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UNIVERSIDADE DO CONTESTADO - UnC CURSO DE PSICOLOGIA
GRASIANE HELENA FROGGEL
OS TABUS EM FAMLIAS DE SUICIDAS
MAFRA 2007
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GRASIANE HELENA FROGGEL
OS TABUS EM FAMLIAS DE SUICIDAS
MAFRA 2007
Trabalho de Concluso de Curso apresentadocomo exigncia para a obteno do titulo de Psiclogo, do curso de Psicologia, ministrado pela Universidade do Contestado UnC Mafra. Professor Orientador: Ms. Cludio Luis da Cunha Gastal - CRM/SC 4803.
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RESUMO
O objetivo inicial desta pesquisa era avaliar a aplicabilidade do ESAP (Entrevista Semi-estrutura de Autpsia Psicolgica) como um facilitador teraputico para um grupo de sobreviventes. Entretanto, aps as tentativas sem sucesso de formao do grupo, a pesquisa foi reformulada para a busca de motivos para a no participao do grupo por estes sobreviventes, e assim poder apontar os tabus dentro da prpria famlia do suicida, e como estes interferem nas atitudes e nos sentimentos desta em relao ao falecido. A partir das entrevistas realizadas com os familiares, foi possvel delinear categorias e subcategorias de motivaes destes, com a aplicao da Anlise de Contedo de Bardin, e recortar as entrevistas com falas que justifiquem as categorias selecionadas. E ainda concluir possveis intervenes que podem ser realizadas com esta populao, sendo feita logo aps o suicdio para que possveis tabus e luto patolgico no sejam vividos pelos familiares. Palavras-chave: Suicdio, Sobreviventes, Tabus na famlia.
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ABSTRACT
The initial objective of this research was to evaluate the applicability of ISPA (Interview Semi-structure of Psychological Autopsy) as a facilitator therapeutic for a group of survivors. However, after the unsuccessful attempts of formation of the group, the search has been redrafted to search for reasons for the non-participation of the group for these survivors, and thus can indicate the taboos within the family of suicide, and how these affect attitudes and feeling this in relation to deceased. From interviews conducted with the family, it was possible to delineate categories and subcategories of these motivations, with the implementation of the Content Analysis of Bardin, and cut the interview with words that justify the selected categories. And yet finished possible interventions that can be performed with this population, being made immediately after the suicide that possible taboos and pathological mourning are not experienced by relatives. Keywords: Suicide, Survivors, Taboos in the family.
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SUMRIO
1 INTRODUO .........................................................................................................6
2 REFERENCIAL TERICO.......................................................................................8
2.1 SUICDIO ...........................................................................................................8
2.1.1 Dados Epidemiolgicos...............................................................................9
2.2 SOBREVIVENTES...........................................................................................16
2.3 O LUTO PSICOLGICO.................................................................................17
2.3.1 O luto dos sobreviventes...........................................................................20
2.4 REAES COMPORTAMENTAIS DA FAMLIA DE SOBREVIVENTES.........21
2.4.1 O aspecto religioso do suicdio .................................................................23
2.4.2 O aspecto social da famlia .......................................................................25
3 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS...............................................................26
4 RESULTADOS E ANLISES ...............................................................................28
4.1 RESULTADOS ................................................................................................28
4.1.1 Delineamento das Famlias Observadas, obtido atravs da observao
participante.........................................................................................................28
4.1.2 Categorias e Subcategorias ......................................................................31
4.2 ANLISES .......................................................................................................43
5 CONCLUSO E CONSIDERAES FINAIS........................................................45
6 REFERNCIAS......................................................................................................47
7 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ...........................................................................50
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1 INTRODUO
A presente pesquisa teve como objetivo inicial formar um grupo de
sobreviventes (pessoas que perderam um amigo ou parente por suicdio) e avaliar
se o instrumento Entrevista Semi-Estruturada de Autpsia Psicolgica (ESAP)
poderia ser um facilitador teraputico neste grupo, j que se trata de uma entrevista
semi-estruturada para casos de suicdio que aborda temas relacionados ao suicdio:
motivadores, precipitadores, letalidade e intencionalidade, e que traa o perfil
psicolgico do suicida; caractersticas essas que poderiam fazer com que atravs do
relato destes temas, os sobreviventes pudessem refletir sobre o suicdio do amigo
ou familiar. Aps pesquisa junto Polcia Civil dos casos de suicdio ocorridos nos
anos de 2004, 2005 e 2006, foram encontradas seis famlias, as quais, aps a
exposio dos objetivos da pesquisa foram convidadas a participar do grupo.
Contudo, poucas pessoas compareceram, e mesmo aps diversos contatos, o
grupo foi progressivamente se esvaziando. Sendo assim, refletiu-se sobre as
hipteses do por que estas pessoas no estavam vindo participar do grupo, j que
um servio gratuito e com um objetivo teraputico vlido. Para que estas hipteses
(como por exemplo: a figura do suicida como se fosse um fantasma; dificuldade do
luto, dicotomia entre a lembrana da pessoa e eliminar a sua figura, que acaba por
gerar culpa; a presena da figura do suicida como algo desestruturante) fossem
confirmadas ou refutadas, foram realizadas novamente visitas as famlias que
haviam sido contatadas no incio do projeto, para que estes pudessem falar sobre
quais seriam as motivaes para no participar do grupo. Desse modo, o objetivo
inicial da pesquisa que era de verificar o potencial teraputico do ESAP em casos de
suicdio, foi redirecionado para a compreenso dos motivos que estavam levando as
pessoas a no participarem do grupo.
Assim, foi reformulado o problema de pesquisa para: as famlias que
perderam algum parente pelo suicdio apresentam tabus (tabu, segundo o Dicionrio
Larousse, 2004: qualquer coisa inviolvel, proibida ou interdita; objeto dessa
proibio) em relao ao suicida e dificuldades da elaborao do luto pela perda
dele?
Sabe-se que h pouca divulgao e literatura em relao a trabalhos
realizados com familiares de pessoas que cometeram suicdio, e mesmo sabendo o
quo importante a realizao de uma mobilizao da sade pblica para a
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preveno do suicdio, tambm se v a importncia de dar suporte aos familiares de
pessoas que j cometeram o suicdio (seguindo o raciocnio de que para cada
suicida, pelo menos 4 pessoas prximas so afetadas). Estas famlias se tornam
estigmatizadas perante a sociedade e dentro dela prpria sendo que a ateno
voltada a elas se torna uma preveno morbidade psiquitrica que se encontra
nestas famlias.
A partir deste pensamento a tentativa de formar um grupo teraputico e
operativo com estas famlias tende ao fracasso, pois dentro das prprias evitado
falar sobre o assunto, lembrar da pessoa que morreu e discutir isto com pessoas
que j passaram por esta mesma situao.
Na sociedade em que vivemos que sofre uma grande influncia de tabus
religiosos, morais e culturais, percebe-se que at mesmo as famlias que sofrem
com a perda de um parente pelo suicdio costumam adquirir uma postura de
preconceito, mesmo que inconsciente, pois se fosse consciente seria doloroso
demais para ser agentado. Portanto, atravs das narrativas que se seguiram
durante a aplicao deste projeto foi possvel perceber o quanto difcil aceitar o
suicdio e principalmente encarar o suicida como um morto comum.
A partir do redelineamento da pesquisa, o objetivo passou a ser apontar os
tabus existentes dentro de famlias que perderam parentes pelo suicdio. E dentro
deste objetivo buscar identificar quais seriam os tabus dentro da famlia de um
suicida; definir possveis intervenes que possam ser realizadas a partir da
identificao destes tabus e verificar quais seriam os momentos adequados em que
se possa propor o trabalho teraputico nestes casos.
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2 REFERENCIAL TERICO
2.1 SUICDIO
Existem muitas definies para o que significa o suicdio, mas Werlang (2000)
cita a definio de Sneidman, que esta autora considera uma das mais adequadas:
a ato humano de cessao auto infligida, intencional que pode ser mais bem
compreendido como um fenmeno multidimensional, num individuo carente que
define uma questo, para qual o suicdio percebido como a melhor soluo. Ou
seja, cometer o suicdio envolve terminar intencionalmente com a prpria vida. Ou ento de acordo com e definio de Durkheim (2000, p. 14): Chama-se de suicdio
todo caso de morte que resulta direta ou indiretamente de um ato, positivo ou
negativo, realizado pela prpria vtima e que ela sabia que produziria esse
resultado.
O suicdio contempla uma dimenso central relacionada ao sofrimento
(WERLANG e BOTEGA, 2003). Sendo assim, pode-se pensar que o sofrimento leva
o individuo ao ato suicida, implica no sofrimento resultante do enfrentamento
familiar frente ao suicdio de um de seus membros, assim como conseqncias
sociais que tal ato provoca (WERLANG e BOTEGA, 2003, p. 89).
Ao se tentar entender como estaria a mente de uma pessoa suicida,
Bromberg e seus colaboradores (1996) dizem que a histria de um suicida se inicia
desde o inicio de sua vida, em modelos de comportamento que a famlia e a
sociedade produzem. Para Durkheim, em seu livro O suicdio (2000), evidencia-se
sua opinio, baseada em pesquisas sociolgicas, sobre a determinao de fatores
econmicos e sociais em relao conduta suicida. Segundo ele, cada estrutura
social ocasiona uma determinada tendncia ao suicdio, o qual s pode ser
entendido dentro desse contexto social, no seu momento histrico, econmico e
cultural. A compreenso da interelao entre tais fatores e o suicdio necessita de
dados concretos sobre a conduta suicida, baseados em pesquisas epidemiolgicas
a respeito do tema. Portanto, se faz importante fazer uma explanao sobre os
dados epidemiolgicos disponveis a respeito do suicdio, nas mais diversas
sociedades, nas diversas culturas e padres socioeconmicos do Mundo, e at na
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realidade da sociedade mafrense. Werlang (2000) cita que o suicdio fica entre as 10
principais causas de morte no mundo, para indivduos de todas as idades, e entre a
segunda ou terceira, para a faixa de 15 a 34 anos.
Para Werlang (2000), os dados demogrficos, tais como sexo, idade, mtodos
adotados, incidncia de doena mental e propenso ao suicdio associada as
circunstncias da vida, utilizados na avaliao do potencial suicida, justificam a
necessidade de tratar o grupo de suicidas fatais e no-fatais como duas populaes
diferentes, tanto em termos destes fatores como do grau da inteno suicida. Por
isso nesta pesquisa houve a inteno de buscar fatores de suicidas fatais.
O suicdio tem sido visto pela Organizao Mundial de Sade (2007), como
um problema de sade pblica grave, pois seu ndice mundial tem aumentado de
modo constante principalmente entre jovens, a ponto de considerar-se estar
gradativamente ocorrendo uma mudana de perfil epidemiolgico do suicdio, o qual
tradicionalmente apresentava maior taxa entre pessoas idosas. Em toda a literatura
pesquisada, a epidemiologia do suicdio dada em taxa de suicdio, e no em
termos de prevalncia ou incidncia; embora a rigor, possa ser considerada taxa de
incidncia.
2.1.1 Dados Epidemiolgicos
A pesquisa sobre taxas de suicdio tem sido em muito prejudicada pela
subnotificao de suicdio, como assinalam vrios autores (ATKINSON et al, 1975;
CASTRO e MARTINS, 1989), o que em parte explicaria a diferena entre as taxas
de suicdio de paises desenvolvidos e no desenvolvidos, j que os pases
desenvolvidos apresentam melhor estrutura de servios epidemiolgicos (GROSSI,
MARTURANO e VANZAN, 2000). Em termos mundiais gerais, segundo a OMS, a
taxa de suicdio entre 1950 e 1995 evoluiu de 16,5/100.000 habitantes para 24/
100.000 habitantes para homens e de 5/100.000 habitantes para 6,8/100.000 para
mulheres. Segundo Brown (2001) a estimativa da OMS de que 1.000.000 de
pessoas se suicidem a cada ano, sendo a expectativa para 2020 de 1.500.000
pessoas/ano. Ainda segundo a autora, reforada por Deck (1988), existe uma clara
tendncia de aumento das taxas de suicdio entre jovens, tendo o suicdio tornado-
se partir do ano de 2000, uma das trs primeiras causas de morte entre adultos
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jovens no mundo inteiro. A maior tendncia no aumento das taxas de suicdio tem
se dado em pases desenvolvidos, embora os paises no desenvolvidos tambm
apresentem aumento (KRYZHANOVSKAYA e PILIYAGINA, 1999). Existe uma
tendncia a classificarem-se as taxas de suicdio em baixas, mdias e altas, sendo
as baixas menores que 8/100.000, as mdias entre 8 e 16/100.000 e as altas
maiores que 16/100.000. Em levantamento da OMS, citado por Brown (2001), paises
da Amrica Latina, do Oriente Mdio, Inglaterra e Grcia apresentam ndices baixos.
Estados Unidos, Canad, Austrlia, ndia, Portugal, Espanha, Alemanha, Itlia,
Polnia, Sucia e Noruega apresentam taxas mdias; e Federao Russa, Pases
Blticos, Finlndia, China, Japo, ustria, Sua e Frana, taxas altas As diferenas
entre pases so muito grandes, embora, no todo, com taxas baixas ou altas, a
tendncia geral a do aumento destas (GROSSI, MARTURANO e VANZAN, 2000).
Em um artigo Davis (2002) correlacionou os ndices brutos de suicdio fornecidos
pela Organizao para o Desenvolvimento Econmico e Cooperao com a latitude
em que viviam as pessoas que haviam cometido suicdio, tendo encontrado uma
relao linear positiva entre latitude e taxa de suicdio.
- Dados relativos a pases especficos: Principalmente na Europa o suicdio tem sido motivo de grande preocupao. Pelo aumento de suas taxas de modo mais
significativo que em outros pases ( exceo da Inglaterra). A seguir damos alguns
dados epidemiolgicos extrados das estatsticas da OMS:
TAXA SUICDIO/100.000 HAB. PAIS ANO TOTAL MASC FEM FINLNDIA 2000 22.5 34,6 10,9 SUCIA 1999 13,8 19,7 8,0 ITLIA 1999 7,1 11,1 3,4 REINO UNIDO 1999 7,5 11,8 3,3 ESPANHA 1999 8,1 12,4 4,0 FED. RUSSA 2000 39,4 70,6 11,9
Em dados adicionais temos, conforme La Vecchia (1994), em estudo
abrangendo os anos de 1985 a 1989, que na Finlndia a taxa de suicdios (por
100.000 habitantes) foi de 37,2 para homens e 11,4 para mulheres; que na Hungria
foram de 52,1 para homens e 17,6 para mulheres, e que no Sri Lanka foram de 49,5
para homens e 19,0 para mulheres. DAvano (1993) relata que na Itlia, entre os
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anos de 196-1969 as taxas totais de suicdio/100.000 habitantes foram de 6,7 para
homens e 2,7 para mulheres; e que em 1985-87 foram de 9,2 para homens e 3,2
para mulheres, o que significa um aumento de 35% para homens e 15% para
mulheres. Diekstra (1985) refere que na Itlia que entre 1986 e 1996 nas faixas
etrias de 15-24 anos e 25-44 anos as taxas de suicdio subiram em 2,76 casos por
100.00 habitantes e 1,60 casos por 100.000 habitantes; enquanto que em idades
maiores que 45 anos tais taxas decresceram e em idades inferiores a 15 anos
permaneceram estveis, confirmando um aumento das taxas de suicdio
concentradas nas camadas jovens da populao. Kryzhanovskaia e Pilyagina (1999)
fornecem dados a respeito da Ucrnia, sendo que em 1998 a taxa geral de suicdio
foi de 29,6/100.000 habitantes; e que entre 1988 e 1997 ocorreu um aumento de
57,2% nas taxas de suicdio neste pas. Segundo McClure (2000), a Inglaterra e
Pas de Gales seriam excees frente s taxas globais crescentes, pois as taxas de
suicdio para homens declinaram de 12/100.000 para 10,3/100.000 entre 1990 e
1997, um decrscimo de 14%; e as taxas para mulheres passaram de 3,7/100.000
para 2,9/100.000 no mesmo perodo; um decrscimo de 15%. Na Espanha, Ruiz
(1999) em pesquisa realizada na Andaluzia avaliando as tendncias por mortalidade
por suicdio de 1976 a 1995 assinalam que embora na Espanha as taxas de suicdio
sejam inferiores mdia das taxas da Unio Europia, a tendncia de mortalidade
por suicdio tem sido crescente. As taxas brutas de suicdio para maiores de 14 anos
passaram de 12,2/100.000 em 1976 para 17,31/100.000 em 1995 em relao aos
homens e de 3,74/100.000 para 4,76/100.000 em relao s mulheres.
Em relao Amrica do Norte os relatos so de taxas de suicdio
estveis nos ltimos anos, embora com um aumento destas taxas nas reas rurais
(NACHMAN et al, 2002). Segundo a OMS temos as seguintes taxas para estados
Unidos e Canad:
PAS ANO TOTAL MASC FEM
ESTADOS UNIDOS 1999 10,7 17,6 4,1
CANAD 1998 12,3 19.5 5,1
Em pesquisa realizada no condado de Travis, Texas, no perodo de 1994-
1998, Li e colaboradores (1998) encontram uma taxa de suicdio mdia de
13/100.000. Em estudo realizado na Austrlia, (CANTOR et al, 1999) refere que em
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todas as idades houve, entre 1994 e 1996 um aumento dos ndices de suicdio
masculinos de 19/100.00 para 24/100.000 e uma diminuio das taxas femininas de
10/100.000 para 8,2/100.000. Contudo, na faixa etria de 15-24 anos a taxa de
suicdio masculino subiu de 11,00 para 32 e a feminina de 6,8 para 7,2. Entre as
idades de 25-34 anos a taxa masculina subiu de 24 para 38 e a feminina decresceu
de 10 para 8,7. Entre 35-44 anos a taxa masculina decresceu de 31 para 29 e a
feminina de 16,8 para 8,7. Nas faixas etrias superiores houve um declnio das taxas
tanto femininas como masculinas. Borges (1996) relata em estudo realizado no
Mxico, abrangendo os anos de 1970 a 1994, um aumento da taxa de suicdio de
1.13 para 2,89, o que representa um aumento de 156% em 24 anos. Relata tambm
que em 1970 a mortalidade proporcional por suicdio era de 0,11% e que em 1994
passou para 0,62%. Dudley (1997) revela que na Austrlia as taxas de suicdio
masculina na faixa etria de 15-24 anos, entre 1964 e 1993, cresceram 2,2 vezes
em reas metropolitanas; 4 vezes em cidades entre 25.000 e 4.000 habitantes e 12
vezes em cidades com menos de 4.000 habitantes. Nachman e colaboradores em
pesquisa realizada em Israel constataram que entre 1985 e 1997 ocorreu um
aumento na taxa geral de suicdio de 6 para 8. Phillips (2002) avaliando a variao
dos ndices de suicdio na China continental estimaram uma taxa mdia anual de
suicdio de 23, mas o ndice feminino 25% maior que o masculino, uma exceo
tendncia geral.
- Dados relativos ao Brasil: Grossi e colaboradores (2000), em reviso de literatura sobre epidemiologia do suicdio assinalam uma taxa de suicdio no Brasil, de 1980,
de 3,97, taxa esta considerada baixa. Souza (2002) em estudo sobre suicdio em
jovens em 11 capitais brasileiras, constatou um aumento mdio da taxa, nos anos
de1979 a 1998, de 3,5 para 5, mas assinalam, citando Cassorla, que as taxas
brasileiras devem ser cerca de dez vezes maiores que as encontradas em estudos
devido subnotificao de suicdios. Marn Leon (2003) em estudo realizado em
Campinas-SP correlacionando mortes por suicdio, gnero e nvel scio econmico,
constatam que a mortalidade geral por suicdio em Campinas baixa (menos que 5
bitos/100.000 habitantes) e, entre outros dados, apresentam a seguinte tabela:
Mortalidade por suicdio do sexo masculino em estratos de nvel scio-
econmico homogneo segundo faixa etria, em Campinas, 1996-2001:
-
Faixa etria
Extrato1 Extrato 2
Total bitos Coeficiente mdio anual
Total bitos Coeficiente mdio anual
15-34 17 6,84 24 9,06
35-54 27 14,04 13 9,04
55 e + 17 12,51 6 13,23
Obs.: extrato 1 melhor nvel scio-econmico, extrato 2: pior nvel scio-econmico.
No tendo sido localizada uma pesquisa mais abrangente sobre dados
brasileiros, Gastal (2004) recorreu aos dados do DATASUS e IBGE nos seus
respectivos sites na internet. Do DATASUS utilizando os dados de suicdio de 1991
categoriza-se por regio brasileira e faixa etria e os dados de 2000 categorizados
pelos mesmos critrios. Do IBGE selecionaram-se os dados populacionais do censo
de 1991 segundo regio brasileira (no foi possvel obter a distribuio por faixa
etria) e os dados populacionais do censo de 2000 segundo regio brasileira e faixa
etria. A no obteno dos dados por faixa etria do censo de 1991 impediu o
clculo das taxas de suicdio por faixa etria deste perodo, o que levou, para termos
comparativos, que expressasse os ndices percentuais por faixa etria e no as
taxas por 100.00 habitantes. O cruzamento dos dados levou s seguintes tabelas:
Tabela 1: Comparao entre 1991 e 2000 das taxas de suicido brasileiras e regionais, por gnero. 1991 2000 DIFERENA
TOTAL 3,53 3,99 + 0,46 HOMENS 5,49 6,46 + 0,97
BRASIL
MULHERES 1,61 1,60 - 0,01 TOTAL 2,46 2,89 + 0,43 HOMENS 3,76 4,45 + 0,69
REGIO NORTE MULHERES 1,09 1,28 + 0,19
TOTAL 1,78 2,38 + 0,6 HOMENS 2,74 3,73 + 0,99
REGIO NORDESTE MULHERES 0,88 1,06 + 0,18
-
TOTAL 3,48 3,47 - 0,01 HOMENS 5,51 5,68 + 0,07
REGIO SUDESTE MULHERES 1,50 1,36 - 0,14
TOTAL 7,48 8,10 + 0,62 HOMENS 11,87 13,33 + 1,46
REGIO SUL
MULHERES 3,46 1,23 - 2,23 TOTAL 4,2 6,22 + 2,02 HOMENS 6,38 9,47 + 3,09
REGIO CENTRO-OESTE MULHERES 1,95 2,69 + 0,74
Tabela 2: Comparao dos percentuais de suicdio brasileiros por faixa etria de entre 1991 e 2000 IDADE
ANO
5 14 ANOS
15-24 ANOS
25-34 ANOS
35-44 ANOS
45-54 ANOS
55-64 ANOS
65 74 ANOS
75 ANOS OU MAIS
1991
1,46% 20,72% 25% 18,24% 13,88% 10,31% 6,69% 3,68%
2000
1,23% 20,38% 21,7% 20,80% 15,25% 10,12% 6,4% 4,28%
DIFERENA - 0,23%
- 0,34%
- 0,33%
+ 2,56%
+ 1,37%
- 0,19%
-0,29%
+ 0,6%
Tabela 3: taxa de suicdio/100.000 habitantes segundo faixa etria em 2000
IDADE
ANO
5 14 ANOS
15-24 ANOS
25-34 ANOS
35-44 ANOS
45-54 ANOS
55-64 ANOS
65 74
ANOS
75 ANOS
OU MAIS
2000 0,24 4,05 5,47 6,18 6,55 6,82 6,86 7,17
- Dados relativos ao estado de Santa Catarina: Gastal (2004), no encontrando dados na literatura a respeito do Estado de Santa Catarina, motivo pelo qual se
utilizou dos dados disponveis nos sites do DATASUS e IBGE, cruzando-os do
mesmo modo como foi feito em relao ao Brasil e comparando os dados do estado
com os da regio e os do pas, obteve as seguintes tabelas:
-
Tabela 1: Diferena entre as taxas de suicdio totais e por sexo no estado de Santa Catarina entre os anos 1991 2000
Tabela 2: Comparao dos percentuais de suicdio do estado de Santa Catarina entre os anos de 1991 e 2000 ANO TOTAL HOMENS MULHERES 1991 7,45 11,99 2,44 2000 8,00 13,64 2,42 DIFERENA + 0,75 + 1,65 - 0,02 Tabela 3: Tabela comparativa entre as taxas de suicdio brasileira, da Regio Sul de Santa Catarina, total e por gnero, entre os anos de 1991 e 2000. IDADE
ANO
5 14 ANOS
15-24 ANOS
25-34 ANOS
35-44 ANOS
45-54 ANOS
55-64 ANOS
65 74 ANOS
75 ANOS OU MAIS
1991
2,37% 14,79% 20,41% 21,00% 16,86% 14,20% 7,69% 2,37%
2000
0,93% 15,15% 19,81% 24,48% 14,92% 11,42% 8,86% 4,43%
DIFERENA - 1,44%
+ 0,36%
- 0,6% + 3,48%
- 1,9% - 2,78%
+ 1,17%
+ 2,06%
1991 2000 DIFERENA TOTAL 3,53 3,99 + 0,46 HOMENS 5,49 6,46 + 0,97
BRASIL
MULHERES 1,61 1,60 - 0,01 TOTAL 7,48 8,10 + 0,62 HOMENS 11,87 13,33 + 1,46
REGIO SUL
MULHERES 3,46 1,23 - 2,23 TOTAL 7,45 8,00 + 0,75 HOMENS 11,99 13,64 + 1,65
SANTA CATARINA
MULHERES 2,44 2,42 - 0,02
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- Dados relativos cidade de Mafra: De acordo com pesquisa realizada por Gastal (2004) as taxas de suicdio na cidade de Mafra so um dado alarmante. Fazendo um
comparativo com os suicdios ocorridos deste o ano de 1980 at o ano de 2002,
tiveram um aumento bastante significativo s faixas etrias de 25 a 34 anos (4500%)
e 55 a 64 anos (680%). Ainda como dado significativo desta pesquisa, h de se ver
que a mdia de suicdio entre homens tambm aumentou nestes anos (373%) A
mdia de suicdio por ano 7.73 por 100.000 habitantes (maior que a mdia
mundial).
2.2 SOBREVIVENTES
Referenciar teoricamente o conceito de sobreviventes algo que encontra
certa dificuldade j que o tema ainda tem sido pouco objeto de estudos. O nico
artigo encontrado sobre o assunto um escrito por Mitchell, Wesner, Garand, Gale,
Havill e Browson, com o titulo de A support group dor children bereaved by parental
suicide, publicado em fevereiro de 2007. Este texto fala da experincia destes
autores quando realizaram um grupo com crianas que tiveram algum dos pais que
cometeram suicdio. Tambm foi encontrado um Levantamento Bibliogrfico sobre o
assunto feito pelo Ministrio da Sade do Brasil (2006), que tambm fala da
escassez de literatura brasileira e at mesmo internacional sobre o assunto. Este
texto diz que ao contrario das reaes individuais ao suicdio, a famlia como grupo
social pode ser suporte para seus integrantes se for ouvida e acolhida em servios
de ateno a sobreviventes, a necessidade de redes de apoio social so campos de
estudo e pesquisa valiosos para se trabalhar a preveno de novas mortes.
Os sobreviventes se tornam muito vulnerveis depois do acontecimento do
suicdio, j que este assunto tratado como tabu, e que escandaliza a todo mundo.
Os sobreviventes se tornam muito frgeis, ainda mais quando se trata de crianas,
por isso, segundo Mitchell e seus colaboradores (2007):
Therapeutic factors that may be especially useful working with child survivors of suicide include the installation of hope, emphazing universality and interpersonal learning, facilitating group cohesion and catharsis, as well as imparting information.
-
Mesmo com pouca literatura sobre o assunto, continua-se na busca de novas
bibliografias e inteno de contato com autores que trabalhem com este assunto.
2.3 O LUTO PSICOLGICO
Worden (1998) citando a teoria de Bowlby, conta que este desenvolveu
estudos sobre as respostas das crianas frente separao das mes, para
estabelecer o comportamento de apego na primeira infncia. Em pesquisas
posteriores, identificou as respostas de luto em crianas que viveram a ruptura da
relao com as mes, por morte. A partir disso, refere vivncia da ansiedade de
separao e o uso de mecanismos de proteo contra o sofrimento pela perda da
figura de apego. O comportamento de apego apresenta trs caractersticas distintas
e universais: busca constante de proximidade com seu objeto de ligao, podendo
tolerar afastamentos temporrios; estabelecimento de maior ou menor segurana,
segundo o padro de confiabilidade e previsibilidade do objeto; e
reao de protesto pela separao ou perda e a conseqente busca de recuperao
da figura de apego.
Esta mesma compreenso pode ser utilizada para adultos que vivem perdas
(WORDEN, 1998). So identificados e definidos alguns componentes bsicos da
reao de luto: a necessidade de chorar e buscar: como parte da ansiedade de
separao, o indivduo manifesta a resposta que tem a capacidade de atrair a
pessoa desejada para si; necessidade de inibir ou controlar as manifestaes de
sofrimento, expressando o conflito entre a necessidade de buscar e
simultaneamente conter a expresso de pesar pela falta de resultado na busca;
necessidade de reaprender as concepes bsicas sobre o mundo: preciso mudar
hbitos de pensamentos e referenciais que conectam o indivduo enlutado pessoa
ausente, situao que promove o processo de transio psicossocial necessrio.
Considerando o carter irreversvel da morte e a capacidade do adulto
enlutado de reconhecer esse fato, o luto prope quase que um conflito permanente
entre a busca de uma condio anterior - a presena do falecido - e a necessidade
de aprender a viver com sua ausncia permanente, mesmo contra os desejos mais
-
ntimos. Esse conflito no de fcil soluo e demanda grandes esforos e energias
para ser enfrentado. No luto conjugal, esse esforo deve se somar necessidade de
continuar vivendo, de cuidar de filhos, lidar com o crculo familiar mais amplo, lidar
com sentimentos de falta, de saudade e responder s demandas prticas da vida
(WORDEN, 1998).
Existem diferentes propostas de compreenso sobre as fases do luto de
acordo com diferentes autores. Worden (1998) cita os autores Bowlby e Parkes que
so autores que utilizam referenciais tericos comuns, em uma linha de trabalho
complementar, e apresentam uma mesma compreenso sobre o vnculo afetivo e a
resposta s perdas, em adultos. Eles definem as fases do luto como:
- Entorpecimento ou aturdimento - geralmente a resposta inicial perda, que oferece
certa proteo pessoa enlutada, pois evita o reconhecimento mais completo da
extenso do sofrimento e de suas conseqncias. Parece ser mais comum e/ou
mais intensa frente a perdas inesperadas e prematuras.
- Busca ou protesto - o intenso desejo de recuperao da pessoa amada e perdida,
que leva os comportamentos de busca incua, produz uma forte reao de protesto
pela impossibilidade de se alcanar o objetivo desejado.
- Desespero e desorganizao - o conflito permanente entre o desejo e sua
frustrao, leva ao desespero, pois no se abdica do vnculo estabelecido com
facilidade e sem sofrimento. O pensamento, constantemente concentrado nessa
tarefa, deixa pouca possibilidade para dedicar-se a outras atividades, revelando o
quanto importante o trabalho de busca de uma resoluo para o conflito; o mundo
parece estar fora de contexto para o enlutado, tanto quanto este parece estar fora de
contexto para o mundo.
- Recuperao e restituio - o conflito pode ser solucionado a partir de uma nova
construo do vnculo com o falecido, o que preserva a relao em um outro
patamar; o sofrimento diminui gradualmente, permitindo um retorno da ateno para
o mundo e trazendo a possibilidade do estabelecimento de novas relaes.
A diviso do luto em fases gerais nos oferece a oportunidade de observar as
reaes, quando elas aparecem, mas no considera aspectos subjetivos e
-
especficos do processo de adoecimento. possvel encontrar variaes e deve-se
estar atento para respostas diferentes das preconizadas, por isso trabalha-se com a
idia de padres de comportamento. As fases constituem um ponto de partida para
o entendimento do movimento emocional de confronto com a perda, mas no se
pode esperar que se manifestem nessa ordem ou mesmo que todas elas sejam
expressas pelos enlutados.
Vrias formas de manifestaes (fisiolgica, comportamental, psicolgica,
afetiva e social) so identificadas durante o processo de luto, variando em
intensidade e durao, podendo aparecer interligadas ou isoladamente, simultnea
ou consecutivamente, mas revelam sempre a dificuldade de atravessar esse
perodo. Worden (1998) fala sobre os autores Stroebe, Stroebe e Hansson que
apresentam um levantamento das respostas emocionais esperadas no processo
normal de enlutamento. Acrescentam que, em casos de luto complicado, esses
aspectos podem apresentar-se com intensidade ou durao alteradas, apontando
para a impossibilidade de se caminhar dentro do processo esperado e constituindo-
se um indicativo da no resoluo do luto.
- Choque, entorpecimento e dificuldade de acreditar na realidade;
- Pesar e tristeza, acompanhados por dor mental e sofrimento, com choro e
lamentao;
- Senso de perda devido ao reconhecimento da ausncia e da impossibilidade de
recuperao;
- Raiva comum e pode se voltar contra a pessoa falecida, familiares, mdicos,
amigos e mesmo contra o prprio ego;
- Culpa e arrependimento, que aparecem sob as formas: culpa por sobreviver, pela
responsabilidade da morte ou pelo sofrimento que ela trouxe e, ainda, pela
deslealdade do falecido;
- Ansiedade e receios que aparecem sob a forma de insegurana, medos ou crises
de angstia;
- Imagens repetitivas da pessoa falecida prxima da morte, da doena, com carter
intrusivo e fora de controle;
- Desorganizao mental apresentando graus variados de distrao, confuso,
esquecimento ou falta de coerncia;
-
- Sobrecarga de tarefas e dificuldades para sua realizao, que trazem a sensao
de estar perdendo o controle, de desamparo e de sentir-se incapaz de enfrentar a
realidade;
- Alvio, especialmente aps doena longa e sofrida, pelo trmino do sofrimento;
- Solido, que se expressa como sentir-se s mesmo quando em grupo e com picos
de sentimentos intensos de isolamento;
- Sentimentos positivos tambm aparecem, a intervalos, em meio ao pesar.
Todas essas respostas emocionais podem manifestar-se interligadas a
reaes de outra natureza, como expresses comportamentais, atitudes para
consigo, para com o falecido e com o mundo, dificuldades e limitaes cognitivas e
mudanas fsicas e queixas somticas. A lista de sintomas e sinais relacionados ao
luto pode ser grande e diversificada, o que no representa que todas essas
respostas estejam presentes ao longo do processo de luto de uma nica pessoa. O
que possvel notar que, entre as pessoas enlutadas, aparecem algumas dessas
reaes, com intensidade variada, de acordo com diversas circunstncias, entre elas
as caractersticas de personalidade e outros fatores de risco (WORDEN, 1998).
2.3.1 O luto dos sobreviventes
Para Worden (1998), os familiares de um suicida no s ficam com uma
sensao de perda, mas ficam com uma herana de vergonha, medo, rejeio, raiva
e culpa. O suicida coloca seu esqueleto psicolgico no mundo emocional da pessoa
enlutada, sentencia a pessoa enlutada a lidar com muitos sentimentos negativos e,
alem disso, tornar-se obcecada por pensamentos em relao ao seu prprio papel
atual ou possvel papel em ter precipitado o suicdio, ou impedido que ele ocorresse.
De acordo com Worden (2000), o sentimento de vergonha o que predomina
na pessoa enlutada pelo suicdio. As pessoas enlutadas que tem de passar pela
vergonha depois que uma pessoa da famlia tira a prpria vida, e sua sensao de
vergonha pode ser influenciada pela reao dos outros. Esta presso emocional no
s afeta a interao da pessoa enlutada com a sociedade, mas tambm pode alterar
de forma drstica as relaes na unidade familiar. comum para os membros da
famlia reconhecerem quem sabe e quem no sabe sobre os fatos que ocorreram na
-
hora da morte e adaptam seus comportamentos uns em relao aos outros com
base neste conhecimento.
A culpa outro sentimento comum entre as pessoas enlutadas pela vitima de
um suicdio (WORDEN, 1998). Elas assumem a responsabilidade da atitude da
pessoa falecida e ficam inquietas achando que teriam ou deveriam ter feito para
evitar a morte. A culpa muitas vezes se manifesta como censura, projetando a culpa
nos outros e censurando-os pela morte. As pessoas de luto por morte por suicdio
sentem uma raiva intensa do por que a pessoa fez isto com ela e se sentindo
rejeitada. Um correlato desta raiva a baixa auto-estima. A pessoa enlutada
frequentemente especula dizendo que a pessoa falecida no havia pensado nela,
seno no teria se matado.
O medo tambm uma resposta comum depois do suicdio, segundo Worden
(1998, p. 115).
Um medo comum primrio entre as pessoas de luto por suicdio o de seus prprios impulsos destrutivos. Muitos parecem carregar com eles uma sensao de destino ou runa.
Estes familiares tm medo de acreditar que o suicdio seria seu destino. Em
casos em que houve muitos suicdios em uma famlia pode haver ansiedade quanto
tendncia da transmisso gentica.
Por fim o pensamento distorcido outro padro encontrado nas pessoas de
luto por suicdio (Worden, 1998). Estas pessoas necessitam frequentemente ver a
atitude do falecido no como um suicdio, mas como uma morte acidental. A famlia
cria um mito sobre o que realmente aconteceu a vtima, e se algum desafia este
mito chamando a morte pela expresso correta, ele tira proveito da raiva dos outros
que precisa ver a morte como acidental, ou outro tipo de fenmeno mais natural.
2.4 REAES COMPORTAMENTAIS DA FAMLIA DE SOBREVIVENTES
De acordo com Cassorla (1986), o suicida cr na sua fantasia de vingana, ou
seja, que depois de morto todos se sentiro culpados pela sua morte, e nesta
fantasia mesmo morto este continua vivo na mente dos familiares. Outro aspecto
bastante relevante, que geralmente a pessoa que morre transformada
-
geralmente em pessoas timas ou maravilhosas, como se os sobreviventes
receassem uma vingana do morto, que agora j no podem combater, sendo que,
muitas vezes os elogios correspondem ao tamanho da culpa sentida em relao ao
morto (mesmo que inconscientemente) e pelo alvio proporcionado pela sua morte.
O final que o suicida fantasia que as pessoas que o fizeram sofrer se sintam
culpadas e com remorso.
Cassorla (1986, p.33-34) ainda diz:
O ambiente e a relao indivduo-ambiente esto comumente estruturados de forma tal que as reaes sero apenas imediatas, em pouco tempo voltando tudo para o esquema anterior. Pelo contrrio, no raro o ambiente reage tambm agressivamente ao ato agressivo de seu membro (...) como rejeita-se e castiga-se ainda mais a pessoa.
Assim possvel saber que a vingana que o suicida fantasia para os
sobreviventes pode virar-se contra ele, sendo que sua memria, seus pertences
pessoais, e at mesmo o seu lugar dentro da estrutura familiar so destrudas. Do
ponto de vista das configuraes familiares, a morte de um familiar representa uma
alterao configuracional ou, ainda, uma desconfigurao. A ausncia de um
parente deixa valncias abertas, que podem persistir sempre (SOUZA e RASIA,
2006).
Embora os suicidas tenham cometido o ato de forma consciente, o familiar
procura afastar a responsabilidade do suicida. Para isto ocorrem trs aspectos
(SOUZA e RASIA, 2006): influncia da religio, atenuao da implicao da prpria
famlia que pode ver no suicdio um produto do prprio grupamento e o desafio que
esta morte representa a prpria realidade. Os antecedentes ao suicdio se
caracterizam por um movimento da famlia em atribuir ao suicida alguma espcie de
problema que justifique o ato.
O suicdio implica necessariamente a percepo de que havia algum
problema na vida do morto, pelo menos do ponto de vista familiar. Na atualidade, de
acordo com Souza e Rasia (2006), ele tem esta conotao negativa, o que leva a
famlia a se sentir culpada por no ter conseguido evitar o ocorrido. Se um membro
da famlia morre, altera o esquema por meio do qual a famlia se define, neste caso
ela pode ver-se anormal. A rede geral de relacionamentos da famlia sofre abalos
-
aps o suicdio: Mudam as relaes possveis, e mesmo as desejveis (SOUZA e
RASIA, 2006, p.122).
Para Souza e Rasia (2006) as principais reaes da famlia do suicida so:
- Negao/No Saber: No ter notado as intenes do suicdio e os sinais que
este dava.
- Insegurana/Inconsistncia: A insegurana comea quando a famlia
reconhece que o problema existe de verdade, mas no sabe como enfrenta-lo.
- Desamparo/dvida: O desamparo ocorre na famlia apos um de seus
membros tirarem a prpria vida: os restantes so tomados por uma sensao de que
nada mais vale a pena, principalmente quando so bem prximos ao morto. O
estado de dvida aparece em funo do questionamento acerca dos motivos do
suicida, o que acaba levado a um questionamento geral das condies de existncia
e da vida como um todo.
2.4.1 O aspecto religioso do suicdio
Durante a pesquisa realizada foi evidente no relato dos sobreviventes a
influncia da religio para o tratamento dado pessoa que se suicidou. Pela nossa
regio ser de predominncia catlica, foi possvel perceber na histria desta religio,
como durante sculos o tabu sobre o suicdio foi plantado na crena das pessoas.
Como os primeiros cristos sofreram muito com a perseguio de outros povos, no
sculo IV, So Agostinho proibiu o suicdio, sem nenhuma justificativa ou pretexto,
nem mesmo para evitar o pecado, pois segundo ele, no se evita um pecado
cometendo outro. A partir da, comeou a compreender que a vida do indivduo no
como patrimnio da comunidade e sim como um dom divino. Assim, matar-se era
cometer sacrilgio (WERLANG, 2000).
Aps isso foi se realizado os conclios, onde eram definidos os Direitos
Cannicos. O Direito Cannico referente ao suicdio ficou cada vez mais repressivo.
No concilio de Arles considerou o suicdio como crime. No de Orleans, declarou o
suicida como o pior dos criminosos, privando-o de funerais religiosos. O concilio de
Braga retificou a sano de excluir aos suicidas de solenidades religiosas fnebres e
em Nines adotou-se a resoluo de negar pessoa suicida o direito de ser
enterrada em solo sagrado (WERLANG, 2000).
-
Em muitas regies da Europa, de acordo com Werlang (2000), ento, o corpo
do suicida passou a ser arrastado pelas ruas e enterrado em um cruzamento com
uma estaca cravada atravs dele e uma pedra sobre a face. Na Frana era habitual
ver os cadveres pendurados pelos ps ou se o cadver era um homem, ele era
carregado nu numa forquilha e, ento pendurado e, se fosse mulher, era queimado
publicamente. Na Polnia, o corpo do suicida no podia ser retirado da casa pela
porta, mas sim pela janela, e se no havia janela, deveria realizar um buraco em
algum lugar da parede. Estes castigos infligidos ao cadver do suicida tinham como
finalidade provocar medo, desencorajando outros a apresentarem atitudes similares.
Este perodo medieval se caracterizou pela forte represso ao sujeito suicida, pela
mutilao e pelo desprezo ao cadver. Se era um nobre, o castigo tambm se
estendia retirada de seus bens e a destituio de seus ttulos e brases, invadindo
ainda seus bosques e danificando seus castelos.
J no sculo XIII, Toms de Aquino afirmou que o suicdio era proibido e
reafirmou que o corpo no deveria ser enterrado em terras santas, apontando as
seguintes razes (WERLANG, 2000): a) a vida dada por Deus e est sujeita ao
seu poder, portanto, quem se priva de sua prpria vida peca contra Deus, j que s
ele poder tir-la, b) no um ato natural, ele intencional e c) todo homem
pertence sociedade, ento se suicidando, danifica-se a comunidade. Com base
nos pressupostos de pecado, ato intencional e prejuzo para a comunidade, as
mortes voluntrias eram analisadas por tribunais eclesisticos, que julgavam e
estabeleciam se o morto colocava fim a sua vida movida por alguma forma de
loucura (isentando-o de culpa) ou se, no gozo de suas faculdades mentais, o fizera
com propsito deliberado (criminoso).
De acordo com Werlang (2000) s a partir do sculo XVII, a represso ao
suicdio tende a diminuir. No final do sculo XVII e durante o sculo XVIII, surgiu na
Europa um movimento intelectual chamado Iluminismo, que tentou melhorar a
sociedade guiando-se pela razo, e estabelecendo o liberalismo e a tolerncia.
Dentro deste contexto, comeou a se entender o sujeito suicida como um ser infeliz
e, at em certos casos, com uma simpatia velada, que o homem faz parte da
natureza, podendo modific-la, inclusive a natureza que est relacionada com o
prprio homem. Assim, se por um lado o suicdio tinha perdido desde a Revoluo
Francesa o carter repressivo e violento, deixando de ser considerado pecado ou
crime, por outro, o tabu no havia desaparecido. O sculo XIX primou pelos fortes
-
vnculos familiares, e o suicdio foi considerado um ato de vergonha, recusado e
mantido em segredo na famlia, passando a ser considerado sinal de doena mental.
Do ponto de vista teolgico, como afirma Werlang (2000), no sculo atual, a
posio da igreja catlica a respeito do suicdio clara no cdice de 1917 e de 1983,
em que o suicdio condenando e no aceito, por ser entendido como uma violao
ao quinto mandamento (no matars), privando o suicida de sepultura eclesistica.
Entretanto, deixa-se a deciso final nas mos da prudncia pastoral e na
conscincia e sabedoria dos bispos. No Concilio Vaticano II, a condenao do
suicdio se manteve vigente (exceto em situaes psiquitricas), mas so
exacerbados os sentimentos de compreenso e caridade para a avaliao do
mesmo.
2.4.2 O aspecto social da famlia
Dentro do referencial sociolgico, o papel da famlia analisado sob dois
aspectos (SOUZA e RASIA, 2006): primeiro considera-se que a famlia representa
um fator de proteo morte voluntria e esta proteo tanto maior quanto maior o
nmero de elementos que a compe. Segundo, em se tratando de casos de suicdio
j ocorridos h uma regularidade de ocorrncias no seio de uma mesma famlia.
Sendo assim, a famlia pode tanto proteger contra o suicdio quanto contribuir para
que ocorra. Na pesquisa realizada por Souza e Razia (2006) a famlia foi
compreendida de duas formas: primeiro no sentido domiciliar, ou seja, ela
composta pelas pessoas que residem juntas numa mesma casa ou no mesmo
terreno, que agrupa varias casas. Segundo a famlia uma configurao:
Por configurao entendemos o padro mutvel criado pelo conjunto de jogadores no s pelos seus intelectos, mas pelo que eles so no seu todo, a totalidade das suas aes na relao que sustentam uns com os outros. Podemos ver que essa configurao forma um entranado flexvel de tenses. (Elias apud Souza e Razia, 2006)
Desta maneira, o suicdio, ou as suas tentativas, se inserem nas inter-
relaes familiares e se constituem em elemento que promove alguma espcie de
interao. O indivduo que efetivamente se mata pode estar querendo resolver um
problema do nico modo que considera possvel (SOUZA e RASIA, 2006).
-
3 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS
O projeto desta pesquisa foi submetido aprovao do Comit de tica da
Universidade do Contestado e tambm a Aprovao da Banca de Qualificao.
Foram obtidos junto com a Delegacia de Policia Civil da Comarca de Mafra os
inquritos que apontavam os suicdios ocorridos nos anos de 2004, 2005 e 2006.
Atravs das informaes destes inquritos foi realizada a localizao destas famlias
onde foram feitas visitas em suas casas, e realizada a proposta de trabalho do
projeto. Sendo assim, a partir do momento em que todas as visitas foram realizadas
(num total de 6 famlias), foi convidado atravs do telefone, em que eram
confirmados dia e hora que se realizaria o grupo, para que estas famlias
participassem do grupo teraputico. Durante o contato telefnico, os sobreviventes
confirmavam a sua participao, mas no dia marcado apareciam na mdia de uma
ou duas pessoas. Assim, depois de vrias remarcaes, nenhuma pessoa aparecia
para participar do grupo. Nas tentativas feitas vieram respectivamente no primeiro
encontro 2 pessoas, no segundo e no terceiro uma pessoa e no quarto encontro
duas pessoas e a partir da nenhuma pessoa.
Depois de constatado que nenhuma pessoa viria proposta do grupo foi
redelineada a pesquisa, passando para o enfoque do por que estas pessoas no
participavam do grupo. Ento novamente foram realizadas visitas s famlias e feitas
entrevistas com as pessoas para que pudessem falar as motivaes que levaram a
no participar do grupo. Para responder a esta entrevista, a pessoa que se
encontrava em casa disponvel seria quem iria responder. Das 6 famlias contatadas
inicialmente, apenas 5 foram encontradas.
Neste contato era realizada a explicao do contedo do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido e depois de tido o consentimento era realizado a
entrevista. Esta entrevista era realizada atravs do mtodo no diretivo onde apenas
se dava a consigna: o que te impediu a participar do grupo? E assim atravs do
relato que surgia eram sondadas as principais hipteses levantadas pela
pesquisadora. Como uma das hipteses levantadas seria que o tabu do suicdio
muito grande na nossa sociedade, uma entrevista com um padre catlico e um
representante do Centro Esprita Kardecista se fez necessria, para que possamos
entender se h alguma relao entre o aspecto religioso e o tabu social. Para estas
-
entrevistas foi utilizado um gravador digital, para que a entrevista pudesse ser
analisada posteriormente e tambm transcrita.
A partir disto a anlise do material coletado era feita atravs da Anlise de
Contedo (BARDIN, 1977), para fazer a avaliao qualitativa dos contedos
apresentados e assim definir categorias e subcategorias de assuntos.
- Anlise de Contedo: Depois de definidos os objetivos da pesquisa, delineado o referencial terico, e conhecido o tipo de material analisado (entrevistas) que se
devem definir as unidades de anlise (FRANCO, 2003). As unidades de anlise
podem ser tanto de registro, quanto de Contexto. Para esta pesquisa foi utilizada as
Unidades de Contexto, sendo dado prioridade ao tema, que a parte mais ampla do
contedo a ser analisado, mas indispensvel para a necessria anlise e
interpretao das entrevistas, j que estas no eram diretivas e era necessrio que
fossem encontradas na maioria delas os mesmos contextos. A unidade de contexto
deve ser considerada e tratada como a unidade bsica para a compreenso da
codificao da unidade de registro e corresponde ao segmento da mensagem, cujas
dimenses so excelentes para a compreenso do significado exato da unidade de
registro. As fases da Anlise de Contedo so:
- Leitura flutuante das entrevistas
- Anotao das impresses de temas
- Leitura guiada pelos temas sugeridos
- Definio das categorias
- Recorte das entrevistas segundo as categorias.
- Aspectos ticos: Este estudo seguiu os parmetros ticos preconizados pela Conveno de Helsinque para pesquisa em seres humanos. A todos os participantes
foram apresentados o objetivo do estudo e seus possveis benefcios, tanto na forma
oral, como na forma de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, os quais foram
assinados pelos participantes, na medida em que concordaram em participar do
estudo.
-
4 RESULTADOS E ANLISES
4.1 RESULTADOS
4.1.1 Delineamento das Famlias Observadas, obtido atravs da observao
participante
Para esta pesquisa foram utilizados os dados de suicdios na cidade Mafra de
acordo com a Policia Civil, nos anos de 2004, 2005 e 2006. Foram encontrados 13
casos de suicdio nestes registros, onde foi conseguido contato com 6 famlias, e
posteriormente entrevistado 5 famlias. Para um melhor entendimento das respostas
dadas durante as entrevistas e usadas como exemplos da categorizao das
respostas cabe contextualizar as famlias que foram constatadas. Aqui estas famlias
sero identificadas como famlias 01, 02, 03, 04 e 05.
Famlia 01: Famlia de G. do sexo masculino, com 21 anos, solteiro. Suicidou-se no dia 29 de novembro de 2004, em sua prpria casa, dentro de seu quarto,
atravs de eletrocuo. Para a entrevista foi encontrada me de G. que recebeu a
pesquisadora em sua casa. Contou que o filho havia se comportado de modo
estranho nos meses que antecedero o suicdio, falando em se matar, com bastante
raiva e nervoso. Trabalhava no Exrcito e tinha uma namorada que a famlia no
conhecia, que s freqentava a casa da famlia quando estes no estavam. A famlia
cr que houve motivao do suicdio porque achava que a namorada o traia e o
mesmo dizia que no confiava em mulher alguma. Durante a entrevista a me de G.
pareceu no inicio assustada com a presena da pesquisadora e com o assunto que
esta vinha perguntar, mas depois de certo tempo ela se tornou mais relaxada e at
bastante participativa e colaborando bastante com a entrevista. Foi a entrevista mais
demorada de todas, superando os 30 minutos. Foi tambm uma entrevista rica de
sentimentos onde todos os que esta entrevistada relatava eram visivelmente vistos
atravs de sua linguagem corporal. Tambm foi visvel na entrevista realizada a
vergonha que esta me e tambm toda a famlia atravs de seu relato
demonstraram perante as pessoas conhecidas e seus familiares, por acharem que
de algum modo foram culpados pelo suicdio do filho.
-
Famlia 02: Famlia de B. do sexo masculino, com 43 anos, casado. Suicidou-se em casa dentro de seu quarto, no dia 09 de dezembro de 2004, com
enforcamento. Para a pesquisa foi encontrada a mulher de B. que recebeu a
pesquisadora em sua casa. Esta contou que o mesmo j havia dito inmeras vezes
que ia se matar e j havia tido 2 tentativas anteriores (atravs da ingesto de
remdios e de enforcamento). Foi encontrado morto pela filhas e pelos netos, fato
que chocou muito a todos. A mulher no se encontrava em casa, os havia sado de
casa para pedir separao havia quatro dias. Era alcoolista. A esposa demonstrou
durante a entrevista uma grande preocupao com como seus filhos e netos que
encontraram o cadver estavam se sentindo e minimizando a sua parcela de
sofrimento em relao ao fato. No esboou nenhum sentimento de sofrimento
durante os relatos que fez sobre a morte e a vida que o falecido levava.
Famlia 03: Famlia de R. do sexo masculino, 47 anos, casado. Suicidou-se em casa, dentro da cozinha, no dia 22 de julho de 2006, atravs do enforcamento.
Para a pesquisa foi encontrada a me, que foi recebida nas dependncias da
Secretaria Municipal de Mafra. Conta a entrevistada que este foi encontrado pelo
seu filho, e depois ficou durante 5 horas ainda pendurado na corda esperando o IML
chegar, o que foi uma cena bastante sofredora para toda a famlia. No falava em se
matar, mas tinha tido nos ltimos tempos desentendimentos com a mulher e o filho.
A me durante a entrevista mostrou presentes que o filho havia dado e diversas
fotos, sendo que nestas o filho aparecia de costas, no podendo ser visualizado o
rosto, diferente da foto do cemitrio que quando a me a v a faz sofrer demais. A
dificuldade desta entrevista foi que estava sempre misturando ao contexto da
conversa assuntos triviais, o que denota que ficar falando sobre o assunto durante
certo tempo se torna bastante difcil.
Famlia 04: Famlia de M. do sexo masculino, 19 anos, solteiro. Suicidou-se em casa, em fevereiro de 2006, atravs de enforcamento. Para a pesquisa foi
encontrada a me, que recebeu a pesquisadora em seu estabelecimento comercial.
M. j havia feito acompanhamento com psiclogos e psiquiatra. Era filho adotivo,
seus pais estavam separados e fazia uso de maconha. Era bastante nervoso, triste e
aflito e havia trancado a faculdade. Haviam discutido antes da morte deste, pois ele
tinha uma namorada menor de idade que dormia todo dia na casa deles e para me
isso poderia vir a ser um problema. A me no incio da entrevista parecia bastante
controlada em relao a narrativa que fazia, mas depois de um tempo foi trazendo
-
diversos sentimentos tona (raiva, sensao de inutilidade, tristeza, abatimento),
tornando-se a entrevista onde a pesquisadora mais conseguiu perceber a gama de
sentimentos existentes nesta me. Mostra um bom nvel cultural, e por isso mesmo
tenta encontrar inmeras atividades para que possa se distrair, seja em forma de
trabalho voluntrio, ou pelo trabalho que tem (atividade comercial). Esta me, por ter
uma grande participao social (trabalha em diversos projetos filantrpicos) tambm
demonstra vergonha em relao as pessoas que a conhecem por achar que esta
tem culpa pelo filho ter se suicidado.
Famlia 05: Famlia de J. do sexo masculino, 41 anos, solteiro. Suicidou-se se jogando da ponte no Rio Negro, no dia 16 de julho de 2004. Para a entrevista foi
encontrada a irm, que recebeu a pesquisadora em seu local de trabalho. J. era
esquizofrnico e fazia tratamento psiquitrico. J havia tido outras tentativas de
suicdio, atravs de auto agresso com faca, afogamento, com remdios e com
choque eltrico. Sempre falava que queria morrer. Ele vivia com sua me que era
quem cuidava dele. Esta rima sempre se mostrou bastante solicita pesquisadora,
se dizendo a nica pessoa preparada a falar sobre o suicdio do irmo. A
pesquisadora v esta atitude como a de que ela tenta ser a mais forte da famlia em
relao a outras situaes tambm (problemas com a filha e com o ex-marido,
separao de irmos). De todos os entrevistados foi a que menos esboou
sentimentos durante a entrevista
Tambm durante o processo de entrevistas, as famlias sempre citaram a
busca de apoio religioso para uma menor intensificao dos sentimentos
provenientes pela perda do suicida. Como foram citadas durante as entrevistas e
interferncia ativa das igrejas Catlica e Esprita na conduta de algumas das
famlias, foram contatados um padre e um representante do Centro Esprita
Kardecista, para esclarecimentos da conduta que realizada no caso da busca de
ajuda pela famlia de um suicida.
O padre contou a pesquisadora que a igreja j foi enrgica em relao aos
suicidas, sendo proibidas os rituais de funeral catlicos e at mesmo o sepultamento
em lugares ditos no santos. Mas com a evoluo da sociedade e do pensamento
mais liberal, coube a igreja adaptaes em relao ao suicdio, como considerar o
suicdio uma atitude de algum doente e que no tem domnio sobre si mesmo.
J com o participante do Centro Esprita este exps que postura destes que
o suicida vem construindo esta conduta durante vrias encarnaes. No trabalho de
-
aconselhamento s famlias (pois vrias procuram o Centro Esprita em busca de um
contato com o suicida), orientada a prtica de oraes e leitura do Evangelho para
que este esprito no cometa mais o mesmo erro nas prximas encarnaes. E
como os espritas acreditam que no h morte, apenas h a reencarnao e
desencarnao do corpo material, a morte no seria o fim dos problemas para as
pessoas.
4.1.2 Categorias e Subcategorias
Para a busca de resultados foi realizado a Anlise de Contedo, onde foram
delineadas categorias e subcategorias de respostas. Para que seja explicitado como
foram encontradas estas respostas, foram recortados exemplos das entrevistas
realizadas.
Categoria 01: A NO PARTICIPAO NO GRUPO.
Subcategoria 01-1: A VALORIZAO DO GRUPO: os entrevistados
valorizaram idia do grupo, dizendo que este poderia ajudar outras
pessoas que passam pelo mesmo tipo de dificuldade, a interao com os
problemas dos outros, a convivncia, tendo at a entrevistada que disse
que estava sentindo falta das ligaes feitas pela pesquisadora para
convidar para participar do grupo e de perceber que isso acontece com
varias pessoas no somente com a prpria famlia.
Subcategoria 01-2: ESQUECIMENTO: Duas entrevistadas disseram que
esqueciam o dia da realizao do grupo e s lembravam quando j havia
passado do horrio.
Subcategoria 01-3: IMPEDIMENTO: Duas entrevistadas falaram sobre
impedimentos para no participao no grupo. Uma delas pela famlia (seu
marido e filhas no gostavam da idia de falar sobre o assunto) e uma
delas sobre aconselhamento religioso (no lugar onde freqenta disseram
para no remexer no que passou).
Subcategoria 01-4: NO VALORIZAO: Uma entrevistada verbalizou
sobre os comentrios que ouviu sobre que o grupo no a ajudaria em
nada.
-
Categoria 02: A DOR
Subcategoria 02-1: A DOR DA LEMBRANA: Quatro entrevistadas
verbalizaram sobre a dor de lembrar do que aconteceu, ficar lembrando do
que a pessoa fez (o ato em si, como foi encontrado o corpo).
Subcategoria 02-2: A DOR DO PSIQUISMO: Durante o processo de luto
surgiram nos entrevistados vrios sentimentos e emoes: de que vai
enlouquecer, de se sentir perdida em relao vida, de se esquecer das
atividades do cotidiano, o vazio, a ausncia, a falta da pessoa, a dor que
causa, a vida no ter mais graa nem sentido, raiva das pessoas, vontade
de no fazer nada, saudades, apego a religio, no ter mais entusiasmo.
Subcategoria 02-3: A DOR SOMTICA: Os entrevistados relatam as dores
fsicas que tem desde o inicio do processo de luto: presso alta, dor de
estomago, doenas que outras pessoas da famlia tiveram.
Subcategoria 02-4: A DOR DA PERPLEXIDADE: Foi relatada para a
pesquisadora a dor causada por no entender o porqu a pessoa cometeu
o suicdio. Tentar ir a vrias igrejas para buscar o entendimento do ato,
mas no conseguir isto. Contar sobre o momento que soube do
acontecido, como o corpo foi encontrado, entre a f que tem e a dos
outros. De no ver a pessoa quando esta foi encontrada morta.
Subcategoria 02-5: A DOR DO SOFRIMENTO SEM FIM: As verbalizaes
contam que este ato nunca vai ser esquecido pela famlia, que isto (dor,
sofrimento, culpa, dvidas) nunca vai passar, que mesmo o tempo
passando no passa, nem diminui.
Categoria 03: A PRESENA DO SUICIDA
Subcategoria 03-1: A ASSOMBRAO: O aparecimento do falecido em
sonhos, em que diz que est bem. O aparecimento ao lado cama para
dizer que est bem. O sonho como um sinal. Sair de casa, pois foi em
casa que tudo aconteceu. Pedir pro padre benzer a casa, fazer oraes.
Ter a impresso de que a pessoa (fsica) ainda est em casa. Dizer que
ainda no consegue entregar o filho para sua morte, para que Deus o leve.
-
Subcategoria 03-2: OS OBJETOS DO SUICIDA: Nos relatos dos familiares
h a verbalizao de que no conseguir se desfazer dos objetos pessoais
destes, e que estes objetos ainda do a impresso de que eles ainda
esto l. E durante as entrevistas mostrarem fotos, objetos e lugares que o
falecido gostava para a pesquisadora.
Subcategoria 03-3: A MEMRIA: Como o falecido tratava a entrevistada, o
seu carinho, a msica que cantava, como ele era lindo, as namoradas que
o falecido tinha, e os sinais que este deu meses antes do suicdio.
Subcategoria 03-4: A NEUTRALIZAO DO SUICIDA: Uma entrevistada
verbalizou sobre que o suicdio foi a sada usada pela pessoa para que
esta sasse da vida de sofrimento que este tinha.
Subcategoria 03-5: A SEGUNDA MORTE DO SUICIDA: Foi verbalizado
tambm como difcil para as pessoas irem ao cemitrio e ver a foto do
falecido no tmulo.
Categoria 04: CULPABILIZAO/RESPONSABILIDADE
Subcategoria 04-1: OS OUTROS: possvel perceber nas entrevistas a
presena da culpabilizao dos outros, sejam eles namoradas, esposas,
pessoas que trabalhavam com o suicida, dos pais, dos filhos, de Deus e
dos amigos, que por algum momento cometeram alguma falha com o
falecido.
Subcategoria 04-2: EU/NS: Alm de culpar outras pessoas, a culpa
tambm acabava recaindo em algum momento em cima de cada um dos
entrevistados, seja por ter cometido erros ao longo da vida em relao ao
falecido, por no ter percebido os sinais da vontade do falecido em
cometer o suicdio, e ainda que as outras pessoas (parentes) haviam
colocado a culpa em cima dos entrevistados.
Subcategoria 04-3: ELE: E por algum momento, alguns dos entrevistados
percebiam que a culpa provinha do prprio suicida, que foi vontade ele ter
se suicidado, que no era culpa de ningum, e que foi pior a maneira
como ele havia decidido acabar com tudo.
Categoria 05: O TABU DO SUICDIO
-
Subcategoria 05-1: O NO FALAR: O no falar sobre o suicdio teve
muitos motivos explicitados pelos entrevistados. Entre eles: o
aconselhamento da prpria famlia sobre no falar sobre o assunto; que
falando sobre o assunto no iria se sentir bem; que ningum na famlia
toca no assunto, por medo de machucar; que ficar falando o nome da
pessoa faz com que ele (o esprito da pessoa) se perca.
Subcategoria 05-2: A ELIMINAO DO SUICIDA: As pessoas buscam
inmeras maneiras de acabar com a lembrana do suicdio, seja dando os
pertences para que ao ver no lembre, e que os mortos tem que ficar
descansando onde esto e no na vida dos que ainda esto vivos.
Subcategoria 05-3: A OPINIO DOS OUTROS: A opinio que parentes
distantes, amigos e sociedade em geral emitem tambm faz com que a
famlia tente eliminar o suicida. Seja atravs do quanto s pessoas falam
escondido sobre o que aconteceu, sobre como as pessoas tentam buscar
motivos para que o suicdio ocorresse e o quanto as pessoas
consideradas de fora deste ncleo no entende o que estava acontecendo
no momento em que a pessoa se suicidou.
Para exemplificar as categorias e subcategorias relacionadas acima segue
tabela com recortes das entrevistas realizadas que justificam a escolha destas
categorias:
- Tabela com exemplos das verbalizaes feitas durantes as entrevistas pelos entrevistados (cada entrevistado identificado por um numero de 01 a 05):
01 - A NO PARTICIPAO NO GRUPO 01-1 VALORIZAO DO GRUPO 01 - Eu acho uma boa idia o grupo
- Cada pessoa tem uma opinio e eu gostei da idia de vocs... Mas o
meu marido j de outra opinio
04 - bom, a gente interage com a dificuldade que cada um est
encontrando.
- uma coisa de um ajudar o outro, aprender a conviver.
- Estar falando junto com os outros ajuda a ver que no s conosco
-
que acontece
- A dor de cada um diferente
- Mas quem sabe a gente possa ajudar outro que no tenha superado
03 - bom falar
- Eu estava sentindo falta
- Achei que me abandonaram
- Eu adorei
- bom falar
- Vocs dizem coisas que aliviam
- Porque no ir num lugar que faz bem?
01-2 ESQUECIMENTO 03 - Esqueci, faltei e a psicloga no me avisou.
05 - Eu me esqueo de ir
01-3 IMPEDIMENTO 04 - No pude mais ir...
05 - Eu tenho muitos compromissos
- Eu me envolvo muito com as coisas
01 - O horrio um horrio ruim, pois eu tinha de estar em casa pra fazer
o almoo.
02 - No vou ao grupo pois tem vezes que estou trabalhando neste
horrio.
01-4 NO VALORIZAO 03 - Todo mundo diz que no adianta nada disso a, que vai, vai e no
adianta nada
02 - A DOR 02-1 A DOR DA LEMBRANA 01 - Ia ser muito difcil pra mim participar por causa das lembranas
- Eu fico sozinha em casa e fico lembrando de tudo
-Conversar sobre o assunto me faz mal. Aquele dia em que vocs
estiveram aqui em casa eu comecei a lembrar e fiquei muito mal
- Mas a gente vai levando a vida. Tem dias que a gente passa melhor e
tem dias que a gente comea a lembrar do caso
04 - No uma coisa agradvel lembrar, mas eu falo.
-
- J tive vontade de no falar, mas agora no. A gente vai falando (um
tanto ambivalente)
- Quando estava bem recente eu queria falar muito
- Cinco meses depois fui querendo no falar mais
02 - Ela ir no grupo ficar lembrando do que ele fez
- uma coisa ruim
- uma morte assim que no tem como lembrar...
- uma coisa ruim. uma morte que no tem como...
05 - Eu no gosto de falar nesse assunto com a minha me (o suicdio)
- A minha me, se fosse, ia sofrer mais.
- Para ela horrvel, ela lembra sempre, ela chora.
02-2 A DOR DO PSIQUISMO 01 - Acho que a gente at forte
- No incio pensei que ia enlouquecer
- Na primeira semana eu me perdi completamente
- Eu esqueci muita coisa daquela poca, eu tomei muito comprimido.
- Eu fiquei muito esquecida. Colocava uma coisa num lugar e
demorava dois dias para achar.
04 - Sinto vazio, ausncia, falta, um monto de coisas.
- Causa dor, no agradvel.
- No que eu tenha superado
- Muita coisa na vida perdeu a graa, perdeu o sentido. Me pergunto,
porque estou fazendo isso.
- Tem dias em que voc acorda e no quer sair da cama
- Tem dias em que se algum vem me perguntar eu pulo no pescoo
- A vida perdeu o encanto. No tenho o mesmo entusiasmo que os
outros
03 - A coisa est apertando mais
- No sinto gosto para nada
- Fico distrada
02 - uma coisa ruim...
05 - Eu sinto saudades dele, e s.
- Ela continuou de p porque devota de Nossa Senhora
-
02-3 A DOR SOMTICA 01 - Naquele dia a minha presso subiu muito e o mdico me receitou um
remdio
- A minha presso subiu por causa de eu lembrar
- Eu quando comeo a falar sobre o que aconteceu comea a dar
assim um calor, eu comeo a suar e a suar.
- O meu marido acha que no bom
- E a me sobe a presso
03 - Fala sobre sua irm que morreu de cncer
- Fala sobre sua dor fsica
- Queria que o mdico fosse um santo milagroso para aliviar sua dor de
estomago
- Fao orao para passar a dor
02-4 A DOR DA PERPLEXIDADE 01 - A gente que da famlia no entende porque ele fez isso. Ele tinha
uma vida boa
04 - Sou catlica, mas fui a muito lugar, luterana, esprita, evanglica,
para tentar entender, para ter um conforto, mas at agora no
encontrei um lugar assim.
03 - Velando sem corpo
- Fala sobre o velrio e o sepultamento
- Perplexidade entre sua f, o que faz pelos outros e o que lhe
acontece.
02 - Eu no queria ver ele dependurado
02-5 A DOR DO SOFRIMENTO SEM FIM 01 - Mas uma coisa que a gente nunca esquece, mas a gente comea a
lembrar dos detalhes.
04 - Pois passar, no vai passar.
03 - No tem nada que a faa esquecer um pouco
- Faz um ano e 2 meses eu no consigo desligar
- Desde o primeiro dia igual at agora
03 - A PRESENA DO SUICIDA 03-1 A ASSOMBRAO
-
01 - Fazia um ano que ele tinha morrido e eu tive um sonho com ele. E o
Y. (marido) teve o mesmo sonho.
- Ele apareceu ao lado da cama e me disse: me, no sofra por mim,
eu no queria viver, mas me, vive a tua vida, cuida das tuas filhas.
- Me acordei naquele susto, era como se ele estivesse ali. Me levantei,
acendi a luz, olhei e vi que era s um sonho.
- O Y. (marido) disse: , esse sonho deve ser um sinal.
- Ele deve estar melhor do que a gente, pois pelo sonho a gente j
percebe.
-Eu boto o CD e parece que ele est tocando. O G. ta l, atrs do
balco, tocando guitarra.
03 - Eu saio para espairecer, pois foi em casa e fica mais na cabea (a
presena).
- Eu vou deitar parece que ele j est atrs de mim
- J pedi para um padre benzer
- Toda a noite eu fao minha orao, mas sempre parece que ele vem
at l assim...
04 - A religio, a f, tem de elevar o esprito. E isso eu no consigo fazer,
dizer: toma Deus, o meu filho agora teu. Isso eu no consigo fazer
- Eu deixei o quarto dele do mesmo jeito que estava, no mexi em
nada.
- A correntinha que ele pendurou na arandela do banheiro est l at
hoje
- No tenho fora para essa entrega
03-2 OS OBJETOS DO SUICIDA 01 - Eu tenho a guitarra dele guardada a.
04 - Eu deixei o quarto dele do mesmo jeito que estava, no mexi em
nada.
- A correntinha que ele pendurou na arandela do banheiro est l at
hoje
03 - Mostra sua presena atravs dos objetos com os quais ele tinha
relao
- Ele levava os pedaos da me, agora no leva mais.
-
- Ela revive levando rosas no cemitrio
03-3 A MEMRIA 01 - A gente se dava muito bem, como a gente se dava bem.
- Ele me abraava e dizia: a me est fazendo aquela comidinha boa
- Como eu quero bem essa me, pena que vai ser por pouco tempo.
- Ele falou isso uns dois meses antes
- Ele tinha um CD que depois minhas filhas queriam jogar fora, de tanto
que eu escutava.
- Ele cantava muito, s que eu no entendia porque era em ingls. Mas
ele cantava igualzinho ao cantor
- Quando ele chegava do quartel na sexta-feira eu estava no tanque e
ele gritava: oi me! Eu vou tocar a msica para a senhora. E pegava a
guitarra e cantava
- Ele dizia: eu to aprendendo, eu ainda vou ser um guitarrista. Viu
como eu estou tocando bem essa?
- Ele tocava muito bem, a voz dele era linda.
- Eu dizia pra ele: porque voc canta pra mim, em ingls, eu no
entendo.
- Ele dizia: me, deixa, um dia voc vai entender porque eu canto essa
msica.
- Eu tava desconfiada, eu no sou boba. Estava achando to estranho
o comportamento dele
- Ele to querido, vem, me abraa, diz que gosta de mim, que eu sou
uma boa me para ele, mas que isso no vai durar muito.
- Mas ele era alegre, falava sempre sorrindo. Tinha um sorriso to
bonito
- Eu dizia pra ele trazer as namoradas, mas ele dizia que no valia a
pena, pois era apenas passatempo, que namorar pra casar no. Eu
nunca vou casar.
- Eu tenho um destino para cumprir e o meu esse. Eu tava
desconfiada.
- Ele teve duas namoradas e a terceira essa que deu o problema
- Era to bonito ver ele tocando aquela guitarra
-
- Ele era calmo em casa, mas quando alguma coisa no dava certo na
vida dele ele ficava de um jeito!... A gente tinha que abraar ele. Um
dia todos ns tivemos que abraar.
- Ele dizia: ainda bem que tenho vocs ara me acalmar. Ele era muito
nervoso
03-4 A NEUTRALIZAO DO SUICIDA 05 - Eu acho que a morte uma coisa natural, que acontece pra todo
mundo. Que ele saiu daquele clima violento em que ele vivia e ele se
libertou
- Eu sinto saudades dele e s
03-5 A SEGUNDA MORTE DO SUICIDA 01 - Ia ao cemitrio at colocarem fotografia dele. Agora no vai mais
- No vai agentar ver a foto dele no cemitrio
05 - A foto que vo botar no cemitrio, acho que no vai ser bom para
minha me.
04 - CULPABILIZAO/RESPONSABILIZAO 04-1 OS OUTROS 01 - Pra namorada escreveu: se meu corao no pode ser teu, no ser
de ningum.
- Uma terceira pessoa que entrou na vida dele e que estragou tudo.
Isso d uma mgoa
- Quando entrou no quartel, ento! A gente queria levar ele pra
consultar com mdico ou psiclogo, mas o comandante no deixou. Eu
implorei de joelhos
- Eles nunca quiseram falar comigo. E depois do acontecido, quando
eu ligava, eles nunca tavam, no podiam.
- O pai deixou de trabalhar uma semana pra conseguir consulta pra ele
03 - Perguntei para o neto se no dia do suicdio do pai ele deu uma prensa
no pai
- Sua mulher que tinha ido para o interior
- Acho que meu filho se sentiu desamparado pela famlia
- Meu filho conseguiu reunir os amigos, mas no velrio.
- Porque que isto aconteceu e porque Deus no cortou a corda
-
naquela hora?
- O neto ouviu um barulho, mas no ligou e s o encontrou de manh.
04-2 EU/NS 01 - Algum errinho a gente fez, mas isso no suficiente pra algum se
matar.
- Nos ajudvamos ele bastante. Participvamos de tudo na vida dele
- No entende o suicdio culpa
- Ele escreveu na parede do quarto: eu amo todos vocs. Ento ele
no devia ter nenhuma magoa
- Eu no sinto culpa, eu no gosto mesmo de lembrar.
- A gente no deve ficar se culpando e viver
04 - Por que eu no percebi
- Vou no cemitrio chorar, pedir perdo.
02 - No senti culpa. A gente conversou muito antes de eu sair de casa.
, eu sabia, ele prometeu.
- Eu j esperava, mas pensava que ele estava brincando.
- No tenho nenhuma culpa e no me arrependo do que fiz
- Os tios dele disseram que eu era culpada, que era por causa minha.
04-3 ELE 05 - Foi uma vontade dele de no querer mais viver
- Ele mesmo decidiu. Ningum tem culpa.
02 - Eu acho uma grande besteira, voc pode passar o que passar na
vida...
- Se fosse um acidente no era tanto, tanto... Mas assim como ele
fez...
05 - O TABU DO SUICDIO 05-1 O NO FALAR 01 - A minha filha e o meu marido me aconselharam a no participar
- Meu marido falou que eu ia ouvir outras pessoas falando sobre essas
coisas e que eu no ia ficar bem.
- A minha filha disse assim: Mas vo mexer tudo de novo na cabea da
me... Pra me no vai ser bom
- Ela no gostou muito da idia
-
04 - A minha famlia no fala, no toca no assunto. No falam, no
perguntam.
- Acho que eles acham que isso pode me machucar
- Eu falo mais com as pessoas estranhas do que com a famlia
05 - Em famlia a gente procura no falar
02 - Ficar falando no nome dele a mesmo que ele se perde
- Quando eu fui no centro esprita eles disseram, no comece a
lembrar.
- Falaram para eu no ficar comentando o nome dele
- As filhas no querem pensar no assunto
05-2A ELIMINAO DO SUICIDA 05 - A gente deu todas coisas dele pra no lembrar
02 - Eu acho que o morto tem que ficar descansando no astral
05-3 A OPINIO DOS OUTROS 01 - Mas tem gente da famlia que agente procura se afastar
- Numa hora esto dando tapinha nas costas e noutra esto falando
mal em grupinho
- Como filho a gente entende de uma forma, mas eles no.
-
4.2 ANLISES
Mesmo com uma populao restrita de pesquisa, possvel perceber nos
dados obtidos, a confirmao de observaes j realizadas por Cassorla (1986), em
que o ambiente reage tambm agressivamente ao ato agressivo de seu membro
como tambm se rejeita e castiga-se ainda mais a pessoa. Portanto em apenas 5
famlias (de uma infinidade que tambm deve estar sofrendo pelo mesmo mal, pois
de acordo com os dados epidemiolgicos a taxa de suicdio na nossa populao
altssima), foi possvel observar que independente de classe social, de nvel
econmico, de estrutura familiar as atitudes so semelhantes em relao ao suicida.
possvel observar que quando perguntadas sobre quais seriam os motivos
para no participar do grupo, as respostas recebidas eram vagas e inconsistentes,
onde o entrevistado diversas vezes se mostrava confuso sobre quais seriam os
motivos reais, sendo difcil para a pesquisadora encontrar um nico motivo para a
no ida ao grupo, sendo esta confuso sobre o que intrnseco e extrnseco,
proveniente do processo de luto que ainda est em fase de elaborao, mesmo que
patolgico (WORDEN, 1998).
Tambm mostrado durante as entrevistas que os sentimentos que estes
sobreviventes tm so mltiplos (tristeza, saudade, culpa, remorso) e at mesmo
contraditrios (culpar a si mesmo, aos outros e tambm ao prprio morto), pois o
vnculo com a pessoa que cometeu o suicdio era um vnculo bastante forte e difcil
de se romper, onde o sobrevivente sente o suicdio como uma traio e tentar
esquec-lo seria como mat-lo novamente. H ainda o aspecto daquelas famlias
que no deixam a figura do morto se apagar, no removendo suas coisas e
deixando tudo no lugar como se este ainda estivesse vivo, pois a dor solitria de
perder algum to importante no elaborada. Poder falar e mostrar que lembra dos
aspectos do morto, o que fazia, como agia e se sentia uma maneira de manter vivo
o suicida de uma forma menos disfuncional, que possibilita uma relao teraputica
e que esta relao possvel numa abordagem individual e dentro do ambiente da
famlia.
Entretanto, participar de um grupo onde seria falado dos sentimentos em
relao ao morto ou colocar uma foto no cemitrio, seria ter a certeza de que este
est realmente morto, que vai contra ao desejo de mant-lo vivo, ou morto-vivo.
-
Outro aspecto bastante relevante que os momentos de perplexidade, que
ocorrem com mais intensidade logo aps o suicdio so os mais desestruturantes e
justamente neste momento que deveria ser iniciada uma interveno teraputica.
neste momento que a famlia mais precisa se reestruturar e a maneira mais saudvel
disse acontecer, poderia ser atravs da ajuda teraputica. Caso no se fale sobre o
que desestrutura a todos nesse momento, se cria espao para a intensificao de
defesas, principalmente uma relao disfuncional com o morto. Romper esta relao
seria como trair ao morto, se desfazer dele. E mesmo que isto tenha sido to
vergonhoso (ainda que a vergonha no seja dita pelas famlias, mas que apresenta
indcios de que esta existe), a famlia ainda se sente com um dever social de se
culpar ainda pelo que aconteceu, assim como Souza e Rasia (2006) denominam a
reao comportamental mais evidente da famlia do suicida.
Em contrapartida a este sentimento de no romper com o suicida, h tambm
o desejo latente de assassinar o suicida (que fez algo imperdovel, e manchou a
honra da famlia), e que o trabalhar terapeuticamente a perda poderia levar a uma
conscientizao plena desse desejo proibido, inibindo assim a participao como
forma de manter latente tal desejo.
Os aspectos de tabu (principalmente em forma de silenciamento em relao
ao suicdio) que ento se instalam na famlia, fazem parte das reaes psicolgicas
da famlia de culpa, remorso, tristeza, que levam aos componentes da famlia a crer
que no devem mais falar sobre o assunto para no intensificar ainda mais os
sentimentos. Tambm possvel ressaltar o aspecto religioso incutido nestas
famlias, mesmo que inconscientemente, de que o suicdio pecado e que famlia
deve se envergonhar da atitude do familiar assim como acontecia h sculos atrs,
de acordo com Werlang (2000).
Portanto, possvel concluir que o luto de um suicida se diferencia do luto
normal e o torna um luto patolgico, independente da estrutura/personalidade
familiar. Cabe ainda ressaltar os indcios que foram encontrados de que o momento
oportuno para a interveno deve ser o mais precoce possvel em relao ao
suicdio, onde a perplexidade e a dor ainda no esto contidas defensivamente.
-
5 CONCLUSO E CONSIDERAES FINAIS
Durante a aplicao desta pesquisa, foi muito enriquecedor para a
pesquisadora ver in loco como se estrutura e se comporta as famlias que perderam
algum pelo suicdio. Perceber a dor de mes que perderam seus filhos jovens ou j
adultos e poder perceber o sofrimento que estas carregam dentro de si, algo que
nenhuma palavra poderia definir. Ver ainda o posicionamento de esposa e de irm
em relao ao suicdio, onde se caracterizam outros tipos de sentimentos, mas que
igualmente sofrem por isso. E o mais importante de tudo, notar o quanto esta
pesquisa importante de ser aplicada e futuramente divulgada para que pelo menos
o sofrimento destas pessoas possa ser acolhido pelos profissionais da sade.
Entretanto, duro se dar conta de que a existncia de tantas pessoas
precisando de ajuda, de apoio, mesmo com os tabus em relao ao suicdio
instaurados dentro de cada um. Mesmo aqueles que tiveram algum to prximo de
si que faleceu pelo suicdio, carregam dentro de si todos os preconceitos,
concebidos durante sculos pela sociedade, e em conseqncia no saber lidar com
o que sentem.
nesse momento que as concluses obtidas durante essa pesquisa, de que
deve haver um trabalho mais rduo e eficaz com as famlias de suicidas, e que esse
trabalho seja realizado imediatamente aps o acontecimento, encontram uma
relevncia. Isso porque, pelo relato dos entrevistados, foi possvel perceber que o
tempo, no caso deles, no cicatriza verdadeiramente as feridas. Ocorre apenas uma
cicatrizao defensiva superficial e tnue, a todo o momento rompida, e que a cada
rompimento mais tecido cicatricial defensivo formado, mas mantendo sob a
superfcie um luto nunca elaborado.
Na atual concepo de sade usada, de que preveno a melhor atitude a
ser feita, visto para ns, futuros psiclogos que a interveno imediata dentro
dessas famlias, poder acarretar uma diminuio da intensidade de sofrimento que
visto nas famlias depois de 1 ano ou mais do suicdio. Ou seja, neste perodo de
suicdio recente que a ao teraputica pode ser mais efetiva, at por que
diminuindo o preconceito de cada um dos membros da famlia pode-se pensar em
mudar o pensamento da sociedade do micro (famlia) para o macro (sociedade). Se
-
cada vez mais for deixado que as famlias se escondam atrs da sua vergonha e
culpa, mais se estar reforando a atitude de achar o suicdio uma vergonha.
Ainda possvel considerar que a partir dos dados desta pesquisa, h outras
propostas de pesquisas a serem realizadas neste campo. Uma delas fazer um
comparativo entre famlias que tenham perdido pessoas pelo suicdio e famlias sem
este tipo de perda, para ver qual