UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO ESPRITO SANTO
CENTRO DE EDUCAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
ALDARES SOUTO FRANA
PROPOSTAS CURRICULARES PARA O ENSINO DE ESTUDOS SOCIAIS:
CIRCULAO E APROPRIAES DE REPRESENTAES
DE ENSINO DE HISTRIA E DE APERFEIOAMENTO DE PROFESSORES
(ESPRITO SANTO, 1956 - 1976)
Vitria
2013
ALDARES SOUTO FRANA
PROPOSTAS CURRICULARES PARA O ENSINO DE ESTUDOS SOCIAIS:
CIRCULAO E APROPRIAES DE REPRESENTAES
DE ENSINO DE HISTRIA E DE APERFEIOAMENTO DE PROFESSORES
(ESPRITO SANTO, 1956 - 1976)
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Educao, da Universidade Federal
do Esprito Santo, como requisito parcial para
obteno do ttulo de Doutora em Educao, na linha
de pesquisa Histria, Sociedade, Cultura e Polticas
Educacionais.
Orientadora: Prof Dr Juara Luzia Leite
Vitria
2013
Dados Internacionais de Catalogao-na-publicao (CIP)
(Biblioteca Setorial de Educao,
Universidade Federal do Esprito Santo, ES, Brasil)
Frana, Aldares Souto, 1963-
F814p Propostas curriculares para o ensino de estudos sociais: circulao e apropriaes de
representaes de ensino de histria e de aperfeioamento de professores (Espirito Santo,
1956-1976) / Aldares Souto Frana. 2013.
304 f. : il.
Orientador: Juara Luzia Leite.
Tese (Doutorado em Educao) Universidade Federal do Esprito Santo, Centro de
Educao.
1. Educao e Estado. 2. Ensino Currculos. 3. Estudos sociais (Primeiro grau)
Ensino de primeiro grau. 4. Histria Ensino de primeiro grau. 5. Professores
Formao. I. Leite, Juara Luzia, 1964-. II. Universidade Federal do Esprito Santo.
Centro de Educao. III. Ttulo.
CDU: 37
Ao Professor Van Dycke Costa,
in memoriam,
por compartilhar comigo
o Escutar os mortos com os olhos.
Aos professores autores
... Suas escritas so encontros...
O encontro com o outro
trouxe muitos outros.
O outro tambm sou eu...
O olhar voltado para trs tem outra funo:
ajudar a compreender quais so os significados e
os efeitos das rupturas que implicam os usos,
ainda minoritrios e desiguais, mas cada dia
vencedores de novas modalidades de
composio, de difuso e
de apropriao do escrito.
(CHARTIER, 2002, p. 9).
Isso me torna livre...
18
AGRADECIMENTOS
Quando comecei a escrever esse texto, usei os pronomes e verbos na primeira pessoa.
Mas logo percebi que, minha pessoa, s couberam o desafio de inici-la a partir das
incertezas pessoais, da vontade de escrev-la, e a responsabilidade pelo percurso de
investigao. Muitas pessoas se tornaram autoras deste trabalho. Trata-se de uma
composio coletiva, pois foram inmeras as contribuies. Temo por deixar de citar alguns
coautores. Peo-lhes desculpas, se por acaso isso acontecer.
Agradeo primeiramente a Deus. Quantas vezes O deixei de lado para dedicar-me a
esta escrita... Mas, quantas vezes Ele assumiu o controle desta composio! imensurvel o
Seu amor por mim!
A minha orientadora querida... Nossa,... quanta pacincia! Como agradecer-lhe?
Indescritvel... Eu a admiro muito!!! Obrigada, Prof Dr Juara Luzia Leite! A cada
encontro/conversa lanava novos desafios! Perdoe-me se no consegui corresponder a suas
expectativas. Meu agradecimento e minha homenagem carinhosa.
Aos Professores que compuseram a Banca Examinadora desde a primeira
Qualificao: Prof Dr Regina Helena Silva Simes e Prof Dr Gilda Cardoso de Arajo.
Meus sinceros agradecimentos! Ao Prof. Dr. Marcelo de Souza Magalhes, que chegou
depois, mas provocou as inflexes necessrias. Serei sempre grata. Sua alegria
contagiante! Prof Dr. Margarida Maria Dias de Oliveira pela disponibilidade e
gentileza. O meu reconhecimento e profundo agradecimento.
s Professoras Maria Neila Geaquinto e Celi da Rocha Neves por fazerem parte da
histria contada aqui. Vocs so lindas!
Professora Aureni da Silva Magalhes Marvila pela reviso do texto da verso para
a Qualificao II.
s Professoras Mnica Nadja dAlmeida Caniali e Priscila Pereira de Aquino pelo
profissionalismo, disponibilidade e gentileza para a traduo do resumo, respectivamente
para o espanhol e para o ingls.
Aos colegas de trabalho, meus sinceros agradecimentos pela pacincia! Realmente me
tornei uma colega chatinha.
Aos professores de Histria, diretores e pedagogos de escolas que, a partir das
conversas aparentemente informais, contriburam para este trabalho.
19
As trs chefinhas pela compreenso na hora certa, no conseguiria sem o apoio de
vocs: Priscila Cibien Baratella, Lucymar Gonalves Freitas e Rita Pellecchia. Deixo-lhes o
meu sincero reconhecimento.
Obrigada tambm aos que disponibilizaram seus acervos pessoais: Professoras Celi
da Rocha Neves, Maria Neila Geaquinto, Marisa Terezinha Rosa Valladares e Delizete
Barreiras Horsth.
Aos servidores das bibliotecas: Biblioteca Central da UFES, principalmente os da
Seo de Colees Especiais; Biblioteca Pblica; Biblioteca do Estado do Esprito Santo;
Biblioteca Setorial (IC-IV); Biblioteca da EEEFM Prof. Fernando Duarte Rabelo; Biblioteca
da EEEM Arnulpho Mattos. Tambm sou grata aos servidores do Arquivo Pblico do Estado
do Esprito Santo e do Arquivo da Secretaria de Estado da Educao do Esprito Santo. E
queles que compem e encantam a secretaria do PPGE-UFES.
amiga irm Gleise Maria Tebaldi Dias Batista pela amizade, pelo apoio e pelas
palavras de nimo e incentivo na hora certa.
Agradeo s amigas que compartilharam comigo os momentos no PPGE: Regina
Bitte, Geciane Soares, Adalgisa Pinheiro, Karla Veruska e Luciane Paraiso Rocha.
A minha irm Rose, mesmo do outro lado do Atlntico, acompanhou e ajudou-me
quando pensei que no conseguiria... Amo voc, querida!
A minha Famlia registro o meu pedido de perdo pelos momentos de ausncia e
agradeo pela pacincia, pelo carinho e por acreditarem em mim. Marido, estou de volta!
Obrigada pela sua cumplicidade e pelo seu carinho. Filhos, amo muito vocs!
Com o meu especial carinho,
20
RESUMO
Este estudo problematiza as representaes sobre o ensino de Estudos Sociais que circularam
por meio de publicaes pedaggicas e propostas curriculares, no estado do Esprito Santo
durante o perodo entre 1956 a 1976. Defendemos que essas representaes constituram-se a
partir de um processo histrico caracterizado por embates acerca de projetos de sociedade,
educao, escola, ensino e professor, que resultaram em representaes superpostas sobre o
que, quando e como ensinar Histria e sobre o aperfeioamento de professores.
Compreendemos que essas representaes circularam como histrias conectadas e foram
apropriadas pelas propostas curriculares de Estudos Sociais da dcada de 1970. Na anlise,
dialogamos com o pensamento de autores estadunidenses, como John U. Michaelis e Ralph C.
Preston; de intelectuais que atuavam nas instituies brasileiras, como Delgado de Carvalho e
Joo Roberto Moreira; com a produo didatizada presente nas escritas dos professores
autores Maria Onolita Peixoto, Leny Werneck Dornelles e Therezinha Deusdar, James Braga
Vieira da Fonseca e Lydina Gasman; bem como com a produo local de Liene de Freitas
Lima e Maria Neila Geaquinto. Fizemos a opo pelas seguintes fontes: propostas
curriculares, livros, manuais, guias e cadernos metodolgicos, e pelo entrelaamento com
impressos oficiais Dirios, Relatrios, Leis, Decretos-Lei; e peridicos - a Revista de
Estudos Pedaggicos e a Revista Capixaba. Para a anlise dos dados, consideramos o
esquema conceitual apresentado por Roger Chartier - circulao, representao, apropriao
e prticas culturais. Outros conceitos foram basilares: o de intelectual (Jean-Franois
Sirinelli); o de histrias conectadas de (Sanjay Subrahmanyan e Serge Gruzinski); e o de
cultura escolar (Dominique Julia). Os resultados revelam que as representaes de ensino de
Estudos Sociais e de aperfeioamento de professor foram apropriadas nas propostas
curriculares do estado do Esprito Santo e se constituram a partir de movimentos de histrias
conectadas, no como mera transposio de ideias importadas, mas como apropriaes
inventivas que foram legitimadas na cultura escolar por meio de polticas curriculares e
polticas de aperfeioamento de professores. Assim, ao aperfeioar o professor pretendia-se
aperfeioar a sociedade, a educao, a escola e o ensino.
Palavras-chave: ensino de Estudos Sociais ensino de Histria - formao de professores
propostas curriculares polticas educacionais
21
ABSTRACT
This study discusses the representations about Social Studies teaching that circulated through
pedagogical publications and educational curriculum proposals in the state of Esprito Santo
during the period from 1956 to 1976. We understand that these representations were formed
from a historical process characterized by conflicts about society projects , education, school ,
teaching and teacher, which resulted in overlapping representations about what , when and
how to teach History and about the development of teachers. It is understood that these
representations circulated as connected stories and were appropriate by the curricular
proposals of Social Studies in the 70s. In the analysis, we dialogue with thought of American
authors such as John U. Michaelis and Ralph C. Preston; of intellectuals who worked in
Brazilian institutions, as Delgado de Carvalho and Joo Roberto Moreira, with didactic
production present in the writings of the teacher- authors Maria Onolita Peixoto, Leny
Werneck Dornelles and Therezinha Deusdar , James Braga Vieira da Fonseca and Lydina
Gasman; as well as the local production of Liene Lima de Freitas and Maria Neila Geaquinto.
We chose to the following sources: curriculum proposals, books, manuals, guides and
methodological notebooks, and by intertwining with official forms Diaries, Reports, Laws,
Ordinances, and journals - the Journal of Studies in Education and Esprito Santo Magazine .
For the analysis data, we considered the conceptual scheme presented by Roger Chartier
circulation, representation, appropriation and cultural practices. Other concepts were
cornerstones: the intellectual (Jean - Franois Sirinelli); the connected stories (Sanjay
Subrahmanyan and Serge Gruzinski); and the school culture (Dominique Julia). The results
reveal that the representations of Social Studies teaching and the teacher improving were
appropriate on the curriculum proposals in the state of Esprito Santo and formed from
movements of connected stories, not as mere transposition of imported ideas but as inventive
appropriations that were legitimized in school culture through curriculum policies and
political development of teachers. Thus, to improve the teacher intended to improve society,
education, school and teaching.
Keywords: Teaching Social Studies - History teaching - teacher training - curriculum
proposals - education policies
22
RESUMEN
Este estudio problematiza las representaciones de la enseanza de Estudios Sociales
distribuidos a travs de publicaciones y propuestas de planes de estudios educativos en el
estado de Esprito Santo durante el perodo de 1956 a 1976. Argumentamos que estas
representaciones se forman a partir de un proceso histrico caracterizado por los conflictos
sobre los proyectos de la sociedad, la educacin, la escuela, la enseanza y los maestros, que
se tradujo en la superposicin de representaciones sobre qu, cundo y cmo ensear sobre la
Historia y el perfeccionamiento de profesores. Entendemos que estas representaciones
circulan como historias conectadas y fueran apropiadas por las propuestas curriculares para
los Estudios Sociales en la dcada de 1970. En el anlisis, el dilogo con el pensamiento de
autores americanos como John U. Michaelis y Ralph C. Preston, intelectuales que trabajaban
en instituciones brasileas, como Delgado de Carvalho y Joo Roberto Moreira, con la
produccin didatizada presente en los escritos de los maestros-autores Maria Onolita Peixoto,
Leny Werneck Dornelles y Therezinha Deusdar, James Braga Vieira da Fonseca y Lydina
Gasman; as como la produccin local de Liene Lima de Freitas y Maria Neila Geaquinto.
Elegimos a las siguientes fuentes: las propuestas curriculares, libros, manuales, guas y
cuadernos metodolgicos, y por el entrelazamiento con los impresos oficiales - Diarios,
Informes, Leyes, Decretos-Leyes, Los peridicos - la Revista de Estudios Pedaggicos y
Revista Capixaba. Para el anlisis de los datos, consideramos el esquema conceptual
presentado por Roger Chartier - circulacin, representacin, apropiacin y prcticas
culturales. Otros conceptos fueron pilares: lo de intelectual (Jean-Franois Sirinelli), lo de las
historias conectadas (Sanjay Subrahmanyan y Serge Gruzinski), y lo de la cultura escolar
(Dominique Julia). Los resultados revelan que las representaciones de la enseanza de
Estudios Sociales y del perfeccionamiento de los maestros fueron apropiados en las
propuestas curriculares del estado de Esprito Santo y se han constituido a partir de los
movimientos de historias conectadas, no como una mera transposicin de ideas importadas,
sino como apropiacin inventiva que se forman legitimadas en la cultura escolar por medio de
polticas de perfeccionamiento de profesores. De esa manera, observamos que al perfeccionar
el maestro significaba perfeccionar la sociedad, la educacin, la escuela y la enseanza.
Palabras clave: Enseanza de Estudios Sociales - Enseanza de Historia - la formacin del
profesorado - propuestas curriculares - las polticas de educacin
23
LISTA DE SIGLAS
ANPUH
CAPES
CALDEME
CAPEN
CBC
CBPE
CILEME
COLTED
CPEPEN
DASP
DEF
EMC
ENPEH
FOA
INEP
LDB
MEC
OSPB
PABAEE
PNLD
RBEP
SEDU
SNEL
UNESCO
USAID
Associao Nacional de Histria
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
Campanha do Livro Didtico e Material de Ensino
Curso de Aperfeioamento para Professores de Escolas Normais
Currculo Bsico Comum
Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
Campanha de Inquritos e Levantamentos do Ensino Mdio e Elementar
Comisso do Livro Tcnico e do Livro Didtico
Curso de Psicologia Educacional para Professores de Escolas Normais
Departamento Administrativo do Servio Pblico
Departamento de Ensino Fundamental
Educao Moral e Cvica
Encontro Nacional de Pesquisadores de Ensino de Histria
Administraes de Operaes Exteriores
Instituto Nacional de Estudos Pedaggicos
Lei de Diretrizes e Bases da Educao
Ministrio da Educao e Cultura
Organizao Social e Poltica Brasileira
Programa de Assistncia Brasileiro-Americana ao Ensino Elementar
Programa Nacional do Livro Didtico
Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos
Secretaria de Estado da Educao
Sindicato Nacional dos Editores de Livros
Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura.
Agncia Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional
24
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Uniformizao da educao brasileira ................................................................. 59
Figura 2 - O Convento da Penha. ........................................................................................... 200
Figura 3 - O novo Esprito Santo. ........................................................................................... 204
Figura 4 - A Vale do Rio Doce. .............................................................................................. 205
Figura 5 - Currculos do Ensino Primrio (1969). .................................................................. 211
Figura 6 - Proposta curricular de 1 4 srie do 1 Grau (1973). .......................................... 237
Figura 7 - Capa da Proposta Curricular de 1 a 8 srie (verso de 1974). ............................. 242
Figura 8 - Proposta curricular do 2 Grau (1975). .................................................................. 257
file:///C:/Users/Aldares/Desktop/QUASE%20PRONTA%20A%20REVISO%20(Recuperado).docx%23_Toc377338193file:///C:/Users/Aldares/Desktop/QUASE%20PRONTA%20A%20REVISO%20(Recuperado).docx%23_Toc377338197file:///C:/Users/Aldares/Desktop/QUASE%20PRONTA%20A%20REVISO%20(Recuperado).docx%23_Toc377338198file:///C:/Users/Aldares/Desktop/QUASE%20PRONTA%20A%20REVISO%20(Recuperado).docx%23_Toc377338199
25
SUMRIO
INTRODUO ............................................................................................................
1 DELINEANDO O TEMA E A PROBLEMTICA EM DILOGO COM OUTROS
ESTUDOS ......................................................................................................
1.1 O REFERENCIAL TERICO .........................................................................................
1.2 DIALOGANDO COM OUTROS ESTUDOS REVISO DE LITERATURA ..........
1.3 CONTEXTUALIZANDO - A ESCOLA AGORA OUTRA: O PABAEE E AS
IDEIAS EM MOVIMENTO DE HISTRIAS CONECTADAS ..........................................
1.3.1 PABAEE escolas normais, centros de treinamento e mediadores sociais no
estado do Esprito Santo ......................................................................................................
27
31
34
38
49
64
1.3.2 O encerramento do PABAEE .....................................................................................
1.4 A COMISSO DO LIVRO TCNICO E DO LIVRO DIDTICO (COLTED) ...........
1.5 A COMISSO ESTADUAL DO LIVRO TCNICO E DO LIVRO DIDTICO NO
ESTADO DO ESPRITO SANTO (CELTED) ......................................................................
2 REPRESENTAES DE INTELECTUAIS: ENSINO DE ESTUDOS SOCIAIS
EM MOVIMENTO DE HISTRIAS CONECTADAS .............................................
2.1 RALPH C. PRESTON, EM ENSINANDO ESTUDOS SOCIAIS NA ESCOLA
PRIMRIA ..............................................................................................................................
81
85
90
97
104
2.2 JOHN UDELL MICHAELIS ESTUDOS SOCIAIS PARA CRIANAS NUMA
DEMOCRACIA ......................................................................................................................
114
2.3 INTELECTUAIS DO CBPE E A CONSTITUIO DOS ESTUDOS SOCIAIS ......... 128
2.4 A TEORIA DE JOO ROBERTO MOREIRA E O ENSINO DE ESTUDOS SOCIAIS
................................................................................................................................
2.5 O PENSAMENTO DE DELGADO DE CARVALHO ..................................................
135
140
3 REPRESENTAES EM MOVIMENTO DE HISTRIAS CONECTADAS -
CIRCULAO E APROPRIAES NO ENSINO DE ESTUDOS
SOCIAIS.......................................................................................................
3.1 A COLEO BIBLIOTECA DE ORIENTAO PROFESSORA PRIMRIA -
REPRESENTAES E APROPRIAES DE ESTUDOS SOCIAIS NA ESCOLA
PRIMRIA (1964) .................................................................................................................
153
154
3.2 REPRESENTAES E APROPRIAES DO IDERIO ESTADUNIDENSE NO
26
ENSINO DE ESTUDOS SOCIAIS DA ESCOLA DE 1 GRAU ........................................ 164
3.3 REPRESENTAES DE ESTUDOS SOCIAIS E DE HISTRIA NOS GUIAS
METODOLGICOS PARA CADERNOS DO MEC ...........................................................
3.3.1 A Operao Pan-americana e a histria a ser ensinada ..................................
176
192
3.4 ESCRITAS PARA O ENSINO DE ESTUDOS SOCIAIS NO ESTADO DO ESPRITO
SANTO ................................................................................................................
199
4 PROPOSTAS CURRICULARES APROPRIAES DE REPRESENTAES DE
ESTUDOS SOCIAIS .....................................................................................................
4.1 O CURRCULO EXISTE SOMENTE NAS EXPERINCIAS DAS CRIANAS ......
4.2 REFORMAS EDUCACIONAIS E A ORGANIZAO DOS CURRCULOS
ESCOLARES PARA O ENSINO DO 1 GRAU ...................................................................
4.2.1 Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971 - um programa de atualizao e expanso do
ensino de 1 e 2 Graus ........................................................................................................
4.3 DO ENSINO PRIMRIO AO ENSINO DO 1 GRAU A VERSO
EXPERIMENTAL DE 1973 ..................................................................................................
4.4 A PROPOSTA CURRICULAR A VERSO DE 1974 ................................................
4.5 A VERSO DE 1974 E A PROPOSTA PARA O ENSINO DA REA DE ESTUDOS
SOCIAIS .................................................................................................................................
4.6 PROSPOSTA CURRICULAR PARA O 2 GRAU .........................................................
4.7 PROPOSTA CURRICULAR PARA A ESCOLA NORMAL (1976) ............................
4.8 OLHARES DE UMA PROFESSORA DE ESTUDOS SOCIAIS ...................................
CONVERSA FINAL ... MANTEMOS AS RETICNCIAS.............................................
REFERNCIAS ...................................................................................................................
FONTES ................................................................................................................................
209
210
219
227
235
240
249
256
259
263
279
284
294
ANEXOS ...............................................................................................................................
ANEXO A - NDICE DAS RECOMENDAES DAS CONFERNCIAS
INTERNACIONAIS DE INSTRUO PBLICA (1937- 1963) ...................................
ANEXO B A IMAGEM EMBLEMTICA DA SALA DE AULA ..............................
ANEXO C CARO PROFESSOR .....................................................................................
ANEXO D - O PERFIL DO PROFESSOR QUE AJUDA O ALUNO ...........................
ANEXO E - O PERFIL DO PROFESSOR QUE AJUDA O ALUNO ............................
ANEXO F A NATUREZA CONCEITUAL DOS ESTUDOS SOCIAIS ....................
298
298
300
301
302
303
304
27
INTRODUO
Neste estudo apresentamos os resultados da pesquisa de doutoramento, que se insere
na linha de Pesquisa Histria, Sociedade, Cultura e Polticas Educacionais, do Programa de
Ps-graduao em Educao do Centro de Educao da Universidade Federal do Esprito
Santo PPGE/CE/UFES. Problematizamos as representaes de ensino de Estudos
Sociais/Histria que circularam por meio de publicaes pedaggicas - livros, compndios,
manuais, guias, cadernos metodolgicos -, e foram apropriadas nas propostas curriculares do
estado do Esprito Santo, no perodo de 1956 a 1976. Assim, buscamos discutir como essas
prticas culturais de escritas pedaggicas potencializaram o processo de normatizao de uma
histria a ser ensinada e a organizao das polticas de aperfeioamento1 de professores
2. Da
a necessidade de conhecermos os fundamentos legais das polticas educacionais e da
organizao das polticas curriculares, e, especificamente, os relacionados, ao ensino de
Histria.
Nortearam a nossa anlise os seguintes os questionamentos: Quais as representaes
de ensino de Estudos Sociais/Histria e aperfeioamento de professores (prtica docente,
ofcio e profissionalizao) que circularam por meio de publicaes didtico-pedaggicas,
cursos de aperfeioamento de professores e propostas curriculares? Quais as permanncias e
mudanas de representaes sobre o ensino de Estudos Sociais foram evidenciadas nas
publicaes didtico-pedaggicas e propostas curriculares analisadas no nosso estudo?
Podemos afirmar que houve apropriao do ensino de Estudos Sociais Made in U.S.A. nas
propostas curriculares do estado do Esprito Santo? Ao formul-las, inicialmente,
consideramos os interesses intervencionistas do governo estadunidense e defendemos que as
representaes de ensino de Estudos Sociais circularam a partir do eixo - Estados Unidos,
Brasil e estado do Esprito Santo. Percebemos que esses interesses resultaram em acordos
bilaterais e em programas educacionais que fomentaram a distribuio de materiais didticos
e cursos de aperfeioamento de professores. Ou seja, partimos do pressuposto de que as
propostas curriculares para o ensino de Estudos Sociais/Histria, elaboradas no estado do
1 Expresso comumente utilizada nos documentos oficiais da poca para referir-se ao que hoje entendemos
como cursos de capacitao de professores.
2 Aplicamos a expresso professores nos referindo aos educadores de modo geral: administradores de sistemas
escolares, especialistas em educao primria, supervisores, diretores e professores de escolas normais, diretores
e professores de escolas de demonstrao e experimentais e aos professores primrios. Consideramos tambm a
questo de gnero.
28
Esprito na dcada de 1970, resultaram da apropriao das representaes produzidas por
modelos educacionais estadunidenses, que circularam no perodo de 1956 a 1976.
Porm, no decorrer do nosso estudo, inflexes foram necessrias, pois percebemos que
essas representaes no resultaram de uma mera transposio de idias Made in U.S.A., mas
se constituram por meio de apropriaes inventivas que se materializaram por meio de
publicaes pedaggicas e propostas curriculares, tanto no mbito internacional, nacional
como no local, historicamente produzidas e situadas em movimentos de histrias conectadas.
Ou seja, desviamos para outras ligaes histricas. Isso significa que percebemos a realidade
a partir de mltiplas escalas, restabelecendo as conexes que as historiografias desligaram ou
esconderam, bloqueando as suas respectivas fronteiras, o que implica no entendimento que as
histrias se comunicam entre si (GRUZINSKI, 2001).
Em sntese, defendemos que essas conexes resultaram de/em tenses, embates e
disputas de representaes e de projetos de sociedade, educao, escola, ensino e professor,
circularam em mltiplas escalas conectadas, apropriadas e sintetizadas por meio de prticas
culturais de escritas de professores autores e circularam como publicaes didatizadas sobre o
que, quando e como ensinar Estudos Sociais.
Todavia, no ignoramos as tentativas de interveno por parte do governo
estadunidense. Essas foram expressas por meio de materiais de propagandas promocionais e
de divulgao (impressos e flmicos), bem como por meio dos acordos bilaterais e programas
internacionais que resultaram em polticas educacionais de distribuio de materiais didtico-
pedaggicos e cursos de aperfeioamento de professores. Sabemos que pretendiam com isso
vincular a educao aos seus interesses econmicos, dando a l-la por meio da relao com a
democracia com os aspectos da cultura poltica estabelecida nas relaes internacionais
daquela poca.
A partir dessas consideraes, o nosso estudo disps-se, especificamente, em: a)
Analisar o processo de circulao das representaes de Estudos Sociais, a partir de um
movimento de histrias conectadas, considerando o eixo - os Estados Unidos, o Brasil e o
estado do Esprito Santo b) Estabelecer ligaes e distines entre as diferentes
representaes de Estudos Sociais que circularam em movimento de histrias conectadas; c)
Evidenciar as permanncias e mudanas de representaes de Estudos Sociais; d) Analisar a
materialidade das publicaes pedaggicas e das propostas curriculares, situando os
professores autores e suas escritas nas suas respectivas variveis histricas; e) Identificar as
representaes de sociedade, educao, escola, ensino de Estudos Sociais e de
29
aperfeioamento de professor que circularam por meio dessas publicaes e propostas
curriculares; e, g) Evidenciar as representaes de Estudos Sociais que foram apropriadas
pelas polticas curriculares da contemporaneidade e anunciadas como novidades otimistas.
Salientamos que, de modo geral, os estudos j existentes elegeram como eixo central
de observao So Paulo e Rio de Janeiro, ignorando os demais estados brasileiros. No estado
do Esprito Santo, a nica pesquisa sobre o tema da Professora Celi da Rocha Neves (1980),
professora de Geografia que se preocupou, especificamente, com a apropriao da proposta
curricular para o ensino de Estudos Sociais da 5 srie nas escolas da regio da Grande
Vitria, no estado do Esprito Santo. Isso evidencia as lacunas e a escassez de produo
referente temtica investigada e, consequentemente, a relevncia deste estudo.
Conforme j foi dito, optamos, ento, em compreender e discutir as representaes
sobre o ensino de Estudos Sociais e sobre o aperfeioamento de professores, postas a circular
no estado do Esprito Santo, no perodo entre 1956 a 1976. Para tanto, debruamos sobre as
publicaes pedaggicas e propostas curriculares para o ensino de Estudos Sociais,
compreendendo-as como sntese de representaes de uma histria a ser ensinada.
Assim, tomamos como base a mobilizao da composio/produo
difuso/circulao e apropriao de representaes como prticas culturais, e organizamos o
nosso texto da seguinte forma: no Captulo 1, Delineando o tema e a problemtica em
dilogo com outros estudos, preocupamo-nos em apresentar a temtica, os objetivos, a
problemtica, o referencial terico, a reviso de literatura deste estudo e as variveis
histricas.
Tambm debruamos sobre a contextualizao e evidenciamos a relao entre os
programas educacionais, que resultaram de acordos polticos e econmicos assinados entre o
Brasil e os Estados Unidos, e a circulao, nas Escolas Normais, Centros de Treinamento,
cursos de aperfeioamento de professores e bibliotecas escolares, das representaes
relacionadas ao modelo pedaggico estadunidense. Ou seja, procuramos evidenciar os fatores
que favoreceram a circulao das representaes de ensino de Estudos Sociais e a sua
apropriao na cultura escolar. Procuramos entend-los em sua historicidade.
No Captulo 2,Representaes de intelectuais: ensino de Estudos Sociais em
movimento de histrias conectadas, detivemo-nos na anlise das publicaes didatizadas
produzidas por meio de escritas de intelectuais estadunidenses e brasileiros. Entendemo-las
como representaes de ensino de Estudos Sociais e aperfeioamento de professores, que
circularam na cultura escolar e foram apropriadas de modo superposto no decorrer de
30
diferentes geraes de professores. Para tanto, situamos esses intelectuais em suas variveis
histricas e identificamos as permanncias e distines entre as representaes de ensino de
Estudos Sociais e aperfeioamento de professores.
No Captulo 3 - Representaes em movimento de histrias conectadas - circulao
e apropriaes no ensino de Estudos Sociais, ocupamo-nos, ento, com as permanncias e
com as mudanas de representaes referentes ao ensino de Estudos Sociais. Analisamo-las
em mltiplas escalas, considerando as ligaes entre si, sem hierarquiz-las. Percebemo-las
inseridas em uma arena de tenses e embates de representaes e apropriaes inventivas que
dialogaram com as experincias e expectativas dos intelectuais que foram acumuladas de
modo superposto e anunciadas como novidade otimista.
No Captulo 4 Propostas curriculares apropriaes de representaes de
Estudos Sociais , analisamos as propostas curriculares de Estudos Sociais do estado do
Esprito Santo, inserimo-las num campo de experincias e expectativas locais, considerando
as conexes e as escalas mltiplas; bem como, atentamos para a influncia que as
representaes acumuladas de modo superposto exerceram sobre a formulao de uma
histria a ser ensinada e a sua circulao na cultura escolar.
Finalmente, Conversa final... Mantemos as reticncias..., seguimos o protocolo de
escrita e buscamos apresentar os resultados do estudo. Questionamos: Podemos afirmar que
houve um processo Made in U.S.A. no ensino de Estudos Sociais? Percebemos que a
influncia de diferentes concepes de Estudos Sociais presentes nas publicaes pedaggicas
e propostas curriculares, que circularam visando, principalmente, normatizao e o
aperfeioamento da prtica profissional dos professores.
Nesse sentido, percebemos que no se pode limitar/submeter a compreenso sobre os
Estudos Sociais s variveis histricas de um tempo conturbado e submetido a uma ditadura.
Parafraseando FONSECA e GASMAN (1969), no se pode aceitar a reduo, a fragmentao
e a distoro da representao do ensino de uma disciplina, sem questionar a sua construo
histrica.
Apesar de cada passo da nossa escrita est solidamente documentado, no h aqui
pretenses de exaurir toda a problemtica. Ousamos apenas em presidir outros estudos e
provocar outros/novos olhares sobre a temtica.
31
1 DELINEANDO O TEMA E A PROBLEMTICA EM DILOGO COM
OUTROS ESTUDOS
O interesse pelo tema surgiu a partir da nossa experincia na organizao das
atividades referentes implementao das propostas curriculares para o Ensino Fundamental
e para o Ensino Mdio da rede de ensino estadual no Esprito Santo3, em 2009. Na ocasio,
foram realizadas vinte e seis encontros com professores de todas as reas de conhecimento.
Porm, as principais inquietaes surgiram no decorrer dos encontros com os professores de
Histria. Isso porque observamos os questionamentos e os arranjos tecidos pelos professores
no dilogo com o documento curricular.
Assim, inicialmente, percebemos a necessidade de problematizarmos as
representaes anunciadas pelas polticas curriculares como novidades otimistas e atentamos
para as permanncias e mudanas de representaes. Para tanto, estabelecemos um dilogo
entre o presente e o passado. oportuno enfatizarmos que, no reduzimos os objetivos da
pesquisa a um trabalho de utilidade pblica, mas consideramos o nosso estudo importante
para a compreenso das atuais propostas curriculares para o ensino de Histria.
Diante disso, mergulhamos nos arquivos pblicos, bibliotecas pblicas, escolares e
pessoais, e perguntamos sobre especificidade da produo/composio,
disseminao/circulao e apropriao das representaes de ensino de Estudos
Sociais/Histria. Buscamos, assim, ampliar a compreenso sobre a construo histrica das
representaes de uma histria a ser ensinada e da formao do professor dessa disciplina.
A despeito da compulso de agregar informaes, que nos prpria, delimitamos o
tema, reduzimos o recorte temtico e temporal, e optamos pelo percurso traado pelas fontes e
pelo Escutar os mortos com os olhos (CHARTIER, 2010, p.7). A delimitao temporal do
nosso estudo cingida, inicialmente, pela assinatura do acordo bilateral Estados Unidos e
Brasil -, que deu origem ao Programa de Assistncia Brasileiro-Americana ao Ensino
Elementar (PABAEE), em 1956. E para o marco final, consideramos o ano da publicao da
proposta curricular para o Curso de Habilitao para o Magistrio de 1 Grau, em 1976. Isso
se justifica pela compreenso de que essa e as demais propostas curriculares do estado do
3 O referido documento curricular foi elaborado no decorrer do ano de 2008, e, inicialmente, denominado de
Novo Currculo do Estado do Esprito Santo. Em 2009, quando da sua publicao e distribuio, passou a ser
conhecido como: Currculo Bsico Escola da Estadual, ou, apenas de CBC.
32
Esprito Santo so apropriaes inventivas do iderio posto a circular pelo referido Programa,
na dcada de 1970.
Pois bem, o recorte cobre a circulao dos modelos pedaggicos estadunidenses e a
sua apropriao pelas polticas curriculares esprito-santenses, com vista aplicao de novos
mtodos e tcnicas de ensino, combater a evaso e a repetncia e aperfeioar os professores.
No decorrer da pesquisa, defrontamos com as fontes documentais relacionadas aos
acordos bilaterais Estados Unidos e Brasil -, que evidenciaram a aproximao entre polticas
educacionais do Pas e os interesses polticos e econmicos do governo estadunidense. Tal
aproximao intensificou a circulao das representaes sobre a democracia, a preservao
da paz; o entendimento nas relaes internacionais; a melhoria da vida em comunidade e da
vida familiar, a tentativa de inculcao dos valores morais; e o uso da cincia para o bem da
humanidade, incorporadas aos saberes prprio da disciplina de Estudos Sociais/Histria.
Diante disso, atentamos para o papel dos programas e convnios de assistncia tcnica
e financeira, assinados entre o Brasil e os Estados Unidos, na fomentao de cursos de
aperfeioamento de professores e na intensificao da distribuio de publicaes didtico-
pedaggicas. Sob tal aspecto, observamos que os programas promoveram as viagens de
intelectuais4 brasileiros aos Estados Unidos viabilizando a participao em congressos,
seminrios e cursos; bem como, a promoo de visitas s escolas estadunidenses, ou vice-
versa. Intensificando, assim, a circulao de saberes, ideias, valores, crenas, publicaes e
materiais pedaggicos.
Observamos, ento, que essa circulao no resultou apenas de relaes bilaterais, mas
caracterizou-se por ligaes mltiplas. Isso significa houve conexes tambm com a Europa e
com as outras partes do mundo, sem que se estabelecessem plos, um dominador e outro
dominado, mas relaes projetadas de forma transnacional.
Nessa perspectiva, consideramos a disseminao das publicaes, originais ou
tradues, de livros, manuais, compnios, guias e cadernos metodolgicos sobre o ensino de
Estudos Sociais. O nosso interessse incidiu, especificamente, sobre aqueles que foram citados
no referecial bibliogrfico dos documentos curriculares, como: John Michaelis (1970
[1956/1963]) e de Preston (1965[1950]).
Alm desses, identificamos traos dessa transnacionalidade nas escritas referentes ao
ensino de Estudos Sociais e o aperfeioamento do seu professor, como, por exemplo, dos
4 Gerao de pensadores e estudiosos que [...] arrogam-se uma competncia particular para assumir a
responsabilidade pela dimenso mais poltica do fenmeno poltico: a ideologia (PECAUT, 1990, p.7).
33
autores dos centros de pesquisas brasileiros como Delgado de Carvalho (1957) e Joo Roberto
Moreira (1960). Tambm foram importantes as composies didatizadas, escritas para serem
lidas por professores no decorrer do processo de aperfeioamento da sua prtica docente:
Maria Onolita Peixoto (1960), Leny Werneck Dornelles e Therezinha Deusdar (1967) e
James Braga Vieira da Fonseca e Lydina Gasman (1969; 1971); bem como, a publicaes
locais, representadas pelas escritas de Liene de Freitas Lima e Maria Neila Geaquinto
(1977[1974]).
Tambm consideramos a pesquisa da professora Celi da Rocha Neves (1980).
Sabemos que ela participou da elaborao das propostas curriculares de Estudos Sociais na
dcada de 1970, como tambm, das orientaes didtico-pedaggicas destinadas aos
professores dessa disciplina. Sua escrita reforou a ideia que as representaes de Estudos
Sociais circularam nas salas de aula, bibliotecas escolares, salas de professores, cursos de
aperfeioamento, enfim, no mbito da cultura escolar.
Buscamos partir dessas escritas, tambm demarcar os usos inventivos, muitas vezes
concebidos como novidades otimistas pelas polticas curriculares, como, por exemplo: a
concepo de rea de ensino/culturais; o desenvolvimento de habilidades; a nfase na
aprendizagem da criana; a valorizao da histria presente; entre outras.
Para a realizao da pesquisa foram imprescindveis os acervos bibliogrficos das
bibliotecas das seguintes escolas: EEEM Arnulpho Mattos, EEEM Maria Ortiz e EEEM
Professor Fernando Duarte Rabelo; bem como da Biblioteca Central da Universidade Federal
do Esprito Santo, principalmente, o setor de Colees Especiais; da Biblioteca Pblica
Estadual do Esprito Santo e da biblioteca pessoal da Professora Celi da Rocha Neves e Van
Dycke Costa (in memoriam); bem como os acervos documentais do Arquivo Pblico Estadual
e do Arquivo da Secretaria de Estado da Educao. Foram to importantes quanto as demais
bibliotecas e os arquivos digitais que disponibilizaram documentos, livros, leis, decretos,
especificamente os sites da JusBrasil Legislao, da Biblioteca Digital de Acesso Livre
(Cipedya) e da Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional do Brasil. Como
possvel observar, novos gestos foram apropriados nesta pesquisa.
No processo de produo de dados, consideramos os documentos e obras que
circularam no perodo do recorte temporal, submetendo-os a uma crtica externa e
mobilizando-os a partir do seguinte eixo: polticas curriculares, ensino de Estudos Sociais,
formao de professores (livros, manuais, guias e cadernos metodolgicos e propostas
curriculares) e polticas educacionais (planos, programas, relatrios, leis e decretos).
34
Tambm verificamos a autenticidade das informaes a partir do entrelaamento entre
as diversas tipologias de fontes; do mesmo modo, as situamos em suas variveis histricas e
estabelecemos um dilogo com os interesses dos organismos internacionais. Enfim, essas
fontes possibilitaram-nos a mobilizao das experincias e expectativas dos professores
autores a partir de suas escritas.
Ressaltamos que na composio da nossa escrita, optamos por seguir o caminho
traado pelas fontes, especificamente, aquelas que nos permitiram a Escutar os mortos com
os olhos (CHARTIER, 2010, p. 7). Para tanto, a situamos nas suas variveis histricas e as
inserimos em um movimento de histrias conectadas, e atentamos para as apropriaes locais
de modelos de Estudos Sociais de larga circulao internacional e nacional.
1.1 O REFERENCIAL TERICO
De seguida, submetemos as fontes a uma crtica interna, atribuindo-lhes credibilidade
por meio do esquema conceitual de Roger Chartier (1990, 2002, 2007, 2009 e outros) -
circulao, representao, apropriao e prticas culturais. Tais conceitos foram
importantes para a nossa anlise, pois permitiram problematizarmos as concepes, as formas
de circulao e a diversidade de apropriao do ensino de Estudos Sociais e da concepo de
aperfeioamento de professores. No foram considerados separadamente, mas de modo
interdependente.
Salientamos que a noo de representao permitiu delimitamos as configuraes
intelectuais mltiplas, atravs das quais a realidade foi contraditoriamente construda pelos
diferentes grupos de professores autores. Ressaltamos que as representaes do mundo social
no se medem por critrios de veracidade ou autenticidade, e sim pela capacidade de
mobilizao que proporcionam ou pela credibilidade que oferecem (CHARTIER, 2002). Ou
seja, mobilizamos como esses professores autores, enquanto intelectuais, realizaram
classificaes e divises e deram sentidos a viso de mundo, sociedade, educao, escola,
ensino e aos saberes prprios do ensino de Estudos Sociais de aperfeioamento de
professores.
A partir de Chartier (1990) tambm nos preocupamos com a apropriao das
representaes. Para ele, o trabalho de identificao da construo das representaes do
mundo social [...] no pode deixar de subscrever o projeto e colocar a questo, essencial, das
35
modalidades da recepo (CHARTIER, 1990, p. 24), ou seja, como determinado indivduo
ou grupo ler determinados textos e produz sentidos. Ao considerar a apropriao, Chartier
dialogou com o pensamento Certeau (2004), evidenciando as relaes de poder por meio de
tticas e estratgias.
Dessa forma, Chartier (1990) pensou a individualidade nas suas variaes histricas,
rompendo com o conceito de sujeito universal, inscreveu-se tambm num processo ao longo
prazo [...] caracterizado pela transformao do Estado e das relaes entre os homens - as
mutaes das estruturas da personalidade (CHARTIER, 1990, p. 25).
Tendo essas consideraes em vista, Chartier (1990) buscou pelas prticas
diferenciadas, reformula a noo de apropriao e a colocou no centro de uma abordagem da
Histria Cultural. Porm, se distanciou do sentido de a apropriao social dos discursos
aplicados por Michel Foucault, que se afastou daqueles que o praticava, limitando-a as
instncias oficiais de poder. Assim, reformulou a noo de apropriao e a inscreveu nas
prticas especficas de uma histria social das interpretaes e das suas determinaes
sociais, institucionais, culturais, e, tambm polticas.
Desse modo, Chartier (1990), voltou-se para a histria da leitura, das prticas de
leitura e das prticas de escritura, considerando as condies e os processos que determinam
as operaes de construo de sentido, considerando-os na descontinuidade das trajetrias
histricas e interrogando as teorias de recepo cultural. Para ele, as apropriaes como
prticas de produo de sentido, que se diferenciam, por determinaes sociais dos usos e das
interpretaes e conforme as variveis histricas (CHARTIER. 1990; 2002).
A noo de circulao tambm foi importante para esta pesquisa. Para Chartier
(2002), a circulao multiplicada do escrito impresso modificou as formas de sociabilidade,
autorizou novos pensamentos e transformou as relaes de poder. Para compreend-la,
Chartier (2002) props um duplo deslocamento. O primeiro refere-se ao reconhecimento das
variaes socialmente enraizadas nos uso de materiais compartilhados, que possibilita
apreenso dos mesmos textos de formas diversas. J o segundo, refere-se a maneiras prprias
de ler de cada comunidade de interpretao (mesmo conjunto de concorrncias, normas e
usos). Ambos potencializaram o nosso estudo.
A noo de cultura escolar tambm foi importante para o nosso estudo. Dominique
Julia (2001) a classificou como objeto histrico caracterizado por
[...] um conjunto de normas que definem saberes a ensinar e condutas a
inculcar e um conjunto de prticas que permitem a transmisso desses
saberes e a incorporao desses comportamentos, normas e prticas
36
ordenadas de acordo com finalidades que podem variar segundo as pocas
(finalidades religiosas, sociopolticas ou simplesmente de socializao)
(JULIA, 2001, p.10).
Nesse sentido, essa noo possibilitou-nos a mobilizarmos a percepo sobre as
escolas normais e os cursos de aperfeioamento de professores como espaos de circulao e
de normatizao das representaes. Do mesmo modo, tambm situamos os manuais, guias,
cadernos metodolgicos e as propostas curriculares como prticas culturais de escrita voltadas
para a normatizao dos saberes e condutas relacionadas ao aperfeioamento da prtica
docente. Ou seja, o [...] corpo profissional dos agentes que so [foram] chamados a obedecer
a essas ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedaggicos encarregados de facilitar sua
aplicao (JULIA, 2001, p.10). Ao faz-lo, as transcenderam e produziram uma cultura
inventiva e prpria.
Dessa maneira, tambm consideramos que o conceito de histrias conectadas
forneceu importantes contribuies para pensarmos a relao entre o iderio educacional
estadunidense, a poltica educacional brasileira e as polticas curriculares esprito-santenses,
especificamente, a sua influncia sobre a circulao das representaes de Estudos Sociais e
de aperfeioamento de professores. O conceito de histrias conectadas foi desenvolvido por
Sanjay Subrahmanyan (1997), utilizado por Serge Gruzinski (2001) e apropriado pelos
estudos de Diana Vidal (2005). Distingue-se da histria comparada, pois no prioriza as
semelhanas e diferenas, mas, a possibilidade da existncia de conexes intelectuais e a
circulao mltipla de histrias, pessoas, ideias, materiais e saberes pedaggicos entre os dois
pases em um movimento de diversidade intelectual, mas sem hierarquia e dicotomia. Sua
aplicao permitiu-nos a superarmos a verso de uma histria nica e unificada, o que implica
que as histrias s podem ser mltiplas.
Em sntese, Esta perspectiva significa que estas histrias esto ligadas, conectadas, e
que se comunicam entre si. Diante de realidades que convm estudar a partir de mltiplas
escalas (GRUZINSKI, 200, p. 176). Ou seja, este fenmeno de conexo manifesta-se por
uma mudana de escala. possvel observ-lo em dimenses diversas, como: local, regional,
nacional e internacional.
Assim, por meio dessa noo, estabelecemos a relao entre as publicaes dos
autores estadunidenses, dos intelectuais brasileiros e as produes didatizadas no mbito local
sobre os Estudos Sociais. Percebemos os usos inventivos, bem como a sua circulao no
mbito da cultura escolar.
37
Isso significa que as representaes de ensino de Estudos Sociais e de aperfeioamento
de professores circularam nos cursos realizados tanto nas universidades dos Estados Unidos,
como nos centros de pesquisas, institutos de educao, centros de treinamento, escolas
normais, seminrios, cursos de frias e bibliotecas escolares. Quando chegaram escrivaninha
do professor e sala de aula, sem dvida, desafiaram a prtica docente e favoreceram a
disseminao dos saberes e valores oriundos do modelo educacional estadunidenses,
romperam com as fronteiras e encontraram com outros saberes internacionalizados e com
outros modos de expresso das polticas curriculares.
Outro conceito basilar foi o de intelectual (SIRINELLI, 2012) que carrega em si as
noes de itinerrio, gerao e sociabilidade. Nesta pesquisa, utilizamos as duas acepes
destacadas por Sirinelli: uma mais ampla e de carter sociocultural (que engloba os criadores,
os mediadores culturais e receptores), e outra que est relacionada noo de engajamento e
de cultura poltica. No estabelecemos a dicotomia entre essas acepes, optamos por
consider-las como expanses recprocas da noo de intelectual.
Dessa forma, seria, ento, inconveniente reduzir a compreenso sobre os Estudos
Sociais s produes dos intelectuais estadunidenses. Portanto, ao dilatarmos o espao de
circulao (que apropria ou captura outros espaos inventivamente) percorremos desde a
University Elementary School (parte da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos),
fundada por John Dewey, em 1896, at a escola francesa experimental, o Instituto
Internacional de Pedagogia de Svres5 (Paris), na Frana, e at outras (Inglaterra, Alemanha,
ustria, Blgica, Sua, Itlia e Espanha). Mas no nos preocupamos com os pormenores de
cada pas, apenas salientamos a circulao e a conexo do/entre o pensamento dos seus
intelectuais.
Tambm foi importante para o nosso estudo a noo de superposio de
representaes presente em trabalho de Juara Luzia Leite (2007), que carrega em si a noo
de gerao (PECAUT, 1990), pois permitiu percebermos que as representaes do mundo so
forjadas, simultaneamente, a partir das permanncias e mudanas em uma composio
entrelaada.
Assim, observamos que as representaes de Estudos Sociais ainda servem de
ancoragem para os ajustes das polticas curriculares. No como uma nica ou a mesma coisa,
idntico, inerte e acomodado. Consideramos isso admissvel, pois aceitamos a ideia de que as
5 Na dcada de 1950, o Professor James Braga da Fonseca, do Colgio de Aplicao da UFRJ, visitou,
juntamente com outros professores, o Instituto Internacional de Pedagogia de Svres, presenciando a aplicao
dos Estudos Sociais como disciplina escolar (SANTOS, 2011).
38
representaes atribudas aos Estudos Sociais no se limitam a um determinado tempo
histrico que j passou, finalizou, ou, se apresenta genuinamente no presente. Ou seja,
entendemos que no esto somente em um ou somente em outro tempo, mas esto em um e
no outro; alm disso, j no so as mesmas representaes, mas se distinguiram ao
submeterem a diversidade de apropriaes nas polticas curriculares e no mbito da cultura
escolar, em um processo de superposio de diversas representaes simultneas.
1.2 DIALOGANDO COM OUTROS ESTUDOS REVISO DE
LITERATURA
A reviso da literatura constituiu-se em um exerccio profcuo. Revisitamos os
clssicos sobre o ensino de Estudos Sociais: Guy de Hollanda (1957), Miriam Moreira Leite
(1969), Elza Nadai (1988), Raquel Glezer (1979[1977]) e Maria Antonieta Albuquerque de
Oliveira (1993). Tambm dialogamos com os estudos recentes, como os de Itamar Freitas
(2010; 2011), Beatriz Boclin Marques dos Santos (2011) e Thiago Rodrigues Nascimento
(2012).
O estudo de Nadai (1988) foi importante para esta pesquisa, porque nos proporcionou
uma viso da trajetria histrica do ensino de Estudos Sociais. Dessa maneira, possibilitou a
superao da viso universal sobre essa trajetria. Ou seja, fortaleceu a crtica s
representaes consensuais que circulam sobre o ensino de Estudos Sociais. Sobre isso, a
autora salientou que
Inmeros autores tm chamado a ateno para as marcas de indefinio e
amplitude que tm caracterizado sua existncia, como rea de ensino, desde
que, pela primeira vez, foi utilizada a expresso Estudos Sociais:
provavelmente, em 19836 [1893 (1892)], no Report of the Committee of
Ten of the National Education Association. A partir da, os Estudos
Sociais vincularam-se pedagogia norte-americana, embora nem sempre
com o mesmo significado ou ocupando igual papel no currculo.
Pode-se, pelo menos, arrolar trs projetos que vm caracterizando o campo
dos Estudos Sociais, nem sempre complementares ou guardando relaes de
sucesso e reciprocidade. Eles esto, muitas vezes, imbricados uns nos
outros, a tal ponto que so confundidos e identificados como nico,
sobretudo a partir dos anos trinta (NADAI, 1988, p.2, grifos em negrito da
autora).
6 Erro do prprio texto, talvez de datilografia.
39
Salientamos que a Report of the Committee of Ten of the National Education
Association (1893) resultou das conferncias organizadas por uma comisso formada por dez
educadores representantes na maior parte das universidades estadunidenses7. Tal comisso
realizou nove conferncias, em diferentes universidades dos Estados Unidos, a partir de 9 de
julho de 1892, conforme os seguintes temas: 1. Latina, 2. Grega, 3. Ingls 4. Outras Lnguas
Modernas, 5. Matemtica, 6. Fsica, Astronomia e Qumica; 7. Histria Natural (Biologia,
incluindo Botnica, Zoologia e Fisiologia); 8. Histria, Governo Civil e Economia Poltica;8
9. Geografia (Geografia Fsica, Geologia e Meteorologia). Os resultados foram
apresentados no Columbia College, New York City, de 9 a 11 de novembro de 1892, na
ocasio a Comisso recomendou a padronizao do currculo das escolas secundrias dos
Estados Unidos.
Todavia, segundo Itamar Freitas (2011) a introduo do ttulo Social Studies
(Estudos Sociais) e a sua definio nos programas das high schools, s ocorreu efetivamente,
em 1916. A anlise do Relatrio citado confirmou que a conferncia que discutiu sobre o
ensino de Histria e realmente no utilizou a expresso Estudos Sociais. Mas apresentou uma
proposta metodolgica de ensino, que se aproximou daquilo que posteriormente foi concebido
como tal: sustentou-se na proposta de associao dos saberes entre as disciplinas, e no
desenvolvimento de uma metodologia para a escola primria, baseada em narrativas orais, e
para o ensino secundrio, por meio do uso do livro-texto juntamente com a leitura do material
de apoio e lies orais (WASHINGTON, 1893).
No Brasil, de acordo com Nadai (1988), as primeiras discusses sobre os Estudos
Sociais surgiram com no incio da dcada de 1930, no cenrio caracterizado pela depresso
econmica, crise e recesso, favoreceu a redefinio das polticas educacionais e a
apropriao do projeto de ensino de Estudos Sociais implantado nas escolas estadunidenses.
7 Professores e suas respectivas universidades: Charles William Eliot , Universidade de Harvard ; William T.
Harris , o Comissrio de Educao, Washington, DC; James B. Angell, Universidade de Michigan , Ann Arbor,
MI; John Tetlow, Chefe Mestre do Ensino Mdio das meninas, Boston, MA; James M. Taylor, Vassar College,
Poughkeepsie, Nova Iorque; Oscar D. Robinson, diretor da Escola Secundria, Albany, NY; James H. Baker,
presidente da Universidade do Colorado, Boulder, CO; Richard Henry Jesse , presidente da Universidade de
Missouri , Columbia, MO; James C. Mackenzie, Chefe Mestre da Escola Lawrenceville , Lawrenceville, NJ;
Henry C. King, Professor na Faculdade de Oberlin , Oberlin, OH.
8 Membros do grupo discutiu o Ensino de Histria: Charle K.. Adams, Universidade de Wisconsin, em Madison;
Edward G. Bourne, Adelbert College, em Ohio; Abram Brown, Central High School, Columbus, Ohio; Ab Hart,
Harvard, Cambridge; Missa Ray Greene Huling, Escola Secundria, New Bedford, Massachusetts; Jesse Macy,
Iowa College, Grinnell, Iowa; James Harvey Robinson, Universidade da Pennsilvania, Filadelfia; William A.
Scott, da Universidade de Wisconsin, Madison; Henry P. Warren, Academia de Albany, New York; Woodrow
Wilson, College de New Jerse, Princenton.
http://en.wikipedia.org/wiki/Vassar_Collegehttp://en.wikipedia.org/wiki/University_of_Coloradohttp://en.wikipedia.org/wiki/Richard_Henry_Jessehttp://en.wikipedia.org/wiki/Lawrenceville_School
40
Na ocasio, tal projeto influenciou a divulgao/absoro9 do pragmatismo estadunidense
no Brasil, apresentando como principal expoente as ideias de John Dewey10
. Com efeito, no
que se refere especificamente aos saberes da Histria, o ensino de Estudos Sociais enfatizou a
memorizao de fatos e de datas cvicas e comemorativas.
J nas dcadas de 1970 e 1980, no segundo projeto de Estudos Sociais a preocupao
voltou-se para a herana cultural da humanidade e aos diversos objetivos relacionados
realidade dos alunos, famlia, ao escotismo, leitura de jornais e aos valores, bem como
havia outros propsitos, que identificavam a escola vida em uma sociedade democrtica.
importante salientarmos que, no bojo de sua institucionalizao, ocorreram resistncias e lutas
contra a sua implantao por parte dos movimentos civis.
Por sua vez, o terceiro projeto, apresentado no final da dcada de 1980, de acordo com
a interpretao de Elza Nadai (1988), tratou-se de uma sntese das duas verses anteriores,
caracterizada pela nfase na cidadania e na reforma social a partir da afirmao do
consenso/iderio democrtico. Assim, cada um desses projetos adaptou-se as variveis
histricas, evidenciando que em nenhum momento ocorreu uma transposio dos Estudos
Sociais, mas uma apropriao inventiva.
A partir disso Elza Nadai (1988) acrescentou que no havia distino entre os
discursos sobre o ensino de Estudos Sociais da dcada de 1930 e o da dcada de 1960. Para
ela, eles se caracterizaram por apresentarem um projeto social relacionado cidadania,
comunidade e democracia, ampliando o espao da crtica social, sem se preocupar, entretanto,
com a negao da sociedade de classes. Ou seja, assumiu uma perspectiva reformista, mas,
contestadora. Discordamos de Nadai (1988) quando afirma que no houve uma distino entre
os Estudos Sociais da dcada de 1930 e de 1970. Entendemos que as variveis histricas
provocaram mudanas de concepo sociedade, educao, escola, ensino e professor. Como
poderiam ser a mesma coisa? Se as aes e as ideias dos agentes sociais se movem no tempo.
Para Nadai (1988), na dcada de 1970, quando, no contexto das polticas que se
seguiram ao golpe militar de 1964, as reformas educacionais impulsionaram a implantao da
disciplina, abrangeu todos os graus e impulsionou a criao da licenciatura curta. Nessa
9 Expresso da autora.
10
John Dewey nasceu nos Estados Unidos, na cidade de Vermont, em 1859, e faleceu em 1952. reconhecido
como um dos percussores do Pragmatismo, denominado por ele de Instrumentalismo, juntamente com Charles
Sanders Peice e William James, defendeu uma educao baseada na atividade prtica e na democracia. No Brasil
suas ideias influenciaram o movimento da Escola Nova e o pensamento de Anisio Teixeira. Suas principais
obras: A escola e a sociedade (1899), A criana e o currculo (1902), Democracia e
educao (1916), Experincia e educao (1938).
41
poca, segundo a autora, os objetivos dos Estudos Sociais se distanciaram da perspectiva de
construo harmoniosa da sociedade.
Sobre isso, Maria Antonieta Albuquerque de Oliveira (1993) afirmou que, desde a
dcada de 1930, os Estudos Sociais de fato se estabeleceu como um ponto de interseo entre
a educao e a cidadania, no se limitou a conformidade do indivduo ao sistema produtivo,
mas a sua formao integral. Porm, para ela, houve trs enfoques, que se distinguiam a partir
da influencia pedaggicas estadunidense e europeia. O primeiro enfoque, mais antigo e
predominante, durou at meados dos anos de 1960, e foi denominado de [...] - Citizens
Transmission - centrava suas atenes no aspecto de doutrinao dos jovens, a partir da
seleo de alguns dos valores considerados bsicos que, portanto, deveriam ser preservados.
(OLIVEIRA, 1993, p. 46).
J o segundo enfoque, denominado por Oliveira (1993) de Cincias Sociais, apesar de
ter adeptos desde os anos 20 e 30, fortaleceu-se na dcada de 1960 a partir dos estudos de
Edgar Bruce Wesley e Jerome Bruner, nos anos 60, classificando-os como funcionalistas. E
na dcada de 1970 configurou as polticas curriculares. Seu objetivo voltou-se para a
formao para a cidadania e para o desenvolvimento de habilidades para o trabalho.
A terceira tendncia foi denominada por Oliveira (1993) de Reflective Inquiry, que se
alinhou na dcada de 1930 a perspectiva educacional progressista e pragmtica de John
Dewey; e, na dcada de 1960 fundamentou-se no pensamento de Edwin Fenton.
FENTON, a partir de meados dos anos 60, passou a rejeitar a perspectiva
que percebia a Educao como instrumento de progresso social e a criticar,
veementemente, o tecnologismo e o conformismo da dcada anterior,
creditando aos mesmos o fracasso da Escola em formar indivduos criativos
e crticos, capazes de formarem o alicerce de uma sociedade mais humana e
democrtica (OLIVEIRA, 1993, p. 49).
De acordo com Maria Antonieta Albuquerque de Oliveira (1993), Assim, DEWEY,
na dcada de 30 e FENTON, nos anos 60, passaram a defender um tipo de educao social
que, voltada para a formao para a cidadania e para a preparao do indivduo/cidado para
conviver e participar das mudanas sociais (OLIVEIRA, 1993, p. 50).
Como sabemos, nas dcadas de 1950 e 1960, o ensino dos Estudos Sociais foi
oficialmente institudo a partir de polticas curriculares norteadas pelo pensamento
progressista educacional. poca, foi apropriado como uma proposta de mudana
metodolgica e programtica do ensino das chamadas Cincias Sociais. Ainda nesse perodo,
conforme determinao do Conselho Federal de Educao, os Estudos Sociais se constituram
em uma das disciplinas optativas para o ensino secundrio.
42
Dessa maneira, possvel identificar dois momentos peculiares na histria dos Estudos
Sociais no Brasil: [...] um, aliado ao pensamento progressista educacional, foi incorporado
em algumas prticas inovadoras de grande alcance e, outro, assumido como uma das
expresses de uma poltica antidemocrtica e autoritria (NADAI, 1988, p. 5). Para tanto,
polticas educacionais foram implantadas por meio de dispositivos legais,
formao/treinamento de professores, distribuio de material didtico e publicaes
pedaggicas.
No Brasil, o primeiro fundamentou-se nos dispositivos legais apresentados pela Lei de
n 4.024, de 20 de dezembro de 1961, os Estudos Sociais tornaram-se uma das reas
integradoras dos saberes do ensino primrio, e foram concebidos, inclusive, como uma
inovao metodolgica e considerados uma das disciplinas optativas para o ensino
secundrio. Porm, a formao de professores para o ensino de Estudos Sociais, em cursos de
licenciaturas e em universidades, no apareceu como uma preocupao nas polticas
educacionais do perodo entre 1930 e 1960. Os cursos de licenciatura curta em universidades
foram criados pelo Conselho Federal de Educao (CFE) apenas em 1964 (NASCIMENTO,
2012).
O segundo fundamentou-se na Lei 5692, de 11 de agosto de 1971. No contexto da
linha dura do regime ditatorial, a disciplina Estudos Sociais se transformou num dos
componentes do Ncleo Comum de primeiro e segundo graus, conforme a Resoluo N 8, do
Conselho Federal de Educao, de 1 de dezembro de 1971, e o Parecer 853/71. Na poca, a
finalidade era a contribuir para o ajustamento11
do educando ao meio social, adequando-o
perspectiva de desenvolvimento econmico e aos interesses dos acordos MEC-USAID.
J o estudo de Miriam Moreira Leite (1969) deslocou a nossa anlise para a
observao dos mtodos e dos programas de ensino de Histria no curso primrio e
secundrio, enfatizou assim a relao ensino e aprendizagem. A erudio de Miriam Moreira
Leite (1969) possibilita a vinculao da sua anlise sobre os Estudos Sociais ao mtodo de
Ovide Decroly.
O ensino autnomo de Histria do Brasil, como disciplina
independentemente das demais, conservou o seu lugar em grande nmero de
escolas. Ocasionalmente, era ensinada sob a designao de lio de coisas,
que posteriormente se transformou em conhecimentos gerais. Estes, embora
inclussem noes de Geografia, Histria e Cincias, as apresentavam aos
alunos de maneira independente, uma das outras. O ensino do mtodo
11
Expresso utilizada nos documentos oficiais.
43
Decroly12
nas escolas normais raramente resultou em sua aplicao nas
escolas primrias. A transmisso de um ensino global, centralizado numa
disciplina bsica que poderia ser Portugus ou Histria, somente na atual
dcada [1960] vem sendo feita em escolas experimentais. O mais prximo
de uma integrao do ensino foi a introduo dos Estudos Sociais na escola
primria, feita no Distrito Federal pelo Prof. Ansio Teixeira [1954].
Todavia, tambm este ensino somente agora [1969] comea a se difundir
(LEITE, 1969, p. 29)13
.
De acordo com Miriam Moreira Leite (1969), no ano de 1962, em Leopoldina, Minas
Gerais, no decorrer de um encontro de professores vinculados ao Ministrio de Educao e
Cultura e, s Secretarias de Educao de So Paulo e Minas Gerais, foram apresentados os
objetivos do programa de Estudos Sociais. Ei-los:
[...] ajudar a criana a viver melhor, sucessivamente em famlia, na escola,
na comunidade, no Estado e no pas, proporcionando-lhe desenvolvimento
individual, desenvolvimento da capacidade de convvio, desenvolvimento
dos conhecimentos e capacidade intelectual, procurando proporcionar uma
formao adequada e til, de Geografia, de Histria, Economia e civismo.
Em poucas palavras, os Estudos Sociais procurariam realizar, no ensino
primrio, a integrao das diferentes matrias (LEITE, 1969, p. 29).
Para Miriam Moreira Leite (1969), o interesse pela renovao pedaggica ampliou-se,
a partir de 1958, quando equipes de professores de Pedagogia, Psicologia e Cincias Sociais
passaram a integrar os Centros de Pesquisas Educacionais do Instituto Nacional de Estudos
Pedaggicos (INEP) - Rio de Janeiro, So Paulo, Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul -,
e propuseram as alteraes no programa de ensino de Histria. Nessa poca, foram criadas
escolas experimentais, primrias e secundrias em muitos pontos do Brasil, com a finalidade
de introduzir novos mtodos de ensino por meio dos Estudos Sociais.
O programa tenta ir do mais prximo da criana para o mais remoto. Esta
adoo procurava eliminar a intil repetio de fatos histricos, nos quatro
graus da escola primria. O ensino de Estudos Sociais, atravs desse novo
programa, gira em torno de 4 temas: a vida na famlia, a escola e sua
vizinhana, a escola na localidade, a cidade e o municpio. Os objetivos e o
contedo dos diferentes itens do programa sugerem o estmulo observao,
associao no tempo e no espao, e a diferentes formas de expresso. [...]
A Histria nacional fica adiada para estudos posteriores. [...] Todavia, o
ensino de Histria atravs de documentos est bem longe de poder ser
realizado no curso primrio. O mais que se pode fazer para atingir em parte
esses objetivos, procurar fornecer, paralelamente ao cumprimento do
12
Ovide Decroly (1871-1932) defendeu a integrao de toda a aprendizagem em certa unidade da experincia
infantil, a partir dos centros de interesses (a criana escolhe o que quer aprender). Os centros de interesse so: a
famlia, a escola, o mundo animal, o mundo vegetal, o mundo geogrfico e o universo. Para ele, a aprendizagem
da criana se desenvolve em trs fases: observao, associao e expresso.
13
Esclarecemos que, no decorrer do texto da tese atualizamos a escrita ortogrfica, evita-se assim o uso
excessivo e cansativo do sic.
44
programa, uma srie de leituras estimulantes, capazes de dar vida aos fatos
esmaecidos do livro didtico de Histria. Poesia, peas de teatro, romances
histricos e descries de outros povos podem contribuir para isso (LEITE,
1969, p. 30 - 36).
A autora produziu os dados para a pesquisa a partir de arquivos escolares e da
metodologia de entrevistas e questionrios respondidos por professores e pais de alunos, e
apresentou sugestes didticas para o ensino da Histria. O ritmo da sua escrita evidenciou a
presso que as transformaes sociais, polticas e culturais vividos no Brasil naquele
momento, dcada de 1960, exerceu sobre a escola e sobre o professor. Assim, deslocou a sua
anlise para a cultura escolar, expressou o desenrolar e a significao das propostas de
mudanas no ensino de Histrias e discutiu as explicaes possveis.
J Guy de Hollanda (1957) se preocupou com a trajetria do ensino de Histria a partir
da Reforma de Francisco de Campos, investigou, assim, sobre o perodo entre 1931 a 1956.
Sua anlise deslocou o nosso olhar para um perodo que antecedeu o recorte desta pesquisa.
Ampliou dessa forma o nosso campo de informaes historiogrficas sobre o tema e
favoreceu a problematizao da concepo de Estudos Sociais.
Guy de Hollanda (1957) ao estudar o Projeto N 4.132-1954, da Comisso de
Educao e Cultura da Cmara dos Deputados, que determinava que as disciplinas de Histria
e Geografia fossem polarizadoras do estudo da sociedade humana, ressaltou que a designao
de Estudos Sociais foi aplicada com o intuito de aproximar a proposta de ensino da disciplina
apresentada pelos estudos de tericos estadunidenses, cujo ncleo foi Histria, Geografia e a
Instruo Cvica. Para ele, essa polarizao deveria ocorrer [...] sem violentar a natureza das
disciplinas histricas e geogrficas (HOLLANDA, 1957, p. 249). Ou seja, no significou a
fuso das disciplinas ou a origem de uma nova disciplina.
Guy de Hollanda (1957) afirmou que os Estudos Sociais deveriam desenvolver outros
saberes alm dos conhecimentos que lhes so prprios, e proporcionar aos alunos uma
compreenso dos problemas sociais, econmicos e polticos do Brasil e do mundo atual
(HOLLANDA, 1957).
Dessa maneira, enquanto a concepo de Estudos Sociais evidenciada por Miriam
Moreira Leite (1969) priorizou a fuso entre as diferentes disciplinas (matrias), com foco na
metodologia de ensino. De acordo com a concepo defendida por Guy de Hollanda (1957),
deveria haver apenas uma aproximao/integrao das disciplinas, e manteia-se a
especificidade dos conceitos, do objeto e do mtodo de cada uma delas.
45
Guy de Hollanda (1957) tambm mencionou que havia entre os professores brasileiros
de Histria e Geografia, principalmente nos do ensino secundrio, uma ojeriza ao currculo
integrado que resultou nos Estudos Sociais. Isso se explica pela concepo que provocaria o
esvaziamento dos conhecimentos especficos dessas disciplinas, principalmente os referentes
ao ensino da Histria. A prioridade foi, na ocasio, a normatizao dos comportamentos e
valores, da moral, do civismo, do estudo da cultura e da atualidade (compreenso das relaes
internacionais), conforme as ideias que circularam em histrias conectadas.
Alm disso, a presena dos Estudos Sociais nas propostas curriculares mostrou-se
atrelada a uma representao do ensino de Histria e limitada ao estudo da noo de passado e
presente, da linearidade dos fatos histricos, de datas comemorativas e de vultos heroicos.
Todo o enfoque sustentou-se em uma concepo eurocntrica da Histria, sem nenhuma
relao com aspectos sociais da realidade dos alunos.
Para Hollanda (1957), a melhor soluo para o problema da formao dos professores
seria a existncia de [...] uma base comum a historiadores, gegrafos e cientistas sociais,
para, depois, dar-lhes o ensejo de uma especializao [...] com alicerces numa slida
formao interdisciplinar (HOLLANDA, 1957, p. 249).
Os estudos de Itamar Freitas (2010), por sua vez, deslocaram a nossa observao para
a influncia dos estudos estadunidenses, destacando que o projeto de Estudos Sociais no
Brasil no recente, nem uma novidade, e, muito menos, nico. Ao contrrio, segundo o
autor,
[...] as apropriaes de teses norte-americanas (que, evidentemente,
dialogam com as europeias) no campo do currculo so centenrias. Basta
lembrar as marcas de o renomado Parecer de Rui Barbosa (1883), produzido
nos ltimos tempos do Imprio. O mesmo pode-se dizer das iniciativas de
implantao dos Estudos Sociais, em vrios momentos do sculo XX. Este
componente curricular ganhou ardorosos defensores, entre os quais, os
professores Carlos Delgado de Carvalho, [...], e Joo Roberto Moreira
(FREITAS, 2010, s/n.).
Freitas (2011) colaborou para a problematizao do nosso estudo, ao afirmar que os
Estudos Sociais deveriam ser entendidos como [...] uma forma de organizao de contedos
da escolarizao bsica e, aos olhos da tradio escolar brasileira, o lado oposto
disciplinarizao. Citou o historiador estadunidense Henry Johnson: [...] os Estudos Sociais
se apresentam como possibilidades de implantao de antigos projetos de Franciscus
46
Balduinus e de Johan Friedrich Herbart14, por exemplo de fuso e de integrao [...] dos
contedos das cincias humanas e sociais (FREITAS, 2011, s/n.). Alm disso, argumentou
que a oficializao dos Estudos Sociais, em grande parte, deveria ser atribuda a John Dewey,
principalmente porque forneceu coerncia e credibilidade ao Relatrio da Comisso de
Estudos Sociais da Comisso sobre a Reorganizao do Ensino Secundrio da Associao
Nacional de Educao15
.
Alm disso, Itamar Freitas (2011) chamou a nossa ateno para a substituio da
Histria pelos Estudos Sociais como disciplina carro chefe das humanidades na escolarizao
das crianas nos Estados Unidos. Em uma anlise comparativa, concluiu que
Em relao ao Brasil, instigam os relatos de resistncia (com motivaes e
episdios bastante diferenciados) das corporaes de Histria implantao
dos Estudos Sociais (Cf. Carvalho, 1957; Nadai, 1988; Martins, 2002) e as
formas pelas quais a Histria escolar absorveu o conjunto de conhecimentos
e de habilidades veiculados pelas cincias sociais e humanas (Antropologia,
Sociologia, Poltica, Economia e Filosofia) ao longo do sculo XX
(FREITAS, 2011, s/d).
Sobre isso, Beatriz Boclin Marques dos Santos (2011) evidenciou que, na dcada de
1970, o Colgio Pedro II, apesar das determinaes na Lei N 5.692, de 11 de agosto de 1971,
manteve a disciplina Histria no currculo do ensino de 1 Grau. Para a autora, a resistncia
aos Estudos Sociais se explica a partir do conflito entre a tradio acadmica e a tradio
pedaggica, [...] exemplificada pelo fato de continuarem a fazer o que faziam anteriormente,
no se importando com as reformas propostas por elementos externos realidade interna do
Colgio (SANTOS, 2011, p. 239). Ainda acrescentou que: [...] as marcas de tradio do
ensino no Colgio e sua importncia para a histria no Brasil dificultaram a interferncia do
governo no sentido de impor as mudanas na organizao curricular [...] (SANTOS, M.,
2011, p.239 e 240).
Acreditamos que no se deva reduzir a isso. Na verdade, houve um dissenso entre os
intelectuais, em relao concepo de Estudos Sociais, o que se explica tanto pelos
interesses institucionais como pelos de cunho pessoal. Na ocasio, muitos deles tambm
atuavam em centros de pesquisas, institutos, secretarias de educao, e apresentaram
concepes diversas da disciplina Estudos Sociais. Alguns defenderam a aproximao das
14
Johann Friedrich Herbart nasceu era Oldenhurgo (Alemanha) no ano de 1776 e morreu em 1841. Obras
pedaggicas mais importantes: Relatrios de um Preceptor, Pedagogia Geral deduzida do fim da
Educao, Esboo para um curso de Pedagogia, Lies Preliminares sobre Pedagogia e Ideia de Pestalozzi de
um ABC da instruo. Procurou explicar cientificamente o processo de aquisio de conhecimento e postulou
que o ensino atividade consciente e intencional.
15
Boletim n 28 (1916) dos Estados Unidos Bureau of Education.
47
disciplinas para o estudo da realidade social, e no, a fuso entre elas. J outros,
preocuparam-se com a integrao dos objetos, das habilidades e dos mtodos. Sobre isso,
Nascimento (2013) na escrita da resenha sobre o texto de Santos (2012) argumentou que:
Neste sentido, a substituio da Histria e da Geografia pelos Estudos
Sociais representou um conflito entre a tradio acadmica e tradio
pedaggica. O currculo do Colgio Pedro II era tradicional, baseado na
preparao dos jovens que ambicionavam ingressar no ensino superior. O
status da disciplina Histria esteve relacionado referncia acadmica. J o
ensino de Estudos Sociais tinha outra pretenso, a educao centrada na
criana e sua insero social. Os Estudos Sociais propostos pelo Conselho
Federal de Educao durante a dcada de 1970, ao propor o ensino em
grandes reas do conhecimento, pretendeu romper a estrutura disciplinar que
caracterizava a escola brasileira at ento. Assim, concluindo, Santos (2011,
p. 232), aponta que os Estudos Sociais no s no entraram no currculo do
Colgio Pedro II, como tambm no houve interferncia do governo militar
nas questes pedaggicas do Colgio. Isso se explica pelo peso da tradio
da disciplina Histria na Instituio e pela atuao dos seus professores em
diferentes ambientes polticos e educacionais (NASCIMENTO, 2013, p.
388).
Lembramos que grande parte dessa intelectualidade tambm atuou como professores
do Colgio Pedro II. E, mesmo com a extino dos Centros de Pesquisas, em 1964, muito
deles foram pesquisadores do INEP e/ou ocuparam espaos polticos no contexto educacional
brasileiro, bem como no mbito das universidades e instituies editoriais.
Em nossa opinio, se por um lado houve aqueles que defenderam os Estudos Sociais
como uma metodologia de ensino e/ou uma rea integradora dos conhecimentos, com foco no
desenvolvimento da criana (MICHAELIS, 1970 [1956/1963]; PRESTON, 1965 [1950];
MOREIRA, 1960), visando, assim, provocar mudanas na prtica docente a partir de uma
metodologia de ensino baseada na integrao curricular. Por outro lado, houve os que
defenderam a fuso do ensino das cincias sociais e da sua organizao em uma disciplina
escolar: Os Estudos Sociais podem constituir matria de ensino em todos os graus escolares;
tanto no primrio quanto no secundrio ou no superior (CARVALHO, 1957, p.12). Com
base nisso, os Estudos Sociais foram reduzidos a uma disciplina escolar, e ignorando, dessa
forma, a sua construo histrica.
Isso significa que, mais do que um embate no mbito do referido Colgio, as tenses
em torno da implantao da disciplina Estudos Sociais confirmaram a presena de
divergncias entre os intelectuais para alm dos muros dessa instituio. importante
considerar que tambm que houve embates de ordem pessoal, relacionados aos valores,
crenas, experincias e expectativas em relao sociedade, educao, ao ensino de Estudos
Sociais e ao perfil de professor.
48
Thiago Rodrigues Nascimento (2012) em sua dissertao de metrado estabeleceu um
dilogo entre os Estudos Sociais e a formao de professores no perodo ditatorial,
especificamente, se preocupou com a criao, institucionalizao e crise da licenciatura curta
em Estudos Sociais no Brasil, entre os anos de 1970 e 1980. O recorte do seu estudo
sustentou-se na experincia vivenciada pela Faculdade de Formao de Professores (FFP) de
So Gonalo/RJ entre 1973 e 1986.
Para tanto, focalizou o seu estudo na anlise sobre a implantao dos Estudos de
Sociais nos currculos do ensino de 1 grau a partir da Reforma de Ensino de 1971 e a
reformulao curricular do ensino de Histria a partir dos anos de 1980. Nascimento (2012)
deslocou-se, ainda, para o discurso de luta contra os Estudos Sociais e as licenciaturas curtas,
e questionou sobre a composio desses cursos. Contribuiu para situar o objeto da nossa
anlise no contexto das reformas educacionais e no estudo da histria da formao de
professores de Estudos Sociais.
As consideraes de Guy de Hollanda (1957), Miriam Moreira Leite (1969), Raquel
Glezer (1979[1977]), Elza Nadai (1988), Maria Antonieta Albuquerque de Oliveira (1993),
Itamar Freitas (2010; 2011), Beatriz Boclin Marques dos Santos (2011) e Thiago Rodrigues
Nascimento (2012), evidenciaram os limites e as possibilidades para a compreenso sobre a
constituio da disciplina Estudos Sociais no contexto histrico apresentado. Os estudos
supracitados tambm permitiram identificamos algumas lacunas na investigao dessa
temtica.
Percebemos, ento, a necessidade de compreendermos a concepo de Estudos Sociais
no sentido plural e superposto por meio de representaes que circularam nas publicaes
pedaggicas e propostas curriculares. Portanto, dialogamos com esses estudos de modo,
visando potencializarmos a nossa anlise e escrita, tendo em vista as diversas formas de se ver
um mesmo tema e a possibilidade de ampliar olhar sobre o lugar socio-histrico e cultural
atribudo ao ensino de Estudos Sociais.
Nesse sentido, interessamos pelas produes de representaes de Estudos Sociais que
circularam e foram apropriadas, por meio de publicaes pedaggicas e propostas
curriculares, e desencadearam polticas curriculares como estratgias de aperfeioamento de
professores, especificamente no estado do Esprito Santo.
Tendo isso em vista, aproximamo-nos das escritas de intelectuais, na tentativa de
compreend-las como representaes sobre o ensino e o aperfeioamento de professores.
Lembramos que essas escritas foram consideradas prticas culturais de escrita de uma
49
Histria a ser ensinada. E os seus autores, intelectuais situados em instituies educacionais,
centros e institutos de pesquisas, secretarias de educao, que lanaram sobre suas escritas
experincias e expectativas historicamente constitudas, a partir das suas representaes de
sociedade, educao, escola, ensino, prtica profissional e da imagem que fizeram de si
mesmo.
1.3 CONTEXTUALIZANDO - A ESCOLA AGORA OUTRA: O
PABAEE E AS IDEIAS EM MOVIMENTO DE HISTRIAS
CONECTADAS
Problematizamos as representaes de ensino de Estudos Sociais que circularam no
perodo do recorte deste estudo, necessariamente isso passou pelo entendimento que o iderio
educacional estadunidense foi posto a circular no mbito da cultura escolar. Percebemos que
no se tratou de um movimento nico, universal e homogneo, mas de movimentos mltiplos,
que estavam inseridos nas relaes estabelecidas por histrias conectadas. Alm disso, no se
tratou de uma simples transposio de ideias, mas de apropriaes inventivas, distintas e
imbricadas.
Buscamos, portanto, capturar o alcance e os limites desses movimentos, relacionando-
os com a assinatura dos acordos bilaterais MEC-USAID (Estados Unidos e Brasil), que
resultaram em programas de assistncia tcnica e financeira
educao. Mais especificamente, observamos as representaes postas a circular a partir do
Programa de Assistncia Brasileiro-Americana ao Ensino Element