UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · the judo culture, facilitating the...
Transcript of UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · the judo culture, facilitating the...
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
DENIS FOSTER GONDIM
DOJÔ: espaço de educação
Recife
2017
DENIS FOSTER GONDIM
DOJÔ: espaço de educação
Dissertação apresentada ao Núcleo de Teoria e História do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito para a obtenção do título de mestre em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Vilde Gomes de Menezes
Coorientador: Prof. Dr. Henrique Gerson Kohl
Recife
2017
Catalogação na fonte
Bibliotecária Kátia Tavares, CRB-4/1431
G637d Gondim, Denis Foster.
Dojô: espaço de educação / Denis Foster Gondim. – Recife, 2017.
180 f. : il. ; 30 cm.
Orientador: Vilde Gomes de Menezes.
Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de
Pernambuco, CE. Programa de Pós-graduação em Educação, 2017.
Inclui Referências.
1. Educação não-formal. 2. Dojô. 3. Judô. 4. UFPE - Pós-graduação.
I. Menezes, Vilde Gomes de. II. Título.
370.11 CDD (23. ed.) UFPE (CE2017-65)
DENIS FOSTER GONDIM
DOJÔ: espaço de educação
Dissertação apresentada ao Núcleo de Teoria e História do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito para a obtenção do título de mestre em Educação.
Aprovada em: 26/05/2017.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________ Prof. Dr. Vilde Gomes de Menezes (Orientador)
Universidade Federal de Pernambuco
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Edilson Fernandes de Souza (Examinador Interno) Universidade Federal de Pernambuco
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Henrique Gerson Kohl (Examinador Externo) Universidade Federal de Pernambuco
___________________________________________________________________ Prof. Dr. Marcos André Nunes Costa (Examinador Externo)
Universidade Federal Rural de Pernambuco
Dedico esta obra (in memorian) ao meu tio, George William Foster, que,
dentre vários lições, nos ensinou que a sabedoria vem através das experiências de
vida. E mesmo sem ser um judoca de fato (era na essência!), com ele aprendi o real
significado do princípio judoístico Jita Kyoei (Prosperidade e Benefícios Mútuos).
AGRADECIMENTOS
Todos sabem que uma pesquisa nunca é realizada por uma só mão. Sou
muito grato a todos que, direta ou indiretamente, passaram por minha vida
positivamente, de forma a contribuir para a realização desta importante etapa em
minha vida. Peço-lhes sinceras desculpas se por ventura não mencionar alguns dos
tantos nomes que gostaria de expor neste momento.
Primeiramente, agradeço a Deus, enquanto fonte de energia positiva que me
permite ter saúde física e mental para batalhar todos os dias rumo as minhas
escolhas de vida.
Agradeço imensamente à minha família (Foster’s e Gondim’s),
especialmente à minha esposa (Tathiana) por ter tido sabedoria e paciência em
momentos difíceis de isolamento produtivo. Aos meus pais (Dorimar e Doris) e
irmãos (Daniela e Danilo) que são alicerces fundamentais de minha personalidade.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Vilde Gomes de Menezes, pela confiança
depositada na parceria e pela autonomia produtiva delegada. Ao Dr. e coorientador,
Henrique Gerson Kohl, pelas pontuais orientações e as parcerias firmadas junto ao
estudo das lutas, artes marciais, esportes de combate e a capoeira.
A todos os meus amigos do universo judoístico (Não me arriscarei
mencioná-los, uma vez que são muitos) e também de outras práticas marciais e/ou
de combate.
Aos meus senseis, que compuseram meu DNA no judô (em ordem
cronológica: senseis Claudemir Bezerra, Diógenes Moraes, Carlson Moraes e Marco
Aurélio Lauriano). Agradeço-os imensamente pela minha inserção e imersão no
campo teórico e prático do caminho suave.
A todos os notórios mestres entrevistados nesta pesquisa (Byung Kuk Lee;
Diógenes Moraes; Hayashi Kawamura, Marco Aurélio Lauriano e Tadao Nagai).
Incluo minhas homenagens póstumas aos senseis William Arruda (também um dos
pioneiros do judô na cidade de Recife) e ao sensei Márcio Eustáquio (por todo seu
legado e luta por um judô mais acadêmico).
Especial agradecimento ao amigo e sensei Haroldo Bezerra, pelo apoio
técnico junto às transcrições das entrevistas.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
pelo apoio financeiro institucional enquanto bolsista.
Aos amigos de formação na ESEF-UPE, assim como, a todos os mestres e
doutores do DEF-UFPE e do PPGE-UFPE (em especial ao Prof. Pós-doutor Edilson
Souza e ao Prof. Dr. José Luís Simões) que sempre reconheceram meu incansável
engajamento frente à concretização desta pesquisa,
A todos os membros de minha banca (Dr. Vilde Gomes de Menezes, Dr.
Henrique Gerson Kohl, Dr. Marcos André Nunes, e os suplentes, Dr. Leandro Mazzei
e o Dr. José Luís Simões), que ofertaram ampliação dos horizontes da pesquisa a
partir de todas as considerações e críticas lançadas à melhoria da mesma (tanto na
qualificação quanto na defesa).
Ao amigo e Prof. Dr. Luciano Leonídio, pela contribuição à gênese deste
trabalho, em meados de 2005.
Aos amigos da ACCEL, por toda paciência e apoio ao longo desta jornada
acadêmica, como também, a todos os meus alunos que, igualmente, sempre tiveram
muita paciência e sabedoria para entender todo o sacrifício envolvido durante meu
período de estudos.
Ao Colégio Eminente e a todos (as) os meus judocas que me ensinaram a
ser uma pessoa melhor.
Aos meus amigos e revisores técnicos, Gilson Reis e Sandra Santiago, por
todo apoio e profissionalismo.
Aos amigos do Laboratório de Gestão do Esporte e Políticas Públicas
(LABGESPP-UFPE) e do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Lutas, Artes
Marciais, Esportes de Combate e Capoeira (NEPEX – L/AM/MEC/Cap. - UFPE).
A todos os professores/pesquisadores envolvidos em produzir ciência na
área das Lutas, Artes Marciais e Esportes de Combate e que me influenciaram na
paixão por esta nobre área de investigação científica. Um especial agradecimento ao
Emerson Franchini, Fabrício Del Vecchio, Bianca Miarka, Maurí de Carvalho, Saray
Giovana, Victor Coswig, Gustavo Oliveira, Leandro Paiva, Rafael Mocarzel, Felipe
Marta e tantos outros importantes pesquisadores.
Por fim, agradeço ao Shihan1 Jigoro Kano por ter idealizado tão nobre arte
encantadora e completo método educacional.
1 Shihan “é um termo em japonês que pode ser traduzido para o português como MESTRE”
(SOARES, 2007, p. 201).
Educação Não há nada maior no mundo. A educação moral de uma pessoa se estende a dez mil pessoas. A educação de uma geração se expande por uma centena de gerações. Educação Não há nada mais agradável no mundo. Cultivando o talento e melhorando o mundo, Essa fragrância perfuma para sempre após a morte (KANO, 2008a, p. 121).
RESUMO
O presente estudo foi desenvolvido no âmbito da história da educação com o
propósito de analisar os dojôs (espaços específicos ao ensino do Judô) do Recife-
PE, através de uma perspectiva sócio-histórica e educacional, situada no recorte
temporal entre 1952 e 1972, por meio do olhar de alguns antigos senseis
(professores de Judô), principais protagonistas da pesquisa. Trabalhamos com a
hipótese de que estes dojôs possibilitaram educação de seus praticantes, em
ambientes não formais de ensino, cumprindo importante função como ferramenta
educativa. Quanto ao problema de pesquisa, intencionamos compreender como, a
partir das experiências vividas por alguns de seus antigos senseis, uma teia de
interdependência foi estabelecida e articulada nos mais diversos contextos (social,
educacional, histórico e econômico), proporcionando uma configuração social
específica (judoística) que culminou com o desenvolvimento do Judô na cidade. O
objetivo foi investigar a história do Judô recifense, visando compreender as relações
e reconstruções entre o ensino do Judô no ambiente do dojô e sua dimensão
educacional. Os objetivos específicos foram: a) identificar a gênese do Judô em
Recife no marco temporal entre os anos de 1952-1972; b) desvelar o processo
educativo proporcionado pela prática do judô no dojô, como ambiente não formal de
ensino; c) registrar as características específicas relacionadas à cultura judoística,
facilitando a compreensão de pontos como a disciplina, a hierarquia, o
tradicionalismo e o processo de esportivização do Judô; d) investigar a relação entre
prática marcial (do Judô) e a violência, do ponto de vista do processo civilizatório; e)
registrar o legado de alguns antigos senseis e pontuar as heranças significativas de
suas memórias à comunidade judoística do Recife. Adotamos o viés metodológico
da história oral associada à técnica de análise de conteúdo com suporte do software
NVivo® (versão 11 Pro for Windows®). À guisa de conclusão, tem-se uma dissertação
com relevância educacional, evidenciando que a história do Judô do Recife ocorreu
de forma processual, à luz da teoria eliasiana do processo civilizatório, contudo,
ressalta-se que existiram pontos positivos e negativos em seu percurso, pelo qual o
Judô seguiu seu fluxo natural enquanto ferramenta educacional, reconhecendo-se,
em seus espaços efetivos de ensino (dojôs), o seu caráter genuíno, do ponto de
vista da sua legitimidade facilitadora da educação não formal.
ABSTRACT
The present study was developed within the history of education with the
purpose of analyzing the dojôs (spaces specific to the teaching of Judo) of Recife-
PE, through a socio-historical and educational perspective, situated in the temporal
cut between 1952 and 1972, through the eyes of some old senseis (teachers of
Judo), main protagonists of the research. We work with the hypothesis that these
dojôs enabled the education of their practitioners in non-formal teaching
environments, fulfilling an important function as an educational tool. As for the
research problem, we intend to understand how, from the experiences lived by some
of its old senseis, a web of interdependence was established and articulated in the
most diverse contexts (social, educational, historical and economic), providing a
specific social configuration (about Judo) that culminated in the development of Judo
in the city. The objective was to investigate the history of Judo in Recife, aiming to
understand the relationships and reconstructions between the teaching of Judo in the
environment of the dojô and its educational dimension. The specific objectives were:
a) to identify the genesis of Judo in Recife in the time frame between the years 1952-
1972; b) to unveil the educational process provided by judo practice in dojo, as a
non-formal teaching environment; c) to register the specific characteristics related to
the judo culture, facilitating the understanding of points such as discipline, hierarchy,
traditionalism and the process of sportifying Judo; d) investigate the relationship
between martial practice (Judo) and violence, from the point of view of the civilizing
process; e) to register the legacy of some old senseis and to punctuate the significant
legacies of their memories to the Judo community of Recife. We adopted the
methodological bias of oral history associated with the content analysis technique
supported by NVivo® software (version 11 Pro for Windows®). As a conclusion,
there is a dissertation with educational relevance, evidencing that the history of Judo
Recife had occurred in a procedural way, in the light of the Eliasian theory of the
civilizing process, however, it is emphasized that there were positive and negative
points in its course, whereby Judo followed its natural flow as an educational tool,
recognizing, in its effective teaching spaces (dojôs), its genuine character, from the
point of view of its legitimacy as facilitator of non-formal education.
Keywords: Dojô. Judo. Non-formal Education. Recife. Culture. Civilization Process.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 – Teses e Dissertações encontradas ………………………… 38
Quadro 2 – Entrevistas realizadas ........................................................ 59
Figura 1 – Interligação entre categorias e fontes (Processo de
codificação via software NVivo®) .......................................
76
Figura 2 – Macro percurso metodológico da pesquisa ....................... 78
Figura 3 – Influências Orientais e Ocidentais da origem do Judô..... 86
Figura 4 – Princípios filosóficos/educativos do Judô e as influências
orientais e ocidentais .........................................................
88
Figura 5 – Modelo sistêmico de pensamento de Jigoro Kano ao
formular o método educativo denominado judô .................
91
Figura 6 – Categorias e subcategorias de Análise ............................. 101
Fotografia 1 – Sensei Byung Kuk Lee ...................................................... 102
Fotografia 2 – Sensei Lee de Judogui ...................................................... 104
Fotografia 3 – Sensei Diógenes Cavalcanti de Moraes ........................... 104
Fotografia 4 – Diógenes e família ............................................................. 107
Fotografia 5 – Sensei Hayashi Kawamura ................................................ 107
Fotografia 6 – Prof. Kawamura (ao centro) e seus alunos no Clube
Astrea em João Pessoa-PB em 1964 ................................
111
Fotografia 7 – Sensei Marco Aurélio Lauriano de Oliveira ........................ 111
Fotografia 8 – Sensei Tadao Nagai .......................................................... 114
Fotografia 9 – Família Nagai ..................................................................... 117
Figura 7 – Categoria 1: Gênese do Judô no Recife-PE ...................... 120
Figura 8 – Influências e principais referências dos senseis
entrevistados ......................................................................
121
Figura 9 – Cronologia do Judô recifense a partir dos protagonistas
entrevistados ......................................................................
122
Figura 10 – Professor William Arruda ................................................... 124
Figura 11 – Registro documental de trabalho do Prof. William Arruda
com o judô (1949-1964) .....................................................
124
Figura 12 – Categoria 2: Educação pelo Judô (Lições educativas do
judô) ...................................................................................
125
Figura 13 – Categoria 2: Educação pelo Judô (Princípios filosóficos e
suas aplicabilidades práticas) ............................................
127
Figura 14 – Categoria 2: Educação pelo Judô (Complementação à
formação educacional) .......................................................
128
Figura 15 – Categoria 2: Educação pelo Judô (Judô nas Escolas) ...... 129
Figura 16 – Categoria 3: Cultura Judoística (Disciplina e Hierarquia).. 131
Figura 17 – Categoria 3: Cultura Judoística (Esportivização do Judô).. 133
Figura 18 – Categoria 3: Cultura Judoística (Tradicionalismo no Judô) 135
Figura 19 – Categoria 4: Sociedade e Violência (aspectos
civilizatórios do Judô) .........................................................
137
Figura 20 – Categoria 5: Expectativas para futuro do Judô
(Mensagem dos mestres à comunidade judoística) ..........
142
Figura 21 – Categoria 5: Expectativas para futuro do Judô
(Expectativas dos senseis para o futuro) ...........................
143
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABHO Associação Brasileira de História Oral
ABNT Associação Brasileira de Normas e Técnicas
A.M. Artes Marciais
ACJR Associação Cultural Japonesa do Recife
ASCES Associação Caruaruense de Ensino Superior
Cap. Capoeira
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior
CAV Centro Acadêmico de Vitória
CBJ Confederação Brasileira de Judô
CBK Confederação Brasileira de Karatê
CD Compact Disc
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico
CONFEF Conselho Federal de Educação Física
DEF Departamento de Educação Física
EEFE Escola de Educação Física e Esporte
ENAMEC Encontro Nacional de Artes Marciais e Esportes de Combate
ESEF Escola Superior de Educação Física
ETC Escola Técnica de Contabilidade
EUA Estados Unidos da América
FASNE Faculdade Salesiana do Nordeste
FESP Fundação de Ensino Superior de Pernambuco
FPJU Federação Pernambucana de Judô
FPK Federação Pernambucana de Karatê
FPK Federação Pernambucana de Karatê e Goshin Jutsu
Kawamura
HD Hard Disc
IAS Instituto Ayrton Senna
IBC Instituto Brasileiro do Café
IES Instituição de Ensino Superior
IFPE Instituto Federal de Pernambuco
JKMISI Jigoro Kano Memorial International Sports Institute
L. Lutas
LABGESPP Laboratório de Gestão do Esporte e Políticas Públicas
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LIPEJU Liga Pernambucana de Judô
LNJ Liga Nacional de Judô
MEC Ministério da Educação e Cultura
MEC Modalidade Esportiva de Combate
NEPEX Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão
PA Pará
PE Pernambuco
PB Paraíba
PPGE Programa de Pós-Graduação em Educação
PSA Projeto Santo Amaro
PT Partido dos Trabalhadores
PUC Pontifícia Universidade Católica
QDAS Qualitative Data Analysis Software
SP São Paulo
TCC Trabalho de Conclusão de Curso
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UFG Universidade de Goiás
UFPE Universidade Federal de Pernambuco
UFPR Universidade Federal do Paraná
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UFRPE Universidade Federal Rural de Pernambuco
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e
a Cultura.
UNESP Universidade Estadual Paulista
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
UNIVERSO Universidade Salgado de Oliveira
UPE Universidade de Pernambuco
SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 18
1.1 Motivações que Originaram a Pesquisa ..................................................... 18
1.2 Contextualizando o Judô ............................................................................ 22
1.3 Por que Pesquisar a Gênese do Judô no Recife-PE? ............................... 27
1.4 Justificando o Recorte Temporal ................................................................ 28
1.5 Problema, Objetivos e Hipótese ................................................................. 30
2 FUNDAMENTOS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .................. 32
2.1 Tipo de Pesquisa, Abordagem e a Opção pela Metodologia de História
Oral .............................................................................................................
32
2.2 Metodologia de História Oral e sua Aplicação no Universo das Lutas: um
Estado da Arte ............................................................................................
37
2.3 Definindo os Mestres a serem Entrevistados, o Processo de Técnica e
Coleta de Dados .........................................................................................
46
2.4 Técnica de Análise de Conteúdo com Complementação por Pesquisa
Documental ................................................................................................
59
2.5 Sistemas Informatizados em Tratamento de Dados Qualitativos: opção
pela Utilização do NVIVO®..........................................................................
70
3 EDUCAÇÃO E JUDÔ: análise e Compreensões Acerca desta Relação ......................................................................................................
79
3.1 Educação: uma Visão Macro ………………………………………………… 80
3.2 Judô Contextualizado na Contemporaneidade .......................................... 81
3.3 Do Japão Feudal dos Samurais ao Japão da Era Meiji e do Judô de
Jigoro Kano ................................................................................................
82
3.4 A Visão Ampliada de Kano e suas Bases Educacionais e Filosóficas ..... 85
3.5 Pontos Relevantes quanto à Proposta Educacional de Kano .................... 91
3.6 Compreendendo o Processo Civilizatório nas Artes Marciais/Judô ........... 92
3.7 Judô enquanto Modelo de Ensino não Formal ........................................... 97
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ................................................... 101
4.1 Quem são os nossos Mestres Selecionados para a Pesquisa? Uma
Breve Apresentação ...................................................................................
102
4.1.1 Sensei Byung Kuk Lee ............................................................................. 102
4.1.2 Sensei Diógenes Cavalcanti de Moraes ................................................. 104
4.1.3 Sensei Hayashi Kawamura ...................................................................... 107
4.1.4 Sensei Marco Aurélio Lauriano de Oliveira ........................................... 111
4.1.5 Sensei Tadao Nagai .................................................................................. 114
4.2 Gênese do Judô no Recife ......................................................................... 117
4.3 Educação pelo Judô …………………………………………………………… 125
4.4 Cultura Judoística ....................................................................................... 131
4.5 Sociedade e Violência (Aspectos Civilizatórios do Judô) ........................... 136
4.6 Expectativas para o Futuro do Judô ........................................................... 142
5 RELAÇÕES E (RE)CONSTRUÇÕES DO JUDÔ RECIFENSE: o que Aprendemos com o Ontem e que poderemos Revolucionar no Cenário Judoístico do Amanhã? ............................................................
145
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ………………………………………………...... 148
REFERÊNCIAS .......................................................................................... 155
APÊNDICE A – Roteiro da Entrevista ………………………….................... 165
APÊNDICE B – Termo de Consentimento e Livre Esclarecimento (TCLE)
.....................................................................................................................
167
APÊNDICE C – TCLE do professor Byung Kuk Lee .................................. 169
APÊNDICE D – TCLE do professor Diógenes Cavalcanti de Moraes ....... 170
APÊNDICE E – TCLE do professor Hayashi Kawamura ........................... 171
APÊNDICE F – TCLE do professor Marco Aurélio Lauriano de Oliveira ... 172
APÊNDICE G – TCLE do professor Tadao Nagai ..................................... 173
APÊNDICE H – Cessão de Direitos de Uso e Divulgação de Imagens ..... 174
APÊNDICE I – Cessão de Direitos de Uso e Divulgação de Imagens do
professor Byung Kuk Lee ...........................................................................
175
APÊNDICE J – Cessão de Direitos de Uso e Divulgação de Imagens do
professor Diógenes Cavalcanti de Moraes ................................................
176
APÊNDICE K – Cessão de Direitos de Uso e Divulgação de Imagens do
professor Hayashi Kawamura ....................................................................
177
APÊNDICE L – Cessão de Direitos de Uso e Divulgação de Imagens do
professor Marco Aurélio Lauriano de Oliveira ............................................
178
APÊNDICE M – Cessão de Direitos de Uso e Divulgação de Imagens do
professor Tadao Nagai ...............................................................................
179
18
1 INTRODUÇÃO
Como forma de introduzir o leitor, buscaremos, a seguir, esclarecer nossas
motivações pessoais com a pesquisa, como também, contextualizar um pouco da
identidade da mesma diante do cenário em que se pretendeu investigar à luz da
ciência e de forma à facilitar a plena compreensão da obra, situando assim os
interessados, através de informações pertinentes e relevantes ao entendimento
central da pesquisa.
1.1 Motivações que Originaram a Pesquisa
A presente pesquisa parte de minha motivação no sentido da busca
incessante por histórias que explicassem os fatos que envolviam a gênese do judô
em Recife-PE. Praticante na modalidade desde muito cedo2e tendo uma formação
judoística3 oriunda de importantes senseis4, sempre tive alta criticidade relacionada
às questões históricas que me foram repassadas e que se ampliou ainda mais
quando, no ano de 2002, entrei na Escola Superior de Educação Física (ESEF) da
Universidade de Pernambuco (UPE) para cursar licenciatura plena, ampliando meus
conceitos sobre o judô, do ponto de vista da ciência e analisando-o à luz do viés
acadêmico. Dentro deste cenário, conheci o professor mestre Marco Aurélio
Lauriano5, a quem devo boa parte de minha inspiração para rumar em direção a esta
dissertação de mestrado.
2 Iniciei no judô através do professor (sensei) Claudemir Bezerra, aos quatro anos de idade (em 1986)
na Escola Peralta, localizada na Estrada do Arraial no bairro de Casa Amarela, pertencente à zona norte do Recife.
3 Termo comumente utilizado no Brasil para referir-se ao universo do judô, inclusive já existem produções científicas nacionais que utilizaram o verbete em seus títulos. Contudo, a palavra deriva de origem da língua italiana e que significa relacionado a algo “do Judô”. Pode ser verificado através do dicionário online italiano que consta link para o site: https://www.infopedia.pt/dicionarios/italiano-portugues/judoistico.
4 Sensei: palavra que em japonês é traduzida como mestre ou professor (SOARES, 2007, p. 197). Em minha trajetória no judô, tive três senseis: como primeiro Professor (sensei) tive o Prof. Claudemir Bezerra e, ao longo de minha vida no judô, ainda tive importantes professores, tais como o Prof. Diógenes Moraes e seu filho Carlson Moraes, posteriormente recebi orientações do sensei Marco Aurélio, enquanto estudava na ESEF-UPE. Aos 17 anos de idade, já lecionava no Colégio Eminente (localizado no bairro do Parnamirim, na zona norte do Recife) onde, atualmente, ainda me encontro trabalhando.
5 O professor Marco Aurélio também foi meu orientador na graduação, onde realizei um trabalho de conclusão de curso (TCC) reconhecidamente significativo para a área do Judô Infantil. Na ocasião, a temática da monografia foi: “Aspectos metodológicos aplicados ao ensino do judô para crianças”, defendido em 2006.
19
Para que possamos compreender esta pesquisa dentro do viés educacional,
é necessário frisarmos que o judô apresenta-se como importante veículo de
transformação social através de suas particularidades educativas, as quais
trataremos mais adiante. Devido esta possibilidade transformadora, enquanto
esporte educacional6, nos motivamos a pesquisar a importância que estes antigos
mestres possuem enquanto agentes ativos de educação frente à sociedade na
formação de seus cidadãos(ãs).
Quando tratamos de pesquisas que objetivam a identificação de marcos
históricos, a linha que divide o imaginário do real é sempre tênue e complexa.
Baseados nesta problemática, podemos perceber que o conhecimento acerca da
introdução do Judô no Brasil ainda sofre alterações constantes, oriundas de novas
descobertas. Por exemplo, em sua maioria, existem linhas que pontuam a chegada
do Judô no Brasil pela região norte, através do Mitsuyo Maeda7, aluno direto do
Jigoro Kano - criador do Judô (VIRGÍLIO, 2002a), contudo,também existem
correntes que fortalecem a ideia da chegada inicial através da imigração japonesa
na região Sudeste-São Paulo, conforme podemos conferir em Nunes (2011).
No âmbito da cidade do Recife-PE, este marco histórico dos protagonistas é
confuso e baseia-se nos relatos de antigos professores que foram passando aos
seus alunos uma “provável” história, porém bastante recortada, da origem do judô na
cidade. Logicamente, alguns destes relatos correm risco de serem tendenciosos
e/ou carregados de interesses pessoais, e que algumas vezes são apenas relatos
parciais de uma história macro.
Quando tratamos de memória, pensamos em algo que é ativado
voluntariamente a partir da intencionalidade de cada indivíduo. A memória, quando
intencionalmente resgatada através de técnica de entrevista, é passiva de falhas no
que concerne à realidade concreta e não manipulada daquilo que se quer extrair do
entrevistado. Sobre este teor de veracidade podemos entender que a memória é um
retorno transferido e transitório, pelo qual o pesquisador sanará as nuances de
6 Em nossa pesquisa, adotamos a concepção de esporte educacional enquanto aquele que têm um
propósito bem definido quanto ao direcionamento voltado ao fim educativo e a utilização do esporte como ferramenta para tal. Exclui-se então, por exemplo, esportes com objetivos principais voltados ao alto rendimento competitivo ou até mesmo com objetivos voltados ao fitness (finalidades estéticas).
7 Mitsuyo Maeda ou Conde Koma, como também é conhecido, foi enviado por Jigoro Kano para divulgar o Judô na América do Sul. É citado por vários autores como por exemplo: Virgílio (2002a,b) e Gracie (2008) dentre vários outros como o pai do Jiu-Jitsu brasileiro devido ao seu encontro junto a lendária Família Gracie no Norte do Brasil (Belém-PA).
20
distanciamento entre as narrativas a partir de técnicas apropriadas durante a fase de
tratamento dos dados coletados. Frente a este cenário, faz-se necessário um
registro sistemático e criterioso destes relatos históricos por parte dos antigos
mestres para que possamos elucidar como se constituiu a história do Judô no Recife
e, mais importante ainda, entender a relação destes mestres em seus atos de
docência e a significativa relevância desta formação através do judô (prática não
formal de ensino), realizando interface interdependente com o processo educacional
formal (escolar), e buscando construir uma compreensão de como o judô poderia ser
reconhecido enquanto significativa ferramenta de finalidades educativas daqueles
que o praticam.
A presente pesquisa deu seus primeiros passos em meados de 2008,
quando eu e o então estudante Luciano Flávio Leonídio (atualmente, doutor em
Educação pela UFPE), devidamente orientados pelo professor mestre Marco Aurélio
Lauriano, iniciamos a coleta de dados por intermédio de algumas entrevistas com
protagonistas ícones do judô pernambucano - alguns já falecidos, como é o caso do
saudoso sensei Jurandir Moura8– e, ainda hoje mantemos estes documentos não
tratados em arquivo pessoal (todos salvos em mídia de Compact Disc-CD e Hard
Disc-HD externo), com intenção de, no presente momento, utilizá-los em uma
pesquisa científica de cunho histórico, que sempre foi nosso maior alvo de
inquietação.Contudo, ao longo desta pesquisa, percebemos que o material coletado
no passado não responderia ao objeto desta presente pesquisa9, sendo assim, ao
detectarmos esta incompatibilidade, partimos para a realização de uma coleta mais
condizente com o que pretendíamos investigar na atualidade. Detalharemos este
novo caminho da pesquisa na seção dois que versa sobre a metodologia da
pesquisa.
Outro agente motivador para esta pesquisa foi a conclusão recente da tese
de doutorado em Educação de autoria de Cavalcante (2014), porém ainda não
publicada). Nossa intenção é buscar a ampliação desta discussão fornecida por esta
8 Importante referência do Jiu-jitsu pernambucano e de expressão nacional (Faixa coral – 8º grau).
Também se consolidou na divulgação da antiga luta-livre na cidade do Recife-PE. Faleceu em 28/01/2010.
9 Apenas durante o processo de transcrições das antigas entrevistas que fora realizado durante o processo de realização desta dissertação é que pudemos perceber que as respostas proferidas pelos mestres naquele período de tempo e ocasião, não mais, responderiam satisfatoriamente ao objeto de pesquisa deste presente estudo. Muitas das perguntas e respostas remetiam aos fatos históricos relacionados aos componentes técnicos e competitivos do judô, o que não é alvo de nossa investigação.
21
tese, porém através de um novo viés de pesquisa. Percebemos claramente que,
recentemente, as lutas tem sido alvo de interesse de pesquisas dentro do programa
de Pós-Graduação do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), tanto em níveis de mestrado quanto de doutorado. Dentre elas podemos
citar importantes obras como Kohl (2007, 2012). Em âmbito nacional, podemos
relacionar algumas outras pesquisas relevantes de cunho histórico com o judô, tais
como Nunes (2011); Nunes e Rubio (2012); Drigo (2014); Farias (2012); Figueiredo
(2012) e Marta (2010). Isso nos mostra que existe espaço para o tratamento e a
discussão acadêmica deste elemento da cultura corporal10 (Lutas – por onde inclui-
se o Judô). A relevância desta determinada área do conhecimento é reforçada por
órgãos internacionais importantes como a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)11 onde a reconhece enquanto
Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Dentro desta macro área (Lutas),
inclui-se o nosso objeto de pesquisa, que é o Judô e a sua respectiva historicidade12
na cidade do Recife-PE.
10 Concordamos com o conceito de Cultura Corporal, enaltecido por Souza Júnior et al. (2011) que
defendem que a cultura corporal se configura dimensão constituinte da produção cultural humana, condicionada histórica e socialmente. Ainda segundo os mesmos, “Nos jogos, lutas, ginástica, dança [...] o homem também se constitui homem e constrói sua realidade pessoal e social” (SOUZA JÚNIOR et al., 2011, p. 408).
11 Baseado na leitura do documento oficial da UNESCO (2012) compreendemos que esta entidade internacional não reconhece nenhum seguimento social/cultural isolado como patrimônio. Porém existem atividades que para dada cultura, conservam aspectos culturais e/ou sociais históricos para gerações futuras, estes, são reconhecidos como Patrimônio Cultural Imaterial (ou intangível) da Humanidade. A roda capoeira, por exemplo, é uma manifestação brasileira que foi reconhecida em 2014, mas não é a única luta, já que também são reconhecidas, a Luta Tradicional Turca – Kirkpinar (onde os combatentes são besuntados em azeite) aceita em 2010 e também a luta Koreana chamada Taekkyeonaceita em 2011). Diante do exposto podemos afirmar que as Lutas são patrimônio Cultural da Humanidade, mas nem todas (ainda) são reconhecidas como tal pela UNESCO.
12 Entende-se aqui por historicidade aquilo que queremos colocar em perspectiva temporal e/ou cronológica as ações humanas que podem ser compreendidas a partir da análise dos documentos. De acordo com Athayde (2014, p. 98), “o conceito de historicidade pretende ser útil para colocar em perspectiva a dinâmica temporal e espacial das ações e experiências dos humanos”. Ainda segundo o mesmo autor, “Pode-se dizer que no vocábulo historicidade o sufixo -idade deve ser percebido como a intervenção de um indício do que se encontra em análise, gerando um deslocamento com relação a história. Historicidade teria então como foco os efeitos de sentido” (ATHAYDE, 2014, p. 99). No caso do judô e de seus antigos mestres, é o que queremos trazer a tona enquanto nosso objeto de estudo.
22
De acordo com a ementa13 de nossa linha de pesquisa (Teoria e História da
Educação), publicada no site14 do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Pernambuco (PPGE-UFPE), podemos defender a
justificativa de que o objeto de estudo em questão está devidamente contextualizado
a partir da leitura de que o Judô e a Educação sempre caminharam muito próximos,
seja no viés social, educacional, sociológico ou filosófico. É intuito deste estudo,
facilitar a análise e compreensão desta aproximação teórica entre as duas partes
(Judô e a Educação), assim como, fazendo interface com a nossa ementa
institucional, entendendo a fundamental importância da contextualização deste
cenário de debate e as contribuições advindas deste ponto de discussão que
poderão proporcionar avanços no debate educacional, não só ao âmbito direto da
prática (como em escolas de judô), como também dentro do ensino superior, por
exemplo, em cursos de Graduação em Educação Física, no que concerne ao âmbito
das disciplinas acadêmicas, como a de Judô, capoeira ou a de Lutas, que são
obrigatórias nestes cursos. Para tal, poderemos ver de forma mais aprofundada na
seção três de nossa obra.
O debate científico proporcionado a partir deste estudo ofertará legados
importantes à Educação Física, ao judô, aos projetos sociais esportivos e à
discussão da educação através do esporte.
1.2 Contextualizando o Judô
Para melhor definirmos o significado da expressão “JUDÔ”, vamos buscar
embasamento na sua literatura clássica e,para isso, utilizaremos a obra KODOKAN
JUDO escrita pelo próprio Jigoro Kano (criador do judô) e publicada pela primeira
vez em 1956, porém apenas traduzida para o português em 2008 pela editora
Cultrix. Kano (2008b) ressalta que a expressão JU= suave e DÔ15= caminho,
13 EMENTA: As pesquisas da linha têm como referência as teorias da Educação e da História da
Educação que visam a ampliar os limites da compreensão tradicional da Ciência, possibilitando maior aproximação entre a investigação e seu objeto. Abrange estudos teóricos e empíricos relacionados a temáticas e aspectos da História da Educação (UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO, 2017).
14 Para conhecer mais ver Universidade Federal de Pernambuco (2017). 15 O Judô, assim como outras artes marciais japonesas, tais como Karatê-Dô, Kendô, Aikidô, dentre
outras, pertencem ao conceito do BUDÔ, que em tradução literal significa “Caminho marcial” ou “caminho do guerreiro”, estas artes marciais possuem como características principais, uma ligação forte com a cultura e sociedade japonesa, e principalmente aquela relacionada ao guerreiros do
23
poderia ser melhor compreendido como o “caminho suave ou da suavidade” e, para
isso, buscou nortear seu método através de dois eixos filosóficos primordiais:
Seiryoku-Zenyo (princípio da máxima eficiência/eficácia) e Jita Kyoei (prosperidade e
benefícios mútuos). Kano (2008b) acreditava que a prática desenvolvida através
destes dois princípios seria capaz de trabalhar a mente e o corpo integrados, e que
isso favoreceria a educação e a formação moral, social e psicológica de seus
praticantes. Sobre estes aspectos, e também realizando um debate em interface do
judô com a educação, pretendemos expandir esta discussão na seção três desta
pesquisa.
Buscando contextualizar os âmbitos por onde o Judô é reconhecido e, de
acordo com Gondim (2006), podemos afirmar que o Judô pode tomar diversas
vertentes, atuar em diversos âmbitos e apresentar várias finalidades. São exemplos:
perspectiva educacional (escolas); competitiva (clubes, academias e associações); saúde (para melhora da aptidão física); reabilitação (idosos e crianças); prática mental e filosófica; projetos sociais (massificação do Judô preconizado por Kano); Universidades (currículo acadêmico de Educação Física); e esporte adaptado à deficientes (especialmente aos cegos e pessoas com síndrome de down) (GONDIM,2006, p. 4).
Desta forma, compreende-se que o judô ocorre de forma diversificada,
contextualizado nas mais diversas possibilidades enquanto prática. Este lastro de
intervenções pelo qual o judô ocorre relaciona-se com a forma pela qual o mesmo é
compreendido terminologicamente. Assim, segundo o autor supracitado, tratando-se
de sua conceituação terminológica:
Há bastante controvérsia quanto ao que realmente é o Judô. Entre as diversas opiniões de autores, encontramos: arte marcial; desporto de combate ou contato; sistema de luta; filosofia; esporte. Frente a estas diversificadas opiniões, acreditamos que ele possa conter um pouco de cada conceito destes, pois isso irá depender da leitura, da forma de trabalho e da contextualização em que se dará sua prática (GONDIM, 2006, p. 4).
Ainda buscando-se discutir a conceituação acerca do judô, é sabido,
segundo Franchini e Del Vecchio (2012), que as artes marciais, lutas e esportes de
combate16 possuem suas próprias estratégias metodológicas de ensino. Através
passado, os chamados samurais. No Budô, entende-se que todo praticante deverá assimilar a prática a partir de princípios morais e filosóficos que irão reger a mente e o corpo dos praticantes.
16 Segundo os autores Franchini e Del Vecchio (2012), o que difere basicamente as três terminologias (Lutas/artes marciais/ Modalidade esportivas de combate) é praticamente a forma como os praticantes utilizam-se destes elementos corporais e culturais. Sendo que entende-se que LUTAS é
24
destas metodologias, são estabelecidos os princípios sociais, culturais e de
civilidade, objetivando uma cultura de ordem marcial com seus próprios códigos de
conduta. Em qualquer país, as normas do Judô são regidas por influência direta do
sistema educacional de origem, ou seja, o sistema japonês (oriental) de educação.
Frente a esse contexto, inquieta saber até que ponto a chegada destes mestres
japoneses em nosso estado (via processo imigratório) influenciou a nossa cultura
educacional vigente (no que tange ao nicho específico das artes marciais)e por esta
também foi influenciada e,por consequência, tenha delineado,por exemplo, o estilo
ou forma de ensinar judô no Recife?
Atualmente, é notório que o Judô chegou ao âmbito escolar
institucionalizado com certo respeito, tendo em vista que diversas áreas profissionais
(Educadores/as Físicos, pediatras, psicólogos/as e pedagogos/as) o indicam para
crianças, pois dependendo da forma como for trabalhado por ‘’senseis” capacitados
– (academicamente e também quanto à formação em graus superiores – ‘’dans’’)17,
do ponto de vista socioafetivo, motor e cognitivo, será uma importante ferramenta
educacional para as crianças (DELIBERADOR, 1990; VILLAMÓN, 1999 apud
GONDIM, 2006).
Um estudo realizado por Gomes e Avelar-Rosa (2012) comparou a presença
de práticas e incentivo institucional de modalidades de lutas em cursos superiores
de formação em Educação Física de quatro países (Brasil, França, Portugal e
Espanha) e detectou que a modalidade Judô é o esporte mais influente nestes
quatro países.
No Brasil, o Judô como disciplina/componente curricular sempre esteve
presente no currículo dos cursos superiores de Educação Física de todo país, tendo
ganhado maiores valorizações advindas de berços militaristas e principalmente no
auge da chamada Educação Física Militarista (1930-1945). Com a reformulação
um termo mais genérico, dado a situação de confrontos que remeta a oposição entre dois ou mais oponentes. Já o termo ARTE MARCIAL, está mais relacionado à praticas que possui um cunho mais espiritual, religioso e/ou filosófico em suas praticas e por fim, MODALIDADE ESPORTIVA DE COMBATE, está relacionada aquelas praticas que sofreram o processo de esportivização com o passar do tempo, e que hoje são plenamente institucionalizadas por órgãos que gerenciam seus rankings, regras, exames de faixas, competições etc. Neste sentido, o Judô atual se encaixa melhor enquanto MEC (modalidade esportiva de combate) do que como arte marcial como em outrora.
17 “Dans” – representam graduações superiores a partir da faixa preta (que vão do 1º ao 10º no judô) e que são promovidas a depender do tempo de judô, história do mestre e mediante aprovação por alguns testes e/ou provas teórico-práticas. Quanto mais dans se têm, mais maestria se espera por parte dos senseis. A partir do 6ºdan geralmente os mestres também são chamados pelo termo “Shihan” (mestre).
25
curricular de várias universidades públicas e privadas e, também, devido à
separação18 em licenciatura e bacharelado nos cursos de formação superior em
Educação Física, o judô (componente/disciplina curricular) atualmente ainda
encontra-se presente em vários cursos, inclusive como obrigatória (como por
exemplo, na Universidade de São Paulo)19 e como disciplina eletiva/optativa,
inclusive com abordagens de tópicos avançados como Judô II (como na
Universidade de São Paulo (USP), onde o docente titular é o Prof. Dr. Emerson
Franchini.20
Em Pernambuco, nas duas mais antigas universidades públicas21,
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Universidade de Pernambuco (UPE)
(antiga Fundação de Ensino Superior de Pernambuco (FESP) a disciplina Judô
sempre foi ministrada (enquanto única representante dos esportes de combate), e
apenas recentemente (em média na última década), depois na revisão curricular de
ambas, os dois cursos nestas duas instituições passaram a possuir a disciplina
Lutas22 enquanto componente obrigatório (apesar de em suas ementas constar um
bom direcionamento também para o Judô). Vale ressaltar que na UFPE se tem o
acréscimo da disciplina Capoeira23 (obrigatória para o bacharelado e eletiva a
18 De acordo com o site do Conselho Federal de Educação Física (CONFEF), para a intervenção
profissional em Educação Física no país, a legislação atual (marcos legais) possibilita duas vertentes de formação: LICENCIATURA E BACHARELADO, instituídas pelo CNE através da Resolução 1, de 18 de fevereiro de 2002 e Resolução 7, de 31 de março de 2004. Para conhecer mais sobre, acesse o artigo do Steinhilber (2006) na página: http://www.confef.org.br/extra/revistaef/show.asp?id=3613.
19 Código da disciplina obrigatória: EFE0119-Judo 1 – 60h – 04 créditos (Curso de graduação em Bacharelado em Esporte na Universidade de São Paulo).
20 De acordo com Peset et al. (2013), o Prof. Dr. Emerson Franchini é atualmente considerado como um dos maiores pesquisadores científicos mundiais sobre a temática Judô.
21 Aqui, vale ressaltarmos, que posteriormente surgiram cursos de Educação Física nas seguintes e importantes Universidades Públicas de Pernambuco: Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE (ano de 2010), no Centro Acadêmico de Vitória-PE – UFPE/CAV (ano de 2010) e, também, na Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) com campus na cidade de Petrolina-PE (no ano de 2009).
22 Na ESEF-UPE nos cursos de licenciatura e bacharelado, temos as disciplinas obrigatórias, Fundamentos teórico-metodológicos das Lutas (UM03212/ 54hs/ 03créditos) ministradas pelo prof. Ms. Marco Aurélio. Já no curso de bacharelado do Departamento de Educação Física da UFPE, a disciplina denomina-se como, Modalidade do esporte individual – lutas (EDF0017/60HS/03creditos), atualmente ministrada por professores substitutos. No entanto, no curso de licenciatura, a disciplina é denominada como Metodologia do ensino das Lutas (45hs/02creditos) e também é ministrada atualmente por professores substitutos.
23 No bacharelado: Disciplina (EDF0010/60hs/03creditos): Modalidade do esporte individual – capoeira e na licenciatura (EDFxxxx/60hs/03creditos), ambas ministradas pelo prof. Dr. Henrique Gerson Kohl.
26
licenciatura) e, na UPE, ainda temos a presença da disciplina judô enquanto optativa
para o curso do bacharelado.24 Quanto à presença do Judô nas universidades, podemos dizer que esta
determinada área de conhecimento aparece bem representada naquela que
chamamos de tríade acadêmica, pela qual espera-se que o conhecimento ocupe seu
espaço, representando-se nos três eixos: o do ensino, da pesquisa e da extensão.
Evidencias nos mostram que no campo da pesquisa, o judô tem crescido
vertiginosamente no que compete ao grande aumento de publicações científicas em
níveis de graduação (Trabalhos de Conclusão de Curso - TCCs) e de pós-graduação
(Dissertações e Teses). Dentro deste contexto, ainda temos estudos que mostram
que o judô possui expressivo grau de interesse científico enquanto objeto de
pesquisa no mundo inteiro (PESET et al., 2013).
Recentemente, tivemos um importante salto em âmbito estadual
(Pernambuco) no que concerne às possibilidades de avanços com pesquisas que
envolvam a área de conhecimento pertinente as Lutas (incluindo o Judô), pois, em
2015, foi criado, através de iniciativa do Prof. Dr. Henrique Gerson Kohl, o primeiro
grupo de pesquisa25 especifico nesta área do conhecimento, filiado ao Departamento
de Educação Física da UFPE.
Ainda debatendo a representatividade do judô nas universidades, no que diz
respeito à extensão, observamos que diversos projetos, de caráter social, estimulam
a prática da modalidade em diversas universidades. A exemplo disso podemos citar
o Projeto Santo Amaro (PSA) (presente na Universidade de Pernambuco em
parceria com a Escola Superior de Educação Física), um “case” de sucesso, pois
possui vários casos de participantes da modalidade Judô do PSA que tiveram suas
vidas modificadas positivamente a partir do contato e da experiência com este
projeto.26
24 Na ESEF-UPE, temos a presença das disciplinas optativas (no curso de Bacharelado): Judô
(DO05224/ 72hs/ 04creditos), ministrada pelo Prof. Ms. Marco Aurélio e também da disciplina Capoeira (DO05228/72hs/04créditos) ministrada pela Profa. Ms. Isabel Cordeiro.
25 Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão de Artes Marciais, Modalidades Esportivas de Combate, Lutas e Capoeira (NEPEX) (AM|MEC|L|CAP), que deste 2015 esta devidamente registrado nos Diretórios de Grupos de Pesquisa Nacional do CNPQ. Apesar do pouco tempo de existência, o referido grupo já captou importante evento nacional denominado de Encontro Nacional de Artes Marciais e Esportes de Combate (ENAMEC), que foi realizado em cinco de novembro de dois mil e dezesseis (05/11/2016) na cidade do Recife-PE.
26 Criado em 1986, o Projeto Santo Amaro (PSA) se consolidou por muitos anos como um dos maiores projetos sociais esportivos da cidade do Recife-PE, mantido por muito tempo por fortes parcerias institucionais como, por exemplo, o Instituto Ayrton Senna (IAS) – AUDI, teve como
27
Estas aproximações entre o judô e o meio acadêmico fortalecem ainda mais
a compreensão deste enquanto pertencente ao meio educacional, relacionando-o à
sua ação direta em busca de um comprometimento com a formação social,
educacional e moral do(a) cidadão(ã), seja através do estudo e/ou da prática do
mesmo.
1.3 Por que Pesquisar a Gênese do Judô no Recife-PE?
Visando nortear este mapeamento histórico judoístico, o presente estudo
possui também o intento de compreender as influências orientais na construção da
identidade educacional e cultural desta modalidade na cidade do Recife.
Devido a modalidade ser de origem japonesa, de acordo com o estudo de
Nagai, Silvana e Nagai, Sérgio (1998), acredita-seque estes protagonistas
imigrantes e/ou descendentes possam ter gerado uma espécie de “revolução
pedagógica” na forma de ensinar o Judô ao aportarem no estado de Pernambuco, e
que, consequentemente, tenham gerado ajustes significativos (ou não) ao cenário
local. Para tal, as entrevistas com os senseis Tadao Nagai e Hayashi Kawamura (o
primeiro, filho de japonês e, o segundo, veio do Japão para o Recife) serão
importantes para esta identificação cultural quanto à forma de atuação docente de
ambos e a sua contextualização em uma outra cultura (no caso a brasileira). Dentre
os senseis “estrangeiros”, também entendemos a importância da adição de
entrevistas com o sensei Byung Kuk Lee, que, apesar de ser coreano, e não
japonês, teve grande importância na cena judoística da cidade do Recife, além de
ter ministrado aulas na disciplina Judô (enquanto componente curricular) no
Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE)27, onde se aposentou e definitivamente afastou-se do ensino superior em
2010.
intenção inicial, estabelecer relação de integração entre a comunidade local e a escola Superior de Educação Física (ESEF-UPE) através do esporte e lazer como principal elo de ligação. Sobre o Judô do projeto Santo Amaro, vários atletas de nível nacional foram formados além de casos de pessoas (estudantes de Educação Física) que hoje são professores de clubes ou docentes universitários, inclusive alguns da disciplina Judô (Flávio Miguel Archanjo, Rodolfo Pio, Vânialucia Barros, Hamilton Sena, Luciano Flávio Leonídio dentre outros) e pelo qual foram iniciados na modalidade a partir do contato com este projeto transformador.
27 O sensei Byung Kuk Lee começou na UFPE em 1975, quando foi aprovado via concurso, e aposentou-se em 1996 (pelo IFPE), contudo seguiu atuando na docência do Ensino Superior ministrando a disciplina Judô oficialmente até 2000 e seguiu até 2010 sendo professor substituto a cada dois anos.
28
Através de seus achados, acreditamos que este estudo facilitará a aquisição
de novas informações que fortaleçam os materiais didático-pedagógicos
institucionais, tais como, apostilas, manuais e/ou cartilhas, podendo assim, por
exemplo, auxiliar como mais um componente informacional na formação dos(as)
professores(as) durante cursos de capacitação de faixas-preta e graus superiores
das entidades esportivas reguladoras e específicas, tais como, a Federação
Pernambucana de Judô (fundada em 1972) e a Liga Pernambucana de Judô
(fundada em 2003). Contribuições estas no âmbito teórico da história do judô da
cidade (Recife) e do estado de Pernambuco e, também, da ampliação da
compreensão histórica, cultural e educacional do ensino do Judô. Também se
estende a importância desta pesquisa para o âmbito das disciplinas acadêmicas de
Lutas (pertencentes ao currículo dos cursos de Educação Física, tanto da
licenciatura quanto do bacharelado), visto que poderão ser levantadas novas
abordagens históricas e pedagógicas, possibilitando uma análise mais crítica e
embasada a partir dos achados encontrados nesta pesquisa. Em interface com a educação, pretende-se favorecer análises e
compreensões acerca dos processos envolvidos quanto às diferenças culturais
educacionais entre Brasil e Japão (ocidente e oriente), assim como, compreender o
importante viés educacional próprio do Judô, pelo qual é mundialmente reconhecido
(principalmente em países desenvolvidos como França e Espanha) conforme visto
em Gomes e Avelar-Rosa (2012). Por fim, queremos propor uma reflexão onde
possamos compreender a gênese do judô na cidade do Recife-PE, a partir da
atuação de seus antigos mestres (senseis), compreendendo que os seus locais de
atuação prática (Dojôs)28 eram espaços educacionais significativos e interligados à
própria história de vida de cada mestre formador.
1.4 Justificando o Recorte Temporal
De acordo com Barros (2015, p. 41), “uma delimitação adequada do período
histórico que será examinado é, naturalmente, questão de primeira ordem para
qualquer historiador”. Aqui, vale ressaltarmos que apesar do autor citar o termo
28 Segundo Kano (2008b, p. 30), “a palavra Dojô deriva de um termo budista que faz referência ao
‘local de iluminação’. Como um monastério, o dojô é um local sagrado que as pessoas procuram para aperfeiçoar seu corpo e sua mente”.
29
“historiador”, mesmo que não sejamos historiadores de formação, compreendemos
que sua afirmação se estende naturalmente a qualquer pesquisador, ainda mais se
estiver investigando uma pesquisa de cunho histórico como esta. Contudo, sobre a
questão da delimitação temporal, o mesmo teórico afirma que a escolha de um
recorte qualquer de tempo historiográfico não deve, por outro lado, ser gratuita.
É o problema que define o recorte, e as problematizações da pesquisa é que
irão conduzir a um recorte ou outro que lhe seja mais adequado, frente a isso, “[...]
pensar os limites de um recorte em termos de viabilidade para a pesquisa e de
adequação ao problema é sempre a postura mais equilibrada” (BARROS, 2015, p.
44-46). Sobre este aspecto, podemos perceber que existe um alinhamento quanto
ao período selecionado e o problema central da pesquisa, que abordamos
detalhadamente no tópico 1.5.
Sobre o recorte temporal, e ainda de acordo com o autor supracitado, é
importante que analisemos critérios quanto à viabilidade, ou seja, propostas
exequíveis relacionadas ao tempo real disponível à execução da pesquisa em si.
Sobre este aspecto, todo esforço prévio à pesquisa (desejo antigo de realização por
parte do pesquisador), realizado para a ampliação substancial do acervo físico
documental, fora de relevante importância no que tange à relação tempo-execução
da mesma.
Em nossa pesquisa optamos pelo recorte temporal do período entre os anos
de 1952 e 1972. A escolha por este período está relacionada aos escassos achados
históricos que nos mostram que por volta dos anos 50, alguns japoneses envolvidos
com Judô passaram pelo Recife na intenção de divulgação, e por volta dos anos 70
chegaram alguns orientais que advogam ter influenciado a prática pedagógica do
ensino do judô no estado (NAGAI, Silvana; NAGAI, Sérgio, 1998). Sendo que, até
1975 acredita-se ter sido o auge de um “novo” judô, já estabelecido no estado e
proporcionado pela chegada, em 1971, e fixação de um japonês, especificadamente,
o prof. Tadao Nagai.
Ainda sobre o período escolhido para a investigação da pesquisa, sabe-se
que existe a necessidade de um levantamento de fontes documentais relacionadas
ao histórico do judô pernambucano, pois pesquisas prévias (CAVALCANTE, 2014;
NAGAI, Silvana; NAGAI, Sérgio, 1998; VIRGÍLIO, 2002b) identificaram que o que se
tem melhor documentado (do ponto de vista historiográfico), está mais atrelado à
30
fase posterior à fundação da Federação Pernambucana de Judô, em 1972. Tal
informação fortaleceu a necessidade de realização da presente pesquisa.
Importante ressaltar que os cinco (05) senseis entrevistados para este
trabalho “vivenciaram” mais fortemente o judô na época selecionada como marco
temporal para este estudo, e por isso, são importantes referências testemunhais ao
nosso registro histórico.
Complementarmente, fazem-se necessários questionamentos frente às
lacunas históricas ainda não documentadas e/ou registradas. Como procedeu-se a
vinda destes mestres orientais que atuaram (ou ainda atuam) com o judô no Recife?
Qual o impacto quanto à atuação destes senseis no processo de ensino do judô
neste determinado período histórico?
1.5 Problema, Objetivos e Hipótese
Em nossa pesquisa, procuramos manter-se fiel à investigação historiográfica
a partir da história oral dos mestres de judô da cidade do Recife-PE enquanto
principal fonte a ser analisada.
Investigou-se o processo histórico envolvido no surgimento, implantação e
consolidação do Judô, no período de 1952 a 1972, relacionando-o aos sistemas
educacionais vigentes da época e sua ligação com os modelos educacionais e
condições próprias do sistema tradicional/clássico de ensino do judô.
A presente pesquisa tem como problema central a inquietude relacionada à
busca pela identificação, análise e compreensão da dinâmica processual com que
uma teia de interdependência foi estabelecida diante do contexto social,
educacional, histórico e econômico em que os primeiros mestres se estabeleceram
na cidade e desenvolveram seus próprios métodos de ensino partindo para a
construção histórica do judô na cidade do Recife-PE (aqui, compreendida enquanto
uma configuração social específica a ser analisada pela pesquisa).
Respostas a estes questionamentos nos levaram à possibilidade de
identificação de como estes senseis puderam, ou não, contribuir com a formação
marcial e também educacional daqueles que vivenciaram seus ensinamentos
naquela época.
Enquanto objetivo geral da pesquisa, vislumbramos investigar a história do
Judô recifense, partindo de seus antigos senseis (pioneiros na introdução e
31
sistematização do judô em Recife-PE), visando compreender as relações e
(re)construções entre o ensino do judô no ambiente do Dojô e sua dimensão
educacional.
Os objetivos específicos estabelecidos são os seguintes:
a) identificar a gênese do judô em Recife no marco temporal entre os anos
de 1952-1972;
b) desvelar o processo educativo proporcionado pela prática do judô no dojô,
como ambiente não formal de ensino;
c) registrar as características específicas relacionadas à cultura judoística,
facilitando a compreensão de pontos como, a disciplina, a hierarquia, o
tradicionalismo e o processo de esportivização do Judô;
d) investigar a relação entre prática marcial e a violência do ponto de vista do
processo civilizatório29 e;
e) registrar o legado de alguns antigos senseis e pontuar as heranças
significativas de suas memórias à comunidade judoística do Recife.
Enquanto hipótese para nossa pesquisa, acreditamos na possibilidade de
que os referidos espaços (Dojôs) analisados, associados às praticas pedagógicas
dos antigos mestres participantes da pesquisa, possibilitaram educação de seus
praticantes em um ambiente não formal de ensino e associado à educação formal
(institucionalizada), e que o judô, é sim, uma importante ferramenta educativa
quando bem intencionada. É sabido que no intento de elucidar/evidenciar a história e
o desenvolvimento do judô da cidade e suas respectivas nuances, temos que partir
da busca por compreender todo o contexto macro de sua gênese.
29 De acordo com Dunning (2014), é dito como alerta pelo autor (através de relato pessoal a sua
orientanda e organizadora da obra no Brasil, a Profa. Dra. Heloisa Helena Baldy do Reis – (UNICAMP-SP) que existe um equívoco quanto a tradução brasileira da palavra civilising como civilizador e civilising process como processo civilizador, o mesmo ainda afirma que esta tradução errônea contribuía para a má compreensão da teoria de Elias, e que seu “velho mestre” sempre utilizava o termo civilizador entre aspas. Para Dunning (2014), a tradução correta de civilising process para o português é processe civilizatório. Desta forma a partir deste conhecimento, decidimos fazer a adoção recomendada pelo termo civizatório, exceto no caso de citação em referência a obra já publicada no Brasil com título Processo Civilizador ou em citações diretas que possuam o termo civilizador.
32
2 FUNDAMENTOS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Visando facilitar a compreensão dos caminhos adotados para a nossa
pesquisa, detalharemos na presente seção, todo o nosso percurso metodológico,
assim como as nossas filiações teóricas ao que se refere aos métodos e técnicas
adotados por nossa pesquisa.
2.1 Tipo de Pesquisa, Abordagem e a Opção pela Metodologia de História Oral
Etimologicamente, metodologia significa o estudo dos caminhos, dos
instrumentos para fazer uma pesquisa ou estudo científico. Interessados no
detalhamento para a validação do caminho traçado por esta pesquisa, buscaremos,
no decorrer desta seção, explicitar nossas adesões metodológicas, bem como, as
técnicas e os instrumentos selecionados.
Caracterizando a pesquisa quanto ao tipo, optamos pela abordagem
qualitativa, preocupando-se, assim, com os aspectos da realidade, centrando-se na
compreensão e explicação da dinâmica das relações sociais. De acordo com Minayo
(2001, p. 22), a pesquisa qualitativa “[...] trabalha com o universo de significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço
mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser
reduzidos à operacionalização de variáveis”. Compreendemos que este estudo
encontra-se norteado nesta abordagem de pesquisa, já que a mesma enfatiza
aspectos sociopsicológicos, tais como opiniões abertas, motivações e questões
subjetivas, próprias conceitualmente deste tipo de pesquisa.
Quanto à classificação da pesquisa, com base nos objetivos, reafirmamos
adesão conceitual à pesquisa do tipo exploratória. Sobre esta, Gil (2008, p. 27),
afirma que “tem como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar
conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou
hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores”. Ainda de acordo com o mesmo
autor, a maior parte destas pesquisas envolve um levantamento bibliográfico e
documental, além de entrevistas com pessoas que tiveram experimentações práticas
com o problema pesquisado. Em nossa pesquisa, utilizaremos tanto o levantamento
bibliográfico e documental, como também, as entrevistas semiestruturadas.
33
Como metodologia de nossa pesquisa, optamos pela história oral, onde a
mesma apresentou-se como de fundamental importância, pois conforme identificada
por pesquisa de temática semelhante e realizada no estado de Pernambuco por
Cavalcante (2014), são previstas algumas dificuldades no que diz respeito à
organização do acervo bibliográfico que contemple semelhante objeto deste tipo de
pesquisa no Estado de Pernambuco, o que fortalece a ideia de que são necessários
esforços para que se construam novos documentos a partir dos depoimentos dos
antigos mestres de judô de nossa cidade. A partir dos relatos obtidos (entrevistas
realizadas), foram empregadas as técnicas desenvolvidas por Alberti (2005), bem
como por Montenegro (2013) e Thompson (1992), a fim de filtrar as informações e
selecionar novas fontes de pesquisa advindas dos relatos dos entrevistados que
experimentaram, intensamente, acontecimentos, situações e suas consequências
para compor, juntamente com as outras fontes enunciadas, o arcabouço teórico do
trabalho de pesquisa.
Diversos autores conceituam a história oral das formas mais variadas
possíveis, contudo, para o nosso estudo, adotamos algumas fontes mais clássicas
como, por exemplo, a que se faz presente na Associação Brasileira de História Oral,
entidade devidamente reconhecida nesta área do conhecimento, fundada em 1994,
e que, de acordo com o seu estatuto traz a seguinte definição: “Por história oral se
entende o trabalho de pesquisa que utiliza fontes orais em diferentes modalidades,
independentemente da área de conhecimento na qual essa metodologia é utilizada”
(ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE HISTÓRIA ORAL, 1998, artigo 1, parágrafo 1º, p.
14).
Para fins de contextualização contemporânea acerca da história oral, Meihy
e Holanda (2014, p. 63) ressaltam que devido à globalização “a história oral chama a
atenção por ser um recurso crescente, prático, persuasivo e, para muitos,
respeitável”. Ainda de acordo com o mesmo, para ser compreendida enquanto
metodologia, a história oral deverá formular suas entrevistas como o epicentro da
pesquisa. Não diferente disso, temos as entrevistas em nosso trabalho como fonte
principal de produção de conhecimento, mesmo que ainda e, para isso, também
necessitem de fortalecimento teórico a partir da pesquisa documental.
Thompson (1992, p. 44), outro autor clássico no que concerne a metodologia
da história oral, afirma que a “a história oral é uma história construída em torno de
pessoas [...] leva a história para dentro da comunidade e extrai a história de dentro
34
da comunidade”. Desta forma, entendemos que exista uma nítida troca social na
construção deste conhecimento advindo da oralidade. Ainda segundo o mesmo
autor, “a história oral devolve a história às pessoas em suas próprias palavras. E ao
lhe dar um passado, ajuda-as também a caminhar para um futuro construído por
elas mesmas” (THOMPSON, 1992, p. 337), acreditamos que isso garante não
apenas importância social, enquanto metodologia, mas principalmente a garantia de
valorização daqueles sujeitos que se colocam à disposição da ciência através de
suas memórias.
Alberti (2004, p. 27) relata que “a metodologia da história oral é bastante
adequada para o estudo da história de memórias, isto é, de representações do
passado”. Diante da justificativa proposta por esta autora (somada à outras
importantes filiações teóricas optadas e nossa pesquisa), entendemos que a
metodologia de história oral mostrou-se viável e adequada à utilização por parte do
presente estudo.
Entendemos que as representações do passado constituem a base para o
estudo da história de memórias e que a criação de fontes históricas advém da
realização de pesquisas que envolvam a metodologia de história oral. Ante o
exposto, delimitamos que o nosso objeto de pesquisa é atendido por esta
metodologia científica, uma vez que visamos contemplar nossos protagonistas como
base para construção destas fontes históricas.
De certo, segundo Meihy e Holanda (2014, p.22), “[...] a história oral não se
faz sem a participação humana direta, sem o contato pessoal”. Nesse sentido,
tratando-se de metodologia da história oral, entendemos que através da oralidade de
mestres de judô podemos elucidar de forma documental uma história que muitas
vezes poderia ser perdida no tempo devido à falta de oportunidades que as fizessem
serem registradas e validadas no tempo presente. Bossi (2003, p.15) afirma que a
“memória dos velhos pode ser trabalhada como um mediador entre a nossa geração
e as testemunhas do passado”, por isso, entendemos que a sapiência de nossos
protagonistas deva ser socializada como conhecimento para explicar o nosso
presente. Ainda sobre a importância de trazermos à tona esta memória enquanto
transformação e ressignificação histórica, a mesma autora supracitada reafirma que
em se tratando da história recente, “feliz o pesquisador que se pode amparar em
testemunhos vivos e reconstituir comportamentos e sensibilidades de uma época!”
(BOSSI, 2003, p. 16-17). Fazemos plena adesão a estas reconstituições de
35
comportamentos e de sensibilidades ressaltadas pela pesquisadora, visto que, em
nossa pesquisa vivenciamos esta sensação de passado no presente através de
cada memória registrada. Nosso entendimento corrobora com uma importante
citação do filósofo polonês Bauman (2003, p. 7), ao afirmar que “as palavras têm
significado: alguma delas, porém, guardam sensações”.
Um fator importante de delimitação metodológica neste trabalho é o de
caracterização quanto ao tipo de história oral que decidimos trabalhar. De acordo
com Meihy e Holanda (2014) existem três tipos de história oral, são elas: História
oral de vida, História oral temática e tradição oral. No nosso caso, optamos pela
história oral temática, já que, de acordo com este autor, ela delimita um tema e se
propõe a organizar a entrevista em torno deste tema alvo relacionado ao problema e
objetos da pesquisa, neste sentido, delimitamos que queremos, através de nossas
fontes orais, construir documentos que debatam em torno da relação do judô e da
educação a partir do conhecimento vivido pelos antigos mestres.
Ainda de acordo com o autor supracitado, em relação à temática envolvida
no tipo de história oral, a escolha dos entrevistados nesse ramo de história oral é
fundamental. Quanto ao recorte do tema, o mesmo afirma que “deve ficar explícito
de tal maneira que conste nas perguntas a serem feitas ao colaborador” (MEIHY;
HOLANDA, 2014, p. 39). De acordo com a literatura vigente, pretendemos, ao longo
de nossa pesquisa, explicitar detalhadamente todo o procedimento quanto à escolha
dos colaboradores, como também, o processo de montagem de nossas perguntas
aos mesmos, sempre primando por contemplar o contexto temático no que se refere
ao tipo de história oral no qual aderimos. No tocante às entrevistas faz-se necessário
esclarecer que quando a história oral é aceita como metodologia da pesquisa
possibilita-se que as mesmas sejam consideradas o epicentro da pesquisa (MEIHY;
HOLANDA, 2014).
É importante ressaltar que nessa pesquisa também faremos adesão teórica
ao conceito de história oral hibrida, preconizada por Meihy e Holanda (2014). De
acordo com estes, trata-se do fato de as entrevistas dialogarem com outros tipos de
fontes e/ou documentos. Neste sentido, “preza-se o poder de ‘conversa’, contatos ou
diálogos com outros documentos, sejam iconográficos ou escritos, como:
historiográficos, filosóficos ou literários” (MEIHY; HOLANDA, 2014, p. 129). Ademais,
queremos dizer que transcenderemos as entrevistas como fonte de pesquisa, como
veremos ao longo desta seção sobre a metodologia.
36
No tocante à questão metodológica, foram selecionadas três (03) teses
norteadoras (KOHL, 2012; MARTA, 2009; NUNES, 2011) de relevante importância
por tratarem da questão do método de história oral com complementação e suporte
através da pesquisa investigativa documental e bibliográfica. Também utilizamos de
semelhante percurso metodológico nesta pesquisa, optando por visitações em
espaços específicos, tais como: Arquivos físicos e virtuais pertencentes a banco de
dados de Museus; Instituições Acadêmicas; Bibliotecas públicas e privadas;
Entidades Organizacionais do judô (Liga e Federação) e Academias de judô.
Ainda sobre o método da história oral, verifica-se sua significativa
importância, pois:
Aprender a ouvir é uma habilidade humana fundamental: para aqueles que importam, a história oral está aí para nos ajudar a compreender melhor nossos passados e para criar memórias nacionais muito mais ricas, mas também para nos ajudar a construir um futuro melhor, mais amável, mais democrático (THOMPSON, 2000, p. 28).
A presente pesquisa deu voz aos antigos mestres entendendo ser
importante no processo de valorização e ressignificação destes professores da
época, protagonistas diretos de uma importante história, onde, infelizmente, muitos
dos que entrevistamos,estavam pouco evidenciados e sem o devido reconhecimento
pela sociedade, principalmente pela nova geração do judô recifense, que, em
algumas conversas informais com alguns professores mais contemporâneos,
mencionavam que não “faziam ideia de quem eram estes que estávamos a procurar
para entrevistá-los” (informação verbal).30 O cenário é triste, porém real. E coube
aqui, no papel de investigador científico, buscar contribuir para este cenário e
devolver o real valor destes “senhores do passado” a quem devemos
reconhecimento pela construção histórica de nosso judô atual. Faz-se necessária e
relevante esta devolução de reconhecimento e saber à comunidade/sociedade
relacionada às práticas do Judô em nossa cidade. Quanto a estes aspectos
relacionados à valorização e desvalorização dos mestres, compreendemos que
fazem parte dos avanços e retrocessos civilizacionais que oscilam em uma evolução
não linear na forma de evidenciar positivamente ou negativamente determinados
aspectos sociais e/ou culturais, e neste sentido, necessita-se que o passado se faça 30 Situação ocorrida durante treinamento prático de judô realizado na cidade de Recife, onde um
jovem faixa preta (20 anos de idade) mencionou o desconhecimento de alguns dos nomes selecionados a esta pesquisa.
37
valorizado no presente a partir de uma contextualização da consciência coletiva
através do reconhecimento de sua história e civilização.
Como veremos a seguir, a escolha, leitura e sistematização das dissertações
e teses, foram de extrema importância para criação de um roteiro metodológico, e
para refletir criticamente, possibilitando o pensar construtivo de nosso estudo. A
pesquisa foi de característica exploratória com abordagem qualitativa direcionada à
investigação por documentos de judô (registros, artigos, matérias de jornais e
revistas da época), dados coletados junto à comunidade japonesa e relativos à
imigração japonesa, políticas institucionais esportivas e de educação não formal a
respeito dos dados históricos que remetam a registros raros dos pioneiros mestres
de judô em nossa cidade.
Como veremos mais adiante, ao longo desta pesquisa, investigamos à luz
da interrelação entre a fonte documental e a história oral (realizada por coleta de
entrevistas), e para tal, utilizamo-nos da técnica de análise de conteúdo com auxílio
de software específico.
2.2 Metodologia de História Oral e sua Aplicação no Universo das Lutas: um Estado
da Arte
Estudos, como o de Franchini e Correia (2010), apontam que, embora com
notório crescimento, as pesquisas científicas com a temática “Lutas” ainda são
escassas no Brasil. Além disso, a maioria das pesquisas (monografias, artigos,
dissertações e teses) está concentrada na área da Saúde (no campo do
Treinamento Esportivo; Avaliação e testes de Aptidão física e na área da fisiologia
humana). Estudos compreendidos nas áreas das Ciências Humanas ainda são
minoria nesta referida temática e se concentram mais em setores como os da
Educação Física Escolar.
No intento de melhorar a organização e sistematização das ideias,
buscamos mapear quais as principais Teses e Dissertações existentes no Brasil, e
que tivessem como objeto de pesquisa as Lutas, analisadas no viés da educação e
que, preferencialmente, tivessem sido realizadas através do método de história oral.
Foram realizadas buscas no portal de Teses e Dissertações da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), na
Biblioteca Digital da Universidade de São Paulo (USP), Biblioteca Digital da
38
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Biblioteca Digital de Teses e
Dissertações da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e ainda no Portal de
Teses e Dissertações do Domínio Público. Foram encontradas importantes obras
defendidas em vários estados do Brasil, conforme podemos verificar no quadro
abaixo (Quadro 1).
Quadro 1 – Teses e Dissertações encontradas Continua
Nº Titulo Tipo Autor Instituição Ano
1
Civilização e educação de artistas marciais: os saberes através da prática do Judô (1970 – 1980).
Tese Marcio Eustáquio Lopes Cavalcante.
UFPE 2014
2
Educação e Capoeira: figurações emocionais na cidade do Recife-Pernambuco-Brasil.
Tese Henrique Gerson Kohl
UFPE 2012
3
A influência da imigração japonesa no desenvolvimento do judô brasileiro: uma genealogia dos atletas brasileiros medalhistas em Jogos Olímpicos e campeonatos mundiais.
Tese Alexandre Velly Nunes
USP 2011
4
A memória das lutas ou o lugar do “DO”: as artes marciais e a construção de um caminho oriental para a cultura corporal na cidade de São Paulo
Tese Felipe Eduardo Ferreira Marta
PUC-SP 2009
5
O Judô; Do modelo artesanal ao modelo científico: um estudo sobre as lutas, formação profissional e a construção do Habitus
Tese Alexandre JanottaDrigo
UNICAMP 2007
6
O pulo do gato preto: estudo de três dimensões educacionais das artes-caminhos marciais em uma linhagem de capoeira angola
Tese Fábio José Cardias Gomes
USP 2012
7
Caminhando para uma nova (?) consciência: uma experiência de introdução da Arte Marcial na Educação.
Tese Luzia Mara Silva Lima
UNICAMP 1999
8
Do conceito do BUN BU RYU DO à atividade esportiva: a racionalidade moderna nas lutas marciais tradicionais
Dissertação. Marcel Farias de Sousa
UFG 2010
Fonte: o autor (2017)
39
Quadro 1 – Teses e Dissertações encontradas Conclusão
Nº Titulo Tipo Autor Instituição Ano 9
Uma história do Karate-dô no Rio Grande do Sul: de arte marcial à prática esportiva
Dissertação Tiago Oviedo Frosi.
UFRGS 2012
10
Capoeiras e valentões na história de São Paulo (1830 a 1930)
Dissertação Pedro Figueiredo Alves da Cunha
USP 2011
11
A inserção do Kung Fu no Brasil na perspectiva dos mestres pioneiros.
Dissertação Fernando Dandoro Castilho Ferreira
UFPR 2013
12
Princípios e valorização do judô na vida cotidiana de mestres da região de Mogi das Cruzes
Dissertação Gilmar Barbosa de Souza
USP 2010
13
Artes Marciais Chinesas: histórias de vida de mestres brasileiros e as tensões entre a tradição e o modelo esportivo
Dissertação Márcio Antônio Tralci Filho
USP 2014
14
No caminho das artes marciais: a relação Mestre e Discípulo como educação sensível.
Dissertação Luiz Arthur Nunes da Silva
UFRN 2014
15
O caminho dos pés e das mãos: Taekwondo, arte marcial, esportee a colônia Coreana em São Paulo (1970 a 2000)
Dissertação Felipe Eduardo Ferreira Marta
PUC-SP 2004
16
Artes Marciais e Jovens: violência ou valores educacionais? Um estudo de caso de um estilo de Kung Fu
Dissertação Rafael Carvalho da Silva Mocarzel
UNIVERSO-RJ
2011
17
Shaolin à brasileira: estudo sobre a presença e a transformação de elementos religiosos orientais no Kung-Fu praticado no Brasil
Dissertação Rodrigo Wolff Apolloni.
PUC- SP 2004
Fonte: o autor (2017)
Diante das 17 obras encontradas e listadas no Quadro 1, podemos inferir
que a produção científica acadêmica em nível de pós graduação (mestrado e
doutorado) no Brasil tende a aumentar, dada a relevância temática (lutas) já
defendida anteriormente na introdução desta pesquisa, como também, devido a
consolidação da história oral no meio científico. Entretanto, é sabido que quando
falamos de artes marciais e lutas existe um processo cultural vigente, tradicionalista
40
e específico no que concerne à transmissão de conhecimentos. A passagem muitas
vezes se dá de forma artesanal (de mestre a pupilo) e não sofre registros para
preservação, desta forma, a decisão por entrevistar mestres/senseis pioneiros
(através do método de história oral) torna-se importante do ponto de vista da
preservação, como também, pela construção de uma historicidade (FERREIRA;
MARCHI JÚNIOR; CAPRARO, 2014).
Dentre as sete teses e dez dissertações identificadas como estado da arte
nesta temática, tivemos a decisão de adotar três teses (3), selecionadas como base
para o presente estudo, justificando-se por esta decisão, baseados nas
aproximações que as mesmas possuem com nosso estudo. Logo abaixo realizamos
análise referente às três teses selecionadas por onde buscamos discutir a interface
que as mesmas apresentam com a nossa pesquisa.
Importante atentarmos para a relação direta presente nas três obras
escolhidas, visto que as mesmas se utilizam tecnicamente de métodos semelhantes
(história oral associada à investigação em arquivos e materiais históricos impressos
[fontes documentais], e a pesquisa bibliográfica). Além de que, os autores debatem
acerca de algumas modalidades de lutas em suas respectivas memórias e dentro de
determinados marcos temporais.
No estudo do Marta (2009) percebe-se uma obra de cunho mais histórico,
visto que o autor visa questionar como o Brasil (o estudo foi centrado na cidade de
São Paulo-SP), um país tão distante, geográfica e, talvez, mais ainda culturalmente,
dos países do chamado extremo oriente, acolheu as práticas corporais oriundas
daquela região? O autor busca entender como procedeu o processo migratório dos
orientais no pré e pós II Guerra Mundial, buscando identificar as nuances da relação
entre estabelecer-se no país e a busca por trabalho. Neste sentido, iremos utilizar a
referida obra no tocante à semelhança do contexto central investigado. Para este
estudo, foi de relevante importância o entendimento e a compreensão de como
instalaram-se os primeiros mestres de Judô na cidade do Recife-PE, e ainda
compreender como estes iniciaram seus trabalhos com a modalidade, vencendo as
possíveis adversidades de choques culturais.
Sabe-se que os primeiros mestres japoneses (criadores da modalidade
Judô) entraram pela cidade de São Paulo e de lá foram dispersando-se por todo o
Brasil. Frente a isso, buscamos investigar como se deu este processo de difusão até
a chegada à Recife. Neste cenário, foi objetivo de nossa investigação buscar
41
compreender o processo de instalação destes mestres e a respectiva receptividade
por parte da sociedade recifense. Estes e outros questionamentos são inevitáveis
quando se pretende investigar e reconstruir (e/ou reconstituir) esta história.
Outro ponto relevante encontra-se no fato de que o autor supracitado buscou
fundamentar seus argumentos a partir de importantes teóricos, nos quais, também
foram utilizados em nossa pesquisa, como por exemplo, o Norbert Elias (Teoria do
processo civilizatório). Para a metodologia, utilizaram-se do Paul Thompson (Método
de história oral) embasando através deste a sua opção metodológica. Refletindo
através do objeto de estudo do Marta (2009) nos perguntamos: Como e quanto
poderemos extrair das histórias de vidas dos mestres de Judô em Recife? Qual a
relação com o espaço, tempo e cultura no âmbito do processo de implantação desta
modalidade na cidade? E ainda, qual processo de ensino e disciplina era perpetuado
nestes ambientes (academias/ clubes) e em que ponto influenciou na
formação/educação dos cidadãos e cidadãs de nossa cidade? Aqui, vale
ressaltarmos que o ensino através das artes marciais caracteriza-se conceitualmente
como modelo de educação não formal, conceito este que, de acordo com a Gohn
(2010), defende-se enquanto processo de produção de sujeitos autônomos e
emancipados, cuja formação cidadã aparece como pressuposto fundamental.
Ainda sobre o método aplicado à tese de Marta (2009), percebe-se
claramente a intencionalidade do autor em valorizar a história a partir de critérios
estabelecidos para tornar a pesquisa mais original e, para isso, o autor determinou
entrevistar apenas mestres oriundos do Japão, China e Coréia do Sul, justamente
por perceber que eram destes países as artes marciais mais praticadas na cidade de
São Paulo (SP).
Outro ponto relevante da obra deve-se ao fato do pesquisador se questionar
quanto à gênese destas lutas na cidade de São Paulo. Quanto a este quesito, o
autor conclui que as artes marciais sofreram adaptações culturais próprias da
ocidentalização, onde, a partir disso, foi possível ganhar maior amplitude de
consumo por parte dos brasileiros. Neste quesito, fica claro que o autor busca
identificar um caráter de interdependência onde a modalidade influenciou, porém
também fora influenciada pela cultura vigente. Sabe-se que neste rito não existe
imparcialidade, ou seja, há de existir um processo natural de influencias recíprocas.
Este fato deve-se principalmente ao que o autor chama de esportivização das artes
marciais, processo pelo qual, muitas vezes, as mesmas sofrem “alterações” ou
42
“exclusões” de gestos técnicos (compreendidos como mais violentos) visando uma
maior aprovação e/ou aceitação em sociedades que compreendem as artes marciais
enquanto favorecedoras do aumento da violência social. Para isso, o autor da tese
buscou entender este fenômeno à luz da teoria do processo civilizatório preconizado
pelo sociólogo Elias (1994a,b), compreendendo, assim, que a esportivização teria
um papel como parte do processo civilizatório ocidental, em especial no que se
refere ao controle das emoções, por consequência da violência.
Esta passagem, particularmente, nos ofertou reflexão crítica e de relevante
interesse, por entender que os componentes das lutas e artes marciais têm sua
gênese (pré-história) relacionada à sobrevivência, e que, a partir do momento em
que ressignifica-se mediante cada cultura de seus países, as lutas partem, então,
para um processo contemporâneo de estabelecimento de regras próprias que estão
intimamente relacionadas às regras sociais de convivências estabelecidas entre os
indivíduos na sociedade. A partir disso, devemos entender que os conceitos de boa
convivência, valorizados no meio esportivo ocidental, tais como o “fair play” (ou jogo
limpo) estão intimamente relacionados ao processo civilizatório (ELIAS, 1994a,b) por
onde os indivíduos foram desenvolvendo suas próprias regras e normas de
convivência. Neste sentido, Marta (2009) impulsionou para que pudéssemos debater
mais amplamente sobre os conceitos de tradição e modernidade relacionados a esta
cronologia temporal, em que as lutas refletem a partir de sua relocação cultural,
como também, para situar estas intervenções educacionais tradicionalistas e não
formais de ensino em seu devido contexto histórico e educacional vigente, e no
período específico em que se pretendeu investigar.
Outro estudo significativo para a pesquisa é o do Nunes (2011). Nele, o
pesquisador buscou compreender como procedeu a possível genealogia do judô
brasileiro a partir de seus medalhistas olímpicos e mundiais. Apesar do caráter
competitivo por trás do objeto de estudo desta investigação, percebe-se que a obra
traça o debate a partir da importância do resgate e da valorização de todos os
antigos mestres (genearcas da modalidade) que residem ou residiram no país e que
foram responsáveis pela formação desta geração de grandes atletas nacionais do
judô (heróis olímpicos e mundiais). Aqui, vale ressaltarmos a ênfase com que o autor
solicita que esta rica memória do esporte nacional não seja perdida ou esquecida,
pois os protagonistas destas histórias devem ser catalogados e terem suas histórias
de vida reveladas.
43
O trabalho ressalta, ainda, que existiu marcos temporais relevantes quanto
ao desenvolvimento da modalidade no Brasil. Podemos citar, por exemplo, a
chegada do navio Kasato Maru no porto de Santos-SP, em 1908 (considerado o
marco zero da imigração japonesa no Brasil), destaca-se também o período antes
da segunda guerra mundial, onde o judô estava instalando-se como foco em um
judô de base, ou seja, um ensino de judô mais voltado à formação do cidadão (Judô
tido como de caráter mais educacional) e que, após o período de guerra, começou a
desenvolver-se rumo ao viés de esportivização e, consequentemente, de
competições (olimpíadas e mundiais), dando cara a um novo judô de caráter mais
competitivo e com propósitos mais comerciais, pensados para uma sociedade cada
vez mais capitalista. Quanto a estas modificações pós-guerra, e relacionadas à
esportivização, podemos perceber que os argumentos do Nunes (2011) relacionam-
se aos do Marta (2009) pelo qual destacamos anteriormente neste presente texto.
Quanto à tese do Prof. Nunes (2011), identificamos que não possuía um
princípio teórico norteador bem definido, apesar do mesmo utilizar-se de conceitos
do sociólogo jamaicano, Stuart Hall. No entanto, fica claro que o mesmo utiliza-se,
predominantemente, das obras de sua orientadora, a professora doutora Katia
Rúbio31 (Pesquisadora da Escola de Educação Física e Esportes - USP), pois é
notório que a mesma possui vasta experiência em pesquisa na linha da história dos
esportes Olímpicos no Brasil e por onde o mesmo, enquanto participante em seu
grupo de estudos, pôde desenvolver esta pesquisa específica com a modalidade
Judô.
É interessante perceber que a obra foi de grande abrangência, visto que o
pesquisador passou por estados de todas as regiões do Brasil (inclusive Recife,
onde o mesmo esteve com o sensei Tadao Nagai – pelo qual também o
entrevistamos aqui nesta pesquisa) dando continuidade a uma saga investigativa
que objetivava dar voz ao passado através de seus protagonistas de várias
gerações. Em relação à abordagem metodológica, percebe-se que o autor, ao
utilizar-se da análise das histórias de vida, baseou-se em autores como Poirier et. al.
(1999) para justificar o método e, na intenção de complementar, também buscou
documentos do judô nacional (impressos) em arquivos públicos e bibliotecas.
31 Link para o Currículo Lattes da Profª. Dra. Kátia Rúbio: http://lattes.cnpq.br/0941910739814664.
44
Em relação ao trabalho desenvolvido por Nunes (2011), encontramos
suporte relacionado não só ao método utilizado como também aos achados, pois, o
pesquisador supracitado, encontrou diferenciações entre mestres com
características de reconhecimento diferenciadas, uns mais pedagógicos e formativos
e outros com o viés mais competitivo e voltado à formação de atletas. Quanto a este
quesito, também encontramos evidências semelhantes, visto que existiam indícios
(matérias de jornais da época e entrevistas registradas – acervo pessoal) de que o
Judô tenha se estabelecido em Recife-PE a partir de confrontações e desafios (a
exemplo das competições de vale-tudo por onde estes mestres envolviam-se para
suas próprias promoções) e que, na época, eram publicamente divulgados por eles
mesmos em veículos de informação (como rádio e jornais da época), algo que
constatamos ao longo das entrevistas realizadas durante esta pesquisa,
identificando, assim, quais estilos e características docentes são mais presentes e
pertinentes dentre estes antigos mestres.
Sempre acreditamos que traçar os genearcas do judô recifense
representaria não apenas a importância desde dado para a memória do judô
estadual, municipal e até regional, mas principalmente, enquanto expressão de uma
filosofia de vida e de educação, que se apresentara de suma importância ao cenário
educacional esportivo de nossa cidade. Por já possuirmos alguns importantes
arquivos documentais e termos mapeado boa parte da estratégia metodológica
quanto aos critérios da seleção dos possíveis mestres a serem entrevistados,
percebemos que a pesquisa tornar-se-á não só possível e viável, mas que, após ler
a tese do Nunes (2011, grifo nosso) pudemos refletir criticamente e perceber o
quanto poderia ser importante escrever a história destes nossos genearcas32, que
possuem um valor inestimável perante a sociedade, enquanto importantes
agentes/educadores sociais de seus meios e métodos de educação não formal
(GOHN, 2010) e, ao que tudo indicava (mesmo que ainda fosse apenas uma
hipótese), confirmou-se como de relevante importância social na formação
complementar de cidadãos (ãs) recifenses de várias gerações.
Durante a leitura da obra do Kohl (2012), tese de doutoramento defendida no
Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE (PPGE-UFPE), na linha de
32 Grifo nosso em intenção de ressaltar significativa emoção em relação a importância de tal pesquisa
e enquanto função de pesquisador engajado em um proposta de estudo que sonhava realizar desde 2006, ao terminar a graduação em Educação física.
45
pesquisa em Teoria e História da Educação, pudemos nos apropriar melhor de um
tratamento metodológico e científico que investigasse uma modalidade de lutas em
nossa própria cidade (Recife), neste caso, o autor em questão debateu acerca da
capoeira. Aproveitamos satisfatoriamente desta referida obra, visto que o autor
busca compreender e elucidar as figurações emocionais envolvidas na relação entre
a Educação e a Capoeira, próprias da implantação e evolução desta cultura corporal
(capoeira) no âmbito local do Recife-PE no período que compreendeu as décadas
de 80 e 90 do século XX.
Na obra do Kohl (2012), segundo o próprio autor, trabalhou-se com a
hipótese de que houve mudanças no processo de formação do capoeira, geradas
por processos educativos norteados por relações interdependentes e materializadas
entre figurações da capoeira da cidade de Recife e doutras figurações. Delimitou-se
o seguinte problema de pesquisa: enquanto fenômeno educativo não formal, como a
capoeira desenvolveu-se na cidade de Recife entre as décadas de 80 e 90 do século
XX? O objetivo foi identificar e analisar o processo civilizatório existente na capoeira
desenvolvida por algumas de suas referências na cidade do Recife entre as décadas
de 80 e 90 do século XX. Ao longo de toda tese, o autor deixa claro a opção por ter
desenvolvido sua pesquisa a partir do sociólogo Elias (1994a,b) e uma de suas
principais teorias, o processo civilizatório, principalmente quanto ao aspecto do
controle das emoções. Quanto ao teórico norteador para a metodologia, Kohl busca
amparar-se em Thompsom (1992) e Montenegro (2007) na intencionalidade de
justificar, embasadamente, o método de história oral em seu trabalho.
Em relação à obra do Kohl (2012), ressaltamos que a mesma traça um
desenho metodológico de pesquisa pelo qual tivemos semelhante intencionalidade
de realização em nosso estudo. O autor busca elucidar a memória da capoeira
recifense a partir dos relatos de história oral de seus principais protagonistas e, a
partir disso, relacionar com uma construção temporal/cronológica de como se
implantou e expandiu-se a capoeira na cidade. Ressalta-se aqui a opção pelo
processo civilizatório (ELIAS, 1994a,b) como base para justificar a implantação da
capoeira na cidade e por onde ocorriam as relações que envolviam emoções e
tensões próprias de uma sociedade em que se ajustava, dinamicamente, na
intenção de uma boa relação de convívio e harmonia entre os pares. No que
compete aos saberes educacionais da capoeira, o autor busca o conhecimento
acerca da educação não formal como centro teórico de discussão dos modelos e
46
sistemas educacionais específicos da capoeira. Fica claro que o percurso utilizado
por Kohl (2012) possui grandes aproximações metodológicas com a nossa pesquisa,
sendo que, no caso dele, o objeto de estudo foi a capoeira, e o nosso será
delimitado aos primórdios do Judô local (Recife).
Neste sentido, a obra apresentou-se de grande relevância para a nossa
pesquisa, pois também tínhamos o intento de analisar o início do judô a partir deste
mesmo teórico (ELIAS, 1994a,b) e de sua respectiva abordagem (processo
civilizatório) como sendo o principal teórico norteador da pesquisa. Também tivemos
a intencionalidade e perspectiva de abordar a educação através da interface com o
judô a partir do processo não formal de ensino a que foi estabelecido ao longo da
história da modalidade e protagonizado por seus antigos mestres.
Ressalta-se, nas três obras selecionadas, o rigor metodológico desenvolvido
pelos autores, além de que, por tratar-se de teses defendidas em programas de Pós-
Graduação com reconhecidos níveis de excelência e de importantes Instituições
Nacionais (PUC; UFPE e USP), acreditamos que as mesmas se constituíam como
importantes fontes de pesquisa para nortear-nos ao longo da dissertação.
No próximo tópico da dissertação descreveremos detalhadamente como
procedemos quanto aos critérios para definição dos mestres, como também, quanto
ao processo da técnica de entrevistas e coleta dos dados (fontes orais).
2.3 Definindo os Mestres a serem Entrevistados, o Processo de Técnica e Coleta de
Dados
Em nossas leituras e pesquisas, atentamos ao fato de que todo projeto de
história oral necessita de uma boa organização estrutural. No que tange aos
procedimentos, optamos pela técnica de entrevistas para contemplar a metodologia
da história oral. A seguir, decorreremos detalhadamente acerca de nossas adesões
quanto aos conceitos teóricos e procedimentais relacionados à nossa intervenção
metodológica, ressaltando, assim, os nossos passos, cuidados e observações neste
aspecto.
De acordo com Meihy e Holanda (2014, p. 14), “entrevista em história oral é
a manifestação do que se convencionou chamar de documentação oral, ou seja,
suporte material derivado de linguagem verbal expressa para esse fim”, contudo, o
mesmo afirma que estas documentações orais, quando por intermédio de um
47
propósito e devidamente registradas através de gravações eletrônicas, tornam-se
fontes orais.
Como já ressaltamos na introdução desta pesquisa, podemos dizer que
nossa jornada metodológica em busca da sistematização de fontes orais teve início
em 2008, enquanto graduando na Escola Superior de Educação Física da
Universidade de Pernambuco (ESEF-UPE), juntamente com o auxílio do então
estudante de Educação Física, Luciano Flávio Leonídio (hoje, doutor em educação)
e o docente titular da disciplina Judô naquela instituição, o prof. Marco Aurélio
Lauriano, tivemos a ideia de levantar material histórico que buscasse resgatar a
história do Judô no estado de Pernambuco e por onde relacionaríamos as histórias
de vida coletadas via metodologia da história oral e focadas em questionamentos
que pudessem esclarecer aspectos históricos, sociais e de episódios (contos)
técnicos ou competitivos vivenciados por aqueles personagens (senseis).
Este material nunca foi tratado (paramos na fase de registro das entrevistas),
ficando arquivado (salvo e protegido intocavelmente) com o presente pesquisador
deste estudo por todo este período (de 2008 a 2016) transformando-se em arquivo
pessoal. Contudo, ao partirmos para a “primeira”33 fase de transcrições do material
(ocorrida durante a fase de escrita desta dissertação), percebemos que aquela
versão semiestruturada de perguntas não mais atenderiam ao nosso novo objeto de
pesquisa, ou seja, detectamos uma incompatibilidade temporal e conceitual quanto
ao (re)aproveitamento daqueles dados, o que é compreensível, uma vez que em um
espaço temporal de oito anos avançamos quanto à maturidade científica enquanto
pesquisadores. Frente a este novo cenário constatado, fez-se necessário que
revisitássemos parte daqueles mestres anteriormente entrevistados, com a
finalidade de buscarmos novas informações, porém, agora direcionadas a responder
as especificidades desta pesquisa. É importante reafirmarmos a nossa decisão por
não utilizarmos nenhuma das antigas entrevistas realizadas em 2008, pois optamos
construir um novo percurso metodológico que proporcionasse a formação de um
novo acervo documental, e assim, partirmos de um marco zero para nossa presente
pesquisa.
33 “Primeira” porque nesta nossa pesquisa iniciamos tratando nosso acervo pessoal referente as
entrevistas executas em 2008, contudo e como explicamos, decidimos não mais utilizar este material citado, e assim, partimos para novas entrevistas em 2016 juntamente a uma “segunda” fase de transcrição como detalharemos em seguida.
48
Sobre o nosso antigo banco de dados, possuíamos entrevistas com sete (7)
mestres (sendo quatro do judô e três da luta livre/jiu-jitsu34), destes, revisitaríamos
apenas três (3)35e realizaríamos mais duas (2) novas entrevistas36, totalizando,
assim, 05 novas entrevistas. Com respeito às entrevistas, vale ressaltarmos
afirmação de Meihy e Holanda (2014, p. 167) de “que história oral não é só
entrevista, ainda que entrevistas façam parte de uma abordagem da história oral”.
Desta forma, queremos enfatizar que as etapas seguem após a mesma (fases de
pós-entrevistas), e também possuem sua importância enquanto história oral em sua
macro análise metodológica.
Sobre o quantitativo selecionado, entendemos que equalizar a definição
quanto ao número “ideal” de entrevistas que contemplasse a nossa investigação em
sua totalidade não seria tarefa fácil, sobre este quesito, Meihy e Holanda (2014, p.
29), corroboram ao afirmarem que “calibrar o número de entrevistados com o
alcance do projeto é quase uma arte”. Em relação à definição quanto ao número de
entrevistas, Alberti (2005, p. 36) afirma que “deve ser suficientemente significativo
para viabilizar certo grau de generalização de resultados do trabalho”. Concordando
com ela, percebemos que, conforme avançávamos no tratamento das entrevistas
(processos de transcrições e leituras), percebíamos que o número determinado por
nós (cinco no total) não exigia complementação com novos entrevistados, pois
aquilo que tínhamos em mãos contemplava a nossa pesquisa.
Para o novo percurso de entrevistas, determinamos que todas seguiriam um
roteiro de perguntas previamente estabelecido (entrevista semiestruturada), no
intuito de colher o registro de história oral dos mestres aposentados e/ou atuantes
dentro e/ou fora do âmbito escolar formal.Sobre este modelo de roteiro de entrevista
denominado como semiestruturada (também conhecido como semidiretiva ou
semidirigida), nos embasamos em Bardin (2011, p. 93) quando diz que “entrevistas
semidiretivas (também chamadas com plano, com guia, com esquema, focalizadas
semiestruturadas), são mais curtas e mais fáceis [...]”, sobre este aspecto,
entendemos que a autora relaciona estas características (curtas e fáceis) ao controle
do tempo e da centralização do tema (foco) por parte do entrevistador durante a 34 Com a decisão por realizarmos novas entrevistas, não foi necessário refazermos as mesmas com
os mestres Jurandir Moura, Francisco Arruda e nem o José Gomes, pois agora contemplaríamos apenas o objeto Judô e não mais a luta livre e/ou o JiuJitsu.
35 Na ocasião, foram revisitados os mestres: Tadao Nagai, Diógenes Moraes e Hayashi Kawamura. 36 Dos novos entrevistados em comparativo ao antigo banco de dados de 2008, tivemos a
oportunidade de entrevistar os senseis Marco Aurélio e Byung Kuk Lee.
49
intervenção prática. Corroborando com nosso entendimento, Matos e Senna (2011,
p. 104) afirma que “a mais indicada é a semidirigida, é um meio termo entre a fala
única da testemunha e o interrogatório direto”. Segundo este autor, conceitualmente,
o que ele denomina como “dirigida”, seria a que engessa o entrevistado a um
questionário fechado, e a “não dirigida”, a que pode facilitar o afastamento temático
por parte do entrevistado (por ser muito aberta). Evitando conflitos terminológicos,
optaremos pelo termo conceitual denominado por semiestruturado.
Sobre o roteiro ou guia (Apêndice A) de perguntas selecionadas (aqui,
denominado por semiestruturado), focamos em questões que proporcionassem a
análise não apenas da importância social e histórica destes protagonistas, mas
principalmente, a importância educacional destes para aqueles que vivenciaram os
benefícios educacionais do judô. Assim, objetivamos contemplar um legítimo debate
acerca de aspectos históricos e pessoais dos mestres e do judô recifense e,
também, sobre a educação em si, já que nossa pesquisa está lotada em um
programa de pós-graduação nesta área do conhecimento e, por onde pretendemos
traçar uma interrelação que contemple o judô e os aspectos educacionais envolvidos
nas vivências do judô pela sociedade (praticantes). Sobre o caminho para a
construção do roteiro de perguntas, contemplamos o roteiro com base em
Montenegro (2013, p. 150) que traz à tona a importância de que “as perguntas
devem sempre ter um caráter descritivo e evitar qualquer indução ou juízo de valor
[...] As perguntas devem ser curtas [...]”.
Em relação à seleção dos entrevistados, de acordo com Meihy e Holanda
(2014), devemos pensar em responder ao questionamento “de quem?”, para
justificar a realização da história oral. Desse modo, o autor pede que justifiquemos
as razões pelas escolhas dos entrevistados. Já Alberti (2005) ressalta a importância
de que a escolha dos entrevistados seja guiada inicialmente pelos objetivos de
pesquisa e de seu domínio por parte do entrevistador. A mesma ainda ressalta a
importância de atentar ao aspecto qualitativo quanto ao posicionamento dos
selecionados frente ao seu contexto/grupo social e do significativo de suas
experiências relacionadas ao tema e objeto de pesquisa.
Quanto aos protagonistas selecionados para a nossa pesquisa, os mesmos
foram identificados previamente através de análise de pesquisa documental
realizada com o intuito de traçar aqueles que eram mais mencionados por
praticantes e também, significativamente, presentes em reportagens e recortes
50
históricos de jornais e revistas da época (análise documental), como também,
através de conversas informais com alguns outros mestres que fortaleciam a citação
destes mesmos nomes selecionados na pesquisa.
Dentre os critérios de inclusão para a escolha dos entrevistados,
determinamos que todos os entrevistados deveriam ter sua história, total ou
predominantemente, ligada especificamente à modalidade judô (e não à outras
lutas). Também ficou decidido que, no caso de mestres falecidos, excluiríamos a
possibilidade de entrevistas por terceiros (familiares e/ou amigos), visto que
acreditamos que não teríamos uma boa riqueza de detalhes informacionais. Vale
ressaltarmos que os sujeitos relacionados no quadro 2 (abaixo) foram encontrados
e/ou contatados predominantemente através da utilização de redes sociais
(principalmente Facebook®37 – através de acesso inicial por seus familiares) além de
contatos diretos, onde fomos gentilmente atendidos a partir de agenda pessoal de
contatos através de outros mestres que nos passaram gentilmente os telefones e/ou
endereços dos senseis selecionados para a pesquisa, para que pudéssemos
estabelecer os primeiros contatos.
Ainda sobre os senseis (mestres) selecionados, é importante registrar que
existiam laços sociais de boa convivência entre o pesquisador e os mesmos,
facilitando não só o acesso aos mesmos, como também, um maior conforto e
segurança quanto à amplitude de suas falas, ou seja, daquilo que gostariam de dizer
ao serem solicitados através da entrevista. Sobre este aspecto, Tourtier-Bonazzi
(2006 apud MATOS; SENNA, 2011, p. 104), afirma que “o sucesso da entrevista
depende da relação de amizade – conquistada através de encontros anteriores ao
dia marcado para entrevista – entre a testemunha e o pesquisador”. Já Bosi (2013,
p. 60) alerta que “a entrevista ideal é aquela que permite a formação de laços de
amizade [...] Da qualidade do vínculo vai depender a qualidade da entrevista”.
Compactuamos com esta ideia, haja vista que, mesmo após a coleta das
entrevistas, continuemos em laço afetivo-social junto aos nossos senseis
entrevistados. Esta nossa habilidade comunicacional estabelecida na relação
também é corroborada por Guerra (2014, p. 52):
37 Rede social digital criada em 04/02/2004, mundialmente conhecida e utilizada.
51
Claro que se pretende uma relação de neutralidade face ao conteúdo do que é dito, mas a ética da relação estabelecida nas entrevistas é comunicacional e não apenas racional, pelo que se revelam fundamentais as capacidades de empatia e de interação humana.
De acordo com referências teóricas importantes que atuam no estudo da
história oral e da análise de conteúdo, tais como, Bardin (2011), Bosi (2013), Guerra
(2014), Meihy; Holanda (2014) e Montenegro (2013), a técnica e/ou procedimento de
entrevista é parte crucial em uma investigação qualitativa voltada à coleta de
dados/depoimentos a partir de fontes orais. Contudo, sabíamos de toda
complexidade envolvida neste procedimento metodológico enquanto técnica de
coleta informacional de dados, pois Guerra (2014, p. 52) já nos alertava que “parece
uma questão simples, mas não é. Pedir a alguém que nos conte a sua vida é
complexo [...]”.
Antes de cairmos, de fato, em campo e na prática com as realizações das
entrevistas, tivemos alguns cuidados técnicos prévios, que nos proporcionaram
melhor qualidade em nossos futuros documentos de registros orais. Neste sentido,
criteriosamente, buscamos conhecer previamente o máximo acerca da história dos
nossos entrevistados e também sobre o assunto em pauta. Sobre este quesito existe
um consenso dos autores quanto à importância destes dois cuidados. Corroborando
conosco, podemos citar o que diz Montenegro (2013, p. 151), “o fato de o
pesquisador ter um perfil da história de vida do entrevistado aumenta, de forma
significativa, a compreensão da própria memória do depoente”. Já a Bosi (2013, p.
59) fortalece o nosso cuidado, dizendo que “convém recolher o máximo de
informações sobre o assunto em pauta para formular questões que o estimulem a
responder”.
Quanto ao local das entrevistas seguimos os direcionamentos preconizados
pelos autores. De acordo com Guerra (2014, p. 60), “as entrevistas devem ser
realizadas preferencialmente em local neutro, ou pelo menos de fácil controle pelo
entrevistado”, igualmente, Matos e Senna (2011, p. 104) afirmam que “o lugar
escolhido também é importante para o sucesso da entrevista: deve ser tranquilo,
onde o entrevistado sinta-se a vontade”. Ainda quanto ao aspecto do local a serem
realizadas as entrevistas, selecionamos um trecho da fala de Meihy e Holanda
(2014, p. 56) no qual o autor refere que devemos “[...] sempre que possível, deixar o
colaborador decidir onde gostaria de gravar a entrevista”. Por fim, concordamos com
52
Bosi (2013) no entendimento de que não existirá o lugar ideal, ou melhor, todos
apresentarão prós e contras, como exemplo, podemos citar o ambiente residencial
que, por um lado, poderá ser confortável e hospitaleiro, mas por outro, poderá sofrer
interrupções por parte de familiares. Em suma, caberá sempre uma análise mediada
pelo bom senso e ponderações. Por fim, esclarecemos que todos os locais por onde
realizamos as entrevistas foram, satisfatoriamente, relevantes quanto à qualidade do
ambiente para captação do áudio, assim como, quanto ao ambiente de conforto aos
entrevistados.
Todas as nossas entrevistas foram conduzidas tecnicamente pelo próprio
autor da pesquisa e o local de entrevistas variou entre os espaços de atuação dos
senseis (Dojôs), suas residências ou outros espaços de trabalho, a exemplo de uma
entrevista que fora realizada em uma sala localizada numa instituição de ensino
superior (IES) onde o sensei também trabalhava. Importante ressaltar que o local e
horário foram plenamente decididos de acordo com a disponibilidade e conforto
mencionado por parte do depoente durante primeiro contato para efetivação do
convite (via contato telefônico). Foram entrevistados em seus dojôs (Tadao Nagai,
Hayashi Kawamura); em suas residências (Diógenes de Moraes e Byung Kuk Lee) e
por fim, em seu outro ambiente de trabalho – uma sala da Escola Superior de
Educação Física (ESEF) – o sensei e professor universitário Marco Aurélio Lauriano.
Sobre a duração das entrevistas, de acordo com Guerra (2014, p. 60), “as
entrevistas têm um tempo muito variável, dependente do tipo de pesquisa [...] De
qualquer forma, o tempo desejável para não criar mal-estar no entrevistado é de
duas a três horas”. Neste sentido, atendemos a este requisito, conforme podemos
conferir no quadro 2 desta pesquisa, nossa menor duração foi de média de 22
minutos, e a nossa maior, ficou em torno de 1 hora e 24 minutos. Torna-se
importante ressaltarmos que não gerávamos nenhum tipo de informação quanto a
limites de tempo aos entrevistados e que todas elas fluíram naturalmente e de forma
confortável a todos (entrevistador-pesquisador e entrevistado).
Quanto à captação de áudio durante as entrevistas, existe atualmente um
pleno reconhecimento científico acerca da utilização de recursos tecnológicos. De
acordo com Meihy e Holanda (2014, p. 23):
Até pouco tempo resistia-se às mudanças do sistema analógico para o digital. A conquista de mercado digital, porém, se impôs de maneira definitiva. A reprodutividade técnica e a facilidade de armazenamento e
53
transporte fazem com que, atualmente, não haja dúvida da validade do uso de recursos digitais. Ademais, os expedientes digitais facilitam o arquivamento das entrevistas e seus manejos em programas de computadores.
Para as nossas coletas de entrevistas foram realizados os devidos registros
das mesmas, utilizando-se de equipamentos eletrônicos tais quais, um micro
gravador digital da marca GPx® (DVR540) e, por segurança, contamos também com
mais dois outros gravadores reservas (aplicativo Apple de gravação/captação de voz
presente no celular de marca Iphone®38 5s), como também, um mp3 player da
marca Philips®39. Todos estes equipamentos eletrônicos foram devidamente
colocados em locais importantes dentro do cenário/local da entrevista, visando uma
melhor e segura captação do áudio. O gravador central/principal da pesquisa, da
marca GPx (DVR540), ficou mais próximo do narrador (geralmente no bolso da
camisa dos mesmos), o Iphone® 5s ficou localizado de forma fixa entre o narrador e
o pesquisador, e, por fim, o mp3 player da Philips foi usado como microfone na mão
do pesquisador.
Estas decisões estratégicas quanto aos recursos tecnológicos foram de
extrema importância, uma vez que, nas transcrições (fase pós-entrevistas), foi
possível cruzarmos as informações e tirar dúvidas sobre o que foi dito através do
comparativo de mais de um aparelho. Outro fator importante deve-se ao fato de, em
caso de decisão por uso apenas de um equipamento, incorreríamos no risco de
termos que remarcar entrevistas caso os aparelhos apresentassem problemas
técnicos e/ou que, por motivos não controlados, houvesse falhas de captação da
voz. Entendemos que um eventual processo de remarcação de entrevistas
desgastaria a relação pesquisador-entrevistado, visto que interferiria no cotidiano
destes mestres e em toda sua logística diária.
Quanto à equipe de trabalho, não foi necessário mais que o entrevistador e
seu aparato tecnológico de gravações. Todas as entrevistas foram conduzidas única
e exclusivamente pelo próprio pesquisador, não apenas pela proximidade do mesmo
aos entrevistados, como também pelo domínio pleno da problemática e dos
objetivos de pesquisa, o que garantiu maior rigor metodológico quanto aos
procedimentos técnicos.
38 Fabricado pela empresa Apple Inc. (Estados Unidos da América – EUA). 39 Fabricado pela empresa holandesa de mesmo nome – PHILIPS Inc.
54
Após contato prévio, via ligação telefônica, visando a definição de local,
horários e melhores datas por parte dos entrevistados, passamos a fase de
realização de todas as entrevistas, realizadas através de apenas uma visita/encontro
com cada mestre. Todo procedimento padrão metodológico e sequencial fora
repetido com todos os entrevistados, e incluíam as seguintes etapas: a)
detalhamento da importância do entrevistado à pesquisa; b) leitura do roteiro de
perguntas (semiestruturadas) e do termo de consentimento livre esclarecido (TCLE);
c) esclarecimentos de eventuais dúvidas que surgissem; d) realização da
coleta/entrevista propriamente dita (início da gravação); e) fase final de assinatura
dos documentos; f) agradecimentos e considerações finais por parte do
entrevistador.
Para a nossa pesquisa, todos os sujeitos selecionados a serem
entrevistados assinaram o TCLE (Apêndice B) - onde constam todos os detalhes e
procedimentos da pesquisa e pelo qual os mesmos puderam optar livremente pelo
fornecimento ou negação de informações à pesquisa.
Como dito anteriormente, para esta pesquisa optamos pelo tipo de entrevista
denominada como semiestruturada (Apêndice A), através da qual pudemos traçar
um caminho conceitual e focar na temática a ser desenvolvida, e por onde a mesma
norteou-se através de um determinado roteiro. Em nosso prévio roteiro
(semiestruturado), idealizamos treze (13) perguntas base que seriam agregadas por
outras demandas intrínsecas ao próprio momento da entrevista, ou seja, formulam-
se perguntas sem fugir do assunto, abrindo possibilidades de flexibilidade para que o
entrevistado possa relatar outras ações (caso necessite) e que não se encontram no
roteiro previamente estipulado. Desta forma, justificou-se a variabilidade do tempo
total entre as entrevistas realizadas, conforme podemos conferir no (quadro 2).
Em relação à estipulação das treze perguntas que constam no roteiro
semiestruturado, buscamos contemplar os objetivos da pesquisa, como também o
seu problema em investigação. Em fortalecimento à nossa decisão sobre o roteiro,
evidenciamos a afirmação incisiva de Bosi (2013, p. 55) quando afirma que “no
tocante às técnicas de pesquisa, estas devem ser adequadas ao objeto: é a lei de
ouro. Não conheço outra”. Desta forma, dando conta do objeto de pesquisa em
questão, as perguntas foram estruturalmente divididas em cinco partes sequenciais:
Bloco 1. (Três perguntas relacionadas à gênese do Judô em Recife); Bloco 2.
(Quatro perguntas relacionadas ao processo de educação através do judô); Bloco 3.
55
(Três perguntas relacionadas a especificidade dos aspectos da cultura judoística);
Bloco 4. (Uma pergunta contextualizada no âmbito do debate da sociedade x
violência – aspectos da civilidade); e, por fim, o Bloco 5 (Duas perguntas
relacionadas a reflexões acerca de expectativas para o futuro no que tange ao judô,
pela visão dos mestres). Mais adiante, no tópico 2.4 desta seção, detalharemos
como nos utilizamos da técnica de análise de conteúdo em relação ao tratamento
destes dados informacionais (categorizações das perguntas contidas no roteiro)
colhidos pelas entrevistas.
Durante a fase de entrevistas, ressalta-se que, para o pesquisador, era um
momento de certa forma sublime, onde, mesmo tendo que manter toda exigência
ética e protocolar enquanto investigador científico, não poderia deixar de mencionar
que fora uma fase realizada com muita satisfação por parte do pesquisador e por
onde se faria presente uma exaltação emotiva e natural por parte deste. Conversar
com históricos e reconhecidos mestres de judô, tidos, inclusive, como referencias na
vida do próprio pesquisador, possibilitaram oportunidade ímpar de aproximação
através de cada encontro realizado. Contudo, reforçamos que, seguindo o rigor
metodológico, cumprimos todos os procedimentos necessários a este momento da
pesquisa, sem que fatores pessoais e/ou emocionais por parte do pesquisador,
pudessem influenciar na pesquisa.
Sobre as narrativas coletadas via entrevistas, existiu uma constante
preocupação em relação a possibilidade de que os mestres pudessem falar ao
máximo e naturalmente de acordo com suas memórias. Sobre estes momentos de
entrega de relatos e narrativas, Bosi (2013, p. 64-65) nos atenta ao fato de que “os
lapsos e incertezas das testemunhas são o selo da autenticidade. Narrativas
seguras e unilaterais correm sempre o perigo de deslizar para o estereótipo [...] a
fala emotiva e fragmentada é portadora de significações que nos aproximam da
verdade”. Desta forma, e tomando como base a fala da autora supracitada, sempre
nos mantivemos com a clareza de que os entrevistados nunca poderiam ser
colocados em situações de réus, mesmo que por parte do investigador/pesquisador,
pudesse haver reflexões críticas sobre o fato dos relatos serem integralmente
verdadeiros ou não. Cada um conta a sua verdade, e não é nossa função julgá-los
(BOSI, 2013).
Muitas vezes durante as entrevistas, e devido a capacidade individual de
cada mestre de judô, os mesmos não lembravam alguns detalhes informacionais, o
56
que era totalmente normal devido a fatores do tempo (quanto aos fatos ocorridos) e
da idade dos mesmos. Estávamos, na verdade, preocupados apenas em conhecer
suas histórias, respeitando a capacidade de memória de cada um. Bosi (2013, p. 66)
reforça que “ser inexato não invalida o testemunho, diferentemente da mentira,
muitas vezes exata e detalhista”, desta forma, seguimos sempre na certeza de que
estávamos procedendo corretamente quanto aos procedimentos metodológicos de
entrevistas.
Neste momento, é importante ressaltarmos o procedimento quanto ao
fechamento das entrevistas, no que concerne à formalização documental. Após cada
uma das entrevistas decidimos por colocar em opção, por parte dos entrevistados,
se os mesmos preferiam assinar os documentos finais após terem cedidos seus
depoimentos ou se queriam uma nova visita relacionada à leitura de suas falas e
respectivas autorizações de transcrições. Para tal encaminhamento opcional, nos
baseamos em Montenegro (2013, p. 149), onde o mesmo afirma que “o
entrevistador deverá solicitar, por escrito, autorização para divulgar a entrevista.
Caberá, entretanto, ao entrevistado decidir se assina ao final da entrevista ou
apenas após a transcrição da mesma”. Em nosso caso, todos os cinco optaram por
assinar antecipadamente os documentos relacionados à utilização de suas
entrevistas gravadas, como também de suas transcrições de forma antecipada como
prevê Montenegro (2013).
Vale ressaltar que, do ponto de vista ético, foram respeitadas todas as
ponderações ao longo das entrevistas, onde, na medida em que os mestres se
posicionavam acerca da exclusão de algum aspecto da fala (por algum motivo ou
desejo pessoal), nós anotávamos os minutos e cortávamos durante a transcrição.
Aqui, ressaltamos que foram raríssimas as ocasiões em que houve solicitações
deste tipo.
Também vale destacarmos que decidimos por não anexar as entrevistas
(transcrições) ao final da pesquisa por dois motivos: primeiramente, por julgarmos
desnecessário, por acreditarmos que isso apenas ocasionaria em aumento do
volume quantitativo de páginas; e por analisarmos os dados via software (Nvivo®),
prevendo, assim, que através desta opção metodológica não seriam necessários,
por exemplo, identificarmos a totalidade e/ou trechos de falas nominais aos mestres,
desta forma, preservamos os dados coletados sem perder a qualidade da análise.
Por fim, observamos que todos os mestres entrevistados assinaram devidamente as
57
versões contidas nos Apêndices B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, inseridas no final
desta obra, relativas à participação na pesquisa e demais deliberações burocráticas.
Findado o processo de entrevistas e, consequentemente, de registro das
mesmas, partimos para a fase denominada por transcrição das falas.
A importância das transcrições é endossada por diversos estudiosos de
história oral, de acordo com Meihy e Holanda (2014, p. 24) “não resta dúvida: os
produtos de entrevistas em história oral devem sempre resultar em documentos de
base material escrita, ainda que, em tantos casos, derivados de diálogos verbais”,
sendo assim, entendemos que o propósito maior das transcrições é exatamente o de
propor a documentos escritos que sejam arquivados, ou preferencialmente
analisados pelo pesquisador. Ainda de acordo com o autor, “a passagem do oral
para o escrito compreende, antes de tudo, bom entendimento do que foi falado”
(MEIHY; HOLANDA, 2014, p.135), desta forma, fica claro a interrelação e
sinergismos necessários entre as fases das gravações das entrevistas e o processo
de transcrição das mesmas.
As transcrições representam parte fundamental diante dos processos e
fases que compreendem a metodologia de história oral. Na verdade, é a
concretização de todo um processo onde se reconhece, de fato, o devido registro
documental a partir da passagem do oral ao escrito. De acordo com Meihy e
Holanda (2014, p. 16), “o processo de passagem do oral para o escrito é bastante
complexo e demanda tempo. É necessário esclarecer que o resultado demorará e
que há etapas até chegar a uma solução final”. Enquanto pesquisadores
comprometidos, entendemos que a transcrição representa parte fundamental de um
todo, visto que, somente quando se chega ao texto é que a história oral se
concretiza e que, daí, podemos buscar o caminho para a formação de um corpo
documental a ser trabalhado e analisado.
Sobre esta fase, Guerra (2014) afirma que as transcrições são sempre
aconselháveis, mas que, a depender do tempo disponível ao pesquisador, seja feita
apenas nas entrevistas em profundidade, ou seja, as que exigem que o material seja
analisado e tratado diretamente. Em nosso caso, foram necessárias a realização das
transcrições relacionadas as cinco entrevistas realizadas, visto que as mesmas
exigiam profundidade e criteriosa análise.
Sobre os detalhes no processo de transcrição, Meihy e Holanda (2014, p.
31) alerta que “os cuidados da transposição de um estado da palavra – oral – para
58
outro – escrito, são necessários”. Diante deste alerta, em nosso processo de
transcrição, optamos pelo trabalho minucioso de transpor a fala à escrita de forma
tecnicamente pausada, onde executávamos a passagem do oral ao escrito de forma
gradativa e intermitente40, e assim, até serem concretizadas em sua totalidade de
transcrições. Todas as entrevistas foram transcritas na íntegra, correspondendo à
todas as falas dos colaboradores (senseis), contudo, para maior clareza textual, nos
baseamos nas diretrizes preconizadas por Meihy e Holanda (2014) para facilitar a
compreensão dos leitores, que possibilitam que o pesquisador/transcritor realizasse
pequenos ajustes (cortes e/ou correções) textuais que, eventualmente, possam
dificultar a acessibilidade quanto à leitura do documento escrito construído, mas,
vale ressaltar, que estes eventuais ajustes jamais poderão modificar a essência e a
clareza das mensagens emitidas através do conteúdo falado pelos entrevistados.
O processo de transcrição das entrevistas foi realizado, em sua maioria, pelo
próprio pesquisador e, em alguns poucos momentos, com auxílio técnico (e mesmo
assim, supervisionado pelo pesquisador) de profissional capacitado e ambientado a
nomenclatura própria do meio judoístico41, evitando-se, assim, erros de transcrição
que comprometessem a qualidade da pesquisa. Acreditamos que quanto maior a
aproximação do pesquisador com a sua pesquisa, maior será a qualidade da
mesma, bem como, serão minimizadas as possibilidades de erros. Sendo assim,
mantivemos todo controle dos procedimentos metodológicos em nossas mãos,
desde a execução das entrevistas, passando pelo processo de transcrição e
realizando o tratamento técnico de análise de conteúdo por manuseio de sistema
informatizado.
Atenta-se ao fato de que “é relevante lembrar que só faz sentido discutir o
documento em história oral se for considerada a sua disponibilidade pública”
(MEIHY; HOLANDA, 2014, p. 30). Com respeito a este quesito, sabemos do
comprometimento que uma dissertação de mestrado possui de devolver seus
resultados à sociedade para que faça bom uso de seus achados, e isso faz parte da
responsabilidade social da pesquisa.
40 Como estratégia de transcrição, todas as entrevistas eram cuidadosamente escutadas e daí
pausadamente o transcritor ia digitando as partes em sequencia. Isso repetido em cada entrevista. 41 Este cuidado faz com que possamos obter maior qualidade no método de transcrição, visto que a
língua mãe do judô é a japonesa e por isso justifica-se a utilização de transcritores (técnicos) familiarizados ao meio.
59
No tópico adiante desta seção, será detalhadas etapas metodológicas
relacionadas à técnica de análise de conteúdo por utilização de recurso
informatizado, como também, o apoio através da pesquisa documental.
Segue abaixo (quadro 2), a relação de entrevistas realizadas.
Quadro 2 – Entrevistas realizadas
Nº
SENSEIS INÍCIO NO JUDÔ
DATA DE NASCIMENTO
DATA DAS ENTREVISTAS
TEMPO DE ENTREVISTA
1
DIÓGENES MORAES
Iniciou em
1947
02/03/1930 28/09/16 26min: 06seg
2
HAYASHI KAWAMURA
Iniciou em
1947
26/08/1936 23/09/16 23min: 30seg
3
TADAO NAGAI
Iniciou em
1946
06/06/1935 23/09/16 22min: 55seg
4
BYUNG KUK LEE
Iniciou em
1950
25/02/1936 29/09/16 01h:
24min:18seg
5
MARCO AURÉLIO DE OLIVEIRA
Iniciou em
1973
14/12/1956 27/09/16 41min: 09seg
Fonte: o autor (2017)
2.4 Técnica de Análise de Conteúdo com Complementação por Pesquisa
Documental
Em nossa pesquisa, entendemos que a história oral nos oferta a base
teórica necessária para alicerçar nossa pesquisa social que, antes de tudo, possui
um lado humanístico guiado através do processo do “escutar o outro”. Não temos
dúvidas que esta filiação teórica permitiu dar saltos qualitativos, onde, através das
entrevistas, foi possibilitado dar voz aos importantes protagonistas desta pesquisa,
os senseis.
Ainda sobre as entrevistas, percebemos que, findada a fase das transcrições
e das inúmeras leituras das mesmas, seria necessário iniciarmos as análises do
novo documento (agora escrito). Sobre a importância desta fase pós transcrição:
60
Para a história oral ser valorizada metodologicamente, os oralistas centram sua atenção, desde o estabelecimento do projeto, nos critérios de recolha das entrevistas, no seu processamento, na passagem do oral para o escrito e nos resultados analíticos. Com um corpus documental estabelecido em cima das entrevistas, pensa-se nas análises que demandam diálogos com outros documentos (MEIHY; HOLANDA, 2014, p. 72).
Um dos grandes desafios da história oral é justamente analisar os sentidos
das mensagens para além do que é registrado em palavras durante os processos de
entrevistas (MEIHY; HOLANDA, 2014).
Ainda de acordo com o referido autor, sabe-se que as entrevistas, quando
isoladas, não falam por si, ou seja, não se sustentam enquanto história oral. É
necessário alinhá-las objetivando compreender os pontos de intercessão entre as
mesmas, que possibilitem possíveis analises acerca de suas dimensões sociais.
A contextualização acima discutida é endossada pela pesquisadora Bosi
(2013, p. 49), quando afirma que “muito mais que qualquer outra fonte, o
depoimento oral ou escrito necessita esforço de sistematização e claras
coordenadas interpretativas”, assim, fortalecemos o nosso entendimento do cuidado
e rigor nesta fase (analise de conteúdo) e, principalmente, a importância da
necessidade que a mesma ocorra em colaboração à metodologia de história oral.
Ainda de acordo com a pesquisadora, é ideal que a colheita de dados (entrevistas)
seja procedida pelo mesmo intérprete (analista), neste sentido, tivemos o cuidado
para que o autor fosse o mesmo agente de ação durante todas as fases da
pesquisa.
O que pretendemos detalhar a partir deste momento são as filiações teórico-
metodológicas ao que concerne exatamente aos procedimentos para
processamentos destas análises e respectivos resultados analíticos anteriormente
citados por Meihy e Holanda (2014).
Dentro de um processo de rigor científico, tornar-se-ia mais interessante
ampliar a metodologia de estudo, integrando a história oral e a técnica de análise de
conteúdo, já bastante compreendida em pesquisas qualitativas, principalmente na
área das ciências humanas, como veremos adiante.
No intento de buscarmos embasamento sólido para o nosso aprofundamento
teórico quanto à técnica metodológica de Análise de Conteúdo, fizemos adesão a
autores referências nesta área do conhecimento, são eles: Bardin (2011); Campos
(2016); Franco (2012); Guerra (2014); Minayo (2007).
61
Enquanto que para os diversos autores, como os citados acima, a análise de
conteúdo já é bem consolidada no meio acadêmico-científico, sabe-se também que
existem cientistas que ainda se opõem à sua utilização. Sobre isso, Campos (2016,
p. 325) afirma que “há ainda nos meios acadêmicos autores e professores aos quais
falta conhecimento teórico-científico para criticar a análise de conteúdo, e que o
fazem sem ao menos possibilitar um diálogo”.
Franco (2012), justificando o quanto é antiga a análise do conteúdo, afirma
que, historicamente, símbolos, sinais e “mensagens de Deus” compreenderiam as
primeiras tentativas interpretativas no sentido de entender o significado das mesmas
através de textos bíblicos. Lembra ainda que estes são compostos por linguagem
pautada em metáforas e parábolas. Neste sentido, Campos (2016) afirma que,
enquanto prática milenar, a interpretação de textos bíblicos só pode ser entendida
através da interpretação, já que sua linguagem é metafórica. Observa-se que não é
recente na humanidade a busca interpretativa da linguagem. Vale enfatizar que os
avanços teóricos permitem entendermos que a análise de conteúdo vem sendo
reconhecida e consolidada na ciência enquanto procedimento metodológico.
Ainda de acordo com Campos (2016), sabe-se que o desenvolvimento da
análise de conteúdo ocorreu nos Estados Unidos, no início do século XX, por H.
Lasswell, agente responsável por “analisar” e medir o sensacionalismo contido em
manchetes de jornais, revistas e propagandas na segunda guerra.
Buscando conceituar a análise de conteúdo, Campos (2016, p. 322) afirma
que “analisar o conteúdo de uma entrevista, de uma fala, de uma observação
realizada exigirá que o pesquisador esteja aberto para a compressão de que as
palavras tem muito mais a dizer do que dizem”. Neste sentido, compreendemos que
aquilo que é dito/falado, permite compreensões e interpretações que exigem critérios
sistematizados enquanto pesquisa. Franco (2012, p. 21) afirma que “o ponto de
partida da análise de conteúdo é a mensagem, seja ela verbal (oral ou escrita),
gestual, silenciosa, figurativa, documental ou diretamente provocada.
Necessariamente, ela expressa um significado e um sentido”. Guerra (2014) reforça
que a análise de conteúdo é uma técnica e não um método e a conceitua mais
tecnicamente:
Tem uma dimensão descritiva que visa dar conta do que nos foi narrado e uma dimensão interpretativa que decorre das interrogações do analista face a um objeto de estudo, com recurso a um sistema de conceitos teórico-
62
analíticos cuja articulação permite formular as regras de inferência42 (GUERRA, 2014, p. 62)
Quando falamos em análise de conteúdo, temos que compreender que
estamos falando de técnicas para interpretar mensagens. Neste sentido, Campos
(2016, p. 322) explica que a análise de conteúdo visa “possibilitar que o pesquisador
se sinta atraído pelo que está escondido, pelo latente, pelo que está pronto a se
fazer presente, desde que haja habilidade por parte do ouvinte, do observador”.
Ainda, segundo o mesmo autor, esta capacidade e/ou habilidade interpretativa
deverá ser realizada dentro dos rigores científicos de quem se propõe a fazer
ciência.
Através de uma compreensão ampla do homem, permeada pelas ciências
humanas, a análise de conteúdo exigirá que “se compreenda que o homem, mais do
que fruto do meio, é agente que influencia, bem como, é influenciado pelo meio”
(CAMPOS, 2016, p. 326). Sendo assim, temos que enxergar um pertencimento a
uma teia relacional que permite aos depoentes da pesquisa que, através de trocas
comunicativas e interpretativas, influenciem e sejam influenciados na construção do
conhecimento.
De acordo com Bardin (2011, p. 44), “a análise de conteúdo aparece como
um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos
sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens”. Ainda segundo
a autora, a intenção “é a inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção (ou, eventualmente, de recepção), inferência esta que recorre a
indicadores (quantitativos ou não)”.
Ante ao exposto, vale ressaltar que as inferências dizem respeito à
comunicação, que, de acordo com Franco (2012, p. 26, grifo do autor), “é composta
por cinco elementos básicos: uma fonte ou emissão; um processo codificador que
resulta em uma mensagem e se utiliza de um canal de transmissão; um receptor, ou
detector da mensagem, e seu respectivo processo decodificador”.
Partindo do pressuposto de que interpretar está intimamente relacionado à
capacidade de produzir inferências sobre o que está sendo analisado, fazemos
adesão ao entendimento de Campos (2016, p. 322) quando menciona que a
inferência “é advinda da dedução, da compreensão do significado no qual o 42 Entende-se por inferência, operação lógica, pela qual se admite uma proposição em virtude da sua
ligação com outras proposições já aceitas como verdadeiras (BARDIN, 2011).
63
pesquisador se debruça para, como que com uma lupa, desvendar a fala, as ações
ocorridas”, o que acaba corroborando com Bardin (2011, p. 45) quando afirma que o
analista “é como um arqueólogo. Trabalha com vestígios: ‘documentos’ que pode
descobrir ou suscitar”.
Justamente devido à importância do pesquisador, enquanto analista à frente
da pesquisa, pressupõe, por parte deste, o domínio das técnicas de entrevistas,
dirigidas, semidirigidas ou abertas (CAMPOS, 2016).
Diante destes pressupostos teóricos explanados e do intento de justificarmos
nossa adesão à técnica de análise de conteúdo, faz-se necessário afirmar que
realizamos, após as devidas transcrições, extenuantes leituras e releituras daquilo
que fora transformado em linguagem escrita. Esta fase das leituras documentais (e
consequentemente, desenvolvimento da capacidade interpretativa) das falas cedidas
por nossos mestres de judô foram importantes, pois segundo Campos (2016, p. 323)
“para que ocorra uma correta compreensão, a análise exige sempre leituras, e não
apenas uma leitura dos dados contados”. Com isso, pretende-se aguçar o olhar do
cientista que, quase que microscopicamente, permite enxergar nas entrelinhas do
processo (CAMPOS, 2016).
Enquanto técnica de pesquisa, a análise de conteúdo tem determinadas
características metodológicas, são elas: objetividade, sistematização e inferência.
Daqui em diante detalharemos o desenho procedimental trilhado pela pesquisa
quanto às etapas envolvidas na execução da técnica de análise de conteúdo.
De acordo com Bardin (2011) e Minayo (2007), quanto à organização da
análise, ela se divide em três fases (ou polos) cronológicas, são elas: a) pré-análise;
b) a exploração do material; c) o tratamento dos resultados, a inferência e a
interpretação.
Embasando-se nas duas autoras supracitadas, buscamos partir para a pré-
análise, realizando a organização propriamente dita dos documentos, dando conta
de realizar as seguintes missões: escolha dos documentos, retomada das hipóteses
e dos objetivos da pesquisa, e elaboração de indicadores que fundamentem a
interpretação final.
Iniciando a pré-analise, realizamos a denominada leitura “flutuante” (leitura
extenuante visando maior aproximação com os textos a serem analisados), em
seguida, quanto às escolhas dos documentos, delimitamos o material a ser
64
analisado objetivando a constituição do corpus43 documental, para tal, guiamo-nos
por Bardin (2011), seguindo algumas regras desta fase: Regra da exaustividade (ao
definirmos o campo do corpus, buscamos dar conta de todos os elementos deste,
esgotando a totalidade da comunicação, do acervo e da coleção); Regra da
representatividade (buscou-se uma amostra representativa do universo inicial);
Regra da homogeneidade (os documentos referiam-se ao mesmo tema e seguiram
critérios precisos de escolha); e por fim, a regra da pertinência (documentos
adequados enquanto fonte de informação, correspondendo ao conteúdo e objetivo
previstos). Após a “leitura flutuante” e a escolha dos documentos, buscamos retomar
as hipóteses e objetivos preconizados por nossa pesquisa. Neste momento, nossa
intenção foi a de preparar o material no sentido de alinhá-lo (manter-se no foco
investigativo) com a prática técnica da análise em si, que viria a ocorrer
posteriormente, e que detalharemos melhor ainda nesta seção. Fechando a pré-
análise, buscamos fazer referência aos índices e a elaboração de indicadores, como
veremos adiante. Isso significa que, para a pesquisa, foram levantados os temas e
mensagens mais relevantes (índices) onde, através da frequência (indicador),
buscamos analisar a importância e representatividade em que estes ocorriam nos
documentos.
Visando a cronologia de fases de nossa organização de análise e passado a
fase da pré-analise, ainda realizamos a exploração do material (BARDIN, 2011), que
consiste na definição das categorias e da codificação. Nesta fase, de acordo com
Minayo (2007), é o momento em que se codifica o material; realiza-se inicialmente
um recorte do texto; logo após, definem-se regras de contagem; e, por fim,
classificam-se e agregam-se os dados, objetivando organizá-los em categorias
teóricas ou empíricas. De acordo com Bardin (2011, p. 131):
Não é mais do que a aplicação sistemática das decisões tomadas. Quer se trate de procedimentos aplicados manualmente ou de operações efetuadas no computador44, o decorrer do programa completa-se mecanicamente. Esta fase, longa e fastidiosa, consiste essencialmente em operações de codificação, decomposição ou enumeração, em função de regras previamente formuladas.
43 De acordo com Bardin (2011, p. 126) “é o conjunto dos documentos tidos em conta para serem
submetidos aos procedimentos analíticos”. 44 Aqui vale ressaltarmos, que ainda durante esta seção referente a metodologia, justificaremos a
decisão em relação ao uso do computador previsto por diversos autores quando ao tratamento de dados qualitativos na análise do conteúdo.
65
Contextualizados na fase de exploração do material, partimos para a
codificação em nossa análise. De acordo com Bardin (2011, p. 133, grifo do autor),
“torna-se necessário saber a razão por que se analisa e explicitá-la de modo que se
possa saber como analisar [...] Tratar o material é codificá-lo”. Buscando responder
a autora, justificamos a decisão por analisarmos tendo em vista a relevância e
pertinência dos dados em nossa pesquisa, assim como, por pretendemos detalhar
os encaminhamentos acerca de como analisaremos a mesma. A codificação
corresponde a uma identificação que permite atingir uma representação de conteúdo
e de sua expressão (BARDIN, 2011).
Buscando codificar os nossos dados a serem analisados, surgiu o desafio de
definirmos as unidades de análise. Bardin (2011, p. 134) afirma que “a escolha das
unidades de registro e de contexto deve responder de maneira pertinente
(pertinência em relação às características do material e face aos objetivos da
análise)”, desta forma, ao nos debruçarmos e imergirmos na teoria da análise de
conteúdo fizemos adesão teórica as denominadas unidades de registro que,
segundo a autora supracitada, “é a unidade de significação codificada e corresponde
ao segmento de conteúdo considerado unidade de base, visando a categorização e
a contagem frequencial” (BARDIN, 2011, p.134). Dentro desta (contagem
frequencial), em nossa pesquisa, optamos por filiação à unidade de registro
referente, predominantemente, ao tema, pois não descartamos as eventuais
análises relacionadas a unidades de registros previstas, tais como a palavra, o
personagem, o acontecimento, o documento, dentre outros.
A adesão maior à análise temática deve-se à realidade contextual de nossos
principais documentos, utilizados pela análise de conteúdo (que neste caso, são as
transcrições das entrevistas com os mestres), e aos objetivos de pesquisa a serem
investigados. Para tal decisão, nos embasamos em autores, como Franco (2012, p.
45), que afirma que as unidades de registro relacionadas ao tema “envolve não
apenas componentes racionais, mas também ideológicos, afetivos e emocionais”,
fato este, bastante contextualizado nas entrevistas (fontes orais materializadas em
fontes escritas). O mesmo autor nos informa que “o tema é considerado como a
mais útil unidade de registro, análise de conteúdo” (FRANCO, 2012, p. 45).
Neste momento, vale resgatarmos algumas aproximações teóricas quanto
aos métodos e técnicas preconizados para a presente pesquisa. Desta forma,
resgatamos que fora citado e detalhado, no início desta seção, que a nossa
66
pesquisa quanto ao tipo de história oral foi desenvolvida através da história oral do
tipo temática, ou seja, a que delimita um tema (em nosso caso a relação Judô e a
interrelação com a Educação) e constrói sua entrevista ao redor deste. Faz-se,
portanto, necessário ressaltarmos que, quanto à técnica de análise de conteúdo
optamos pela vertente temática, pois, segundo Minayo (2007, p. 316), “a análise
temática consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma
comunicação cuja presença ou frequência signifique alguma coisa para o objetivo
analítico visado”. Bardin (2011, p. 135) corrobora, fortalecendo a ideia, pois “fazer
uma análise temática consiste em descobrir os ‘núcleos de sentido’ que compõem a
comunicação e cuja presença, ou frequência de aparição, pode significar alguma
coisa para o objeto analítico escolhido”. Desta forma, reafirmamos adesão à análise
temática porque é considerada apropriada para as investigações qualitativas, além
de ser simples e eficaz ao nosso tipo de estudo.
Ainda no tocante à fase da técnica de análise de conteúdo no que refere-se
a exploração do material, enfatizamos, a seguir,acerca da sua categorização.
Segundo Franco (2012, p. 63), “a criação de categorias é o ponto crucial da análise
de conteúdo [...] Formular categorias, em análise de conteúdo é, via de regra, longo,
difícil e desafiante”. Conceitualmente, podemos compreender a categorização como
“uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto por
diferenciação e, em seguida, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com
critérios previamente definidos” (BARDIN, 2011, p. 147). De forma mais objetiva,
podemos esclarecer que as unidades de registro (temas, palavras etc.) são
agrupadas em classes/categorias (em razão das características comuns destes
elementos), alocadas sob um título genérico, e ainda, de acordo com critérios de
categorização. No caso desta pesquisa, filiamo-nos ao critério semântico, que diz
respeito às categorias temáticas. Podemos citar, como exemplo, que todos os temas
que significam disciplina ficam agrupados na categoria “disciplina”, enquanto que os
que significam indisciplina ficam agrupados sob o título conceitual de “indisciplina”.
De acordo com Bardin (2011), a categorização é um processo de tipo estruturalista e
comporta duas etapas: o inventário (isolam-se os elementos comuns); e a
classificação (repartem-se os elementos e impõem-se certa organização às
mensagens). Guiando-nos através de Guerra (2014), também podemos dizer que,
quanto a técnica optada, a nossa pesquisa classifica-se também como uma análise
de conteúdo tradicional, que por onde, segundo a autora,
67
[...] são identificados os corpus centrais da entrevista a analisar em profundidade e, com recurso à identificação e à contagem de categorias e subcategorias, faz-se uma análise de conteúdo temática. Volta-se ao material original registrado na gravação e já transcrito, e recompõem-se os fragmentos do discurso dispersos ao longo do texto (GUERRA, 2014, p. 83).
Desta forma, através da análise descritiva, tem-se a intenção de contar ao
leitor o que nos disseram os entrevistados, mas, ao invés de divulgar todas as
opiniões, agregam-se as diferentes lógicas (interseções das falas) do que nos foi
contado pelos entrevistados (GUERRA, 2014).
Quanto à análise categorial, sabe-se que é a mais utilizada e funciona
através de operações de desmembramento do texto em unidades, em categorias,
segundo reagrupamentos analógicos (BARDIN, 2011). Ainda de acordo com a
pesquisadora, “entre as diferentes possibilidades de categorização, a investigação
dos temas ou análise temática, é rápida e eficaz na condição de se aplicar a
discursos diretos (significações manifestas) e simples” (BARDIN, 2011, p. 201).
Diante do exposto, fortalecemos nossa decisão metodológica para a presente
pesquisa.
Como última fase cronológica prevista e mencionada por Bardin (2011), nos
deparamos com a etapa de tratamento dos resultados, da inferência e da
interpretação. De acordo com a teórica Bardin (2011, p. 131), acerca desta etapa:
Os resultados brutos são tratados de maneira a serem significativos (‘falantes’) e válidos. Operações estatísticas simples (percentagens), ou mais complexas (análise fatorial), permitem estabelecer quadros de resultados, diagramas, figuras e modelos, os quais condensam e põem em relevo as informações fornecidas pela análise.
No processo final das análises se encontram as inferências (já debatidas
nesta seção), e por fim, as interpretações analíticas. Vale lembrarmos que as
inferências levam às interpretações, e que as interpretações são sempre no sentido
de buscar o que se esconde sob os documentos selecionados. A interpretação
representa a leitura profunda das comunicações, indo além da leitura aparente
(BARDIN, 2011).
Sobre esta última fase do processo cronológico e gradativo da análise de
conteúdo, é importante ressaltarmos que toda codificação e categorização de nossa
pesquisa, assim como o tratamento dos resultados, serão melhor detalhados e/ou
especificados no item (2.5) da parte final da presente seção. Em relação às
68
inferências e interpretações de nossos achados, serão devidamente discutidos na
seção 4 que versa sobre análise e discussão dos dados.
Conforme mencionamos para esta seção, neste momento vamos tratar,
objetivamente, da forma como procedemos com o apoio metodológico da pesquisa
documental ao nosso estudo.
Conforme relatamos no início desta seção, fizemos filiação teórico-
metodológica à história oral híbrida (conceituada pelos pesquisadores Meihy e
Holanda (2014),) que representa a associação das fontes orais (entrevistas)
apoiadas pelo diálogo e interação junto a outros tipos de fontes ou documentos
(iconográficos, historiográficos, filosóficos, literários ou outros). Diante desta adesão,
buscamos apoio em Gil (2008, p. 51) onde o mesmo ressalta que “a pesquisa
documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico,
ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa”.
De acordo com o mesmo autor, “essas fontes documentais são capazes de
proporcionar ao pesquisador dados em quantidade e qualidade suficiente para evitar
a perda de tempo e o constrangimento que caracterizam muitas das pesquisas em
que os dados são obtidos diretamente das pessoas” (GIL, 2008, p. 147), neste
sentido, o apoio documental possibilitou um “reforço” qualitativo quanto ao conteúdo
do estudo.
Para realização deste trabalho foram utilizados como fontes documentais,
arquivos pessoais de vídeos, fotos e matérias, livros, periódicos, artigos científicos,
jornais, revistas, fotografias, atas, regimentos e documentação oriundos das
entidades reguladoras esportivas, para coleta e análise de dados sobre os fatores
que relacionam a histórias dos mestres (senseis) e que, possivelmente,
influenciaram o processo judoístico educacional presente na prática do Judô e suas
consequências na formação de crianças e jovens praticantes na cidade de Recife.
Segundo Chizzotti (1998, p. 18), “A pesquisa documental visa responder as
necessidades objetivas da investigação [...]” e “[...] é parte integrante de qualquer
pesquisa sistemática e precede ou acompanha os trabalhos de campo”. Enquanto
critérios elencados para decisão acerca dos locais das fontes a serem consultadas,
afirmamos adesão por aqueles que possuíssem, em seus acervos, informações
relacionadas ao tema da pesquisa. Esta análise/consulta fora realizada no início
desta pesquisa, ainda em fase de elaboração do projeto para qualificação da
mesma.
69
As pesquisas foram realizadas junto aos seguintes órgãos institucionais e
setores específicos: Arquivo Público do Estado de Pernambuco; Associação Cultural
Japonesa do Recife (ACJR); Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil;
Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e Assistência Social; Escola Superior de
Educação Física da Universidade de Pernambuco; Curso de Educação Física da
UFPE; Biblioteca do Centro de Educação da UFPE; Biblioteca Pública do Estado de
Pernambuco; Federação Pernambucana de Pugilismo; Federação Pernambucana
de Jiu-jitsu; Federação Pernambucana de Judô e Liga Pernambucana de Judô,
dentre outros órgãos de informação e pesquisa.
Quanto às fontes documentais, reafirmamos a utilização de arquivos
pessoais (dos entrevistados e do pesquisador)–matérias de sites, jornais e revistas
especializadas acumuladas pelo pesquisador, como também, acervo fotográfico
pessoal. Sobre isso, Belotto (2006, p. 266) ressalta:
Podem-se definir arquivos pessoais como o conjunto de papéis e material audiovisual ou iconográfico resultante da vida e da obra/atividade de pessoas cuja maneira de pensar, agir, atuar e viver possa ter algum interesse para as pesquisas nas respectivas áreas onde desenvolveram suas atividades; ou ainda, pessoas detentoras de informações inéditas que, se divulgadas na comunidade científica e na sociedade civil, trarão fatos novos para as ciências, a arte e a sociedade.
Entendemos que os arquivos/documentos coletados e acumulados
favorecerão aos setores mencionados pela autora supracitada e, em nosso caso,
cumprirão a missão de interesse de pesquisas na área do judô, assim como,
pretendemos, através da elucidação das histórias de cada sensei (atores sociais de
nossa pesquisa) e a partir de suas divulgações nos meios científicos e da sociedade
civil, acrescentar conhecimento ao âmbito da ciência, da arte e da sociedade.
Desta forma, o nosso pensamento acerca dos arquivos pessoais recebidos
enquanto pesquisador, e aqueles doados à própria pesquisa, convergem e são
defendidos pela pesquisadora anteriormente citada, já que a mesma reforça-nos o
conceito de que os arquivos pessoais estão embutidos na definição geral dos
arquivos privados, pois quando se afirma tratar-se de papéis produzidos/recebidos
por entidades ou pessoas físicas de direito privado, compreende-se desta forma
(BELOTTO, 2006).
70
2.5 Sistemas Informatizados em Tratamento de Dados Qualitativos: opção pela
Utilização do NVivo®45
Neste último sub tópico da seção acerca da metodologia de trabalho,
pretendemos explorar os detalhamentos oriundos de nossas escolhas sobre a
utilização de formas, que de certo modo, apresentaram-se inovadoras ao nosso
programa de pós-graduação. Debateremos nosso embasamento teórico envolvido
nesta escolha metodológica que se refere ao tratamento dos dados coletados via
metodologia da história oral (coletadas por técnicas de entrevistas) e técnica de
análise de conteúdo, porém, como foi dito, por utilização de recurso tecnológico
informatizado e voltado ao tratamento de dados qualitativos de pesquisa.
É importante ressaltarmos que nossa decisão sobre a utilização desta
ferramenta se deu mediante o intento de buscar a inovação a partir de recursos
contemporâneos, cientificamente embasados por pesquisas recentes, como
veremos a seguir.
Para iniciarmos o presente debate é importante refletirmos criticamente
sobre duas passagens da pesquisadora Laurence Bardin (principal referência em
análise de conteúdo), citadas em sua principal obra. A primeira, ela menciona que “a
análise qualitativa não rejeita toda e qualquer forma de quantificação” (BARDIN,
2011, p. 146), desta forma, compreendemos que ao nos posicionarmos com
sistemas informatizados que auxiliem nossa pesquisa e tratem os dados qualitativos
ofertando respostas também quantitativas não oferta nenhum descrédito a pesquisa,
pelo contrário, a fortalece do ponto de vista do rigor e do método. Na segunda
passagem da autora, enquanto a mesma debate tecnologia em sua obra, nos traz a
seguinte afirmação: “além disso, com certo nível de complexidade, nos próximos
anos espera-se muito da inteligência artificial e dos sistemas especializados”
(BARDIN, 2011, p. 196). Neste momento intentamos despertar ao leitor desta
dissertação para uma abertura de pensamento através de reflexão crítica, pautada
na contemporaneidade quanto aos avanços dos métodos tradicionais de pesquisas
nas ciências humanas, como também, ao reconhecimento de autores clássicos em
relação a estes avanços.
45 Marca registrada da empresa QSR International PtyLtd. Para maiores informações, acessar:
www.qsrinternational.com.
71
No tocante à utilização destes recursos em âmbito nacional, Vosgerau
(2012) ressalta que “a utilização de recursos informáticos para a análise de dados
quantitativos data de, ao menos, meio século, contudo, o uso de ferramentas
informáticas na análise de dados qualitativos ainda é um desafio, em grande parte,
para as instituições de pesquisa, principalmente as brasileiras”. Isso apenas reforça
nossa escolha quanto a uso dos recursos informáticos para análise qualitativa
denominados Qualitative Data Analyses Softwares (QDAS)46.
Ainda de acordo com a autora supracitada, no final da década de 80 uma
importante pesquisadora chamada Renata Tesch, pioneira no uso dos recursos
informáticos para análise qualitativa, defendera que, através de suas conclusões de
pesquisa nesta área, justificava seu uso “declarando que a análise assistida pelo
computador pode reduzir o tempo de análise, suprimir muitas das tarefas
enfadonhas da análise, tornar os procedimentos mais sistemáticos e explícitos,
assegurar um trabalho mais exaustivo e detalhado e ainda facilitar a revisão dos
procedimentos de análise” (TESCH apud VOSGERAU, 2012).
Ainda nos referindo ao embasamento teórico existente, e que investigam a
utilização de sistemas informatizados ou computadorizados (também comumente
chamados de software) em pesquisas qualitativas, é importante relatar uma surpresa
em nossa pesquisa. Durante as leituras dos estudos percebemos que existiam
clássicos da análise de conteúdo que já previam a utilização destes recursos em
suas projeções de futuro nestes tipos de pesquisa. Sobre isso, resgatamos um
trecho em que Bardin (2011, p. 31) discute, ainda no ano de 1977 (lançamento de
sua obra), sobre as tendências atuais para a análise de conteúdo, afirmando que a
mesma “[...] se multiplica às aplicações, marca um pouco o passo, ao concentrar-se
na transposição tecnológica, em matéria de inovação metodológica”. Desta forma,
fica nítida a postura da autora quanto a utilização da tecnologia em pesquisas
qualitativas de análise de conteúdo, ademais, a mesma autora complementa seu
posicionamento explicitando que o uso de computadores tem consequências
positivas sobre a prática da análise de conteúdo, são elas: a rapidez; acréscimo de
rigor na organização da investigação; reforço positivo ao objetivo geral da técnica de
análise de conteúdo; flexibilidade da técnica (permeabilidade dos dados); facilitação
no armazenamento, reprodução e troca de dados entre investigadores; possibilidade
46 Da tradução: “Sistemas de análise de dados qualitativos”.
72
de manipulação de dados complexos; e por fim, estimulação à criatividade, já que o
analista se ver livre de tarefas laboriosas, longas e estéreis (BARDIN, 2011).
Corroborando com a discussão, nos utilizamos de Franco (2012), para
ressaltarmos que recentes programas computadorizados podem ser utilizados como
auxílio para uma eficiente análise de conteúdo, pois, segundo o mesmo, estes
programas possuem lógica embutida que permitem dar conta da dimensão central
da análise de conteúdo. Outro ponto importante a ser ressaltado é que, como
trabalharemos com unidades de registro (temas e palavras), percebemos que,
mesmo tendo gerado muitos dados destas unidades, o advento do software, de
certa forma, atenuou nossas dificuldades quanto ao tratamento dos mesmos.
Por fim, ainda referindo-se ao campo teórico clássico envolvido em justificar
a análise de conteúdo através do uso de sistemas informatizados, apoiamo-nos na
pesquisadora portuguesa Isabel Carvalho Guerra, pois, neste debate, a mesma
menciona que limitações técnicas relacionadas à capacidade humana de tratar
grandes quantidades de dados qualitativos (por exemplo, entrevistas) são atenuadas
devido ao uso destas ferramentas, haja vista que, sendo cada vez amigáveis, estão
a mudar rapidamente estes panoramas de dificuldades quanto a estes tipos de
pesquisas (GUERRA, 2014).
Ante o exposto, a partir deste momento apresentaremos mais
especificamente sobre o software NVivo® (versão NVivo 11 Pro for Windows®47), no
qual escolhemos48 para a nossa pesquisa. Desta forma, buscaremos também
apresentar recentes estudos que comprovam a eficácia de sua utilização em
pesquisas semelhantes à nossa.
De acordo com o próprio “Guia de iniciação da edição Pro para
Windows®”49, quanto à utilização do mesmo em pesquisas qualitativas, afirma-se
que:
47 Marca registrada da Microsoft Corporation (Estados Unidos). 48 Ressaltamos que para utilização plena em nossa pesquisa, foi feito investimento na compra de
uma chave anual do referido software internacional (versão original e oficial) em moeda estrangeira (dólar), este procedimento se deu através do próprio pesquisador que utilizou-se de parcela financeira de sua bolsa de estudo CAPES para efetivar a compra do mesmo no próprio site da empresa criadora do site.
49 “Getting Started Guide Pro Edition” adquirido em 2016 (versão em português), no seguinte link: http://download.qsrinternational.com/Document/NVivo11/11.3.0/en-US/NVivo11-Getting-Started-Guide-Pro-edition.pdf.
73
Muitos pesquisadores qualitativos estão interessados em avaliar, interpretar e explicar fenômenos sociais. Eles analisam dados de entrevistas, pesquisas, anotações de campo, páginas na internet e artigos em revistas científicas e trabalham em vários setores; desde ciências sociais e educação até saúde e negócios [...] NVivo® não favorece uma metodologia em particular. Ele foi desenvolvido para facilitar técnicas qualitativas comuns para organizar, analisar e compartilhar dados, independentemente do método usado (QSR INTERNATIONAL, 2016, p. 5)
Ainda de acordo com o referido guia, a versão adquirida (PRO) se apresenta
como uma sofisticada50 ferramenta de pesquisa com tudo aquilo que é necessário
para análise de todas as formas de dados não estruturados. Contudo, é feito um
importante alerta pelo fabricante: “Lembre-se de que o NVivo® pode ajudar você a
gerenciar, explorar e encontrar padrões em seus dados, mas não substitui seu
conhecimento analítico”(QSR INTERNATIONAL, 2016, p.7). Esta observação é
importante, pois também é corroborada por outros pesquisadores da área de análise
de conteúdo, como Bardin (2011), Franco (2012) e Guerra (2014). De acordo com
todos estes, os recursos tecnológicos possuem diversos benefícios à pesquisa, mas
não excluem o importante e necessário trabalho humano enquanto pesquisador,
onde cabe a este transcrever as entrevistas e categorizá-las manualmente,
buscando alimentar o sistema visando uma boa codificação dos dados e,
consequentemente, maior eficiência no processamento dos dados e colheita de seus
resultados. Também, de acordo com Alves, Figueiredo Filho e Silva (2015, p. 124),
“os programas computadorizados facilitam o processo analítico dos dados, porém
não substituem a responsabilidade do pesquisador na interpretação substantiva dos
resultados”.
Ainda sobre o NVivo®, Alves, Figueiredo Filho e Silva (2015) busca
enaltecer e justificar o uso da ferramenta associada a técnica de análise de
conteúdo. Dada a aproximação teórico-conceitual com a nossa pesquisa,
entendemos e classificamos o contemporâneo estudo como importante dentro de
nosso referencial teórico destinado a justificar nossas opções metodológicas para a
pesquisa. De acordo com os autores:
O NVivo é um programa para análise de informação qualitativa que integra as principais ferramentas para o trabalho com documentos textuais, multimétodo e dados bibliográficos. Ele facilita a organização de entrevistas,
50 De acordo com a fabricante (QSR International), mais de um milhão de pessoas em 150 países
usam o programa, ou seja, é utilizado em praticamente todas as áreas, dentro e fora das universidades.
74
imagens, áudios, discussões em grupo, leis, categorização dos dados e análises. Na parte de dados qualitativos é possível realizar transcrição de vídeos e áudios, codificar texto, análises de redes sociais e/ou páginas da web, entre outros. Já na parte quantitativa tem-se estatística descritiva, inferencial e até mesmo meta-análise(ALVES; FIGUEIREDO FILHO; SILVA, 2015, p. 125).
Outro estudo interessante acerca da temática é o de Mozzato, Grzybovski e
Teixeira (2012), que se propôs a investigar as vantagens da Utilização do NVivo®
em pesquisas qualitativas. Neste, os autores observam:
[...] O corpus (dados brutos) de uma pesquisa só terá sentido ao ser trabalhado pelo pesquisador de acordo com uma técnica de análise apropriada. A aplicação dessa técnica com a utilização de um software auxilia muito o processo, a exemplo da utilização do NVivo® como apoio à ‘análise de conteúdo’ [...] (MOZZATO; GRZYBOVSKI; TEIXEIRA, 2012, p. 4, grifo do autor).
Do ponto de vista do reconhecimento do software no cenário acadêmico, de
acordo com Lage (2011 apud MOZZATO; GRZYBOVSKI; TEIXEIRA, 2012, p. 4):
O NVivo®é um dos softwares mais utilizados no ambiente acadêmico brasileiro, tendo sido adotado por centros de pesquisa da maioria das grandes universidades, como a Unicamp, a USP, a UFRGS, entre outras. No entanto, ainda é baixo o número de pesquisas qualitativas que usam algum tipo de software de apoio.
Concluindo a seção, a partir deste momento detalharemos como
procedemos com a fase de categorização e codificação51 dos dados dentro do
NVivo®. No entanto, as inferências e interpretações dos dados remetidos pelo
programa, assim como, a confrontação dos resultados com os nortes teóricos da
pesquisa, serão detalhados na seção quatro (4), que refere-se a discussão e análise
dos dados.
Contudo, antes de iniciarmos as explicações mais técnicas de nossa
pesquisa já no NVivo®, torna-se importante resgatarmos o entendimento da Bardin
(2011) sobre a análise temática, onde a autora reforça que este tipo consiste em
descobrir os “núcleos de sentido” nas comunicações, e que a presença ou
frequência de aparição poderão ter significados de acordo com os objetivos
analíticos selecionados. Desta forma, compreendemos que a utilização do programa
51 De acordo com o próprio Guia do NVivo®, codificação “é o processo de reunir materiais por tópico,
tema ou caso” (QSR INTERNATIONAL, 2015, p. 6).
75
NVivo® em nossa pesquisa poderá apresentar-nos gráficos esteticamente
interessantes, mas principalmente, relações analíticas que em trabalho manual não
conseguiríamos enxergar ou minimizar as chances de erros de análises. Ainda,
segundo a autora, “os textos dever ser preparados e codificados conforme as
possibilidades de “leitura” do computador e a instrução do programa” (BARDIN,
2011, p. 131).
Diante do exposto acima, iniciamos a fase de importação de dados ao
sistema, enviando todos os arquivos referentes às cinco transcrições na íntegra. A
partir daí, pudemos dar início à fase de codificação dos dados e agregação de
unidades.
A organização estrutural de nossa pesquisa, agora dentro e operando o
próprio NVivo®, se deu primeiramente através da alocação de trechos de cada
entrevista com os senseis (transcrições), estas “partes” foram selecionadas
criteriosamente pelo pesquisador e distribuídos nos “nós” (ou nodes)52 dentro do
programa. Estes “nós” foram categorizados em principais e secundários (sub-nós) de
acordo com o problema da pesquisa e seus objetivos investigativos.
Optamos pelo caminho da “criação” de categorias que, de acordo com
Franco (2012, p. 64), “são predeterminadas em função da busca a uma resposta
específica do investigador”. Desta forma, foram criadas as seguintes categorizações
temáticas para a nossa pesquisa:
a) Gênese do Judô Recifense- (Entrada no Judô; Origem e desenvolvimento
do Judô do Recife; Referências dos senseis).
b) Educação pelo Judô - (Lições educativas do Judô; Princípios Filosóficos
e sua aplicabilidade prática; Complementação à formação educacional;
Judô nas escolas).
c) Cultura Judoística – (Disciplina e Hierarquia; Esportivização do Judô;
Tradicionalismo no Judô).
d) Sociedade e Violência (aspectos civilizatórios do Judô)
52 De acordo com Alves, Figueiredo Filho e Silva (2015, p. 125), “os ‘nós’ funcionam como variáveis
que reúnem informações descritivas do texto, possibilitando a identificação de tendências”. O Guia do NVivo® nos informa que os “nós” são recipientes para sua codificação que representam temas, tópicos ou outros conceitos - eles permitem que você reúna materiais relacionados em um lugar para que possa procurar padrões e ideias emergentes” (QSR INTERNATIONAL 2016, p. 6).
76
e) Expectativas para o futuro do Judô – (Mensagem dos mestres à
comunidade Judoística; Expectativas dos senseis para o futuro).
A forma como os nossos dados coletados se relacionaram durante a nossa
pesquisa podem ser compreendidos através de uma espécie de “teia” gráfica que
representa a interrelação entre nossas fontes (entrevistas) e as respectivas
categorizações de análises criadas para serem posteriormente analisadas em nosso
trabalho. Desta forma, a figura 1, localizada logo abaixo, sintetiza graficamente esta
nossa organização enquanto metodologia (incluindo suas fontes, categorias [nós e
subnós] e suas respectivas ligações [codificações]).
Figura 1 – Interligação entre categorias e fontes (Processo de codificação via software
NVivo®)
Fonte: o autor (2017)
77
Diante das categorizações citadas acima, para a fase de análise dos dados,
optamos por utilizar a técnica de “nuvem de palavras”53 ofertada pelo Nvivo®, pois a
mesma cria pontos de intersecções entre as falas dos entrevistados, de forma que
facilita a visualização dos dados ao pesquisador. Para tal, enquanto análise do
conteúdo, utilizamos a unidade de registro temática (com ênfase nas palavras),
onde, através da frequência com que a mesma ocorria (análise frequencial) entre as
falas dos senseis entrevistados, pudemos inferir analisando a importância de tais
dados qualitativos, assim, propondo considerações sólidas, interpretações e
reflexões críticas pertinentes. Seguindo um padrão de análise, e baseado na análise
frequencial de ocorrência das palavras, decidimos por configurar a produção de
gráfico através do padrão fixo do total de cinquenta (50)54 palavras com maiores
ocorrências percentuais de repetições. Vale ressaltar, que a representação gráfica
contida na técnica de “nuvem” apenas facilita, mas não omite a necessidade e
obrigação de análise interpretativa por parte do pesquisador para emitir suas
inferências quanto ao conteúdo analisado.
Por fim, ressaltamos a importância do detalhamento metodológico minucioso
trilhado por nossa pesquisa e que, nesta seção, fora detalhado em todas as suas
fases. Desta forma, esperamos possibilitar o pleno entendimento por parte do leitor
quanto aos métodos, técnicas, procedimentos e ferramentas utilizadas em nosso
estudo. Quanto ao nosso percurso metodológico, pode-se conferir através da
representação gráfica contida na figura 2, que sintetiza todos os nossos passos no
que compete à metodologia.
53 Na técnica adotada de nuvem de palavras, percebemos que palavras tidas como artigos,
conjunções e/ou preposições gramaticais apareciam demasiadamente e, assim, foram excluídas (filtradas pelo sistema e que configuramos para permitir apenas a aparição de palavras que contivessem a partir de cinco letras), pois não se faziam importantes à pesquisa. Desta forma, conseguimos expor uma nuvem mais “limpa” e com conceitos pertinentes e diretamente relacionados ao objeto da pesquisa.
54 Dentre as configurações de opções de filtragens pelo software, decidimos por este número para facilitar a visualização gráfica, visto que, o nosso número/volume de entrevistas não era tão grande, como ocorre em pesquisas de cunho mais quantitativos (ex: dados de pesquisas epidemiológicas em saúde).
78
Figura 2 – Macro percurso metodológico da pesquisa
Fonte: o autor (2017)
Na seção a seguir, aprofundaremos o debate sobre o judô e sua interrelação
com a educação a partir dos propósitos de Jigoro Kano, criador do judô.
79
3 EDUCAÇÃO E JUDÔ: análise e Compreensões Acerca desta Relação
No contexto atual, o Judô é uma modalidade olímpica praticada em vários
países do mundo, isso deve-se ao professor Jigoro Kano, um indivíduo
reconhecidamente à frente do seu tempo. Enquanto arte marcial, percebemos em
sua gênese que os meios educacionais e acadêmicos foram fundamentais para sua
difusão. É intuito desta seção, buscar esclarecer as aproximações filosóficas entre
os modelos educacionais orientais e ocidentais, como também, traçar a identificação
dentre os ideais sociais e educacionais que permearam as semelhanças de
pensamentos entre Pierre de Coubertin (pai dos jogos olímpicos modernos) e o
Jigoro Kano (criador do Judô). Percebe-se que Kano buscou, através da criação de
seu sistema, difundir possibilidades educativas através dos esportes, mas
principalmente, uma evolução social sólida e possível de ser conquistada através de
uma prática embasada por princípios filosóficos norteadores, e que possibilitem
otimizar a energia mental e física dos praticantes em prol de uma razão social,
humanística, pacífica e de plena convivência entre os indivíduos.
A sociedade é regida por suas regras, costumes e demais variáveis que dão
suporte a uma boa convivência social. Dentro deste contexto, entendemos que a
educação é base para o processo mediador da formação do status social entre os
indivíduos. Diante deste contexto, o judô, prática oriental e educativa de origem
japonesa com importantes preceitos educacionais idealizados pelo seu criador, o
prof. Jigoro Kano, surge como importante meio colaborativo para o que esperamos
em termos de Educação para uma sociedade.
O intento desta seção é proporcionar uma reflexão acerca das relações
existentes entre a educação e os preceitos do Judô, buscando entender suas
aproximações e compreensões, de modo que permita-se encontrar as interseções
entre os mesmos, a fim de esclarecer suas virtudes e relevâncias educacionais.
Percebemos claramente a necessidade de ampliação das discussões acerca
do Judô, extrapolando a discussão tecnicista, tão comum à maioria dos estudos que
o investiga, e assim, contribuir para a ampliação do debate científico pertinente à
área das ciências humanas, mais especificadamente com ênfase na sociologia das
lutas, artes marciais e esportes de combate.
80
3.1 Educação: uma Visão Macro Na literatura existem diversas conceituações sobre o que seria a educação,
contudo, utilizaremos o conceito clássico do Brandão (2013), que é todo
conhecimento adquirido com a vivência em sociedade, seja ela qual for. Sendo
assim, ocorre em diversos ambientes (institucionalizados, ou não) e constantemente.
O mesmo autor defende a ideia de que não existe apenas uma maneira de educar,
pois, através do momento em que se observa, entende, imita e se aprende temos
em curso um processo educativo.
De acordo com Saviani (2013, p. 3), “educação é o ato de produzir, em cada
indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo
conjunto dos homens”. Assim, entendemos que cada indivíduo, ao se relacionar em
um determinado convívio social, acaba por construir um modelo educativo próprio e
pertinente a este coletivo.
Para isso, Brandão (2013, p. 49) afirma que “a educação do homem existe
por toda parte e, muito mais do que na escola, é o resultado da ação de todo o meio
sociocultural sobre os seus participantes. É o exercício de viver e conviver que
educa”.
Tentando uma maior aproximação contemporânea com o que pretende-se
compreender pelo termo educação, fazemos adesão ao conceito mencionado por
Trilla (2008, p. 29), que afirma:
É um fenômeno complexo, multiforme, disperso, heterogêneo, permanente e quase onipresente. Há educação, é claro, na escola e na família, mas ela também se verifica nas bibliotecas e nos museus, num processo de educação à distância e numa brinquedoteca. Na rua, no cinema, vendo televisão e navegando na internet, nas reuniões, nos jogos e brinquedos (mesmo que eles não sejam dos chamados educativos e didáticos) etc. ocorrem, igualmente, processos de educação. Quem educa, evidentemente, são os pais e professores, mas as influências formadoras (ou eventualmente deformadoras) também são frequentementes exercidas por políticos e jornalistas, poetas, músicos, arquitetos e artistas em geral, colegas de trabalho, amigos e vizinhos, e assim por diante.
No âmbito da educação, sabe-se que a aproximação de Jigoro Kano (criador
do Judô) com a mesma era nitidamente transparecida a partir de seus próprios
discursos. Aqui podemos mencionar um deles, de 1916:
81
Quando eu era jovem, após me graduar na universidade, pensei em me tornar primeiro-ministro ou milionário, mas achei que nenhuma dessas opções seria satisfatória. Eu concluí que a educação é a única coisa à qual um homem poderia devotar à sua vida sem arrependimentos, e assim busquei uma carreira na área da educação (KANO, 2008a, p. 120).
Como já foi mencionado, a partir deste momento nos deteremos um pouco
mais ao debate sobre as nuances da gênese do judô e sua relação com o meio
educacional.
3.2 Judô Contextualizado na Contemporaneidade
O judô tem sofrido diversas influências culturais devido seu processo de
globalização. Na atualidade, se faz presente nos mais diversos espaços e contextos,
desta forma, compreendemos que os dojôs vão estabelecendo-se nos mais diversos
espaços e se apropriando culturalmente de acordo com os propósitos com os quais
se têm a intenção de desenvolvê-lo.
Independente do seu uso e finalidade, entende-se que o judô
contemporâneo possibilita uma vasta amplitude de propósitos, dentre eles, podemos
citar, por exemplo, a sua utilização voltada à benefícios da saúde do praticante e ao
desenvolvimento atlético. No entanto, sem dúvida, o seu maior valor se dá enquanto
ferramenta educacional de possibilidades quanto à formação moral e social
daqueles que o praticam. O propósito fim do judô efetiva-se mediante as pretensões
e necessidades daqueles que fazem do seu uso aquilo que cabe enquanto prática.
O fato é que, seja enquanto prática holística (por exemplo, por benefícios
mentais) ou por finalidades educacionais (inserido nas escolas e/ou universidades)
ou ainda, com utilizações contextualizadas enquanto ferramenta de lazer ou prática
social (judô inclusivo, por exemplo), o judô, atualmente, é uma espécie de vetor de
catalisação por onde possibilita-se à sociedade um melhor convívio social, pautado
por normas civilizadoras respaldadas por pilares e bases filosóficas consistentes, e
que são preconizadas pelo professor Jigoro Kano. Princípios como os de
prosperidade, benefícios mútuos e o da máxima eficácia são norteadores
educacionais para uma sociedade melhor na atualidade.
82
3.3 Do Japão Feudal dos Samurais ao Japão da Era Meiji e do Judô de Jigoro Kano
O Judô faz parte de diversos momentos da política japonesa, mas para que
possamos compreender melhor o surgimento do mesmo, é necessário localizarmos
a gênese do ju-jutsu55 japonês.
No Japão feudal (período Tokugawa 1603 a 1868) os samurais possuíam
forte influência na sociedade, tinham prestigio e reconhecimento. O sentimento
nacional de isolamento cultural, no intento de fazer prevalecer uma hegemonia
sólida da cultura japonesa, como também, o ideal bélico e militarizado da sociedade
neste período, fizeram com que a sociedade japonesa valorizasse sua própria
cultura e buscasse nas artes marciais um eixo norteador de defesa de seu país.
Porém, com a queda do Xogunato de Tokugawa veio a nova era, liderada
pelo empossamento do imperador Meiji. Neste período, denominado com o mesmo
nome do novo imperador, o Japão reabriu as portas para o mundo. Esta abertura foi
pressionada pela chegada dos americanos, pelo qual o Japão não resistiu e, ao
ceder espaço, uma nova sociedade estava sendo construída (SANTOS, 2012).
Na era Meiji ficaram claros os objetivos de trocas culturais e de
possibilidades de conquistas bélicas, como o aumento do poderio de armamentos,
agora com armas de fogo. Porém, sabe-se que houve implicações negativas ao
tradicionalismo cultural japonês, a exemplo do ju-jutsu (pratica marcial básica dos
samurais e extremamente valorizada no período Tokugawa). Posteriormente,
durante o período Meiji, o Ju-jutsu ficaria relegado a segundo plano frente ao
deslumbramento da sociedade japonesa diante das novas possibilidades culturais
ocidentais.
Para que possamos compreender os princípios educacionais do judô,
devemos ressaltar o nome de Jigoro Kano como principal elo de ligação entre o judô
e a educação. Para isso, é fundamental entendermos um pouco da cronologia de
Kano a fim de que possamos construir uma teia informacional que permita refletir
frente à dimensão educacional na qual o judô foi constituído.
Kano nasceu em 10 de dezembro de 1860, em Mikage (Japão), e aos dez
anos de idade já estava lendo obras da literatura clássica chinesa. Adolescente, 55 O Ju-jutsu era uma prática de luta corporal dos samurais japonese e teve sua ascensão no período
Edo ou Tokugawa (1603-1868), logo após a abertura dos portos (a chegada da pólvora) na Era Meiji (1868-1912) os samurais e a cultura tradicional japonesa perderam espaço, e assim o Ju-Jutsu ficou relegado, sendo posteriormente resignificado por Jigoro Kano.
83
estudou inglês, alemão e matemática e, aos 14 anos, ingressou na Escola Nacional
de Línguas Estrangeiras onde, aos 15 anos, já havia se formado em letras e partia
para iniciar os estudos em uma das mais importantes universidades japonesas, a
Universidade Imperial de Tóquio (hoje, chamada apenas de Universidade de
Tóquio). Aos 21 anos, Kano se graduou no Departamento de Ciências Políticas e
Economia (Faculdade de Literatura da Universidade de Tóquio) e, um ano depois,
na mesma Instituição, em Filosofia Moral e Estética (SANTIAGO, 2002).
Kano sempre foi considerado um homem à frente de seu tempo, prova disso
encontra-se no fato de suas inúmeras viagens ao ocidente (principalmente o
continente europeu) em busca de conhecimento e ampliação de visão de mundo.
Dentre suas inúmeras viagens (contabilizam-se 12 ao total), passou por cidades
importantes como Paris, Berlim, Viena, Copenhagem, Estocolmo, Amsterdan, Los
Angeles, Cairo, Londres, Genebra, Praga, dentre outras, sendo, oito viagens com
fins exclusivos de busca por experiências educacionais europeias. Também
conquistou importantes cargos políticos e educacionais, dentre eles, destaca-se o
fato de ter sido reitor da escola nobre de Gakushuin* aos 28 anos de idade, diretor
do Ministério da Educação do Japão e, posteriormente, nomeado Presidente da
Federação Esportiva do Japão, além de ter sido o primeiro membro asiático do
Comitê Olímpico Internacional (COI).
De acordo com o Jigoro Kano Memorial International Sports Institute
(2016)56, ao longo de sua vida e principalmente após a criação da Kodokan (Escola
para aprendizagem do Caminho), Kano sempre esteve intimamente relacionado com
a educação. Existem registros que nos mostram que Kano beneficiou oito mil
estudantes chineses a estudarem no Japão com bolsas pagas pelo próprio governo
japonês, onde o seu principal foco era mostrar a eles que os esportes deveriam
fazer parte de suas vidas e formações educacionais.
Sendo um homem bastante influente na sociedade japonesa, o professor
Kano recebeu visitas importantes em sua Kodokan, destas, destacamos a visita de
personalidades de grande prestígio acadêmico e científico, oriundos de
Universidades renomadas como a de Yale (EUA), Oxford (Inglaterra), Cambridge
(Reino Unido) e Columbia (EUA). Também recebeu visitas do filósofo indiano e
56 Instituição que busca relacionar as benfeitorias de Kano ao universo esportivo.
84
também prêmio Nobel Rabindranath Tagore, que gostaria de convidar um professor
para ensinar judô na universidade de Bombay (Índia) (SANTIAGO, 2002).
De acordo com o autor supracitado, Kano teve conferências suas
publicizadas pela revista americana TIME. Ainda no âmbito internacional, destaca-se
a ida de seu aluno Yamashita Yoshitsugu57 à Casa Branca, dos Estados Unidos,
para ministrar aula ao então presidente Theodore Roosevelt e sua esposa, no ano
de 1902 (SANTIAGO, 2002).
Dentre as honrarias e reconhecimentos recebidos por Kano em sua trajetória
de envolvimento com a educação, destacam-se: a nomeação de professor emérito
do Colégio de preparação de Professores de Tokyo (Escola Normal superior); a
nomeação como membro da Câmara Superior do Japão; o reconhecimento
ocidental como “Pai da Educação Física no Japão”; o recebimento do 2º grau
imperial (homenagem póstuma).
O prof. Kano criou seu sistema baseando-se em suas experiências prévias,
mais fortemente, em duas escolas de Ju-jutsu.58 A partir desta vivência, ressignificou
estas práticas modificando não apenas a seleção de conteúdo técnico, mas
principalmente os seus propósitos para com a sociedade. Ele percebeu que dentro
daquele momento histórico (Restauração Meiji) em que se encontrava o declínio da
cultura samurai e, por consequência, do ju-jútsu, já não cabia mais aquele tipo de
prática. É ai que surge a genialidade de sistematizar o seu novo ideal,
acrescentando a este toda a sua bagagem de estudos sobre cultura esportiva
(ocidental), vindo a criar, em 1882, o seu próprio sistema, denominado Judô59 (ou
Caminho suave em tradução literal).
Kano entendia que o contexto histórico pré-guerra, assim como, a mudança
político-cultural em seu país exigiriam algo que passasse a ser aceito por todas as
camadas sociais e, principalmente, pelos militares, que tiveram muita força política
durante o período Meiji.
O seu Judô tinha como diferencial uma proposta baseada no conceito
oriental do “DO”, ou seja, um caminho que não apenas focasse no físico (corpo) e 57 Yoshitsugu Yamashita foi um dos principais alunos de Jigoro Kano, encarregado de levar o Judô a
América do Norte, por onde chegou a ministrar aulas em plena Casa Branca em 1902 (SANTIAGO, 2002).
58 De acordo com Kano (2008a, p. 23), o mesmo estudou mais intensamente o ju-jutsu das escolas TenjinShinyo-Ryu e Kito-Ryu e, posteriormente outras escolas.
59 Judô ou Caminho Suave foi criado por Jigoro Kano em 1882, inicialmente considerada uma arte marcial japonesa e atualmente contextualiza-se enquanto como uma modalidade esportiva de combate após sua plena esportivização.
85
sim, que ofertasse um pensar e agir, culturalmente e socialmente, avançados por
parte de seus praticantes.
Assim, depois de eliminar todas as técnicas consideradas violentas e/ou
agressivas, o professor reorganizou os conteúdos e garantiu que o seu sistema
pudesse ser aceito nas escolas e, consequentemente, que fosse praticado por
crianças (algo até então impensável ao Japão daquela época).
Dada a sua influência no âmbito político educacional do japonês, percebe-se
que Kano adquiriu um reconhecimento gradativo e consistente por parte do governo
e da sociedade.
No âmbito militar, conseguiu oficializar a sua escola (Kodokan) enquanto
principal método de luta institucional militar em seu país. Sabe-se que a polícia
metropolitana realizou evento onde ocorreram combates entre as escolas de Kano e
de mestres de Ju-jutsu, e por onde a Kodokan sagrou-se campeã e foi, então,
oficializada enquanto arte marcial da polícia japonesa.
Outro ponto historicamente importante e de relevância quanto ao Judô
Kodokan, e que deve ser ressaltado, refere-se à autonomia de Kano frente ao
governo, pois é sabido que, em 1895, o governo japonês queria apoderar-se de suas
culturas de artes marciais (com objetivos claros de blindar sua sociedade que vivia
um clima de pré-guerra) e para isso foi criada a instituição governamental Botukakai,
onde Kano, mesmo sofrendo pressão, não deixou que o seu método tivesse sido
militarizado pelo governo, o salvando de uma possível sub-utilização do método,
blindando, assim, deste fato que seria algo trágico frente aos preceitos idealizados
pelo criador (CASADO; VILLAMÓN, 2009, p. 36-38).
3.4 A Visão Ampliada de Kano e suas Bases Educacionais e Filosóficas
Conforme relatamos acima, Jigoro Kano era um asiático com uma
cosmovisão diferenciada. Percebe-se que durante seus estudos na Universidade de
Tokyo, o mesmo sofreu fortes influencias de filósofos ocidentais, tais quais, Comte,
Mill, Montesquieu, Hegel, dentre outros (VILLAMÓN; BROUSSE, 1999, p. 115-116).
Somado a estas aproximações conceituais com filósofos e teóricos
ocidentais, Kano buscou relacionar os seus estudos e experiências com filosofias
próprias da cultura oriental: Budismo, Confucionismo e Taoismo, bem como, aquelas
86
de maiores aproximações específicas à sociedade japonesa, tais quais, o Zen, o
Bushidô e o Xintoísmo.
Segundo Villamón e Brousse (1999), Kano sofreu influencias ocidentais
próprias de culturas greco-romanas, da ética industrial européia e também do
racionalismo lógico de tradição Kantiana (todas estas relacionavam-se à gênese do
esporte moderno). Ainda, segundo o autor supracitado, identificam-se influencias da
Ginástica Sueca de P. H. Ling e da Educação Física Inglesa (1850-1860).De acordo
com a figura abaixo, fica mais fácil compreender a complexidade de áreas com as
quais Jigoro Kano construiu aproximações para desenvolver o Judô.
Figura 3 – Influências Orientais e Ocidentais da origem do Judô
Fonte: extraída de Mazzei (2006) e adaptado de Villamón e Brousse (1999)
A principal aproximação de Kano à educação se dá no momento em que o
mesmo idealiza o seu Judô com um caráter único e inovador, amparado por uma
ideologia pacifista e humanista e que abarca o princípio básico de proporcionar uma
educação integral (ou por completa), que proporcionasse a evolução de indivíduos
através de uma cultura de formação moral, intelectual e física.
Kano, ao criar o método Kodokan, buscou implementar um conceito
educacional de prática corporal (baseada no antigo Ju-jutsu), porém, expandiu as
87
possibilidades ao criar os seus dois importantes princípios filosóficos (pilares
fundamentais de seu método).
A criação dos dois princípios do judô, nos anos de 1915 (Seiryoku-Zenyo) e
em 1922 (JitaKioey), trata-se de um marco, pois Kano, a partir deste momento,
definia de forma clara que o seu método deveria se encarregar de ser útil à
sociedade e ir além da concepção física (corpo).
JitaKyoei (prosperidade e benefícios mútuos) e Seiryoku-Zenyo (máxima
eficiência ou melhor uso da energia) são a representatividade filosófica e prática
daquilo que deverá ser transmitido positivamente a uma sociedade e ser extrapolado
para além dos tatames. O princípio Seiryoku-Zenyo apareceu pela primeira vez no
ano de 1915 (Kano tinha 55 anos de idade), o seu principal propósito é o de
proporcionar ao praticante de judô, o conceito ampliado acerca do melhor uso da
energia, por exemplo: na situação técnica de uma luta, fica claro que devemos nos
desgastar o mínimo a fim de guardar energia para utilizarmos através de um golpe
na hora certa. Mas, o professor Kano sempre pensou além, ou seja, no ambiente
extra dojô, para ele, só seremos eficientes na sociedade a partir do momento que
aprendermos que não devemos desperdiçar energia e, pelo contrário, o não uso da
força (física) é fundamental para dar saltos maiores de convivência social.
O JitaKyoei surge depois do princípio da máxima eficácia (ou menor uso da
energia). Kano o criou objetivando disseminar o conceito de prosperidade e
benefícios mútuos. Neste princípio básico e fundamental, entende-se que só se
evolui (seja tecnicamente ou espiritualmente) a partir do momento em que também
proporciona-se o bem aos demais que estão ao redor. Uma sociedade é feita de
compartilhamentos de boas ações e, que em reciprocidade, permitem a evolução
social e pacífica. Percebe-se que Kano criava princípios filosóficos ao seu sistema
educacional (Judô) para que, a partir deles, pudesse extrapolar os muros da prática
esportiva para o uso nas ações do dia a dia na sociedade.
Em 1922 (Kano tinha 62 anos), foram anunciados os princípios combinados
de Seiryoku-Zenyo e Jita Kyoei. Em 1927, dissemina-se os dois princípios a fim de
serem utilizados por toda sociedade japonesa e não apenas aos que praticavam o
Judô.
É sabido que o sistema previsto por Jigoro Kano baseava-se em três pilares
de sustentação: Educação Física, Moral e Ética. O trabalho permeado pela prática
do Judô permitiria ao praticante um apoio educacional complementar e fundamental.
88
Somado a estes dois princípios (prosperidade e benefícios mútuos e o de
melhor uso da energia), evidencia-se que, de acordo com Watson (apud SANTOS,
2012), Kano, em seu método educativo, baseou-se no estudo do filósofo inglês
Herbert Spencer, para determinar três elementos fundamentais denominados shugi
(cuidado e fortalecimento do corpo pela educação física), Iku (desenvolvimento
moral e ético) e san (aquisição de conhecimento), ou seja, neste contexto, fica nítido
uma preocupação com uma formação de desenvolvimento físico, moral e ético.
As nuances encontradas nas propostas conceituais filosóficas e
educacionais do sistema criado por Kano pode ser facilmente compreendida a partir
da figura 4. Nela, percebe-se que Jigoro utilizou-se de bases de influencias orientais
e ocidentais para sistematizar os princípios norteadores educacionais e filosóficos
pautados pela racionalização de sua prática, enquanto alicerce para melhoria global
(seja físico, emocional, social, psicológico e/ou cultural) do indivíduo perante sua
atuação enquanto ser pertencente a um coletivo social.
Figura 4 – Princípios filosóficos/educativos do Judô e as influências orientais e ocidentais
Fonte: Santos (2015, p. 164)
De acordo com a Confederação Brasileira de Judô (2016), Jigoro Kano
também instituiu o código moral do judô, destinado a todos os praticantes da
89
modalidade, que visa o fortalecimento do caráter filosófico de sua prática e se baseia
em oito princípios básicos e norteadores, que são:
Cortesia, para ser educado no trato com os outros; Coragem, para enfrentar as dificuldades com bravura; Honestidade, para ser verdadeiro em seus pensamentos e ações; Honra, para fazer o que é certo e se manter de acordo com seus princípios; Modéstia, para não agir e pensar de maneira egoísta; Respeito, para conviver harmoniosamente com os outros; Autocontrole, para estar no comando das suas emoções; Amizade, para ser um bom companheiro e amigo (CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE JUDÔ, 2016).
Segundo o próprio Jigoro Kano, três áreas foram trabalhadas por ele no
contexto da relação entre o Judô e a educação: o aprimoramento do caráter; o
treinamento do intelecto; e a aplicação da teoria da luta nos aspectos da vida, com a
finalidade de dominar um método para lidar com as coisas à nossa maneira (KANO,
2008, p. 93).
Aqui, percebemos claramente que os propósitos desta arte marcial (em sua
gênese) possuíam ideais sólidos voltados ao sistema educacional japonês. Não
bastava pensar no corpo (físico), era fundamental extrapolar as barreiras e educar a
mente (intelecto), objetivos muito específicos do sistema de Kano (Judô) e que não
existiam, até então, em nenhum outro esporte e/ou arte marcial naquele momento.
As aproximações de Kano com a educação impressionam, tanto que, em
uma de suas mais importantes obras, o clássico livro “Energia Mental e Física”, são
mencionados poemas que denotam claramente sua visão emotiva com a educação:
Educação Não há nada maior no mundo. A educação moral de uma pessoa se estende a dez mil pessoas. A educação de uma geração se expande por uma centena de gerações. Educação Não há nada mais agradável no mundo. Cultivando o talento e melhorando o mundo, Essa fragrância perfuma para sempre após a morte (KANO, 2008a, p. 121).
Dentro do âmbito educacional, percebe-se que a pretensão de Kano era,
principalmente, a de proporcionar a educação através do esporte, entendendo que,
a partir deste, o sujeito desenvolveria uma melhora física, intelectual e moral.
Tratando-se de ética, não podemos deixar de analisar a relação entre Kano
e o Barão de Coubertin (Pierre de Freddy). Sabe-se que Kano viveu o mesmo
90
período que ele (porém em culturas distintas – oriente e ocidente), porém a
convergência de ideais se deu de forma impressionante, uma vez que os mesmos
eram humanistas e, assim, percebiam que através da pratica de atividade física e
esportes poderíamos chegar a uma sociedade pacificada.
Ainda sobre esta relação, diversos autores e instituições Del Vecchio e
Mataruna (2004), Franchini e Da Costa (2002), Jigoro Kano Memorial International
Sports Institute (2016), afirmam encontrar similaridades conceituais entre os
princípios preconizados pelos mesmos. Sabe-se que Coubertin, através do
olimpismo, defendia o “Fair Play” e o “amadorismo”, já Jigoro Kano, tinha como
máximas de seu caminho da suavidade, a prosperidade e os benefícios mútuos,
assim como também, a máxima eficácia (ou o melhor uso da energia).
Por sua vez, no que relaciona-se à ocidentalização das ideias do Professor
Kano, Duarte (2016) nos lembra acerca do relatório para a Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) da Comissão
Internacional sobre Educação para o século XXI, que ressalta a importância de
quatro pilares fundamentais da educação: Aprender a conhecer; Aprender a fazer;
Aprender a viver com os outros; Aprender a ser. Todos estes princípios de origem de
pensamento ocidental podem ser plenamente relacionados aos princípios judoísticos
preconizados por Kano, dada as devidas contextualizações culturais pertinentes a
cada nação.
Por fim, dentro da seara do debate que relaciona a educação e o judô, cabe
comentarmos sobre dois dos mais importantes textos já publicados. Primeiramente,
Kano (2008c) que trata de uma análise crítica comentando a conferência, na íntegra,
do criador do Judô, Kodokan, realizada na Universidade de Southern Califórnia (Los
Angeles – EUA) no ano de 1932. Neste, Garcia e Gutiérrez (2008, p. 39-53) nos
trazem importantes detalhes da personalidade de Kano, assim como o seu caráter
humanista que baseava-se na racionalidade e na colaboração entre as pessoas e
países. Casado e Villamón (2009), publicaram um dos textos mais críticos neste
cenário, intitulado “La utopia educativa de Jigoro Kano: el Judô Kodokan”.
Considerado quase como um manifesto, neste texto os autores buscam levantar
questionamentos acerca da esportivização do judô, que após a II Guerra Mundial
sofrera uma espécie de influência multicultural proporcionada por diversos países e
que têm se distanciado cada vez mais dos genuínos fins e objetivos educativos
91
idealizados pelo humanista e pedagogo Jigoro Kano, justificando o que denominam
como “utopia educativa de Jigoro Kano”.
Em conclusão ao presente subtópico de discussão (3.4), vale reflexão a
partirda figura 5, extraída de Santos (2015), e que sintetiza as interseções culturais
(e outras) relacionadas ao oriente e ocidente para formular seu pensamento de
construção do judô enquanto método educativo. É possível percebermos que o Judô
foi formulado e desenvolvido a partir de uma complexa interrelação cultural, mediada
por circunstâncias específicas de cunho social, histórico, político e econômico, que,
junto às experiências de vida de Kano, possibilitaram a criação e aprimoramento dos
princípios filosóficos, ideológicos e educativos do Judô.
Figura 5 – Modelo sistêmico de pensamento de Jigoro Kano ao formular o método educativo
denominado judô
Fonte: Santos (2015, p. 184)
3.5 Pontos Relevantes quanto à Proposta Educacional de Kano
A partir de sua influência na política japonesa, Jigoro Kano conseguiu inserir
o judô no sistema educacional Japonês (nas escolas primárias, secundárias e
superiores). A partir desta conquista, o judô buscou o seu reconhecimento mundial,
principalmente, através dos meios acadêmicos e esportivos.
92
Apesar de todos os avanços cronológicos no desenvolvimento do judô,
muitos autores têm ressaltado que, no contexto atual, muito se têm perdido quanto
ao uso real e prático da filosofia preconizada e idealizada por Jigoro Kano. É sabido
que seu criador intencionava criar um método que fosse difundido e divulgado
mundialmente, porém, não se imaginava que estes avanços, somados às influências
culturais diversas, pudessem enfraquecer os ideais e princípios filosóficos instituídos
por Kano para a sua prática. Temos, assim, um cenário no mínimo incoerentemente
negativo acerca da esportivização do judô.
De acordo com Carvalho (2007), o judô passa a ser reutilizado no mundo
contemporâneo de forma descontruída e com diminuição de solidez a partir do
momento em que sofre as influências da sociedade capitalista que utiliza-o como
manobra de massa e com intenções claramente mercantilistas (vide por exemplo, os
abusos de cobranças exorbitantes em exames de graduação, assim como taxas por
parte de entidades regularizadoras).
Apesar das ponderações ressaltadas anteriormente, entendemos que o
legado deixado por Jigoro Kano impactou, e ainda impacta, toda a sociedade, pois o
Judô é uma das modalidades esportivas de combate mais praticadas pelo mundo,
além de possuir a confiabilidade de classes profissionais importantes como a
médica, a de psicologia e a dos educadores. Prova disso é que, no Brasil, o Judô,
juntamente com a Capoeira, possui forte aderência nas escolas enquanto prática
extracurricular. Também se faz importante ressaltar a presença do ensino do Judô
enquanto componente “Lutas” na Educação Física Escolar e no ensino superior,
principalmente em Faculdades de Educação Física (enquanto componente
curricular).
3.6 Compreendendo o Processo Civilizatório nas Artes Marciais/Judô
Neste tópico de nossa pesquisa, discutiremos, brevemente, os produtos da
relação entre o Judô de Jigoro Kano com a teoria Elisiana do processo civilizatório,
proposta pelo sociólogo alemão Nobert Elias (1897 – 1990), constituindo-se uma
relevante base teórica para a presente pesquisa. Elias (1994b, p. 193) afirma que o
processo civilizatório é caracterizado por uma “mudança na conduta e sentimentos
humanos rumo a uma direção muito específica”. Queremos compreender, de acordo
93
com o processo civilizatório, que diferenças existem no que diz respeito à cultura
ocidental e oriental na formação e evolução dos indivíduos em uma sociedade?
Elias é visto como “um dos maiores sociólogos do século XX, se não o
maior” (DUNNING, 2014, p. 23), e há um reconhecimento geral de que a teoria dos
processos civilizatórios é a principal contribuição do teórico à sociologia. Considera-
se, inclusive, esta teoria como uma teoria central de todas as suas obras
(DUNNING, 2014).
Existem críticas ligadas à teoria do processo civilizatório oriundas do
entendimento de que a mesma é muito eurocêntrica, ou seja, que esteja muito ligada
a uma análise voltada ao ocidente, mais precisamente ao desenvolvimento da
sociedade europeia. Como estamos buscando compreender a importância desta
teoriana evolução das artes marciais e dos esportes de combate, e ainda,
especificadamente, ao judô, faz-se necessário que tenhamos criticidade em
compreender as possibilidades e limitações referentes à análise da mesma no
contexto específico oriental (asiático).
Contudo, contrapondo-se a crítica sobre as limitações quanto à utilização da
teoria do processo civilizatório, em relação à sua aplicabilidade para analogias
referentes aos esportes ou práticas marciais oriundas da cultura oriental, nos
fortalecemos, embasando-se através de dois importantes estudos internacionais,
que visaram investigar/analisar justamente o processo civilizatório do judô no âmbito
do continente europeu e de sua respectiva cultura. De acordo com os pesquisadores
Goodger, B.; Goodger, J. (1977) e Régner, (2010) o Judô é compreendido na
Europa enquanto uma arte marcial que através de um processo de “reculturação”
sofreu forte institucionalização cultural ocasionando em mudanças que permearam
novas ressignificações que transitaram da marcialidade (gênese do judô) para a
esportivização, ou seja, tradição e modernidade duelaram frente aos novos
horizontes desbravados pela internacionalização do judô de Jigoro Kano. Contudo,
ainda de acordo com os autores acima, o próprio Kano visava civilizar sua prática
visto que, da transformação do antigo jujútsu dos samurais, Jigoro codificou a sua
nova prática, visando excluir técnicas mortais e/ou demasiadamente violentas, e
assim, entendemos que o mesmo já visava facilitar sua prática enquanto
popularização já que agora, o novo sistema podia ser praticado da criança ao idoso,
94
pois não havia mais chances de muitas lesões ou até mortes. Régnier (2010, p. 93)60
analisa, que ao tomar a biografia de Jigoro Kano do ponto de vista do processo
civilizatório, “seria mais apropriado colocar o judô como uma prática puramente
heterodoxa para o Japão da época, mas perfeitamente ortodoxa quanto ao modo de
prática ocidental”, isso denota quanto a contextualização cultural é fator
determinante para a assimilação do judô de acordo com a sociedade em que o
mesmo se insere ou desenvolve-se.
Contextualizando, conceitualmente, o processo civilizatório, identificamos
que, segundo Souza (2014, p. 104) pode ser definido como a “manipulação
consciente de fontes culturais por atores sociais, derivando, igualmente, do
aperfeiçoamento da consciência que os indivíduos possuem em relação ao meio que
o cerca”. Assim, o que pretende-se enfatizar é a necessidade de entendimento
evolutivo e consciente por parte da sociedade, na qual se espera boa convivência e
respeito recíproco mediante normas condizentes de civilidade. Sabe-se que o
processo civilizatório transpassa gerações e, por isso, depende de uma análise
processual que leve em consideração um longo prazo, por onde os valores e
costumes sociais sofrem mutações evolutivas em seu percurso.
Tratando-se do judô e, por consequente, de uma prática oriental japonesa,
Cavalcante (2014) afirma que o judô segue este processo civilizatório, tendo em
vista que, desde a sua concepção, existe a preocupação em eliminar todas as ações
lesivas aos seus praticantes, garantindo a sua integridade física e possibilitando a
sua prática desde a idade escolar até a condição do alto rendimento. Contudo,
pretendemos ampliar esta análise, dada a importância da mesma para a
compreensão exitosa de como podemos inferir sobre esta influência teórica no
desenvolvimento do judô enquanto esporte de combate.
Tem-se pleno entendimento na literatura do esporte enquanto substituto
aceito para as emoções reprimidas, e por onde a civilização das condutas e das
emoções podem ser vistas em práticas esportivas (QUITANEIRO, 2010). Elias (1982
apud QUINTANEIRO, 2010, p. 93), afirma que o “esporte é sempre uma luta entre
os seres humanos”, concepção que fortalece o nosso discurso sobre a relação
pertinente às lutas civilizadas (em geral pertinentes a contemporaneidade), por onde 60 Tradução do trecho em francês: “[...] il serait plus juste de placer le judo comme une pratique
purement hétérodoxe au Japon de l’époque, mais parfaitement orthodoxe quant au mode de pratique occidental” (RÈGNIER, 2010, p. 93).
95
compreendemos que lutar é interagir com o outro, sabendo respeitar o próximo,
independente do resultado, e privilegiando sempre a integridade física do oponente
acima de qualquer coisa. Entretanto, sabemos que as artes marciais, dentre elas o
judô, originam-se da cultura oriental, bastante distinta da ocidental, dito isso, nos
perguntamos qual será a relevância desta abordagem teórica, especificadamente no
tocante a estas práticas orientais?
Sobre as artes marciais orientais, Marta (2010, p. 29) ressalta que, ao longo
do século XX, “delas foram gradualmente retirados ou sublimados os gestos
considerados violentos em demasia”, o que o autor batiza como “controle da
violência potencial”. Entretanto, o mesmo autor ressalta que estas práticas sofreram
estes ajustes em tempos diferentes e que, ainda, algumas delas se utilizam
atualmente de crítica a este controle da violência buscando construir uma ferramenta
de marketing para que se justifique a sua difusão. A exemplo disso cita que alguns
tipos de jiu-jitsu são voltados à concepção de retorno da violência a partir de práticas
como o vale-tudo, razão pela qual entendemos que, de certa forma, tal postura
caracteriza-se como um retrocesso civilizador de “des-esportivização”.
Ainda de acordo com o autor supracitado:
Existem artes marciais criadas no ocidente que foram sendo lentamente convertidas em jogos que, em alguns casos, posteriormente, foram convertidos em esportes como resultado de um processo de amenização ou suspensão daqueles elementos considerados violentos ou bárbaros para as novas sensibilidades ‘civilizadas’ que foram se desenvolvendo na Europa [...] (MARTA, 2010, p. 47).
Alguns exemplos de modalidades de lutas que podem ser relacionadas de
acordo com a citação acima seria o boxe e a luta greco-romana.
Sobre o judô, propriamente dito, sabe-se que foi propósito de seu criador,
Jigoro Kano, a busca pela esportivização da prática visando a massificação da
mesma e o reconhecimento olímpico, conforme pudemos ver na seção três de nosso
estudo. Entretanto, a teoria do processo civilizatório compreende que o caminho
desta pratica para a esportivização é conquistada mediante ajustes, como em suas
regras, por exemplo, visando torná-las práticas em níveis mais aceitáveis
socialmente. No entanto, os esportes de combate e artes marciais possuem a
particularidade do confronto direto e do “tocar no outro”. Pensando em um dos
pilares da teoria, referente ao controle das emoções, é sabido que práticas deste
96
cunho possuem maiores necessidades para que não se extrapolem suas emoções e
não incorram em desvios para a violência.
Por outro lado, a “regratização” de práticas das lutas através de sua
esportivização projeta-as para culturas civilizadas e bem aceitas como, por exemplo,
o entendimento do fair play (jogo limpo), ou respeito recíproco para além das regras
em si, e que é tão bem aceito na concepção de esporte moderno. Em contrapartida
aos pontos positivos entendidos na utilização da teoria civilizatória no universo
marcial, é pertinente considerar que a esportivização excessiva de algumas práticas
de artes marciais orientais levam a perdas e pontos negativos.
Sobre este quesito, de acordo com Marta (2010), a transformação em uma
arte marcial esportivizada poderá ressignificá-la a tal ponto, que as mesmas percam
suas importantes essências filosóficas orientais, pois na cultura ocidental as
mesmas poderão, inclusive, serem rotuladas e comercializadas como, por exemplo,
transvestidas em ambientes de academias de ginásticas61, porém, não mais com os
propósitos originais que a caracterizavam enquanto arte marcial oriental, tornando-
se apenas gestos soltos (chutes e socos) e desvirtuados de contexto.
No que corresponde ao Judô, recorremos a uma citação de Marta (2010, p.
54) que afirma ter sido a “primeira arte marcial oriental a expressar um sentido
pedagógico que, ao mesmo tempo em que buscava a difusão e manutenção de
valores morais tradicionais japoneses, buscava também fundir esses valores a
aspectos pedagógicos ocidentais”. Entendemos que esta base filosófica por parte do
judô permite-o que, mesmo sofrendo influencias pela ocidentalização, se for bem
guiada de acordo com os princípios que o constituem, a prática estará segura e
impermeável a possíveis desvios de condutas por parte de seus praticantes. Por ser
uma prática de forte cunho educacional, o judô visa formar cidadãos, inclusive no
que tange a civilidade e boa convivência social. Este autocontrole é essencial para a
preservação e desenvolvimento do processo civilizatório. De acordo com Souza
(2014, p. 116), o autocontrole “é visto por Elias como uma espécie de etapa final do
processo civilizador, e etapa que o legitima perante os indivíduos que dele fazem
parte.
61 Modalidades como o BodyCombat®, tipo de ginástica que utiliza-se de gestos estereotipados das
artes marciais orientais e que são propostas nestes ambiente com o intuito de perder peso e melhorar a estética corporal.
97
Como visto no tópico 3.4 desta seção, um dos pilares filosóficos do Judô é o
Jita Kyoei, que, em sua essência, significa prosperidade e benefícios mútuos, ou
seja, podemos compreender, por analogia, que o indivíduo só cresce e desenvolve-
se a partir do crescimento coletivo. O judô cultua esta máxima em todos os dojôs
pelo mundo afora. É possível percebermos aproximações conceituais entre o
pensamento de Kano com o de Elias. De acordo com Quintaneiro (2010, p. 55),
Elias entende a sociedade através de uma perspectiva sociológica figuracional, por
onde, segundo a autora, Elias assinala que, “[...] em nossa era, a tendência é de que
‘mais e mais grupos e, com eles, mais e mais indivíduos’ dependam ‘uns dos outros
para sua segurança e a satisfação de suas necessidades [...]” e que esta
interdependência social acaba favorecendo com que as pessoas apenas consigam
“sustentar sua vida e sua existência social em conjunto com muitas outras”
(QUINTANEIRO, 2010, p. 55). Destarte, fica claro que Kano, assim como Elias,
compreendiam e preconizavam que a convivência social era ditada pelo respeito ao
próximo, guiado por normas de civilidade e controle de emoções.
3.7 Judô enquanto Modelo de Ensino Não Formal
Ao discutir o judô quanto ao seu propósito educacional, torna-se importante
compreender a influência de determinada cultura (japonesa) nos modelos de
educação formal e não formal proposto por Gadotti (2005). Para tal, faz-se
necessária a compreensão do modelo vigente não formal de educação através do
ensino do Judô no período em questão, de 1952 a 1972. Segundo pesquisa
realizada por Cavalcante (2014), foi identificado que o Judô se apropria do modelo
não formal, uma vez que seu conteúdo é provido de fundamentação pedagógica,
visando não só o ensino da luta em si, mas a formação ética e o desenvolvimento
intelectual de seus praticantes, através de sua doutrina filosófica, facilitando o
convívio social de seus praticantes.
Contudo, faz-se necessária uma ampliação quanto à discussão do conceito
de não formalidade baseando-se a partir de importantes autores. Destarte, quando
falamos em Educação Não Formal, necessitamos compreender os equívocos
conceituais que se relacionam a este campo de atuação. Frente a este quesito, uma
das maiores pesquisadoras neste âmbito, Gohn (2013, p. 11) de forma clara e
objetiva, conceitua:
98
A educação formal é aquela desenvolvida nas escolas, com conteúdos previamente demarcados; a informal é aquela que os indivíduos aprendem durante seu processo de socialização – na família, bairro, clube, amigos, etc – carregada de valores e culturas próprias, de pertencimento e sentimentos herdados; e a educação não formal é aquela que se aprende ‘no mundo da vida’, via os processos de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações coletivas cotidianas.
Visando a expansão no que tange ao conceito de educação não formal,
apoiamo-nos no entendimento “oficial” por parte do Ministério da Cultura e Educação
do Brasil (2003, p. 28), que nos oferta a seguinte definição:
A educação não formal, enquanto modalidade de ensino/aprendizagem implementada durante a trajetória de vida das pessoas, pode ser compreendida em seis dimensões: a qualificação dos indivíduos para o trabalho; adoção e exercício de práticas voltadas para a comunidade; a aprendizagem política de direitos através da participação em grupos sociais; a educação realizada na e pela mídia; a aprendizagem de conteúdos da escolarização formal em modalidades e esferas diversificadas; e finalmente, a educação para a vida, no sentido de garantir a qualidade de vida.
Trazemos, ainda, para a discussão um terceiro conceito proposto por
Coombs e Ahmed (1974, p. 27), onde afirma que a educação não formal é “toda
atividade organizada, sistemática, educativa, realizada fora do marco do sistema
oficial, para facilitar determinados tipos de aprendizagem a subgrupos específicos da
população, tanto adultos como infantis”.
Desta forma, entendemos que o ensino do Judô, em seus respectivos e
específicos espaços, denominados como Dojô, ou seja, ambiente/espaço para o
ensino do Judô (e demais artes marciais japonesas) pode ser compreendido como
uma prática não formal de ensino, visto que não possui características padronizadas
e/ou formais do ambiente escolar quanto as suas diretrizes e regulamentações.
Além disso, podemos perceber que nos dojôs os compartilhamentos de experiências
através de ações coletivas com o outro é algo constante e rico, ou seja, não segue
os regimentos formais de espaços institucionalizados. Vale lembrar, que a educação
através de modalidades esportivas (por onde também encaixam-se as lutas e, por
consequência, o Judô) se desenvolve usualmente nos extramuros escolares no
sentido de que são livres de atuações guiadas pela “formalidade” escolar.
Guiando-nos pela definição acima é que compreendemos a importância do
Dojô (local por onde se aprende o caminho – Judô) enquanto espaço educacional
liderado pela docência do sensei (professor de judô). Independente se este dojô
99
(espaço) está localizado dentro dos muros da escola (como por exemplo, enquanto
prática extracurricular – escolinhas esportivas) ou fora da institucionalização deste
espaço (como por exemplo, as academias de judô). Neste sentido, os autores Rufino
(2016) e Rufino e Darido (2015), simplificam o entendimento no que tange ao
contexto local ou ambiental onde ocorre a prática de lutas e/ou artes marciais,
mencionando, objetivamente, o ensino formal (por meio do ambiente escolar) e o
ensino não formal (como clubes, academias, centros esportivos, projetos sociais
etc.). Aqui, vale ressaltarmos que os autores reduzem o olhar ao local, dando uma
visão pertinente, porém sintetizada, do conceito de educação não formal, como
pudemos ver anteriormente junto aos outros autores citados.
No esporte, e aqui entendendo o judô dentro deste conceito, percebe-se que
a educação não formal se contextualiza mais fortemente quando relacionada a fins
com objetivos sociais, tais como os que são pregados através dos diversos projetos
esportivos existentes pelo Brasil e no mundo (como por exemplo, o Instituto Reação
– RJ, chefiado pelo ex-atleta Flávio Canto), vale ressaltar, que o próprio Jigoro Kano
preconizava um judô inclusivo ou “para todos” enquanto ideal para sua prática.
Desta forma, se o judô já possui um caráter filosófico e educacional voltado à
formação dos indivíduos, quando realizado em tais projetos de cunho social tem
suas capacidades educativas potencializadas, já que têm-se o entendimento de que
o fenômeno esportivo funciona como elemento de coesão social e ferramenta
educativa (BENDRATH, 2010). Ampliando a discussão e, de acordo com o referido
autor, “o princípio da educação não-formal, portanto, é usado nos projetos
esportivos, partilhando experiências entre jovens, lições de cidadania e respeito
mútuo, competitividade coletiva e individual e superação de barreiras e dificuldades”
(BENDRATH, 2010, p. 131).
Compreendemos a importância do debate acerca da contextualização
espacial (local) onde se ocorre o tipo de educação. Sobre este aspecto, Gohn (2013,
p. 15) reforça a ideia quando afirma que “a educação não formal é um processo de
aprendizagem, não uma estrutura simbólica edificada e corporificada em um prédio
ou numa instituição; ela ocorre via o diálogo tematizado”. Fica claro, portanto, o
posicionamento da autora em criticar o entendimento pautado apenas no viés da
“estrutura” ou dos “muros” que delimitam um local para se aprender. Mediante esta
compreensão, podemos afirmar que o dojô, enquanto “espaço de educação”,
independente do local em que esteja instalado, é um ambiente sem muros e
100
fronteiras no que corresponde à sua fertilidade em propor educação daqueles que
neles praticam o judô com fins para a formação humana e cidadã.
Por fim, reafirma-se em nosso estudo a importância de práticas de lutas e/ou
artes marciais enquanto educação não formal dada à importância complementar
desta na formação do indivíduo junto a seu percurso de escolarização/educação
formalizada. Sobre esta importância, nos ancoramos em Gohn (2013, p. 14) onde a
mesma menciona:
A educação não formal contribui para a produção do saber na medida em que atua no campo no qual os indivíduos atuam como cidadãos. Ela aglutina ideias e saberes produzidos via o compartilhamento de experiências, produz conhecimento pela reflexão, faz o cruzamento entre saberes herdados e saberes novos adquiridos.
Este percurso transicional, onde realizam-se as trocas recíprocas de saberes
entre o mestre (sensei) e o seu alunado, é algo constante na práxis do ambiente
judoístico. Neste ambiente propício de trocas educativas, os conhecimentos
historicamente acumulados pelos senseis são muitas vezes transmitidos aos seus
discípulos em uma relação por onde permite-se a fusão entre o antigo e o novo, e
por onde alimenta-se a perpetuação temporal através da preservação do saber
enquanto conhecimento dinâmico. Esta forma de educação na relação mestre-aluno
ocorre com certa constância nos ambientes marciais e é reconhecida como uma
forma de transmissão de conhecimento tradicional por onde facilita-se a educação
dos indivíduos.
101
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS Nesta penúltima seção, nos detemos exclusivamente à análise das imagens
geradas através do software NVivo®, de forma a possibilitar inferirmos quanto ao
desfecho das análises, assim como das reflexões conclusivas. Também buscamos a
construção de gráficos facilitadores da compreensão dos mais diversos contextos,
como também, apoio em fontes documentais e iconográficas.
Logo abaixo, apresentamos o detalhamento acerca de cada categoria
temática analisada (conforme detalhadas nas páginas 75 e 76). Para tal, se faz
importante apresentar a forma organizacional em que conduzimos nossa
categorização dos dados (também denominados, em nossa pesquisa, de nós e
subnós) conforme podemos compreender a partir da representação gráfica contida
na figura 6 apresentada a seguir.
Figura 6 – Categorias e subcategorias de Análise
Fonte: o autor (2017)
102
4.1 Quem são os nossos Mestres Selecionados para a Pesquisa? Uma Breve
Apresentação
Antes da análise, propriamente dita, de cada categoria supramencionada, se
faz necessário uma breve apresentação formal de nossos personagens
entrevistados, peças fundamentais enquanto fontes principais de nossa pesquisa.
Todas as informações que virão a seguir nesta seção, referentes ao breve
histórico de vida de todos os senseis participantes de nossa pesquisa, tiveram dados
informacionais extraídos de fontes diversas (devidamente citadas), tais como sites
de internet, matérias jornalísticas impressas, acervos pessoais disponibilizados ao
pesquisador e, principalmente, informações cedidas na própria entrevista concedida
a esta pesquisa.
4.1.1 Sensei Byung Kuk Lee
Fotografia 1 – Sensei Byung Kuk Lee
Fonte: o autor (2017)
O sensei Byung Kuk Lee nasceu em 25 de fevereiro de 1936, em Seoul,
capital da Coréia do Sul, naturalizando-se brasileiro em 1972. Começou no judô aos
14 anos, quando, por causa da guerra, seu pai o colocou no Judô. O professor
afirma que considera ter, em média, 60 anos de judô (1950 a 2010) e, após sua
aposentadoria, já não tinha mais tanto envolvimento com o judô.
Em meados de 1957, quando entrou no ensino superior, já era técnico de
judô na Escola Técnica de Incheon (Coréia do Sul), em média, aos 21 anos de
103
idade. Considera que aprendeu judô com o mestre Kim-Sangtae (na época, então
chefe de polícia).
Chegou ao Recife no dia 26 de janeiro de 1967, período em que já existiam
alguns professores atuantes com judô na cidade. Tão logo, o professor Lee foi
recebido por William Arruda (dono da academia William Arruda - WAR), localizada
na Rua do Paissandu, nº 720, para que pudesse morar com ele e também dar aulas
naquele espaço. Na verdade, Arruda foi uma grande amigo e apoiador do professor
Lee, bem como, o professor José Alves, que também morava na academia do
Arruda.
Academicamente, o professor Lee (como costuma ser chamado) destacou-
se por sua disciplina em estudar e capacitar-se. Graduou-se em Licenciatura Plena
em Educação Física na Escola Superior de Educação Física-FESP (hoje
Universidade de Pernambuco), tendo iniciado seu curso em 1957, ainda na Coréia.
Foi aprovado no concurso público para professor da UFPE, em 1975. Em 1979,
retornou a Coréia para realizar seu mestrado em Ciências Físicas na Universidade
de Kiung-Hee (Seoul, Coréia do Sul), na época, foi um dos primeiros docentes a
buscarem formação acadêmica no exterior.
Dentre suas experiências com o judô na cidade do Recife-PE, podemos
destacar alguns locais de atuação enquanto professor de ensino primário, médio e
superior: Colégio Militar do Recife (1968 a 1973); Colégio Nóbrega (1969 a 1970);
implantou o judô no Colégio Santa Maria (1969 a 1990); Também lecionou no ensino
superior nos cursos de Educação Física da antiga FESP – hoje ESEF/UPE (1982) e
do DEF/UFPE (1975 a 2008) como membro efetivo do coletivo docente ou,
posteriormente, como substituto (já aposentado da instituição). Também foi
professor de judô e técnico nas seguintes instituições/academias: Academia Willians
Arruda - WAR (1967 a 1968); Clube dos Oficiais da Aeronáutica (1967 a 1968); IV
Exército – 7ª RM (1968 a 1970); Clube Internacional do Recife (1969 a 1976);
Fundador e professor do Clube Lee, localizado na Rua Barão de São Borja (1969 a
1979).
Atualmente o sensei Lee possui o 6º dan da faixa preta (faixa coral) no judô
(reconhecido pela Liga Nacional de Judô – LNJ) e o 7º dan (Grão mestre) no
Taekwondo (pela Liga Nacional de Taekwondo), esporte no qual também é um dos
pioneiros no Nordeste. Hoje, afastado voluntariamente do judô, reside com sua
104
esposa Sônia no bairro de Boa Viagem (zona sul do Recife) e possui duas filhas já
adultas.
Fotografia 2 – Sensei Lee de Judogui
Fonte:o autor (2017)
4.1.2 Sensei Diógenes Cavalcanti de Moraes
Fotografia 3 – Sensei Diógenes Cavalcanti de Moraes
Fonte: o autor (2017)
A história de vida do professor Diógenes Moraes cruza, naturalmente, com o
universo do pugilismo (no qual foi atleta amador e árbitro), do vale-tudo e/ou luta-
105
livre (no qual era árbitro em um programa de TV) e, principalmente, no Judô, esporte
pelo qual é reconhecido como um dos pioneiros de Pernambuco.
Nascido em 02 de março de 1930, o sensei tem atualmente 87 anos,
“turbinados”, como o próprio gosta de frisar. Alagoano, de União dos Palmares, já
está em Recife desde 1942. Em 1950, deu inicio no aprendizado sistemático do
judô, no espaço de seu principal professor, o sensei Takeo Yano (Japonês, 6º dan
na época), localizado na rua da Roda (Bairro do Recife).Contudo, o mestre ressalta
que seus primeiros passos no tatame foram dados a partir de aulas sob orientação
de uma dupla de amigos, doutor Geraldo Fernandes (na época, estudante de
medicina) e Valzenir (apelidado de “Cearense”). Em meados de 1947 (Diógenes
tinha 17 anos), estes dois possuíam um pequeno espaço com tatames em seu
apartamento, localizado na Praça Maciel Pinheiro (centro do Recife). Sensei
Diógenes afirma que, após uma média de um ano (ou mais) de prática, os dois
amigos reconheceram suas limitações em conhecimentos e sugeriram para que
Diógenes fosse ter aulas com um japonês chamado Takeo Yano, que o recebeu
muito bem e daí Diógenes iniciou a pratica de forma mais sistematizada, passando
média de 5-6 anos, até abrir seu próprio espaço. O tempo passou e já são 67 anos
de judô, sendo, atualmente, faixa coral (7º dan de judô). O professor destaca, ainda,
que no início de seus primeiros passos no tatame, além da academia do Takeo
Yano, só existia, no Recife, o George Gracie, que possuía uma academia na Rua do
Hospício, mas que não lecionava judô, mas o jiu-jitsu brasileiro de sua família.
A partir de 1954, já estava dando aulas de Judô em Recife, período no qual
também iniciara, paralelamente, na Rua Paissandu, o Professor Willians Arruda –
também considerado um pioneiro na cidade. Dentre os espaços em que o mestre
atuou, podemos destacar os seguintes: Escola de Aprendizes de Marinheiro de
Pernambuco (de 1956 a 1994); Colégio Nóbrega; Colégio São Luís; Academia de
Polícia de Pernambuco e Escola Carochinha. Também inaugurou seu espaço
próprio, inicialmente na Rua da Concórdia, nº 692 (1º andar), em seguida, na Rua
Corredor do Bispo, e outra unidade no bairro de Piedade (posteriormente este se
tornou o único espaço).
De 1960 a 1966, existiu a TV Ringue Torre, exibido pela TV Jornal do
Comercio, onde o professor Diógenes atuou como árbitro de desafios de lutas de
vale-tudo e de boxe (amadores e profissionais). Esta mídia (programa de TV) dada
aos esportes de combate abriu portas para o judô na cidade. Na década de 70, o
106
mestre ensinava judô em um programa na TV Universitária e também assinou, por
dois anos, uma coluna jornalística sobre artes marciais (era a NOCAUTE, no Diário
da Noite). Ajudou também a organizar a então Federação Pernambucana de
Pugilismo e, posteriormente, a fundar a Federação Pernambucana de Judô (FPJU).
O sensei Diógenes possui formação em contabilidade pela ETC (Escola
Técnica de Contabilidade) e Graduação em Educação Física pela Universidade de
Pernambuco (UPE). Também atuou em importantes cargos gestores em instituições
esportivas, tendo assumido cargo de Presidente da Comissão de Graus da
Federação Pernambucana de Judô (FPJU); Vice-presidente da FPJU; Presidente da
Federação de Pugilismo; Professor de Judô da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE); Fundador da Federação Pernambucana de Fisiculturismo e
Musculação; Coordenador de eventos e chefe de delegação em diversas
competições de nível, estadual, regional e nacional.
Sol (2002) destaca um pouco da história de vida do mestre, ressaltando uma
homenagem ao mesmo na Câmara Municipal do Recife, em reconhecimento aos
serviços prestados em nome das artes marciais. Homenagem que fazia parte do
projeto do vereador Henrique Leite (PT) e que entregou a medalha José Mariano (a
mais importante concedida pelos vereadores recifenses).
Também foi agraciado pela Marinha do Brasil com a medalha Amigo da
Marinha, a medalha Mérito Funcional, a medalha da ordem mérito Tamandaré e
também a medalha Mestre Antônio Silva. Também recebeu a medalha da comissão
do Exército Brasileiro, além de inúmeras homenagens em eventos judoísticos.
O sensei Diógenes ficou viúvo de Terezinha Moraes, com quem foi casado
ao longo de 51 anos e teve 4 filhos (Carlson, Erivaldo, Diógenes e Cláudia). Destes,
apenas a filha não seguiu os passos do judô rumo à faixa preta. Possui onze netos
(todos judocas, sendo 3 na faixa preta) e duas bisnetas. Recentemente (em 2016),
foi veiculada uma reportagem62 jornalística que abordou sobre esta tradicional
família de judocas do Recife e um pouco da história de seu patriarca. Atualmente, o
professor Diógenes está casado com Solange Gueiros e gosta de curtir a vida
próximo à família, lendo bastante, cuidando de sua saúde física através de
exercícios e viajando sempre que pode. 62 Matéria exibida na data de 06/07/2016 na Rede Globo Nordeste no programa esportivo Globo
Esporte e intitulada: “Família atravessa quatro gerações dedicadas ao Judô”. Pode ser acessada através do link: http://globoesporte.globo.com/pe/videos/t/ultimos/v/familia-atravessa-quatro-geracoes-dedicadas-ao-judo/5145761/.
107
Fotografia 4 – Diógenes e família
Fonte: o autor (2017)
4.1.3 Sensei Hayashi Kawamura
Fotografia 5 – Sensei Hayashi Kawamura
Fonte: o autor (2017)
108
Filho de Sue Kawamura e terceiro filho mais velho de seis irmãos, sensei
Hayashi Kawamura nasceu no dia 26 de agosto de 1936, no Japão, província de
Toba-Shi, em Mie-Ken. Nesta época, pós-segunda guerra mundial, o Japão sofria de
muita violência e dificuldades econômicas e, neste contexto, o jovem Hayashi, até
então com 11anos de idade, foi direcionado à prática de artes marciais no intuito de
ter possibilidades de se defender da criminalidade. Desta forma, deu início no judô
através do mestre Izuda. Posteriormente, Kawamura ingressou na prestigiada
Universidade de Takushoku (também conhecida como Takudai), em Tokyo,
instituição reconhecida por formar jovens nas artes marciais. Na faculdade, cursou
administração e logo integrou a equipe de Judô da renomada universidade. Nesta
instituição também iniciou a prática do karatê, pois, de uma forma geral, era um
entusiasta dos esportes.
Após se formar na faculdade, já com 23 anos, sonhava com a possibilidade
de divulgar as práticas marciais no ocidente. Neste período também treinou com o
sensei Suganuma, ainda no Japão.
De acordo com informações extraídas do site institucional da Federação
Pernambucana de Karatê e GoshinJutsu Kawamura(FPKK)63, em 12 de abril de
1960 (até então com 24 anos de idade), com passagens pagas pelo governo
japonês como incentivo a imigração, chega ao Brasil desembarcando no Porto de
Santos-SP, residindo em São Paulo no período de 1960 a 1961. Inicialmente,
trabalhou em lavoura de pêssego e, migrando depois para o Rio de Janeiro, passou
a atuar como professor de artes marciais. O professor ressalta que passou muitas
dificuldades na época em que desembarcou em São Paulo, e que o judô,
literalmente, salvou sua vida, seja economicamente ou do ponto de vista da proteção
de vida, já que não tinha recursos financeiros, não tinha familiares, não tinha amigos
e não sabia falar outra língua que na oa japonesa. Ainda em São Paulo, teve a
felicidade de reencontrar um grande amigo da época de faculdade e que já estava
estabelecido por ser imigrante mais antigo. Seu nome era Yasutaka Tanaka (mestre
de Karatê) e que lhe deu um suporte básico para enfrentar as dificuldades.
Já no Rio de Janeiro, atuando no ensino das artes marciais e também
participando de desafios com lutadores de outras modalidades, a dupla japonesa de 63 Para construção desta síntese sobre a vida do sensei Kayashi Kawamura, também extraímos
informações de fontes advindas do site institucional da Federação Pernambucana de Karatê e GoshinJutsu Kawamura (FPKK) – encontrado no link: http://fkawamura.com/prof-kawamura/biografia/.
109
amigos já estava ficando conhecida. Neste contexto, em 1963, foi convidado pelo
Governo do Estado da Paraíba (na cidade de João Pessoa) para ensinar judô em
escolas e clubes sociais. Foi em João Pessoa-PB que conheceu Maria Elisabeth
Códula, com quem casou e teve dois filhos (Raul e Sue Kawamura). Fez seu
trabalho naquele estado até 1967, como seu nome já estava bem conhecido pelos
paraibanos, começou a chamar atenção também dos recifenses e, desta forma,
começa ministrar aulas também em Recife, a convite do Governo do Estado de
Pernambuco, com foco na preparação dos militares pernambucanos, onde atua
diretamente junto ao batalhão de contingente efetivo, como também no curso de
formação de oficiais da Academia de Polícia Militar de Pernambuco. De 1963 a
1977, participou de diversos desafios de luta-livre com o objetivo de divulgar o judô.
Para tal, utilizava-se do judô tradicional Kodokan (instituído por Jigoro Kano). Sobre
estes desafios, segundo entrevista concedida ao estudante Verner Roberto, em
201564, o mestre afirma que para se estabelecer no cenário local eram muito
comuns “visitas” em que mestres de outras artes marciais o desafiavam
constantemente e que em nenhuma destes combates foi derrotado.
Ao chegar efetivamente ao Recife-PE para morar e trabalhar percebeu que
existiam poucos professores de Judô (menciona especificadamente os professores
Willians Arruda e o Diógenes Moraes), pois ainda não existiam academias que
ensinassem o Judô e também o karatê. Desta forma, inaugura a Academia
Kawamura, onde funciona até os dias atuais na Rua do Sossego, 107 (bairro da Boa
Vista).
De 1973 a 2005 (quando se aposentou), foi funcionário público na função de
professor de artes marciais da Polícia Militar de Pernambuco. Certo momento,
confirmando sua intensa atividade na modalidade esportiva, o mestre atuava com
judô em nove espaços diferentes no Recife.
Possui importância na fundação e organização da Federação
Pernambucana de Judô (FPJU), onde atua ainda hoje como membro da comissão
de graus. Em 1982, fundou a Federação Pernambucana de Karatê (FPK), pela qual
foi presidente e também ocupou diversos cargos. Nestas duas instituições, o
64 Entrevista publicada em 09/11/2015 no YouTube® (site de armazenamento e compartilhamento de
vídeos na internet), pelo estudante Verner Roberto (em seu próprio canal na página). O conteúdo pode ser livremente acessado através do link: https://www.youtube.com/watch?v=OVBreLP0qQ4.
110
professor Kawamura sempre teve bastante destaque em cargos e funções de gestão
e direção.
O sensei Kawamura desenvolveu um sistema próprio de defesa pessoal
voltado ao universo militar, chamado de GoshinJutsu Kawamura. Além de ter
formado inúmeros atletas e professores de Judô e Karatê, o professor Kawamura
recebeu honrarias por todo seu trabalho com as práticas marciais, dentre elas,
destacamos: reconhecimento por parte da Prefeitura do Recife (ano de 2006) que o
considerou o “pai” do Karatê pernambucano; em 2008, recebeu a homenagem da
Ordem do Mérito KASATO MARU, concedida pela Comissão Nacional do Centenário
da Imigração Japonesa do Brasil.
De acordo com Ferreira (2012, p. 1), é relatado segundo que a mãe do
sensei Hayashi (Sue Kawamura) haveria dito ao filho antes de sair em direção ao
Brasil: “Vá, mas nunca volte pra casa. A covardia seria uma vergonha para a
família”. Ainda segundo a reportagem, reafirma-se a força do sensei em cumprir sua
missão dada pela mãe e ressalta-se o lema que é estampado em sua academia
“Coragem, Justiça, Benevolência, Bom Senso, Gratidão, Sinceridade e Honra”
(FERREIRA, 2012, p. 1), valores que representam a superação dos obstáculos e as
conquistas adquiridas em sua trajetória de vida.
Atualmente, o sensei Hayashi Kawamura segue firme ministrando aulas em
seu mesmo DOJÔ de sempre. Possui o 6º dan de judô (pela Confederação
Brasileira de Judô - CBJ) e o 8º dan de Karatê (pela Confederação Brasileira de
Karatê (CBK). Dentre os seus dois filhos, Raul Kawamura também segue o caminho
marcial, é mestre em karatê,ajuda o pai na gestão da academia e também divulga o
Karatê no estado de Pernambuco.
111
Fotografia 6 – Prof. Kawamura (ao centro) e seus alunos no Clube Astrea em João Pessoa-PB em 1964
Fonte: Federação Pernambucana de Karatê e Goshin Jutsu Kawamura (2017b)
4.1.4 Sensei Marco Aurélio Lauriano de Oliveira
Fotografia 7 – Sensei Marco Aurélio Lauriano de Oliveira
Fonte: o autor (2017)
Marco Aurélio Lauriano de Oliveira nasceu no ano de 1956 e teve toda sua
infância vivenciada no bairro de Santo Amaro (zona norte do Recife). De origem
humilde, Marco sempre brincou bastante nas ruas de seu bairro e também tinha
112
muitos amigos, porém, também tinha fama de brigão da infância para a
adolescência.
Sua entrada no Judô se deu, de certa forma, tardiamente, já que apenas aos
17 anos de idade foi levado por seu irmão para sua primeira aula de judô. Contudo,
a partir de sua entrada neste novo universo, não sabia ele que sua vida seria
integralmente guiada por esta prática enquanto uma verdadeira filosofia de vida.
Teve como primeiro sensei, José Alves (que foi aluno de Willians Arruda).
Seus avanços no judô se deram de forma muito rápida, com, aproximadamente, um
ano e meio (já na faixa roxa) vivenciaria seu primeiro campeonato brasileiro de judô,
numa época em que, geralmente, participavam apenas faixas pretas de judô. Em
sua trajetória competitiva, Marco acumulou alguns importantes feitos, tais como:
treze vezes campeão pernambucano de judô, além de títulos norte-nordeste e
participações em nacionais. No decorrer do histórico competitivo, também foi aluno
do sensei Tadao Nagai (no Sport Club do Recife).
Profissionalmente, Marco Aurélio iniciou seus trabalhos enquanto professor
de Judô por volta do ano 1976 (aos 20 anos de idade). Ao longo de sua experiência
docente nos tatames, acumulou passagens por alguns importantes dojôs da cidade,
tais como: Escola Americana, Instituto Santa Isabel, Radier Junior, Sport Club do
Recife (onde recebeu o título de sócio benemérito por ter sido 10 vezes campeão
Pernambucano), Clube dos Oficiais da Polícia Militar, Colégio São Bento, Academia
Santa Gertrudes (onde também foi coordenador de esportes e Educação Física),
além de ter acumulado várias participações enquanto professor do curso de
formação de faixas pretas da Federação Pernambucana de Judô (FPJU).
Assim como o sensei Lee, Marco Aurélio também partiu para o investimento
nos estudos acadêmicos na área da Educação Física. Com sua formação em
Educação Física (pela Escola Superior de Educação Física – Universidade de
Pernambuco), no ano 1990, motivou-se a investir na área acadêmica, não só
especializando-se (fez especialização na ESEF-UPE entre os anos de 1997 a 1999,
e seu Mestrado em Educação no PPGE-UFPE de 2002 a 2005), como também,
investindo em ser professor universitário, fato este que se deu no ano 1994, quando
foi aprovado no concurso publico da ESEF-UPE.
O trabalho de conclusão do curso de especialização de Oliveira (1999),
tornou-se importante referência científica de contribuição à formação dos
professores de Educação Física de Pernambuco, que optassem em intervir com judô
113
nas escolas, dado que este trabalho possibilitava quebras de paradigmas para
aquela época e nesta área do conhecimento.
A vida de Marco Aurélio está entrelaçada ao da ESEF, não apenas por
situar-se no bairro em que cresceu, mas principalmente pela espécie de “revolução”
acadêmica que liderou nesta instituição, do ponto de vista da formação de novos
senseis envolvidos com o cenário de Lutas (e mais especificadamente com o Judô)
e que pudessem proporcionar novas práticas pedagógicas quanto ao tratamento
teórico-prático deste componente da cultura corporal (Lutas). Para que sua teoria
pudesse ser testada na prática, formou um grupo de estudantes acadêmicos
interessados em aprender judô e, desta ideia, surgiu a Associação ESEF de Judô
(uma das mais fortes do estado).
Podemos reforçar sua importância institucional, citando, por exemplo, o
aumento no número de publicações científicas no estado envolvendo a temática do
Judô e das Lutas a partir de sua entrada na docência universitária. Dentre estas
publicações, vale ressaltarmos duas obras acadêmicas (SALES, 2001; SILVA, 2008)
que trataram sobre sua história de vida e, especificamente, de sua contribuição
institucional. Por volta do ano 2006, deu-se início um grupo informal de estudos em
Lutas (com ênfase em Judô), contanto, a princípio, com apenas quatro integrantes
(Marco Aurélio, Luciano Leonídio, Cláudia Santos e Denis Foster). Houveram
algumas produções e participações em eventos científicos, porém, devido à falta de
tempo dos integrantes, o grupo foi pausado em suas ações.
Do ponto de vista de gestão de entidade reguladora esportiva, Marco
acumulou experiências enquanto dirigente em funções na FPJU e posteriormente,
por divergências ideológicas, encabeçou junto a outros senseis a criação da Liga
Pernambucana de Judô (LIPEJU), sendo o primeiro presidente da mesma. Também
ocupou varias funções na ESEF, dentre elas, a de coordenação de extensão
universitária, por onde também foi coordenador geral (de 1999 a 2003)do Projeto
Santo Amaro (PSA), importante projeto social atrelado a instituição de ensino
superior da ESEF.
Na docência no ensino superior, também atuou no curso de graduação em
Educação Física da instituição Universo Salgado de Oliveira (Universo).
Atualmente, porta o 6º dan (faixa vermelha e branca), é professor do curso
de formação de faixas pretas e membro da comissão de graus da LIPEJU, atua nos
cursos de Educação Física da Faculdade da Associação Caruaruense de Ensino
114
Superior (ASCES-UNITA) e ainda na ESEF-UPE. É casado com Suely de Fátima e
possui duas filhas.
4.1.5 Sensei Tadao Nagai
Fotografia 8 – Sensei Tadao Nagai
Fonte: o autor (2017)
Sensei Tadao Nagai nasceu em 06 de julho de 1935, na cidade de Avaré.
Filho de lavradores japoneses, iniciou no Judô em 1946, quando fora levado por um
amigo de seu pai para morar na residência do professor Ryuzo Ogawa (um dos mais
importantes disseminadores do judô no Brasil) em São Paulo, em sua academia
chamada Budokan. Neste período, Tadao precisou adaptar-se ao severo modelo de
educação tradicionalista imposta pelo seu novo mestre. De acordo com Virgílio
(2002b, p. 252), “o mestre Ogawa responsabilizava os seus alunos pelos afazeres
domésticos como varrer, limpar, cuidar da conservação das instalações, das roupas
[...]”. Todos estes choques foram atenuados pela boa índole e a origem rural do
sensei Tadao.
Aos poucos, o garoto Nagai fora despontando, física e tecnicamente, dentro
do judô. Aos 15 anos, no ano de 1950, tornou-se o mais jovem faixa preta na época.
Em 1955, já com 20 anos, concluiu o curso técnico em contabilidade e, em
1958, ingressou no curso superior de Ciências Econômicas, contudo, devido a sua
115
agenda agitada, dividida entre a vida de atleta e de funcionário do Instituto Brasileiro
de Café, não conseguiu concluir o curso superior.
Em uma situação inusitada, solicitando ajuda para o conserto de um kimono,
conheceu uma jovem de nome Shisako (carinhosamente chamada por todos do judô
como “Dona Edith”), com quem iniciou um namoro, noivado e, por fim, casaram-se,
em 05 de setembro de 1964. Deste casamento surgiram quatro filhos (Elcio, Sérgio,
Silvana e Silvio), sendo todos estes judocas reconhecidos e premiados
competidores. Destes, apenas o Elcio não chegou a faixa preta, preferindo
direcionar-se à área de profissional de Computação.
Enquanto competidor, Nagai soma diversos títulos importantes, dentre eles
podemos destacar: campeão Paulista (1955), campeão Paranaense (1956),
bicampeão Brasileiro de Judô; campeão do Torneio de Faixas Pretas da Budokan
(1957). Em torneio internacional, realizado no Ibirapuera, foi eleito por Sumiyuki
Kotani65 (aluno direto de Jigoro Kano – na época 8º dan) o judoca mais técnico da
competição, recebendo um troféu. Em 1964, Nagai representou o Brasil em torneio
realizado em Nova York – Estados Unidos e, por muito pouco, não representou o
Brasil nas Olimpíadas de Tóquio, onde estreou a modalidade judô.Na ocasião, o
sensei ficou classificado (juntamente com o sensei Shiozawa) para ir as Olímpiadas,
contudo, devido aos cortes de verbas nacionais aos esportes, foi enviado apenas o
melhor ranqueado, que na ocasião era o Shiozawa. Em 1987, chefiou a delegação
brasileira no México, onde sagraram-se campeões Pan-americanos.
Em 1970, foi transferido de são Paulo para Recife pelo Instituto Brasileiro de
Café. Nesta nova etapa da vida estava decidido a não mais atuar profissionalmente
com o judô. Contudo, não foi bem o que aconteceu. Assim que aportou no Recife,
muitos ficaram sabendo de sua vinda e, com isso, começaram os convites para
retornar ao universo judoístico, principalmente através do então presidente da
Federação Pernambucana de Pugilismo, o Prof. Williams Arruda. Cedendo a estes,
inicia-se uma nova fase no judô Pernambucano, onde o sensei Nagai, em 1971,
decide fundar sua própria academia, a Associação Nagai de Judô. Desta nova
65 Sobre os episódios da premiação relacionada ao professor japonês e aluno de Jigoro Kano Kotani
e também sobre a “quase” participação nas olimpíadas de 1964, conseguimos ricas informações através do canal de vídeos no YouTube® (site de armazenamento e compartilhamento de vídeos na internet) intitulado de “SOBRE NAGAI” que trata-se de um projeto gerenciado por Luana Nagai (neta de Tadao Nagai) e que visa explorar especificadamente de fatos importantes da vida de seu avô. As entrevistas podem ser acessadas através do Link: https://www.youtube.com/channel/UCIMb0o5U4U9UlW9niaXDhwg.
116
escola surgiu boa parte dos competidores e professores de judô do estado de
Pernambuco. Atualmente, três de seus ex-alunos, fazem parte da seleção brasileira
de judô: Mariana Barros, Katherine Campos e Guilherme Pinheiro.
Participou da fundação da Federação Pernambucana de Judô (FPJU), em
16 de novembro de 1972, tendo presidido no decorrer dos anos 1977, 1978, 1979,
1980, 1983, 1984, 1987 e 1988.
De acordo com Nagai, Silvana e Nagai, Sérgio (1998), podemos verificar
que, enquanto educador do judô, o professor lecionou em importantes escolas da
capital, tais quais: Colégio Boa Viagem, Colégio Santa Maria e o Colégio Salesiano.
Em matéria recente Ponsoni (2014, p. 4), menciona que o professor destaca
a seguinte frase de cunho educacional:
Para evoluir de uma graduação para outra nos exames de faixa, nunca cobrei apenas a execução perfeita dos golpes. Meus alunos precisam apresentar ainda uma declaração de bom comportamento assinada pela família e boas notas na escola. Quando me questionam sobre isso, respondo que, antes de mais nada, eu sou educador.
Atualmente, o sensei Nagai é nono dan de Judô (único em Pernambuco),
sua associação está filiada à Liga Pernambucana de Judô (LIPEJU), entidade pela
qual também ajudou a fundar, e também é diretor nacional da comissão de Graus da
Liga Nacional de Judô (LNJ). Leciona com Judô infantil em algumas escolas
particulares e também em sua academia. Sensei Nagai começa a observar os seus
netos progredindo no tatame e dando continuidade à tradição familiar. Casado com
“Dona Edite”, agora curtem o retorno de seu filho Silvio que possui um restaurante
Japonês vinculado ao espaço da academia do sensei.
117
Fotografia 9 – Família Nagai
Fonte: Associação Nagai (2017)
4.2 Gênese do Judô no Recife
Buscando a valorização daqueles que fizeram parte do início do judô na
cidade do Recife, detalharemos um pouco mais acerca desta gênese do ponto de
vista de sua cronologia e de seus principais personagens. Faz-se importante esta
discussão uma vez que nos situa em relação aos marcos temporais relacionados
aos problemas, avanços e conquistas vivenciados por tais mestres.
Mesmo que ainda esteja fora de nossa delimitação temporal prevista para
esta pesquisa (1952 a 1972), é necessário que possamos detalhar algumas
particularidades que antecederam nossa delimitação temporal, para que, assim,
possamos contextualizar mais claramente nossos principais achados. Desta forma,
algumas pesquisas, como a de Cavalcante (2014, p. 73), nos trazem o indicativo de
que o Judô “pode ter sido iniciado no Estado a partir da passagem de um mestre
japonês chamado Takeo Yano, por volta da década de 1950”. Contudo, em recente
e importante descoberta, foram encontrados registros de passagem pelo Recife de
uma trupe de lutadores (dentre eles, Mitsuyo Maeda, até então, principal nome
relacionado à introdução do judô no Brasil) com demonstrações e desafios de lutas
estreando na cidade no antigo Theatro Moderno (pertencente ao grupo Bandeira e
Cia.) localizado no bairro de Santo Antônio, em 26 de agosto de 1915, e ficando na
cidade até 06 de setembro. Este fato sugere uma grande investigação, pois tem
118
modificado toda a base histórica do judô nacional que, até então, previa que esta
trupe havia se instalado quase que diretamente para dar aulas em Belém-PA, tendo
como seus primeiros alunos a família Gracie (LAYDNER; TAKAO, 2013)66. Afora
esta nova informação que remete aos primórdios do judô/jiu-jitsu de passagem pelo
Recife, acredita-se que, no início, os professores de judô possam ter vivenciado
embates e divergências quanto à liberdade de atuação profissional e certa confusão
quanto à habilitação para se atuar com o Jiu-jitsu Brasileiro (oriundo da Família
Gracie) ou com o próprio Judô (preconizado pelo Jigoro Kano), tendo em vista que
um dos principais responsáveis por trazer o Judô ao Brasil (Mitsuyo Maeda ou
Conde Koma) foi também o responsável por introduzir o Jiu-jitsu Brasileiro.
Somando-se a isso, nesta época, ainda não existiam entidades reguladoras e/ou
organizacionais destas modalidades. Acreditamos que deva ter existido uma fusão,
com linha tênue, entre a atuação dos mestres pioneiros habilitados ao Jiu-jitsu
brasileiro e/ou Judô (acredita-se que a faixa preta nesta época garantia ampla
atuação frente às duas distintas modalidades). É provável que apenas
posteriormente isso tenha sido melhor organizado, ou seja, após as criações de
instituições reguladoras em nosso estado (ex: federações esportivas). Aqui, vale
lembrarmos que Recife também é considerado um dos berços da Luta Livre67, ou
Vale-Tudo, como era comumente chamado. Neste antigo cenário, não se tinha
grandes diferenciações dentre estas especialidades de lutas (jiu-jitsu, judô e luta
livre).
Tendo Mitsuyo Maeda e Takeo Yano (este segundo, veremos adiante mais
detalhadamente) como principais referências relacionadas aos primeiros sinais de
passagem do judô pela cidade do Recife, e sendo estes, japoneses, é inevitável e
relevantemente necessário que busquemos informações acerca da imigração
japonesa no estado de Pernambuco. De acordo com importante pesquisa realizada
por Fabreau (2009) resgatamos importantes informações para o entendimento deste
referido contexto histórico (imigração japonesa em Pernambuco). A partir deste
autor, temos a informação de que um maior volume de japoneses chegou ao Recife
66 Ainda sobre a passagem do Maeda pelo Recife-PE, de acordo com Laydner e Takao (2013): “O
fato é que entre 26 de Agosto e 6 de Setembro a trupe se apresentou no Theatro Moderno, no formato já conhecido: lutas entre os membros do grupo e desafio do Conde Koma valendo 5.000 francos a quem o vencesse ou 500 francos a quem lhe resistisse por 15 minutos”.
67 Atualmente, conhecido como Mix Martial Arts (MMA) ou Artes marciais Mistas, como o próprio nome indica, significa uma modalidade esportiva de combate com utilização dos saberes técnicos de várias modalidades integradas.
119
oficialmente por volta da década de 30 e se estabeleceram principalmente no
comércio recifense (área da horticultura), residindo em bairros como os da Torre,
Várzea e Bongi. Desta forma, temos a imigração japonesa na cidade do Recife,
sendo estabelecida mais fortemente a partir da década de 30. Contudo, ainda de
acordo com o autor supracitado, sabe-se que existiram passagens mais isoladas de
alguns japoneses entre as décadas de 10 e 20, com fins comerciais.
Devidamente contextualizada a época que antecede nosso foco de pesquisa,
pretendemos, como ponto de partida, conhecer um pouco das histórias de nossas
referências entrevistadas, antes de tudo, compreendendo como ocorreram suas
entradas no universo judoístico. Para tal, nesta presente categoria de análise
(Gênese do Judô no Recife) perguntamos-lhes centrados em três quesitos: 1. Como
procederam as suas entradas na prática do Judô? 2. Como se deu a origem e
desenvolvimento do judô na cidade do Recife-PE? 3. Quais foram suas principais
referências judoísticas (senseis)? Dentre as respostas proferidas pelos cinco
entrevistados e sintetizadas pela técnica de análise de conteúdo por predominância
frequencial de palavras (devidamente tratadas pelo software NVIVO®)68, pudemos
obter a seguinte representação gráfica (“nuvem de palavras”) contida devidamente
na figura 7 a seguir.
68 Nesta primeira imagem contida na figura 7 decidimos por permitir a busca por palavras a partir de
três (3) caracteres e não cinco (5) como as demais. Esta decisão deve-se ao fato de que por estarmos buscando nomes relacionados à gênese do Judô no Recife, sabíamos que existiam senseis (nomes próprios) que poderiam ser citados pelos entrevistados e que possuíam três caracteres em seu nome. Desta forma evitamos que dados importantes pudessem ser colocados fora da questão a que se referia à imagem.
120
Figura 7 – Categoria 1: Gênese do Judô no Recife-PE
Fonte: o autor (2017)
De acordo com a imagem produzida mediante interseção das falas, podemos
perceber que várias referências importantes do cenário nacional, regional e estadual
do judô são mencionadas com maior constância que outras. Em associação à
pesquisa documental, foi possível remontarmos graficamente a genealogia destes
mestres, possibilitando sintetizar quais foram as influencias e principais referencias
dos nossos professores participantes na pesquisa, como podemos verificar logo
abaixo na figura 8.
121
Figura 8 – Influências e principais referências dos senseis entrevistados
Fonte: o autor (2017)
Na análise da figura acima, percebe-se que dentre os nossos cinco mestres
entrevistados temos dois genuinamente estrangeiros (um japonês – Hayashi
Kawamura e um Coreano – Byung Kuk Lee), um brasileiro descendente (filho) de
Japonês (Tadao Nagai) e mais dois brasileiros e nordestinos (Diógenes Moraes e
Marco Aurélio). Desta forma, percebe-se que existiu certa heterogeneidade cultural
em nossa amostra no tocante às experiências de judoísticas experimentadas por
estes mestres entrevistados. Aqui, cabe relatarmos que ao longo das entrevistas,
percebíamos muitas vezes que os dojôs vivenciados através de culturas distintas,
sejam em países diferentes e/ou até mesmo regiões distintas do Brasil,
possibilitavam vivências e aprendizagens diferenciadas. Isso nos faz crer que
mesmo que o judô possua um sistema base de ensino, linguagem (japonesa) e
técnicas padrões, possivelmente o mesmo sofre influências diretas a depender da
cultura local de onde o dojô esteja instalado.
cidad
orais
e ma
que
med
Arru
qual
em
Haya
facu
Willi
Quanto
de do Rec
s e docum
arcos histó
o judô n
diante os t
da, e dep
itativamen
referida o
ashi Kawa
ldades) de
Figura
Aqui c
am Arruda
à cronolo
cife-PE, e
mentais), co
óricos do j
na cidade
trabalhos
pois, cron
nte no dese
ordem seq
amura; Ta
esenvolvido
a 9 – Cronolo
cabe uma
a (apresen
ogia relaci
mediante
onseguimo
judô na ci
do Recife
de dois im
nológica e
envolvimen
üencial (te
adao Naga
o pelo sen
ogia do Judô
F
observaç
ntado na
ionada à
a análise
os remonta
dade. De
e-PE, enq
mportantes
posterior
nto judoíst
emporal e
ai e, por
sei Marco
ô recifense a
Fonte: o auto
ção referen
figura 10)
origem e
criteriosa
ar graficam
acordo co
quanto po
s mestres,
rmente, fo
tico os seg
e cronológ
fim, o tra
Aurélio La
partir dos pr
or (2017)
nte à pres
). Este nã
desenvolv
dos dado
mente a sin
om a figura
nto de pa
, Diógenes
oram surgi
guintes e im
ica): sens
abalho ma
auriano de
rotagonistas
sença do
ão fez par
vimento do
os coletado
ntetização
a 9, pudem
artida, se
s Moraes
indo e co
mportantes
sei Byung
ais acadê
Oliveira.
entrevistado
nome do
rte direta
122
o judô na
os (relatos
das fases
mos inferir
constituiu
e William
ontribuindo
s mestres,
Kuk Lee;
êmico (em
os
professor
de nossa
2
a
s
s
r
u
m
o
m
r
a
123
pesquisa enquanto entrevista, visto que o mesmo já é falecido69, bem como, em
decorrência do critério de exclusão em nossa pesquisa (já que ficou definido que
apenas entrevistaríamos diretamente aos mestres e não por terceiros e/ou
familiares). Contudo, se faz importante mencionarmos que em todas as falas dos
senseis entrevistados, o nome do professor William Arruda foi mencionado com
grande constância (aferida via técnica análise frequencial de palavras e que pode
ser verificada conforme na figura 7) no que se refere ao início do judô na cidade do
Recife-PE. Desta forma, buscando reforçar a afirmativa constante nas falas dos
entrevistados (conforme pudemos verificar na imagem supracitada), encontramos
importante comprovação documental70 que ratifica a veracidade de que, no período
inicial da origem do judô no Recife (por volta de 1947-1948), o professor Arruda,
possivelmente, havia tido instruções com a passagem do Takeo Yano pelo Recife (o
que também foi fortalecido pela fala do mestre Diógenes Moraes). O referido
documento, contido na figura 11 logo abaixo, menciona o reconhecimento de
atividade profissional com judô por parte de William Arruda em instituição militar
(Guarda Civil da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Pernambuco) já nos
anos de 1949, e que podemos usar como importante fonte documental e
comprovatória de atuação profissional com o judô em proximidade e/ou
concomitância ao sensei Diógenes Moraes. Desta forma, podemos inferir que estes
dois mestres representam o marco inicial do ensino sistematizado do Judô na cidade
do Recife-PE.
69 Nasceu em 18 de dezembro de 1923 e faleceu em 03 de outubro de 2001, aos 77 anos. 70 Documento de importante relevância à pesquisa e que foi postado na página pessoal de William
Arruda Filho (filho do falecido professor William Arruda) no Facebook® e cedido posteriormente por ele mesmo à nossa pesquisa.
124
Figura 10 – Professor William Arruda
Fonte: Arruda Filho (2017a)
Figura 11 – Registro documental de trabalho do Prof. William Arruda com o judô (1949-1964)
Fonte: Arruda Filho (2017b)
125
4.3 Educação pelo Judô
Nesta segunda categoria temática de análise de nossa pesquisa, nos
preocupamos em compreender a interrelação existente entre a educação e o judô
através do entendimento dos antigos mestres da cidade do Recife. Desta forma, os
mesmos foram motivados a opinarem baseando-se em quatro eixos temáticos
norteadores (que também podem ser denominados como sub-nós ou
subcategorias): 1. Lições educativas do judô; 2. Princípios Filosóficos e sua
aplicabilidade prática; 3. Complementação à formação educacional; 4. Judô nas
escolas.
Sobre as lições educativas vivenciadas através da prática do judô, obtemos
os seguintes dados de acordo com a figura 12.
Figura 12 – Categoria 2: Educação pelo Judô (Lições educativas do judô)
Fonte: o autor (2017)
Mediante os dados coletados, e de acordo com a imagem acima, constatou-
se que palavras tais como: CONTRIBUIR, REGRAS, ENFRENTAR, FORMAÇÃO,
SENTIMENTO, ESPORTE, JIGORO, IMPORTANTE, dentre outras, tiveram maior
predominância de aparecimento nas falas dos senseis. Desta forma, inferimos que
126
os mestres percebem que o judô é importante ferramenta educacional e que
possibilita a aprendizagem de algumas lições educativas.
Dentre estas lições, os mestres mencionaram que o praticante de judô
aprende a enfrentar obstáculos da vida através da formação constituída por regras
(sejam normas de etiqueta dentro do dojô, ou ainda, no ambiente extra dojô) e pela
ética e moral esperada de uma judoca frente à sociedade.
Também ressalta-se a percepção dos senseis de que Jigoro Kano destacou-
se ao formular um sistema de cunho educacional e que, através do mesmo, os seus
praticantes seriam capazes de buscar um emancipação que permitisse enfrentar a
vida com maior fluidez e sabedoria.
Em relação aos princípios filosóficos e a sua respectiva aplicabilidade prática,
de acordo com a figura 13, foi possível obtermos os seguintes termos como
prevalentes: PRINCÍPIO, FILOSOFIA, ALUNO, CRIANÇA, IMPORTANTE,
COMPREENSÃO, dentre outros que nos fizeram criticamente compreender que, de
acordo com atores desta pesquisa (senseis), é possível entendermos que os dois
princípios filosóficos do judô (melhor uso da energia e também o de prosperidade e
benefícios mútuos) são de suma importância como fio condutor para uma postura
íntegra e humana perante a sociedade. Contudo, com a modernidade e os costumes
contemporâneos, de certa forma mais liberais no que diz respeito a criação dos
filhos, os senseis convergem para um entendimento de que esta filosofia só
funcionaria na prática e no cotidiano a partir dos ideais defendidos pelo sensei que
conduz o seu dojô, ou seja, a depender daquele que fará bom uso deste
conhecimento. Quanto a esta questão, existem estudos como o de Santos (2006) e
Santos et al. (1990) que ratificam a ideia de que os princípios judoísticos parecem
estar enfraquecidos nos dias atuais, principalmente em decorrência de um
desvirtuamento dos propósitos preconizados por Kano, e que parecem ter
sucumbido ao universo do judô competição. Os autores em questão constataram,
inclusive, que faixas pretas muitas vezes desconhecem os princípios filosóficos
existentes.
Ainda de acordo com os mestres entrevistados, os mesmos reforçaram a
ideia de que o judô possa ser conduzido, preferencialmente, desde a infância, para
que possa ser empreendido um ensinamento consistente e progressivo do ponto de
vista do entendimento da filosofia. Um outro ponto interessante ressaltado é a
conexão entre os princípios filosóficos e o código moral do judô (descrito na página
127
89). Por fim, sugere-se que para que se tenha o máximo proveito dos princípios
filosóficos norteadores da prática judoística, são necessários esforços para que
sejam explorados os conceitos da forma mais didática possível e que, assim,
colaborem para a compreensão plena por parte do alunado e de acordo com a
capacidade de cada faixa etária.
Figura 13 – Categoria 2: Educação pelo Judô (Princípios filosóficos e suas aplicabilidades práticas)
Fonte: o autor (2017)
Mediante o resultado obtido através da representação gráfica apresentada
acima, podemos compreender que os mestres entrevistados percebem que os
princípios filosóficos específicos da modalidade são pilares importantes a serem
apreendidos e compreendidos pelos praticantes, de modo a possibilitar que desde
muito cedo (crianças) possam dominar suas energias (também um princípio
Eliasiano do processo civilizador) e conduzir um estilo de vida alicerçado por estes
princípios.
O terceiro passo na categoria de análise refere-se à educação pelo judô,
nele buscamos entender como se dá a possível complementação à formação
128
educacional a partir da prática do judô. Quanto a este ponto, podemos verificar os
dados contidos na figura 14.
Figura 14 – Categoria 2: Educação pelo Judô (Complementação à formação educacional)
Fonte: o autor (2017)
Através da imagem acima referenciada, é possível percebermos uma
evidência maior aos termos: ALUNO, FILOSOFIA, ESCOLA, CRIANÇA, COLÉGIO,
COMPREENSÃO, ESTUDO e PERSPECTIVA. Desta forma, percebe-se que os
senseis compreendem que o judô é importante ferramenta educativa a partir do
momento em que o mesmo possibilita a complementação educacional dos
praticantes (educação não formal ou não institucionalizada) associadamente ao
papel da escola (educação formal) e também à educação do lar (geralmente
conduzida pelos pais). Também ficou subentendido que o judô ocupa forte função na
educação comportamental e disciplinar, já que a prática têm sido fortemente
indicada por médicos, terapeutas etc. Todos os senseis entrevistados se
enxergavam reconhecidamente importantes nesta função auxiliar enquanto
educadores.
Ainda em análise a esta categoria, cabe uma reflexão crítica para que
possamos compreender que o judô sozinho não consegue e nunca conseguirá dar
conta da educação de qualquer indivíduo. Apesar de cumprir com uma função
129
importante (e auxiliar), é sabido que esta complexidade do ato de educar só se fará
qualitativamente presente a partir do entendimento da tríade educacional composta
pela relação Judô-Pais-Escola que, em sincronismo ideológico, gerarão perspectivas
mais exitosas de facilitar a educação. Aqui cabe uma ressalva, pois o judô tem sido
largamente “vendido” como o “esporte que educa porque tem filosofia”, ou o judô
“disciplina as crianças”, dentre outras expressões que escutamos com frequência.
Contudo, é pertinente reforçar a ideia de que o que faz do judô uma importante
ferramenta de potencial educativo é o equilíbrio em sua volta, e que permite que o
mesmo favoreça a este fim.
Por fim, enquanto última análise em questão nesta macro categoria,
(Educação pelo Judô) buscamos favorecer a reflexão dos mestres a partir do
questionamento quanto ao olhar dos mesmos no que se refere à importância, ou
não, da presença do judô dentro das escolas (instituições formais de ensino). A
figura 15 abaixo, representa os dados pertencentes a esta análise.
Figura 15 – Categoria 2: Educação pelo Judô (Judô nas Escolas)
Fonte: o autor (2017)
Dentre os termos/palavras mais constantes, pudemos constatar os seguintes:
ESCOLAS, COLÉGIO, CAPOEIRA, FORMA, TRATADA, IMPORTANTE,
NECESSÁRIO e CAMINHO. Enquanto análise, depreendemos que os mestres
130
imprimem importantes reflexões através de suas informações, declaradas ou
subliminares, contidas em suas falas. Uma delas refere-se ao reconhecimento de
que, dentre as modalidades de lutas existentes no ambiente escolar, o judô71 têm
sido uma das mais difundidas, e que, atualmente, estes mesmos mestres já
percebem e reconhecem a chegada e importância da capoeira neste contexto
escolar. Os senseis destacam que no cerne da importância de tais práticas dentro
da escola foca-se a formação dos indivíduos, e que o judô possui reconhecido valor
neste ambiente devido ao reconhecimento social enquanto ferramenta de cunho
educacional.
Todos os senseis entrevistados mostraram-se otimistas quando ao aumento
expressivo do judô dentro das escolas do Recife. Este olhar deve-se também ao
histórico destes senseis, pois conforme vimos (no breve histórico descrito nesta
pesquisa) muitos destes atuaram em escolas importantes de nossa cidade e tiveram
papel fundamental nesta massificação e maior permeabilidade da modalidade no
ambiente escolar. Um outro fator relevante quanto à presença do judô nas escolas
deve-se à sua histórica relação com IES (Instituições de Ensino Superior),
principalmente em cursos de graduação em Educação Física, segmento formativo
que ainda possui forte ligação com o judô, através de projetos de extensão,
disciplinas curriculares e/ou núcleos específicos de pesquisa, e que,
consequentemente, impulsiona um maior número de pesquisas científicas sobre a
modalidade, fortalecendo a aproximação e o reconhecimento por parte da instituição
escola.
Por fim, enquanto fechamento de análise desta categoria (educação pelo
Judô), concluímos que, reforçados por todo debate construído na seção 3 de nossa
pesquisa (que detalhou a relação entre o judô e a educação), juntamente com as
falas dos relevantes mestres por nós entrevistados, não é possível dissociar o judô
da educação, visto que seu próprio criador lutou desde a gênese para que o seu
sistema possuísse abrangência educativa. Logicamente, deduzimos que um sensei
humanista e bem formado pelos pilares filosóficos da modalidade fomentará a
otimização prática deste mencionado contexto. 71 Lembramos que a palavra JUDÔ não consta no gráfico devido aos critérios estabelecidos (e já
esclarecidos) para a nossa análise. Contudo, ao liberarmos palavras a partir de quatro caracteres, constatamos que de fato foi a palavra mais repetida por todos e em quase todos os gráficos deste trabalho. Para que não ficasse cansativo à análise, deixamos claro que a palavra JUDÔ sempre estivera presente repetidamente nas falas de todos os senseis, o que enquanto analistas dos dados, naturalmente já esperávamos por isso.
131
4.4 Cultura Judoística
Para análise dos aspectos relacionados especificadamente à cultura
judoística, propriamente dita, intentamos compreender as nuances contidas nos
seguintes núcleos de análise: 1. Disciplina e Hierarquia; 2. Esportivização do Judô e
3. Tradicionalismo no Judô. Optamos pelos mesmos por compreendermos que a
análise destes pontos facilitará uma compreensão macro dos pontos mais relevantes
quanto à cultura específica do judô.
Quanto à disciplina e hierarquia, extraímos a seguinte informação, a partir de
nossos mestres entrevistados, conforme podemos verificar de acordo com a figura
16.
Figura 16 – Categoria3: Cultura Judoística (Disciplina e Hierarquia)
Fonte: o autor (2017)
Ao analisarmos os dados obtidos, constata-se que as palavras como
“DISCIPLINA”, “HIERARQUIA”, “RESPEITO”, “FAMÍLIA”, “RESPEITAR”,
“DETERMINADAS” e “SUPERIOR” foram as mais mencionadas pelos senseis
entrevistados. Desta forma, é possível compreendermos que, possivelmente, devido
à gênese do judô (no Japão) ter sido desenvolvida à luz dos conflitos e batalhas
oriundas do contexto cultural pertinente à cultura samurai, desta forma entendida
132
aqui, enquanto de cunho marcial (guerras e batalhas no lado oriental), levanta-se
assim, a compreensão de que disciplina e hierarquia naturalmente façam parte do
contexto atual e diário daqueles que praticam tal modalidade de combate (judocas).
Conforme discutimos anteriormente, durante as entrevistas percebemos que os
senseis enfatizavam que a procura pelo judô, por intermédio das famílias atuais, dá-
se, em grande parte, devido a esta “propaganda” declarada ou, ainda, subliminar, o
que nos conduz ao entendimento de que o judô é vendido para a sociedade como
um esporte de luta ideal, que irá favorecer a educação das crianças juntamente ao
apoio familiar e à educação formal proporcionada pela escola.
Na prática do judô, seja através da hierarquia das graduações (cores das
faixas) ou na relação sensei-discípulo, são claras as exemplificações por onde são
favorecidas a disseminação prática do cultivo de valores pertinentes ao respeito,
disciplina e hierarquia. A própria “etiqueta” da modalidade favorece-nos a este
entendimento. É padrão entrar no dojô e respeitosamente saudar aos mais
graduados, à imagem do mestre Jigoro Kano (geralmente exposta na maioria dos
dojôs) e até a forma de se dispor no dojô quanto à hierarquia dos demais. Acredita-
se que estes valores e costumes culturais possibilitem possíveis ajustes
educacionais e/ou comportamentais aos seus praticantes (positivos e/ou negativos).
Apesar da maioria dos senseis entrevistados (quatro, do total de cinco)
reforçarem um discurso de forte valorização ao modelo tradicional de rígida
disciplina vivenciada por eles em suas vidas dentro do judô, fazemos uma
ponderação crítica para apontar a necessidade de alguns ajustes comportamentais
por parte dos professores de judô. Sabemos que culturalmente o Japão é muito
distinto do Brasil e que, ainda mais atualmente, se transferirmos integralmente o seu
modelo de ensino judoístico à nossa cultura, possivelmente geraremos choques de
compatibilidade. Como exemplo desta discussão, podemos relembrar que
antigamente ainda era aceito no Brasil que um sensei pudesse corrigir seus
discípulos através de “leve” pancada com uma “shinai” (espécie de espada de
bambu), algo que nos dias atuais foi inteiramente extinto (ao menos na maioria dos
dojôs do país), inclusive, por exemplo, devido às possíveis interpretações das leis de
proteção à criança e ao adolescente que poderiam, eventualmente, entender como
abuso por parte do professor. Outro exemplo clássico e vivido por boa parte dos
senseis entrevistados era o ato de comumente lavar banheiros e varrer os dojôs de
seus mestres, algo que também fora extinto gradativamente com o passar do tempo.
133
O que aqui queremos discutir com estas exemplificações são os ajustes culturais
necessários para que o judô tradicional, como ele foi “importado” ao Brasil, seja
ressignificado a partir das demandas culturais de nosso próprio país, contudo, que
não perca os pilares essências da prática, preconizados por Jigoro Kano.
For fim, concluímos que são necessários esforços para que fatores, tais
como a disciplina e a hierarquia, possam ser desenvolvidos nos dojôs, pois é sabido
que, em escalas contextualizadas, são importantes de serem valorizados dentro do
convívio em sociedade. Todavia, devem ser desenvolvidos mediante uma
contextualização cultural não advinda de incidências de práticas autoritárias por
parte de senseis, infelizmente ainda comum em alguns dojôs.
Para que possamos ampliar os horizontes quanto à compreensão do judô,
faz-se necessário que analisemos o processo de esportivização sofrido pelo mesmo
ao longo do tempo, para tal, obtivemos os seguintes termos chaves mais frequentes
analisados via software e representado abaixo pela figura 17: “ESPORTE”,
“OLIMPÍADAS”, “EDUCAÇÃO”, “ESPORTIVIZAÇÃO”, “PROBLEMA”, “MUNDO” E
“MODALIDADE”.
Figura 17 – Categoria3: Cultura Judoística (Esportivização do Judô)
Fonte: o autor (2017)
A partir dos dados acima encontrados, podemos identificar que os mestres
entrevistados percebem que o processo de esportivização vivenciado pelo judô, ao
134
longo do tempo, perpassa pela reflexão crítica que compreende o Judô enquanto
arte marcial esportivizada. Contudo, nada é tão simples de ser analisado. Dentre os
senseis entrevistados para esta pesquisa, a grande maioria (quatro, dos cinco)
valorizou os ganhos do judô enquanto modalidade esportiva, no entanto, boa parte
(três, dos cinco entrevistados) reconhecem que o judô atual teve perdas, ou seja,
pagou o preço por sua transformação. Expliquemos melhor esta análise. A palavra
“problema”, ressaltada dentre as mais frequentes, representa esta preocupação por
parte dos senseis da pesquisa. Podemos dizer (de acordo com o que detalhamos na
seção três desta dissertação) que não restam dúvidas quanto à existência de
aproximação entre Jigoro Kano e o ocidente (vide suas 12 viagens, não apenas para
compreender mais sobre o modelo educacional ocidental, como também, através de
sua real aproximação com o Barão de Coubertin – pai das olimpíadas modernas).
Esta mesma aproximação denota, dentre outras intenções, que Jigoro Kano
planejou seu projeto de expansão e massificação do judô por todos os continentes
através do envio de seus principais alunos. Todavia, com a forte institucionalização
da modalidade foi criando-se uma rigidez que acabara por enfraquecer o lado
“marcial”, de cunho filosófico-educativo do judô, através da massiva
espetacularização da modalidade.
A percepção que transparece nas entrevistas é ade que os senseis ficam
preocupados com as perspectivas deste judô, ou seja, até onde ele poderá chegar.
Sabe-se, por exemplo, que atualmente, até mesmo na luta competitiva em si,
judocas não mais buscam o golpe perfeito, pois sabem que podem sair vitoriosos
apenas através de componentes táticos que levem o outro a ser punido por faltas
(penalidades), ou seja, até as lutas estão ficando, muitas vezes, monótonas e
preocupantes, já que não se vê mais aquele judô de técnicas “plásticas” e
“perfeitas”, como de outrora. Quanto ao aspecto educacional do judô, acreditamos
que a esportivização ajuda na popularização e aumento significativo e gradual de
adeptos pelo mundo inteiro (seja com acesso via projetos sociais ou via clubes e
escolas particulares – judô pago), contudo, temos pequenos judocas muito mais
preocupados em iniciar uma carreira de atleta que o leve a ser um “lutador” de judô
e não mais um “judoca”, o que se constitui um fator de preocupação e
questionamento acerca da cultura moderna do esporte – mais especificadamente no
judô.
135
Para fim de análise, ainda no que concerne à cultura do Judô, intentamos
saber como contextualiza-se o tradicionalismo (propriamente dito) dentro do judô no
olhar dos antigos mestres. Para tal, solicitamos ao leitor que atentem à figura 18.
Figura 18 – Categoria 3: Cultura Judoística (Tradicionalismo no Judô)
Fonte: o autor (2017)
Através da técnica de análise de conteúdo, via utilização de software (com
ênfase na incidência frequencial de palavras contidas nas falas dos entrevistados –
nossa principal fonte para a pesquisa), é possível percebermos que as palavras ou
termos predominantes para esta análise foram as seguintes: “CULTURA”, “BRASIL”,
“MANEIRA”, “DIFERENTE”, PRÓPRIO”, “JIGORO”, “CUMPRIMENTO”, “FORMA”,
“TRADICIONAL” e “BRASILEIRO”. Através destes dados podemos analisar e
deduzir uma compreensão que nos leva a reflexão crítica de que, no judô, são muito
claras as formalizações e normas de etiqueta próprias e mundialmente
disseminadas. O tradicionalismo no judô é tido como algo fortemente predominante
no cotidiano dos praticantes, contudo, para nossa surpresa, os atores (senseis)
desta pesquisa ressaltaram palavras como “cultura”, “Brasil”, “diferente” e “maneira”
que, devidamente contextualizadas nas falas dos mesmos, nos deixou
apontamentos interessantes do ponto de vista da percepção dos senseis quanto a
necessidade de que o povo brasileiro, ao treinar judô (no contexto contemporâneo),
deva tê-lo adaptado e um pouco mais flexibilizado quanto à rigidez japonesa
136
tradicional da modalidade. Endossando a nossa análise, em estudo realizado por
Drigo et al. (2005) percebeu-se que não era estratégia interessante simular
radicalmente o oriente no ocidente através de práticas de artes marciais,
estimulando espécie de um “mini Japão” nos dojôs, pois isso poderia gerar
problemas de especialização precoce e aculturamento dos praticantes. Esta
maleabilidade cultural a que nos referimos visa determinar que o judô se adapte à
cultura local do país onde está inserido o dojô (logicamente com permanência de
seus princípios e etiquetas) e não o inverso (a cultura do país ser modificada
naquele ambiente de educação – dojô). Contudo, o judô é tão massificado em nosso
país (em quantidades de praticantes e popularização) ejá está tão entrelaçado à
nossa cultura, que autores como Machado (2011, p. 22) chegam a afirmar que “o
Judô é uma japonesização da sociedade brasileira”.
De forma conclusiva, sintetizando as inferências gerais possibilitadas pela
análise da presente categoria, intitulada de “cultura judoística”, é pertinente
apontarmos para um entendimento coletivo e reflexivo de que os senseis da
atualidade sejam críticos quanto à apropriação cultural japonesa, de forma
exacerbada e refletida, nas práticas dentro de seus espaços de ensino (dojôs). Aqui,
provocamos o leitor a uma expansão compreensiva da necessidade de que, mesmo
que o foco (enquanto proposta de seu dojô) seja direcionado ao judô como prática
esportiva voltada ao alto rendimento, é necessário não contribuirmos para o declínio
ou a extinção de características culturais, etiquetas e/ou princípios educativo-
filosóficos do judô de Kano.
4.5 Sociedade e Violência (Aspectos Civilizatórios do Judô)
Aqui, nesta categoria de análise, buscamos “provocar” os mestres para que
pudessem se posicionar acerca do entendimento de como uma prática de luta, arte
marcial e/ou esporte de combate pode se relacionar negativa ou positivamente com
aspectos da violência social, do ponto de vista do praticante e do sensei. O que
intentamos é posicionar a prática do judô, ou até mesmo a “persona” do judoca em
si, enquanto pertinente à discussão acerca do controle das emoções e a excitação
preconizadas pela análise da teoria eliasiana (construída pelo sociólogo alemão
Norbert Elias). Para tal discussão, obtemos os seguintes dados coletados via
entrevistas e representados graficamente através da figura 19, abaixo apresentada.
137
Figura 19 – Categoria 4: Sociedade e Violência (aspectos civilizatórios do Judô)
Fonte: o autor (2017)
Desta forma, analisando a imagem acima, constatamos uma prevalência dos
seguintes termos e/ou palavras: “PROFESSOR”, “DEFENDER”, “REALIDADE”,
“MEDIADOR”, “COMPREENSÃO”, “RELAÇÃO”, “ALUNO”, “ENFRENTAR”,
“VIOLÊNCIA”, “FAMÍLIA” e “ENSINANDO”.
Ao analisarmos os dados informacionais presentes nas entrelinhas das
“falas” de cada mestre, é possível deduzirmos que os mesmos compreendem que as
artes marciais possuem capacidade para formar o cidadão em busca de uma
sociedade mais equilibrada emocionalmente.
De acordo com Almeida et al. (2009, p. 166), “um ponto importante na obra
de Elias é a compreensão da necessidade de domar os instintos violentos”. Nesta
lógica, pretendemos analisar o papel do Judô frente a esta possibilidade de
utilização.
É sabido que as artes marciais (de uma forma geral, mas principalmente as
orientais) possuem, paradoxalmente, uma compreensão antagônica dentro de sua
própria cronologia histórica, e que, com o passar do tempo, as levaram a serem
resignificadas em esportes. Podemos dizer que da mesma forma em que as
mesmas foram reconhecidamente importantes enquanto possibilidade de
manutenção da sobrevivência de guerreiros (por exemplo, os samurais no Japão)
138
quando em batalhas/guerras entre civilizações, percebe-se que, atualmente, o
mundo contemporâneo lhes desconstrói para fazer delas novas formas de utilização.
Se no passado tinha-se o propósito claro de confrontar o inimigo até a morte, hoje
têm-se um “oponente” transitório que, emocionalmente controlados, é possível, por
exemplo, disputar uma competição usando as “armas” (técnicas resignificadas não
mais para matar) e ao mesmo tempo possuir uma relação de amizade real com este
mesmo oponente (nesta analogia, este mesmo indivíduo seria o inimigo do
passado). Mas como isso é possível? Certamente devido ao processo civilizatório
pela qual passaram as artes marciais, até se transformarem, em sua grande maioria,
em esportes de combate.
Nesta transição civilizatória, pertinente ao mundo esportivo, percebemos que
o judô caminhou claramente em direção a uma esportivização, já em sua gênese,
como podemos perceber mais detalhadamente através das aproximações e filiações
teóricas conduzidas pelo próprio Jigoro Kano (ver mais detalhadamente na seção 3).
O próprio encaminhamento de uma arte marcial até transformar-se em uma
modalidade esportiva de combate, os leva, através de seus próprios sistemas
regrados e burocratizados, à uma representação clara e direta de um processo lento
de encaminhamento voltado a um processo civilizatório direcionado para um
controle da violência (ALMEIDA et al., 2009). Em outras palavras, pode-se dizer que
ao transformá-la em esportes, as próprias inclusões e desenvolvimento de regras faz
com que ocorra uma espécie de controle social destas praticas, no sentido de
reduzir a violência, seja na intenção de proteção e/ou um maior respeito à
integridade física do oponente, ou por um julgamento social que cerceia a
possibilidade de ter-se a violência exaltada através do esporte. Afinal, o que
pretende-se é “civilizar” a arte marcial “rude”, “violenta” e “agressiva” de outrora.Em
relação a esta nossa analogia referente à teoria do processo civilizatório quando
aplicada ao contexto da esportivização das artes marciais, nos fortalecemos de
outros autores, como por exemplo,o Marta (2009) em sua tese de doutoramento,
que corrobora com esta nossa compreensão e proposição reflexiva.
De acordo com os atores da pesquisa (senseis), o Judô possui base
filosófica capaz de favorecer o autocontrole do praticante e, consequentemente,
minimizar conflitos sociais. Basta compreendermos a essência do pilar filosófico do
JITA KIOEY (prosperidade e benefícios mútuos) e perceberemos que por trás deste
princípio se favorece ao judoca que, para uma convivência harmoniosa numa
139
sociedade, são necessários esforços relacionados à ajuda ao próximo e/ou
semelhante. Esta mesma teia relacional, por onde ocorrem episódios nos mais
diversos âmbitos sociais, é prevista pela teoria do processo civilizatório onde
compreende-se que a sociedade é moldada por costumes e hábitos que são
constantemente dinâmicos e mediados por uma interrelação na cadeia social em
questão. Em nossos estudos, observamos importantes aproximações conceituais
entre os fundamentos teóricos de Kano (2008) e os de Elias (1994a,b), pois é
perceptível que o criador do judô compreendia a importância emocional dos
indivíduos perante suas interrelações sociais, quanto a isso, encontramos trecho por
onde o mesmo ressalta que “a educação moral deve ser implementada com base no
aspecto das emoções” (KANO, 2008, p. 59), e com isso, ele pretendia comunicar
que um indivíduo treinado emocionalmente (capacidade de exercer o autocontrole)
torna-se mais hábil em lidar com relações sociais e discernir melhor sobre suas
ações e tomadas de decisões. Outro ponto relevante de proximidade conceitual
entre os dois personagens (Kano e Elias) deve-se ao fato de que Jigoro com a
criação e implementação de um dos princípios filosóficos (Seiryoku Zenyo), âncoras
de seu sistema, pregava com este, a ideia de “melhor utilização da força física
(energia)”, Oras... ao nosso ver, isso nada mais é que a conscientização por parte
do judoca (praticante de judô) de que ele deva racionalizar a sua energia através
das técnicas do judô e que filosoficamente possa entender que não deva
desperdiçar energia sem razão em suas ações no tatame e na vida. Se entendermos
que violência é desgaste energético gratuito (e muitas vezes irracional) ao indivíduo,
perceberemos que Kano possuía nas entrelinhas de seus pilares filosóficos, a idéia
de que devemos prezar pelo não uso da força, das “brigas”, das “guerras” etc.
Utilizando-se de analogia direta do processo civilizatório preconizado por
Elias (1994a,b), Pimenta (2009, p. 3) afirma, categoricamente, que se o processo
histórico fosse linear, movimentos violentos e agressivos pertinentes as práticas do
passado seriam facilmente banidos do contexto atual, pois, segundo o autor, “no
processo civilizador a contenção de atitudes evidenciadas pela constante
interdependência entre os indivíduos torna-se condição essencial para a convivência
coletiva”. Contudo, o número de praticantes de esportes de combate só faz
aumentar no mundo inteiro. É justamente este fenômeno que queremos analisar,
sob a ótica da ressignificação das artes marciais pelo mundo contemporâneo.
Algumas importantes ponderações são necessárias: Compreender que a cultura do
140
oriente difere plenamente do ocidente; utilizar-se adequadamente de Elias enquanto
modelo de análise, independente de que ele não tenha investigado culturas fora da
europeia em suas pesquisas.
Em se tratando de artes marciais e/ou esportes de combate, mais
especificadamente do judô, compreendemos que a sociedade contemporânea passa
por diversas tensões emocionais (guerras, crises econômicas, políticas, etc.) e que
levam ao aumento da violência de uma forma geral. A pergunta que se faz é a
seguinte: Qual o papel destas práticas marciais na sociedade contemporânea? Ao
nosso ver, ainda que complexa, esta pergunta direciona para uma resposta que
contempla a compreensão de que estas práticas são verdadeiras válvulas de escape
emocional, que permitem aos praticantes extravasarem suas aflições e
agressividades acumuladas (mas que obviamente não podem ser extravasadas em
demasia) e que são mediadas por controle de regras sociais entre os indivíduos de
uma sociedade (sejam as leis, bom senso social, etc.). Reforçando a nossa
compreensão acima explanada, de acordo com Elias e Dunning (1979 apud
PIMENTA, 2009), a prática desportiva é reconhecida como espaço (quase
institucionalizado), para a exaltação de emoções suprimidas pelo processo social.
Segundo Pimenta (2009, p. 5) “o processo civilizador está ligado ao ganho
progressivo de autocontrole por parte dos indivíduos, autocontrole necessário para a
convivência social e para o progresso industrial e comercial”. Também entendemos
que práticas de lutas, artes marciais e/ou esportes de combate que possuam algum
tipo de propósito filosófico por trás de sua idealização (como é o caso do Judô),
facilitem no sentido de os praticantes serem direcionados há um estado de maior
autoconhecimento, sabedoria e, consequentemente, um maior controle de suas
emoções (autocontrole). Logicamente não somos ingênuos em pensar que não
existiria significativo peso na forma com que os líderes (senseis) transmitem este
conhecimento técnico-filosófico pertinente à modalidade desenvolvida em seu dojô.
A exemplo disso, citamos o clássico problema sofrido pelo Jiu-Jitsu brasileiro, na
década de 90, na cidade do Rio de Janeiro, quando muitos destes praticantes da
época foram chamados de “pit-boys”, como forma de expressão de sua extrema
agressividade não controlada e que eram externalizadas constantemente em brigas
e conflitos na vida noturna daquela época. Sabe-se que este era um caso típico de
má utilização e apoderação equivocada destas práticas marciais que, por sinal, eram
141
facilitadas, inclusive, por boa parte dos próprios senseis de jiu-jitsu brasileiro daquela
geração, algo difícil de compreender.
Muitos dos mestres de judô entrevistados por esta pesquisa reforçaram a
necessidade do bom uso do judô, mediado por um bom professor e devidamente
contextualizado aos seus praticantes. Nossos entrevistados ainda mencionaram a
importância de um seio familiar devidamente equilibrado para que formemos
crianças mais inteligentes emocionalmente.
Percebe-se que, ao longo de um continuum histórico-cronológico, as artes
marciais foram sendo “civilizadas” ao ponto de terem seus golpes (técnicas) mais
contundentes excluídos (o próprio judô vem alterando regras constantemente e
banindo atitudes e técnicas perigosas), além disso, novas roupagens vão sendo
idealizadas nas artes marciais, gerando, inclusive, conflito entre as gerações de
senseis mais tradicionalistas e outros mais contemporâneos. Dentre estas novas
“roupagens” dadas a estas práticas milenares e/ou seculares, podemos citar o
exemplo da prática do Muay Thai (boxe tailandês) do tipo “executivo” que chegou
forte comercialmente (do ponto de vista mercadológico), no universo das academias
de ginástica do Brasil, e que acaba vulgarizada enquanto prática centenária, agora
reduzida a um mero “produto fitness”. Nesta modalidade não existe confrontação
alguma, para evitar ao máximo as lesões os praticantes executam suas técnicas ou
de frente à espelhos ou, no máximo, impactando os membros contra materiais
específicos acolchoados (também chamados de “paradores”). Nossa inquietação se
faz presente ao entendermos que a luta pede a oposição, e esta mesma oposição se
dá a partir da confrontação com um ou mais oponentes. Oras... Sem oposição não
existe combate! Não nos resta dúvida que assim, desvios de propósitos, como os
citados acima, são claramente recriações equivocadas de práticas de lutas, e que
não possuem grandes benefícios ao autocontrole, autoconhecimento e/ou
espiritualidade alguma. No máximo, apenas facilitarão a construção de corpos
fisicamente mais fortes, consistindo, portanto, em reducionismo dos potenciais que
uma prática marcial pode oferecer à sociedade.
Em síntese, para esta categoria de análise, inferimos (a partir das próprias
falas dos mestres entrevistados) que não será o judô que favorecerá a violência
enquanto prática de luta/marcial. Este tende a cumprir justamente uma função
inversa, ou seja, de favorecimento de um maior controle dos impulsos e emoções
142
inadequadas que possam ocorrer por parte dos praticantes. Assim entendem os
mestres requeridos por esta pesquisa.
4.6 Expectativas para o Futuro do Judô
Em nossa última categoria de análise vislumbramos refletir acerca da
perspectiva de futuro ao judô a partir do olhar de nossos mestres protagonistas. É
sabido que ao longo da trajetória de cada um deles muitas histórias e episódios
positivos e/ou negativos foram vivenciados. Desta forma, entendemos que ao
extraímos suas reais perspectivas de futuro, as quais julgamos serem importantes
para a geração do presente e do futuro no judô do Recife, fica subentendido que
isso só é possível a partir da história de vida de cada um, o que permitirá análise
inferida através de olhar único e exclusivo carregado de vieses próprios de cada
uma destas histórias. Desta forma, decidimos dividir essa presente categoria de
análise, permeando-as a partir de duas subcategorias, que são elas: 1. Mensagem
dos mestres à comunidade Judoística; e 2. Expectativas dos senseis para o futuro.
Em relação à mensagem final e pessoal, proferida pelos mestres à toda
comunidade judoística (e eventuais leitores desta dissertação), obtivemos as
seguintes palavras-chave (dados) de acordo com a figura 20: “APRENDE”,
“TEMPO”, “TÉCNICA”, “MENSAGEM” e “UNIVERSIDADES”.
Figura 20 – Categoria 5: Expectativas para futuro do Judô (Mensagem dos mestres à
comunidade judoística)
Fonte: o autor (2017)
143
Percebemos que estão incutidas nas entrelinhas dos discursos dos mestres
a ideia central de que são necessários esforços para que o judô seja cada vez mais
popularizado, mas que também o mesmo não perca seus valores e significados
preconizados pelo seu criador.
Nos chama atenção a ênfase dada as “universidades” enquanto espaço
reconhecidamente exitoso, do ponto de vista da propagação e qualificação do judô.
Logicamente, acreditamos que esta palavra tenha sido bastante mencionada devido
ao envolvimento da Educação Física no processo de valorização ao judô, seja
através de pesquisas, ensino (disciplinas) e/ou extensão universitária que envolvam
projetos com o Judô. O aumento numérico de IES que ofertam os cursos de
graduação em Educação Física tem possibilitado uma maior aproximação entre
treinadores de judô (portadores da faixa preta) e uma maior procura pela dupla
formação (formação do Judô e acadêmica), fator que tem resultado em saltos
qualitativos no que tange aos aspectos didáticos e metodológicos do ensino do Judô
na cidade do Recife.
Já em relação à perspectiva de futuro para o judô, foi possível coletar os
seguintes dados terminológicos predominantes (contidos na figura 21):
“UNIVERSIDADES”, “TEMPO”, “MUNDO”, “CAMPEONATO”, “LUTAS”,
“EVOLUÇÃO”, “SERVIR”, “ESPERANÇA”, “GRATIFICANTE” e, por fim, “HUMANO”.
Figura 21 – Categoria 5: Expectativas para futuro do Judô (Expectativas dos senseis para o
futuro)
Fonte: o autor (2017)
144
Ao analisarmos as falas dos mestres, podemos inferir que suas perspectivas
de futuro em relação ao judô giram em torno da compreensão de que, de modo
geral, as universidades refletem boas possibilidades e oportunidades ao judô. A
predominância de termos tais como: “mundo”, “humano”, “esperança”, “evolução”,
“servir”, refletem o otimismo por parte dos senseis entrevistados nesta pesquisa, de
forma que estes percebem a existência de espaço para o referido esporte avançar e
se desenvolver, não só no Recife como no mundo. Também nos chama atenção o
olhar humanista de busca por uma sociedade mais equilibrada, denotando que
muitos destes mestres carregam consigo o judô e os princípios de Kano como uma
filosofia de vida, que preza por uma relação social de valorização ao próximo e de
prosperidade a partir de boas atitudes para com o semelhante.
Todas as cinco categorias de análise criadas para a nossa pesquisa foram
permeadas pela necessidade e intento de que houvesse reflexões críticas por onde
se fizesse presente análises e inferências entre o judô e a educação, para tal,
buscamos interfaces pertinentes ao problema central de nossa pesquisa, como
também, aos seus objetivos de análise.
145
5 RELAÇÕES E (RE)CONSTRUÇÕES DO JUDÔ RECIFENSE: o que Aprendemos com o Ontem e que poderemos Revolucionar no Cenário Judoístico do amanhã?
Baseando-se pela teoria da interdependência, proposta por Elias (1994a), é
possível compreendermos que os acontecimentos do presente são proporcionados
por um conjunto de interrelações que montam uma teia relacional entre os indivíduos
de uma sociedade e que, assim, permite-se que ocorra um pleno desenvolver social
e civilizatório em direção a nichos denominados de configurações. Assim, pudemos
perceber que a gênese do judô na cidade do Recife-PE se deu através de
interrelações entre a sociedade recifense e seu respectivo acolhimento a alguns dos
mestres residentes e “estrangeiros” aqui entrevistados, como também (e
principalmente) da interação entre estes próprios mestres. A esta permissividade e
este intercâmbio cultural permitiu-se que houvesse uma simbiose entre as mais
diferentes realidades que cada um destes mestres carregava e ainda carregam
consigo. Assim, de forma harmoniosa, foram sendo constituídos processualmente e
se estabelecendo cada uma das escolas judoísticas pioneiras de nossa cidade.
Ao longo de nossa investigação junto aos mestres, ficaram claras as
evidências de que o tradicionalismo no âmbito do judô é algo bastante valorizado. O
que se discute é que os senseis da atualidade possam contextualizar devidamente a
representação destas mesmas tradições no presente momento. Falamos isso
porque é sabido que práticas culturalmente aceitas há décadas podem não ser mais
facilmente compreendidas, ou até mesmo nem sejam mais interessantes frente aos
conceitos globalizados atuais. Neste sentido, são necessários esforços para que o
judô possa ter sua identidade preservada do ponto de vista dos princípios filosóficos
e/ou educacionais, mas que possamos analisar a viabilidade, por exemplo, da
perpetuação de gestos rígidos e culturais próprios da etiqueta e costumes
civilizatórios específicos da sociedade japonesa, que em muito difere da brasileira.
Assim, o judô sempre deverá adaptar-se à cultura local de onde se insere (e não o
contrário), porém sem perder sua essência.
Entendendo que o presente só se concretiza mediante um passado de muita
luta, é importante lembramos as dificuldades e os obstáculos superados por parte
destes senseis que fizeram de seus dojôs importantes espaços de educação, e que
através destes formaram diversas gerações de judocas, mas antes de tudo,de
146
cidadãos. Quanto a este aspecto, não nos restam dúvidas, pois mediante nosso
contato com estas referências, durante as entrevistas, pudemos perceber através de
suas falas e também de seus gestuais o comprometimento destes mestres com o
propósito judoístico, como também, com suas próprias perspectivas educacionais,
enquanto agentes influenciadores de toda uma geração de praticantes que
passaram por suas mãos. Não nos restam dúvidas, entendermos não apenas a
função exercida por estes senseis, mas principalmente o engajamento dos mesmos
enquanto educadores na essência da palavra. Não foram poucos os relatos de
episódios relacionados às importantes intervenções educacionais realizadas pelos
mesmos.
Dentre outros legados, ressaltamos que, por mérito destes senseis,
atualmente temos um bom número de praticantes de judô em nossa cidade, e a
escola pernambucana (estadual) de judô é bastante valorizada no cenário nacional
de competições. No contexto vigente, quase todas as escolas (predominantemente
privadas) possuem o judô como atividade extracurricular, além da pluralidade
numérica de academias/dojôs específicas que não param de crescer, e das várias
instituições reguladoras da pratica em nossa cidade (entre Federações e Ligas).
Este legado mencionado acima só foi possível mediante a construção de uma
configuração que se deu de forma processual através de uma teia relacional muito
comum nas praticas marciais, que é aquela que se dá na direção do mestre para o
pupilo que fica incumbido de perpetuar aquele conhecimento a uma próxima
geração. Não temos nenhuma dúvida de que na arvore genealógica (ou teia) do judô
Recifense os atuais senseis (pelo menos em sua maioria) se interligam por algum
momento da história com as nossas referências entrevistadas para esta pesquisa. E
assim, o judô do agora nada mais é que a representação ressignificada do judô
relatado historicamente por nossa pesquisa.
Por fim, respondendo à pergunta provocativa desta presente seção,
podemos afirmar que um caminho promissor parece apontar para a necessidade de
preservar nossas raízes genealógicas, a fim de que não fiquem esquecidas. Há
muito que aprender com estes educadores e suas sabedorias de vida. Os senseis
de hoje deverão compreender os de ontem, de forma que possam contextualizar
sócio-historicamente as suas intervenções docentes em suas “salas de aula” (dojôs).
O judô do futuro é interdependente do judô do passado e não restam dúvidas que,
se bem direcionado, poderá fazer a diferença enquanto meio de educação não
147
formal. Resta-nos provocar a nova geração dos senseis do agora (os que
atualmente estão ativos no cenário): Qual legado vocês querem perpetuar para as
próximas gerações? Ainda estamos dando conta dos pressupostos filosóficos e
educacionais preconizados por Jigoro Kano? Esperamos que estas e outras
perguntas sejam respondidas brevemente através de novos estudos de cunho
histórico, filosófico e/ou educacionais que venham a ser produzidos nestas áreas do
conhecimento.
148
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Chegar neste ponto da pesquisa nos traz bastante satisfação na medida em
que reconhecemos a importância da organização processual de todo o trabalho.
Olhar para trás e perceber que a obra foi construída ao longo de dois anos
investidos em sólidas leituras, em congruência ao exercício constante da reflexão
crítica, nos orgulha, tendo em vista a assimilação de novas teorias, que inicialmente
não eram tão próximas ao cotidiano do pesquisador, mas que já são de extrema
relevância a este. Durante todo o processo, e por cada fase de construção desta
dissertação, tivemos a sensação de que dois anos foi um tempo muito curto diante
da “sede” do pesquisador em investigar e construir algo que faz parte do universo
das grandes motivações do mesmo. Neste sentido, tivemos que lidar com a
compreensão de que se tratava de uma dissertação, e não de uma tese e, assim,
acalmava-se um pouco mais o ímpeto de tentativa de “abraçar o mundo” dentro da
própria pesquisa.
Aliás, ressalta-se que dissertar sobre as ideias de Jigoro Kanofoi
demasiadamente prazeroso ao autor, em especial, a partir do reconhecimento ao
mérito que fazemos do mesmo, bem como, mediante sua biografia, mas
principalmente, a sua genialidade e importância para a Educação Física oriental. A
sapiência de Kano para transformar o complexo no simples e, a partir disso, criar
conceitos, muitas vezes nos impressiona. A exemplo, citamos o conceito do “ceder
para vencer”, que nada mais é do que a habilidade cognitiva e/ou física de utilizar-se
da força do oponente para vencê-lo (entendimento de que o mais fraco pode vencer
o mais forte). Curiosamente, este conceito (ceder para vencer) extrapolou os muros
dos dojôs, e atualmente são utilizados em diversas outras áreas do conhecimento,
como por exemplo, pelo mundo corporativo/empresarial e/ou na área da psicologia
comunicacional, como atestam as seguintes obras literárias – Yoffie; Kwak (2002) e
Lager; Kraft (1981). Em suma, reafirmamos que para tratar apenas de Jigoro Kano e
sua biografia, seria necessária uma exclusiva dissertação para tal missão. Contudo,
como não vem ao caso em nossa obra, seguimos com nossa missão de aqui, no
final da obra, apontar ao leitor os nossos principais achados nesta pesquisa.
Neste último ponto da pesquisa, a pretensão é de identificar cada etapa
vivenciada, mas principalmente, projetar inferências que permitam dar a nossa
identidade à pesquisa e possibilitar reflexões acerca do que conquistamos para a
149
atualidade com a nossa pesquisa. Também se pretende, e de forma especial,
discutir as possibilidades de utilização de nossos achados, no intento de projetarmos
acréscimos à comunidade científica interessada em nosso objeto de estudo.
Ao longo do trajeto da pesquisa, sabíamos que o desafio de analisar a
história do judô da cidade do Recife-PE, buscando compreende-la através de seus
próprios protagonistas (senseis), seria tarefa árdua a ser enfrentada. Durante toda a
pesquisa buscamos realizar interface compreensiva com a educação a partir dos
espaços próprios de ensino do judô, denominados dojôs, através dos quais
construímos (processualmente) um pleno entendimento de que são verdadeiras
salas de aulas onde estes mestres, literalmente, complementaram a educação de
seus praticantes a partir de complexas relações. Neste contexto, subentende-se que
a educação dos indivíduos deverá ser pautada através da tríade: ESCOLA
(educação formal) – PAIS (educação familiar) – AMBIENTE (pertinente ao mundo
externo - não institucionalizado/universo não formal de educação – facilitador de
apreensão de conhecimento, por exemplo, práticas esportivas, tais como o judô).
Buscando remeter o leitor a relembrar toda a linha de construção de nossa
pesquisa, iniciamos a partir do resgate da introdução (seção 1) por onde buscamos
localizar o autor da pesquisa no seio judoístico e, desta forma, estabelecer as
principais motivações para encabeçarmos o presente trabalho. Nesta fase também
foi possível resgatar importantes conexões entre o pesquisador e seu objeto de
pesquisa (reflexões educacionais acerca dos dojôs de judô a partir de seus
mestres). Ao longo desta primeira parte introdutória, buscamos contextualizar o judô
facilitando a compreensão das razões fundamentais para entender a gênese do judô
no Recife, em determinado recorte temporal (1952 a 1972). Este caminho foi de
suma importância para, ainda na mesma seção, apresentarmos também o problema,
os objetivos e a hipótese de nosso estudo. Quanto ao problema de pesquisa, ao
longo da dissertação, buscamos facilitar a compreensão de como as vidas e
experiências vividas pelos mestres entrevistados possibilitaram a constituição de
uma configuração específica (judoística) relacionada aos mais diversos contextos
(social, educacional, histórico e econômico) e, ao que constatamos, culminou com o
desenvolvimento do Judô na cidade do Recife-PE. Entendemos também que foi
possível, ao longo do trabalho, dar conta de cada objetivo proposto, assim
como,ratificamos que houve ao final da pesquisa uma concordância com a hipótese
sugerida à pesquisa, o que nos leva a constatar que os dojôs configuram-se
150
enquanto espaços de educação (não formal) e que o judô, quando bem direcionado,
possui potencial enquanto reconhecida ferramenta educativa. Esperamos que a
partir desta apresentação inicial da pesquisa, contida na primeira seção, tenha
despertado o interesse dos leitores em conhecer um pouco mais de nossa
investigação científica.
Na segunda seção de nossa pesquisa, centramos em ressaltar as nossas
filiações teóricas pertinentes à estruturação metodológica. Buscamos reforçar a
justificativa por adesões, fizemos um levantamento das teses e dissertações que
investigaram as lutas através da metodologia da história oral, constituindo, assim,
um estado da arte. Neste âmbito, vale ressaltar que dentre 17 teses e dissertações,
selecionamos três Kohl (2012), Marta (2009), Nunes (2011) para nortear importantes
aproximações com nossa respectiva filiação metodológica. Também pontuamos
nosso cuidado quanto aos critérios de inclusão e exclusão relacionados à seleção
dos mestres entrevistados. Quanto às opções metodológicas, buscamos elucidar
quais critérios, métodos e técnicas optamos como eixo central à nossa pesquisa,
neste sentido, defendemos o posicionamento em decisão à utilização da
metodologia de história oral e da técnica de análise de conteúdo. Para tal, buscamos
filiação teórica embasada em autores clássicos destas áreas, tais como Bardin
(2011), Thompson (1992), Meihy (2014) dentre outros relevantes autores
selecionados. Ainda no âmbito metodológico, vislumbramos o desafio de utilizar-se
de software (NVivo®) de análise qualitativa (até então ainda pouco utilizado em
nosso programa de pós-graduação), pois compreendemos que desta forma
possibilitaríamos a expressão de um olhar mais contemporâneo em associação às
possibilidades tecnológicas de ferramentas científicas disponíveis na atualidade.
Acreditamos que o resultado foi positivo, não só no aspecto visual e na exposição
dos achados da pesquisa, mas, principalmente, porque nos permitiu realizar
inferências que poderiam não ser enxergadas através de um trabalho
predominantemente manual, no que corresponde ao tratamento e análise dos dados
coletados. Vale pontuarmos que, do ponto de vista da aprendizagem, também foi
enriquecedora e satisfatória a experiência de atuar com métodos e técnicas
relacionadas à história oral e a análise de conteúdo, estes que já são considerados
recursos metodológicos clássicos em pesquisas de cunho sociológico dentro da
grande área das ciências humanas e sociais.
151
Na terceira seção, podemos dizer que tratou-se do coração de nossa
pesquisa, foi construído todo arcabouço teórico acerca das aproximações teóricas
existentes e referentes ao judô e à educação. Buscamos levantar questionamentos
quanto à base educacional de Jigoro Kano para a construção do judô, discutimos
também quanto à relação de diferenças pertinentes à cultura ocidental e oriental,
como também a relação entre tradicionalismo e modernidade no âmbito do judô.
Também possibilitamos discussão acerca da teoria do processo civilizatório
(preconizada pelo sociólogo Norbert Elias) aplicada às lutas, artes marciais e/ou
esportes de combate. E por fim, ainda levantamos a discussão do ambiente dojô
como espaços condizentes com o favorecimento da educação não formal. A ideia
central desta seção foi a de permitir reflexões críticas por parte do leitor, de forma
que o mesmo pudesse visualizar o propósito central de nossa pesquisa no que
tange a discussão do judô como pertencente ao macro contexto da educação e
reconhecido como importante ferramenta educativa. Acreditamos que tenhamos
dado conta de explicitar importantes ligações relacionadas à Jigoro kano e a
educação em suas devidas especificidades, selecionadas por nós para análise e
discussão.
Dando sequência à pesquisa, chegamos a seção 4 buscando analisar e
discutir os dados coletados e tratados por nossa metodologia e, a partir destes,
produzir inferências que favorecessem responder à nossa pesquisa. Nesta seção,
apresentamos um breve histórico de cada sensei (participantes ativos de nossa
pesquisa). Vale ressaltarmos que para montagem deste histórico buscamos a
interligação entre as entrevistas (fonte oral materializada) e as fontes documentais
selecionadas para tal intuito de análise. Também seguimos analisando,
individualmente, cada categorização (codificações) delineada por nossa pesquisa.
Através da criticidade reflexiva, realizamos nossa função ativa enquanto
pesquisadores e, assim, analisamos e construímos reflexões diretas e objetivas
referentes a todos os gráficos (resultantes enquanto produtos da análise efetuada
via software), como também, construímos alguns elementos gráficos e mapas
mentais que facilitarão, ao leitor, o entendimento de nossa análise.
Em nosso quinto (e penúltima seção), através de análise direta, compilamos
todas as nossas inferências e compreensões acerca da pesquisa e construímos uma
analogia que remetesse a uma crítica direta relacionada ao passado, presente e ao
futuro do judô na cidade alvo investigada (Recife). Para tal, ensaiamos uma reflexão
152
crítica que facilitasse a compreensão do presente a partir da valorização do passado
e, para tal, resgatamos a história de importantes referências do judô recifense
investigados em nossa pesquisa. Desta forma, provocativamente, denominamos a
seção de “relações e re(construções) do judô recifense: o que aprendemos com o
ontem e que poderemos revolucionar no cenário judoístico do amanhã?” Neste
ponto da pesquisa, pretendeu-se inferir diretamente e criticamente, buscando uma
análise do cenário local do judô e a formulação de propostas e/ou sugestões. Para
tal, baseamo-nos nos achados da própria pesquisa (produtos resultantes da análise
de fontes orais e documentais) em associação às opiniões emitidas a partir da
expertise de quinze anos atuando enquanto professor de judô em escola privada
(em exercício), por parte do pesquisador/autor deste trabalho.
Em termos de conclusões e impressões finais, para tal, baseando-se nos
achados desta pesquisa, constatamos que o judô se diferencia de demais
modalidades esportivas devido as suas características e especificidades filosóficas
preconizadas por seu criador (Jigoro Kano), sujeitas a notadamente à frente do seu
tempo, e que sempre buscou grandes aproximações com a cultura ocidental e
perspectivas europeias de educação para desenvolver um sistema de luta voltado à
educação, formação física e moral dos indivíduos, e que inicialmente teria cunho
marcial, mas ao longo de um lento e gradual processo civilizatório vivenciado
também por todos os atuais esportes (incluindo-se outras práticas de lutas e artes
marciais), foram se transformando em modalidade esportiva de combate.
Quanto às particularidades do ambiente da prática educacional, denominado
dojô, constata-se que estes podem ser consideradas verdadeiras “salas de aula” por
onde se facilita o “caminho” (DÔ) literal da educação. Logicamente que a qualidade
do sensei à frente deste processo será de fundamental importância, haja vista que
caberá a este líder docente, “educar” os seus alunos, embasado pelos preceitos
educacionais do judô preconizados por Jigoro Kano e em convergência com a
cultura social local da configuração judoística em questão. A não formalidade deste
“espaço” (no sentido da não institucionalização) facilitará com que sejam favorecidos
momentos de aprendizagem que extrapole os seus muros e favoreça uma educação
para a vida daqueles que ali estão a aprender para além do judô em si.
Quanto ao processo civilizatório vivenciado pelo judô ao longo de seu trajeto
histórico, pudemos constatar que, contraditoriamente, temos dois posicionamentos
opostos (um positivo e outro negativo). Um primeiro, positivo, relacionado ao fato de
153
que era notório que o próprio Jigoro Kano, em seu plano de difusão do Judô pelo
mundo, pretendia que através das bases educacionais ocidentais vivenciadas por
ele no continente Europeu, pudesse favorecer a própria esportivização do judô,
basta entendermos que na própria gênese do judô, Kano busca a exclusão de
gestos violentos do antigo ju-jutsu (pratica samurai) e com isso ele planeja o
desenvolvimento de uma prática de luta mais pedagógica, que ao ser permitido
vivenciá-la pelo mais diverso público (de crianças a idosos), facilita-se sua
expansão, só que agora, através de uma conotação esportiva. Contudo, e
contraditoriamente, ao se transformar em esporte olímpico e, consequentemente,
renderem-se ao capitalismo esportivo, os preceitos educacionais e filosóficos
(verdadeiros pilares de sustentação da prática), tão importantes ao Judô, acabam
sendo quase que esquecidos, em razão da busca por medalhas e a “luta pela luta”,
enquanto derivação de uma “ex-arte” marcial, agora espetacularizada e
especularizada comercialmente através de um universo que desconfigura suas
raízes fundamentais enquanto ferramenta educativa, pondo-o em risco de extinção,
em troca de um judô dito “moderno”. Esta configuração “contemporânea” do judô
nos permite realizar uma crítica contundente, quanto, por exemplo, à mercantilização
dos exames de faixas, que vem aumentando no Brasil e no mundo, através de
entidades administrativas esportivas e também de professores que não valorizam o
percurso natural (ético e honesto) da conquista da faixa preta (e seus graus
superiores - dans), acabando assim, banalizando a importância e o mérito deste
trajeto clássico do universo das lutas e artes marciais.
Desta forma, entendemos que a teoria civilizatória aplicada ao universo das
práticas marciais possibilita a ocorrência de resultados positivos (a exemplo da
massificação/popularização das práticas pelo mundo) e negativos (como por
exemplo, uma maior abertura para a “mercantilização” do universo das lutas, artes
marciais e esportes de combate),dependendo assim do ângulo em que se analisa e
o que se quer de cada prática.
Temos clareza das limitações existentes, e de que a pesquisa não encerra o
debate no que diz respeito às interrelações entre o judô e a educação, contudo,
ressaltamos a relevância de que a mesma tenha levantado importantes discussões
relacionadas à temática em questão. Entretanto, necessitamos apontar para uma
direção futura, que através de novas pesquisas científicas busquemos ampliar as
nossas compreensões relacionadas ao judô e a sua respectiva magnitude em
154
relação a outros pontos de discussão que parecem ainda pouco estudados dentro
da área educacional. Para tal, apontamos algumas sugestões de áreas carentes de
maiores produções científicas, são algumas delas: Análise dos aspectos didáticos,
pedagógicos e metodológicos relacionados ao ensino do judô; Aproximações
filosóficas e educacionais interdependentes entre o judô e demais modalidades
esportivas de combate de origem oriental e/ou ocidentais; compreensões de gênero
no universo das lutas, artes marciais e esportes de combate.
Sabendo que este estudo não esgota as possibilidades quanto ao objeto
investigado, também temos ciência de que, como toda obra, muitos outros temas
estão interligados e permitem a ampliação de novas discussões e análises. No
entanto, ficamos satisfeitos quanto à produção desta obra, que dentre suas
intenções, esperamos que seja consultada por professores de judô, historiadores
e/ou praticantes de lutas, artes marciais, capoeira e esportes de combate, como
também, acadêmicos da Educação Física, Educação e áreas afins, dentre outros
segmentos interessados em conhecer não só os aspectos históricos do judô da
cidade do Recife, mas principalmente, a relação destes com a educação não formal
viabilizada através das experiências no âmbito dos Dojôs.
155
REFERÊNCIAS
ALBERTI, V. Manual de história oral. 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2005. ______. Ouvir contar: textos em história oral. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2004. ALMEIDA, M. A. B. et. al. O processo civilizatório da marcialidade e a figura feminina. Mov. Percepç., Espírito Santo do Pinhal, v. 10, n. 14, p. 164-179, jan./jun. 2009. ALMEIDA, S. T. de. Poder, controle e violência em Nobert Elias. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL PROCESSO CIVILIZADOR, 12., 2009, Recife. Disponível em: <http://cmapspublic2.ihmc.us/rid1H5TV3CW8-13TZ693 1KZ/WAlmeida%5B1%5D.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2014. ALVES, D. P.; FIGUEIREDO FILHO, D. F.; SILVA, A. H. da. O poderoso NVivo: uma introdução a partir da análise de conteúdo. Rev. Política Hoje, [S. l.], v. 24, n. 2, p. 119-134, 2015. APOLLONI, R. W. "Shaolin à brasileira": estudo sobre a presença e a transformação de elementos religiosos orientais no Kung-Fu praticado no Brasil. 2004. 221 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2004. ARRUDA FILHO, W. [Fotos]. Disponível em: <https://www.facebook.com/williamarrudafilho/photos>. Acesso em: 15 abr. 2017a. ______. Registro documental de trabalho do Prof. William Arruda com o judô (1949-1964). Disponível em: <https://www.facebook.com/williamarrudafilho/photos>. Acesso em: 15 abr. 2017b. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE HISTÓRIA ORAL. Estatuto. Rev. História Oral, Rio Grande do Sul, n. 1, 1998. ASSOCIAÇÃO NAGAI. Família Nagai. Disponível em: <http://www.associacaonagai.com.br/>. Acesso em: 12 fev. 2017. ATHAYDE, M. Historicidade. Laboreal, [S. l.], 10, v. 1, p. 98-100, 2014. Disponível em: <http://www.scielo.mec.pt/pdf/lab/v10n1/v10n1a11.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2016. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Tradução de Luís Antero Reto. São Paulo: Edições 70, 2011. BARROS, J. D’A. O projeto de pesquisa em história: da escolha do tema ao quadro técnico. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2015. BAUMAN, Z. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003.
156
BELOTTO, H. L. Arquivos permanentes: tratamento documental. 4. ed. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 2006. BENDRATH, E. A. Escola, educação não formal e a formação do profissional de educação física. Motrivivência, Florianópolis, ano 22, n. 35, p. 286-300, 2010. BOSI, E. O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social. 3. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2013. BRANDÃO, C. R. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 2013. BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano nacional de educação em direitos humanos. Brasília, DF: Ministério da Educação: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2003. CAMPOS, D. C. de. A análise de conteúdo na pesquisa qualitativa. In: BAPTISTA, M. N.; CAMPOS, D. C. Metodologias de pesquisa em ciências: análise qualitativa e quantitativa. 2. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2016. cap. 23, p. 322-344. CARVALHO, M. de. Judô: ética e educação: em busca dos princípios perdidos. Vitória: Edufes, 2007. CASADO, J. E.; VILLAMÓN, M. l. La utopia educativa de Jigoro Kano: el judô Kodokan. Recorde: rev. História Esporte, [S. l.], v. 2, n. 1, p. 1-40, jun. 2009. CAVALCANTE, M. E. L. Civilização e educação de artistas marciais: os saberes através da prática do Judô (1970-1980). 2014. 166 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2014. CHIZZOTTI, A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1998. CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE JUDÔ. História do judô. Disponível em: <http://www.cbj.com.br/historia_do_judo/>. Acesso em: 03 dez. 2016. COOMBS, P. H.; AHMED, M. Attacking rural poverty: how non-formal education can help. Baltimore: Johns Hopkins University, 1974. CUNHA, P. F. A. da. Capoeiras e valentões na história de São Paulo (1830 a 1930). 2011. 341 f. Dissertação (Mestrado em História Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. DEL VECCHIO, F. B.; MATARUNA, L. Jigoro Kano e Barão de Cobertin: nuances de um pré olimpismo no oriente. Rev. Digital, Buenos Aires, ano 10, n. 68, Enero, 2004. Disponível em: <http://www.efdeportes.com/efd68/kano.htm>. Acesso em: 17 jun. 2016. DRIGO, A. J. O judô: do modelo artesanal ao modelo científico: um estudo sobre as lutas, formação profissional e a construção do habitus. 2007. 250 f. Tese
157
(Doutorado em Educação Física) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007. ______. Reflexões sobre a história do judô no Brasil: a contribuição dos senseis Uadi Murabac (8º Dan) e Luís Tambucci (9º Dan). Disponível em: <http://www.judobrasil.net/histnet.htm>. Acesso em: 20 ago. 2014. DRIGO, A. J. et al. A cultura oriental e o processo de especialização precoce nas artes marciais. Rev. Digital, Buenos Aires, ano 10, n. 86, Julio, 2004. Disponível em: <http://www.efdeportes.com/efd86/artm.htm>. Acesso em: 15 jan.2017. DUARTE, P. Judô: a educação para todos. Santos: Ed. Bueno, 2016. DUNNING, E. A busca pela excitação. Lisboa: Difel, 1992. ______. Sociologia do esporte e os processos civilizatórios. São Paulo: Annablume, 2014. ELIAS, N. O processo civilizador: uma história dos costumes. 2. ed. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1994a. v. 1. ______. O processo civilizador: formação do estado e civilização. 2. ed. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1994b. v. 2. FABREAU, Martín. Trânsitos, conexões e narrativas de imigração em um contexto transnacional: uma etnografia em Rio Bonito – PE. 2009. 168 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2009. FARIAS, C. M. de. Sonhos, lutas e conquistas: projeção e emancipação social das mulheres brasileiras nos esportes, 1932-1979. 2012. 246 f. Dissertação (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2012. FEDERAÇÃO PERNAMBUCANA DE KARATE E GOSHIN JUTSU KAWAMURA. Biografia. Disponível em: <http://fkawamura.com/prof-kawamura/biografia/>. Acesso em: 10 jan. 2017a. ______. Prof. Kawamura no Clube Astrea em 1964. Disponível em: <http://fkawamura.com/prof-kawamura-no-clube-astrea-em-1964/>. Acesso em: 10 maio 2017b. FERREIRA, F. D. C. A inserção do Kung Fu no Brasil na perspectiva dos mestres pioneiros. 2013. 181 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2013. FERREIRA, F. D. C.; MARCHI JÚNIOR, W.; CAPRARO, A. M. O “Kung Fu” no Brasil na perspectiva dos mestres pioneiros: problemas e perspectivas no uso da história oral como instrumento de análise. Rev. Bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbefe/2014nahead/1807-5509-rbefe-1807-55092014005000003.pdf>. Acesso em: 23 jan. 2017.
158
FERREIRA, M. O mestre das mãos vazias. Rev. AURORA, Recife, set. 2012. Suplemento. Disponível em: <https://manoferreira.wordpress.com/category/jornalismo/revista-aurora/page/2/>. Acesso em: 23 jan. 2017. FIGUEIREDO, A. N. Os samurais das selvas: a presença japonesa no Amazonas. Manaus: Edições Muiraquitã, 2012. FRANCHINI, E.; CORREIA, W. R. Produção acadêmica em lutas, artes marciais e esportes de combate. Motriz, Rio Claro, v. 16 n. 1 p. 1-9, jan./mar. 2010. FRANCHINI, E.; DA COSTA, L. P. Fundamentos do judô aplicados à educação olímpica e ao desenvolvimento do Fair Play. In: TURINI, M.; DACOSTA, L. (Org.). Coletânea de textos em estudos olímpicos. Rio de Janeiro: Gama Filho, 2002. v. 1, p. 355-371. FRANCHINI, E.; DEL VECCHIO, F. B. Principios pedagógicos e metodológicos no ensino das lutas. In: FRANCHINI, E.; DEL VECCHIO, F. B. (Org.).Ensino de lutas: reflexões e propostas de programas. São Paulo: Scortecci, 2012. cap. 1, p. 9-27. FRANCO, M. L. P. B. Análise de conteúdo. 4. ed. Brasília, DF: Liber Livro, 2012. (Série Pesquisa, v. 6). FROSI, T. O. Uma história do karate-dô no Rio Grande do Sul: de arte marcial à prática esportiva. 2012. 206 f. Dissertação (Mestrado em Ciências do Movimento Humano) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012. GADOTTI, M. A questão da educação formal/não formal. [S. l.], 2005. Disponível em:<http://www.paulofreire.org/MoacirGadotti/artigos/Portugues/EducaçãoPopulareEJA/Educaçãoformalnãoformal.2005.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2014. GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008. GOHN, M. da G. Educação não formal e o educador social: atuação no desenvolvimento de projetos sociais. São Paulo: Cortez, 2010. ______. Educação não formal e o educador social e projetos sociais. In: VERCELLI, L. A. Educação não formal: campos de atuação. Jundiaí: PACO, 2013. p. 11-32. GOMES, F. J. C. O pulo do gato preto: estudo de três dimensões educacionais das artes-caminhos marciais em uma linhagem de capoeira angola. São Paulo, 2012. 169 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. GOMES, M. S. P.; AVELAR-ROSA, B. Martial arts and combat sports in physical education and sport sciences degrees: a comparative study of Brazil, France, Portugal and Spain. InYo: J. Alternative Perspectives on the Martial Arts and Sciences, [S. l.], v. 12, n. 1, p. 12-28, winter, 2012. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/268809685_Martial_arts_and_combat_sp
159
orts_in_physical_education_and_sport_sciences_degrees__a_comparative_study_of_Brazil_France_Portugal_and_Spain>. Acesso em: 23 jan. 2017. GONDIM, D. F. Aspectos metodológicos aplicados ao ensino do Judô para crianças. 2006. 26 f. Monografia (Graduação em Educação Física) – Universidade de Pernambuco, Recife, 2006. GOODGER, B. C.; GOODGER J. M. Judo in the light of theory and sociological research. Int. Rev. Sociol. Sport, Warsaw, v. 12, n. 2, p. 5-34, jun. 1977. Disponível em: <http://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/101269027701200201>. Acesso em: 20 jan. 2017. GRACIE, R. Carlos Gracie: o criador de uma dinastia. Rio de Janeiro: Record, 2008. GUERRA, I. C. Pesquisa qualitativa e análise de conteúdo: sentidos e formas de uso. Cascais: Ed. Princípia, 2014. JIGORO KANO MEMORIAL INTERNATIONAL SPORTS INSTITUTE. Del profesor Jigoro Kano y 100 años de legado. Disponível em: <http://100yearlegacy.org/sp/Kano_Jigoro/Chronology/>. Acesso em: 10 jul. 2016. JUDOÍSTICO. In: DICIONÁRIO INFOPÉDIA. Porto: Ed. Porto, 2017. Disponível em: <https://www.infopedia.pt/dicionarios/italiano-portugues/judoistico>. Acesso em: 10 jul. 2016. KANO, J. Energia mental e física: escritos do fundador do Judô. São Paulo: Pensamento, 2008a. KANO, J. Kodokan Judô. São Paulo: Cultrix, 2008b. ______. “La contribución del judô a la educacíon”. Introducción, traducíon y notas de Carlos Gutiérrez García e Mikel Pérez Gutiérrez. Rev. Artes Marciales Asiáticas, [S. l.], v. 3, n. 3, p. 38-53, 2008c. KODOKAN JUDO INSTITUTE. Teachings of Kano Jigoro Shihan. Disponível em: <http://kodokanjudoinstitute.org/en/doctrine/>. Acesso em: 10 jul. 2016. KOHL, H. G. Educação e capoeira: figurações emocionais na cidade do Recife-Pernambuco-Brasil. 2012. 390 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2012. ______. Gingado na prática escolar: expressões lúdicas no que fazer da educação física escolar. 2007. 127 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2007. LAGE, M. Utilização do software NVivo em pesquisa qualitativa: uma experiência em EaD. ETD: educ. Temát. Digit., Campinas, v. 12, p. 198-226, mar. 2011. Especial.
160
LAGER, L.; KRAFT, A. L. Judô mental: o método prático para o controle do seu pensamento nos negócios e na vida social e familiar. Rio de Janeiro: Ed. Nórdica, 1981. LAYDNER, L.; TAKAO, F. Exclusivo: Maeda ensinava Jiu-jitsu no Rio 10 anos antes dos Gracies. O Globo, [São Paulo?], set. 2013. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/blogs/mma/posts/2013/09/02/exclusivo-maeda-ensinavajiu-jitsu-no-rio-10-anos-antes-dos-gracies-509051.asp>. Acesso em: 30 Ago. 2014. LIMA, L. M. S. Caminhando para uma nova (?) consciência: uma experiência de introdução da arte marcial na educação. 1999. 331 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999. MACHADO, I. J. de R. Japonesidades multiplicadas: sobre a presença japonesa no Brasil. In: MACHADO, I. J. de R. (Org.) Japonesidades multiplicadas: novos estudos sobre a presença japonesa no Brasil. São Carlos: EdUFSCar, 2011, cap. 1, p. 13-25. MARTA, F. E. F. A memória das lutas: as artes marciais orientais e a sua presença na cultura corporal de São Paulo. São Paulo: EDUC, 2010. ______. A memória das lutas ou o lugar do “DO”: as artes marciais e a construção de um caminho oriental para a cultura corporal na cidade de São Paulo. 2009. 203 f. Tese (Doutorado em História) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2009. ______. O caminho dos pés e das mãos: taekwondo arte marcial, esporte e a colônia Coreana em São Paulo (1970 a 2000). 2004. 138 f. Dissertação (Mestrado em História) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2004. MATOS, J. S.; SENNA, A. K. História oral como fonte: problemas e métodos. Historiae, Rio Grande, v. 2, n. 1, p. 95-108, 2011. MAZZEI, L. C. Cultura e modelo organizacionais da Federação de Judô do Estado do Rio de Janeiro. 2006. 255 f. Dissertação (Mestrado em Administração/Gestão do Esporte) – Universidade do Porto, Porto, 2006. MEIHY, J. C. S. B.; HOLANDA, F. História oral: como fazer, como pensar. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2014. MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 10. ed. São Paulo: Hucitec, 2007. MINAYO, M. C. de S. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2001. MOCARZEL, R. C. da S. Artes marciais e jovens: violência ou valores educacionais? Um estudo de caso de um estilo de Kung Fu. 2011. 108 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Atividade Física) – Universidade Salgado de Oliveira, Niterói, 2011.
161
MONTENEGRO, A. T. História oral e memória: a cultura popular revisitada. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2007. ______. ______. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2013. MOZZATO, A. R.; GRZYBOVSKI, D.; TEIXEIRA, A. N. Software NVivo® para análise de dados em pesquisas qualitativas: identificação das vantagens do seu uso nos estudos organizacionais. [S. l.], 2012. Disponível em: <http://www.redpilares.org/sobrelared/Documents/MOZZATO_etal_Software%20NVivo%C2%AE%20para%20An%C3%A1lise%0de%20Dadoss.pdf>. Acesso em: 05 jan. 2017. NAGAI, L. Sobre Nagai. Disponível em: <https://www.youtube.com/channel/UCIMb0o5U4U9UlW9niaXDhwg/feed>. Acesso em: 05 jan. 2017. NAGAI, S.; NAGAI, S. O judô e vida do atleta e professor Tadao Nagai. 1998. 82 f. Monografia (Graduação em Educação Física) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1998. NUNES, A. V. A influência da imigração japonesa no desenvolvimento do judô brasileiro: uma genealogia dos atletas brasileiros medalhistas em jogos olímpicos e campeonatos mundiais. 2011. 197 f. Tese (Doutorado em Educação Física) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. NUNES, A. V.; RUBIO, K. As origens do judô brasileiro: a árvore genealógica dos medalhistas olímpicos. Rev. Bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v. 26, n. 4, out./dez. 2012. OLIVEIRA, M. A. L. de. Referências técnicas e teóricas do Judô: contribuição para um tratamento metodológico mais significativo. 2000. Monografia (Especialização em Educação Física Escolar) – Universidade de Pernambuco, Recife, 2000. PESET, F. et al. Scientific literature analysis of Judo in web of science®. Arch. Budo, [S. l.], v. 2, p. 81-91, 2013. Disponível em: <http://www.cbj.com.br/painel/arquivos/noticias_arquivos/3103/182516090513_abscientific-literature-analysis-of-judo-in-web-of-science.pdf>. Acesso em: 01 fev. 2016. PIMENTA, T. Racionalizando o machucar: processo civilizador e as artes marciais. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL PROCESSO CIVILIZADOR, 12., 2009, Recife. Anais... Recife: [s. n.], 2009. Disponível em: <http://www.uel.br/grupo-estudo/processoscivilizadores/portugues/sitesanais/anais12/artigos/pdfs/comunicacoes/C_Pimenta.pdf>. Acesso em: 01 fev. 2016. POIRIER, J. et al. Histórias de vida: teoria e prática. Tradução de João Quintela. Oeiras: Celta, 1999. PONSONI, L. O mestre do judô pernambucano. Jornal do Commercio, Recife, nov. 2014. Caderno Esportes, p. 4.
162
QSR INTERNATIONAL. Nvivo 11 pro for windows: getting started guide. [S. l.], 2016. Disponível em: <http://download.qsrinternational.com/Document/NVivo11/11.3.0/en-US/NVivo11 Getting-Started-Guide-Pro-edition.pdf>. Acesso em: 01 fev. 2016. QUINTANEIRO, T. Processo civilizador, sociedade e indivíduo na teoria sociológica de Norbert Elias. Belo Horizonte: Argumentum, 2010. REDE GLOBO NORDESTE. Família atravessa quatro gerações dedicadas ao Judô. Recife, 2016. Disponível em: <http://globoesporte.globo.com/pe/videos/t/ultimos/v/familia-atravessa-quatro-geracoes-dedicadas-ao-judo/5145761/>. Acesso em: 05 jan. 2017. RÉGNIER, P. Le judo en bretagne du point de vue de la théorie du processus de civilisation. Aspects Sociologiques., [S. l.], v. 17, n. 1, p. 86-98, 2010. Disponível em: <http://www.aspects-sociologiques.soc.ulaval.ca/sites/aspects-sociologiques.soc.ulaval.ca/files/regnier2010.pdf>. Acesso em: 04 jan. 2017. ROBERTO, V. Entrevista luta Ibgm. Entrevista realizada com Hayashi Kawamura e publicada no YouTube® (site especializado em compartilhamento e publicações de vídeos) em 09/11/2015. Arquivo pessoal (canal de vídeo) do Verner Roberto. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=OVBreLP0qQ4>. Acesso em: 17 set. 2016. RUFINO, L. G. B. As lutas no contexto escolar e outros ambientes educacionais. Rev. Bras. Prescrição e Fisiologia do Exercício, São Paulo, v. 11, n. 63, p. 914-916, 2016. Edição Especial. RUFINO, L. G. B.; DARIDO, S. C. Análise da prática pedagógica das lutas em contextos não formais de ensino. R. Bras. Ci. e Mov., [S. l.],v. 23, n. 1, p. 12-23, 2015. SALES, P. A. de A. O judô da Escola Superior de Educação Física-UPE a partir do ingresso do professor Marco Aurélio e a mudança na perspectiva do trato metodológico no judô do estado de Pernambuco. 2001. 12 f. Monografia (Graduação em Educação Física) – Universidade de Pernambuco, Recife, 2001. SANTIAGO, A. G. Estudio cronológico sobre los acontecimentos más importantes em la vida de Jigoro Kano. Lecturas: educación física y deportes, Buenos Aires, ano 8, n. 51, ago. 2002. Disponível em: <http://www.efdeportes.com/efd51/kano.htm>. Acesso em: 17 jun. 2016. SANTOS, S. G. dos. A integração oriente-ocidente e os fundamentos do judô educativo. São Paulo: Ed. Factash, 2015. ______. Judô: onde está o caminho suave? Rev. Bras. Cineantropom. Desempenho Hum., Florianópolis, v. 8, n. 1, p. 114-119, 2006.
______. Judô e educação: Jigoro Kano e a integração Oriente-Ocidente. Collatio, Porto, v. 10, p. 39-46, jan./mar. 2012.
163
SANTOS, S. G. dos et al. Estudo sobre a aplicação dos princípios judoísticos na aprendizagem do Judô. Rev. Educ. Fís. UEM, Maringá, n. 1, p. 11-14, 1990. SENSEI. In: SOARES, J. G. G. Dicionário técnico de artes marciais japonesas. São Paulo: Ícone, 2007. p. 280. SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica. 11. ed. Campinas: Autores Associados, 2013. ______. 12. ed. Campinas: Autores Associados, 2014. SHIHAN. In: SOARES, J. G. G. Dicionário técnico de artes marciais japonesas. São Paulo: Ícone, 2007. p. 201. SILVA, L. A. N. da. No caminho das artes marciais: a relação mestre e discípulo como educação sensível. 2014. 136 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2014. SILVA, R. P. G. da. A vida do professor Marco Aurélio: uma contribuição para a formação de profissionais de educação física. 2008. 172 f. Monografia (Graduação em Educação Física) – Faculdade Salesiana do Nordeste, Recife, 2008. SOL, E. Recife homenageia patriarca do Judô. Diário de Pernambuco, Recife, abr. 2002. Caderno Esportes. SOUSA, M. F. de. Do conceito do Bun Bu Ryo Do à atividade esportiva: a racionalidade moderna nas lutas marciais tradicionais. 2010. 204 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2010. SOUZA, G. B. de. Princípios e valorização do judô na vida cotidiana de mestres da região de Mogi das Cruzes. 2010. 204 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. SOUZA JÚNIOR, M. et al. Coletivo de autores: a cultura corporal em questão. Rev. Bras. Ciência do Esporte, Florianópolis, v. 33, n. 2, p. 391-411, abr./jun. 2011. SOUZA, R. L. de. Processo civilizador, poder e sociedade: introdução ao pensamento de Norbert Elias. Curitiba: CRV, 2014. STEINHILBER, J. Licenciatura e/ou Bacharelado: opções de graduação para intervenção profissional. Rev. E. F., [S. l.], ano 6, n. 19, p. 19-20, mar. 2006. Disponível em: <http://www.confef.org.br/extra/revistaef/show.asp?id=3613>. Acesso em: 01 out. 2016. THOMPSON, P. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. ______. História oral e contemporaneidade. Rev. História Oral, [S. l.], v. 5, p. 9-28, 2000.
164
TRALCI FILHO, M. A. T. Artes marciais chinesas: histórias de vida de mestres brasileiros e as tensões entre a tradição e o modelo esportivo. 2014. 241 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. TRILLA, J. A educação não formal. In: TRILLA, J.; GHANEM, E. Educação formal e não-formal: pontos e contrapontos. São Paulo: Summus, 2008. p. 15-55. (Coleção Pontos e Contrapontos). UNESCO. Textos base: convenção de 2003 para salvaguarda do patrimônio cultural imaterial. Tradução da representação da UNESCO no Brasil. Paris, 2012. UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO. Programa de Pós-graduação em Educação. Linhas de pesquisas: teoria e história da educação. Recife, 2017. Disponível em: <https://www.ufpe.br/ppgedu>. 15 dez. 2016. VILLAMÓN, M.; BROUSSE, M. Evolucíon del judo. In: VILLAMÓN, M. (Org.). Introducción al judô. Espanha: Hispano Europeia, 1999. cap. 3, p. 103-139. VIRGÍLIO, S. Conde Koma: o invencível yondan da história. Campinas: Átomo, 2002a. ______. Personagens e histórias do judô brasileiro. Campinas: Átomo, 2002b. VOSGERAU, D. S. Recursos informáticos para análise de dados em pesquisas acadêmicas. PUC WEB: educação e tecnologia, Paraná, ano 2, n. 7, jun. 2012. Disponível em: <http://www.lami.pucpr.br/newsletter/site_news/artigo0207a.php>. Acesso em: 15 dez. 2016. YOFFIE, D. B.; KWAK, M. Estratégias de Judô: transformando a força de seus concorrentes em vantagem para você. São Paulo: Ed. Negócio, 2002.
165
APÊNDICE A – Roteiro da Entrevista
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO
Pesquisa: DOJÔ: espaço de educação.
Pesquisador: Denis Foster Gondim
Orientador: Prof. Dr. Vilde Gomes de Menezes
ROTEIRO DE ENTREVISTA
FICHA DE IDENTIFICAÇÃO DO ENTREVISTADO
Número da entrevista: ________ Data: ___/___/___ Hora: ___________________
Local:_____________________________________________________________
Nome do entrevistado:
__________________________________________________________________
Endereço Profissional
__________________________________________________________________
Telefones: _________________________________________________________
E-mail:_____________________________________________________________
Informações básicas:
1. Tempo de Judô: 2. Graduação no Judô (cor da faixa): 3. Idade: 4. Data que iniciou as atividades profissionalmente com o Judô em Recife-PE:
166
Perguntas (entrevista semiestruturada):
1. Como se deu a sua entrada no judô?
2. Para o senhor, como se deu a gênese (origem) e o desenvolvimento do judô
em Recife?
3. Quais foram suas referências e o que o senhor aprendeu com eles?
4. Quais as lições educativas que o judô pode oferecer
aos(as) seus(uas) praticantes?
5. Existem dois princípios fundamentais criados por Jigoro Kano, prosperidade e
benefícios mútuos e, também, o de melhor uso da energia. Como o senhor
compreende a utilização destes princípios no judô e fora dele (na vida)?
6. Como o judô poderá complementar a educação das pessoas junto a
outros espaços educacionais (Exemplos: escola, família, etc.)?
7. Atualmente o judô encontra-se presente na maioria das escolas brasileiras.
Como o senhor avalia esta conquista e a sua importância?
8. Disciplina e hierarquia podem ajudar as pessoas? Se sim, como?
9. A esportivização do judô tem pontos positivos e/ou negativos? Explique.
10. O judô tradicional japonês ainda é praticado em nossa cidade?
11. Por ser uma prática de combate (luta), como o judô se relaciona com o
possível controle da violência?
12. Que mensagem o senhor enviaria aos que praticam e os que pretendem
praticar o judô?
13. O que o senhor espera do judô para o futuro?
167
APÊNDICE B – Termo de Consentimento e Livre Esclarecimento (TCLE)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIMENTO
Pesquisa: DOJÔ: espaço de educação.
Pesquisador Orientador: Prof. Dr.Vilde Gomes de Menezes
Contatos: E-mail:[email protected] Fone: (81)99206 7498
Pesquisador Orientando:Denis Foster Gondim.
Contatos: E-mail: [email protected] Fones: (81) 99111 7376
Nome do voluntário:
___________________________________________________________________
Introdução
O (a) Sr.(a) está sendo convidado(a) a participar da pesquisa DOJÔ: espaço
de educação. Se decidir participar, é importante que leia estas informações sobre a
pesquisa e o seu papel enquanto participante. Em caso de, posteriormente, o(a)
Sr.(a) decidir retirar a participação, deverá notificar ao pesquisador(a).
Objetivo da pesquisa
O objetivo desta pesquisa, desenvolvida no Núcleo de Teoria e História da
Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE, é partir das
narrativas de antigos mestres e investigar a história do Judô na cidade do Recife-PE,
considerando as relações e (re)construções entre o ensino do judô enquanto
formação complementar e a sua relação com a formação educacional padrão
(formal) de seus praticantes.
168
Procedimentos Utilizando a história oral como metodologia, recorreremos à História de Vida
para coleta de dados. Os colaboradores serão professores (senseis) que, através de
pesquisa prévia, tiveram seus nomes selecionados e recomendados para presente
pesquisa. Como fonte, teremos os relatos orais e os registros escritos (artigos, livros,
narrativas e fotografias).
Após a transcrição da entrevista o(a) Sr. (a) receberá uma cópia para
conferência do texto, correções, ajustes e autorização da publicação com identidade
revelada na dissertação.
Declaração de consentimento
Li as informações contidas neste documento antes de assinar este termo.
Confirmo que recebi uma cópia deste formulário de consentimento.
Compreendo que sou livre para retirar a minha participação da pesquisa em
qualquer momento, sem perda de benefícios ou qualquer outra penalidade.
Dou meu consentimento, de livre e espontânea vontade, para participar
deste estudo como voluntário.
Assinatura do (a) voluntário (a). Local e data.
________________________ _____________________________
174
APÊNDICE H – Cessão de Direitos de Uso e Divulgação de Imagens
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO
CESSÃO DE DIREITOS DE USO E DIVULGAÇÃO DE ENTREVISTA E IMAGENS
Pelo presente documento, eu ______________________________________,
CPF____________________________ residente na cidade de
__________________________ Estado _______________declaro ceder à Pesquisa
DOJÔ: espaço de educação, sob a responsabilidade do pesquisador: DENIS
FOSTER GONDIM, sem quaisquer restrições quanto aos seus efeitos patrimoniais e
financeiros, a plena propriedade e os direitos autorais do relato de caráter histórico e
documental (quando for o caso), fotografias e acervos doados (recortes de jornal e
documentos) que prestei à referida pesquisa, na cidade de Recife-PE, em
_____/_____/_____.
O pesquisador fica, consequentemente, autorizado a utilizar, publicar e
disponibilizar, para fins acadêmicos, as mencionadas fontes, no todo ou em parte,
com ressalva de, após a transcrição da entrevista, apresentar texto para possíveis
ajustes (que também deverá ser autorizado por escrito) e de sua integridade e
indicação de fonte e autor.
____________________, _______de ______________ de 2017
____________________________________________________
Assinatura
176
APÊNDICE J – Cessão de Direitos de Uso e Divulgação de Imagens do professor
Diógenes Cavalcanti de Moraes
178
APÊNDICE L – Cessão de Direitos de Uso e Divulgação de Imagens do professor
Marco Aurélio Lauriano de Oliveira