UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE ......MURTA, Flor. Danças Contemporâneas: articulando...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE DANÇA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DANÇA
FLOR MURTA
DANÇAS CONTEMPORÂNEAS:
ARTICULANDO CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE ENSINO
Salvador 2014
FLOR MURTA
DANÇAS CONTEMPORÂNEAS:
ARTICULANDO CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE ENSINO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Dança, Escola de Dança, Universidade Federal da Bahia, como requisito para obtenção do título de Mestre em Dança. Orientadora: Profa. Dra. Leda Muhana Martinez Iannitelli.
Salvador 2014
Sistema de Bibliotecas - UFBA
Murta, Flor.
Danças contemporâneas: articulando concepções e práticas de
ensino. / Flor Murta, 2014.
128 f.
Orientador: Profa. Leda Muhana Martinez
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal da Bahia.
Escola de Dança, Salvador, 2014.
1. Dança moderna. 2. Dança contemporânea. 3. Dança – prática - ensino. II. Martinez, Leda Muhana II. Universidade Federal da Bahia. III. Escola de Dança. IV. Título.
CDD – 792.8 CDU – 793.3
FLOR MURTA
DANÇAS CONTEMPORÂNEAS:
ARTICULANDO CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE ENSINO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Dança, Escola de Dança, Universidade Federal da Bahia, como requisito para obtenção do título de Mestre em Dança.
Aprovada em 26 de março de 2014.
Banca Examinadora
Leda Muhana Martinez Iannitelli - Orientadora______________________________
Doutora em Dance Education pela Temple University
Universidade Federal da Bahia
Adriana Bittencourt Machado____________________________________________
Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUCSP
Universidade Federal de Bahia
Mônica Medeiros Ribeiro_______________________________________________
Doutora em Artes pela UFMG
Universidade Federal de Minas Gerais
Ao meu querido pai, cuja memória vive em mim.
AGRADECIMENTOS
À Arão, Dudude e Tuca pela generosidade em compartilhar ideias em movimento!
Meu profundo respeito e admiração por cada um de vocês.
Aos colegas dançantes de BH pela interlocução, em especial Marise Dinis, Karina
Collaço e Joanna Wanner pelo apoio e disponibilidade quando a pesquisa ainda
tinha outra configuração.
Ao Arnaldo Alvarenga pelas contribuições, afeto e principalmente pelo apreço
inspirador para com o ensino de dança.
À Mônica Ribeiro, pelas contribuições de agora e dantes.
À Leda Muhana, pela orientação afetuosa.
Aos funcionários e professores do PPGDança, em especial Adriana Bittencourt,
Dulce Aquino, Lenira Rengel e Lucia Matos.
À CAPES pelo suporte financeiro para realizar esta pesquisa.
À incrível turma 2012 do PPGDança, em especial, à “trupe” R.O.T.A.S.
À Myra, Edivaldo e Alice, os meu anjos em Salvador! Por abrirem os caminhos...
À Val, Freud e Tiago pela acolhida e convivência amiga. Que presente de encontro,
que alegria ter encontrado o melhor endereço de Salvador!
À minha mãe, Nadja, por sonhar junto e por criar condições fundamentais. Pela força
de sempre.
Ao Tadeu, por me lembrar que existe vida além do mestrado! Pelo companheirismo
e amor de sempre.
À tia Loi linda; meu agradecimento é tão, tão imenso que nem cabe aqui!
À Nêga (mega obrigada!), Key, Peu e Caio (olhos de lince...) por “chegar junto” na
reta final. Que alegria e que privilégio contar com vocês!
Às amigas-irmãs Babi e Fabi, pelas conversas profundas, pelas contribuições.
Ao vô Finfin, por fazer dos intervalos da escrita momentos de alegria, de leveza.
Pelo porto seguro. À vó Maria, pelo afeto, pelo cuidado, pela torcida.
À torcida e convivência afetuosa de Ti Pulin, Clara, Pablo, Ji, João, Rosa, Dan,
Gabriel, Dan, Zau, Nan, Bá, Nina, Miguel, Thomás, Dudu, Arthur, Janinha, Simão,
Miri, Jão, Pedro, Maricota, André, Sandra, Thiago, Syl, Pituca e tantos outros...
obrigada por existirem em minha vida.
MURTA, Flor. Danças Contemporâneas: articulando concepções e práticas de
ensino 128 f. 2014. Dissertação (Mestrado) – Escola de Dança, Universidade
Federal da Bahia, 2014.
RESUMO
A pesquisa apresentada objetivou compreender a articulação entre dança contemporânea e prática de ensino de artistas-professores. Para embasar as reflexões buscou-se aproximação com as ideias de Edgar Morin acerca das concepções de homem, mundo, ciência e complexidade; como também de dança contemporânea a partir de diversos autores. Para alcançar o objetivo proposto optou-se por utilizar a entrevista temática, semi-estruturada e recorrente, assim como a observação participante de práticas de ensino de três artistas-professores da dança contemporânea de Belo Horizonte/MG: Carlos Arão, Dudude Herrmann e Tuca Pinheiro. Como estratégia analítica foi utilizada a análise hermenêutica dialética. As reflexões realizadas suscitaram o entendimento da dança contemporânea como uma trama complexa, em que o que é tecido em conjunto cria a unidade dança contemporânea, que por sua vez se desdobra em pluralidades que são as próprias teias que a constitui. Tal pluralidade, assim como a inexistência de uma definição unívoca faz com que as práticas de ensino a ela relacionadas também sejam plurais. Apesar do aspecto da pluralidade ter sido notado, alguns pontos de confluência entre as práticas observadas foram identificados: a atitude investigativa como princípio norteador e o diálogo com o mundo contemporâneo e com o cotidiano.
Palavras chave: dança contemporânea; ensino de dança; prática docente.
MURTA, Flor. Contemporary Dance: articulating conceptions and teaching
practices 128 pp. 2014. Master Dissertation – Escola de Dança, Universidade
Federal da Bahia, 2014.
ABSTRACT
This research aimed to understand the link between contemporary dance and the
teaching practice of artists-teachers. As a support for the reflections, an approach
was made towards getting acquainted with the ideas of Edgar Morin concerning the
conceptions of man, world, science and complexity; as well as of contemporary
dance based on various authors. In order to achieve the proposed objective, the
thematic, semi-structured and recurrent interview was chosen, as well as participant
observation of teaching practices of three artists-teachers of contemporary dance in
Belo Horizonte-MG: Carlos Arão, Dudude Herrmann, and Tuca Pinheiro. As an
analytical strategy, the hermeneutic-dialectic method was utilized. The reflections
that were made gave rise to the understanding of contemporary dance as a complex
web where the elements that are interwoven together create a unit denominated
contemporary dance. This contemporary dance, in turn, breaks down into pluralities,
which are the very webs that constitute it. Such plurality, as well as the non-
existence of a univocal definition, causes the teaching practices related to it to be
plural, too. Although the aspect regarding plurality was noticed, some areas of
common ground were identified in the practices observed, namely: the investigative
attitude as a guiding principle, and the dialogue with the contemporary world and with
the everyday life.
Key words: contemporary dance; dance teaching; teaching practice.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Processo de Formação dos Artistas-Professores................................31
Quadro 2 Organização do eixo temático Dança Contemporânea........................33
Quadro 3 Organização do eixo temático Prática de Ensino.................................33
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
BH Belo Horizonte
CEFAR Centro de Formação Artística da Fundação Clóvis Salgado
CI Contato-Improvisação
DACO Departamento de Artes Corporais
EDH Estúdio Dudude Herrmann
FUNARTE Fundação Nacional de Artes
MG Minas Gerais
RJ Rio de Janeiro
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
UFBA Universidade Federal da Bahia
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................
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1 O PERCURSO DA PESQUISA .......................................................
1.1 TECENDO APROXIMAÇÕES COM A COMPLEXIDADE................
1.2 DELIMITANDO A PESQUISA ..........................................................
1.3 CAMINHANDO EM DIREÇÃO AO TIPO E LOCAL DO ESTUDO ...
1.3.1 Os interlocutores............................................................................
1.3.2 Meios de apreensão das informações.........................................
1.4 O CAMINHO PERCORRIDO............................................................
1.5 RUMO À ESTRATÉGIA ANALÍTICA................................................
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2 DANÇAS CONTEMPORÂNEAS ....................................................
2.1 CONCEPÇÕES MÚLTIPLAS ..........................................................
2.1.1 A dança do tempo atual?...............................................................
2.1.2 Dança pós-moderna?.....................................................................
2.1.3 Da recusa (política) em responder à pergunta [o que é dança
contemporânea?]............................................................................
2.1.4 Aquilo que se organiza como dança contemporânea.................
2.1.5 A questão da dança ou a dança da questão................................
2.1.6 Dança (auto)crítica: reflexão e conceitualismo...........................
2.1.7 Isto é dança?...................................................................................
2.1.8 Dança contemporânea em diálogo com a educação somática.
2.1.9 Não a normatizações: não há um só corpo, não há um só jeito
de se dançar....................................................................................
2.1.10 Múltiplas possibilidades, dança plural.........................................
2.2 DANÇA CONTEMPORÂNEA E COMPLEXIDADE..........................
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3. DANÇA CONTEMPORÂNEA E PRÁTICAS DE ENSINO:
ARTICULAÇÕES..............................................................................
3.1 PROCESSOS DE FORMAÇÃO........................................................
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3.1.1 Carlos Arão: “A dança contemporânea agrega toda a sua
experiência”.....................................................................................
3.1.2 Dudude Herrmann: “Eu não formei em nada, eu me tornei”......
3.1.3 Tuca Pinheiro: “Encontrar para mim uma outra dança”..............
3.2 CONCEPÇÕES DE DANÇA CONTEMPORÂNEA............................
3.2.1 Carlos Arão: “Investigação onde o corpo é a possibilidade”......
3.2.2 Dudude Herrmann: “Tem tanta dança contemporânea... dança
aqui-agora”.......................................................................................
3.2.3 Tuca Pinheiro: “Contemporâneo é o pensamento de quem a
faz”...................................................................................................
3.3 ARTICULANDO DANÇA CONTEMPORÂNEA E ENSINO..............
3.3.1 Carlos Arão: “Esculpir corpos”.....................................................
3.3.1.1 O produto de um ajuntamento..........................................................
3.3.1.2 O que se vê......................................................................................
3.3.1.3 Corpo cinético..................................................................................
3.3.1.4 Corpo em estado de saúde..............................................................
3.3.1.5 Corpo em ações quase cotidianas...................................................
3.3.1.6 O corpo de cada dia.........................................................................
3.3.1.7 Criação: investigação no corpo, extensão do Movasse...................
3.3.2 Dudude Herrmann: “ Usar a dança para reinventar a dança”..
3.3.2.1 Dançar o agora................................................................................
3.3.2.2 Espaço/movimento..........................................................................
3.3.2.3 O que advém do movimento – corpo/mundo como pedagogia......
3.3.2.4 Coisificar.........................................................................................
3.3.2.5 Espaço: alimento do mover............................................................
3.3.2.6 Usar a dança para reinventar a dança...........................................
3.3.3 Tuca Pinheiro: “Escolher a escuridão”.....................................
3.3.3.1 Autonomia......................................................................................
3.3.3.2 Rumo ao desconhecido.................................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................
REFERÊNCIAS.............................................................................
APÊNDICES.................................................................................
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INTRODUÇÃO
As reflexões em torno da dança contemporânea têm gerado interessantes
e polêmicas discussões que levantam questões desafiadoras para o campo,
particularmente na relação entre dança e ensino. O vocábulo dança contemporânea
está presente em diversos ambientes da dança em interface com situações
de ensino-aprendizagem, seja no ensino formal (ensino básico, técnico-
profissionalizante, superior), seja no ensino não formal (cursos livres em academias,
escolas de dança, estúdios, organizações não governamentais).
Mas quando falamos em dança contemporânea, estamos falando
especificamente do quê? Como indicado, a discussão em torno do que se possa
entender por dança contemporânea, levando em consideração suas possibilidades
no que concerne a seus processos e configurações, é polêmica, e, nesse sentido,
estamos longe de um consenso. Essa falta de consenso, por sua vez, não é,
necessariamente, sinal de erro nos diferentes pontos de vista, mas sim um indicador
de que estamos diante de um fenômeno complexo.
Fato é que, se falar de dança contemporânea já é complexo, articulá-la à
noção de ensino de dança, e, mais especificamente, a práticas de ensino nas quais
se tenha a dança contemporânea como referência é também muito complexo.
Entretanto, contrastando com a ainda escassa produção bibliográfica sobre esse
tema específico, essa articulação vem sendo feita, na prática (e parece que cada
vez mais), em diversos ambientes, a partir de diversas proposições artístico-
pedagógicas.
É nesse contexto que a proposta da pesquisa se constitui, tendo como objeto
de estudo a articulação entre dança contemporânea e prática de ensino. Trata-se de
uma pesquisa de campo, cujas reflexões são resultado da dialogia entre as vozes
dos teóricos, da pesquisadora e de três artistas-professores (fonte primária das
informações), tendo como cenário de pesquisa o campo de ensino não formal de
dança na cidade de Belo Horizonte/MG .
Antes de apresentar a pesquisa propriamente dita, explicitarei, brevemente,
alguns pontos que dizem respeito à perspectiva da pesquisadora. Cabe explicitá-los
por compreender que, necessariamente, o observador está implicado na observação
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e, dessa forma, não há observação neutra. Assim, vale esclarecer primeiramente
que a proposta da pesquisa surge também como possibilidade de aprofundamento
em um assunto que já estava latente em mim, a partir da minha própria prática
docente. Há, pois, uma relevância pessoal em relação a essa pesquisa, que se
refere a compreender melhor uma problemática que está no cerne da minha atuação
profissional como professora de dança. De modo que o processo dessa pesquisa é
reflexivo, mas também autorreflexivo; e o exercício da crítica é, simultaneamente,
exercício de autocrítica.
Sem propor extensa autobiografia, indico aqui que a minha formação em
dança se deu entre a prática artística e a docência; entre o ensino não formal e o
ensino formal. Até ingressar no curso de graduação em dança da Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP), em 2007, minha formação inicial se deu em
Diamantina/MG, longe dos grandes centros onde se concentram espaços de
formação em dança. Apesar dessa distância, que muito alimentou a minha
curiosidade e fome de informações e experiências na área, tive o privilégio de ter
formação continuada em dança, com boas aulas de balé e prática como intérprete
em trabalhos coreográficos, tendo Róbson Dayrell1 como professor e coreógrafo.
Também tive a oportunidade de participar de inúmeras oficinas com artistas da
dança contemporânea e das artes cênicas por meio dos Festivais de Inverno da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Diamantina. Nesse período, o
Festival privilegiava, claramente, a arte contemporânea num contexto de
experimentação e com muitos projetos de interação entre as áreas artísticas. Nesse
contexto, minha atuação docente começou muito cedo e concomitante à formação,
ainda no início da adolescência, no estúdio em que estudava, assim como em outros
espaços, de maneira mais pontual.
Na UNICAMP, me envolvi, sobretudo, com o Método Bailarino-Pesquisador-
Intérprete (BPI)2, com proposições artísticas orientadas por Angela Nolf3 e com
1 Robson Dayrell integrou, como bailarino, o Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Em Diamantina/MG fundou, coordenou e lecionou no Estúdio Pró-dança (1998-2005) e Projeto Primeiros Passos (2004-2008).2 Método BPI - Bailarino-Pesquisador-Intérprete, desenvolvido por Graziela Rodrigues (DACO/UNICAMP).
3 Angela Nolf é professora do curso de dança da UNICAMP, tendo também participação ativa na cena da dança contemporânea da cidade de São Paulo, colaborando com grupos independentes. Atua principalmente na preparação corporal (técnica clássica para o bailarino contemporâneo) e assistência artística.
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práticas no campo da educação somática. Durante o período da graduação, parte
da minha formação se deu em Belo Horizonte em cursos de férias no ensino não
formal e durante o período de seis meses em que fui aluna intercambista do curso
de Teatro da UFMG, fiz também aulas no curso técnico-profissionalizante em
dança do Centro de Formação Artística da Fundação Clóvis Salgado (CEFAR).
Tenho acompanhado a cena da dança contemporânea da cidade, sendo que na
UNICAMP participei do projeto Videoteca Dança Brasil, e ao contatar, receber e
organizar materiais videográficos antigos e recentes de grupos, coletivos e artistas
independentes de Belo Horizonte, acabei tendo ainda mais contato com a produção
da cidade.
Tendo concluído o bacharelado e ainda cursando estágio supervisionado pela
UNICAMP, fui para Belo Horizonte dar continuidade à minha formação e trabalhar,
(re)iniciando minha prática docente. E é nessa transição que surgem, claramente,
as inquietações que norteiam a presente pesquisa. Mais especificamente duas
situações, às quais relatarei brevemente.
Primeiramente, a experiência de estágio supervisionado no CEFAR,
especificamente a observação da disciplina dança contemporânea ministrada pela
artista-professora Maria4. No caso, a escolha pela instituição precedeu a escolha
do docente porque, como já havia tido a vivência como aluna na mesma, tive
interesse em aproximar-me da perspectiva do professor.
Naquele contexto, causou-me inquietação a constatação de que a disciplina
dança moderna havia desaparecido, dando lugar à nova disciplina dança
contemporânea, embora na prática não houvesse, aparentemente, mudanças
estruturais. A propósito, vale informar aqui que ambas cumpriam a função de
trabalhar o aspecto da técnica corporal. Por que a mudança de nome então? Para
atualizar algo que já havia mudado ou por que simplesmente hoje se fala em dança
contemporânea, e não mais em dança moderna? Seria uma mudança conceitual?
Uma adaptação levando em conta o perfil do bailarino frente ao mercado de
trabalho atual? Se as escolas modernas têm abordagens técnicas bem definidas, o
que significa propor, como dança contemporânea, uma disciplina que versa sobre
técnica corporal? A partir do que ela se organizaria?
4 Nome fictício.
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De qualquer forma, a acepção de artista-professor foi também um fator
motivador na escolha do estágio, pois diante das múltiplas possibilidades
da dança contemporânea enquanto estética, era possível estabelecer um
nexo de relação entre os trabalhos artísticos e as proposições pedagógicas,
enriquecendo o exercício da observação e suscitando novas questões. Além
disso, naquela ocasião, a artista-professora Maria acabara de entrar no CEFAR
como docente por meio de concurso, e ao procurar referência deste vi que a
mesma havia obtido pontuação máxima no quesito aula prática. E me perguntei,
diante da complexidade da definição do que seja a dança contemporânea e
das múltiplas possibilidades do seu fazer, “O que é uma aula nota 10 em dança
contemporânea?” “E um professor nota 10?” Diante disso, a observação das
escolhas da artista-professora para a elaboração de sua prática de ensino instigou
minha curiosidade para a maneira peculiar como cada professor poderia organizar
sua proposição de ensino no contexto da dança contemporânea.
A outra situação que me parece relevante diz respeito a uma experiência
pessoal como professora de dança no programa Arena da Cultura de Belo
Horizonte no contexto do ensino não formal. Tal experiência acompanhou o
processo de elaboração do pré-projeto dessa pesquisa, sendo que o mesmo foi
muito motivado pelas inquietações geradas naquele contexto.
A inquietação começou já na elaboração da proposta de oficina, ao
nomeá-la dança contemporânea, o que implicou num desconforto por duvidar, de
certo modo, da ideia de aula de dança contemporânea. A oficina articulava
princípios de técnicas de dança moderna e influências da dança pós-moderna a
técnicas somáticas, integrando essas instâncias ao desenvolvimento de uma
proposta de criação em dança. Talvez tenha usado este nome porque me faltou
outro melhor. Talvez a própria articulação desses eixos da oficina significasse dança
contemporânea para mim, intuitivamente, pela familiaridade desse modo de
organizar com a minha própria formação na UNICAMP. É que a graduação na
UNICAMP significou, de certa forma, uma entrada oficial no campo da dança
contemporânea. Pode ser redutor colocar aqui dessa forma, visto que havia sim
discussões sobre a dança contemporânea, oficialmente e extra oficialmente. Mas
quando penso na presença do termo dança contemporânea naquele ambiente, às
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vezes tenho a sensação de que nós, alunos, apropriávamos daquela noção
simplesmente por estar ali, como que por osmose. Da mesma forma, a partir de
lugares onde passei, quando penso em outros ambientes de dança em interface
com a educação em que o vocábulo, o assunto dança contemporânea está
presente, me vem uma sensação similar. E se a formação caminha nesse sentido,
como transpor didaticamente a noção de dança contemporânea? É preciso refletir
sobre isso e entender os porquês das escolhas, para que não sigamos apenas
reproduzindo aquilo que está na camada mais superficial...
Voltando ao relato acerca da oficina proposta, no final das contas a mesma
foi divulgada para o público simplesmente por dança. Ótimo! Então o nome dança
contemporânea, que causava incômodo, nem apareceu. No primeiro dia de oficina,
seguindo orientações da coordenação, falei brevemente da proposta artístico-
pedagógica do programa sem citar o termo dança contemporânea e conduzi uma
aula bem dançada. Essa aula dançada incluiu alongamentos executados numa
fluência contínua, dinâmicas de grupo com ênfase no fator de movimento espaço e
sequências de movimento com princípios da dança moderna, com direito a grandes
deslocamentos aos triples de Marta Graham. E eis que com isso criou-se um
entendimento tácito de que se tratava de dança contemporânea. Mas por quê?
Porque os movimentos eram parecidos com os que eram observados em trabalhos
artísticos de dança contemporânea? Por que não usávamos sapatos ou sapatilhas?
Por que o meu modo de vestir e meu corpo sugeria a ideia de dança
contemporânea? Por que tudo aquilo não se classificava em nenhuma aula de
dança conhecida e então era dança contemporânea?
E assim manifestou-se a curiosidade, o estranhamento inicial, mas também a
entrega à experiência, a ansiedade de alguns em aprender passos de dança
contemporânea... E ainda no início da oficina a fala de uma aluna: “- Professora, não
sei direito o que é dança contemporânea. Você pode dar uma dançadinha para eu
ver e entender o que é?” Achei a pergunta incrível, impossível! De uma ingenuidade
provocadora e intrigante. Agradeci pela pergunta e disse a todos que dar uma
dançadinha ali seria insuficiente para explicar o que é dança contemporânea. E
propus que fôssemos juntos discutindo sobre essa tal dança contemporânea ao
longo do semestre. Assim, incomodada e motivada pela problemática da articulação
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entre dança contemporânea e ensino coloquei, naquela proposição artístico-
pedagógica, a dança contemporânea como parte do problema, e não da solução.
Procurei contextualizar os princípios trabalhados em aula, sugerindo que a noção de
dança contemporânea ali estava no modo de organizar aqueles princípios numa
proposta de criação, já que na verdade trabalhávamos princípios técnicos da dança
moderna e da nova dança, assim como abordagens da educação somática. Propus
também que olhássemos para a produção na cena da dança contemporânea indo a
espetáculos in lócus e por meio de vídeos, procurando apresentar múltiplas
referências, e assim fomos juntos discutindo sobre aproximações e diferenças
dessas propostas observadas com a que estávamos vivenciando na oficina.
Durante essa experiência docente também fui aluna de dança contemporânea
no Coletivo Movasse, com proposições dos quatro integrantes do Coletivo, e
eventualmente de artistas convidados. Havia ali uma diversidade de práticas de
ensino em dança contemporânea (apesar de certa similaridade também, por se
tratar de um coletivo e de um agrupamento de pessoas interessadas naquela
abordagem).
No que se refere às possibilidades de articular dança contemporânea e prática
de ensino, as reuniões semanais do Arena da Cultura/Dança com outros professores
e coordenação também me estimularam. Pois dentre aqueles que tomavam a dança
contemporânea como referência para a elaboração de práticas de ensino havia
ideias e propostas práticas que ora se aproximavam das minhas, e que ora eram
bem diferentes e distantes. Tudo isso me estimulava a tomar a multiplicidade da
dança contemporânea como pressuposto para, a partir daí perguntar: Qual dança
contemporânea? A partir de quais referências?
Tendo apresentado alguns fatos que versam sobre a perspectiva da
pesquisadora, vejamos finalmente como a presente pesquisa se organiza:
No primeiro capítulo indico o percurso da pesquisa e os pressupostos teórico-
metodológicos. No segundo capítulo, reúno múltiplas concepções de dança
contemporânea e indico pistas que apontam para a complexidade do objeto de
estudo. No terceiro capítulo apresento a análise das informações, discorrendo
acerca da articulação de dança contemporânea e prática de ensino na perspectiva
de cada um dos artistas-professores. Por fim, apresento as considerações finais com
as reflexões suscitadas.
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1 O PERCURSO DA PESQUISA
1.1 TECENDO APROXIMAÇÕES COM A COMPLEXIDADE
Para início de conversa gostaria de esclarecer ao leitor que aqui não há a
pretensão de aprofundar na teoria da Complexidade de Edgar Morin1 (1979; 2003).
Entretanto, tomo de empréstimo algumas concepções que a embasam a fim de
nortear meus pensamentos e escolhas. Assim sendo, discorrerei brevemente acerca
de algumas dessas concepções.
A primeira é referente à concepção de homem, que nesta perspectiva deve ser
entendido como ser bio-sociocultural, onde os fenômenos sociais são,
simultaneamente, econômicos, culturais, psicológicos, biológicos, etc. Assim, ao se
pensar nesse homem, deve-se tentar conceber a articulação, a identidade e a
diferença de todos esses aspectos. Essa característica descrita anteriormente está
implicada na ideia de que o homem não é somente homo sapiens-sapiens, mas
também homo sapiens-sapiens-demens, ou seja, o homem além de ser considerado
em sua racionalidade (Homo sapiens), ao mesmo tempo é considerado por sua
animalidade (Homo Demens), ou seja, os “impulsos descontrolados”, os “distúrbios
naturais”, a “lei da selva” também o constitui.
A segunda refere-se à concepção de mundo, que, diferente da visão de um
mundo natural, dado, impossível de ser transformado, restando aos homens
somente se adaptarem e aceitarem a ordem estabelecida, o mundo dentro da
perspectiva de Morin assume uma visão antinaturalista, ou seja, é um mundo
construído pelos e para os homens. É o resultado das interações socioculturais,
formadas gradativamente ao longo da história da humanidade. Assim sendo, é
percebido como um artefato humano, ou seja, um mundo em constante construção.
A terceira refere-se à concepção de ciência. Diferentemente da concepção que
tem a objetividade, a neutralidade, a generalização como alguns dos seus princípios
basilares, a revelação da verdade como fim, verdade esta determinista que reduz o
1 Pesquisador emérito do CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique). Formado em Direito, História e
Geografia, realizou estudos em Filosofia, Sociologia e Epistemologia.
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Universo a fórmulas, a ciência, segundo Morin, é uma aventura imprevisível; ela
não é somente a experiência, não é somente verificação. Necessita, ao mesmo
tempo, de imaginação criadora, de verificação, de rigor e de atividade crítica.
Incorpora e enfrenta a complexidade do real, ou seja, confronta-se com os
paradoxos da ordem/desordem, da parte/todo, do singular/geral; incorpora o acaso e
o particular, a probabilidade e a incerteza como componentes da análise científica,
como parâmetros necessários à compreensão da realidade; é colocar-se diante do
tempo e do fenômeno, integrando a natureza singular e evolutiva do mundo à sua
natureza acidental e factual. Em geral, ela é alimentada pela preocupação de
experimentar, de verificar as teorias que ela expressa. Mas não somente de verificar,
porque é necessário criar novas teorias, sendo preciso aplicar as construções
expressas sobre a realidade e ver se a realidade as aceita.
Complexidade é a quarta concepção, e, como já dito anteriormente, exprime
para Morin a ideia de que os fenômenos, quaisquer que sejam eles, na trama do
desenvolvimento são tecidos juntos. Vão se constituindo mutuamente, ou seja, um
constitui o outro, um não é sem o outro, sem, no entanto perderem sua singularidade
– um é um, outro é outro.
Segundo Morin (1996) o que é complexo se organiza a partir de dois polos: um
empírico e um lógico. Sendo assim, “a complexidade aparece quando há
simultaneamente dificuldades empíricas e dificuldades lógicas” (MORIN, 1996, p.
274). Por isso, Morin destaca a importância de ir ao encontro de um pensamento
dialógico. Na concepção desse autor, “o termo dialógico quer dizer que duas
lógicas, dois princípios, estão unidos sem que a dualidade se perca nessa unidade.”
(MORIN, 2002, p. 189).
Para Morin (1996; 2002; 2011), o processo de construção de conhecimento
deve buscar metapontos de vista. Isso quer dizer, que ao olharmos para um
fenômeno, devemos considerá-lo sob diversas áreas do conhecimento, como
também diversos ângulos, e ainda considerar aquele que olha implicado na
observação.
Assim, enquanto no modo de pensamento simples se acredita alcançar a
verdade absoluta, visto que nessa perspectiva o conhecimento é reflexo da
realidade objetiva e o objeto é concebido isolado do sujeito, no pensamento
complexo compreendemos que “na busca da verdade, as atividades auto-
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observadoras devem ser inseparáveis das atividades observadoras; as autocríticas,
inseparáveis das críticas; os processos reflexivos, inseparáveis dos processos de
objetivação” (MORIN, 2011, p. 29). Nessa perspectiva, “o campo real do
conhecimento não é o objeto puro, mas o objeto visto, percebido e coproduzido por
nós. O objeto do conhecimento não é o mundo, mas a comunidade nós-mundo”
(MORIN, 2002, p. 205).
Continuando com Morin (2002), o autor pontua que a noção de complexidade
deve ser compreendida como uma motivação para pensar, e não como receita ou
resposta. Nesse sentido, o mesmo esclarece que a complexidade não tem
metodologia, mas pode ter seu método. Na perspectiva complexa, a teoria é
engrama, e o método está relacionado à estratégia. O engrama indica o ponto de
vista que se tem diante do fenômeno a ser estudado, por isso a necessidade de
reconhecimento do aporte teórico adotado na pesquisa. Nesse sentido, compõem o
aporte teórico da pesquisa realizada, a própria aproximação com a ideia de
complexidade e pensamento complexo segundo Morin, bem como a revisão
bibliográfica e as considerações apontadas, relacionadas às noções-chave dança
contemporânea e prática de ensino. Em consonância com os apontamentos de
Morin a respeito da implicação do pesquisador na pesquisa, considero ainda que ao
lado do aporte teórico, a minha subjetividade, ou seja, a subjetividade do
pesquisador, também compõe esse engrama.
De acordo com Fortin (2009), valendo-se dos estudos de Frosch (1999), há
uma nova tendência que vem sendo recorrentemente utilizada no meio da pesquisa
em dança: considerar as reações somáticas do pesquisador como um tipo de dado
etnográfico. Assim, as sensações e emoções do pesquisador sobre o campo, assim
como o modo que apreende corporalmente informações advindas da prática são
reconhecidas como fontes de informação da pesquisa.
Se ao pensar em pesquisa, vem logo a ideia de método, ou seja, o caminho
percorrido, vale lembrar então, que na concepção de Morin (2002), o método atrai a
estratégia e esta é importante porque é justamente ela que permite avançar no
incerto, ou seja, sair da relativização total diante de um fenômeno.
Acrescento ainda a importância de se ter em mente que no percurso da
pesquisa, além de ter clareza sobre o aporte teórico, o método e a estratégia
analítica utilizada, deve-se também manter coerência entre eles, pois, trata-se de
21
pesquisa científica. Entretanto, ressalto que eles nunca podem ser considerados
superiores e/ou colocados acima do fenômeno estudado, engessando o mesmo,
mas devem ser tomados como elementos que compõem e ajudam a constituir o
caminho do pensamento.
Também é importante ter em vista que, como aponta Mazzotti e
Gewandsznajder (2000), as pesquisas qualitativas são, caracteristicamente,
multimetodológicas, ou seja, podem utilizar grande variedade de procedimentos e
instrumentos para a coleta e análise das informações.
Finalmente, assumo junto a Morin uma concepção de racionalidade que leva
em conta a subjetividade e a afetividade como processos inerentes e que se presta
não à normatização de uma verdade absoluta, mas sim a “dialogar com o mistério
do mundo” (MORIN, 2002, p. 132).
1.2. DELIMITANDO A PESQUISA
O desenho da pesquisa foi construído a partir da articulação das noções-chave
dança contemporânea e ensino de dança. A noção de dança contemporânea é
apresentada e discutida a partir das diversas concepções a seu respeito,
entendendo-a como uma noção múltipla – dança(s) contemporânea(s) no plural - e
ao mesmo tempo una – uma vez que, embora plural e diversa, ela traz consigo algo
particular, peculiar e que a distingue das demais danças.
A concepção de ensino é entendida nesta pesquisa como a forma
sistematizada de compartilhamento das produções científicas, éticas, morais,
artísticas, tecnológicas, etc., produzidas sócio-historicamente pela humanidade.
Ressalto ainda que foca o ensino não formal, ou seja, aquele que acontece de forma
intencional e se dá fora das instituições autorizadas e reconhecidas pelo Ministério
da Educação, podendo ocorrer nos mais diferentes espaços como: academias,
estúdios, centros de formação, organizações não governamentais, etc.
A noção de ensino de dança, no contexto desta pesquisa, é focada no artista-
professor e leva em consideração a concepção deste sobre dança contemporânea e
ainda o como e o que ele partilha com seus alunos dessa concepção em sua prática
de ensino.
22
Visto isso, o objetivo geral desta pesquisa foi compreender a articulação entre
dança contemporânea e prática de ensino de artistas-professores atuantes na
cidade de Belo Horizonte/Minas Gerais.
Os objetivos específicos foram:
Identificar, analisar e compreender as concepções de dança contemporânea
de artistas-professores atuantes na cidade de Belo Horizonte/Minas Gerais;
Identificar, analisar e compreender como as concepções de dança
contemporânea de artistas-professores se articulam às suas práticas de
ensino.
1.3 CAMINHANDO EM DIREÇÃO AO TIPO E LOCAL DO ESTUDO
Diante do objetivo proposto, a pesquisa de campo se apresentou como
forma adequada para a realização desta pesquisa. Segundo Gonsalves,
A pesquisa de campo é o tipo de pesquisa que pretende buscar a informação diretamente com a população pesquisada. Ela exige do pesquisador um encontro mais direto. Nesse caso, o pesquisador precisa ir ao espaço onde o fenômeno ocorre, ou ocorreu, e reunir um conjunto de informações a serem documentadas [...] (GONSALVES, 2011, p.67).
De acordo com Minayo (2010), o campo, na pesquisa qualitativa, designa o
recorte espacial que diz respeito à abrangência, em termos empíricos, do recorte
teórico correspondente ao objeto da investigação. Ainda a respeito da pesquisa de
campo, Minayo também informa que essa terminologia “campo” traz a ideia da
imersão do pesquisador no lócus onde o fenômeno se desenvolve. Essa imersão
possibilita ao pesquisador vivenciar de maneira direta todas as relações que ali se
estabelecem, enriquecendo assim as informações obtidas.
Por fim informo que o lócus escolhido para obter as informações foi o próprio
local onde os sujeitos da pesquisa desenvolviam sua atividade de trabalho, ou seja,
os espaços onde são realizadas as aulas/oficinas/cursos de formação e,
consequentemente onde se desenvolvem suas práticas de ensino. Foram eles:
Atelier Dudude, Centro Artístico de Dança, Sala Multiuso do SESC Palladium, Sala
de oficina da Fundação Nacional de Artes (FUNARTE) de Minas Gerais.
23
1.3.1 Os interlocutores
Tendo como objeto de estudo a articulação entre concepção de dança
contemporânea e prática de ensino, escolhi como fonte primária de informação três
artistas-professores. A escolha desses se deu de forma intencional e diretiva. Os
critérios de inclusão foram: envolvimento com proposição de ensino que traz a
noção dança contemporânea; atuar em Belo Horizonte (BH) no ensino não-formal;
tempo de atuação de no mínimo 10 anos; ser artista de dança e professor (artista-
professor); ter trabalho autoral em dança contemporânea; ser artista-professor
reconhecido2 no cenário da dança contemporânea em BH.
Os critérios que contemplam o envolvimento com proposições de ensino que
trazem a noção dança contemporânea, bem como a atuação em BH no ensino não
formal dizem respeito à delimitação do recorte da pesquisa. O critério referente ao
tempo de atuação se justifica pelo fato de que, acredito, dez anos (ou mais) de
atuação na área/mercado possivelmente implica em uma série de negociações,
adaptações, e ao mesmo tempo, a estabilização de certos procedimentos para
permanecer na atividade ao longo desse tempo. Ao eleger artistas-professores que
desenvolvem trabalhos autorais em dança contemporânea, abri a possibilidade de
tecer uma relação dialógica entre a criação de seus trabalhos artísticos e suas
práticas de ensino, mesmo que esse não seja o foco da pesquisa. A escolha de
artistas-professores reconhecidos no cenário da dança contemporânea em BH se
justifica pelo potencial desse reconhecimento possivelmente indicar tendências no
contexto estudado. Além disso, possibilita à pesquisadora e ao leitor buscar mais
facilmente informações que possam vir a complementar/enriquecer o texto aqui
apresentado, tais como registros de espetáculos e outros.
2 Neste trabalho o termo reconhecido significa ter a legitimação do meio (pares, alunos, mídia, etc.).
24
Gostaria de ressaltar que ainda assim, não foi nada fácil eleger os sujeitos da
pesquisa, pois concordo com Louppe (2012), quando diz que na diversidade da
dança contemporânea, é muito difícil escolher um exemplo emblemático (ou dois,
três...) sem obscurecer todos os outros. Louppe afirma que é impossível obter um
panorama completo da dança contemporânea e, no meu entendimento, essa
afirmação é extensível ao panorama que articula dança contemporânea e ensino.
Referente ao número de sujeitos, Rey (2002, p. 35), afirma que uma pesquisa
científica não se legitima pela quantidade de participantes a serem estudados, mas
pela qualidade de suas expressões; nas palavras dele: “a quantidade de sujeitos
corresponde essencialmente, à necessidade do processo de conhecimento que
surge no curso da pesquisa”.
Para a participação dos sujeitos na pesquisa foi assinado por cada um deles o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), acatando os cuidados éticos
explicitados na Resolução 466/12 do CNS. (Apêndice I).
Mas deixemos para um pouco mais adiante a apresentação dos sujeitos e
sigamos ainda com as fontes de informações.
A análise documental foi também um recurso utilizado para a obtenção das
informações. Segundo Mazzotti e Gewandsznajder (2002), documento é qualquer
registro escrito que possa ser usado como fonte informativa, como por exemplo, atas
de reuniões, relatórios, livros de frequências e registros, arquivos, folders, pareceres,
planos de aulas, etc. No caso desta pesquisa, foram utilizados flyers de divulgação
dos cursos/aulas/oficinas e textos escritos pelos próprios artistas.
1.3.2 Meios de apreensão das informações
Uma vez tendo discorrido sobre as fontes de informações, passo a discorrer
acerca das técnicas e instrumentos que utilizei como recursos para a obtenção das
informações, quais sejam: entrevistas temáticas, semiestruturadas e recorrentes e
observações participantes in lócus.
Uma das técnicas por mim escolhida foi a entrevista temática semiestruturada
e recorrente. A entrevista temática, de acordo com Hopf (1989, p. 101-103), é
utilizada quando se quer coletar informações que se relacionam a um determinado
problema, ou quando se deseja aprofundar na compreensão do objeto, focalizando o
25
ponto de vista do entrevistado em relação ao problema específico em torno do qual
a entrevista se centraliza. Este tipo de entrevista é orientado por um pequeno roteiro
que guia o desenvolvimento da entrevista, com a finalidade de evitar uma conversa
estagnante ou um tópico improdutivo; podendo-se utilizar também da indução no
intuito de aprofundar a compreensão do assunto ou confrontar contradições ou
inconsistências nos enunciados.
A respeito da utilização da entrevista semiestruturada, Hopf (1989, p. 89-106),
destaca que a utilização da mesma em pesquisas qualitativas tem atraído o
interesse de vários pesquisadores. O interesse está ligado à probabilidade de que os
pontos de vista dos sujeitos entrevistados sejam melhor expressos em uma situação
de entrevista - com um planejamento relativamente mais aberto - que em uma
entrevista padronizada ou em um questionário. Esse autor ainda aponta que essa
técnica deve ser utilizada quando o entrevistado possui “uma reserva complexa de
conhecimento sobre o assunto”.
As entrevistas recorrentes são caracterizadas por Simão (1982, p. 37 apud
Leite & Colombo, 2006, p. 125), como um processo interativo entre pesquisador e
sujeito em que a construção do conhecimento sobre um determinado tema ocorre de
forma partilhada e planejada. Nesse sentido, é interessante notar que é justamente a
relação dialógica estabelecida entre pesquisador e pesquisado é que possibilita a
construção do conhecimento. Para Murta, uma entrevista é recorrente quando,
[...] após entrevistar uma primeira vez um sujeito, retornamos a ele uma segunda ou tantas outras vezes quanto forem necessárias a fim de buscar mais informações sobre o tema tratado, ou esclarecer algum aspecto que ficou confuso ou incompleto. Inclusive, alguns pontos de análises preliminares podem ser apresentados e
discutidos (MURTA, 2008, p.79).
Como instrumento para a realização das entrevistas foi utilizado o gravador
digital de áudio.
Outra técnica por mim utilizada foi a observação participante in lócus, que
segundo Minayo (2010), é o processo pelo qual o pesquisador busca observar uma
situação social a fim de proceder a uma investigação científica. O pesquisador
observador deverá, na medida do possível, estar no campo e em relação direta com
os sujeitos da pesquisa e/ou com o fenômeno estudado. Mas não só deve observar,
como também vivenciar a cena estudada. Esse contato direto e essa vivência
possibilita ao pesquisador melhor compreender o contexto estudado. Assim “o
26
observador faz parte do contexto sob sua observação e, sem dúvida, modifica esse
contexto, pois interfere nele, assim como é modificado pessoalmente” (MINAYO,
2010, p. 70).
Durante as observações participantes foi utilizado como instrumento de
registro o diário de campo. De acordo com Minayo (2000; 2010), ele é o principal
instrumento de trabalho da observação e se constitui como um instrumento no qual o
pesquisador durante a sua estada no campo, ou após a mesma, realiza registros de
suas impressões, percepções, angústias, questionamentos e informações que não
puderam ser apreendidos através de outros procedimentos. Minayo (2000, p. 63),
informa ainda que ele é pessoal e intransferível e seu uso visa “construir detalhes no
[...] somatório que vai congregar os diferentes momentos da pesquisa”.
1.4 O CAMINHO PERCORRIDO
Uma vez discorrido acerca do tipo de pesquisa, do local, das fontes de
informações, das técnicas e instrumentos utilizados, apresentarei agora a
complexidade do processo de construção dessa fase (que são também das fases
anteriores, bem como do processo de construção desta pesquisa como um todo).
Ressalto que complexidade aqui não significa complicado, ou que as respostas
possam ser evasivas; mas apenas quero esclarecer ao leitor que embora a
apresentação escrita dessa dissertação esteja linear, o processo de construção se
deu de forma complexa, ou seja, saberes já adquiridos, autores e ideias ainda
desconhecidos, artistas-professores almejados e escolhidos, orientações ocorridas,
entrevistas, escutas, leituras e releituras, transcrições, observações realizadas,
escritas lidas, apagadas e corrigidas, ponte aérea Bahia-Minas, o movimento da
dança contemporânea em mim; enfim, tudo isso foi se tecendo junto, formando e se
constituindo em mais um fio, mais uma teia na rede do conhecimento.
Então prossigamos nesse caminho e voltemos à fase exploratória da pesquisa
de campo, quando tive a oportunidade de conversar com muitos profissionais de
dança da cidade de Belo Horizonte/MG, sendo eles de diferentes gerações e de
atuação distinta na área. Juntamente aos critérios de inclusão propostos para a
escolha dos sujeitos da pesquisa, ou seja, dos artistas-professores, as sugestões, as
indicações informais desses pares também direcionaram a minha escolha. Assim, os
27
três sujeitos selecionados foram citados e lembrados em várias ocasiões. Vejamos
quem são eles.
CARLOS ARÃO3: Arão atualmente faz parte do Coletivo Movasse, que tem
sido um grupo de grande atuação tanto na cena da dança contemporânea quanto
em proposições artístico-pedagógicas em BH. O Coletivo é formado por Carlos Arão,
Fábio Dornas, Ester França e Andrea Anhaia.
DUDUDE4: Referência na cena de BH vinculada à dança contemporânea, há
décadas se dedica ao que a mesma chama de “pedagogia da dança
contemporânea.” Durante o pré-campo, muitos artistas-professores situaram a
mesma como uma grande referência.
TUCA PINHEIRO: Tem extensa atuação no contexto da dança
contemporânea em BH, tanto como intérprete/criador quanto como
coreógrafo/diretor/colaborador. Sua atuação docente relacionada é extensa e o
mesmo é também tido como referência por muitos artistas-professores de BH.
Uma vez feito o convite e tendo a aceitação dos três artistas-professores e, de
posse do meu diário de campo, iniciei as observações participantes que eram
realizadas durante as aulas/oficinas ofertadas pelos mesmos. No Caso de Arão, no
período de maio a novembro de 2013, realizei 24 horas de observação/aula. Já no
caso de Dudude, entre novembro de 2012 a novembro de 2013 realizei 68 horas de
observação. Para as atividades de Tuca Pinheiro, foram realizadas 44 horas de
observações entre agosto de 2012 a abril de 2013. (APENDICE II).
A forma de observação privilegiada foi a observação participante, e assim pude
efetivamente vivenciar as propostas das atividades ocorridas nas aulas/oficinas.
Entretanto, poucas vezes realizei observações nas quais eu apenas me colocava em
um canto da sala e observava a cena de fora. A escolha de um tipo ou outro de
observação variou de acordo com a pertinência do contexto. Percebi, entretanto, que
a observação participante de fato diminui o constrangimento gerado pela própria
situação de observar e ser observado; fortalece a relação de empatia e confiança
entre pesquisador e sujeito observado. Percebi também que a observação
3 Site Coletivo Movasse: http://www.movasse.com/ 4 Blog Dudude: http://coisasdedudude.blogspot.com.br/ - Site Dudude: http://www.dudude.com.br
28
participante ajuda a minimizar certas dicotomias que podem constituir entraves, tais
como teoria X prática e academia X mundo da arte.
Percebi ainda nesses momentos de observação a importância fundamental da
utilização do diário de campo, pois nele registrei as dúvidas, impressões e
sensações que tive ao integrar em meu próprio corpo a teoria estudada, as ideias e
fala dos artistas-professores, ações e reações dos colegas de turma.
Uma vez que estava estabelecida uma relação de confiança entre mim e os
artistas-professores e que também já havia realizado algumas observações das
aulas/oficinas, propus a realização da primeira entrevista. Foi então acordado local e
data com cada um deles: Dudude e Tuca escolheram a própria residência e Arão
optou por fazê-la na sede do Coletivo Movasse.
A entrevista foi centrada na concepção de dança contemporânea e na
articulação desta com o ensino. A partir desse tema amplo, foram formulados os
seguintes tópicos norteadores:
I - Trajetória do sujeito centrada na noção de dança contemporânea.
II - A concepção do sujeito acerca de dança contemporânea.
III - A perspectiva do sujeito em relação à implicação (e se há) dessa
concepção com a sua prática docente e como isso ocorre.
Foram realizadas cinco entrevistas no total. Com Arão foi realizada uma
entrevista em novembro de 2013; com Dudude, duas entrevistas em julho de 2013 e
com Tuca, também duas entrevistas sendo uma em novembro de 2013 e outra em
janeiro de 2014, sendo essa última realizada on line - via Skype5.
Uma vez tendo realizadas as primeiras entrevistas, estas foram transcritas na
íntegra e encaminhadas aos artistas-professores que puderam sugerir modificações,
sendo uma delas a adaptação da linguagem falada para a escrita. Após, foi
realizada a segunda entrevista onde solicitei esclarecimentos sobre algumas dúvidas
surgidas (frente à leitura da primeira entrevista), e complementação de outras
informações. Feito isso novamente foi realizada a transcrição das mesmas, na
íntegra, e novamente devolvida aos artistas-professores.
5 Skype é um software que possibilita comunicações de voz e vídeo via Internet.
29
Depois desse momento, dei início ao processo de análise propriamente dita,
mas antes de passar à descrição desse momento, parece-me pertinente retornar às
observações realizadas e partilhar com o leitor a importância dessas, pois percebi o
quanto foi importante para a compreensão das entrevistas; somente entendi
determinadas falas e ideias dos artistas-professores por ter participado como
observadora-participante das aulas/oficinas. Dito isto, passemos ao processo
analítico.
1.5 RUMO À ESTRATÉGIA ANALÍTICA
A escolha da estratégia analítica é um momento importante do
desenvolvimento da pesquisa, pois deve estar em consonância com os
pressupostos teóricos que a nortearam, bem como com os objetivos propostos.
Assim sendo discorrerei brevemente acerca da estratégia analítica escolhida.
Elegi a Hermenêutica Dialética para nortear o procedimento analítico adotado,
pois creio que ela está em consonância com a compreensão de mundo, ciência e
homem apresentada anteriormente. Segundo Minayo (1996, p. 218), ela “se
apresenta como um caminho do pensamento” e a análise da realidade tem como
ponto de partida a intersubjetividade entre o sujeito da pesquisa e aquele que busca
compreender, buscando um consenso entre eles. Ainda nessa linha de raciocínio a
Hermenêutica Dialética apoia-se na reflexão histórica que concebe pesquisador e o
objeto de estudo como momentos do mesmo contexto.
Ainda segundo Minayo (1996), o pesquisador deve entender a fala expressa e
o texto produzido como resultado do processo social e do processo de
conhecimento, sendo ainda, entendidos como frutos de múltiplas determinações,
mas com significado específico daquele contexto.
Ressalto também que na perspectiva da Hermenêutica Dialética, somente para
fins analíticos as informações são tomadas como um conjunto separado a ser
tecnicamente trabalhado. Outro aspecto importante a frisar é que ela não determina
técnicas específicas de “tratamento de dados”, e não se reduz a mera consideração
de procedimentos, embora salvaguarde “os procedimentos científicos”, mas com o
cuidado para não cair na atomização dos processos tecnocráticos do conhecimento.
30
Embora a Hermenêutica Dialética não determine técnicas específicas para
proceder às análises das informações, Minayo (1996, p. 234), apresenta alguns
passos que podem ser seguidos no processo de interpretação das informações:
a - Ordenação das informações: essa etapa dá ao pesquisador um mapa horizontal
das suas descobertas e engloba o conjunto de todo o material obtido das fontes de
informação. Inclui: 1- transcrições de áudio e videogravações; 2- releitura do
material; 3- organização dos relatos em determinada ordem – que já é uma
classificação.
b - Classificação das informações: que envolvem as seguintes fases: 1- leitura
exaustiva e repetida dos textos, estabelecendo uma relação interrogativa com eles;
2- constituição de corpus de comunicação, ou seja, organização por tópicos de
informações ou temas que após novas leituras serão reagrupadas em novos temas
mais concisos e significantes, que objetiva refazer e refinar o movimento
classificatório.
c - Análise final: inflexão das duas fases anteriores (a e b), num movimento
incessante que se eleva do empírico para o teórico e vice-versa, do concreto ao
abstrato, entre o particular e o geral. O pesquisador promove então o diálogo entre o
referencial teórico, seu objeto de estudo, as questões surgidas e as informações
levantadas. É necessário ressaltar ainda que nessa perspectiva o “produto final” da
pesquisa é sempre provisório e resultado de todo o processo de sua construção.
Entendo, portanto, que a Hermenêutica Dialética está em concordância com
as ideias apresentadas no percurso desta pesquisa. E para finalizar gostaria ainda
de acrescentar as palavras de Rey (2002), quando afirma que as análises em
pesquisas qualitativas são sempre construtivas e interpretativas, ou seja, emergem
do esforço analítico do pesquisador e a implicação que ele tem com seu objeto de
pesquisa; por isso a escolha em escrever o texto na primeira pessoa.
Isso posto, numa aproximação ao indicado por Minayo (1996) passarei a
descrever como se deu o processo de inferência, sistematização das informações e,
consequentemente o processo de análise.
Uma vez transcritas as entrevistas, passei a lê-las exaustivamente a fim de me
familiarizar com o texto produzido. Realizei a leitura mais de uma vez com o intuito
de identificar temáticas/conteúdos que apareciam reiteradas vezes. Também
retornei às minhas anotações contidas no diário de campo, a fim de averiguar o
31
aparecimento de temáticas/conteúdos correlatos. Concomitantemente retomei o
objetivo proposto na pesquisa, ou seja, compreender a concepção acerca de dança
contemporânea e a articulação desta com o ensino de dança para não perder o foco
principal da pesquisa.
De forma intencional ative minha atenção para todas as falas que traziam
informações acerca do processo de formação. No meu entendimento isso se
justificava, pois entender o percurso de formação dos artistas-professores me dava
pistas para entendê-lo em sua historicidade de formação, ou seja, como apregoa a
Dialética Hermenêutica, entendê-lo não só como resultado do processo social e fruto
de multideterminações, mas também como significado específico daquele contexto.
Então, baseada em Pineau (1988), marquei no texto todas as informações que
diziam respeito ao processo de heteroformação, ecoformação e autoformação.
Construí então, para cada um dos sujeitos, um quadro onde as informações sobre
esses três aspectos foram transcritos e aglutinados.
Quadro 1
Processo de Formação dos Artistas-Professores
Processo de Formação
Heteroformação Ecoformação Autoformação
Falas do sujeito Falas do sujeito Falas do sujeito
Percebi com esse exercício analítico, que no início da narrativa dos artistas-
professores predominava aspectos mais ligados à heteroformação, ou seja, ao
período em que a presença dos mestres era importante como afirmação para o
artista-professor daquilo que estava entendendo como dança ou mesmo como
dança contemporânea. Seguiu-se depois um período em que ele começou a se
apropriar da própria formação, trazendo um caráter mais autoral para sua dança e
para a forma de ministrar suas aulas. Estava implícito também em todas essas fases
o quanto as informações advindas do ambiente (o que se discutia acerca de dança
ou como ela se apresentava) influenciavam suas escolhas e performance. Percebi
32
também que ao longo dessa formação havia uma dialogia entre ele e os outros e
dele com ele mesmo, quer dizer, na interlocução com esses outros – seus mestres -
ele organizava as informações de forma particular se apropriando do conhecimento;
da mesma forma, na interlocução com seus alunos essas mesmas informações
eram novamente reorganizadas criando o movimento constante do saber/fazer a
DC6. Assim percebi que esses três aspectos da formação - heteroformação,
ecoformação e autoformação - estão presentes ao longo da formação do sujeito;
entretanto que em alguns momentos um ou outro tem ênfase e ganham destaque.
Afirmo então que embora essa análise não tenha sido o objetivo proposto na
pesquisa, entendo que ela foi importante, pois, pude compreender o processo de
constituição da formação dos meus sujeitos de pesquisa como artistas-professores.
Em seguida voltei minha atenção para os objetivos propostos na pesquisa e
mais uma vez realizei várias leituras e busquei no texto todas as falas/informações
que versavam explicitamente acerca da concepção de dança contemporânea, como
também busquei aquelas que falavam implicitamente, ou seja, falas que me davam
pistas sobre a concepção de DC; considerei também falas que afirmavam o que era
a DC e também aquelas que afirmavam o que não era a DC e em seguida marquei
na própria entrevista a lápis os trechos onde havia essas informações.
Uma vez tendo feito essa marcação, fiz novamente leitura atenta nas
entrevistas e, dos trechos sublinhados foi observado que eles poderiam ser
reagrupados em subtemas devido à similaridade das informações. Assim, cada
grupo de trechos foi sublinhado com cores diferentes, e, cada um deles, a partir
desse momento, foi identificado por um título que representava a ideia geral das
falas, por exemplo: “dança contemporânea e educação somática”. Foi criado então
um quadro com essa organização, ilustrado no exemplo abaixo. Ressalto que esse
exercício analítico (marcação na entrevista e criação do quadro) foi realizado para
cada um dos sujeitos.
6 Informo que “DC”, nessa dissertação, refere-se à “dança contemporânea”.
33
Quadro 2
Organização do eixo temático Dança Contemporânea
Concepção de Dança Contemporânea
Subtema Depoimento Explicitação dos Significados
DC e educação somática (exemplo)
Falas do sujeito Síntese/interpretação da pesquisadora
Quando exauriu as falas acerca da temática citada acima (concepção de DC),
mais uma vez, atenta aos objetivos propostos, busquei nas entrevistas todas as
falas que versavam acerca da prática de ensino; assim, como feito anteriormente,
marquei no texto todos os trechos em que os sujeitos tratavam da própria prática de
ensino ou de questões que eles mesmos teciam para essa prática. Desse
movimento surgiram também falas similares que foram agrupadas em subtemas e
que receberam um título identificador. Após esse exercício foi criado um novo
quadro.
Quadro 3
Organização do eixo temático Prática de Ensino
Prática de Ensino – DC
Subtema Depoimento Explicitação dos Significados
Abordagem do movimento
(exemplo)
Falas do sujeito
Síntese/interpretação da pesquisadora
34
De posse desses quadros as informações contidas foram confrontadas,
comparadas e acrescidas com: a- as informações advindas dos flyers informativos
dos cursos e oficinas oferecidos pelos artistas-professores; b- as informações
advindas do diário de campo com as minhas percepções acerca da prática docente
dos artistas-professores; c- com todo o referencial teórico pesquisado.
O esforço analítico nesse momento foi primeiramente – sabendo ser do
pesquisador a análise interpretativa e construtiva – não perder de vista a base
material de sustentação da análise, ou seja, no relato, a perspectiva dos artistas-
professores. Portanto para não se perder a dialogia com os artistas-professores e
especificamente a perspectiva destes, à medida que o texto foi sendo construído,
este era enviado aos mesmos para que eles tomassem conhecimento e tivessem a
oportunidade de dar feedbacks.
Outro esforço analítico foi o de buscar a integração das partes ao todo. Dessa
forma, esses quadros serviram de guia para a construção de um texto onde as
informações advindas das falas dos artistas-professores pudessem ser organizadas
num corpus coerente e que trouxesse à tona a articulação entre a concepção de DC
e prática de ensino, ou seja, o texto das análises das informações propriamente dito.
Tendo esclarecido tais pressupostos teóricos-metodológicos, apresento a
seguir múltiplas concepções acerca de dança contemporânea, que ao lado do
referencial teórico apontado anteriormente, norteiam esta pesquisa. Concomitante à
apresentação das mesmas, aponto reflexões suscitadas, inclusive no que diz
respeito à articulação de dança contemporânea com prática de ensino.
35
2 DANÇAS CONTEMPORÂNEAS
2.1 CONCEPÇÕES MÚLTIPLAS
2.1.1 A dança do tempo atual?
Uma das definições encontradas acerca da dança contemporânea relaciona-se
o entendimento de contemporâneo tal qual sugerido em uma das definições do
termo pelo dicionário Aulete (s.d.): “aquilo que é do tempo atual”. Mais
especificamente, atual no sentido dado pelo tempo do calendário e do relógio. É o
que Barnes (s.d.) apud Faro (1986, p. 124), sugeriu ao dizer que “dança
contemporânea é tudo aquilo que se faz hoje dentro dessa arte.” Não importa o
estilo, a procedência, os objetivos nem a sua forma. “É tudo aquilo que é feito em
nosso tempo, por artistas que nele vivem”.
Mas será que o fato de acontecer no tempo de hoje basta para designar dança
contemporânea? Então todas as danças que são feitas hoje podem ser nomeadas
como dança contemporânea? Portanto, nomear e reconhecer por dança
contemporânea determinadas danças que são feitas hoje é mera redundância?
Haveria então algum sentido em discernir e reconhecer particularidades, inclusive no
que se refere a práticas de ensino, uma vez que nessa lógica, toda e qualquer dança
que se dá no tempo atual é dança contemporânea? Se assim o fosse, pararíamos
por aqui. A questão estaria resolvida, ou melhor, não haveria questão alguma.
Apontando outro caminho do pensamento, Assumpção (2002, p. 7) sugere a
diferenciação entre danças da contemporaneidade e dança contemporânea e afirma
que “[...] todas as danças realizadas atualmente por artistas e não artistas
pertencem à contemporaneidade, porém não são necessariamente dança
contemporânea.”
Mas se dizer pura e simplesmente que dança contemporânea é tudo aquilo que
se faz hoje dentro dessa arte não basta, uma vez que isso designaria danças da
contemporaneidade (nessa perspectiva que alinha atualidade e
contemporaneidade), e não dança contemporânea, olhar para a relação
estabelecida com o tempo em que ela se dá não deixa de ser uma pista para
compreendê-la. Vejamos como alguns autores trazem essa questão:
36
Penna defende que o que é característico da dança contemporânea é o modo
de abordar a arte e de relacionar com o nosso tempo:
A dança contemporânea, assim como outras artes com essa qualificação, caracteriza-se principalmente por um modo específico de abordar, olhar e conceber a arte em nosso tempo. Dessa forma, caracteriza-se mais por uma percepção, por um modo de relação, do que por uma técnica única ou específica de dança. Por isso, a melhor designação fosse ‘dançar contemporaneamente’, porque depende menos de um estilo, técnica ou método físico que de um modo de sentir, perceber, conhecer e abordar o mundo através de movimentos, passos, gestos, imagens, silêncios, pausas. Portanto é mais um ser-estando contemporâneo em dança... ou dançar o tempo que nos atravessa e passa (PENNA, 2011, p. 17).
Mas que modo específico seria esse? Como perceber e dançar
contemporaneamente “o tempo que nos passa”?
Louppe (2012, p. 20-21), que se refere especificamente ao “campo
coreográfico contemporâneo”, reitera que este pertence à arte dos dias de hoje,
sendo uma resposta contemporânea a um campo contemporâneo de
questionamento. A autora traz ainda o entendimento de que a capacidade que a
dança contemporânea tem de “dizer o presente do mundo” deve-se a um conjunto
de ferramentas (instrumentos para a criação de uma poética) práticas e teóricas,
implementado desde o início do século passado. Nesse sentido, a dança
contemporânea constituiria uma nova maneira de sentir e criar ao fazer do corpo
(sobretudo corpo em movimento), ao mesmo tempo sujeito, objeto e ferramenta do
seu próprio saber.
Sendo assim, apresenta um panorama de fundadores1, constituído por aqueles
que inventam não somente uma estética do espetáculo, “mas também um corpo,
uma prática, uma teoria, uma linguagem motora”. Embora não sugira a noção estrita
de linhagem, sua perspectiva parece contrastar com a de Long (2002 apud Aguiar,
2008, p. 15), para quem a “dança contemporânea [...] é representativa da dança
deste momento no tempo e não é estilisticamente ligada à linhagem de qualquer
pioneiro”.
1 De acordo com Louppe (2012, p. 46) a família dos fundadores se inicia com Isadora Duncan e vai até os
representantes do contexto da Judson Dance Theatre, podendo talvez se estender à Steve Paxton com o Contato-Improvisação. Passando ainda por outros nomes como Rudolf Laban, Mary Wigman, Martha Graham, Merce Cunningham, entre outros.
37
2.1.2 Dança pós-moderna?
Embora não a identifique como o começo absoluto, Louppe (2012) elege
Isadora Duncan (para muitos, a mãe da dança moderna), como marco do
nascimento da dança contemporânea. Duncan é representativa daquilo que Louppe
sugere como a grande verdade da dança contemporânea: a verdade de cada um.
Em outras palavras, a dança de cada um.
E assim, a partir de Louppe e em diálogo com outros autores, nos
aproximamos da celeuma das dinâmicas históricas da dança contemporânea, onde
não há consenso e a contradição entre os autores é índice de complexidade do
fenômeno estudado. Se Louppe não faz distinção entre dança moderna e dança
contemporânea2, não cabe na perspectiva dessa autora compreender dança
contemporânea como dança pós-moderna, designando algo que vem depois da
dança moderna ou da própria modernidade.
No entanto, se para tantos outros autores distinguir dança moderna de dança
contemporânea é condição sine qua non para compreendê-la, a mesma é entendida
também como uma das expressões da pós-modernidade em dança, ou ainda como
sinônimo de dança pós-moderna, ou até mesmo como a dança que configurou-se a
partir do movimento da dança pós-moderna.
Para Navas (2003), a dança contemporânea é uma das expressões da pós-
modernidade em dança. A autora atribui à nomenclatura dança pós-moderna (ou
postmodern dance), configurações como dança-teatro, butô, contemporânea,
nouvelle danse (francesa, belga ou canadense do Quebec) e new dance (pós-
postmodern dance norte-americana). (Grifo nosso).
Dantas, por sua vez, compreende os termos nouvelle danse e new dance como
alternativas para a denominação dança contemporânea, cujo termo consolidou-se
nos anos 1980. Aponta que desde então surgiram outras alternativas, tendo além
dos nomes já citados, o termo danse d’auteur e outros ainda mais específicos, como
vanguarda pós-bauschiana.
Se Navas situa a dança contemporânea no contexto da pós-modernidade em
dança, também encontramos o entendimento de dança contemporânea como
2 A distinção proposta por Louppe (2012) é da grande modernidade (onde se situam os fundadores) à época
atual.
38
sinônimo de dança pós-moderna, como podemos inferir da afirmação de Bittar, que
diz:
[...] pode-se definir a dança contemporânea, também denominada pós-moderna, como uma dança que quebrou regras pré-estabelecidas, abarcando um vocabulário múltiplo e dando espaço para a criação individual ou coletiva proveniente de larga experimentação (BITTAR, 2005, p. 7). (Grifo nosso)
A revisão bibliográfica realizada indicou recorrência da ideia de que o
movimento da dança pós-moderna norte-americana no contexto da Judson Church
na década de 1960, teria constituído-se como marco inaugural da dança
contemporânea (FERREIRA, 2001; PEREIRA, 2007; AMARAL, 2009, entre outros).
Embora não as situe como início, para Tomazzoni (2006), a dança
contemporânea foi forjada por múltiplos artistas no mundo e teve nas propostas da
Judson Church sua mais clara formulação de princípios.
De maneira aproximada, Sinizek (2013), diz que a dança contemporânea no
Brasil tem significativa referência na Europa, EUA e Ásia. Sendo que a autora
destaca como influências na composição do quadro da dança contemporânea
brasileira atual o movimento pós-moderno americano, a dança expressionista
alemã e a nova dança francesa. (Grifo nosso)
Banes (1980) esclarece que o termo pós-moderno, nesse contexto, foi utilizado
por Ivonne Rainer no início de 1960 para categorizar o trabalho dela e de seus
parceiros na Judson Church e outros lugares; sendo que a utilização do termo foi no
seu sentido cronológico, explicitando que eles eram a geração que veio depois da
dança moderna. Com isso explicito que o entendimento de que a dança
contemporânea teve seu marco inicial com a dança pós-moderna no contexto da
Judson significa dizer que ela teria se constituído depois da dança moderna,
discernindo claramente essas suas propostas. Mais do que as discernir
temporalmente, colocar o marco inicial da dança contemporânea nesse movimento é
ainda colocar que ela se constituído num contexto antidança moderna, se
concebermos que, como postula Banes (1980), como ocorreu com outras artes, a
dança pós-moderna no referido contexto era antidança moderna.
Entretanto, Banes chama a atenção para a confusão que o termo dança pós-
moderna cria, tendo em vista o fator complicador de que a dança moderna,
39
historicamente falando, nunca foi modernista3. Segundo afirma a autora
frequentemente, foi precisamente no campo da dança pós-moderna que as questões
do modernismo em outras artes surgiram. Na sua concepção, como ocorreu no pós-
modernismo em outras artes, a dança pós-moderna era antidança moderna. Mas
uma vez que moderno em dança não significou modernista, ser antidança moderna
não era, absolutamente, ser antimodernista. Em vias de fato, era praticamente o
oposto.
Fato é que o termo dança pós-moderna, assim como o termo dança
contemporânea, é escorregadio e traz consigo múltiplas possibilidades de
interpretação. Nesse sentido, vale apontar as considerações de Silva (2005, p. 17),
para quem,
O movimento [pós-moderno], a começar pelo seu nome, já indica uma série de questionamentos ponderáveis. O tão debatido e, muitas vezes, considerado maldito, prefixo “pós” é contraditório em si mesmo, pois não nega o seu antecessor e também não significa uma continuação literal.
E relacionando-o à dança contemporânea, diz:
A colaboração com outras artes, o redescobrimento da expressividade intrínseca do movimento, a utilização das estruturas de composição da escola moderna, a pesquisa do movimento mais sofisticado tecnicamente, a fragmentação de imagens ou movimentos, o uso da tecnologia, a liberdade de escolha e manipulação temática e a tolerância à inventividade são aspectos [da dança pós-moderna] que podemos já identificar na dança contemporânea (SILVA, 2005, p. 23).
Para Saportes (1983 apud Pereira, 2007), a dança contemporânea surge como
uma coleção (ou seja, somatória) de sistemas e métodos desenvolvidos na dança
moderna e pós-moderna, o que resultou numa multiplicidade de linguagens
utilizadas. Já Tourinho e Silva defendem que,
[...] o que denominamos hoje de dança contemporânea sofreu determinante influência dos estudos de Delsarte e Dalcroze. Isto porque entendemos que o que se denomina dança pós-moderna não exclui os fundamentos da dança moderna, muito pelo contrário, inclui e amplia possibilidades expressivas da arte do movimento (TOURINHO & SILVA, 2006, p. 125).
Sigamos e rememoremos a pergunta: o que é dança contemporânea?
3 The aspirations of modern dance, anti-academic from the first, were simultaneously primitivist and modernist.
(BANES, 1980, p. xii)
40
2.1.3 Da recusa (política) em responder à pergunta [o que é dança
contemporânea?]
O tópico parafraseia Rocha (2009, p. 2), para quem diante de tal pergunta “não
há resposta, pois a própria pergunta é a sua resposta própria (mais apropriada).”
Trata-se, da parte dessa autora, de uma recusa (política) em não dar uma resposta
ontológica, dizendo o que dança contemporânea é. A autora parte da hipótese de
que a contemporaneidade presente no vocábulo dança contemporânea caracteriza-
se pelo devir da dança como meio, “interpondo em sua origem não a essência, uma
que pudesse ser ontologicamente definida, mas a diferença” (ROCHA, 2009, p. 1). A
mesma destaca que é próprio da arte contemporânea desontologizar o objeto de
uma origem já dada – arte – antepondo, nesse lugar de origem, a dúvida: O que é
arte? Nessa lógica, seria possível compreender que em torno dos procedimentos
intrínsecos à dança contemporânea há algo que se propõe a uma indagação de si e
ao outro: por que isso é dança contemporânea? Tal indagação conduz ainda a outra:
por que isso é dança? A autora nos convida a “sair do jogo dos pressupostos que
diz: Sabemos o que é dança. Dancemos a partir daí, para dizer: A dança não se
sabe. A dança não se sabe nunca. Voltemos sempre aí” (ROCHA, 2009, p. 5).
Segundo a autora, esta é a única condição do dançar imediatamente agora.
Para Fabião (2009), seja de maneira consciente ou não, a dança
contemporânea é fortemente inspirada pela performance. Como as produções
artísticas contemporâneas de uma maneira geral, elas têm como característica em
comum a hibridação de gêneros, ou a possibilidade de fusão ampla, geral e irrestrita
de materiais e procedimentos. Para a autora, assim como não interessa definir
performance, também não interessa neste momento definir o que é a dança
contemporânea, mas perguntar em cada aqui e a cada agora, o que queremos que a
dança seja. Nesse sentido, cada espetáculo será uma resposta momentânea para
esta questão recorrente.
A partir dessas perspectivas, como articulá-las às práticas de ensino?
Compartilhando a incerteza no lugar da certeza? Fomentando perguntas ao invés de
repostas? As práticas de ensino tenderiam a ser híbridas também?
Se como sugere Fabião, diante da indefinição do que seja a dança
contemporânea cada espetáculo se apresenta como uma resposta momentânea
para essa questão, presumo que cada proposta de ensino também ocupa esse
41
lugar. Mais do que isso, é um espaço privilegiado para refletir e propor o que
queremos que a dança (contemporânea) seja.
No mesmo caminho, Bittencourt (2013, p. 9), ressalta: “Não há fixações por
ora, mas possibilidades”. A autora situa a compreensão de que a dança
contemporânea não está sujeita a ser subjulgada como uma de suas mais
importantes características.
José (2011) reitera o entendimento de dança contemporânea como um campo
de conhecimento amplo, aberto, vivo e pleno de possibilidades de criação artística e
de processos em constante construção e transformação. E afirma que não existe
um conceito único que possa dar conta da sua complexidade. Por isso sugere a
compreensão da dança contemporânea na perspectiva de “estudo de casos”, uma
vez que, de fato, “a” dança contemporânea (única) não existe.
Mesmo assim, José aponta alguns procedimentos/características observáveis:
[...] utiliza de diferentes técnicas corporais, modos de apresentação, pluralidades estéticas, ambiguidades, descontinuidade, heterogeneidade, diversidade de códigos, subversão e multilocalização. [...] outra característica marcante é a abertura para abordagens inter, multi e transdisciplinares com outras expressões artísticas, embora não se possa dizer que essas abordagens tenham sido inauguradas pela dança contemporânea (JOSÉ, 2011, p. 4-9).
Mas o que faz com que se reconheça algo como dança contemporânea seria a
possibilidade de observação de procedimentos/características como os citados
acima? E nas práticas de ensino, a existência destes garantiria a fidedignidade das
mesmas à dança contemporânea?
2.1.4 Aquilo que se organiza como dança contemporânea
Para Leste (2010),
[...] o modo pelo qual a dança contemporânea tende a ser definida, através de uma lista de itens que devem ser cumpridos, tais como fragmentação, interdependência, relações não hierarquizadas, desvínculo de narrativas, abolição de corpos idealizados, dentre outros, não consegue abarcar o seu modo de funcionamento, as relações que continuamente se estabelecem, e estas sim, são responsáveis por especificar aquilo que garante a autonomia do sistema. Seguir essa lista ou qualquer outra de itens é estabelecer rótulos, programas pré-determinados e limitar o que de mais instigante foi proposto por coreógrafos da dança contemporânea: o
42
reconhecimento em cada configuração de dança contemporânea dos princípios organizativos que a estão gerando (LESTE, 2010, p. 16).
A partir dos apontamentos de Leste responderíamos que não, à pergunta posta
anteriormente. Pois na sua perspectiva, o que seria decisivo é o tipo de relação que
ocorre entre os componentes. Ou seja, o foco está na relação instaurada, e não na
presença deste ou daquele item a priori. Embora não apresente como modo de
funcionamento generalizável a toda dança contemporânea, identifica e destaca
nesta a proposição de princípios organizativos que, por sua vez, refere-se às
“relações entre os elementos distinguíveis na composição em dança, que emergem
a partir dos processos de criação que são feitos sem lançar mão de conjuntos
programáticos previamente definidos” (LESTE, 2010, p. 20).
Nesse sentido, se aproxima das ideias de Britto:
Não estando, como esteve o balé, comprometida com um conjunto de passos conjugados segundo um padrão estável de dinâmica associativa; nem sendo, como foi a dança moderna, um campo de referenciação metafórica, a dança contemporânea expressa uma lógica relacional não hierárquica entre corpos e mundo. Diferentemente dos outros modos de configuração coreográfica, cuja variação de gênero estilístico, por mais “pessoal” que seja, ocorre sempre sob o constrangimento de parâmetros programáticos; a dança contemporânea se organiza à semelhança de uma operação metalinguística, na medida em que transfere a cada ato compositivo os papéis de gerador das suas próprias regras de estruturação (BRITTO, 2008, p. 15).
Quando Tomazzoni diz que a dança contemporânea teve nas propostas da
Judson Church sua mais clara formulação de princípios, um deles é justamente o de
que “cada projeto coreográfico terá de forjar seu suporte técnico”. E complementa:
“Tal princípio implicou tanto a preservação de aulas de balé nutridas por outras
técnicas e linguagens quanto o abandono do balé e a incorporação, por exemplo, de
técnicas orientais” (TOMAZZONI, 2006, p. 2). Nesse sentido apresenta alguns fatos
que considera fundamentais para a compreensão da dança contemporânea.
Fato 1: “A dança contemporânea não é uma escola, tipo de aula ou dança específica, mas sim um jeito de pensar a dança”. 2: Não há modelo/padrão de corpo ou movimento. Fato 3: “A dança contemporânea reafirma a especificidade da arte da dança”. Fato 4: “Pensamento e corpo [...] não são entendidos como lugares estranhos um ao outro” (TOMAZZONI, 2006, p. 2).
Na dança contemporânea o que importa não são os “passos”, mas o modo
organizativo da cena/criação. Dessa forma, Katz (2005, p. 117), afirma que “cabe
como dança aquilo que se organiza como dança, sem importar se essa dança se faz
43
com passos de ginástica rítmica ou exercícios de natação”. A mesma enfatiza que
na dança contemporânea a técnica corporal empregada no trabalho já não serve
mais como critério para sua avaliação e reconhecimento. Sendo assim, “o que passa
a ser necessário é conseguir identificar como e/ou para que o corpo faz o que faz”
(KATZ, 2004, p. 1).
Com tudo isso, como seriam práticas de ensino pautadas nesse pensamento?
Teriam os processos criativos como condição? Tratariam de reconhecer,
experienciar e/ou elaborar princípios organizativos? A princípio, poderiam se pautar
em qualquer técnica do corpo (e não só em técnicas de dança)?
2.1.5 A questão da dança ou a dança da questão
Rememorando, Katz diz que para reconhecer a dança contemporânea é
preciso identificar como e/ou para que o corpo faz o que faz. E nos dá uma pista
para que tracemos outro caminho do pensamento (que não se opõe ao anterior, ou
muito antes pelo contrário): a questão da dança contemporânea, ou seja, o cerne da
dança contemporânea pode estar justamente no ato de questionar, indagar.
Segundo a autora,
o que distingue um espetáculo de dança contemporânea é a pergunta que ele faz. [...] é preciso existir uma pergunta, mesmo que quem assista ao espetáculo não a identifique de imediato. Se, de fato, acontecer assim, essa tal pergunta pode ser tomada como um divisor de águas: a dança que indaga cabe dentro da nomeação de contemporânea, e a dança que não interroga seu público pertence a outra espécie (KATZ, 2004, p. 4).
Para Rocha, a dança, quando contemporânea, apresenta em cena justamente
a sua questão, o seu problema fundante:
O que se vê em cena então é a questão da dança, o problema da dança, apresentado duas vezes, ou duplamente, e mesmo, sempre, uma segunda vez. E este seria o melhor sentido de sua metre-en-scène: encena não porque representa, mas porque apresenta uma segunda vez – re-(a)-presenta – o problema da cena – auto referencialidade; apresenta em cena, não o seu objeto, já e sempre aguardado, mas o problema fundante da cena (ROCHA, 2009, p. 7).
Greiner (2006 apud Garrocho, 2011), observa que a dança contemporânea
realiza uma ruptura com a ideia de coreografia entendida como repetição de
módulos de movimentos e de passos de dança. Em vez de uma técnica adquirida,
teríamos um corpo investido numa questão, num meio produzido por uma pesquisa.
44
A partir dos apontamentos de Greiner (2009, 2010), pesquisa, assim como
processualidade, pode ser compreendida como noções-chave na dança
contemporânea. Entretanto, a autora alerta:
Há uma diversidade muito grande de experiências colocadas sob o rótulo de dança contemporânea, e de certa forma ela também virou um holofote. Ficou “chique” dizer que se faz dança contemporânea, que se faz pesquisa, que não cria espetáculos, e sim, “processos” (GREINER, 2010, p. 1).
Será que esse modismo observado por Greiner também reverbera nas práticas
de ensino relacionadas à noção de dança contemporânea? Como cuidar para que
noções tão complexas não sejam esvaziadas de seu sentido? Qual o lugar das
práticas de ensino nessa perspectiva de pesquisa, processualidade? A partir do que
e como se organizariam?
Antes de passar para o próximo tópico, trago ainda os apontamentos de Xavier:
O contemporâneo na dança reflete uma visão particular de mundo e não se restringe a um único modo de composição no corpo e na cena. Tampouco carrega a missão unívoca de negar uma técnica ou movimento artístico qualquer. Se ocupa em perguntar, conhecer e escolher. Tal liberdade criativa permite desde a apropriação da poética etérea da dança clássica, à qualidade expressionista da dança moderna, à variedade das danças populares, de salão e de rua, até o uso de gestos cotidianos e a própria recusa do movimento enunciada pela dança pós-moderna americana dos anos 60. A função conservada se refere à de questionar, e até mesmo demolir, suas próprias categorias de enunciação e elementos compositivos. Desfazer a si mesma. Não cansa de interrogar e criticar seus contextos: arte e vida. Localizada num território sem leis fixas, modelos e convenções imutáveis, a dança contemporânea desenha linhas que antes de dividir, apontam outros caminhos de pesquisa e significação (XAVIER, 2011, p. 35).
Essa atitude de questionar, criticar, desfazer e refazer a si mesma é algo que
vem sendo claramente proposto pelos autores que vêm logo a seguir.
2.1.6 Dança (auto)crítica: reflexão e conceitualismo
O que pode ser hoje a dança contemporânea – ou quais podem ser as danças
contemporâneas - é uma das questões centrais da proposta de Muller (2012), que
evoca para si e para seus pares, mais especificamente, a compreensão do caráter
conceitual de suas danças contemporâneas. A autora argumenta que as poéticas e
políticas da dança contemporânea são constituídas sob a édige de uma condição
45
conceitual e extradisciplinar e sugere que, uma vez estando no panorama da arte
contemporânea, essa dança indaga-se sobre sua natureza e desestabiliza suas
próprias convenções, chegando a romper com os procedimentos esperados e com o
que pode ser tradicionalmente reconhecido como dança. A respeito da condição
conceitual defendida, a autora argumenta:
A dança contemporânea sob uma condição conceitual abarca práticas híbridas e heterogêneas, visita outros campos e permeabiliza fronteiras em suas pesquisas extradisciplinares. Na interseção com o conceitualismo, a dança compromete-se na revisão de sua própria natureza, rejeitando conceitos e modelos pré-concebidos, originando conceitos expandidos de dança (MULLER, 2012, p. 78).
De maneira similar, para Setenta (2007, p. 142) “a dança contemporânea lida
com questões que se distanciam daquelas já padronizadas e aceitas” e que,
implicado no seu fazer está o desenvolvimento de uma reflexão crítica.
Ainda segundo Muller (2012), são questões que dizem respeito aos artistas
ligados a essa dança: o desejo de aproximação entre arte e vida, o discurso (com,
sobre e a partir da dança contemporânea), o sistema, a inserção da obra e do
artista; a não distinção entre os diferentes papéis na arte (tais como: coreógrafo,
dançarino, crítico, teórico, curador, professor).
De maneira aproximada, Andreoli (2010, p. 37-45) diz que “é no âmbito do
discurso, e das representações que esse engendra sobre os corpos, que é possível
situar a dança contemporânea como um campo de pesquisa específico”. O discurso
da dança contemporânea teria como diferencial a perseguição (necessariamente) de
uma pluralidade de referências que a constitua, apostando na hibridação constante.
Bruno (2012), por sua vez, propõe o entendimento da dança contemporânea
como produção de pensamento crítico, referindo-se a uma parcela da produção
contemporânea que faz da própria criação um exercício crítico que problematiza
noções hegemônicas de dança.
Problematizar noções hegemônicas da dança, duvidar, desestabilizar suas
verdades são questões que estão postas na cena da dança contemporânea. Diante
disso uma pergunta se faz recorrente, ao menos para o grande público: isto (ainda)
é dança?
46
2.1.7 Isto é dança?
Uma das questões principais para o questionamento “isto é dança?” é o não
reconhecimento, muitas vezes, do que se espera como movimentos de dança.
Nesse sentido, Fabião aponta:
[...] a dança contemporânea propõe uma revisão radical da definição tradicional de dança - mover-se ritmicamente acompanhando uma música e, em geral, seguindo uma sequência de passos. Em muita dança contemporânea não se encontrará passos, nem música e, talvez, sequer movimento (se compreendido exclusivamente como deslocamento no espaço) (FABIÃO, 2009, p. 3).
De acordo com Lepecki (2010), na dança contemporânea o foco está no corpo,
e não no movimento. Para ele “a noção de que o movimento é elemento distintivo da
dança é relativamente recente” e seu protagonismo “como traço distintivo da dança
acontece apenas com a distribuição do sensível modernista, que na dança se dá por
volta dos anos 1920-1930” (LEPECKI, 2010, p.16). O autor destaca o movimento
como um emblema da modernidade e nessa perspectiva a imagem do sujeito que
clama para si mesmo a capacidade de se automover é a imagem do sujeito
plenamente integrado na modernidade. “Na modernidade, criamos as condições
corporais, afetivas e de subjetividade para vivermos a ilusão de que nos movemos
porque queremos – e para onde quisermos” (LEPECKI, 2010, p. 16). Como um
movimento (político) de resistência contrária à mobilidade contínua da modernidade,
Lepecki situa a partir de The Last Performance de Jérome Bel, a noção de still act,
que pode ser traduzido como “ato parado” ou “paragem”. Segundo o autor, o still act
se configura não como uma interrupção propriamente dita, mas como uma
continuidade da dança num outro estado de existência.
Lepecki (2006) sugere um esgotamento na necessidade de relacionar dança e
movimento. Entretanto, Hercoles (2011) defende que o movimento não deixou de
ser condição da dança, mesmo nas propostas mais atuais da dança contemporânea,
às quais Lepecki se refere nas suas reflexões. O que precisa ser revisto são os
parâmetros que orientam os entendimentos sobre o que é movimento de/na dança.
Nesse sentido, ressalta:
Embora o movimento em fluxo continue tendo seu lugar na contemporaneidade, a exemplo das coreógrafas Maguy Marin, Anne Teresa De Keersmaeker, Trisha Brown, entre outros, temos também artistas da dança que estão pensando a relação movimento/dança de modo distinto, a exemplo de Jérome Bel, Xavier Le Roy, Boris
47
Charmatz; no Brasil, Cristian Duarte, Marta Soares, Lia Rodrigues, entre outros (HERCOLES, 2011, p. 202).
Domenici complementa:
Há algumas décadas a definição do que é dança vem sofrendo modificações profundas e, como consequência, também a ideia sobre o que é “movimento de dança”. Enquanto no ballet e na dança moderna, movimento é sinônimo de amplas viagens angulares dos segmentos corporais e/ou grandes deslocamentos pelo espaço, no pensamento contemporâneo essa noção deve incluir também os micro-movimentos articulares ou a simples modificação dos estados tônicos do corpo: modificações sutis provocadas pela modulação da tensão muscular que modificam a qualidade do movimento” (DOMENICI, 2008, p. 1).
A mudança acerca do que é, como é, e como se constitui um movimento de/na
dança pode ser levada de várias formas para as práticas de ensino em dança
contemporânea. Certamente, a indagação “isto é dança?” reverbera em várias salas
de aula: “isto é aula de dança?”
2.1.8 Dança contemporânea em diálogo com a educação somática
Nivoloni (2008), aponta que embora sejam áreas distintas, com especificidades
distintas, há intenso diálogo entre dança (contemporânea) e educação somática,
sendo que em algumas danças contemporâneas como a Nova Dança e o Contato-
Improvisação, a distinção entre dança e educação somática é tênue. Acerca da
distinção entre as áreas, Nivoloni esclarece:
A Somática [educação somática] é da ordem da percepção e da propriocepção principalmente com um enfoque na área da saúde, da terapia, da boa funcionalidade do movimento, do bem estar e da qualidade de vida. A dança é da área das artes e, não necessariamente tem compromisso com questões de saúde e bem estar (NIVOLONI, 2008, p. 53).
Por educação somática são designadas práticas corporais como Feldenkrais,
Bartenieff, Ideokinesis, Body-Mind Centering, Alexander, entre outras. Thomas
Hanna (1983 apud FORTIN, 1999, p. 40), a definiu da seguinte forma: “processo
relacional interno entre a consciência, o biológico e o meio ambiente, estes três
fatores sendo vistos como um todo agindo em sinergia”.
Como diz Fortin (1999), inúmeras razões podem ser enumeradas para justificar
o interesse de dançarinos pela educação somática, tais como a melhora da técnica,
prevenção e cura de traumas, desenvolvimento de capacidades expressivas. E
48
relacionando à discussão trazida no tópico anterior, enfatizo que a mudança da
própria concepção do que é, como é, e como se constitui um movimento de/na
dança (contemporânea) é um importante fator a ser levado em consideração nessa
relação.
Domenici (2010, p. 79), destaca como um ponto de convergência: “a
valorização do comportamento singular é uma característica marcante das práticas
de educação somática que encontra consonância nas configurações
contemporâneas de dança”.
Meireles & Eizirik (2003), também enfatizam a questão do comportamento
singular de cada corpo ao dizerem que a dança contemporânea traz para si a ideia
de uma assinatura corporal, de uma construção particular de corpo. As autoras
argumentam acerca da relação entre dança contemporânea e educação somática:
Há uma profunda transformação na maneira em que concebemos o corpo e no conteúdo de ensino da dança contemporânea quando consideramos o olhar dessas terapias somáticas, provocando um diálogo fecundo entre essas duas áreas, enriquecendo-as mutuamente, pois ambas lidam com o funcionamento do corpo e a análise do movimento (MEIRELES & EIZIRIK, 2003, p. 88).
Argumentam ainda que “não se trata de precondição, mas sim de uma
proximidade de princípios”. E na medida em que os princípios da dança
contemporânea foram clareando, teria surgido a necessidade de um corpo
específico, para o qual as terapias somáticas teriam fornecido a base.
Mas ao dizer que a dança contemporânea valoriza a singularidade de cada
corpo, não é contraditório a noção de que a mesma necessitou de um corpo
específico? Ou seria outro entendimento de corpo na dança? O que as autoras
chamam de princípios da dança contemporânea é o que Louppe (2000, 2012)
propôs como valores reconhecíveis na mesma:
[...] individualização de um corpo e de um gesto sem modelo que exprime uma identidade ou um projeto insubstituível, a produção (e não a reprodução) de um gesto (a partir da esfera sensível individual – ou de uma adesão profunda e cara aos princípios de um outro), o trabalho sobre a matéria do corpo e do indivíduo (de maneira subjetiva ou, pelo contrário, em ação na alteridade), a não-antecipação da forma (ainda que os planos coreográficos possam ser traçados de antemão, como em Bagouet ou Lucinda Childs) e a importância da gravidade como impulso do movimento (quer se trate de jogar com ela ou de se abandonar a ela). Em causa estão também valores morais como a autenticidade pessoal, o respeito pelo corpo do outro, o princípio da não-arrogância, a exigência de uma solução justa, e não somente espetacular, a transparência e o
49
respeito por diligências e processos empreendidos (LOUPPE, 2012, p. 45).
Se, como diz Louppe, a poética da dança contemporânea apoia tais valores,
eles reiteram a possibilidade de um diálogo profícuo entre dança contemporânea e
educação somática. Ao lado do desenvolvimento da própria dança a educação
somática pode ter tido sim contribuição para elaboração de procedimentos, formas
de ver o corpo na dança. Mas dizer que ela foi a base pode ser perigoso e pode não
corresponder, justamente, à pluralidade (porque singularidades no plural), da dança
contemporânea, visto que como Louppe mesmo diz, essa não prevê um programa
normativo ou censurador e não apresenta programa artístico homogêneo dedicado
às questões de forma.
2.1.9 Não a normatizações: não há um só corpo, não há um só jeito de se
dançar
Rememorando o que fora atribuído a Louppe (2012) anteriormente, a dança
contemporânea não prevê um programa normativo ou censurador. Ainda segundo
essa autora, a mesma não apresenta, tampouco, um programa artístico homogêneo
dedicado às questões de forma. Com isso, assim como não há uma só forma de
configurar um trabalho de dança, não há uma só forma de organizar um corpo para
a dança, e ainda, não há uma só forma de corpo possível para a dança.
Essa multiplicidade de organizações do corpo para a dança é visível na cena
da dança contemporânea, e, como aponta Aguiar (2007), observamos nesse
panorama uma gama de padrões motores e de organizações estéticas bastante
diversificadas. Assim, diante desse entendimento plural de corpo(s) para a dança
contemporânea, ou melhor, para as danças contemporâneas, inferimos que plural
também são as possibilidades de organizar, de treinar o corpo para as mesmas. E
não havendo (ao menos em tese), normatizações a priori, é preciso, portanto, fazer
escolhas propositivas e de diversas ordens. Escolhas, inclusive, que conectem
treinamento à estética pretendida.
Mas como coloca Lepecki (2010), se cada obra (cada estética vislumbrada),
pede um modo adequado de corporeidade, cada corpo e suas singularidades
também pedem para si uma obra adequada ao seu modo se ser. Nesse sentido,
valoriza-se a possibilidade de não só o corpo se adaptar e se organizar, a priori,
50
para a obra. Mas da obra também poder se configurar a partir das restrições e
possibilidades que aquele corpo específico oferece, como ponto de partida. Com
isso, segundo Lepecki, “desapega-se [...] da ideia de que existe um tipo de corpo
privilegiado para dançar e afasta-se da imposição de regras do ‘jeito certo’ de fazer
dança”. (LEPECKI, 2010, p. 18).
Matos aponta pistas para o modo como as restrições e possibilidades
específicas de cada corpo vêm sendo trabalhadas pelo viés da criação na dança
contemporânea:
Alguns coreógrafos procuram trabalhar/pesquisar o movimento, a sensação cinestésica, a fisicalidade, as ideias, a singularidade e as identidades daquele corpo específico que dança para que se possa reconhecer e incluir as diferenças, ressignificando, na dança, representações e metáforas construídas no/sobre o corpo (MATOS, 2012, p. 26).
Com isso, a mudança está para além das estratégias corporais para se
produzir dança, pois implica em mudança na própria concepção de corpo para
dança. Para Matos (2012, p. 26), “o corpo dançante hoje não é mais visto apenas
em termos de sua relação cinética ou expressiva”. O que não quer dizer, entretanto,
que essas questões tenham sido abandonadas. Quer dizer é que não podem mais
ser vistas como a única possibilidade, como a verdade.
A despeito do que possam sugerir os festivais de final de ano de inúmeras
academias de dança, bem como festivais competitivos em que se disputam a
melhor coreografia na modalidade dança contemporânea, Bittencourt afirma:
As produções estéticas de dança na cena contemporânea sugerem transgredir a ideia de modelos e corpos e danças vinculadas a estilos. [...] Não parece intenção da dança contemporânea a previsão de modelagens para o fortalecimento de padrões (BITTENCOURT, 2013, p. 8).
2.1.10 Múltiplas possibilidades, dança plural
Pluralidade, diversidade, multiplicidade foram termos de uso recorrente ao
longo de todo o texto para tratar de dança contemporânea. Termos recorrentes
para muitos autores trazidos aqui (a maioria deles), ainda que eu possa não ter
destacado esse aspecto dos discursos de alguns, necessariamente, no
desenvolvimento dos tópicos propostos. Isso já é indício de que uma das maneiras
possíveis de se olhar para a dança contemporânea é justamente reconhecendo
51
que a mesma é tecida pela diversidade. Mesmo propostas de compreendê-la a
partir de restrições que possam vir a distingui-la, tais como o reconhecimento de
determinados valores, certo modo de se organizar, sua índole questionadora ou
crítica, entre outras, essas carregam consigo a diversidade; pois podem falar de
proximidade de princípios, mas não de iguais. Portanto, como apreender algo que
possa ser caracterizado, justamente pelo seu caráter diverso e por trazer em si
muitas conotações?
É o que reitera Noisette (2011). Segundo o autor, a expressão dança
contemporânea vem sendo usada há 40 anos ou mais e ainda incomoda muita
gente, justamente pelo fato de o termo ser muito vago, muito austero ou carregar
em si muitas conotações. Nesse sentido, ele destaca que é justamente a variedade
de sabores da mesma que dá o tempero da dança contemporânea. Assim, de
acordo com Noisette, uma das revoluções atribuídas à dança contemporânea vem
justamente das múltiplas formas que a mesma toma em cena. Na cena da dança
contemporânea, tudo – ou quase tudo – é permitido; tudo parece ser inventado –
ou reinventado – em tempo real. Noisette apresenta um panorama heterogêneo e
de múltiplas possibilidades em cada possível elemento constitutivo dessa dança:
tipo de movimentação, figurinos, cenário, tema, espaço cênico, etc. Para se ter
uma noção de tal pluralidade, vejamos o que o autor diz da questão da
movimentação:
Alguns coreógrafos optam pelo minimalismo, ou não-movimento de fato, enquanto outros preferem energia física. Alguns favorecem dinâmicas em diagonais, outros defendem fervorosamente o trabalho de chão. Coreógrafos, como DJs enlouquecidos, combinam movimentos de hip-hop com dança contemporânea e africana, e acrobatas voam pelo ar. Além disso, há os tipos esportistas, e até mesmo puristas (NOISETTE, 2011, p. 15). (Tradução nossa) [...]4.
Mesmo diante da diversidade constatada, Noisette destaca algumas questões
centrais que podem ser observadas num panorama geral: ela se diferencia do
ballet (embora uma compreensão de seus mecanismos técnicos possam servir
4 Some choreographers opt for minimalism, indeed motionlessness, while others prefer physical energy. Some
favor diagonal dynamics, other fervently defend floor work. Crazy DJ choreographer combine hip-hop moves with contemporary and African dance, and acrobats fly through the air. Then there are the sporty types, and even purists […]
52
como referência para coreógrafos como William Forsythe e Mats Ek, por exemplo),
ela reflete o nosso tempo, ela combina diversos tipos de arte, e, claro, ela cultiva a
variedade.
Dantas (2005), pontua aquilo que já pôde ser constatado aqui: não existe
consenso para definição unívoca de dança contemporânea. E ainda cita outras
configurações que podem ser designadas como tal:
[...] os trabalhos mais recentes da geração da dança pós-moderna norte-americana; a nouvelle danse européia; a dança-teatro, o butô japonês e seus seguidores no Ocidente; e as criações brasileiras, latino-americanas e africanas que buscam uma identificação com a cultura local (DANTAS, 2005, p. 33).
A mesma diz ainda que, em geral, o termo é utilizado para nomear diferentes
poéticas da dança nos dias de hoje que não se enquadram em classificações
tradicionais como balé e dança moderna. E diante de tal constatação, pergunto: será
que poderíamos identificar dança contemporânea pelo critério de exclusão? Ou seja,
se uma determinada dança que é feita hoje não se enquadra em classificações
tradicionais, então ela já pode ser identificada como dança contemporânea? Esse
não parece ser um critério muito crível, mas levanta uma questão fundamental: onde
estaria afinal, o limite entre essa diversidade toda, essa possibilidade de invenção e
qualquer coisa ou algo simplesmente indefinido ou mal contextualizado? Esses
questionamentos todos valem para pensar nos contextos de ensino de/em dança
contemporânea.
Para chegar ao fim dessa lista (por ora) infinita, recorro a Sanches. Ele nos
lembra que,
[...] como toda arte contemporânea, a dança [contemporânea] encontra-se em pleno desenvolvimento [...]. Todavia, é possível contar com algumas pistas que vão funcionando mais ou menos como peças de um quebra-cabeça na construção de um pensamento (SANCHES, 2005, p. 56).
E é justamente isso que procurei reunir aqui, ao trazer todas essas vozes para
dialogar: pistas. E tendo em vista todo esse apanhado, eu diria que as mesmas vão
se conectando e/ou se contrapondo, como num jogo de quebra-cabeça; vindo a
constituir talvez não um, mas pensamentos, também no plural. Por isso é que eu
divido com o leitor a tarefa de aglutinação para encontrar pontos em comum nessa
trama, bem como a de constituir possíveis relações tendo em vista a rede de
sentidos que perpassa a dança contemporânea.
53
2.2. DANÇA CONTEMPORÂNEA E COMPLEXIDADE
Procurei reunir múltiplas concepções acerca da dança contemporânea sem a
intenção de esgotá-la ou resolver a problemática do assunto. Reuni concepções que
vêm sendo propostas e discutidas por críticos de dança, pesquisadores da área e
ainda outros que se enveredam nessa tarefa. Apresentei um panorama inacabado,
como não poderia deixar de ser; constituído por uma trama de ideias que ora se
aproximam, ora se distanciam; que por vezes tecem entre si um sentido de
coerência e complementaridade, e outras de contradição, se comparadas. Podemos
perceber que as ideias aqui postas são sustentadas por argumentos e princípios
diferentes. Frente a essa diversidade de ideias, de concepções sobre dança
contemporânea, não me propus a fazer julgamento de valor, ou seja, dizer que a
ideia desse ou daquele autor está certa ou errada, mesmo que eu tenha
problematizado algumas proposições. Não é a certeza do que seja a dança
contemporânea que esse panorama pretende esclarecer; muito antes pelo contrário.
O que ele reforça é a seguinte premissa: a dança contemporânea é complexa e só
pode ser apreendida como tal.
Mas não basta dizer que tudo isso é muito complexo. Pois como aponta o
próprio Morin (2011), nada pode ser tão simplificador quanto dizer apenas que algo
é complexo e ponto. É necessário então, caminhar mais e entender as teias que
compõem essa complexidade, pois lembrando que a mesma não deve se confundir
com o relativismo absoluto.
Diante de tudo isso, a inexistência de uma definição unívoca que designe
dança contemporânea já é forte indício de sua complexidade. Da mesma forma, se
no pensamento cartesiano a contradição é sinal de erro, no pensamento complexo a
contradição pode ser indício de que estamos diante de um fenômeno complexo. A
dança contemporânea não é passível de ser apreendida por uma proposta de
homogeneizar. Pelo contrário, o que é mais evidente é o seu caráter heterogêneo. O
que chamamos de dança contemporânea parece mais ser uma trama de fios
diversos que são tecidos; sendo que essa unidade criada não sublima a diversidade
que a constitui. E nem mesmo é acabada; ela está em processo. E não que seja em
vão o exercício, mas ao defini-la corremos o risco dessa definição se tornar obsoleta
amanhã. Com isso, percebemos que a mesma carrega em si uma parcela de
incerteza, uma parcela de indecidibilidade.
54
Vale destacar que existem autores da dança que têm se debruçado na noção
da complexidade para falar de dança contemporânea, seja pelo viés de Morin, seja
por outros vieses teóricos que trazem essa noção. Entretanto, também não me
propus, ao longo do texto, diferenciar os autores que abordam a complexidade
daqueles que assim não o fazem. E também não me propus a categorizar entre
concepções complexas e não complexas. Por ora, reunir, confrontar e dialogar
concepções de diversos autores já é um exercício de complexidade.
Aproximando mais do objeto de estudo, constato que é extremamente
complexo articular dança contemporânea e prática de ensino, pois a dança
contemporânea é complexa e não há normatização única do seu fazer, não há nem
mesmo um só modo de compreendê-la. E não havendo consenso do que seja a
dança contemporânea, não havendo a sua verdade última, e ainda, estando a
mesma em pleno processo em que coexistem modos de operar distintos, não há e
nem poderia haver uma normatização unívoca para seu ensino; e se houvesse, esse
seria arbitrário, inevitavelmente.
Assim, o levantamento de múltiplas concepções acerca de dança
contemporânea se torna relevante para a articulação desta com a noção de prática
de ensino porque presumo que as realidades da dança (contemporânea), em
situações de mediações educacionais também sejam múltiplas.
Os entendimentos acerca da noção-chave dança contemporânea reunidos
aqui, contribuem no processo de interpretação das informações. Até porque, em
alguma instância, há relação (mesmo que seja por negação, inclusive), entre
entendimentos aqui reunidos com os entendimentos propostos pelos artistas-
professores. Pois tomando as metáforas teatrais utilizadas sobremaneira pelas
ciências sociais, são todos atores cumprindo papéis diferentes numa mesma rede. E
é sugestivo considerar que, como reconhece Ardoino (2012), os atores (sociais)
aspiram sempre, uns mais, outros menos, tornarem-se autores.
Dessa forma, o trabalho de campo não pressupõe que, dado um entendimento
hermético do que seja a dança contemporânea eu averigue se os sujeitos
compreenderam o que é e meça assim a eficiência em suas transposições didáticas.
Mas sim, tecer uma dialogia entre suas concepções de dança contemporânea com
sua prática docente, assim como com as dos autores da literatura consultada. Vale
55
lembrar que, como constituintes e constituidores da dança contemporânea, os
artistas-professores também são produtores de significados sobre ela.
56
3 DANÇA CONTEMPORÂNEA E PRÁTICAS DE ENSINO: ARTICULAÇÕES
3.1 PROCESSOS DE FORMAÇÃO
Para melhor compreender as concepções de DC dos sujeitos da pesquisa e o
modo como esta é articulada às suas práticas de ensino, optei por analisar
primeiramente o processo de formação de cada um deles. Para tal, utilizei como
norteador o entendimento de formação proposto por Pineau (1988), segundo o qual
a formação do sujeito ocorre de três formas distintas e interdependentes: na relação
com os outros (heteroformação), na relação com o ambiente (ecoformação) e na
relação consigo mesmo (autoformação).
Compactuando com esse entendimento, as narrativas autobiográficas dos
sujeitos foram analisadas tendo em vista esses três aspectos formativos, que nos
dão pistas sobre a constituição (em constante transformação) desses sujeitos como
artistas-professores em dança contemporânea. E antes de tratar do processo de
formação de cada um, vale compreender o que é entendido por heteroformação,
ecoformação e autoformação.
Segundo Pineau (1988, p. 132), a heteroformação designa “o polo social da
formação, em que os outros se apropriam da ação educativa/formativa da pessoa”.
Bragança (2011, p. 159), nos ajuda a compreender esse conceito quando diz que “a
heteroformação aponta para a significativa presença de muitos outros que
atravessam nossa história de vida, pessoas com quem aprendemos e ensinamos”.
A ecoformação na concepção de Pineau (2006 apud Silva, 2008, p. 97), pode
ser definida como a formação concebida e construída na origem das relações diretas
com o ambiente material: os não humanos, os elementos, a matéria, as coisas, a
paisagem”. A ecoformação também é entendida por Pineau como formação através
dos espaços. Ainda de acordo com Pineau (1988, p. 59), essa dimensão formativa é
“mais discreta e silenciosa do que as outras duas”.
Segundo Pineau (1988, p. 132), a autoformação é a “apropriação do sujeito da
condução de sua própria formação”. Para Pineau a autoformação, ação do eu, se
organiza entre a ação dos outros (heteroformação) e a do ambiente (ecoformação).
É ela que “torna o decurso da vida mais complexo e que cria um campo dialético de
tensões, pelo menos tridimensional, rebelde a toda simplificação unidimensional”. É
a dimensão pessoal, reflexiva; e eu diria ainda, autoral.
57
Acompanhando os relatos autobiográficos dos sujeitos sobre a própria
formação, a trama das experiências e influências relatadas foi organizada de forma
narrativa e predominantemente sequencial. Entretanto, sabemos que no decurso da
formação, assim como não se separa os aspectos hetero, eco e autoformativos,
esses elementos se dão numa trama complexa, cuja temporalidade não obedece a
uma lógica linear. A narrativa, ao modo de uma história que é contada, com um
“início” eleito (portanto impreciso) é, pois, um modo de organizar e compartilhar as
informações de maneira que considero inteligível para mim mesma e para o leitor.
Vejamos então como se deu o processo de formação de cada um a partir da
narrativa dos mesmos:
3.1.1 Carlos Arão: “A dança contemporânea agrega toda a sua experiência”.
A primeira experiência formativa citada tendo em vista a construção de seu
pensar/fazer dança contemporânea foi a participação como dançante em um grupo
que trabalhava com danças populares como boi de Reis, xaxado e danças de salão
na cidade de João Pessoa/PB. A relação dessa experiência com a DC, que na
época não era uma questão para o artista, é localizada hoje pelo pensamento de
que uma vez que essas danças proporcionavam um corpo com mais possibilidades
de movimento, movimentos esses diferenciados de um tipo de movimento que se vê
na dança acadêmica (clássica), ter iniciado a formação em dança por meio das
danças populares equivale a ter começado a “dançar já com um pouquinho da
essência da dança contemporânea”1. Logo, inferimos que para Arão, a dança
contemporânea está relacionada à noção de um corpo cheio de possibilidades cujos
movimentos se diferenciam do tipo de movimento que marca a dança clássica.
Entretanto, a dança clássica (ou balé clássico) é também uma referência
formativa importante para o mesmo, tendo com essa uma relação peculiar de
aproximação e afastamento. A fala que se segue indica que a dança clássica, assim
como o jazz, faz parte da construção de sua corporalidade na dança:
1 Informo que as citações diretas de Carlos Arão apontadas nessa dissertação foram extraídas da entrevista
concedida por: ARÃO, Carlos. Entrevista. [20. nov. 2013]. Entrevistadora: Flor Murta. Sede do Coletivo Movasse. Belo Horizonte, 2013. 1 arquivo mp3 (2h 5 min.).
58
Eu penso muito que a dança contemporânea agrega toda a sua experiência, tudo o que você estudou. Eu não descarto nenhuma possibilidade de transformar a minha técnica que eu adquiri com o jazz, que foi no início da minha carreira, depois com o balé clássico.
Ainda na década de 1980 na cidade de João Pessoa, até por uma certa
condição da época, começar a fazer aulas de balé clássico [com a argentina Rosa
Angela Caglianni - Teatro Colon], foi uma estratégia fundamental para formar-se
como bailarino. Outra estratégia rumo à profissionalização foi começar a ir para o
Rio de Janeiro e São Paulo, “que era onde tinham os professores”. Na época, teve
como professores nomes como Lenny Dale, Marly Tavares, Tatiana Leskova, Nina
Verchinina, Hilda Bittencourt [Cisne Negro], Marika Gidali [Balé Stagium]. Para além
do estudo de uma técnica de dança, ver os trabalhos do Cisne Negro e Balé
Stagium o levou a uma outra compreensão dessa dança:
[...] apesar de eles terem uma questão muito forte com a técnica clássica, você já via uns temas que tinham uma proposição mais de desconstruir um corpo clássico. [...] Então eu comecei a perceber que ali tinha uma coisa que não era somente o balé clássico.
Nesse contexto, Arão começou também a trabalhar muito com a dança
moderna a partir de aulas variadas, tendo como importante referência a professora
Regina Sauer. Adiante, olharemos com mais atenção a influência da dança moderna
no seu pensar/fazer DC hoje, especialmente na construção de suas aulas. Antes,
vejamos outro fato apontado por ele, que parece atuar como um divisor de águas.
Em 1992 eu conheci uma trupe de italianos que chegou com o Contato-Improvisação (no Brasil). [...] quando eu vi aquela liberdade de corpos no espaço, com base no contato, com todos aqueles apoios e com todas aquelas possibilidades, eu falei: - Poxa vida, é isso!
Com isso, Arão então vai para a Itália passar um tempo estudando a técnica do
Contato-Improvisação propriamente dita, mas também “começando a entender um
pouco essa dança contemporânea que na Europa já era uma coisa mais forte,
(onde) já tinha algumas coisas mais determinadas”. Lá conheceu o trabalho de Pina
Bausch e Maguy Marin, assim como de Jerome Bell e outros artistas franceses,
holandeses, belgas... Nas palavras de Arão,
O povo já tinha um trabalho que para mim era quase assustador, porque eu nem conseguia enxergar aquilo como dança. Eu via aquilo como uma outra coisa que eu não sabia bem o que.
59
Esse estranhamento é atribuído, por Arão, ao fato de que o mesmo estava
muito “impregnado” pela dança clássica, “essa dança que tinha um formato muito
claro”. A partir dessa tensão criada entre a formação técnica e o entendimento de
dança proporcionado pela sua experiência na dança clássica e a cena da dança
contemporânea europeia da década de 1990, assim como o próprio estudo do
Contato-Improvisação, diz:
Aos pouquinhos [...] fui percebendo que o meu corpo tinha outras possibilidades e aquela repetição de todo dia para se manter numa determinada forma, para uma perna ou para um giro não era necessariamente o que um bailarino precisava para exercer a sua função.
De volta ao Brasil, na cidade de Belo Horizonte/MG, passou a integrar o Grupo
de Dança Primeiro Ato como bailarino, onde encontrou um trabalho focado na
criação que, por sua vez, contribuiu para que um trabalho investigativo fosse se
desenhando. Encontrou também uma rotina de aulas diárias de dança clássica com
a maître Bettina Bellomo e aulas de dança contemporânea com professores
diversos. Dentre esses professores, para Arão,
Uma grande figura que era muito fundamental nesse período que eu passei no Primeiro Ato foi sem dúvida a Dudude Herrmann. O trabalho da Dudude vinha com uma força muito grande e ela dava um pouco desse alívio do que o balé clássico causava nos nossos corpos. Até porque quando nós íamos criar, a gente tinha que sair um pouquinho daquele corpo clássico e ia procurar. Então a Dudude era o alimento pra isso. Desde a forma como ela trabalhava fisicamente, quanto às coisas que ela falava.
Outras pessoas citadas nesse contexto foram a Tica Lemos, Sonia Mota e
Paulinho Polika. Além disso, Arão destaca a importância da “reciclagem” promovida
pela direção do Primeiro Ato por meio de aulas na Europa e Estados Unidos durante
as turnês da companhia.
Foi no Primeiro Ato Centro de Dança que Arão começou a dar aulas, aulas
estas já denominadas de dança contemporânea. Essas aulas seguiam um
planejamento da escola em que era definido, a priori, o que seria ensinado para
cada turma e como seria ensinado. Segundo Arão, embora o nome da aula fosse
dança contemporânea, tratava-se na verdade de dança moderna, mais
especificamente de uma mistura das técnicas de Limón e Martha Graham. E
constata:
60
A dança moderna, ela era considerada dança contemporânea de uma certa forma [no Brasil]. As pessoas pegaram essa dança moderna e deram uma misturada nela, uma cabecinha a mais, um braço a mais...uma dinâmica a mais...aí ela criou um jeito. Então isso virou dança contemporânea em uma certa época. Mas [...] eu sempre achei um pouco esquisito.
Pausa. Até aqui, a narrativa aponta para uma forte presença da
heteroformação, destacando a importância dos outros (professores, diretores,
artistas...), embora possamos dizer que a trajetória traçada está imbuída do
processo da autoformação, uma vez que escolhas e reflexões pessoais tiveram um
papel fundamental nesse traçado. A partir desse ponto da narrativa é notável a
ascensão do polo da autoformação rumo a uma construção autoral de um modo de
dançar assim como de um modo de compreender e ensinar dança. Cria-se um
tensionamento fértil entre o próprio ato de dar aulas e a relação com os alunos (com
quem também aprende), em dialogia com o treinamento técnico pessoal que aos
poucos vai prevalecendo em relação aos treinamentos propostos pelos outros.
Sigamos. Estávamos falando das primeiras experiências docentes em DC (ou
dança moderna, em vias de fato). A princípio, as aulas eram ministradas de uma
maneira bem fiel à proposta do plano de aula da escola. Aos poucos foi “mexendo”
nesse plano de aula: “Assim, eu falava: aqui cabe um tronco, aqui cabe uma cabeça,
aqui cabe uma articulação... E fui com essa mexida [...] descobrindo algumas
questões”. Junto a isso, motivado pelas dores no corpo que se tornavam constantes
e que foram atribuídas ao treino intensivo em balé clássico ao longo de muitos anos,
percebeu a necessidade de uma investigação do próprio corpo. Assim, paralelo à
rotina na companhia foi realizando um trabalho pessoal no intuito de encontrar um
“jeito saudável” de trabalhar para que não se machucasse tanto.
E aí eu fui percebendo determinadas coisas, né... Que o meu corpo precisava de respiro, precisava de ar... Eu precisava escutar o estado de espírito que ele estava. Porque nem todos os dias eu estava pré-disposto a fazer aquela aula de balé clássico, (em que) eu tinha que chegar de um jeito e finalizar daquele jeito. [...] E eu comecei a negociar isso. Hoje eu não vou fazer aula de balé clássico porque hoje eu preciso ir para o chão, eu preciso entregar meu corpo pro chão para ir acordando ele devagar, para ir lubrificando minhas articulações...
Essa investigação de si mesmo foi gerando percepções e modos de fazer, que
foram sendo sutilmente inseridos na aula. A partir da resposta de quem estava
fazendo (“- Ah, professor... isso é legal”. “- Ah, esse braço mais soltinho é legal”. “-
61
Ah, é mais gostoso fazer isso e tal...”), foi percebendo que “tinha uma fórmula ali que
dava certo”.
Portanto temos até aqui uma construção de aula denominada DC inicialmente
organizada por princípios técnicos de Limón e Graham, com adaptações pessoais
geradas a partir da investigação de si mesmo no intuito de encontrar um jeito mais
saudável de preparar o próprio corpo para a função de bailarino. As observações
dos alunos apontadas indicam que as escolhas vão privilegiando também a busca
por um jeito mais prazeroso de se dançar.
Quando Arão saiu do Primeiro Ato, tornando-se um bailarino mais autônomo
(mas não solitário, visto que fundou o Coletivo Movasse2 junto a outros três ex-
bailarinos do Primeiro Ato), a rotina de treinamento da companhia deixa de existir
para ele. Com isso, o treino da técnica do balé clássico foi sendo abandonado na
medida em que percebia que aquele treinamento já não era coerente com sua
dança, apesar da prática do balé fazê-lo “sentir-se um bailarino”. Desse processo
emergiu a necessidade de tornar-se, definitivamente, responsável pelo próprio
treinamento. Esse treinamento tornou-se diário, tendo como pistas de como seria
esse trabalho, elementos como maior contato com o chão, incluindo rolamentos, e a
investigação de possibilidades articulares. Com isso, diz:
Então eu comecei a descobrir uma (maneira) de me manter em forma e de como transformar isto em aula onde essas aulas, elas pudessem manter o ser dançante com trabalho [...] físico. De postura, de alongamento, de flexibilidade, de apoios, de solturas... E dentro de um formato de dança que eu estava propondo para mim mesmo.
Essa investigação de si em dialogia com a prática docente, sendo que esse “si”
carrega inevitavelmente aprendizados de tantos outros que cruzaram seu caminho,
vai ganhando um direcionamento mais autoral na construção do que poderia ser
para ele, uma aula de/para dança contemporânea.
De como é que eu acredito ser uma manutenção para alguém que trabalha com a dança...que seja com base na dança contemporânea, que é uma dança que não existe uma técnica. Mas eu acho que existe uma forma que eu entendo a dança contemporânea e que de repente pessoas se agregam a esse pensamento. [...] Eu sou um professor de dança contemporânea. [...] Já que não tem uma técnica para...mas existem as várias formas de executar, de fazer, de exercer essa dança contemporânea [...] eu acho que eu estou
2 Sediado em Belo Horizonte/MG, o Coletivo Movasse é formado pelos bailarinos Andréa Anhaia, Carlos Arão,
Ester França e Fábio Dornas.
62
querendo procurar a minha. Com esse ajuntamento de informação que eu tive de toda a minha vida.
Vale ressaltar que esse “ajuntamento” de informações não se dá a partir da
justaposição delas, mas da sua organização tendo em vista, sobremaneira, o
tensionamento entre os polos heteroformação e autoformação. Aquilo que
permanece, só pode permanecer porque pode transformar-se. Observamos que o
que fica não é exatamente o que foi, mas a memória da sensação registrada no
corpo daquilo que foi experienciado como algo significativo. Esse compromisso com
o registro pessoal é claro no que diz respeito à permanência (em transformação) de
referências da dança moderna. Por exemplo, de elementos da técnica de Graham:
Às vezes, quando eu estou pensando uma aula, que eu estou agregando questões, eu vou para uma informação lá atrás. Vou lá na Regina Sauer. Que eu gostava de fazer as aulas dela, que era uma aula de dança puramente moderna. [...] Ela pegava muita Martha Graham [...] Tinham umas aulas assim, que eram muito fortes. E quando eu volto no tempo, eu não faço mais isso. Mas a memória que ficou. A memória, sei lá, de trinta anos atrás ou até mais. Então já não é mais a contração aqui da Martha. Mas é que forma que o meu corpo pode chegar através daquela contração que tinha um jeito muito peculiar de ser feita.
Das escolas modernas, a referência de Limón3 é ainda mais clara, sendo uma
técnica com que sempre se identificou. Segundo ele,
Eu acho que o Limón, ele dá essa coisa que ela não termina, sabe? Infinito... E eu tenho muito isso. E essa questão meio circular... Eu vou girando, eu vou indo, eu vou trazendo...eu não paro, sabe assim? Eu acho que foi quando eu senti fazendo as aulas assim do Limón. [...] O que eu fico, o que eu pego dessas informações é o que ficou para mim enquanto sensação. A sensação do Limón...desse ar! Aí eu procuro nas minhas articulações, no meu corpo inteiro, aonde tem esse ar, aonde é que eu posso construir essa ideia de peso, essa questão do pêndulo... Aí onde é que através daí eu vou para o chão, e onde que essa sensação me deixa ir até o chão e como é que essa sensação de repente me leva para a estrutura da vertical novamente.
3 Malavoglia (2013), a partir das aulas expositivas de Alan Danielson (2013) no José Limón Institute de Nova
York esclarece em entrevista concedida à autora que, em primeiro lugar, a técnica Limón parte do pressuposto de que dança é movimento. A técnica é organizada por princípios, sendo eles: respiração, peso, tempo, espaço, queda e recuperação (balanço - pêndulo), oposição e suspensão, isolamento e sucessão, iniciação (onde se inicia o movimento?), foco (olhar). MALAVOGLIA, Bárbara. [26 nov. 2013] Entrevistadora: Flor Murta. São Paulo. Caderno de anotações da pesquisadora. 2 f.
63
O legado de Rudolf Laban também é apontado como uma referência, no
sentido de contribuir para a ideia de um corpo tridimensional, “que tem base, tem
eixo, tem círculo, que se trabalha frente, lado, trás...”
Ao lado dessas referências modernas, identificamos a busca por “um jeito mais
saudável de se movimentar” como um elemento também fundamental na construção
desse projeto de corpo. Projeto que, por sua vez, é intimamente relacionado à ideia
de uma [possível] aula de dança contemporânea. Esse ideal não só é fruto de uma
atenta investigação de si, mas também de referências de Klauss Vianna e Angel
Vianna através das aulas de Dudude e provavelmente influenciado também pelas
aulas de Tica Lemos.
Referências da técnica do Contato-Improvisação são revisitadas na construção
dessa aula de dança contemporânea:
Os rolamentos, os trabalhos de apoio que a gente fazia com o Contato-Improvisação... como é que eu transformo isso individualmente? Pegando a estrutura de meu corpo aqui, mas que não tem ninguém aqui. Mas como é que eu lido com esse oxigênio aqui?
A referência da improvisação (nesse caso, não só da técnica do Contato-
Improvisação), indica também intenção para o futuro: “Eu acho que como bailarino,
[...] o meu trabalho agora vai estar muito ligado à improvisação... que é uma coisa
que me ajuda a descobrir muita coisa também... para que eu coloque no meu
trabalho como professor”.
Um outro aspecto formativo é pensar/fazer junto aos outros movedores, isto é,
aos outros integrantes do Coletivo Movasse; o que inclui a produção artística do
grupo, que por sua vez também reverbera nas práticas de ensino.
O aspecto da ecoformação não é citado claramente como um elemento
reconhecido como formativo, embora ele nos tenha dado uma pista:
Às vezes eu paro numa praça, num lugar... principalmente quando eu estou fora de Belo Horizonte. Quando eu estou em vários lugares...eu fico vendo o tanto que até o corpo muda, né? Eu fico viajando e percebendo... O corpo do norte é tão diferente do sul, sabe? Que é diferente do centro oeste, né? [...] E aí no grupo a gente está falando sobre esse sotaque da dança. Que de região para região muda completamente o jeito de pensar a dança, sabe?
Se o próprio ambiente pode ser responsável, em parte, por esses sotaques da
dança, podemos presumir que os lugares onde viveu e trabalhou também é um
elemento formativo. O início da carreira em João Pessoa/PB, a busca pela “dança
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que fervia” no Rio de Janeiro e São Paulo na década de 1980, o tempo que passou
na Itália na década de 1990 estudando Contato-Improvisação e ainda nessa década,
o contato com a assustadora cena da dança contemporânea europeia protagonizada
por inúmeros artistas alemães, franceses, holandeses, belgas... assim como a
residência de longa data na cidade de Belo Horizonte/MG.
Tendo traçado uma aproximação com o processo de formação de Carlos Arão,
vejamos o processo de formação de Dudude Herrmann.
3.1.2 Dudude Herrmann: “Eu não formei em nada, eu me tornei”.
Na narrativa de Dudude percebemos clara dialogia entre os polos
heteroformação e autoformação, mas também uma percepção de aspectos do polo
da ecoformação, sendo esse incorporado inclusive na sua concepção de ensino de
dança, como veremos mais adiante.
Dudude se considera uma pessoa privilegiada por ter começado a estudar
dança em 1969, aos 10 anos de idade, com Marilene Martins (também conhecida
como Nena), na escola que levava o seu nome: Escola de Dança Moderna Marilene
Martins, em Belo Horizonte. Lá, como ela diz, entrou criança e saiu mulher. Tendo lá
permanecido até 1981, foi aluna assídua, mas também professora da escola,
bailarina, coreógrafa e diretora artística do TransForma Grupo Experimental de
Dança, que se configurou a partir de alunos da escola com a direção de Nena. Tanto
a escola quanto o grupo são reconhecidos por sua importância singular para a cena
artística de Belo Horizonte, em especial para a dança. Autores como Alvarenga
(2002), Reis (2005) e Christófaro (2010) se debruçaram sobre essa questão.
No início, até então denominada Escola de Dança Moderna Marilene Martins, a
mesma funcionava na casa de Nena, numa pequena sala onde a mesma, a
princípio, lecionava balé clássico. Dois anos depois, a escola foi transferida para
outro espaço, um imenso salão situado acima da capela do Colégio Arnaldo. Lá se
configurou uma escola pioneira, organizada por um curso básico de cinco anos e
ainda um curso profissionalizante de três anos de duração. Para melhor
compreender o seu funcionamento, recorremos à descrição de Christófaro:
No 1º Ano, o objetivo era a consciência do esqueleto e suas articulações. Assim, eram priorizados os trabalhos de eixo, base, postura, transferência de peso, correção de defeitos corporais e relaxamento; no 2º Ano, o foco era o trabalho voltado para os braços
65
e as pernas, alongamento e relaxamento dos músculos, e espaços internos; no 3º Ano, dava-se ênfase aos trabalhos de soltura do corpo, integrando à dança moderna, exercícios auxiliares de Afro e Belly Dance, que favorecia tal finalidade; no 4º Ano, a meta era o estudo dos saltos e quedas, e a energia para o impulso do movimento; no 5º Ano, enfatizavam-se os giros. Além dessas técnicas, outras compunham o currículo do curso: Composição, Improvisação, Estudo do espaço, Estudo da forma, Noções de anatomia, Teatro. [...] Esse primeiro ciclo preparava o aluno para o Curso Profissional, feito em seguida, para o qual Marilene convidava artistas de projeção internacional para integrar o corpo docente (CHRISTÓFARO, 2010, p. 81, 45).
Como artistas convidados citados por Dudude passaram nomes como Klauss
Vianna, Angel Vianna, Rolf Gelewski, Ivaldo Bertazzo, Carmen Paternostro,
Mercedes Batista e Fred Romero. E também Graciela Figueroa, recém-chegada da
Twyla Tharp, citada com entusiasmo pela mesma por ter aberto para ela uma outra
perspectiva da dança.
Relacionado a esse período, Dudude indica ainda outras referências de
artistas, no entanto sem haver um contato direto com esses: “A gente ficava
recebendo notícias do mundo” 4. Segundo ela, Nena era apaixonada com o trabalho
de Alwin Nicolais, assim como o de Merce Cunningham. Outra referência era o
impactante trabalho de Pina Bausch, já no começo dos anos 1980.
Outra característica importante da escola na concepção de Dudude era a
promoção de encontros com profissionais de diferentes áreas, tendo além da dança,
o teatro, a música, as artes visuais... Nesse sentido, Dudude citou nomes como
Denilton Gomes, José Adolfo Moura e Paulo Cezar Bicalho.
Como dito anteriormente, foi nesse contexto que surgiu o grupo TransForma.
Junto à consolidação do grupo, ocorreu um fato muito significativo para a temática
da pesquisa: a Escola de Dança Moderna Marilene Martins passou a ser chamada
de Transforma Centro de Dança Contemporânea. Nas palavras de Dudude, “Aí o
contemporâneo tinha chegado”. Perguntei a ela se teria havido então uma mudança
no currículo da escola; mas não. Segundo Dudude não houve uma mudança, mas
“um esclarecimento do que realmente interessava a ela (Nena)”. E o que
4 Informo que as citações diretas de Dudude Herrmann apontadas nessa dissertação foram extraídas de duas entrevistas: HERRMANN, Dudude. Entrevista I. [19. jul. 2013]. Entrevistadora: Flor Murta. Residência da entrevistada,
Casa Branca. Brumadinho, 2013. 1 arquivo mp3 (1h 4 min.). HERRMAN, Dudude. Entrevista II. [20.jul.2013]. Entrevistadora: Flor Murta. Residência da entrevistada, Casa
Branca. Brumadinho, 2013. 1 arquivo mp3 (42 min.).
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interessava? Dessa vez, complementamos a narrativa de Dudude com a fala da
própria Nena:
Queríamos construir uma dança mais próxima de nós. [...] Algo ligado às nossas experiências, às nossas raízes, aos nossos corpos, ao nosso jeito peculiar de ser e mover. Uma dança mais sociável, mais humana. [...] Uma dança mais criativa, que partisse para a improvisação, estudo do movimento, da forma, do espaço, rítmica, uma didática que preparasse o aluno para essa finalidade. Um estilo de dança que fugisse da formalidade, apostando em um caráter contemporâneo, mais próximo da realidade do país. [...] Queria trazer ideias novas, concretizadas em uma linguagem que se adaptasse aos nossos corpos. Minha busca era o gestual do povo brasileiro. (MARTINS, s.d. apud CHRISTÓFARO, 2010, p. 42.)
No entendimento de Dudude, à Nena interessava o projeto de uma dança
brasileira. Brasileira no sentido de “uma dança nascida aqui mesmo”. Inferimos que
era também o projeto de uma (possível) dança contemporânea brasileira,
configurada a partir de interesses locais em diálogo com o mundo. Quando vemos a
descrição de Christófaro (2010), sobre o currículo da escola, compreendemos que o
vocábulo moderno não designava que a escola oferecia tão somente aulas de dança
moderna, apesar de essa ser uma referência fundamental ali. Quando Nena fala de
“uma dança ligada às nossas raízes” e da busca pelo “gestual do povo brasileiro”
suas aspirações nos remetem às aspirações do movimento modernista brasileiro,
que era contemporâneo daquele tempo. Parece ter havido ali um entrelaçamento
das noções de dança moderna, modernismo e dança contemporânea, cuja noção de
“contemporâneo” também dialogava com a noção de arte contemporânea, que
naquele contexto parecia estar intimamente relacionada à interseção e interrelação
de áreas artísticas.
Essa aproximação com a arte e com essa possibilidade de experimentação e
diálogo com artistas de diferentes áreas também era alimentado pelos Festivais de
Inverno da UFMG. Inclusive, Nena coordenou a área de dança do Festival por
alguns anos e posteriormente a própria Dudude assumiu essa coordenação, tendo
ficado por cerca de 10 anos nessa função, o que proporcionou que ali fossem
desenvolvidas propostas de dança que a interessava, como as oficinas ministradas
por Tica Lemos e Katie Duck e a relação da dança com outras áreas artísticas por
meio de propostas interdisciplinares e experimentais.
A presença de tantos outros na formação de Dudude, em especial a sua
mestra Nena, indica a força do aspecto da heteroformação. Entretanto, esse
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aprendizado com os outros se deu concomitantemente e dialogicamente em um
ambiente propício à invenção e à criatividade, o que indica a valorização e
desenvolvimento do aspecto da autoformação. Os outros desse período de sua
formação não se limitam a seus professores, mas também a uma rede de pessoas
que estavam envolvidas de alguma forma com os processos de criação artística em
dança junto a ela. Pois os processos de criação e a prática artística também são
elementos formativos. Sobre o contexto de criação do TransForma, Dudude chama a
atenção para o fato de que não havendo recurso financeiro para contratar um
coreógrafo “X”, a consequente imposição de uma lógica de “faça você mesmo” foi
abrindo esse universo de criação, de “invenção” daquilo que os interessava ali,
localmente. Uma liberdade de invenção que era também alimentada por todos
aqueles artistas convidados que passavam por lá. Tudo isso confluía para o que
aponta Dudude: “- Aí a gente fazia trabalhos realmente muito avançados. De
pesquisa!”
Junto à sua formação de artista, Dudude iniciou-se na docência aos 14 anos
naquela escola. Foi professora da técnica de Graham, tendo ficado por muitos anos
nessa função. Ela diz que embora não planejasse ser bailarina, estudou para ser
bailarina, enquanto que para se professora ela foi simplesmente sendo:
Eu digo sempre que eu não formei em nada, eu me tornei. Eu me tornei professora. Aí, para bailarina eu estudei pra ser. Mas não com o intuito de lá na frente eu vou ser isso. Eu fui virando. Por várias questões. Sobrevivência! Era uma coisa que me garantia. [...] Dançar eu dançava. Mas dar aula me dava um dinheiro.
Entretanto, teve no início de sua prática docente a tutoria de sua mestra:
[...] a Nena ficou assistindo às minhas aulas dois anos. Ela ia, sentava na cadeira e falava: “- Isso não é assim, faz de novo...” Aquilo eu tremia nas bases, morria de medo dos meus alunos.
Vale ressaltar que segundo a própria Nena (MARTINS, (s.d.) apud
CHRISTÓFARO, 2010, p. 42), embora privilegiasse a formação de bailarinos, tal
formação estava imbuída de aspectos que favoreciam a docência: “Voltei-me para a
didática da dança pensando em formar bailarino com cabeça de professor”. Dessa
forma, a princípio obedecendo a algumas regras pré-estabelecidas, Dudude foi
aprendendo a dar aulas na medida em que ela exercia a docência nessa escola até
que alcançou autonomia.
Aí quando ela (Nena) falou assim: “- Olha, agora você vai dar aula pra profissional”, eu falei assim: “- Mas o que é que eu dou? Eu
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posso inventar?” Ela falou: “- Claro, voa!” E aí eu comecei a inventar, a intuir coisas que me vinham.
Saindo do TransForma, foi “correr mundo” em Belo Horizonte, dando aula em
vários lugares. Segundo ela: “Me atrevendo a experimentar coisas que me
agradavam”. Essas aulas, já denominadas DC, eram dadas por ela tanto em
companhias (Meia Ponta, Cia de Dança do Palácio das Artes, Primeiro Ato, entre
outros), quanto em academias e centros de formação (Corpo Escola, Centro de
Formação Artística do Palácio das Artes, entre outros). Essas aulas eram
especialmente influenciadas pela técnica de Graham e se organizavam a partir de
“sequências onde a gente trabalhava qualidades, intensidades, desenhos, mas
ainda com um rastro de memória de técnica corporal [...] no sentido de ganhar
memória”. Sobre a influência de Graham, assim como sobre o processo de
desapego dessa técnica, diz:
Meu corpo gostou, afinou com Martha Graham. Eu achava maravilhoso aquilo. Aí depois de um tempo pensei: “Para evoluir nessa técnica, neste conhecimento específico, tenho que beber demais nessa fonte. Eu não tenho condições. Eu preciso então começar a desapegar disso para poder construir outra forma de ensinar. Mas durante um período a Martha Graham foi essencial no sentido da consciência, da dinâmica, da memória, do porque fazer assim. Mas é uma técnica que tem as suas condições. E aí fui me largando de Martha Graham e desvendando outras possibilidades de construção.
Com essas referências, foi dando aulas e “conhecendo vários corpos”. Corpos
nesse caso designam tanto os alunos quanto outros artistas e parceiros de trabalho.
A Tica Lemos é nesse sentido uma parceira e amiga de longa data. Essa
possibilidade de “conhecer vários corpos” no sentido explicitado foi em parte
proporcionada pela coordenação da área de dança do Festival de Inverno da UFMG
(1986-1997), como mencionado anteriormente:
Aí ali eu convidei várias pessoas, de várias vertentes da dança, como a Katie Duck. (E) a Tica, que apresentou a Lisa Nelson, me apresentou o Daniel Lepkoff, o Giovane (Aguiar) [...] que tem um contato bem legal no Contato-Improvisação...
Percebemos a partir dessas referências um crescente interesse pela
improvisação, e mais especificamente numa improvisação pautada no sensorial.
Nessa perspectiva abriu, em 1994, o Estúdio Dudude Hermann - EDH5, que
5 Para mais informações sobre o EDH, consultar a tese de doutorado de Elisa Belém (2014): Práticas para a
plenitude do corpo: aproximações entre performance, autoria e cura.
69
funcionou até 2008. De acordo com Dudude o EDH não funcionava como uma
escola, mas era um espaço de liberdade e experimentação; um lugar para se ter
com o outro. Era também um lugar em que se prezava a criação. No EDH Dudude
tinha muito mais autonomia em relação à sua prática pedagógica; por isso esse
ambiente foi fundamental para a construção de uma prática pedagógica mais autoral
para o ensino de dança/DC. Nas palavras de Dudude,
Ali foi o tempo que eu precisei, mesmo sem saber, para ir fundamentando uma pedagogia a respeito do ensino da dança. O que é que me interessa quando eu dou aula de dança? [...] Eu dou aula de quê? Aonde que eu busco a coisa que falta? Ou a coisa que é pungente para um bailarino, que ele necessite?
Essa ideia de pedagogia será analisada mais adiante, mas é importante já
mencionar que o foco passa a ser não o movimento como finalidade em si mesmo,
mas o movimento como via de apreensão de um entendimento de mundo e como
potência para criação. De acordo com Belém (2013, p. 10) “a metodologia de
trabalho e ensino no EDH foi extremamente influenciada tanto pelo Contato-
Improvisação quanto pelas práticas de educação somática”. O crescente interesse
pela improvisação para além da técnica do Contato-Improvisação e as investidas no
campo da Educação Somática (em especial o Body-Mind Centering – BMC),
fomenta um caminho para uma dança que vai cada vez mais “para um lugar mais
cinestésico”.
Em 2010 Dudude inaugurou seu novo espaço - Atelier - localizado em Casa
Branca, próximo à Belo Horizonte. Nesse espaço tem proposto aulões temáticos
mensais, dos quais participei assiduamente no decorrer da pesquisa (2012/2013),
além de residências artísticas promovidas por ela e artistas convidados. A iniciativa
de convidar esses outros é para Dudude uma atitude herdada de Nena. São esses
convites também que nos indica seus interesses atuais. Esses interesses estão
relacionados à improvisação e sensibilização via movimento. Em janeiro de 2014,
Katie Duck, que foi uma pessoa que expandiu e redimensionou para ela “o universo
da improvisação”, foi convidada para propor uma residência artística no seu Atelier.
A inauguração do mesmo contou com a participação de Lisa Nelson e Daniel
Lepkoff, que contribuíram com a criação e sistematização do Contato-Improvisação
junto a Steve Paxton e que continuam desenvolvendo trabalhos em improvisação e
composição fundamentados na questão da percepção. No ano de 2013, a artista
70
convidada foi a portuguesa Vera Mantero. Pelo Atelier já passaram também nomes
como Angel Vianna e Tica Lemos.
Apesar da escolha por uma escrita narrativa seguindo uma cronologia
tradicional ao tratar de fatos importantes para a construção do pensar/fazer/ensinar
DC hoje, para a artista-professora esses fatos não devem ser compreendidos como
superáveis (e superados) pelos que o sucederam. Nesse sentido, a narrativa não
deve ser interpretada como uma evolução da dança moderna para a dança pós-
moderna, para finalmente chegar à dança contemporânea. Pois além dessa
perspectiva implicitamente conter um certo sentido de valoração (em que o mais
recente corresponderia ao melhor modelo, ou o mais inovador), percebemos que
fatos vivenciados no passado, assim como a aspiração do que pode vir a ser
(futuro), se entrecruzam no tempo presente:
Ele (Contato-Improvisação) não é fim. Depois que comecei a fazer Contato-Improvisação, ampliei mais ainda a improvisação como linguagem linkada na composição. Então se estudei composição coreográfica, quando vou improvisar, está tudo ali; é pontual você ter noções da composição. [...] Ter essa intimidade treinada, de medição de espaço, de intensidades, de linhas, de frequência, de tons de movimento...isso é tudo repertório. E eu, na altura da minha idade, me interesso em inventar. Ir lá atrás, pegar alguma coisa guardada, nesse baú corpo e trazer aqui para frente. [...] Como que posso trazer noções de uma técnica de dança, mais física, para o tempo de agora? Isso me interessa.
É notável que aspectos da ecoformação foram também citados em sua
importância formativa ao longo de sua narrativa (auto)biográfica. Se a ecoformação
é também a formação através do espaço, as salas de dança em que estudou foram
também (assim como os professores e si mesmo em suas reflexões e
peculiaridades), um mediador para sua aprendizagem. No início, a escola da Nena
era embaixo de sua casa num espaço “mínimo”, mas que para sua perspectiva de
criança era imensa. Por ser um espaço pequeno, as aulas eram para um grupo
pequeno de alunos. Quando a escola foi transferida para o Colégio Arnaldo, com um
piso de madeira macio e um espaço imenso, criou-se a possibilidade de aulas com
muito mais pessoas, outras possibilidades de movimento e outra perspectiva, de um
modo geral. Dudude, que passava suas tardes lá desde a infância até tornar-se uma
mulher, atribui a esse espaço certa sensação de ter sido “criada na fazenda”.
71
Outra característica marcante desse espaço para ela é que na escola não
havia espelho. Essa “fuga do espelho” é levada para o EDH, assim como no seu
atual Atelier em Casa Branca. Segundo ela,
No meu estúdio lá em Belo Horizonte (EDH) tinha um espelho que ele tinha rodinha e ficava andando. Geralmente nunca era usado para se olhar. Era mais usado até de Feng shui. E na dança contemporânea que eu me interesso, o espelho sumiu!
Quando diz que na dança contemporânea que a interessa o espelho sumiu,
podemos inferir uma dança com outra espacialidade, visto que o espelho tende a
organizar uma espacialidade mais frontal, assim como há nessa dança uma ênfase
da percepção cinestésica em detrimento da percepção da imagem de si vista pelo
espelho.
Dudude de fato tem apreço pela questão do espaço como elemento ativo e
mediador da sua dança, assim como de qualquer processo de ensino-
aprendizagem. Suas reflexões sobre a relação do espaço expandido (mundo), com o
corpo tem reverberado em sua dança e fundamentado ideias a respeito do ensino de
dança. Por isso vale colocar aqui um trecho do texto produzido por ela e citado
durante a entrevista, que se chama Mundo-corpo e Corpo-mundo:
Há um tempo comecei a pensar e sentir as ressonâncias através do movimento produzido pela ação do dançar, aonde esta ação levava meu pensamento. Comecei a escutar os ecos deste e refletir sobre. Foi então que cheguei nesta ampliação de Corpo-mundo e Mundo-corpo. [...] Mundo grande e pequeno, mundo vasto e miúdo. Pois o que acontece dentro, está acontecendo fora. Nosso corpo habita este mundo e também é habitado por ele. Acho essa ideia maravilhosa! Traz para mim uma sensação de plenitude, de mais um no redemoinho do vir a ser, de pertencer a algo maior do que eu mesma. Traz tudo que está ao redor, compartilhando os efeitos e os afetos circulantes e circulares. E deste modo, me faz entender que o mundo está para o meu corpo-casa assim como meu corpo-casa está para o mundo, o que implica a noção de cuidado e atenção no caminho que traço e risco nessa trajetória. Árvores, rios, céus, terras, mares, animais grandes e pequenos coabitam este lugar, e vivemos todo o tempo cheios de interferências, de ressonâncias, independendo de suas frequências. [...] Quando me percebo, penso aonde me encontro, vejo ao redor, novamente penso, sinto como esse planeta me acolhe e me nutre. Sem este chão não teríamos esse corpo (HERRMANN, 2013, p. 1).
Aspectos ecoformativos são incorporados em suas aulas como um aliado no
processo de ensino. Por exemplo, uma frase dela que é bastante recorrente: “- Vai
entender uma vertical: olha para a árvore!” E por falar em árvore, seu atelier em
Casa Branca é um espaço cercado de muitas árvores. Amplo, com piso de madeira
72
aconchegante e pé direito alto. Com imensos portões que se abrem de um lado e de
outro, portas de correr de vidro transparente, é construída uma peculiar relação
dentro/fora, que favorece a ideia de corpo-mundo e mundo-corpo e a possibilidade
de observar e aprender com as coisas ao redor, para além da sala de dança.
Compreendo que esse espaço é mais do que um espaço confortável para a prática
de dança; é também, de certo modo, materialização de ideias sobre dança e seu
ensino na concepção de Dudude.
Vejamos a seguir o processo de formação de Tuca Pinheiro.
3.1.3 Tuca Pinheiro: “Encontrar para mim uma outra dança”.
Perguntei a Tuca Pinheiro quando apareceu a questão dança contemporânea
na sua trajetória. Da sua lembrança, a primeira experiência relacionada à noção de
DC, identificada naquela situação como “uma dança que não era convencional” 6, foi
numa oficina ministrada por Carmen Paternostro no Instituto Goethe de Belo
Horizonte, na década de 1980. Nessa oficina, ela propunha “improvisações que iam
completamente descoladas dos registros de dança clássica, [...] buscando
elementos do cotidiano”. Mas o que era convencional na dança na concepção de
Tuca, para que ele compreendesse a proposta de Paternostro como uma dança não
convencional?
Para Tuca, o que era convencional, no sentido de que havia mesmo uma
convenção de como fazer dança no meio em que estava inserido, era a utilização
dos registros técnicos/estéticos do balé clássico como recurso primeiro e último para
se produzir dança.
Na sua trajetória de formação, Tuca estudou no Centro de Formação Artística
do Palácio das Artes quando quem dirigia e lecionava era o professor Carlos Leite. E
quebrando regras tácitas da época e daquele contexto, que impunham uma espécie
de fidelização a um só mestre de balé, teve aulas também com Dulce Beltrão, que
6 Os trechos citados neste tópico foram extraídos de duas entrevistas concedidas por: PINHEIRO, Tuca. Entrevista I. [20. dez. 2012]. Entrevistadora: Flor Murta. Residência da entrevistada, Belo
Horizonte, 2012. 1 arquivo mp3 (50 min 39 seg.). PINHEIRO, Tuca. Entrevista II. [16. jan. 2014]. Entrevistadora: Flor Murta. Via Skype (software que possibilita
comunicações de voz e vídeo): Flor Murta ( Diamantina), Tuca Pinheiro (Belo Horizonte), 2014. 1 arquivo mp3 (1h 5 min.).
73
segundo ele “era totalmente fora dos padrões como professora”. Mais tarde,
encontrou com a prestigiada maître Betina Bellomo, que trouxe outra leitura do balé
clássico no sentido de abrir outras possibilidades de organização corporal a partir
dessa técnica. Com isso percebemos que a própria técnica clássica pode ser
abordada de maneiras diferentes, além do que, como o próprio Tuca diz, também
pode ser contemporânea enquanto organização de um corpo para a dança.
Entretanto, essa formação pautada no balé clássico caminhava única e
exclusivamente para atender às demandas das grandes companhias, em que cabia
ao bailarino executar a ideia do coreógrafo dentro dos registros técnicos do balé
clássico.
Seguindo a tendência de carreiras nas grandes companhias, Tuca foi para o
Balé Guaíra, de Curitiba. Lá, além do treinamento intensivo em balé clássico, teve
aulas com Eva Shull, de dança moderna norte-americana (“Limón misturado com
Graham”). Segundo Tuca, era uma aula difícil, uma vez que não conseguia assimilar
aquela técnica no seu corpo, no sentido de se apropriar dela. Na verdade, não era
uma dificuldade estritamente física, mecânica, mas também uma resistência àquele
tipo de informação, que não se adequava ao entendimento de dança que tinha na
época. Esse primeiro contato com abordagens técnicas da dança moderna teve
importância uma vez que pode reconhecer outra organização do corpo em
movimento, mas não como algo que veio a transformar significativamente seu
entendimento de dança. Segundo Tuca, seu entendimento de dança só sofreu um
impacto muito grande quando a Suzzane Link veio para o Brasil. Ela esteve em
Curitiba e fez aulas no Guaíra:
Eu a vendo fazendo aula, aquela coisa assim, né... E eu: “Nossa, não tem técnica nenhuma...” E quando eu a vi em cena, eu falei: “Mas não, peraí, como que aquela aula?...” Ela fazendo aula com a gente... e a mulher fazendo aquilo em cena! Aí eu já fique meio... Eu falei: “Peraí, tem alguma coisa aí que eu ainda não entendi”.
Em 1988 Tuca saiu do Guaíra em função de osteomas na tíbia, consequência
de carga horária extensa, grande demanda de esforço físico na companhia, e,
anteriormente a isso, treinamento excessivo para superar o problema da sua baixa
estatura para o padrão vigente por meio da conquista de grande apuramento
técnico. Então voltou a Belo Horizonte desacreditado da carreira de bailarino, mas
passou a atuar como professor de balé para seu sustento, e com isso foi ganhando
experiência docente. Entretanto, foi voltando pouco a pouco a dançar. Depois de um
74
experimento coreográfico de sucesso junto a Alex Dias, apresentado em uma das
primeiras mostras promovidas pelo Corpo Escola de Dança, passou a integrar o
Grupo de Dança Primeiro Ato em 1991, onde ficou até 1999.
Antes mesmo de ingressar no 1º Ato, uma experiência marcante foi a de ir para
a Europa, aproveitando a oportunidade de contatos de amigos que lhes eram
contemporâneos no Balé Guaíra e que estavam atuando em companhias europeias.
Um deles era o Osman, que dançava no Rosas, da coreógrafa Anne Teresa De
Keersmaeker. Então, teve a oportunidade de conhecer a cena da DC europeia e
fazer aulas com coreógrafos como Keersmaeker, já que esses criadores atuavam
também como professores nas companhias. Nesse trânsito para a Europa,
conheceu o trabalho de Pina Bausch na década de 1990, em Wupertall.
O 1º Ato foi para Tuca uma escola muito importante, pois lá teve a
oportunidade de consolidar-se como criador7. Nesse período trabalhou com Sônia
Motta, Lydia Del Pichia e tantos outros artistas que passaram por ali. Essas pessoas
traziam outras abordagens técnicas e outros procedimentos criativos, expandindo
sua perspectiva enquanto artista e alimentando, ainda sem saber, seu repertório de
professor em dança contemporânea.
Mas foi o contato com Dudude, que também passou pelo 1º Ato, que
correspondeu a um divisor de águas na sua carreira: “Eu firmo e reafirmo: a minha
escola é a Dudude”. Segundo Tuca, mais do que ver o que ela fazia, era ouvir o que
ela falava que foi despertando o seu interesse para outras possibilidades. Para ele,
existia outro tipo de proposta para além de uma aula de dança propriamente dita.
Não se tratava de colar no corpo os registros de dança, mas compreender se
verdadeiramente o corpo tinha entendimento daquilo que estava fazendo. Além da
fala peculiar de Dudude apontada por Tuca, não posso deixar de destacar a escuta,
também peculiar, do mesmo:
[...] eu ficava prestando muita atenção no que ela falava. E isso eu vejo que mais tarde [...] detonou em mim até um tipo de ferramenta e dispositivo quando eu comecei a trabalhar com outras pessoas. Às vezes ficava muito mais atento no que era dito, nas ideias que eram colocadas, do que unicamente na formatação das aulas em si.
7 O Grupo Primeiro Ato trabalha com a acepção de bailarinos intérpretes-criadores. Além da atuação como
intérprete-criador em trabalhos dirigidos por outros artistas, Tuca Pinheiro esteve à frente como coreógrafo/diretor nos seguintes trabalhos: Desiderium (1996), Beijo...nos olhos, na alma, na carne (1999), Sem Lugar (2002).
75
Assim, Dudude o influenciou não só a sua dança, mas o seu pensar/fazer em
termos de ensino de dança. Dudude o instigou a pensar que na prática de ensino de
dança não importa apenas qual habilidade de dança você está ensinando, mas o
que você coloca em discussão. E ainda o incentivou no sentido de organizar-se à
maneira de um professor-improvisador, que trabalha seu repertório de aula, mas que
é capaz de se adaptar, de mudar suas propostas de acordo com as condições do
tempo presente daquela aula, levando em consideração a condição que os alunos
estão naquele momento, ou como diz a própria Dudude, os “humores dos corpos”.
No entanto, Tuca não cumpre o papel de discípulo de Dudude. Pois apesar da
sua importância, afirma: “Foi importante depois eu saber: eu não quero repetir
Dudude; já tem ela”. Não se trata, pois, estritamente do que era dado por Dudude,
mas também da forma de Tuca selecionar e organizar aquelas informações todas.
Portanto, uma relação dialógica entre os polos hetero (o outro) e autoformação (si
mesmo).
Logo depois de sair do Primeiro Ato, Tuca passou a trabalhar, no ano de 2000,
no EDH como professor. Nesse mesmo ano Dudude ganhou a bolsa Virtuose para
participar de uma residência com Joseph Nadj na França, e ele assume o estúdio no
período da residência. Essa experiência, assim como as estadas na Europa junto
aos seus colegas do Guaíra e a prática como criador no Primeiro Ato, ao lado ainda
da experiência docente como professor de balé clássico é um marco na sua
constituição enquanto professor em DC.
Da mesma forma que no início da sua carreira ia muito ao Rio de Janeiro
estudar balé clássico com Tatiana Leskova, D. Eugênia, entre outros, quando
começou a se interessar pelos procedimentos da dança contemporânea, passou a
fazer oficinas no Brasil com pessoas como Tica Lemos, em São Paulo, e Denise
Stuts, Claudia Muller e André Maceno no Rio de Janeiro. Entrou em contato com o
trabalho da Katie Duck na Zona Z, organizada por Giovani Aguiar, em Brasília. E no
próprio EDH, que entrou em contato com abordagens como o B.M.C. com o Francis
Savage. Essa busca, que não cessou, foi motivada pelo desejo de partir para um
tipo de trabalho e proposta que passou a lhe interessar e que é distinta daquela com
a qual teve contato na sua formação inicial.
Além de todas as influências e processos autoformativos que foram ditos,
segundo Tuca, determinados divisores de água na sua trajetória aconteceram no
76
momento em que estava como espectador, assistindo ao trabalho de outras
pessoas. Ele diz:
[...] eu lembro que da mesma forma que eu prestava atenção no que a Dudude falava, toda vez que terminava o espetáculo eu ficava querendo saber o que é que estava nas entrelinhas ali. [...] O que estava por trás do que eles estavam me mostrando.
Nesse sentido, Tuca enfatiza a importância do Fórum Internacional de Dança
(FID)8, na sua formação, que acontece anualmente em Belo Horizonte desde o ano
de 1996. O FID é importante na trajetória de Tuca, segundo ele, porque foi através
desse evento que ele começou a ter contato com outras formas de pensamento
dentro do que se chamava de DC.
Então eu lembro lá das primeiras edições, entende? Com a Sascha Waltz, com o En-Knap... [...] A Lynda Gaudreau com o “Encyclopoedia”. [...] A própria Lia Rodrigues, a própria Banana, quando começou a trabalhar com o Marcelo Gabriel na Companhia Burra. O Cristian Duarte... Quando o Nova Dança começa a aparecer... Você via que tinha um pensamento de dança. Não só de fazer uma coreografia. Era um pensar. Era uma possibilidade que se manifestava.
Finalmente, outro divisor foi o processo de criação do trabalho Confetes da
Índia de André Maceno, no qual atuou como assistente de direção e colaborador em
dramaturgia. Em função desse trabalho, no ano de 2012, foi com Maceno para a
Suíça, para o Tanzhaus9 de Zurich, especificamente, que é um grande espaço para
produção em dança. Sobre a experiência no Tanzhaus, Tuca sintetiza com a fala
proferida por Maceno: “- Tudo tão organizado que eu não consigo gritar!” E em um
passeio a uma cidade vizinha, Tuca se deu conta de que estava diante de uma
paisagem tão “arrumadinha” que parecia que “até as vaquinhas estavam no lugar
certo”. Essa percepção detonou nele a compreensão do próprio discurso, proferido
em 2011: “Eu quero que a minha dança morra! Eu preciso encontrar para mim uma
outra dança!” Foi nesse processo que surgiram os “embriões” do recente trabalho
Hyenna, que se conecta a tais questionamentos num exercício de crítica e
autocrítica.
Essa outra dança que Tuca está em busca para si e cuja proposta reverbera
em suas proposições de ensino é uma dança que quer aprender não mais com
aquilo que já está dado pela própria dança enquanto códigos e registros já
8 FID: mais informações: http://fid.com.br/ 9 Tanzhaus: mais informações: http://www.tanzhaus-zuerich.ch/
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estabilizados, mas com as questões do mundo, que também são questões
existenciais. Assim como é uma questão do mundo, sendo também uma questão
existencial a própria paisagem; a natureza da paisagem que lhe constitui e que
ilustra esse pensamento:
[...] ali (na Suíça) eu vi que a minha dança não era daquele jeito: tudo organizadinho. Eu falei: "Olha André, o cerrado não é assim. [...] O mangue não é assim. É tudo bagunçado!" E nós temos muito isso no sangue da gente, entende? Como que a gente vai transitar com isso na dança da gente, né?
A palavra de ordem é que essa dança possa se constituir pelas questões do
mundo, pelo que não é dança, pelo que está fora da dança. Ou seja, pelo que não
está dado às claras como dança, pelo que de certa forma está na escuridão, no
desconhecido, e por isso mesmo pode ser contemporâneo. Dessa forma, assim
como evocou a morte de sua dança para que nascesse outra, na sua prática
docente abandonou o que foi para ele procedimento de muitos anos, no próprio
processo de constituir-se como professor de dança contemporânea e que se
organizavam da seguinte maneira:
Num primeiro momento, escolhia determinados exercícios que assimilava com
mais facilidade e que vinham das aulas de outros professores. Num segundo
momento, começou a misturar exercícios de diferentes professores e criadores. E
num terceiro momento passou a criar os seus próprios exercícios, numa formatação
ao modo de composição de passos de dança. Esses três modos de preparar a aula
se organizavam a partir de uma coleção de registros vistos, experienciados e
reconhecidos como DC.
Hoje, ao invés de técnica de dança contemporânea considera técnica
contemporânea de dança, e ao invés de passos de dança (contemporânea), sugere
dispositivos contemporâneos de dança. E dos possíveis dispositivos
contemporâneos, para Tuca o mais veemente, o mais forte, é a observação do
cotidiano, como que fechando uma gestalt em relação àquilo que o encantou na
oficina de Paternostro, na década de 1980.
Tendo tecido aproximações com os processos de formação de cada um dos
artistas-professores, passemos às concepções dos mesmos acerca da dança
contemporânea.
78
3.2 CONCEPÇÕES DE DANÇA CONTEMPORÂNEA
Como vimos anteriormente, a concepção de dança contemporânea é múltipla e
aberta. E buscamos apreendê-la no plural: danças contemporâneas. Portanto, ao
buscar articular concepção de dança contemporânea com prática pedagógica, a
primeira coisa que me ocorre é: a partir de qual concepção de dança contemporânea
essa prática se organiza? Dessa forma, proponho primeiramente uma aproximação
com as concepções de dança contemporânea trazidas pelos artistas-professores.
3.2.1 Carlos Arão: “Investigação onde o corpo é a possibilidade”.
Arão demonstra interesse pela discussão sobre dança contemporânea,
inclusive pelo fato dessa ser, segundo ele, “ainda uma incógnita para muitos”. Se tal
discussão é valorizada como uma possibilidade de fazer com que a DC deixe de ser
essa incógnita para muitos, revela-se um desejo de que a dança contemporânea
possa ser melhor compreendida por todos, e, consequentemente, que o seu próprio
trabalho de artista-professor seja melhor compreendido pela comunidade em geral.
Se Arão define que DC ainda é uma incógnita para muitos, esse muitos é
indefinido. Para quem a dança contemporânea ainda é uma incógnita? Para a
comunidade em geral? Para a comunidade da dança? Para ele próprio, inclusive?
Eu diria que para a comunidade em geral provavelmente prevalece essa condição
de ser uma (grande) incógnita. Para a comunidade da dança também permanece
certo estado de interrogação, uma vez que vivemos em meio a uma aparente
impossibilidade de um consenso do que a dança contemporânea de fato seja.
Considero ainda concebê-la no plural: danças contemporâneas, constituindo uma
trama complexa de ideias (pensar/fazer), que convivem e que podem ser
absolutamente contraditórias ou perfeitamente complementares.
Arão parece saber com segurança o que é a dança contemporânea e
reconhece no seu próprio corpo um meio organizador e sabedor dessa informação:
“Hoje eu me aproprio mesmo desse lugar. Eu sou um professor de dança
contemporânea. Eu acho que eu tenho um argumento para falar isso”.
Coerentemente com a complexidade inerente à dança contemporânea, considera,
por outro lado, que por mais concreto que possa ser esse conhecimento
corporificado, a pergunta “O que é dança contemporânea?” parece ser difícil de ser
79
respondida de forma definitiva e é uma pergunta que é revisitada e atualizada
constantemente, no sentido de indagar qual é o entendimento que ele tem acerca da
questão. Por isso, a experiência de falar sobre a temática na entrevista foi valorizada
pelo mesmo como uma oportunidade de reflexão:
Mas eu acho essa tua questão uma coisa muito bacana. [...] Uma pergunta muito chata, mas [...] ela é importante. O que é dança contemporânea? [...] Primeiro teve esse tempo do “O que é dança?”, “O que é dança para você?” Nossa, essa pergunta, num tempo na minha vida... toda aula que eu ia fazer, de dança contemporânea, tinha essa pergunta. E eu achava aquilo, assim... difícil de responder. Eu falava: “Nossa, e agora?” Até quando me perguntaram: “O que é dança contemporânea?” Aí eu falei: “Putz!” [...] eu acho que é uma hora mesmo de a gente pensar. E é bacana essa oportunidade porque é uma reflexão mesmo. Quando você começa a falar, começa a rever. É como distanciar-se um pouco da cena propriamente dita, da ação, e pensar.
A maneira encontrada por Arão para fazer com que a dança contemporânea
não seja para ele uma incógnita, uma vez reconhecendo-se nesse contexto, é
procurar se definir; compreender seus interesses e agregar pessoas que
compartilham desses mesmos interesses: “Eu acho que existe uma forma como eu
entendo a dança contemporânea e que de repente pessoas se agregam a esse
pensamento”.
Ele diz que a dança contemporânea tem conexão com o tempo presente, com
o mundo contemporâneo, sendo esse um mundo caótico. Por isso posicionar-se
individualmente corresponde, de certa forma, a “pegar as rédeas” para conseguir
trabalhar e produzir nesse meio.
E o que é que é mundo contemporâneo? Essa loucura toda. Agora, é um mundo caótico que às vezes precisa dar uma organizada também, porque se a gente não pegar as rédeas do negócio também...como é que vai ser? Eu não sou muito a favor, (no) meu contexto de vida... deixar as coisas muito... sabe assim... “Uau! Agora é o caos total!”
Mas como posicionar-se individualmente não significa seguir sozinho, Arão se
fortalece pelo pensar/fazer partilhado do Coletivo Movasse. Como o próprio nome
indica, é um pensamento em comum aos integrantes do Coletivo Movasse
compreender que o movimento é inerente à dança. Ou ainda, que o estudo do
movimento e a apuração do como mover-se tem papel central no treinamento e
criação em dança. Por isso os seus processos criativos trazem propostas que focam
o corpo e que se desenvolvem no corpo. Corpo em movimento; sempre. Ainda que
80
esse corpo possa ter momentos de pausa e que lance o foco para outros elementos
para além dele próprio. Mover-se é condição do dançante.
Os dançantes do coletivo são situados, assim, como movedores. Essa
compreensão de dança/movimento é um fato. Outra questão é o auto-
reconhecimento dos integrantes como dançantes contemporâneos e a localização
do dançante contemporâneo no contexto da arte contemporânea: “Da mesma forma
como a gente gosta de dança, nós somos artistas contemporâneos”.
Compartilhando dessa concepção comum ao Coletivo, a dança contemporânea
é compreendida por Arão, necessariamente, a partir de um corpo que se move. Ou
ainda, a dança que o interessa é compreendida dessa forma, pois na diversidade da
dança contemporânea reconhece também uma dança contemporânea que não tem
como princípio o movimento como ele o concebe. Nas palavras de Arão: “Eu gosto
desse corpo (cinético). Dentre as várias definições de dança é como eu penso, como
eu faço e como eu gosto de fazer a minha dança”.
O mesmo compreende que na dança contemporânea não há uma técnica
específica ou mesmo uma forma a priori; existem sim várias formas de executar, de
fazer, de exercer essa dança contemporânea. Entretanto, reconhece a existência de
um pensamento focado para uma investigação onde o corpo é a possibilidade. E
não havendo uma técnica específica ou uma forma estabelecida a priori, essa dança
contemporânea seria também um “apanhado”, ou um “ajuntamento” (ou ainda, uma
organização), das informações agregadas ao longo da vida. Arão também procura
definir dança contemporânea como um estado de espírito, no sentido da
possibilidade de haver maior abertura para perceber as oscilações dos humores
(enquanto estados de corpo), inerentes ao ser humano vivente, e diante desse fato,
poder criar condições de flexibilizar o fazer em dança a cada dia.
A partir desses entendimentos, o artista vem se propondo a buscar a sua DC,
ou seja, o seu modo de fazer. Tarefa essa digna de uma vida inteira - reconhece.
Tendo em vista a premissa da investigação centrada no corpo e a importância que
tem para ele o movimento e mais especificamente, o como mover-se, essa busca
implica em construir qualidades de movimentos. Movimentos virtuosos, inclusive.
Mas que virtuose seria essa? Vejamos na sua fala:
Como é que eu posso ter a minha virtuose... que não é essa virtuose de grandes saltos...ou de dar 10 mil giros no ar e cair: taf! (abre os braços, sinalizando um grand final) [...] eu acho que a virtuose agora
81
está para mim em como é que eu posso elaborar esses movimentos com mais clareza, deixar rastros no espaço.
Outro exemplo de uma qualidade de movimento perseguida se aproxima do
que o que o mesmo chama de “o corpo em ações quase cotidianas”.
Hoje eu vejo que dança contemporânea e aula de dança contemporânea para mim tem muito a ver com as minhas ações cotidianas. De como eu me sento, de como eu me levanto... de como eu ando....Eu fico muito atento ao meu dia a dia. [...] Você está é em trabalho em tempo inteiro.
Paradoxalmente, esse corpo em ações quase cotidianas na dança é difícil de
ser construído, pois há uma dificuldade em “tentar trazer essa essência da
naturalidade do gesto quando se pensa dança”. Esse corpo cinético, que se
pretende a um só tempo ser virtuoso e natural, num estado de ações quase
cotidianas vai ao encontro do que possa representar, para Arão, a construção de um
possível corpo contemporâneo para sua dança, que é, por sua vez, uma questão
norteadora para sua prática de ensino.
Percebemos assim que sua concepção de DC se organiza da seguinte forma:
reconhece a diversidade da dança contemporânea no contexto do mundo
contemporâneo que, segundo ele, é caótico. Em meio a essa diversidade identifica-
se com algumas maneiras de pensar/fazer essa dança e com outras não.
Reconhece seus interesses e busca seus pares, organizando-se num Coletivo.
Soma e dialoga com esse coletivo ao mesmo tempo em que desenvolve um
pensar/fazer em DC muito particular, que se desenvolve no seu próprio corpo, nos
seus propósitos pessoais e modos de mover-se, individualmente.
3.2.2 Dudude Herrmann: “Tem tanta dança contemporânea... dança aqui-
agora”.
Dudude Herrmann, ou simplesmente Dudude, como assina hoje a artista, é
referência na formação da dança contemporânea de Belo Horizonte. Vanguardista
em sua arte e mestre de tantos que são hoje artistas e professores atuantes no
contexto da dança contemporânea, surpreende ao declarar: “Atualmente eu não
estou muito interessada em dança contemporânea não”. Com isso, aponta para uma
questão intrigante em seu discurso, seja nas entrevistas concedidas, nas aulas
82
ministradas ou no material de divulgação dos seus cursos. Essa questão é a
aparição/desaparição do próprio vocábulo dança contemporânea.
Eu não estou interessada em dança contemporânea. Eu estou interessada em dança. [...] Eu penso que para dançar, a gente precisa deixar a dança um pouco de lado, para fazer a dança de hoje. Que dança é essa? Não sei. O que é dança? Não sei. O deslocamento de uma massa qualquer no espaço? Pode ser.
Curioso é que no curso e nos aulões temáticos ministrados em seu Ateliê nos
anos 2012/2013, o vocábulo dança contemporânea não estava presente no material
de divulgação. Já nos cursos ministrados fora de seu estúdio como, por exemplo, na
FUNARTE/MG (2012) e FUNARTE/RJ (2013), o vocábulo dança contemporânea
aparece. Por que isso acontece? Será que o mercado de formação e difusão da
dança está ávido pela noção de dança contemporânea? Falar em dança
contemporânea está na moda? Essas são questões que também pertencem ao
campo de questionamentos do contexto da dança contemporânea: o próprio uso e
desuso dessa terminologia. Dos cursos citados, o vocábulo aparece, no primeiro
caso, no release do curso intitulado “Criação, improvisação, consciência” em que se
lê: “Parte das noções básicas da dança contemporânea – peso, impulso, eixo, fluxo
– para construir estados de dança, usando a improvisação”. No segundo, o vocábulo
aparece no nome do mesmo: “Dança contemporânea e seus assuntos”.
De todo modo, ao analisar esses textos - tendo em vista as entrevistas
concedidas e a experiência de observadora participante - compreendo que tais
ideias se relacionam, implicitamente, a uma questão central no trabalho de Dudude,
seja como artista, seja como docente: o interesse pelo que advém do movimento. É
esse o princípio de potência da dança para ela. O que advém do movimento que a
interessa está no campo da sensibilidade.
Se compreendermos peso, impulso, eixo e fluxo como princípios do
movimento, sendo que a acepção de movimento é elemento fundante no trabalho de
Dudude, podemos compreender que não é propriamente o movimento, mas o que
advém do movimento que pode vir a configurar uma possível dança contemporânea.
O movimento, princípio básico da dança para Dudude, é alimento do que
pode vir a ser uma possível dança contemporânea. Nas palavras de Dudude,
“quanto mais a gente se movimenta, mais possibilidades de criação aparecem, como
janelas que vão se abrindo. O movimento, o estado de dança criado, abre um campo
sensível”.
83
Sem esquecer, contudo, a presença da improvisação no mesmo release, sendo
a mesma uma questão de grande interesse da artista; Dudude é uma artista de
dança improvisadora10 e uma professora de dança improvisadora. A improvisação
para ela é também conectada à noção de arte/vida; ser vivente é viver em improviso.
Ao indagar Dudude, tendo em vista o nome do curso proposto na
FUNARTE/RJ - “Dança contemporânea e seus assuntos”, quais seriam esses
assuntos, ela respondeu:
Menina... é ótimo! Tudo é assunto na dança contemporânea. Dança contemporânea e seus assuntos, dança contemporânea e suas questões... Começamos a mover... Aí daqui a pouco surge um assunto! Que boiou. Aí capturamos esse assunto.
Tudo compreende o que e como nos percebemos, como percebemos os outros
e as coisas que nos rodeiam. São assuntos de vida e se relacionam com o modo
como enxergamos o momento presente. O que é peculiar, observemos, é como o
assunto, seja ele qual for, é capturado e desenvolvido: a via do movimento, do
mover-se, gera um campo de sensibilidade e um estado de percepção. O assunto
capturado, que pode ser dos mais simples, vai ganhando então, segundo ela,
“forma, desejo e dança”.
Ainda que sua “habilidade primeira” seja a dança (movimento), Dudude diz se
interessar atualmente pelo “não lugar”. Se interessa pela performance como um
campo híbrido, “onde todas as artes bebem, cada uma com sua especificidade”.
Interessa-se pela arte contemporânea, tendo em vista a possibilidade de
experimentação e interação entre as áreas artísticas cujas fronteiras se tornam cada
vez mais tênues. Portanto, ampliação de horizontes! Dudude não quer se firmar em
nenhum campo fechado, mas em um universo de fronteiras borradas, permeáveis,
em constante processo de contaminação. Para Dudude, toda essa mistura é
também fruto do diálogo com o mundo em que vivemos, “esse mundo cada vez mais
misturado, cada vez mais cheio de informações e estímulos”. E se, como diz, ser
contemporânea é estar antenada com seu tempo, em diálogo com o mundo, “esse
mundo misturado”, a sua dança pode se misturar, se perder e se reencontrar como
dança. Sair do seu lugar de dança e experimentar um não lugar, um sem nome, em
10 Para maiores informações sobre esse assunto, consultar: RETTORE, Paola. A improvisação no processo de
criação e composição da dança de Dudude Herrmann. 2010. 166f. Dissertação (Mestrado em Artes) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: 2010.
84
que a própria ideia de dança contemporânea possa se desfazer, e se refazer e
assim se reinventar.
Outro ponto que situa o entendimento de dança contemporânea de Dudude é a
relação que ela faz com o campo da Educação Somática. Para ela o corpo na dança
contemporânea tem a necessidade de um conhecimento via consciência somática,
educação somática. Para falar de dança contemporânea, ela indaga: “Que corpo é
esse?” E assim nos dá mais pistas ao diferenciar o corpo da dança moderna como
um “corpo que está esquelético-muscular”, de um corpo contemporâneo, que aspira
outros sistemas do corpo.
Por fim, para Dudude, “a dança contemporânea está de janela aberta, em
pleno processo”. Aponta que é uma arte de agora; muito recente. E complementa
dizendo que a dança moderna também é muito recente. E questiona: “Você é ou
uma pessoa moderna ou você é uma pessoa contemporânea? Por que não os
dois?”
Um dos motivos para que Dudude seja referência na formação em dança
contemporânea em Belo Horizonte, talvez seja porque nesse campo parece haver,
como princípio, espaço para reinventar a dança. E é o que ela propõe o tempo
todo... reinventar, borrar fronteiras, buscar o não lugar. Usar a dança para reinventar
a dança. Usar a dança moderna para reinventar a dança contemporânea. Por que
não? Usar a improvisação para reinventar a dança contemporânea. Por que não? E
também deixar esquecer o que é reconhecido como dança contemporânea;
esquecer o que é reconhecido como dança; para assim abrir espaço para o que
pode ser a dança de hoje. Por que não?
3.2.3 Tuca Pinheiro: “Contemporâneo é o pensamento de quem a faz”.
Para Tuca Pinheiro, não é a dança que é contemporânea, contemporâneo é o
pensamento de quem a faz. Nesse caso, o artista nos convida a sair da questão O
que é dança contemporânea? para mergulhar numa outra: O que é contemporâneo?
Não por acaso, O que é contemporâneo? – e outros ensaios é o título do livro de
Agamben (2009), citado pelo próprio Tuca para discorrer sobre o significado de
contemporâneo para, a partir dessa perspectiva, rever a noção de dança
contemporânea.
85
Segundo Agamben (2009, p. 62), “contemporâneo é aquele que mantém fixo o
olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro”. Assim, na
leitura de Tuca, ser contemporâneo é ser capaz de enxergar no escuro, no sentido
de ser capaz de ver aquilo que não se dá a ver de maneira explícita, aquilo que
ainda não foi revelado. O que está dado já pertence a outro tempo.
A contemporaneidade está na escuridão. Naquilo que ainda não se sabe.
Mergulhar no escuro, no desconhecido é condição do contemporâneo. É então
condição do artista contemporâneo fazer de cada trabalho de criação um mergulho
nessa escuridão. Na perspectiva de Tuca, o exercício constante da pesquisa é
fundamental no pensamento contemporâneo e é justamente essa atitude de
pesquisa que faz com que o artista mergulhe fundo numa questão, criando para tal
(e por causa de, ao mesmo tempo), estratégias singulares que constroem
corporalidades também singulares.
Acredito que o treinamento corporal é específico para cada trabalho. Cada trabalho de criação é um momento de mergulho na escuridão, na pesquisa, naquilo que não foi revelado.
Portanto, não são códigos de movimento ou o ajuntamento de passos
tacitamente reconhecidos como pertencentes à dança contemporânea que a legitima
como tal. Podemos dizer que a dança contemporânea para Tuca está relacionada
ao desenvolvimento, em profundidade, de uma questão. Seu pensamento coaduna
com a ideia de Greiner (2006) apud Garrocho (2011), de que teríamos um corpo
investido numa questão, num meio produzido por uma pesquisa.
As questões advêm do cotidiano, de perguntas como: O que acontece hoje?
Quais são minhas necessidades hoje? Para onde elas estão caminhando? Essa
questão é importante para o mundo? Já a maneira como tal questão é desenvolvida
artisticamente é pessoal; trata-se de um modo particular desse fazer, o que confere
singularidade ao artista. Nessa dança interessa discutir ideias, falar de visões de
mundo. No entanto, de uma maneira não narrativa, uma vez que a especificidade da
dança, sobretudo da dança contemporânea, não é a de contar uma história.
Lembremos que para Tuca não é a dança (em seus aspectos formais), que é
contemporânea, mas o pensamento de quem a faz. Buscar referências fora da
dança para fomentar o fazer da dança é, para ele, um pensamento contemporâneo e
uma questão cara à sua prática artística e docente. Ao mesmo tempo, reconhece
que a dança também se alimenta de si, uma vez que compreende nos
86
procedimentos da dança contemporânea um sistema de realocamento de
informações. Assim, para o mesmo, a dança contemporânea não se propõe a uma
negação das coisas que se aprendeu, mas realocar essas informações dentro de um
outro tipo de entendimento.
Entretanto, Tuca observa que se partirmos do pressuposto de que ser
contemporâneo é estar em sintonia com o tempo, o entendimento de dança, de
contemporâneo, e consequentemente de dança contemporânea é flexível e mutável.
Não há assim certezas e as verdades são sempre provisórias.
Porque eu acho bacana também você ser flexível até com você mesmo, com relação aos seus entendimentos de dança, contemporâneo e tudo... Se a gente parte do pressuposto de que contemporâneo é estar em sintonia com o tempo... [...] Também não é ficar trocando de opinião o tempo todo... Mas você saber que o pensamento, ele pode mudar.
O questionamento do que seja a dança contemporânea, embora não vá ao
encontro a uma resposta definitiva, é algo que alimenta o artista:
Eu estou vindo mesmo de um processo de rever essas coisas...entender o que é essa dança contemporânea. Me faz bem. Me deixa um pouco angustiado, mas é o que me move também. Porque eu não quero ter um pensamento assim (faz um gesto com alusão a algo duro, restrito, determinado), quase cartesiano: dança contemporânea é isso.
Com tudo isso, o auto-reconhecimento do artista como contemporâneo, como
sujeito constituinte e constituidor da dança contemporânea pode ser compreendido
por sua fala proferida em dezembro de 2013, na ocasião da apresentação de seu
trabalho Hyenna, em caráter de ensaio aberto no Atelier de Dudude: “Eu estou
completamente cego na minha dança”.
3.3 ARTICULANDO DANÇA CONTEMPORÊNEA E ENSINO
3.3.1 Carlos Arão: “Esculpir corpos”
3.3.1.1 O produto de um ajuntamento
Carlos Arão atua como professor em dança contemporânea há cerca de quinze
anos, mas segundo ele há aproximadamente nove anos sua prática docente vem
ganhando um caráter mais autoral, no sentido de bancar a sua própria ideia e
87
colocar na aula uma assinatura mais pessoal. “[...] eu fico tentando estabelecer [...]
um formato de aula [...] que as pessoas consigam falar assim: - Olha, aquela é a
aula do Arão”.
Como vimos no seu processo de constituição como professor em DC, sua
prática de ensino vem sendo construída como extensão de sua prática artística
como bailarino/criador, sobretudo no que diz respeito ao treinamento corporal que
estava propondo para ele mesmo a partir de um modo particular de organizar, no
próprio corpo, informações técnicas diversas que foi recebendo e reelaborando ao
longo da vida. Para Arão, a dança contemporânea não é entendida como negação
do que foi aprendido anteriormente por meio das experiências vivenciadas ao longo
do seu processo de formação. Portanto, a própria organização e reorganização
dessas experiências que se dá como “ajuntamento”, negociação e ressignificação
dessas informações no seu próprio corpo podem constituir-se como dança
contemporânea. Essa premissa é fundamental quando fala da sua constituição como
bailarino e da constituição dos conteúdos elaborados para sua proposta de aula
denominada DC. Assim, na sua prática de ensino, o que ele compartilha com os
alunos é o produto disso, dessa negociação das informações diversas que se deu no
seu próprio corpo e que é transmitido como um modo específico de dançar.
Partindo de um tipo de treinamento que ele foi propondo para si mesmo tendo
como referência informações diversas e que foi sendo também transformado e
adaptado ao levá-lo para seus alunos, sua proposta de aula tem hoje como foco,
segundo o mesmo, “uma manutenção para alguém que trabalha com a dança, que
seja com base na dança contemporânea... que é uma dança que não tem uma
técnica”. Se a dança contemporânea não é definida a partir de uma técnica, a ênfase
no aspecto da técnica no sentido de um treinamento corporal especializado se faz
possível a partir do seguinte pressuposto, nas suas palavras: “Mas existe uma forma
que eu entendo a dança contemporânea e que de repente pessoas se agregam a
esse pensamento”.
3.3.1.2 O que se vê
Esse pensamento, que é a forma como ele entende a dança contemporânea, é
também pensamento corporal. Assim, quando Arão fala desse pensamento que lhe
é peculiar e que pessoas se agregam, ele está falando não só daquilo que se
88
relaciona ao que pensa a respeito da dança contemporânea em termos de
definições e possíveis restrições de procedimentos, mas também, e principalmente,
de um tipo de pensamento que é comunicado por seu corpo, por sua dança.
Sendo assim, não é por acaso que Arão considera os seguintes pressupostos
para que ele possa reconhecer a si mesmo como professor de dança
contemporânea:
1. Ação da prática, o seu exercício.
2. Consciência, no sentido de entender no próprio corpo o que vai passar para
o aluno.
Para Arão, é condição para esses pressupostos uma investigação diária de si
mesmo e o domínio da prática proposta. Esse domínio, por sua vez, deve ser
verificável não só pelo que se fala, mas pelo que pode ser visto no seu corpo.
Eu investigo isso diariamente para começar a construir uma personalidade com a minha aula. E eu ter domínio disso. Eu saber que o que eu estou falando, ele é sincero. Ele é honesto porque eu mostro.
Sem dúvida, esse domínio da prática proposta é visível na sua dança, no seu
corpo e o que se vê, posso afirmar a partir das observações participantes realizadas,
é alimento para aprendizagem em dança. Por exemplo, ver a organização tônica
específica de Arão, que é uma característica muito marcante em seu “corpo em
estado de dança” me fazia olhar para o meu próprio e experimentar outro ajuste
tônico, norteando e fomentando uma qualidade de movimento específica. De fato a
operação “aprender vendo” é incorporada conscientemente ao seu modo de ensinar,
tendo como referência a percepção do seu próprio modo de aprender dança:
[...] isso é uma questão muito particular minha. Eu aprendo muito vendo. Quando eu vejo... [...] Quando eu sinto a propriedade daquele professor ou daquela pessoa que está me passando algo... mais do que entender com as palavras, eu entendo com o corpo dele. Então os primeiros momentos da aula eu faço junto com os meus alunos. Porque eu me aproprio muito daquela investigação. E eu percebo que eu fazendo junto, eles vão também entendendo.
Na perspectiva de Arão é fundamental que o aluno, principalmente o iniciante,
possa enxergar na sua imagem o que ele chama de “estrutura”. E estruturar esse
corpo, um possível “corpo contemporâneo” (de uma dança contemporânea
específica), é uma questão central em sua aula. Nesse sentido diz: “Eu estou
gostando bastante de trabalhar, de ver, de esculpir esses corpos. Eu estou achando
interessante ver no corpo do outro uma construção (minha)”.
89
3.3.1.3 Corpo cinético
Segundo Arão, das várias maneiras de entender e executar a dança
contemporânea, a ele interessa pensá-la tendo como pressuposto o corpo em
movimento. Assim, ele se reconhece como um bailarino-criador na contra corrente
de uma tendência crescente que ele percebe e reconhece como “não movimento”.
Para ele a questão do “não movimento”, que se estende para práticas de ensino
relacionadas à DC tem reverberado de forma negativa na procura, por parte dos
alunos, por aulas assim denominadas:
[...] eu sinto que tem um publico (de alunos), que dispersou um pouco por causa dessa não dança. [...] Muita gente fala para mim que...ou não dá conta de fazer aula muito pauleira, porque é muita quebradeira [...] como não dá conta de ficar uma hora só deitado sentindo os órgãos, entendeu? [...] Agora, como é que você dosa tudo isso? Como é que você bota uma quebradeira que não quebra todas? E como é que você chega (em contato com você mesmo)... porque eu acho que é importante esse estado também, dentro desse trabalho. Essa percepção total do corpo... esse peso do corpo no chão... ele é importante para a gente chegar em outros lugares.
O pressuposto do corpo em movimento orienta sua atuação como bailarino-
criador e orienta também sua prática docente. Se Arão afirma que “ainda” pensa a
dança tendo o corpo em movimento como pressuposto, é porque sabe que na DC o
princípio da correlação entre dança e movimento tem sido colocado em dúvida.
Lepecki (2006), parece protagonizar essa discussão, defendendo que tal correlação
é uma premissa da dança moderna, e não da dança contemporânea. De todo modo,
considero esclarecedor quando Hércoles (2010), dialogando com Lepecki, diz que
na dança contemporânea o corpo em movimento continua sendo uma premissa para
que a dança aconteça; o que muda drasticamente é a maneira como o movimento
passa a ser compreendido.
Para Hercoles (2010, p. 202), “Não mais podemos restringi-lo (o movimento) à
ideia de fluxo contínuo ou considerá-lo unicamente como sinônimo de desenho e
deslocamento espacial”. Entretanto, o movimento em fluxo contínuo, assim como a
noção de movimento como desenho e deslocamento espacial continua tendo lugar
na dança contemporânea e são entendimentos imbricados nos trabalhos do Coletivo
Movasse e na dança de Arão.
Na sua prática de ensino, o movimento em fluxo e deslocamento no espaço é
proposto a partir de sequências de movimentos que são pré-elaboradas para
90
execução. Como vimos anteriormente no seu contexto formativo, a técnica de Limón
é uma referência muito importante (mas não a única), sendo que ele se relaciona
com essa técnica hoje principalmente a partir da memória da sensação apreendida
de sua prática. Dessa memória, que é sobretudo uma memória do movimento, a
noção de circularidade e com isso a sensação de um movimento que não acaba
nunca (pois o fim de um movimento é o início do outro), é uma referência forte que
perpassa toda a aula. A própria estrutura da aula é construída dentro desse
princípio, pois um exercício vai se ligando ao próximo num fluxo contínuo. O
movimento em fluxo contínuo é reforçado pela utilização constante de músicas,
sendo que os movimentos são feitos ora acompanhando a métrica, ora a música é
paisagem em que o movimento habita. Um aspecto destacado por Arão é que em
ambos os casos a música cumpre uma função motivacional e ajuda a dar dinâmica à
aula.
Eu acho que o Limón, ele dá essa coisa que ela não termina, sabe? Infinito... E eu tenho muito isso. E essa questão meio circular... Eu vou girando, eu vou indo, eu vou trazendo...eu não paro, sabe assim?
O trabalho a partir de sequências de movimentos constitui o principal recurso
utilizado nas suas aulas; embora não seja o único. Levando em consideração o
enfoque de Arão na estruturação de um corpo para a dança, sendo que essa dança
tem como premissa o corpo em movimento (entendido como fluxo contínuo e
deslocamento no espaço), as sequencias de movimento organizam o corpo numa
condição cinética. E, obviamente, vai constituindo um repertório de modos
específicos de mover-se, de dançar. É também uma forma de criar uma organização
inicial para ser transformada a partir da variação de diversos aspectos daquela
sequência, como a dinâmica, as referências espaciais, sendo que as possibilidades
são inúmeras. Arão discorre sobre esse procedimento metaforicamente:
[...] depois que está tudo certinho, depois que eu me organizei... aí começa a transformação daquela ordem para um corpo mais flexível. Primeiro a gente chega numa ordem. Primeiro organiza, primeiro arruma a casa para a festa. E depois bagunça, festa e tudo... E arruma de novo.
Outro recurso utilizado para trabalhar o corpo em movimento é a exploração de
apoios tendo como principais parceiros nesses apoios o chão, assim como um outro
corpo. Com isso tece aproximações com a técnica do Contato-Improvisação, tendo
em vista a ideia de um diálogo físico entre dois corpos.
91
O movimento como desenho é uma premissa que vai pautar o que pode ser um
movimento virtuoso para ele hoje, que é diferente de um virtuosismo do tipo “dar
grandes saltos ou dez mil giros”. A virtuose que hoje ele constrói para si e fomenta
em seus alunos está, entre outros aspectos, na capacidade de elaborar movimentos
com clareza, deixando “rastros no espaço”. Reforçando a intenção de trabalhar o
movimento com essa qualidade, Arão se utiliza de expressões como “desenho do
movimento” e “texturas do movimento”.
A ideia de mover-se deixando rastros no espaço, trabalhando as texturas do
movimento, vai além da ideia de movimento como condição do dançante, pois atribui
importância ao como mover-se. Para Arão, a maneira peculiar de mover-se que é
trabalhada em aula está diretamente relacionada à estruturação do corpo, desse
possível “corpo contemporâneo”, que como já ressaltamos, além de ser um corpo
cinético, é um corpo que se propõe a ações quase cotidianas que busca trazer para
si, ao mesmo tempo, as qualidades de “virtuoso” e “natural”.
3.3.1.4 Corpo em estado de saúde
Dialogando com a trajetória de constituição de Arão como professor de dança
contemporânea e sua concepção de que a dança contemporânea pressupõe um
pensamento focado para uma investigação onde o corpo é a possibilidade, vimos
que um dos desdobramentos dessa ideia se relaciona à própria investigação de si
na construção de um treinamento que é reelaborado para o ensino de dança
levando em consideração as “respostas” dos alunos. Vimos também que um dos
parâmetros dessa investigação foi a busca por um jeito mais saudável de se
movimentar, que por sua vez conecta-se com o pensamento de que “dança/arte,
corpo e saúde são questões que se agregam muito bem”.
Com tudo isso, Arão localiza a importância atribuída a “estar fisicamente bem
para dançar” como um estado de corpo (saudável), que é também um estado de
presença a ser trabalhado cotidianamente e que por isso se constitui como uma
questão fundamental e estrutural para a sua proposta de ensino de dança. Por isso
procura cuidar de “aspectos vitais” relativos à manutenção de seu funcionamento em
“estado de saúde”:
Eu tenho que [...] mover as minhas articulações para eu poder produzir a minha lubrificação. Eu preciso fazer determinados
92
exercícios todos os dias para eu poder ter a minha flexibilidade de meu alongamento para me sentir bem, para eu estar numa boa postura, para eu aprender a me sentar nos meus ísquios decentemente. Para eu não apertar a minha coluna.
Para Arão estar fisicamente bem para dançar também pressupõe um estado de
corpo ativo, coerente com seu apreço por uma aula dinâmica. Segundo ele: “O meu
trabalho de aula é um trabalho ativo mesmo. [...] As pessoas suam, rolam no chão,
elas fazem o que têm que fazer”.
Sendo a estruturação do corpo para a dança (e pela dança) um aspecto central
no seu trabalho, há preocupação especial com o ajustamento da força muscular, que
para ele “define muitas questões para o corpo que dança”. Na sua perspectiva, o
trabalho de ajustamento da força muscular estrutura o corpo, “até para poder
desmanchar [...] depois”. E a sutileza dos ajustamentos confere nuances no corpo
que dança. Durante a observação participante esse aspecto me chamou muito a
atenção. Entendo que quando Arão fala em “esculpir corpos”, o trabalho de
ajustamento da força muscular é uma ferramenta fundamental para tal. Ao longo de
sua aula vai sendo trabalhado qualidades de ajustamentos específicos, que por sua
vez constituem uma das características mais marcantes, como eu disse
anteriormente, da dança de Arão. Para mim, a sensação ao fazer sua aula é de
trazer para o concreto a ideia de empurrar o ar com todas as partes do corpo, como
se o ar oferecesse mais resistência que o habitual. É como se o entorno (o ar)
ficasse mais sólido.
Para Arão esse trabalho por um corpo ativo por meio da prática de dança
reverbera no mundo:
E uma coisa que eu estou prestando atenção, é que há uma dispersão muito grande lá fora. As pessoas estão andando muito lentas, elas não estão olhando mais para frente; estão olhando para baixo. E esse tipo de trabalho atua lá fora. Porque você começa a criar uma dinâmica de atenção muito grande. De atenção e de agilidade.
3.3.1.5 Corpo em ações quase cotidianas
Junto a tudo isso vem a ideia de “corpo neutro”, sendo que por vezes a ideia de
“neutralizar” é sugerida em aula. Embora o projeto de corpo neutro seja uma
impossibilidade, é interessante entender como esse pensamento se organiza na
proposta de Arão, pois parece se conectar à ideia de um “corpo contemporâneo”
93
como um “corpo em ações quase cotidianas”, onde este estaria mais próximo de sua
funcionalidade:
Eu, como bailarino... hoje não porque eu já faço esse trabalho. Mas durante um tempo eu tive uma dificuldade muito grande de neutralizar. De chegar e pronto. Porque eu só chegava pronto; não chegava desarmado. Eu tenho alguns alunos que já vieram de algumas escolas. É incrível como é a dificuldade que eles têm de dobrar o joelho. Ainda há muita gente assim... [...] sabe aquela estética do balé clássico?
Para compreender esse corpo em ações quase cotidianas é pertinente a
diferenciação que Louppe (2012) faz entre naturalização do movimento dançado e
desnaturalização dos movimentos cotidianos na dança, sendo que na prática de
ensino de Arão percebo que essas duas estratégias são utilizadas. No depoimento
acima percebemos, implicitamente, a ideia de naturalização do movimento dançado
relacionado à ação de “neutralizar”, se “desarmando” de uma certa impostação na
dança (“sabe aquela estética do balé clássico?”), a partir de um estado de corpo
mais próximo daquele do cotidiano. Como já indicado, a própria concepção de dança
contemporânea se relaciona a esse propósito.
Hoje eu vejo que dança contemporânea e aula de dança contemporânea para mim tem muito a ver com as minhas ações cotidianas. De como eu me sento, de como eu me levanto... de como eu ando... Eu fico muito atento ao meu dia a dia.
A relação com o cotidiano no fazer em dança contemporânea se dá também
pela desnaturalização dos movimentos cotidianos a partir da extração de gestos e
ações, que a partir da observação e imitação são levados para o contexto da dança
e assim deslocados de sua funcionalidade cotidiana. Na dança, esses movimentos
cotidianos podem ser ainda transformados a partir da variação dos fatores de
movimento que o constituem: peso, espaço, tempo e fluência11. Durante as
observações participantes realizadas nas aulas, percebi que Arão levou o “produto”
desse procedimento por meio da proposição de sequência de movimentos,
organizada a partir dos gestos de um maestro que foram por ele observados,
imitados e transformados. No caso, a sequência enfatizou os movimentos da metade
superior do corpo, que uma vez memorizada pelos alunos, foi proposto aos mesmos
variações a partir do fator espaço.
11 Peso, espaço, tempo e fluência constituem os fatores de movimento na concepção de Laban (1978), aos
quais Arão faz referência.
94
3.3.1.6 O corpo de cada dia
Compreender a dança contemporânea como um “estado de espírito” é outro
parâmetro para a constituição de suas aulas:
Eu fico às vezes definindo um pouquinho a dança contemporânea muito como esse agregado de coisas e como um estado de espírito também. A gente não é igual todo dia. A gente não acorda todo dia (igual). Um dia a gente está feliz, outro dia a gente está preocupado, outro dia o corpo está preguiçoso... Então acho que é muito bacana você chegar e entender que estado é esse. Eu já estou no pique? Eu preciso de um tempo?
Essas oscilações de humor e de estados corporais é uma condição humana e
estarão presentes em qualquer que seja a atividade. Entretanto, diferenciando da
sua experiência no treinamento em balé clássico, para Arão, no treinamento para
dança contemporânea que ele propõe para si e para os outros é possível fazer com
que essa variável seja compreendida, respeitada e trabalhada no próprio
treinamento e nas aulas relacionadas.
3.3.1.7 Criação: investigação no corpo, extensão do Movasse
Arão diz que a dança contemporânea pressupõe um pensamento focado na
investigação onde o corpo é a possibilidade. Além da investigação de si mesmo,
como já dito, essa ideia está imbricada na condução de seus processos de criação
junto ao coletivo Movasse, que é levada de forma aproximada aos alunos. A
proposta é “sempre trazer essas investigações [...] para o corpo”,
independentemente do que for trazido como discussão para tal (ideia, texto, vídeo,
imagem, gestos, etc.). Corpo em estado de dança, em que dança é movimento. Para
o trabalho criativo com os alunos o primeiro passo é trabalhar o corpo para entrar
nesse estado, e como vimos, a utilização de sequências de movimento é utilizada
como recurso para tal. Essas sequências são também frequentemente utilizadas
como ponto de partida para as criações com os alunos.
Então, na verdade, para chegar o processo criativo, é muito... é a aula que reverbera no corpo deles para entrarem nesse estado. Então é muito de uma proposta que eu sempre que começo o ano eu tento como que trazer esse assunto (do corpo). Que assunto é esse? É um corpo mais vertical, longilíneo? [...] É um corpo mais atento, é um corpo mais no plano médio (do espaço), é um corpo mais chão...E aí eu vou trabalhando essas sequências de acordo com (esse assunto).
95
Outra questão do Movasse, que para Arão é um elemento de
contemporaneidade e que é levado para sua prática pedagógica é a utilização de
diferentes espaços para dançar e criar em dos mesmos.
“Então eu quero dançar em cima de uma marquise”. A outra: “Eu quero dançar só no chão”. “Eu quero ir para uma casa”. “Agora eu quero fazer um espetáculo dentro dos casarões”. “Agora eu quero dançar dentro do Mercado Central”. “Agora é espetaculão de palco, com luz, com isso e com aquilo”. Então a gente foi entrando em vários universos. Então logicamente que todo esse universo que é dos movedores, que é do Movasse, acaba que vai sendo levado para os alunos.
Uma vez apresentadas as principais ideias extraídas da fala de Arão e da
observação de sua prática pedagógica acerca da dialogia entre DC e ensino,
vejamos o que traz o próximo artista-professor.
3.3.2 Dudude Herrmann: “Usar a dança para reinventar a dança”.
3.3.2.1 Dançar o agora
Uma das formas para conceber dança contemporânea para Dudude é a
conexão com o tempo presente e consequentemente com as questões do tempo
presente. A mesma critica a associação da noção de dança contemporânea a um
estilo de dança, como vemos frequentemente em festivais de dança, por exemplo.
Em resposta a esse entendimento de dança contemporânea como um estilo,
Dudude prefere falar em dança, simplesmente. “Tem tanta dança contemporânea!
Dança aqui-agora”. Como ela diz, é “a palavra substantivada”.
Podemos fazer uma pequena pausa e trazer a imagem da dança. A dança que pretendemos refletir e compreender tem a mesma imagem para todos? Posso imaginar que não, pois a linguagem da dança é acompanhada de estereótipos e classificações equivocadas e está sempre associada a um localizador de referências. Dança contemporânea, dança educativa, clássica, popular... e assim em diante. Para cada uma dessas temos uma imagem pré-concebida. Proponho abordar apenas a dança, como substantivo repleto de significados. É bom lembrar que falo do hoje, da atualidade diversificada dessa linguagem. Portanto, foco sua real expressão nesse tempo presente e todos os assuntos decorrentes deste corpo contemporâneo.
Apesar de frequentemente utilizar o vocábulo dança contemporânea, seja nos
textos de divulgação de suas oficinas, seja na própria prática docente, Dudude
96
busca distanciar-se da imagem pré-concebida do que seja dança contemporânea,
pois a ela interessa o que a dança (contemporânea), possa vir a ser. Assim, a
própria aparição/desaparição desse vocábulo, assim como a utilização do vocábulo
dança de uma maneira indefinida é uma questão que marca sua prática.
Eu não estou interessada em dança contemporânea. Eu estou interessada em dança [...] Eu penso que para dançar, a gente precisa deixar a dança um pouco de lado, para fazer a dança de hoje.
Quando fala de deixar a dança de lado para dançar a dança de hoje é para sair
da ideia “ilustrada” do que seja dança ou dança contemporânea. É preciso esquecer
a ilustração da dança para abrir espaço para outras danças.
A chave de acesso para dançar o agora está no corpo e nos assuntos que o
corpo traz, que são por sua vez, assuntos do mundo que habitam esse corpo. “É se
trabalhar um corpo, estar com seus desejos ali de invenção. E fatalmente ele não vai
negar o tempo que ele existe. Que ele está”. Sendo assim, sua proposição como
docente foca a questão da percepção do corpo e via corpo, em que o movimento é
alimento fundamental.
3.3.2.2 Espaço/Movimento
A princípio, sua prática se organiza a partir de questões que são para ela
“lugares comuns” para o ensino de dança, tendo como protagonistas os princípios
espaço e movimento, em que o espaço nutre o movimento e o movimento nutre o
espaço.
Para falar de espaço, Dudude diferencia a espacialidade do corpo (corpo como
referencial) e o espaço onde se dá o movimento.
O espaço para aprender dança é, a princípio, “um espaço vazio para ser
pintado e desenhado pelo movimento”. Esse tipo de espaço é visto como ingrediente
necessário para ensinar e aprender dança:
[...] qualquer aprendizado que você se coloca, você já imagina. Se você vai estudar culinária, fatalmente vai ter um fogão. Se você vai estudar... corte e costura, fatalmente vai ter uma máquina de costura. Arquitetura você sabe que vai ter pranchetas. Engenharia você sabe que irá estudar cálculo... num ambiente construído para tal. Dança você vai pra onde? Para uma sala vazia.
97
Esse espaço tem um chão liso, necessário para que o corpo possa confiar e se
lançar na experiência. Depois de uma intimidade, uma confiança com esse fazer
pode-se experimentar outros espaços com a condição que o espaço possa oferecer.
Todo espaço passa a ser possível como um espaço de aprendizado de dança; tudo
é possibilidade: “Às vezes começamos a ter desejos de dançar numa sala
entulhada. Ou vendo uma imagem”.
Peso (ceder e resistir à gravidade), eixo, impulso e fluxo são noções básicas
apontadas por Dudude para a questão do movimento na dança em geral e,
consequentemente, para a dança contemporânea.
De certa forma, há implícita a ideia de que a prática pedagógica relacionada à
dança contemporânea possa partir dessas noções básicas de algo que não seja
específico de nenhuma dança, mas da dança em geral no que se refere a espaço e
movimento.
Entretanto, a partir dessas questões básicas e fundamentais, outras vão sendo
agregadas e as próprias noções de espaço e movimento são expandidas para além
dessa conceituação primeira que constituiriam um lugar comum no ensino da dança.
Com isso, o movimento passa a ser visto, principalmente, como via de percepção
(ativa) e o espaço não é somente o espaço onde se dá o movimento, mas é “espaço
que habita o corpo” e que o modifica, na medida em que também é modificado por
ele.
3.3.2.3 O que advém do movimento - corpo/mundo como pedagogia
A ideia de corpo/mundo como pedagogia, no sentido de apreensão de um
entendimento de mundo via movimento, vem do entendimento do movimento como
via de percepção do mundo que habita o corpo numa dialética onde um constitui e é
constituído pelo outro.
Eu me interesso pelo que advém do movimento. Pela questão potente da dança. E aí fui construindo essa pedagogia da apreensão de um entendimento de mundo via movimento.
Para Dudude, sua prática pedagógica vai ao encontro de um trabalho de
sensibilização ancorado na ideia de experiência. Como referência nessa
perspectiva, Dudude citou A arte como experiência (2010) de Dewey. Esse autor
traz o entendimento de experiência como a interação entre o agir e o sofrer a reação
98
provocada pelo agir, a qual se dá em um sujeito ativo em relação às coisas, ao
mundo, que é coerente com a conexão corpo/mundo via movimento proposta por
Dudude em sua prática de ensino.
Dudude afirma o que é uma condição do ser humano vivo: “Um corpo potente
se move, mesmo imóvel, move”. Entretanto, é no movimento como deslocamento de
massa no espaço, que para ela é também uma possível definição do que possa ser
dança, o meio de experienciar intensidades que venham a construir “estados de
dança”. O movimento, o estado de dança criado, abre um campo sensível. Segundo
ela, “Quanto mais a gente se movimenta, mais possibilidades de criação aparecem,
como janelas que vão se abrindo”. Para Dudude o movimento gera dança, que gera
movimento, que gera percepção, que gera “assuntos de dança”, numa organização
cíclica em que “nutrir sua dança” é, ao mesmo tempo, “nutrir-se a partir da dança”.
Começamos a mover... Aí daqui a pouco surge um assunto! Que boiou. Aí capturamos esse assunto. E esse assunto é assunto de vida. Como eu olho e como eu enxergo o momento agora? Que assunto ele me dá? Aí é incrível. Que ele vai de um assunto dos mais simples e vai ganhando corpo, forma, desejo e dança.
Para Dudude, os assuntos de dança vêm da percepção via experiência
corporal, e, uma vez que o corpo “fatalmente [...] não vai negar o tempo que ele
existe”, irá captar assuntos da contemporaneidade, do tempo de agora. E se o
entendimento de dança contemporânea se relaciona a estar antenado na
contemporaneidade, o aguçamento da percepção é para ela, um procedimento
básico no ensino em dança contemporânea.
A percepção precisa ser alimentada. [...] Precisa ter um corpo treinado. Que treino é esse? É um treino via percepção. Ativação dos sentidos. E aí, nas aulas... são aulas onde a percepção é base. [...] Os assuntos de dança podem brotar desta percepção. Isso também é uma técnica, sensibilidade via ativação dos sentidos.
Por isso a Educação Somática, que amplia a percepção corporal e do
movimento, é não só utilizada como recurso pedagógico, mas também constitui o
próprio entendimento de dança contemporânea, ou ao menos a dança
contemporânea que ela está interessada. Nas práticas propostas por Dudude que eu
participei, pude notar a correlação entre dança e educação somática como
pressuposto para dizer de dança contemporânea. Ao ser questionada sobre essa
questão, nas entrevistas, Dudude justifica:
Por exemplo, eu acho que a dança contemporânea – “eu acho”... ela tem um ponto comum nessa necessidade de conhecimento. Via
99
consciência somática, educação somática. Esse apoio ou suporte com abordagens do corpo, que não são necessariamente habituais no ensino da dança. Então... tem assim, uma gama de dançarinos que se apoiam aí para um suporte [...] corporal, seja na Eutonia...no Rolfing... na crânio sacral... no próprio yoga, o B.M.C, que é uma abordagem somática que pesquiso e faço uso de suas ideias em meu trabalho; acho maravilhoso. Então, a consciência a partir dos sistemas do corpo. Que vai aflorando um saber, natural a ele mesmo e quando você trabalha com este material... adentrar dentro dele e deixar ele te dar as pistas... é maravilhoso. Você ganhar intimidade com aquilo que se trabalha. Deixar vir as notícias. Dos sistemas fluidos, do sistema nervoso, do sistema digestivo, do sistema endócrino, do sistema circulatório, do sistema esquelético-muscular, do sistema celular, é uma potência. Esse link, conecta da arte com vida. Essa mistura me instiga cada vez mais. [...] Da onde nascem os assuntos que você coloca no campo da expressão? São de experiências. O corpo como o seu material primeiro de experiência.
3.3.2.4 Coisificar
Uma questão chave na prática pedagógica de Dudude é a coisificação da
pessoa. “Coisificar é a palavra de ordem”. É preciso então compreender qual o
sentido disso nas suas proposições, já que a ideia de coisificar é geralmente vista
com maus olhos. Dudude diz que nas suas propostas de ensino ela busca trazer
sempre o indivíduo. E que indivíduo é esse? Para ela, é a pessoa que vem antes do
dançarino. Indivíduo entendido como coisa para ser naquele momento, apenas mais
um no mundo. Ser coisa como todas as coisas que o cercam. E estando no mesmo
nível delas, poder potencializar essas coisas que o circunda como fonte de
persuasão, como fonte de saber.
Partindo do princípio que natureza e cultura são indissociáveis
compreendemos que o corpo é, a um só tempo, social e natural. Entretanto,
compreendo a importância didática da diferenciação que Dudude faz das noções de
corpo social e corpo natural. Dudude fala do corpo social como o corpo das
representações sociais, comportado, educado, dotado de artifícios, necessários para
a vida em sociedade. Para ela a proposta de coisificar é trazer o protagonismo, na
medida do possível, para o corpo natural, que é para ela, o corpo dos sentidos, dos
instintos, da memória da espécie. Nesse sentido, a dança é para ela potência para
lembrar que somos natureza também.
Dudude costuma falar do corpo como uma coisa formada por várias coisinhas,
que são as partes que integram o todo do corpo. Uma prática recorrente em suas
100
aulas é deixar-nos mover a partir do que nos interfere. A ideia é que colocar-se
naquele momento como coisa pode contribuir para a diminuição do julgamento de si
e assim facilitar o mergulho na experiência concreta. Ao ver o outro como coisa a
ideia é poder estabelecer uma relação com a sua estrutura física, sua forma, peso,
as partes, o desenho que traça no espaço. E o movimento do outro pode interferir no
meu assim como o movimento da cortina ao vento, como as folhas da árvore. É,
pois, um exercício de permissão de deixar interferir e sofrer interferências.
3.3.2.5 Espaço: alimento do mover
Na sua prática pedagógica, Dudude leva a compreender que assim como o
espaço é alimento do mover, mover também é alimento do espaço. Assim, ela
costuma propor: “Vamos aquecer o espaço”, e não só “vamos aquecer o corpo”.
Dudude propõe considerar não só “com quem” se aprende dança, mas também
“com o que” se aprende dança: “Você vai num parque e pode ter uma aula de dança
com a árvore...”. Essa é uma fala recorrente nas aulas de Dudude: “Quer aprender
uma vertical? Olha para a árvore!” Outras vezes a árvore é tomada para falar de
presença: “Vamos aprender com a árvore, que está ali, simplesmente. Ela está”.
Numa prática proposta por ela, declarou aos alunos, referindo-se ao espaço e a tudo
o que estava nele, ao alcance de nossos olhos: “Todos aqui são professores”.
“Todos”, nesse caso, significa “tudo” – árvores, cadeira, bola, cachorro, pessoas...
3.3.2.6 Usar a dança para reinventar a dança
A ideia de usar a dança para reinventar a dança está relacionada à questão do
que advém do movimento, já que o movimento como deslocamento de massa no
espaço é para Dudude uma possível definição de dança e esse cria intensidades,
que cria estados de dança, como já posto.
Mas usar a dança para reinventar a dança pode ser entendido também a partir
da relação que Dudude estabelece com a dança moderna para a sua dança de
agora.
Martha Graham, por exemplo. A questão da forma, do ataque, da dança coral, da dinâmica... isso pra mim é dança moderna. É uma dança que o corpo tá assim, esquelético-muscular mesmo. Ele não aspira os fluidos... os outros sistemas... uma inteligência mais no
101
nível celular... Mas, é interessante né? E é interessante você passar por isso. [...] Porque ela (dança contemporânea) é de agora. É muito recente! A dança moderna é recente. Você é uma pessoa moderna ou você é uma pessoa contemporânea? Por que não os dois? O que te interessa? Eu, na altura da minha idade, me interesso em inventar. Ir lá atrás, pegar alguma coisa guardada nesse baú corpo e trazer aqui para frente. [...] Como que posso trazer noções de uma técnica de dança, mais física, para o tempo de agora? Isso me interessa.
Embora seu interesse principal seja na Improvisação “como linguagem linkada
na composição” e alimentada pelo exercício da percepção de si, do outro, das coisas
e do espaço, Dudude utiliza na sua prática pedagógica elementos da dança
moderna por meio de sequências de movimento pré-elaboradas como um meio de
“construir memórias” que possam também integrar o repertório do improvisador.
Tendo apresentado as principais ideias extraídas da fala de Dudude e da
observação de sua prática pedagógica acerca da dialogia entre DC e ensino,
vejamos o que traz o próximo artista-professor.
3.3.3 Tuca Pinheiro: “Escolher a escuridão”
“Dispositivos contemporâneos de dança - Autonomia na criação e composição
coreográfica” e “Dispositivos contemporâneos de dança – A urgência/ineficiência no
processo criativo, o desdobramento do cotidiano, autonomia e coletivo, público e
privado”, são os nomes das duas residências artísticas propostas por Tuca Pinheiro
das quais participei no período de coleta das informações dessa pesquisa.
Começo a discorrer sobre a articulação da noção de DC à prática de ensino do
artista-professor a partir do apontamento dos nomes porque esses se constituem
como pistas para compreensão da mesma. Encontramos três questões recorrentes
nos nomes atribuídos às propostas que são fundamentais na sua prática docente:
dispositivos contemporâneos de dança, autonomia e criação, sobre as quais iremos
abordar ao longo do texto.
Encontramos também a ausência do próprio vocábulo dança contemporânea
para designar sua proposta, embora esta seja noção central no seu trabalho de
artista-professor. A respeito desse fato, Tuca diz que atualmente prefere não nomear
as propostas de residências por dança contemporânea para evitar a noção de “aula-
de-dança-contemporânea”, que por sua vez, favorece o entendimento de dança
contemporânea como uma técnica de dança com “códigos” e “registros” específicos,
102
com o qual não compactua. Nesse sentido, é bom lembrar que para Tuca não é a
dança que é contemporânea, mas o pensamento de quem a faz. Pensamento esse
que é “transformado em carne”. Nesse sentido, compactua com o pensamento de
Forsythe12, a quem atribui a seguinte reflexão:
Qualquer tipo de formação técnica de dança está a serviço da [...] organização do corpo. Mas a gente não pode também deixar de pensar que esse mesmo corpo que vai ser organizado por aquele tipo de formação, ele abriga um pensamento.
Por isso, para Tuca o que faz valer a ideia de DC nas práticas de ensino não é
a repetição de padrões de movimentos tacitamente reconhecidos como “dança
contemporânea”, quaisquer que sejam eles. O que faz valer é o próprio processo de
elaboração de um pensamento a partir de questões que são trazidas para discussão
e que é transformado em carne. Por isso o ponto central não é o ensino da técnica
de dança X ou Y, mas a coerência entre organização corporal e pensamento em
termos de criação de dança, sendo que essa não precisa se apresentar como
produto acabado no processo de residência.
Quando eu falo de Tuca Pinheiro como um artista-professor, esta é uma
designação que parte da leitura que faço da sua atuação como tal. Dialogando com
o mesmo sobre essa questão, ele diz: "Eu acho que sou um
artista/colaborador/dramaturgista”; em que para designar artista tem em vista o
princípio de criação. Colaborador designa o seu posicionamento como professor. A
dramaturgia é entendida como um procedimento para a organização dos materiais.
Não só os materiais envolvidos no processo de criação em seus trabalhos autorais
ou nos trabalhos de outros artistas nos quais cumpre a função de dramaturgista,
mas também os materiais envolvidos nas residências artísticas, como tem preferido
falar de suas proposições envolvendo prática docente (que para ele é antes de tudo,
prática artística compartilhada).
Enquanto ensino de dança [...] não dissociar esse momento do estudo, da aula, da criação. [...] E eu não sei, às vezes, eu fico pensando assim... o ensino né...ensino...o que é o ensino? Eu não gosto de falar muito assim, mas eu nunca pensei nisso, Flor. Assim... o que é que eu ensino? Eu acho que é o que eu compartilho com as pessoas. [...] Que também é um lugar que é uma escolha minha. De ter essa [...] via de mão dupla. [...] Eu proponho e deixo ser proposto.
12 William Forsythe. Tuca faz alusão à fala proferida por esse criador numa palestra recente no Brasil.
103
A residência é compreendida como um espaço de pertencimento de todos que
participam dela ao mesmo tempo em que a constitui. Para Tuca, assim como o
espaço cênico, o espaço da residência artística não é um espaço pronto a priori, é
um espaço em constante construção:
Então quando a gente fala que não é nem o movimento que modifica o espaço e nem o espaço que modifica o movimento, mas os dois se [...] codefinem, o que eu entendo na questão da residência é justamente isso. Porque são essas possibilidades de experiências que se realocam e constroem várias outras experiências, várias outras possibilidades.
Esse espaço de flexibilidade e de compartilhamento de ideias favorece a
construção de um conhecimento horizontalizado. A partir dessa premissa, Tuca
considera mais adequado para dizer de sua prática docente que, mais do que
ensinar alguma coisa, ele compartilha questões. Compartilhar, reconhece,
pressupõe uma via de mão dupla: propor e deixar ser proposto. Posicionar-se como
professor colaborador e não como aquele que legitima o que é bom ou ruim, certo
ou errado, ou que contenha a verdade final, é para ele uma atitude contemporânea.
No seu entendimento, é coerente que o professor que se propõe a abordar dança
contemporânea tenha essa atitude contemporânea.
Tuca considera fundamental para sua constituição de artista-professor ter
passado por aquilo que propõe. Mas não se trata de um registro de memória ou
mesmo de domínio do que propõe, mas de um entendimento daquela experiência
vivida, no sentido de que discurso e ação possam caminhar juntos.
E eu vejo o tanto que é importante quando eu vou propor alguma oficina, alguma residência ou alguma aula... o tanto que é importante que o meu corpo... ele passou por aquilo, assim... empiricamente falando, assim... [...] É uma experiência adquirida por ter feito aquilo também. Não no sentido de assim: ah, isso funciona ou não funciona! Mas para que no momento em que eu estou propondo ensinar ou compartilhar essas coisas, que as pessoas que estão ali comigo, que elas vejam aquilo no meu corpo. Que eu acho isso fundamental, sabe? Um entendimento adquirido por quem está propondo fazer aquilo. Não só pra mostrar. Não, mas assim... é a importância dessa coerência [...] do discurso e da ação.
Reconhecer-se como artista-colaborador-dramaturgista não é tomar para si um
acúmulo de funções, mas explicita o cuidado para que haja sentido de coerência e
continuidade no que propõe no processo de residência. Da mesma forma que há
esse cuidado no processo de criação a partir dos procedimentos da dramaturgia da
dança e do corpo que dança. Para compreender melhor no que implica a noção de
104
professor/dramaturgista, veremos brevemente como Hercoles (2011) trata dessa
questão. Vale ressaltar que a autora é uma referência apontada por Tuca e é
também uma parceira de trabalho. Sua acepção de dramaturgia está relacionada às
ideias da autora.
Para Hercoles (2011), dramaturgia pode ser entendida como composição das
ações. E ação em dança, por sua vez, implica na construção de especialidades e
competências táteis-cinestésicas. Por isso a noção de dramaturgia é especificada
como dramaturgia da dança e ainda como dramaturgia do corpo que dança. Nessa
perspectiva a ação corporal do dançarino não visa ilustrar um tema, mas dar
existência formal às discussões pretendidas, ressignificando as ideias no e pelo
corpo. Para Hercoles (2011, p. 5) “Cada gesto, cada ação ou movimento traz
encarnado, na sua execução, o seu significado”. Vale lembrar que para Tuca, a
dança contemporânea se propõe a discutir ideias. Desenvolver essas ideias,
qualquer que seja sua natureza ou de onde quer que venha, no e pelo corpo é uma
premissa nas propostas de residência de Tuca. Para Hercoles, dar existência formal
às discussões é conectar ideia e ação. Na dança essa conexão se dá a partir de
suas especificidades e das limitações simbólicas que são inerentes à sua forma de
traduzir essas ideias. Para Tuca a dança não é o meio mais eficiente para se contar
uma história, como o faz muito bem o cinema, por exemplo. Assim, em se tratando
de dança, e mais especificamente de dança contemporânea, a proposta é que essas
ideias sejam trabalhadas no e pelo corpo a partir de uma perspectiva não narrativa.
Compreender essa dramaturgia não só como a composição das ações, mas
também relacioná-la à razão das escolhas que as compõem, estimula
posicionamentos críticos que conectam forma e sentido. O questionamento acerca
das razões das escolhas e dos sentidos que elas podem trazer aproxima essa
dramaturgia de uma “dramaturgia da existência”. Para Tuca, questões artísticas
decorrem de questões existenciais. Essa ideia, que é premissa na sua prática
artística, também é premissa na sua prática docente. Nas residências que participei,
havia a proposição de abrir um campo para as questões existenciais por meio de
diários processuais, depoimentos e discussões de modo transversal a toda prática.
Vale apontar que, diferenciando-se de um procedimento de cunho terapêutico,
essas questões, que podem ser de cunho pessoal e íntimo, são desenvolvidas
artisticamente e muitas vezes de forma coletiva em prol de uma construção artística,
por vezes “despessoalizando” questões extremamente pessoais e construindo teias
105
de ações que deixam de ter compromisso com as “verdades de cada um”, para ir ao
encontro da “verdade da ação”, seja essa individual ou coletiva. O processo de
criação artística permite um jogo de autobiografia e ficção, verdade e mentira, fato e
devaneio, o que se vê com os olhos e o que se transvê com a imaginação.13
Tendo em vista que Tuca relaciona a concepção de dança contemporânea ao
desenvolvimento, em profundidade, de uma questão, nas residências o que se
coloca em discussão é tão importante quanto o “trabalho físico”. Na verdade, não há
uma divisão clara entre essas, pois o trabalho físico decorre das discussões postas,
assim como o trabalho físico pode suscitar discussões. As questões podem ser
questões do mundo ou do próprio corpo, sendo que essa divisão também é fictícia,
pois o corpo habita o mundo e o mundo habita o corpo.
De todo modo, o trabalho físico ao modo de treinamento corporal não é
colocado antes do processo de criação, mas junto a esse; treinamento corporal e as
ideias codefinem, juntas, a ação. Nesse caso, esse treinamento corporal não é
necessariamente pautado numa técnica de dança. Sobre o próprio processo como
artista em suas criações pessoais, Tuca diz que há casos em que é condição de seu
processo criativo não fazer aulas de dança. O que, por sua vez, reforça tanto a ideia
de que não são passos de dança que definem a dança contemporânea, assim como
a ideia de fazer dança a partir de elementos que estão fora da dança.
Buscar referências fora da dança para fomentar a dança é para Tuca um
pensamento contemporâneo. O mesmo esclarece que não se trata de buscar
referências de fora para legitimá-la, pois em se tratando de uma área do
conhecimento, a dança se legitima por si só. Para ele, se a dança se alimentar
somente dela mesma, isso pode gerar, numa proposta de ensino em dança
contemporânea uma formação limitante que acaba por legitimar um certo conjunto
de códigos e registros já consolidados e reconhecidos tacitamente como DC.
[...] porque se a gente começa... a dança se alimentando dela mesma... [...] eu acho até que isso é perverso. Dentro do processo de ensino... o que é que legitima para o aluno que aquilo é dança contemporânea? São os códigos? São os movimentos? Entende? Eu não acho que é só isso. [...] Ou a minha preocupação ela é só de fornecer para o aluno, para quem está interessado em estudar, algum tipo de referência que ele vá entender aquilo... (como dança contemporânea). Que na verdade, sou eu que estou legitimando aquilo enquanto dança contemporânea.
13 Alusão a Manuel de Barros. Trecho do Livro sobre nada (2000) citado em residência artística por Tuca: “O
olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.”
106
Assim como nas suas investigações pessoais, Tuca vem propondo nas
residências o que ele chama de dispositivos como estratégias para trazer outro tipo
de informação para o corpo, que não seja um tipo de informação identificada como
aula de dança contemporânea. Esses dispositivos podem ser, segundo ele,
somáticos, cinestésicos, assim como podem ser procedimentos das artes plásticas,
jogos teatrais, etc. Dos dispositivos possíveis, Tuca reconhece que no seu caso o
que é mais forte e significativo na sua prática é a observação do cotidiano. Quando
fala em cotidiano, se refere a tudo o que está presente nele, inclusive o cinema, as
artes plásticas, a geografia, a matemática, a física... Tudo isso traz a possibilidade
de buscar referências de contemporaneidade que não estão na dança, mas que
podem circular dentro dela.
Entretanto, as informações que vem da própria dança, como as diversas
técnicas de dança, continuam sendo uma possibilidade, desde que tenham uma
conexão com o que está sendo posto em discussão, já que para Tuca, como já
apontado anteriormente, a dança contemporânea não se propõe a negar aquilo que
se aprendeu, mas atua também como um sistema de realocamento dessas
informações em novos entendimentos.
3.3.3.1 Autonomia
Autonomia é uma noção fundamental no entendimento de articulação de DC e
ensino para Tuca. Essa terminologia, recorrente nas suas entrevistas, também
esteve presente nas duas residências propostas por ele, das quais participei. Ao
tratar de autonomia, vale ressaltar que para Tuca, da mesma forma que para o
artista é importante o exercício da autonomia para colocar suas ideias no mundo e
criar estratégias de produção de sua arte, é preciso ao professor exercitar essa
autonomia para constituir-se nesse perfil de professor colaborador. Assim, na sua
prática docente hoje, a autonomia do professor é condição necessária e
fundamental.
107
E na relação professor-aluno, como é tratada a questão da autonomia? Eu diria
que nas residências propostas por Tuca ela é relativa14 na medida em que ela se
organiza a partir de restrições previamente estabelecidas:
Eu proponho uma estrutura, que digamos assim, que seria o meu roteiro. Mas dentro do que eu estou propondo, qual que é o seu roteiro? Dentro daquela estrutura que eu estou propondo, o que é que te interessa discutir naquele momento?
Para Tuca a autonomia do aluno está imbricada na possibilidade de viabilizar o
desenvolvimento da inteligência corporal ao invés de adestramento físico. Nesse
sentido considera: “Os corpos são únicos, os corpos são singulares; o que funciona
no meu corpo não funciona no seu”. Cabe então ao professor fornecer dispositivos
ao aluno para que ele possa exercitar essa inteligência corporal, até para que
mesmo num processo de repetição de exercícios ou frases coreográficas ele possa
ser capaz de procurar um modo pessoal de se apropriar daquilo.
3.3.3.2 Rumo ao desconhecido
A prática pedagógica de Tuca, hoje num pensamento de residência artística,
utiliza elementos fundamentais do seu trabalho de artista-criador, como o exercício
da autonomia, a utilização de dispositivos diversos como estratégias, a observação
do cotidiano, o levantamento de questões/discussões... E acrescente-se a esses o
exercício fundamental de experimentar a escuridão, de mergulhar no desconhecido.
[...] para mim é muito honesto quando eu falo que às vezes eu começo a partir de algumas referências, mas o que me interessa é o lugar da escuridão. Não pra querer ser genial, pra querer trazer algo novo, mas me tirar de zona de conforto, seja como criador ou como proponente dessas residências.
Dessa forma, sua prática de ensino enfatiza os processos de criação, e mais
especificamente processos pautados na incerteza, no que não se sabe ainda. As
referências utilizadas, que são de diversas ordens, servem como estratégia para
questões emergirem, e não como programa a ser seguido ao modo de passo-a-
passo.
14 Vale lembrar que para Morin (2002), a autonomia é sempre relativa. Nesse sentido, eu diria que assim como
no caso do aluno, no caso do professor ela é também relativa, pois basta pensar que sua prática pedagógica parte do entendimento que tem acerca de DC. E assim sendo, ele escolhe elementos que se afinam com esse entendimento e não elementos quaisquer.
108
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No levantamento bibliográfico realizado sobre dança contemporânea, foram
encontradas ideias que se complementavam e ideias que se opunham, assim como
ideias que partilhavam de princípios comuns e ideias que partiam de princípios
absolutamente diferentes. E da mesma forma ocorreu com os artistas-professores
envolvidos na pesquisa.
As análises realizadas a partir do estudo de campo mostraram que a
pluralidade da dança contemporânea, bem como a inexistência de uma definição
única que possa constituir sua verdade última, também se faz presente para os
três artistas-professores. Esses fatos fazem com que as práticas de ensino a ela
relacionadas também sejam plurais. Verificar que as práticas de ensino observadas
possuem princípios e intencionalidades distintas me faz afirmar que não cabe um só
modo de se estruturar as práticas de ensino em dança contemporânea. Normatizar
seu ensino é arbitrário frente às suas múltiplas possibilidades. A ausência de um
entendimento único e fechado do que seja dança contemporânea, assim como a
possibilidade de invenção que ela traz, podendo inclusive não limitar seu fazer àquilo
que já é dado e reconhecido como dança, proporciona uma gama de possibilidades
não só na sua cena artística, mas também na estruturação das práticas de ensino a
ela relacionada.
Vale ressaltar que no que se refere às práticas de ensino, percebi que não só
as concepções de dança contemporânea de cada artista-professor são elementos
estruturantes, mas também as intencionalidades dos mesmos. Em outras palavras,
o que eles pretendem com suas práticas de ensino implica no que eles priorizam
e enfatizam nas mesmas. De um modo geral, é possível dizer que Arão enfatiza
o treinamento corporal; Dudude, a questão da sensibilização; Tuca, o processo
criativo.
Discorrendo mais sobre o que foi colocado acima, explicito que Arão
enfatiza o treinamento corporal em dança em função de uma estética específica,
visando um corpo ativo e capaz de atender às demandas de execução de danças
coreografadas naquela estética, bem como propostas criativas que se desenvolvem
a partir dos estados de corpo criados por aquele treinamento. Dudude, por sua
vez, privilegia o que ela chama de sensibilização, enfatizando a percepção de
109
si e do mundo via movimento. A criação, ou melhor, os assuntos da criação são
assuntos que emergem dessa percepção, do que advém do movimento. Já Tuca
organiza sua prática de ensino com foco na questão do processo criativo em dança
contemporânea a partir da maneira como o problematiza para si mesmo, buscando
elementos fora da dança para fomentar o fazer/criar da dança, e procura ir ao
encontro justamente do que ainda não está posto como tal.
Embora tenha identificado concepções e intencionalidades diferentes que
sustentam práticas de ensino distintas, foi possível identificar algumas questões em
comum. Uma delas é a relação traçada entre a dança contemporânea com o tempo
em que vivemos. Estar no mundo agora. Estar conectado como as questões do
mundo, estar antenado nos acontecimentos cotidianos. Mas o que significa isso? O
que tem o tempo presente que contamina/faz/preenche a dança contemporânea?
Qual é a relação desse tempo de hoje com essa dança? A admissão do caos, da
incerteza? A liberdade de criação? A capacidade de aceitação das diferenças? A
globalização e possibilidade de ver, ouvir, contatar várias fontes de informação?
A relação com o cotidiano é outra questão em comum identificada, embora
tratada de forma distinta em cada caso. Podemos compreender que o cotidiano,
inevitavelmente, já faz parte do contexto em que a dança e o dançarino se
constituem e não tem como haver separação. Entretanto, é a intencionalidade de
levar a dança para o cotidiano e o cotidiano para a dança que constitui a questão
identificada na fala e prática dos artistas-professores envolvidos na pesquisa.
Outra questão em comum, também conduzida de forma distinta nos três casos,
foi o apontamento da atitude investigativa como um princípio norteador na dança
contemporânea e nas práticas de ensino a ela relacionadas. Investigação pelo
corpo, no corpo e do próprio corpo; contudo, não necessariamente todas essas
formas são tratadas com a mesma ênfase por cada um dos artistas-professores.
Para compreendermos o que significa isso é necessário levar em conta que esse
corpo é corpo-mente/ambiente. Parafraseando Dudude para dizê-lo de outra forma,
é corpo mental e mente corporal; corpo/mundo e mundo/corpo.
Outro ponto de confluência entre a revisão bibliográfica, as falas dos artistas-
professores e as práticas de ensino observadas, foi a presença da abordagem
da educação somática. Ressalto, entretanto, que na prática de ensino, a mesma
aparece de diferentes formas para os artistas-professores, ou seja, não com o
110
mesmo fim e sob o mesmo discurso. Vejamos:
Embora Arão não utilize a educação somática propriamente dita como recurso
para sua prática de ensino, teve contato com práticas pautadas na mesma durante
seu processo de formação como bailarino, incorporando alguns princípios em seu
corpo e no modo de organizar um treinamento corporal. Isso contribui para sua
concepção de dança contemporânea e é retratado na busca por um jeito mais
saudável de se mover, que é levado para sua prática de ensino.
No caso de Dudude, a educação somática, em especial o BMC e práticas
atribuídas a Klauss Vianna, é um dos princípios estruturantes de sua prática de
ensino. Para ela, a relação dança/educação somática é uma forma de conectar arte/
vida. Inclusive, indica que a dança contemporânea que ela se interessa já carrega
consigo essa relação com a educação somática.
Para Tuca, embora não seja a única forma ou necessariamente a melhor, a
educação somática pode construir “corporalidades” para a dança contemporânea,
como o faz as lutas e variadas técnicas de dança, entre outros. Na sua prática
de ensino, procedimentos advindos da educação somática podem servir como
dispositivos para fazer dança a partir do que não está dado como tal; podendo trazer
ao invés de passos de dança codificados, estados corporais.
Retomando a discussão sobre a complexidade da dança contemporânea,
ao afirmar que ela é complexa, penso na sua constituição como uma trama
diversificada em que o que é tecido em conjunto cria essa unidade dança
contemporânea, que por sua vez se desdobra em pluralidades que são as próprias
teias que a constitui. Por isso desvelar a diversidade que a tece é uma forma de
compreendê-la.
As diversas concepções encontradas sobre a dança contemporânea apresenta
um panorama de aproximações, oposições, contradições. O fato dos artistas-
professores apontarem pistas acerca de sua identificação com certos modos de
pensar-fazer em dança contemporânea e o distanciamento com outros, me leva
a considerar que nesse emaranhado que é a dança contemporânea seja possível
distinguir grupos de afinidades. Compreender a partir de quais princípios cada grupo
de afinidades se organiza seria de grande valia para questionarmos que tipo de
prática de ensino os mesmos podem suscitar.
111
Ao levar em consideração as diferentes concepções trazidas pelos artistas-
professores, outra questão se coloca: Será que outros professores que tenham
concepções de dança contemporânea afins, organizariam suas práticas de ensino
de modo semelhante? Será que privilegiariam nas suas práticas de ensino os
mesmos aspectos enfatizados por nossos artistas-professores? Eu diria que não
necessariamente! Para responder negativamente as questões postas, parto da
seguinte hipótese: ao transpor didaticamente sua concepção, além do aspecto da
intencionalidade (quais são os objetivos do professor? o que ele pretende com sua
prática de ensino? o que considera mais importante?), há outro fator mais silencioso
e implicado a esse: a teoria educacional que subjaz a prática de ensino do professor,
fazendo com que ele a organize da forma que o faz (mesmo que não tenha
consciência disso). Pensando nisso, seria também de grande contribuição para a
área a realização de uma pesquisa que verificasse a veracidade ou não da hipótese
lançada, e, para tanto, elegesse professores de dança que tenham concepções
afins sobre dança contemporânea para verificar como essas práticas se dão. Ou
ainda, tomar vários professores com concepções diversas e investigar se para cada
concepção de dança contemporânea (por grupos de afinidade), haveria uma teoria
educacional predominante.
Bom, essas são questões que poderiam ser investigadas em pesquisas futuras;
são questões que me ocorrem ao findar a presente pesquisa.
O esforço de aproximação com as ideias de Morin e principalmente com a
ideia de complexidade foi sendo apresentado ao longo do texto, buscando articulá-
la às análises realizadas. A perspectiva de Morin acerca do mundo, do homem e
da ciência na construção do conhecimento embasou o meu modo de pensar/fazer a
pesquisa, assumindo a minha implicação e compromisso como pesquisadora a partir
dessa perspectiva. A noção de complexidade iluminou o modo de ver/apreender
meu objeto da pesquisa.
Experienciar, analisar e compreender as práticas dos artistas-professores me
fez refletir sobre as minhas escolhas, colocando-me assim não só num exercício
de crítica, mas de autocrítica. Fez com que novas questões fossem levantadas e
assim sendo, outros interesses se apresentaram e outras possibilidades se abriram
para mim. Da mesma forma, espero que a análise aqui posta possa servir para a
reflexão e para o levantamento de outras questões para quem a lê a partir de suas
112
experiências e a ilumina pela dúvida, alimento do pesquisador.
Por fim, relembro ao leitor que a pesquisa realizada é localizada num campo
de ideias em movimento. Teci aproximações com a perspectiva e a prática de
ensino de artistas-professores atuantes. Por isso mesmo, é possível (e provável),
a transformação das ideias, dos interesses, dos modos de ensinar e compartilhar.
Optei por tratar da articulação entre dança contemporânea e prática de ensino
a partir do que se dá no tempo e no contexto próximo a mim; na prática. E essa
prática, ou melhor, essas práticas, não são cristalizadas. Elas são passíveis de
transformação; e é bom lembrar que o que permanece, só permanece porque se
transforma, porque estabelece trocas. E que assim seja...
113
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APÊNDICE I:
TERMO DE CONCENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE
124
Universidade Federal da Bahia
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo convidada(o) a participar de uma pesquisa cujo título provisŕio é “Danças contemporâneas: uma análise de práticas de ensino em Belo Horizonte/MG”, em virtude de sua atuação profissional. A pesquisa está sendo desenvolvida pela mestranda e pesquisadora Flor Murta sob a orientação da Professora Dra. Leda Maria Muhana Martinez Iannitelli (PPGDança - UFBA).
A sua participação não é obrigatória sendo que a qualquer momento da pesquisa você poderá desistir e retirar seu consentimento. Sua recusa não trará nenhum prejuízo para sua relação com a pesquisadora ou com a UFBA. A sua participação, bem como a de todas as partes envolvidas será voluntária, não havendo remuneração para tal.
O objetivo geral da pesquisa é compreender como as concepções acerca de dança contemporânea de artistas-docentes residentes e atuantes em Belo Horizonte/MG se articulam às suas práticas de ensino.
Caso você decida aceitar o convite, será submetido(a) a duas (ou mais, se for o caso) entrevistas. As entrevistas, caso você permita, serão áudio e vídeogravadas. Além disso, a pesquisadora acompanhará algumas aulas ministradas por você.
Os riscos relacionados com sua participação são mínimos, como sentir-se constrangido ao responder às questões propostas na entrevista, ao ter sua voz audiogravada ou sua imagem videogravada. A fim de minimizar estes riscos, você terá acesso às transcrições e edição das imagens, podendo solicitar cortes ou exclusão de conteúdos com os quais discordar, no que será prontamente atendido. Além disso, durante a entrevista você poderá se negar a responder a algumas questões propostas. A utilização do material será feita conforme a resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.
125
Pela natureza da pesquisa, você poderá ser identificado. Entretanto, todas as informações serão utilizadas somente para fins científicos e didáticos. Os resultados e análises provenientes dessa pesquisa poderão ser apresentados em seminários, congressos e similares.
Não está previsto ressarcimento e/ou indenização por sua participação, mas em qualquer momento se você sofrer algum dano, comprovadamente decorrente desta pesquisa, terá direito a solicitar indenização.
Sabendo que as entrevistas centralizadas e narrativas de história de vida, bem como as videogravações e audiogravações geralmente apresentam grande volume e riqueza de informações, solicitamos sua autorização para que este material seja guardado para utilização posterior, em novas pesquisas, resguardando-se, para tal, todos os cuidados éticos explicitados na Resolução CNS 466/12 e descritos acima.
Você receberá uma cópia deste termo onde constam o endereço, o telefone e o e-mail do pesquisador principal, podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sobre sua participação, agora ou em qualquer momento.
Responsável pelo Projeto: Flor Murta.
Orientadora: Profª Dra. Leda Muhana Martinez Iannitelli.
Endereço: Rua Arquimedes Gonçalves, 526 - apto 202 - Jardim Baiano -
Salvador /BA.
Telefone: (31) 9367-8805.
E-mail: [email protected]
Declaro que entendi os objetivos, a forma de minha participação, os riscos da
mesma e aceito o convite para participar. Autorizo a guarda de todo o material
produzido, bem como a publicação dos resultados da pesquisa.
.
Nome do sujeito da pesquisa: ____________________________-------______
Assinatura do sujeito da pesquisa: ______________________________
Data:__________________________
126
APÊNDICE II:
PESQUISA DE CAMPO – APREENSÃO DAS INFORMAÇÕES
127
PESQUISA DE CAMPO – APREENSÃO DAS INFORMAÇÕES
1 ENTREVISTAS
Arão: 1 entrevista – duração: 2h 5 min. Páginas transcritas: 32. Data /Local de realização: 20/11/2013 – Sede do Coletivo Movasse.
Dudude: 1ª entrevista – duração: 25 min. Páginas transcritas: 13. Data /Local de realização: 19/07/2013 – Residência da artista.
2ª entrevista – duração: 42 min. Páginas transcritas: 11. Data /Local de realização: 20/07/2013 – Residência da artista.
Tuca: 1ª entrevista – duração: 50 min. Páginas transcritas: 13. Data /Local de realização: 20/12/2012 – Residência do artista.
2ª entrevista – duração: 1h 5min. Páginas transcritas: 20. Data /Local de realização: 16/01/2014 – On line – Via Skype.
2 OBSERVAÇÕES IN LOCUS
Arão:- Aulas regulares de dança contemporânea. Local: Centro Artístico de Dança/
Movasse. Duração: aproximadamente 24h/a. Data: 2013.
Dudude:
- Oficina: “Criação, improvisação e consciência”. Duração: 30h/a.
Data: Nov/2012 – FUNARTE/MG.
- Oficina: “Encontro prático com Dudude”. Duração: 20h/a. Data: 18 a 20 de
julho de 2013, Atelier de Dudude.
128
- Aulões Temáticos: “Consciência x Movimento”; “Espaço x Movimento”;
“Espaço x Criação”; “Consciência x Percepção x Improvisação I”;
“Consciência x Percepção x Improvisação II”. Duração: 18h/a. Data: março a
dezembro de 2013.
Tuca:
- Oficina: “Dispositivos contemporâneos de dança / Autonomia na criação e
composição coreográfica. Duração: 20h/a. Local: FUNARTE – 06 a 10 de
agosto de 2012.
- Oficina: “Dispositivos contemporâneos de dança/A urgência/ ineficiência
no processo criativo / O desdobramento do cotidiano / Autonomia e coletivo/
Público e privado”. Duração: 24h/a. Local: SESC Palladium/MG – 23 a 28 de
ABRIL de 2011.