaliador Empatia Civilidade Assertividade
enfrentament
o
Autocontrol
e
Participaçã
o
Frequência Habilidosa Criança 1,00 1,00 0,75 0,67
Professor
NH passiva Criança 0,63 1,00 0,75 2,00
Professor
NH Ativa Criança 0,00 0,00 0,00 0,67
Professor
Adequação Habilidosa Criança 2,00 2,00 2,00 2,00
213
Professor
NH passiva Criança 0,88 1,20 1,00 1,00
Professor
NH Ativa Criança 0,00 0,00 0,00 0,67
Professor
Dificuldade Habilidosa Criança 1,13 1,00 1,00 1,33
Importância Professor
* Os resultados abaixo do intervalo [-1dp<média>+1dp] foram
destacados em AMARELO . Os acima do intervalo foram
destacados em VERDE
214
b. NEPSY-II, provas do domínio da percepção social:
Tabela 53: quantitativos na prova Teoria da Mente (NEPSY-II)
Teoria da mente
Tarefa verbal
Escore Percentil
19 26-50
Tarefa contextual
Escore
06
Escore total Escore ponderado/Percentil
25 51-75
A D F I E H P A H P A
6.Pedir desculpas
10.Oferecer ajuda C
13.Responder pergunta da professora C
14.Fazer pergunta à professora
16.Agradecer um elogio
18.Consolar o colega
19.Elogiar o objeto do colega
21.Defender o colega
3.Expressar desagrado
5.Pedir mudança comportamento
11.Propor nova brincadeira C
17.Resistir à pressão do grupo
20.Defender-se de acusações injustas
2.Recusar pedido de colega C
7.Demonstrar espírito esportivo
9.Negociar, convencer
15.Aceitar gozações
1.Juntar-se a um grupo em brincadeiras C C
8.Mediar conflitos entre colegas C
13.Responder pergunta da professora C
4.Pedir ajuda ao colega em classe
12.Perguntar (questionar)
Empatia e civilidade
Assertividade de
enfrentamento
Autocontrole
Participação
Não fatores
INDICADORES E REAÇÕES (Valor de cada item)
SUBESCALAS HABILIDADESTipo de Déficit
Reação não
habilidosaCSC CSP
215
A aplicação do Inventário Multimídia de Habilidades Sociais (IMHSC-Del-Prette) foi
iniciada com as perguntas do Perfil Geral, seguido de auto avaliações, das quais a criança era
convidada a informar a frequência, adequação e dificuldade implicada em cada reação
apresentada.
A auto avaliação geral de Max indica uma proporção de reações habilidosas, não
habilidosas passivas e não habilidosas ativas semelhantes à da amostra de referência. Em
termos de frequência e adequação das reações, a auto avaliação de Max indica repertório
social dentro do esperado para sua faixa etária nas reações habilidosas, não habilidosas
passivas e não habilidosas ativas.
Os escores gerais de dificuldade para apresentar reações habilidosas não são sugestivos de
déficits de fluência, ou seja, quando comparado à amostra normativa, ele apresenta essas
reações sem dificuldade aparente. Todavia, a análise dos escores nos subgrupos de
habilidades (subescalas) sugere que ele apresenta dificuldade de lidar com algumas situações
retratadas.
Na auto avaliação das reações habilidosas, o desempenho social de Max situa-se abaixo
da média para empatia/civilidade e participação, cuja auto avaliação de dificuldade indica
dificuldade acima da média para as reações citadas. Na auto avaliação das reações não
habilidosas, Max apresenta-se acima da média para as reações não habilidosas passivas de
participação.
Examinando-se os indicativos de problemas de comportamento com base nas reações não
habilidosas, os resultados sugerem problemas internalizantes em 7 itens, ocorrendo para as
demandas de oferecer ajuda, responder pergunta da professora, propor nova brincadeira,
recusar pedido de colega, juntar-se a um grupo em brincadeiras, mediar conflitos entre
colegas, responder pergunta da professora.
216
Em termos de compreensão social sobre o que é esperado ou valorizado em seu ambiente,
Max apresenta a tendência geral da maioria das crianças: considerar mais adequadas as
reações habilidosas, situando em segundo lugar as não habilidosas passivas e em terceiro as
ativas.
Na tarefa de teoria da mente do NEPSY-II, Max apresenta-se dentro da média esperada
para sua faixa etária (total de 25 pontos, percentil situado no intervalo de 51-75). Destaca-se
o item 14, cuja tarefa propõe inferir estados mentais dos personagens descritos, para assim, a
criança identificar o disfarce de um dos personagens e compreender a expressão facial do
outro personagem.
Max não soube informar quem era o urso estranho com pelo de ovelha, bem como por
que a vovó sorriu para si mesma quando abraçou Laura. Após a finalização da atividade, o
avaliador explicou quem era o urso estranho, e apesar de fornecer detalhes sobre a história,
Max continuou sem entender o motivo pelo qual a vovó sorriu: “ela estava feliz, porque a
Ovelhinha Laura sobreviveu” (sic).
217
Discussão:
Diante dos objetivos propostos para o presente estudo, foi possível avançar na direção de
estabelecimento de perfil da cognição social, comportamento, socioafetividade e funções
executivas em crianças com Transtorno Autista e Transtorno de Asperger.
Em primeira instância, merece constatação o desempenho definidamente acima da média
na capacidade intelectual das crianças diagnosticadas com Transtorno de Asperger e
desempenho intelectualmente médio das crianças diagnosticadas com Transtorno Autista, de
acordo com resultados obtidos no teste Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (MPCR).
O MPCR constitui-se como teste de raciocínio espacial abstrato. Stevenson and
Gernsbacher (2013), destacam que indivíduos com autismo apresentam bom desempenho no
Matrizes. Nesse, comumente crianças autistas são mais precisas do que as crianças não-
autistas.
Os autores propuseram investigar as potencialidades e fragilidades em indivíduos autistas
e não-autistas, a partir do desempenho obtido em 12 testes que variaram segundo o nível de
raciocínio (concreto ou abstrato) e domínio (espacial, numérico versus verbal).
Como resultado, verificaram que crianças autistas tiveram um desempenho
significativamente melhor em testes subsidiados pelo raciocínio espacial abstrato do que em
testes subsidiados por raciocínio espacial concreto. Nessa perspectiva, o estudo refuta a
hipótese de que o bom desempenho no MPCR está associado à memorização ou ao
processamento concreto.
Desde muito cedo na vida, crianças autistas são consideravelmente mais receptivas aos
estímulos espaciais abstratos do que crianças não-autistas. Pierce, Conant, Hazin, Stoner and
218
Desmond (2011) constataram que crianças autistas dividem seu tempo examinando estímulos
espaciais abstratos uniformes (em um lado do monitor do computador) e vídeos de crianças
desconhecidas (do outro lado lateral do monitor). Normalmente, crianças com
desenvolvimento típico ou marcadas por outras patologias olham ocasionalmente os estímulos
espaciais abstratos. Adultos autistas também expressam preferência por representações
espaciais em comparação às representações verbais.
Apesar do bom desempenho obtido no MPCR, destaca-se a série B do teste, em que todas
as crianças diagnosticadas com Transtorno Autista erram os 7 últimos itens. Ao verificar o
tipo de erro cometido, verifica-se que, frequentemente, elas cometeram erro do tipo III (g ou
h), ou seja, repetição do padrão imediatamente acima do espaço a ser preenchido (III-g), ou
repetição do padrão imediatamente à esquerda do espaço a ser preenchido (III-h).
Embora as crianças diagnosticadas com Transtorno de Asperger apresentem número de
erro do tipo III em menor proporção, ambos os grupos clínicos da pesquisa sugerem um
padrão de perseveração das respostas, apontando para dificuldades no funcionamento
executivo, notadamente nas habilidades de flexibilidade mental.
As funções executivas e a inteligência são primordiais para o sucesso em muitas das
atividades diárias. Brydges, Reid, Fox and Anderson (2012) propuseram estudo empírico
firmado em investigar a associação entre inteligência e funcionamento executivo em 215
crianças com idade entre 7 anos 1 mês e 9 anos 11 meses. Para tanto, consideraram como
funções executivas a memória operacional, controle inibitório e flexibilidade mental, bem
como diferenciações entre inteligência fluida e cristalizada.
Embora cada constructo (funções executivas, inteligência fluida e cristalizada) seja
dissociável no decorrer do desenvolvimento infantil, as funções executivas parecem
essencialmente unitárias e igualmente relacionadas com os dois tipos de inteligência, até
aproximadamente os 7 anos de idade.
219
Os autores sugerem que o funcionamento executivo e a inteligência começam a se
dissociar entre as idades de 7 e 9 anos. Quando comparado aos adultos, o controle inibitório,
flexibilidade mental e memória operacional parecem constituir uma unidade funcional em
crianças dessa faixa etária (Miyake et al ., 2000).
Diferenciações entre tais funções executivas seriam mais aparentes em crianças a partir
dos 9 anos de idade. O estudo constatou que os dois tipos de inteligência (fluida e cristalizada)
são passíveis de diferenciações numa fase mais precoce do que as funções executivas, mas
essas parecem constituir preditor importante para os dois tipos de inteligência citados,
notadamente a inteligência fluida.
O processo de diferenciação precoce dos tipos de inteligência recorre ao percurso
maturacional do sistema nervoso central.
Os lobos frontais são caracterizados por Goldberg (2002, p.13) como “a mais recente
realização na evolução do sistema nervoso”. São caracterizados dessa forma por serem uma
das últimas regiões do córtex cerebral a se desenvolver, filo e ontogeneticamente.
Provavelmente, diferenciações nas áreas de ativação neural distinguem os tipos de inteligência
de modo precoce, porque enquanto às funções executivas são predominantemente associadas
à ativação do córtex pré-frontal; estudos de neuroimagem apontam que a inteligência
cristalizada e fluida estão associadas à ativação de regiões frontais e não frontais (Geary,
2005).
Com o advento de rápidas transformações no funcionamento frontal entre 7 e 9 anos de
idade surge à hipótese de as funções executivas se dissociam da inteligência fluida e
cristalizada, mas podem aprimorá-las (Friedman et al., 2006).
Tal hipótese emerge ao observar que crianças mais velhas obtiveram melhor desempenho
em testes de inteligência e funções executivas, do que as mais jovens. Pesquisas anteriores
descobriram que crianças entre 7 e 11 anos de idade apresentam melhora significativa na
220
velocidade de processamento, no uso de estratégias, memória operacional, controle inibitório
e flexibilidade mental em tarefas que envolvem a avaliação de inteligência (Best et al., 2009;
Cattell, 1967).
Enquanto as funções executivas e inteligência fluida são predominantemente associadas à
ativação do córtex pré-frontal, a inteligência cristalizada está predominantemente associada
com a ativação das regiões parietais. Nesse sentido, acredita-se que a inteligência fluida
encontra-se mais fortemente interligada às funções executivas, quando comparado à
inteligência cristalizada (Duncan & Owen, 2000; Casey et al., 2000).
O MPCR constitui-se como teste de inteligência fluida subsidiado por raciocínio espacial
abstrato. Embora o desempenho dos grupos clínicos da presente pesquisa situem-se dentro da
média esperada, sugere-se que o mesmo poderia ter sido ainda melhor, se não houvesse
dificuldades na flexibilidade mental subjacentes à execução do MPCR.
No domínio da atenção/funções executivas, os grupos clínicos do Transtorno de Asperger
e Transtorno Autista aproximam-se em termos de dificuldades no funcionamento executivo e
atencional.
O grupo do Transtorno Autista encontra-se com resultados situados entre as faixas muito
abaixo do esperado - limítrofe, em todos os testes circunscritos ao domínio da atenção/funções
executivas. Tais resultados aproximam-se do estudo recente publicado por Narzisi, Muratori,
Calderoni, Fabbro and Urgesi (2013), cujo perfil neuropsicológico de crianças com Autismo
de Alto-funcionamento converge para déficits nos testes de Atenção Auditiva e Conjunto de
Respostas, Inibindo Respostas e Classificação de Animais do NESPY-II.
Tal padrão de dificuldades atencionais e no funcionamento executivo é largamente
consistente com pesquisas neuropsicológicas que, desde a primeira versão do NEPSY,
buscam evidenciar o perfil cognitivo de crianças inseridas no Transtorno Autista (José et al.
2005; Hooper et al., 2006; Korkman et al., 1998).
221
Destaca-se o estudo de Joseph e colaboradores (2005), cuja investigação neuropsicológica
de crianças autistas permitiu evidenciar défices em todos os três domínios das funções
executivas avaliadas, quais sejam, memória operacional, controle inibitório e planejamento.
Vários estudos apontam disfunções executivas em crianças autistas, quando comparado
com outros grupos clínicos ou com crianças em desenvolvimento típico (Ozonoff et al., 1991;
Verte et al., 2005).
No grupo do Transtorno de Asperger, destacam-se dificuldades no funcionamento
executivo atrelado ao controle inibitório e, notadamente, a flexibilidade mental. O teste
Atenção Auditiva e Conjunto de Respostas, bem como o teste Inibindo Respostas demonstram
sensibilidade à avaliação de domínios específicos das funções executivas. Verifica-se que as
crianças inseridas no Transtorno de Asperger possuem desempenho dentro da média esperada
nas etapas de nomeação, em contraponto ao decréscimo nas etapas voltadas para avaliação do
controle inibitório e flexibilidade mental nos respectivos instrumentos avaliativos.
O grupo clínico do Transtorno Autista e Transtorno de Asperger da presente pesquisa
evidenciam impacto na flexibilidade mental ao associar o baixo desempenho na etapa 3 do
teste Inibindo Resposta com o alto número de classificações repetidas no teste Classificando
Animais. Embora o grupo do Transtorno Autista demonstre maior comprometimento, é
factível perceber entraves na flexibilidade mental no grupo do Transtorno de Asperger.
Max e Jake (crianças inseridas no Transtorno de Asperger) clarificam a hipótese de
dificuldades na flexibilidade mental ao verificar o respectivo desempenho limítrofe e abaixo
do esperado obtido no teste Classificando Animais (escore combinado equivalente a 7 e 4
pontos, respectivamente). Apesar de o Max obter 6 acertos (escore ponderado igual a 09
pontos, percentil situado no intervalo de 26-75), verifica-se número compatível de erros
repetidos (06 erros, percentil situado no intervalo de 2-5). Max persistia nas classificações
sol/chuva e nos animais cachorro, peixe e pássaro.
222
Por sua vez, Jake obteve elevado número de erros predominantemente repetitivos (escore
combinado igual a 04 pontos). Ele persistia em repetir a categorização de cores e tamanhos,
em detrimento às classificações originais passíveis de aumentar o desempenho da criança no
referido teste.
Dificuldades na flexibilidade mental tornam-se evidentes em ambos os grupos clínicos, ao
observar padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades em todas as
crianças participantes. Andy é fascinado pelo Toy Story; Cauê por materiais de construção;
Amy pelo desenho Sonic; Jake pelo Angry Birds; Hugo pelo caratê e Max pelo Big Brother
Brasil.
Em todos os casos clínicos, há relato sugestivo de necessidade de rotina e de
previsibilidade do(a) filho(a), sem perder de vista o quanto eles ficam aparentemente irritados,
quando há alterações ou variações. Embora consonem diante à dificuldade na flexibilidade
mental, no grupo do Transtorno Autista, o comprometimento parece mais evidente em termos
funcionais.
Os responsáveis pelas crianças autistas enfatizam o quanto a necessidade de rotina e
previsibilidade é transparente para terceiros. A escola do Cauê, por exemplo, já entende a
necessidade cotidiana da criança olhar ralos do banheiro e área de lazer no horário do
intervalo escolar. Andy e Amy (crianças inseridas no Transtorno Autista) possuem ecolalia
diferida dos desenhos animados prediletos (Toy Story e Sonic), bem como frequentemente
levam os bonecos Buzz Lightyear/ Sonic para os diversos âmbitos onde estão inseridos.
Tanto a mãe do Andy, quanto os pais da Amy sempre desconfiaram de quadro clínico
subjacente aos comportamentos e interesses restritos e repetitivos, antes mesmo do
diagnóstico clínico confirmado, talvez, pela clara evidência de idiossincrasia comportamental.
Já os responsáveis pelas crianças aspergers enfatizam a necessidade de compreensão de
terceiros frente à dificuldade de flexibilidade mental. Em todos os relatos, terceiros
223
frequentemente designam as crianças como “mimadas” (sic). Max, por exemplo, ainda adora
relacionar pessoas a números e apresenta recorrente ritual de vestir a farda da escola, sem
mudar a sequência: camisa, calça, meia e tênis. Todavia, terceiros parecem criticar a atitude
da criança, aparentemente destoante frente à fluência verbal aguçada e vocabulário amplo.
Os próprios responsáveis pelas crianças afirmaram que muitos dos comportamentos e
atitudes dos filhos clarificaram, após emissão do diagnóstico clínico de Transtorno de
Asperger. Para a maioria, as características comportamentais susceptíveis ao diagnóstico
clínico tornaram-se evidentes, quando as crianças ingressaram na escola.
Tal constatação remete ao estudo de Frith (2004), o qual sugere a árdua tarefa de
identificação clínica do Transtorno de Asperger ainda na primeira infância, notadamente
quando a linguagem expressiva não apresenta atrasos importantes e o desempenho intelectivo
é alto.
As dificuldades de flexibilidade mental parecem sutis a terceiros, provavelmente, pela
habilidade de auto monitoramento observada na maioria das crianças aspergers. Os erros
auto-corrigidos na etapa 3 do teste Inibindo Resposta sugerem auto monitoramento do suposto
entrave de flexibilizar a resposta de acordo com a cor do estímulo. Embora Max e Jake
demonstrem maior dificuldade para flexibilizar a resposta, parece que a auto supervisão
acompanha possíveis desvios do próprio comportamento em relação à meta desejada.
A tentativa de acerto aparentemente reverberou no longo período de tempo utilizado para
execução da etapa 3 do teste Inibindo Resposta. Em ambas as etapas, verifica-se que eles
acertam as respostas, mas o tempo de execução ultrapassa o limite esperado para sua faixa
etária.
Nas provas do domínio da atenção e funções executivas do NEPSY-II, dificuldades na
flexibilidade mental também parecem mais evidentes no grupo clínico do Transtorno Autista.
Para além da dificuldade no teste Atenção Auditiva e Conjunto de Resposta, bem como no
224
Inibindo Resposta, a maioria das crianças autistas participantes apresentaram desempenho
abaixo do esperado no teste Classificando Animais e Fluência de Desenhos.
Na análise qualitativa das atividades citadas percebe-se perseveração na classificação, bem
como repetição na produção de desenhos estruturados e aleatórios.
Por sua vez, o grupo clínico do Transtorno de Asperger não apresenta padrão de produção
repetitivo no teste Fluência de Desenhos. Nesse, verifica-se baixo número de produções, sem
registro de erros por repetição. Nas crianças aspergers predomina a acuidade e o
perfeccionismo na cópia do símbolo gráfico, provavelmente, elas precisariam de mais tempo
para aumentar a pontuação nesse teste.
Tal hipótese remete ao trabalho de Planche and Lemonnier (2012), cujos resultados
apontam para baixa velocidade de processamento na WISC-III, devido à acuidade e
perfeccionismo na cópia do símbolo gráfico do subteste Código de crianças com Transtorno
de Asperger.
Apesar do grupo clínico do Transtorno Autista sugerir maior comprometimento da
flexibilidade mental, tentativas de mudanças parecem sobressaltar em duas, das três crianças
avaliadas. Na etapa 3 do teste Inibindo Resposta, Cauê e Amy ultrapassaram o tempo de
execução normatizado para sua faixa etária. Eles integralizaram a tarefa em 365 e 319
segundos, respectivamente.
Cauê mudava a nomenclatura conforme solicitado pela atividade, mas parava e pensava
por longo período de tempo, antes de emitir resposta. Amy, por sua vez, quando errava,
repetia três vezes: “vamos conseguir” (sic). Destarte, sugere-se que eles apresentam estilo de
trabalho lento devido à tentativa de obter respostas adequadas em atividades subsidiadas por
pontos frágeis do seu funcionamento cognitivo.
Ressalta-se que os pais de Cauê e Amy convergem em termos de proposições
interventivas que tentam atenuar entraves do perfil neuropsicológico do Transtorno Autista
225
nos filhos. O pai do Cauê preza pelo rigor educacional, como se as dificuldades do filho
fossem passíveis de superação por meio de intenso treino. Os pais da Amy observam as
características clínicas da filha e, no cotidiano, tentam proporcionar intervenções
diferenciadas à criança.
De modo geral, os resultados de pesquisas tem sido consistentes em apontar
comprometimento no funcionamento executivo em indivíduos com Transtorno Global do
Desenvolvimento (TGD). Yerys, Hepburn, Pennington and Rogers (2007) objetivaram
verificar se os déficits executivos estariam já presentes em crianças autistas antes dos três
anos de idade a fim de determinar se tais déficits seriam secundários ao transtorno ou se
deveriam ser referidos como fatores de risco cognitivo.
Os autores concluem que o prejuízo executivo parece não ser primário ou causal ao
autismo e que tais déficits aumentam com a progressão da idade nesta população
(Yerys et al., 2007).
Narzisi e colaboradores (2013), propuseram investigação neuropsicológica de crianças
com Autismo de Alto-funcionamento através do NEPSY – II, cuja avaliação neuropsicológica
torna possível identificar padrões específicos de déficits primários e secundários (Luria 1962).
O estudo sugere que dificuldades associadas aos substratos cognitivos básicos,
culminaram em entraves nas habilidades cognitivas superiores que as têm como substrato,
como as funções executivas. Eles descobriram que as crianças com maior comprometimento
na expressão verbal, habilidades sensório-motora e percepção social obtiverem pior
desempenho nas tarefas de funções executivas e memória verbal.
Congruente, Joseph e colaboradores (2005) advogam que o baixo desempenho das
crianças autistas nas tarefas de funções executivas pode está associado ao comprometimento
na fala (comunicação verbal) para manter a resposta arbitrária dos testes de Atenção Auditiva
226
e Conjunto de Respostas, bem como Inibindo Respostas. Ambos avaliam funções executivas
mediadas pela expressão verbal.
É factível perceber que as crianças autistas da presente pesquisa possuem histórico de
atraso no desenvolvimento da linguagem verbal. Andy e Amy, por exemplo, apresentaram
falas marcada por ecolalia imediata ou diferida, durante processo avaliativo.
No tocante ao teste Relógios do NEPSY-II, quatro das seis crianças avaliadas convergem
na aparente dificuldade visuoespacial. Tais entraves parecem repercutir na elaboração de
números e ponteiros desproporcionais inseridos em contornos que não os acomodam de modo
adequado. Dificuldades na coordenação motora e motricidade fina também emergem na
maioria das crianças avaliadas. Tais entraves parecem repercutir no âmbito escolar, ao
verificar que, quando alfabetizadas, as crianças apresentam dificuldade de escrita em letra
cursiva. As letras são pouco diferenciadas, mal elaboradas e mal proporcionadas.
Todas as crianças avaliadas possuem fechamento correto do círculo, sendo esse um marco
de referência significativo na evolução da habilidade gráfica por parte da criança, passível de
averiguação por volta dos 3 anos de idade.
A crescente habilidade na manipulação do ambiente e a consciência da necessidade dessa
manipulação, ambas tanto do ponto de vista físico como psicológico, propiciam o
aparecimento de dedos e mãos, muitas vezes por volta dos cinco, seis anos de idade. A mão é
inicialmente desenhada como um círculo, sendo os dedos indicados como linhas retas
unidimensionais presas em volta do círculo. Os pés tendem a surgir um pouco depois, sendo
também frequentemente representados em uma dimensão.
Na presente pesquisa, os desenhos figurativos não apresentaram mãos, dedos e pés.
Predominaram desenhos em fase de verticalização da figura-girino; ou ainda desenhos
constituídos por personagens com cabeça e corpo, acompanhado de sugestiva clivagem
227
funcional da condensação de figuras continentes e irradiantes que haviam constituído a figura-
girino (Grieg, 2004).
A evolução do desenho da figura humana perpassa pela síntese da figura-girino,
verticalização, organização cabeça/corpo, aperfeiçoamento e acabamento do casal bem
diferenciado.
A fase de verticalização da figura-girino pode ser esperada por volta dos 4 anos e meio de
idade. Posteriormente, observa-se a organização da estrutura cabeça/corpo, a partir da
aquisição da figura agregada que será, a partir de então, progressivamente aperfeiçoada. A
clivagem funcional da condensação de figuras continentes e irradiantes constitui uma das
primeiras etapas de representação da figura humana agregada (Grieg, 2004).
Muito pouco se sabe sobre o desenvolvimento de habilidades de desenho em crianças com
autismo e sobre os diferentes fatores que podem afetar a configuração de desenhos humanos e
não-humanos. Além disso, não há evidências das estratégias que as crianças participantes
empregaram na realização de seus desenhos.
Como Freeman (1987, p. 127) salienta: "O que observamos na página é o resultado de um
grande trabalho mental (...) nós não podemos fazer inferências diretas sobre os desenhos das
crianças com a natureza de representações que podem estar por trás deles”.
Para além da análise do desenvolvimento progressivo das habilidades de desenho, crianças
com autismo possuem dificuldades cognitivas subjacentes à representação da figura humana.
Fein, Lucci and Waterhouse (1990) investigaram 34 jovens com autismo e os compararam
com 33 jovens em desenvolvimento típico. Eles relataram que os participantes com autismo
eram significativamente mais propensos a apresentar sobreposição em seu desenho da figura
humana. Houve uma tendência para os participantes com autismo para fragmentar os seus
desenhos da figura humana em comparação com o grupo controle.
228
Nesse sentido, os pesquisadores sugeriram que crianças com autismo podem não ter a
capacidade de compreender ou conceber a figura humana como uma integração de partes para
formar um todo. Para eles, a figura humana torna-se semelhante a um desenho geométrico,
arbitrariamente produzido com um possível viés local para informações de processamento
visual.
Conforme Lee and Hobson (2006), provavelmente o desenho da figura humana representa
um “esquema” que a criança autista possui. Como o percurso desenvolvimental, tal esquema
prossegue em um estilo processual que pode ser modificado de acordo com a flexibilidade
mental e desempenho intelectivo da criança.
Conforme Planche and Lemonnier (2011), crianças com Autismo de Alto-funcionamento
possuem integridade no processamento visuoespacial, em contraponto à entraves no
processamento sensório-motor. Nesse sentido, as crianças parecem priorizar configurações
pontuais em detrimento de um processamento abrangente, subsidiado pela coordenação
motora.
Em consonância com Luria (1962), o estudo de Planche and Lemonnier (2011) sugere que
dificuldades associadas aos substratos cognitivos básicos, como o processamento de
informações cinestésicas, podem culminar em entraves nas habilidades cognitivas superiores
que as têm como substrato, necessárias para delineamento gráfico de desenhos.
É sabido que crianças do espectro autista podem apresentar alterações na integração
sensorial e na propriocepção (Hermelin & O'Connor, 1970). Conforme Salowitz e
colaboradores (2013), as crianças do espectro autista apresentam importante anormalidade no
traçado de desenhos atrelado a défices específicos de orientação da mão à forma, durante
delineamento gráfico.
Lee and Hobson (2006) advogam que crianças autistas têm uma auto-concepção limitada,
em virtude de seu envolvimento emocional limitado e falhas na teoria da mente. Destarte, a
229
escassa propensão para perceber e assimilar as atitudes dos outros, atrelado a escassa auto-
representação, leva a hipótese de entraves na construção de desenhos da figura humana.
No tocante à avaliação da teoria da mente, todas as crianças do grupo clínico do
Transtorno Autista obtiveram desempenho muito abaixo do esperado na tarefa da teoria da
mente do NESPY-II.
Tal resultado converge com estudo de Korkman e colaboradores (2007), cujos resultados
apontam pontuações mais baixas para crianças com Autismo de Alto-funcionamento nas
provas do domínio da percepção social do NEPSY-II, quando comparado ao grupo controle.
O estudo de Narzisi e colaboradores (2013) também aponta dificuldade nas tarefas da
teoria da mente do NEPSY-II em crianças com Autismo de Alto-funcionamento. Entretanto, o
baixo desempenho na tarefa contextual da teoria da mente diverge do estudo citado, mas
converge com o estudo Da Fonseca et al. (2008), o qual revela que crianças com Autismo de
Alto-funcionamento conseguem usar pistas contextuais para reconhecer objetos, mas não
emoções.
Na presente pesquisa, sugere-se que os elementos contextuais (a situação social)
dificultaram o processamento do correspondente estado emocional (foto do rosto humano).
Aqui, a inclinação para analisar detalhes, típica do Autismo (Baron-Cohen 2010), parece que
intensificou a atenção às pistas contextuais de situações sociais, em detrimento do
reconhecimento de estados emocionais apropriados.
Estudos especializados sugerem correlação positiva entre falhas na teoria da mente e
teoria da coerência central (Beaumont & Newcombe, 2006; Jarrold, Butler, Cottington &
Jimenez, 2000).
A dificuldade encontrada na tarefa contextual da teoria da mente do NESPY-II encontra-
se congruente a pesquisas que indicam a tendência de crianças autistas em focar detalhes em
detrimento das informações que perpassam o contexto da troca social. Em diferentes níveis,
230
problemas específicos com integração de informações diversas prejudica a capacidade de
compreensão global de um contexto, ou seja, prejudica a "coerência central" do âmbito posto.
Embora com dificuldades de coerência central evidentes, destaca-se iminente criação de
estratégias compensatórias por um dos participantes diagnosticado com Transtorno Autista, a
saber, a Amy. Até o momento da presente avaliação, ela frequentemente perguntava a
professora o(s) motivo(s) subjacente(s) à situações ímpares/incomuns no contexto da sala de
aula.
Para além de dificuldades na teoria da mente, ressaltam-se entraves linguagem verbal e
funções executivas. Possivelmente, o baixo desempenho obtido na tarefa da teoria da mente
do NEPSY-II origina-se ou intensifica-se devido ao atraso na linguagem e déficits nas funções
executivas, observados primordialmente no grupo clínico com Transtorno Autista.
Conforme Champagne-Lavau and Joanette (2009), para obter desempenho de acordo com
o esperado em tarefas da teoria da mente, torna-se mister a correta interpretação do
significado do enunciado, para posteriormente, obter correta compreensão de inferências de
estados mentais.
Nessa perspectiva, o desempenho de crianças em um determinado domínio cognitivo,
como a teoria da mente, pode ser influenciado por outros domínios cognitivos. Narzisi e
colaboradores (2013) advogam que o comprometimento nas funções executivas em crianças
com Autismo de Alto-funcionamento corrobora com o baixo desempenho em outras provas
do NEPSY-II. Provas do domínio da percepção social foram associadas ao funcionamento
executivo.
Vale ressaltar associações entre o estágio operacional proposto por Piaget (1929) e o
percurso desenvolvimental da Teoria da Mente. De acordo com Guttenplan (1996), o estágio
operacional remete ao moderno conceito da Teoria da Mente, na medida em que se torna
possível atrelar o raciocínio reversível à competência da representação mental. Ambos forjam
231
uma divisão entre subjetividade e objetividade, entre o que é verdade para minha mente e o
que é verdade para a realidade.
Aqui, é imperativo frisar o quanto as crianças diagnosticadas com Transtorno Autista
ainda demonstraram apoiar-se em estratégias visuais, perceptíveis na realidade. A dificuldade
de resolução das situações do Inventário Multimídia de Habilidades Sociais (IMHSC-Del-
Prette), bem como o maior engajamento em tarefas verbais da teoria da mente subsidiadas por
imagens visuais, parecem refletir tendência a estados mentais momentâneos em detrimento do
raciocínio reversível (Piaget, 1929).
Nesse sentido, ressalta-se o estudo de Joseph and Tager-Flusberg (2004), o qual remete ao
entrelaçamento das funções executivas e teoria da mente. Sugere-se que a memória
operacional e o controle inibitório podem mediar ou, pelo menos, fornecer necessárias
condições para o sucesso da teoria da mente. Tal perspectiva ganha força à medida que se
verifica acertos nas tarefas de crenças falsas, quando o indivíduo consegue manter uma falsa
representação de um dado estado de coisas na memória operacional, bem como consegue
resistir à tendência normal de atribuir estados mentais a partir de uma realidade predominante.
Crianças em idade pré-escolar ingressam no estágio pré-operatório, caracterizado pela
emergência do pensamento simbólico e representacional. Tal período converge com o
desenvolvimento do terceiro estágio proposto por Luria (1973), o qual emerge após o
desenvolvimento das áreas sensoriais e motoras secundárias. Nesse estágio, por exemplo,
ocorre a lateralização progressiva das funções de linguagem no hemisfério esquerdo, sobre a
qual habilita a criança a significar suas experiências (Garcia, 2011).
Na presente pesquisa, as crianças com Transtorno Autista demonstram atraso no
desenvolvimento da linguagem verbal e conceptualização a nível abstrato. Frequentemente
elucidam ecolalia imediata ou diferida, comunicam-se por meio de frases curtas e pontuais
232
que comumente inviabilizam construção de frases narrativas, passíveis de emergir vivências
do cotidiano.
Dificuldades de conceptualização a nível abstrato remetem à mãe da Amy, por exemplo.
Ela relata que a filha possui “dificuldade excessiva” (sic) para entender conceitos abstratos,
tais como o conceito de bairro.
É sabido que o Transtorno Autista converge para alterações em múltiplos sistemas
cerebrais (Frith 2004; Mundy e Sigman, 2006). Conforme estudos de neuroimagem, o cérebro
de crianças com Autismo de Alto-funcionamento apresenta indícios de alterações não
limitadas às regiões ou circuitos específicos, passíveis de uma insuficiência cerebral global
(Müller, 2007).
Hazlett e colaboradores (2005) verificaram resultados de ressonância magnética estrutural,
dos quais apontam consistente redução do volume cerebral total em pacientes com Autismo
de Alto-funcionamento, concernente a matéria branca e cinzenta. Tais alterações são
particularmente visíveis em regiões frontais e temporais de crianças autistas, com relativa
compensação do lobo occipital.
Estudos de ressonância magnética funcional apontam a conectividade alterada entre várias
áreas cerebrais, durante realização de tarefas com maior nível de complexidade. Tal fato
reforça a hipótese de que déficit no processamento cognitivo de funções mentais superiores
pode refletir conectividade reduzida entre áreas imprescindíveis do cérebro.
Nessa perspectiva, reforça-se dois princípios do legado teórico de Luria (1902-1977),
quais sejam, a estrutura sistêmica, assim como a organização e localização dinâmica das
funções mentais superiores.
Em contraponto ao grupo clínico do Transtorno Autista, duas das três crianças
participantes diagnosticadas com Transtorno de Asperger encontram-se dentro da média
esperada na tarefa da teoria da mente do NESPY-II. Embora com desempenho de acordo com
233
o esperado, sobressaltam-se aparente dificuldade na teoria da mente diante de demandas
contextuais e resolução de problemas que exigem interações sociais.
Max, por exemplo, apresenta-se dentro da média esperada para sua faixa etária na tarefa
da teoria da mente do NESPY-II, mas as dificuldades escolares atuais circunscrevem à
aparente incredulidade sobre frequentes brincadeiras irônicas dos pares para com ele.
Conforme anamnese, a mãe tenta clarificar situações, expressões, sugestivas de bullying.
Embora precise de certo tempo para entender, quando compreende, a mãe afirma que o filho
consegue perceber melhor as situações negativas que podem perpassar o seu cotidiano
escolar.
Jake, por sua vez, tende às reações de agressão verbal para com os pares, notadamente em
momentos marcados por brincadeiras de duplo-sentido ou irônicas: “meu filho sofre muito na
escola, porque leva tudo ao pé da letra. Fica muito irritado quando alguém brinca com ele.
Peço para relevar, mas não tem jeito” (sic), informa a mãe da criança.
Entraves na cognição social, notadamente quando solicitada no contexto dinâmico pautado
em relações sociais, parecem repercutir na auto avaliação do Inventário Multimídia de
Habilidades Sociais de Crianças (IMHSC-Del-Prette) e no desenho história com tema das
crianças aspergers.
Em termos de compreensão social, a maioria das crianças aspergers apresenta a tendência
geral das crianças em desenvolvimento típico: consideram mais adequadas as reações
habilidosas, situando em segundo lugar as não habilidosas passivas e em terceiro as ativas.
Todavia, na auto avaliação das reações habilidosas, o desempenho social situa-se abaixo
da média para empatia/civilidade, assertividade/enfrentamento e participação. Verifica-se
dificuldade acima da média para as reações citadas, sem perder de vista indícios de problemas
internalizantes.
234
Acerca do desenho história com tema, duas das três crianças aspergers recusaram o
desenho temático “Eu e minha escola”. Provavelmente, tal fato desvela a dificuldade das
crianças em projetar aspectos da dinâmica emocional imbricados no contexto solicitado.
Elas frequentemente são isoladas dos pares nas atividades de lazer, frequentemente
parecem imergir em situações desrespeitosas e embaraçosas, sem ter plena consciência; ou
ainda demonstram intensa dificuldade em estabelecer e manter relações interpessoais
duradouras. São raras conversações demonstrando interesse nos outros. Comumente elas
parecem interessadas em ouvir falar acerca dos temas do seu interesse e frequentemente
emitem reações não habilidosas ativas frente às situações permeadas por brincadeiras de
duplo-sentido e/ou irônicas.
Tal fato remete aos estudos propostos por Frith (2004) e Klin (2006). Ambas as
investigações indicam que fracassos duradouros em interações sociais de indivíduos com
Transtorno de Asperger (TA), normalmente estão atrelados a comportamentos autênticos e
falhas na empatia.
Klin, Jones, Schultz, Volkmar and Cohen (2002) indicam que crianças com TA são
isoladas pelos pares porque possuem dificuldade no manejo social, em virtude da inabilidade
de compreender que outras pessoas têm pensamentos e sentimentos diferentes dos seus.
O bom desempenho na tarefa da teoria da mente do NESPY-II, em contraponto à entraves
na dinâmica social, encontra-se consistente com a literatura neuropsicológica, a qual
demonstra que muitos indivíduos com Transtorno de Asperger têm a teoria da mente
relativamente intacta (quando comparado a crianças com Transtorno Autista) ou encontram-se
aptas a obter bom desempenho em tarefas laboratoriais/experimentais da teoria da mente
(Bowler, 1992; Ziatas, Durkin e Pratt, 1998).
Montgomery, Stoesz and McCrimmon (2012) constaram que adolescentes e adultos com
Transtorno de Asperger (TA) possuem entraves nas interações sociais reais imbricadas com
235
trocas emocionais. De forma geral, jovens adultos com TA têm o conhecimento e capacidade
cognitiva de raciocinar informações emocionais, mas demonstram entraves na aplicação social
desse conhecimento.
Os primeiros estudos sobre a teoria da mente de indivíduos com Transtorno de Asperger
retrataram que eles possuem bom desempenho em tarefas experimentais/laboratoriais, ao
passo da aplicação em vivências sociais (Bowler, 1992; Ozonoff , Rogers e Pennington,
1991).
Sasson e colaboradores (2013) demonstraram que a cognição social e a habilidade social
estão altamente correlacionadas. Déficits em habilidades associadas à cognição social
(reconhecimento de emoções e teoria da mente, por exemplo) constituem significativa
contribuição para a baixa qualidade das habilidades sociais de indivíduos inseridos no
espectro autista. Eles ainda ratificam Baron-Cohen (1995) ao relevar que tal correlação não
depende do desempenho intelectivo.
Critérios diagnósticos atuais distinguem o Transtorno de Asperger do Transtorno Autista
com base em competências linguísticas. O desenvolvimento da linguagem verbal constitui-se
como preditor para o bom desempenho em tarefas da teoria de mente. Na presente pesquisa,
as crianças com Transtorno de Asperger não sugerem atraso importante no desenvolvimento
da linguagem verbal. Em dissonância com o grupo Autista, elas demonstram fluência verbal
marcada por fala rebuscada e vocabulário amplo.
Há evidências substanciais de que a teoria mente pode está lateralizada no hemisfério
cerebral direito.
Goel and Dolan (2001) sugerem sistemas diferenciais subjacentes ao processamento
cognitivo e apreciação do humor. Eles acreditam na viabilidade de separar piadas de aspectos
afetivos. Aqui, torna-se plausível a possibilidade de entender a piada, sem acha-la engraçada.
236
Tradicionalmente, o hemisfério esquerdo encontra-se associado ao plano analítico, ao
passo que o direito associa-se ao plano sintético, holístico e intuitivo (Kolb & Whishaw,
1996). O hemisfério esquerdo parece envolvido na interpretação cognitiva do humor,
enquanto o hemisfério direito sugere envolver-se em aspectos afetivos.
Além disso, o sistema límbico, particularmente a amígdala, também desempenha um papel
importante no processo de respostas emocionais. Pacientes acometidos por lesões bilaterais da
amígdala encontram-se com comprometimento no reconhecimento de expressões faciais e
vocalização de emoções (Adolphs, Tranel, Damasio, & Damasio, 1994; Young et al., 1995).
Castelli et al. (2002) e Frith (2004) advogam para falhas na ativação top-down (áreas
frontais são ativadas primeiro), em contraponto a adequada ativação bottom-up (áreas
posteriores são ativadas primeiro). Tal constatação remete a fraquíssimas conexões entre
regiões do córtex extra estriado e regiões fronto-temporais, o que, por conseguinte,
desencadeia a análise das partes, em detrimento do todo complexo. Ou seja, indivíduos do
espectro autista tendem a compreender estímulos complexos, estratificam detalhes físicos,
possuem hiper ou hipo estimulação sensorial, mas comumente apresentam entraves na
compreensão de atitudes e emoções complexas, notadamente evidentes em inter-relações
pessoais dinâmicas.
Tais achados clarificam o motivo pelo qual as crianças com Transtorno de Asperger
contrapõem-se na utilização da teoria da mente (bom desempenho nas tarefas do NEPSY-II,
ao passo de entraves nas situações sociais). Também se torna possível compreender o motivo
pelo qual elas demonstraram entraves para lidar com provérbios de forma intuitiva e
espontânea, tais como os itens 13 e 15 da tarefa verbal da teoria da mente, vinculada ao
NEPSY-II.
Entraves para lidar com provérbios, frases de duplo-sentido ou ironias transpõem para o
cotidiano, ao verificar que Hugo dificilmente identifica quando a mãe está brigando com ele,
237
por exemplo. Max já esteve “transtornado” (sic), porque, brincando, a mãe o chamou de
papagaio. Jake, por sua vez, tende às reações de agressão verbal para com os pares,
notadamente em momentos marcados por brincadeiras de duplo-sentido ou irônicas.
Em última instância, merece destaque a análise do CBCL. Todas as crianças participantes
receberam classificação clínica na Escala de Competências Sociais. Tal categorização consona
com o perfil comportamental e socioafetivo evidenciado na presente pesquisa e na literatura
especializada sobre o espectro autista.
Em diferentes níveis de severidade, crianças com Transtorno Autista ou Transtorno de
Asperger possuem comprometimento qualitativo da interação social e comunicação. Haase,
Freitas, Natale, Teodoro e Pinheiro (2005) definem a mente autista como o resultado de um
cérebro que se desenvolve “solipsisticamente” fechado sobre si mesmo. De modo
interdependente, falhas na teoria da mente, nas funções executivas e na linguagem versam
como principais fragilidades neuropsicológicas dos grupos clínicos vigentes e, por
conseguinte, repercutem nas competências sociais dos grupos clínicos citados (Champagne-
Lavau & Joanette, 2009).
Na segunda escala fornecida pelo CBCL, a Escala de Síndromes, destacam-se:
problemas de pensamento, problemas atencionais, isolamento social/depressão, em maior
proporção do que ansiedade/depressão.
Possivelmente, problemas de pensamento circunscrevem dificuldades na conceptualização
a nível abstrato, ou ainda entraves na interpretação não-literal, passíveis de averiguação na
literatura e no cotiando das crianças avaliadas.
Embora os pais da Amy não a tenha classificado na faixa clínica para problemas de
pensamento, a dificuldade da criança em interpretar o sentido não-literal de determinadas
situações sugere dificuldade de pensamento identificada nas demais crianças participantes. O
pai da Amy, por exemplo, ao segurar uma sandália da mão, esperava uma reação diferente por
238
parte da filha: “esperava que ela fosse reagir como as demais crianças reagem – se sentindo
acuada e com medo de levar uma palmada. Amy nem percebeu o que eu pretendia fazer com
aquela sandália na mão” (sic).
Problemas atencionais provavelmente remetem a dificuldades de atenção sustentada,
passíveis sugerir ao analisar a dificuldade nas provas do domínio da atenção e funções
executivas em todas as crianças avaliadas na presente pesquisa. Entraves cognitivos atrelados
ao subsistema da memória operacional lançam luz para características comportamentais
congêneres ao comportamento predominantemente desatento sugerido pelos pais das crianças
avaliadas.
Em última análise, o isolamento social/depressão, em maior proporção do que
ansiedade/depressão, remete a estudos neuropsicológicos, notadamente sobre o Transtorno de
Asperger.
As crianças com Transtorno de Asperger frequentemente são isoladas dos pares nas
atividades de lazer. São raras conversações demonstrando interesse nos outros. Comumente
elas parecem interessadas em ouvir falar acerca dos temas do seu interesse.
Conforme Frith (2004) e Klin (2006) fracassos duradouros em interações sociais de
indivíduos com Transtorno de Asperger (TA), normalmente estão atrelados a comportamentos
autênticos e falhas na empatia. Contudo, sobressalta-se a possibilidade de sofrimento psíquico
frente à dificuldade no manejo social, notadamente de crianças com desempenho intelectivo
alto. Torna-se passível lembrar que Max e Jake, ambos com desempenho intelectivo alto e
com Transtorno de Asperger, recusaram-se a executar o desenho história com tema: eu e
minha escola.
Tal possibilidade de sofrimento parece clarificar-se em Max. No momento da avaliação
neuropsicológica, a mãe tentava evidenciar situações, expressões, sugestivas de bullying. Max
solicitava explicações detalhadas, no nível do concreto, perceptível na realidade. Embora
239
precisasse de certo tempo para entender, quando compreendia, a mãe afirmava que o filho
conseguia perceber melhor as situações negativas que poderiam perpassar o seu cotidiano
escolar.
Em última análise, na Escala Orientada pelo DSM-IV, merece ressalvas o quadro clínico
de comportamento obsessivo-compulsivo, firmado pela maioria dos pais que responderam ao
CBCL. Aqui, torna-se plausível a diferenciação entre movimentos repetitivos e estereotipados
do comportamento obsessivo-compulsivo, possivelmente embaçado pela semelhança clínica.
O Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) constitui-se no DSM como transtorno de
ansiedade associado a obsessões e rituais específicos que tendem a atenuar o nível de
ansiedade exacerbado.
No entanto, Bartz and Hollander (2006) detabem a nosologia do TOC. Um dos motivos do
debate associa-se com as características heterogêneas dos pacientes com o quadro clínico. Os
autores advogam pela sobreposição entre os transtornos de ansiedade e o transtorno do
espectro do autismo (TEA). Muitos pacientes com TOC são caracterizados por
comportamentos repetitivos assim como pacientes do espectro autista também o são.
Ivarsson and Melin (2008) apontam para diferenças neuropsicológicas subjacentes aos
comportamentos repetitivos no TOC e no TEA. Para os autores, o comportamento do TOC
pretende aliviar altos níveis de ansiedade, desgosto, sentimentos desagradáveis ou um
pensamento negativo. Ainda na infância, a consciência desse estado é uma característica
marcante do TOC. Em contraponto, tais sentimentos e pensamentos negativos são escassos no
TEA.
Provavelmente, os movimentos estereotipados advêm do impacto no processamento
sensorial decorrente da hiperestimulação ou hipoestimulação do ambiente. Ou seja,
argumenta-se que o movimento estereotipado pode auxiliar a manutenção de um estado de
estimulação ideal, ou homeostático, em um organismo acometido por desintegração sensorial.
240
A literatura especializada adverte a possibilidade do desenvolvimento de estratégias de
enfretamento naturalmente inadequadas para compensar o desequilíbrio sensorial. Nessa
perspectiva, a desintegração sensorial subjaz padrões restritos e repetitivos de comportamento,
interesses e atividades, passíveis de emergir em maneirismos motores estereotipados e
repetitivos (p. ex., agitar ou torcer mãos ou dedos, ou movimentos complexos de todo o
corpo).
Salienta-se que o cômputo dos resultados do CBCL é resultante das informações
fornecidas pelos pais ou responsáveis diretos da criança. Para além de refutar ou confirmar
informações compiladas do CBCL, destacam-se alguns resultados clínicos, provavelmente,
embaçados pela dificuldade de compreensão das perguntas, ou ainda pelas possíveis dúvidas
frente às características comportamentais clínicas.
A maioria dos pais entrevistados possui a criança participante como filho(a) único(a).
Alguns receberam diagnóstico clínico meses antes da participação na presente pesquisa,
enquanto outros sugerem resistir à aceitação ou divulgação do diagnóstico clínico.
Tal fato promove pontos de vista dissonantes atrelados ao perfil comportamental da
criança. Essa hipótese ganha força ao reanalisar concepções e, por conseguinte, atitudes
destoantes dos pais para com o filho imerso em um diagnóstico clínico.
Os pais do Cauê são aqueles que mais ilustram tal hipótese. Enquanto a mãe associa o
perfil comportamental e socioafetivo do filho ao quadro clínico indicado por neuropediatra. O
pai, por sua vez, sugere resistir à aceitação do diagnóstico clínico. Leitor fluente de
publicações científicas, no decorrer da entrevista clínica, frequentemente atrelou atitudes e
dificuldades do filho a justificativas de causa-efeito, das quais parecem recorrer ao trajeto
doença-tratamento-cura.
Como consequência, eles sugerem assumir papéis desarmônicos na relação pais-filho. A
progenitora frequentemente ressalta perfil materno acolhedor e protetor, como se as
241
dificuldades do filho fossem específicas do quadro clínico e, portanto, passíveis de encobrir
com atitudes de aceitação. Por outro lado, o progenitor salienta perfil paterno associado ao
rigor educacional, como se as dificuldades do filho fossem passíveis de superação por meio de
intenso treino.
Por outro lado, a aceitação do diagnóstico clínico parece auxiliar na compreensão das
atitudes e comportamentos da criança inserida em um transtorno do desenvolvimento e, por
conseguinte, beneficiar a relação familiar. Conforme elucidado pela mãe do Hugo:
“eu brigava muito com meu filho, porque ele tinha manias, tinha dificuldade
de comer e, principalmente, porque ele não entendia quando eu brigava com ele. Isso
me tirava do sério, mas depois do diagnóstico e ler muito sobre, descobri que preciso
entender como meu filho é para poder ajudá-lo, ao invés de brigar” (sic).
242
Considerações finais:
A presente pesquisa buscou estabelecer perfil de funcionamento neuropsicológico de
crianças diagnosticadas com Autismo e Transtorno de Asperger. O estudo multicasos foi
realizado a partir da proposta metodológica de investigação de Luria. Foram
investigados os domínios da cognição social e funções executivas.
Em consonância com o diagrama do processo avaliativo proposta por Luria, a
análise qualitativa do sintoma (Etapa 1) indicou a presença de dificuldades nos
relacionamentos sociais e no cotidiano escolar das crianças avaliadas. Por sua vez, a
análise quantitativa do sintoma (Etapa 2) indicou que, de modo interdependente, falhas na
teoria da mente, nas funções executivas e na linguagem despontam como principais
fragilidades neuropsicológicas dos grupos clínicos vigentes, notadamente do grupo que
compõe o Transtorno Autista.
Cabe ressaltar que um indivíduo com um transtorno global do desenvolvimento se
constitui de forma específica e, portanto, apresenta uma forma específica de interação
social e verbal. Sugere-se que pais, profissionais clínicos e instituições sociais, como a
escola, compreendam a forma de individuação do TGD, antes de classificarem as
crianças ou proporem tratamentos.
Sugere-se futuras investigações que se proponham a investigar as características
cognitivas, comportamentais e socioafetivas consonantes e dissonantes do Transtorno
Autista e Transtorno de Asperger. Tal proposição enriquece a compreensão do perfil
neuropsicológico dos grupos clínicos em questão.
243
Embora uma larga gama de estudos recentes proporcione a compreensão do perfil
neuropsicológico do Autismo e Asperger, sugere-se que mais pesquisas confluam na
compreensão rebuscada do perfil neuropsicológico característico dessas populações, sem
perder de vista elucidações frente à sensibilidade e especificidade do DSM-V para o
TEA.
244
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763.
256
ANEXOS
257
Anexo 1
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)
Esclarecimentos
Estamos solicitando a você a autorização para que o menor pelo qual você é
responsável participe da pesquisa: “Caracterização do fenótipo neuropsicológico de
crianças e adolescentes inseridos no Espectro Autista: um estudo multicaso”8.
A pesquisa em questão tem como pesquisador responsável a mestranda Samantha
Maranhão, aluna do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte e vinculada ao Laboratório de Pesquisa e Extensão em Neuropsicologia
(LAPEN/UFRN), coordenado pela professora Dra. Izabel Hazin.
A pesquisa tem como objetivo principal ajudar no desenvolvimento e aprendizagem
das crianças e adolescentes do espectro autista. De maneira geral, o fenótipo
neuropsicológico é a caracterização do perfil cognitivo, comportamental e socioafetivo de
uma pessoa. Para obter este perfil torna-se necessário a avaliação neuropsicológica, que por
sua vez, constitui-se como procedimento investigativo realizado com a ajuda de tarefas
desenvolvidas para crianças e adolescentes da idade do menor pelo qual você é responsável.
O motivo que nos leva a fazer este estudo é o problema identificado tanto na prática
clínica, quanto na literatura médica e neuropsicológica, qual seja, proporcionar diagnóstico
precoce e tratamento adequado do espectro, cuja heterogeneidade de sintomas dificulta os
profissionais da saúde e da educação identificar se o quadro clínico confere com o
diagnóstico de espectro autista.
Caso você decida autorizar, ele(a) será submetido à avaliação neuropsicológica:
procedimento que utiliza testes psicológicos e tarefas qualitativas parecidas com atividades
feitas em sala de aula e com jogos. Tais tarefas ajudam a compreender melhor como estão as
chamadas funções cognitivas, como por exemplo, a atenção e a memória, tão importantes na
aprendizagem; bem como ajudam a compreender melhor o motivo pelo qual ele(a) possui
determinados tipos de comportamento ou de interação social. As tarefas previstas serão
aplicadas individualmente. Pretedemos concluir a avaliação de cada participante em quatro
(4) encontros, com duração média de sessenta (60) minutos.
Pretendemos obter imagens dos encontros avaliativos a fim de conseguir dados
clínicos acerca de como o menor consegue fazer e de que forma ele faz as tarefas. Para tanto,
8 O título da dissertação foi alterado no decorrer da pesquisa
258
pretendemos que os encontros avaliativos sejam videogravados. A autorização específica
para isso será entregue em forma de outro TCLE.
A aplicação das tarefas não apresenta nenhum risco conhecido para a saúde física e/ou
mental. Durante a realização dos testes psicológicos e tarefas qualitativas a previsão de riscos
é mínima, ou seja, o risco que ele(a) corre é semelhante àquele sentido num exame
psicológico de rotina.
Pode acontecer um desconforto, caso ele(a) não saiba como resolver os testes ou
tarefas propostas que será minimizado quando o pesquisador informar que a pesquisa não
pretende julgar erros, mas na verdade, pretende analisar que estratégias o menor utilizar para
tentar minimizar, ou superar, as dificuldades encontradas durante a execução da atividade
proposta.
Ao final do processo avaliativo, ele (a) terá como benefício a elaboração de um laudo
psicológico, cujo objetivo é proporcionar um mapeamento do funcionamento cognitivo,
comportamental e socioafetivo do individuo. Destacam-se seus pontos fortes e fracos, assim
como as estratégias desenvolvidas para resolver atividades, uma vez que o processo
avaliativo busca compreender o que o individuo consegue fazer e de que forma ele faz as
tarefas e testes propostos. Desse modo, o laudo proporciona melhor compreensão acerca do
impacto do quadro clínico sobre o desenvolvimento, a aprendizagem e a qualidade de vida do
menor.
Em caso de algum problema que ele(a) possa ter, relacionado com a pesquisa, ele(a)
terá direito a assistência gratuita que será prestada pelo Laboratório de Pesquisa e Extensão
em Neuropsicologia (LAPEN/UFRN). O mesmo possui trabalhos de extensão à comunidade,
os quais agregam assistência às escolares e responsáveis em casos de dúvidas relacionadas ao
laudo psicológico.
Durante todo o período da pesquisa você poderá tirar suas dúvidas ligando para
professora Izabel Hazin (telefone), ou para aluna Samantha Maranhão (telefone).
Você tem o direito de recusar sua autorização, em qualquer fase da pesquisa, sem
nenhum prejuízo para você e para ele(a).
Os dados que ele(a) irá nos fornecer serão confidenciais e serão divulgados apenas em
congressos ou publicações científicas, não havendo divulgação de nenhum dado que possa
identificá-lo(a). Esses dados serão guardados pelo pesquisador responsável por essa pesquisa
em local seguro e por um período de cinco (5) anos.
259
Se você tiver algum gasto pela participação dele(a) nessa pesquisa, ele será assumido
pelo pesquisador e reembolsado para você. Se ele(a) sofrer algum dano comprovadamente
decorrente desta pesquisa, ele(a) será indenizado.
Consentimento livre e esclarecido
Eu,____________________________________________________, representante
legal do menor _________________________________________________________,
autorizo sua participação na pesquisa “Caracterização do fenótipo neuropsicológico de
crianças e adolescentes inseridos no Espectro Autista: um estudo multicaso”.
Esta autorização foi concedida após os esclarecimentos que recebi sobre os objetivos,
importância e o modo como os dados serão coletados, por ter entendido os riscos,
desconfortos e benefícios que essa pesquisa pode trazer para ele(a) e também por ter
compreendido todos os direitos que ele(a) terá como participante e eu como seu representante
legal.
Autorizo, ainda, a publicação das informações fornecidas por ele(a) em congressos
e/ou publicações científicas, desde que os dados apresentados não possam identificá-lo(a).
Natal, (data).
Assinatura do representante legal
Assinatura do pesquisador responsável
260
Anexo 2
TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA USO DE IMAGENS (VÍDEOS)
Eu,_____________________________________________________________,
AUTORIZO a Profª Dra. Izabel Hazin, coordenadora da pesquisa intitulada: “Caracterização
do fenótipo neuropsicológico de crianças e adolescentes diagnosticados com transtorno de
Asperger: um estudo multicasos” a fixar, armazenar e exibir a minha imagem por meio de
vídeo com o fim específico de inseri-la nas informações que serão geradas na pesquisa, aqui
citada, e em outras publicações dela decorrentes, quais sejam: revistas científicas, congressos
e jornais.
A presente autorização abrange, exclusivamente, o uso de minha imagem para os fins
aqui estabelecidos e deverá sempre preservar o meu anonimato. Qualquer outra forma de
utilização e/ou reprodução deverá ser por mim autorizada.
O pesquisador responsável, Samantha Maranhão, assegurou-me que os dados serão
armazenados em meio de ferramentas informatizadas, sob sua responsabilidade, por 5 anos, e
após esse período, serão destruídas.
Assegurou-me, também, que serei livre para interromper minha participação na
pesquisa a qualquer momento e/ou solicitar a posse de minhas imagens.
Natal (data).
Assinatura do participante da pesquisa
Assinatura e carimbo do pesquisador responsável
261
Anexo 3
262
Anexo 4
Roteiro de Observação nas Escolas e Entrevista com os profissionais
ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO DO ALUNO NO COTIDIANO DA ESCOLA
1. O aluno interage com as pessoas da comunidade escolar?
a) Professores
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b) Alunos
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c) Outros (pais de alunos, merendeira, vigia, auxiliar administrativo, serviço geral,
diretor)?
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2. O aluno demonstra compreender e realiza as atividades do cotidiano da escola?
Precisa de adaptações para realizá-las (de conteúdo, da forma, do tempo, dos objetos)?
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263
3. O aluno realiza as tarefas no tempo planejado para sua execução (atividades em sala
de aula, na merenda, no banheiro, no parque)?
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4. Quais as atividades do aluno durante o intervalo?
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5. No geral, como tem sido o desenvolvimento acadêmico do aluno? Quais são as
maiores dificuldades enfrentadas?
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