UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO ...3 AGRADECIMENTOS “Sonhar, apesar das desilusões....
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
COMO A EJA ATUA NA FORMAÇÃO INTEGRAL DA PESSOA?
Por: Rosa Alves Miranda
Orientador
Prof: Mary Sue Carvalho Pereira
Rio de Janeiro
Janeiro de 2011
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
COMO A EJA ATUA NA FORMAÇÃO INTEGRAL DA PESSOA?
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em Supervisão e
Administração Escolar
Por: . Rosa Alves Miranda
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AGRADECIMENTOS
“Sonhar, apesar das desilusões. Caminhar, apesar dos obstáculos. Lutar apesar das barreiras. Acreditar, acima de tudo”. (Autor desconhecido)
A Jesus Cristo, meu Mestre, o maior PEDAGOGO de todos os tempos e a
Maria, nossa mãe, que foram modelos de perseverança e força durante os
momentos difíceis.
A minha professora orientadora Mary Sue Carvalho Pereira, pelas palavras de
animo e dedicação.
A minha família, que foi a minha primeira escola.
A Ângela Salles pelo apoio na informática.
Ao professor Antônio Savioli pela colaboração, na correção.
A Equipe da EJA do Colégio da Companhia de Maria, pela colaboração e
acolhida.
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DEDICATÓRIA
“Meu gosto de ler e de escrever se dirige a uma certa utopia que envolve uma certa causa, um certo tipo de gente nossa. É um gosto que tem que ver com a criação de uma sociedade menos perversa, menos racista, menos discriminatória, menos machista que esta. Uma sociedade mais aberta, que sirva aos interesses da sempre desprotegidas e minimizadas classes populares e não apenas aos interesses dos ricos, dos afortunados, dos chamados “bem-nascidos”. (Paulo Freire)
A Marta Pereira de Souza Santos
por seu amor e dedicação a EJA
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RESUMO
Este trabalho descreve a situação da Educação no Brasil, destacando
principalmente, a EJA. Apresenta o índice de analfabetismo, fatores que
influenciam e em qual região o analfabetismo é mais agravante.
Vem também, fazendo uma retomada do processo da caminhada da EJA,
apresentando quais eram os objetivos das Campanhas e Programas
destinados a este segmento.
A formação do educador, tem seu espaço neste trabalho, buscando apresentar
a situação e o descaso de investimentos nestes profissionais.
Dá enfoque, a EJA do Colégio Companhia de Maria e, o processo que vem
desenvolvendo em busca de uma formação integral do educando, respeitando
seu processo e interagindo com os outros segmentos do Estabelecimento, com
o objetivo de valorizar o que cada educando traz e, trocar estas experiências.
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METODOLOGIA
A metodologia utilizada nesta Monografia foi fundamentada em pesquisa
bibliográfica, considerando autores da área de Educação Popular e da EJA
acompanhada, também,de questionário com educandos e educadores da EJA
do Colégio Companhia de Maria.
Questionário respondido pelos educandos da EJA
1. - Qual a sua idade?
2. Qual é o seu nome?
3. Em qual o Estado do Brasil você nasceu e cresceu?
4. Onde você mora atualmente?
5. Porque você está começando estudar agora?
6. Qual o módulo da EJA você está cursando?
7. Você percebeu alguma mudança em sua vida depois que entrou para
escola?
8. Quais mudanças?
9. O que você pode fazer depois que começou a estudar e que não
conseguia fazer antes?
10. Você indicaria este curso a outras pessoas? Por quê?
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Questionário respondido pelos educadores da EJA.
1. Qual é seu nome?
2. Professora, qual a sua formação?
3. Há quanto tempo você atua como educadora da EJA?
4. Por que você quis ser educadora da EJA?
5. Como você trabalha para que a EJA deixe ser simplesmente uma
escolaridade compensatória para as pessoas que não conseguiram
estudar no tempo devido e, passe a ser uma formação integral?
6. Que fatos comprovam esta formação integral?
7. Qual a metodologia usada por você?
8. Que recursos você tem para desenvolver este trabalho? O que falta
9. Liste algumas características do público da EJA.
10. De que forma você trabalha em seu cotidiano a autoestima deste
educando?
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 09
CAPÍTULO I - ALGUMAS REFLEXÕES INICIAIS 11
CAPÍTULO II - PASSEANDO SOBRE OS CAMINHOS DA EJA 18
CAPÍTULO III – A EJA NO COLÉGIO COMPANHIA DE MARIA 28
CONCLUSÃO 42
ANEXOS 46
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 63
ÍNDICE 65
9
INTRODUÇÃO
Frente à falta de conscientização de suas potencialidades, a classe popular se
encontra encurralada nesta sociedade que os marginaliza, exclui e tutela,
tirando-lhes o direito de viverem como sujeitos, cidadãos capazes de
exercerem seus direitos e deveres.
Neste contexto, pensar em Educação de Jovens e Adultos é refletir sobre uma
vasta experiência de vida e motivações que engrandecem estas pessoas.
Devido ao analfabetismo, muitas delas não podiam exercer seu papel de
cidadão, deixando de votar, e até mesmo sair de casa, pois não sabem pegar
uma condução ou encontrar o endereço desejado. Como afirma DEMO:
“o desafio maior da cidadania é a eliminação da pobreza
política, que está na raiz da ignorância acerca da
condição de massa de manobra (...), pois o não cidadão é
sobre tudo quem, por está coibido de tomar consciência
crítica da marginalização que lhe é imposta, não atinge a
oportunidade de conceber uma história alternativa e de
organizar-se politicamente para tanto. Entende injustiça
como destino. Faz a riqueza do outro sem dela participar”
(DEMO, 1995).
Diante disso pergunto: Como buscar a emancipação, sem participação e
organização coletiva? Como fazer leitura da realidade, para transformá-la, se
não têm uma educação que favoreça este processo? Por que o índice de
analfabetismo em nosso país é tão elevado? Qual a relação de nossa prática
de educadores com este índice? Como exercer a cidadania em uma sociedade
que deixa à margem aqueles que não são “poderosos” financeiramente? Qual
o objetivo dos programas desenvolvidos para EJA no Brasil? A proposta
educacional da EJA consegue realizar esta transformação integral? A
metodologia usada no Colégio da Companhia de Maria está realmente
desenvolvendo um trabalho educativo na EJA para que ela seja integradora? A
10
EJA é realmente um meio de inclusão social? Como este processo de
transformação atua na relação entre educando e educador?
Sabendo que cada aluno tem sua própria caminhada, a EJA vem sendo um
espaço de socialização, integração e realização pessoal. Este saber adquirido
se apresenta através de atividades desenvolvidas por estes alunos, que
comprovam a habilidade de cada um e onde se percebe, realmente, que o que
faltava para eles, era a oportunidade de estudarem e revelarem o saber que
cada um carrega consigo.
Por este motivo, este trabalho pretende analisar e demonstrar como o aluno da
EJA encontra-se incluído no contexto social e como sua leitura de mundo e
valorização pessoal cresce e modifica a medida que ele vai acreditando em sua
capacidade de pensar, agir e fazer-se pessoa autônoma na sociedade.
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CAPÍTULO I
ALGUMAS REFLEXÕES INICIAIS
O analfabetismo no Brasil é considerado, há muito tempo, calamidade pública.
Embora seja a 8a. Economia do mundo, o Brasil apresenta um triste cenário
educacional, no conjunto de todas as nações do mundo.
• Possui, aproximadamente, 14,1 % milhões de pessoas analfabetas.
• Um em cada cinco brasileiros (20,3%) é analfabeto funcional, de acordo
com a Pnad de 2009. É considerado analfabeto funcional, a pessoa com
menos de quatro anos de estudo.
• No Nordeste, este índice sobe para 18,7 %; no Norte, 10,6 %; no
Sudeste, 5,7%; no Centro-Oeste, 8,0% e no Sul, 5,5%;
• Com relação à Educação de Jovens e Adultos, a situação ainda é pior.
• Com tantas Campanhas, o problema ainda está longe de ser
solucionado. A discrepância de analfabetos entre homens e mulheres
em 2009, com 15 anos ou mais de idade, indica 9,8% para os homens e
9,6% para as mulheres . Assinala, ainda, uma taxa de 92,6% de
pessoas com faixa etária de 25 anos ou mais de idade.1
Existem ainda outros fatores que influem neste índice, tais como:
ü Má distribuição de renda;
ü Remuneração salarial insuficiente ( a família muitas vezes obriga a
criança ou adolescente a interromper os estudos para ingressar
precocemente no mercado de trabalho, ou pedir esmola, vender
souvenir ou até mesmo se prostituir, para aumentar o orçamento da
casa);
ü Falta de moradia decente;
ü Falta de saneamento básico;
1 Jornal O GLOBO em 09/09/2010
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ü Saúde precária;
Como nos apresenta SUNG:
“assim como a moral individualista levou ao consumismo,
que passou a ser o próprio espírito do capitalismo, a
fragmentação das esferas da vida social levou a uma
desarmonia entre a ação de uma delas e o conjunto da
sociedade. Com o atual estágio do desenvolvimento
tecnológico, já seria possível fornecer educação, saúde, e
alimentação para toda humanidade. Mas, dois terços da
população mundial vivem na pobreza e mais de um bilhão
passa fome em todo mundo.” (SUNG, 1995:110).
O pior é que esta situação se agrava gradativamente. O grande número de
desempregados em todo o país é um reflexo desta situação. O sistema
neoliberal suga cada vez mais o pouco que a classe popular possui: o direito
de viver e o de ser cidadãos, que pertencem a todo ser humano.
Isso tudo sem contar com os obstáculos mais gerais no setor educativo.
Vejamos:
ü baixa produtividade do sistema;
ü nível insatisfatório de qualidade de ensino (decorrente das estruturas
funcionais e administrativas);
ü práticas de avaliação de desempenho escolar inadequadas (muitas
vezes, não se leva em consideração o que a criança traz do seu
aprendizado cultural, no dia-a-dia, aplica se uma avaliação comum a
todos, sem levar em conta as diferenças pessoais no processo de
aprendizagem);
ü pouca criatividade do sistema para atender a grupos em situações
específicas (menores de rua etc.);
ü péssimas condições de trabalho para o professor, falta de incentivos
que facilitem a atualização destes, horário de trabalho não compatível
com horário de estudos e formação precária);
ü desigualdade e heterogeneidade de oferta de ensino entre as redes;
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ü dispersão e ineficiência na alocação e na gestão de recursos;
ü enfraquecimento da escola como instituição - chave no processo ensino-
aprendizagem;
ü desarticulação entre os níveis de governos (descontinuidade nas
políticas públicas);
ü baixa sustentação social de projetos pedagogicamente inovadores e de
métodos mais eficientes de administração educacional.
Como podemos observar, o sistema educacional vem mostrando incapacidade
de garantir o acesso, a permanência com qualidade para grupos que estão
profundamente prejudicados pelas desigualdades sociais, onde a exclusão vem
crescendo. E muitos vivem à margem da sociedade. Como afirma O’GORMAN,
ser excluído
“é estar mantido fora, á margem, é receber um salário
injusto; é estar privado de instrução, de atendimento
médico, de crédito; é passar fome; é habitar em barracos
sórdidos; é estar privado da terra por estruturas agrárias
inadequadas e injustas; é não poder participar livremente
do processo de criatividade que forja a cultura original de
um povo. Ser marginalizado é não dispor de
representatividade eficaz, para fazer chegar aos centros
decisórios as próprias necessidades e aspirações ; é ser
contemplado , não como sujeito de direitos , mas como
objeto de favores outorgados na medida necessária à
redução das reivindicações ; é ser manipulado pela
propaganda. É não ter possibilidade de participar. É ser
privado do conhecimento da dignidade que Deus conferiu
ao homem” (O´GORMAN, 1982:67).
Esta é a situação de uma grande maioria. O povo, desacreditado pelos
governantes ou desperdiçado, enquanto grupos pensantes são utilizados como
meios de manobras, de políticas eleitoreiras, que visam não o bem estar da
comunidade, e sim, o número de votos na época de eleições. São manipulados
com promessas falsas, com ajudas que resolvem problemas imediatos,
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entretanto, as mais necessitadas como Escola, moradia e saúde, ficam sempre
nas promessas. Outro ponto que merece uma reflexão mais profunda é a
formação dos educadores. É necessário que haja uma reflexão crítica sobre a
prática do educador para que ela não se torne puramente um ato de ativismo e,
para que ocorra uma formação docente crítica. É necessário que o próprio
educador tenha consciência de seu papel enquanto sujeito e “se convença
definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar
possibilidade para a sua produção ou construção” (FREIRE, 1996:25). Neste
sentido, a pesquisa deve ser algo constante na vida do educador/educando,
por ser através dela que vamos alimentando nossas curiosidades e
estimulando nossa sede de aprender e ensinar; por onde vamos também
criando uma consciência crítica, consciência esta que deve levar sempre em
consideração o saber comum, porém sem deixar de estimular a capacidade
crítica do educando, respeitando o senso comum, mas também não deixando
de conduzir os educandos, principalmente das classes populares, a refletirem
sobre sua realidade, por exemplo, de como se encontra o seu bairro, se existe
lixo nas ruas ou se mesmo existem ruas, se correm esgotos abertos pelas ruas,
conforme a realidade de muitas Comunidades. É fundamental refletir sobre o
porquê desta situação não ocorrer em bairros de pessoas ricas. Estando
conscientes de tal situação, é possível comparar, intervir, decidir e tentar
romper com esta realidade. Como afirma RODRIGUES:
“preparar o homem cidadão significa dotá-lo de condições
de conhecimento, de condições de fazer sua própria
opção de definir as diretrizes de sua vida, de analisar e
julgar os que decidem em seu nome. Torná-lo capaz,
enfim, de compreender a realidade do mundo moderno”.
Rodrigues enfatiza ainda que “a escola tem que preparar
o cidadão para o exercício pleno da cidadania, que
corresponde à capacidade de analisar e compreender a
realidade, criticá-la e atuar sobre ela, enfim, de adquirir o
senso de liberdade” (RODRIGUES, 1986:65).
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A educação neste sentido é básica para que o cidadão exerça a cidadania, e
que esse exercício de cidadania seja vivenciado a partir dos primeiros passos
dentro da escola. Sabemos que a educação sozinha não resolve nada; porém,
se articulada com outros segmentos da sociedade, torna possível a
consolidação das transformações desejadas.
No entanto, para que isso ocorra, é necessário que a escola participe
ativamente da formação do cidadão, fornecendo uma base sólida de
conhecimentos gerais, no desenvolvimento de projetos educativos que deem
oportunidades à vivência de relações sociais. A formação de indivíduos com
vontade política, consciência crítica dos próprios objetivos e visualização de
seus direitos e deveres, é uma tarefa da educação e, como sabemos, nem
sempre esta tarefa é realizada.
Falta uma boa formação para o próprio educador, que ainda não consegue
articular sua prática pedagógica com os movimentos da sociedade civil. Este
problema é um desafio que, com certeza, exigirá novas estratégias na
formação deste profissional da educação. KRAMER esclarece que
“é preciso trabalhar as áreas do conhecimento sem ser na
perspectiva de recuperar a formação precária do
professor. Garantir o acesso a livros, filmes, peças
teatrais, museus e laboratórios, deve ser uma função
permanente das escolas de formação de professor de tal
maneira que eles possam se apropriar desses
conhecimentos”. (KRAMMER, 1995:8).
O professor precisa ampliar seus conhecimentos para poder ser um agente
transformador das classes oprimidas, ou seja, é necessário que ele tenha um
conhecimento ampliado para compreender o mundo em seus diversos
aspectos - culturais, econômicos, sociais, políticos, etc... É preciso que o
educador tenha prazer em conhecer, pois o conhecimento serve, também, para
cultivar as pessoas, torná-las mais importantes e felizes.
É necessário também criar espaços para reflexão coletiva sobre a prática
profissional; participar das associações e entidades de classes; lutar pela
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definição de uma política educacional, para que haja melhores salários, melhor
formação, instalações e equipamentos adequados às necessidades locais; lutar
pela autonomia pedagógica para ajudar ao educando compreender a sua
realidade, enfim, fazer do programa um meio e não um fim. Como afirma
Madalena Freire:
“a formação do professor é algo que deve ser construído
com muita paciência, passo a passo. A paciência de um
educador que se envolve na formação de outro educador
é essencial, para que esse outro educador, pouco a
pouco, vá aprendendo a discutir coletivamente sua própria
prática, e vá aprendendo a crer em si mesmo como
construtor desse processo. Construir o educador como
responsável por sua prática - e, portanto como sujeito - é
algo que se dá como processo histórico, lento, porém,
durável” (FREIRE, 1990:24).
Neste sentido, ensinar e aprender é estar aberto para acolher o que cada
educando traz, para juntos, descortinarem as indagações, as curiosidades o
senso crítico e a criatividade nata em cada um. Cabe aos educadores, unirem–
se para refletirem sobre suas funções e buscarem práticas cabíveis para
solucionarem os problemas, principalmente de formação. Conforme Romão:
“O primeiro compromisso político do Professor é com a
mobilização e organização do conjunto de categoria, cujos
objetivos não podem se limitar às reivindicações
corporativas. Esta deve estar articulada a projetos de
expansão quantitativa e qualitativa da Educação Básica,
pois sua legitimidade só se constrói no interior de um
projeto pedagógico comprometido com a transformação
social, no sentido dos interesses da maioria da
população” (Gadotti, Romão, 2006:67).
É neste sentido que a EJA do Colégio Companhia de Maria se propõe,
juntamente com educandos e educadores, a buscar a mudança em um
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processo de promoção humana, na percepção crítica da sua realidade, refletida
e valorada, solidarizando uns com os outros, na esperança comprometida com
a transformação das relações sociais, onde a luta contra a injustiça social
frutifique em realizações a favor dos mais desfavorecidos, buscando uma
inclusão das quais todos são capazes quando as oportunidades lhes são
proporcionadas. Como afirma Paulo Freire: “Aprender para nós é construir,
reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à
aventura do espírito.” (FREIRE, 1996:69).
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CAPÍTULO II
PASSEANDO SOBRE OS CAMINHOS DA EJA
“o ritmo e a direção assumidos pelo desenvolvimento do
sistema educacional no Brasil foram delimitados pelo grau
de desenvolvimento das forças produtivas e das relações
de produção, bem como pelo estágio de organização
política alcançado pelas forças sociais em conflito na
nossa sociedade ou seja, as manifestações concretas do
binômio industrialismo/democracia que se constituem nos
marcos delimitadores das mudanças qualitativas e
quantitativas da educação nacional dos anos 30 até os
dias de hoje. A excludência e a discriminação da
educação brasileira têm, pois, determinações econômicas
e políticas específicas de um capitalismo
subdesenvolvido”(NEVES, 1997:20)
Descrever o histórico da EJA no Brasil é tomar consciência da luta constante
deste segmento em buscar, cada dia, seu reconhecimento através de várias
campanhas.
Fazendo uma retomada da educação a partir do período colônia até 1822
temos a Educação jesuítica que tinha como principal objetivo os trabalhos
manuais, ensino agrícola e com menos ênfase, a leitura e a escrita.
De 1822 a 1889, no período Imperial, com a 1ª Constituição em 1824, vem
destacando a instrução Primária, gratuita e oferecida a todos os cidadãos.
Porém, isso não aconteceu, pois os jovens e adultos ficaram de fora, como
também, mulheres e negros. Com a Revolução de 1930, difunde-se o Ensino
Técnico- profissional, preparando para a mão de obra do mercado e a indústria.
O Manifesto dos Pioneiros em 1932 visava um ensino público e gratuito para
todo país. Este Manifesto surgiu do movimento dos pioneiros, o qual acreditava
19
que a solução para o desenvolvimento do país seria através da Educação.
Devido ao Manifesto, um ano depois, se levanta a Bandeira Paulista de
alfabetização.
O Plano Nacional de Educação, que declara que a educação é direito de todos,
é obrigatório, gratuito, estendendo o Ensino primário aos adultos.
Com o Golpe de Estado em 1937 e com a Constituição do mesmo ano,
mantém-se a gratuidade, mas se enfatiza o ensino profissional e pre-
vocacional voltado às classes excluídas, fortalecendo a concepção de que as
mesmas têm “que encaminhar ao sistema produtivo e dele ser dependente “
De 1937 a 1945, na Era Vargas e Ditadura do Estado Novo, abriu-se um
espaço para a Educação de Adultos. Com a criação do Fundo Nacional do
Ensino Primário, foi contemplado o Supletivo de Adolescentes e Adultos.
A Reforma Capanema, oferecendo estruturas próprias ao Ensino Industrial,
Comercial, Secundário, Primário, Normal e Agrícola, tenta estruturar o Sistema
educacional, sendo a mais organizada e abrangente até o momento. Neste
período, surge o SENAI em 1942 e o SENAC em 1946, buscando atender
grande parte de Jovens e adultos com escolaridade baixa.
Com a deposição de Vargas e o surgimento das forças progressistas, percebe-
se que, para o desenvolvimento do país, era preciso reforçar a educação.
Neste contexto, surge a UNESCO no plano internacional, enfatizando a
educação de Jovens e adultos. No fim da ditadura, com a Constituição de
1946, o Brasil vive o fervor da política da redemocratização. Em 1947, é
promovido pelo Governo Federal o I Congresso de Educação de Adultos,
dando, assim, início à Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos
(CEAA), extinta em 1963. Também, neste mesmo ano, o Serviço de Educação
de Adultos (SEA) é criado com o objetivo de alfabetizar no curso primário, em
dois períodos, durante sete anos.
A Educação de Jovens e Adultos tem sua maior expressão no período de 1950
a 1960. A Educação de Jovens e adultos, em 1963, com o ll Congresso
Internacional, realizado em Montreal, passa a ser vista como “continuação
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formal, permanente e como educação de base ou comunitária”. Surgindo, na
década de 60, os Movimentos populares:
CPC - Centros Populares de Cultura;
MCP - Movimento de Cultura Popular;
MEB – Movimento de Educação Básica;
A Campanha “de pé no chão também se aprende ler”, e o Sistema Paulo Freire
que buscava conscientizar e valorizar a pessoa humana a partir de sua
realidade.
Com a Ditadura, a partir de 1964, vários destes programas foram extintos e o
governo conta com apoio da Cruzada ABC ( Ação Básica Cristã).
Em 1970 surge o MOBRAL – Movimento Brasileiro da Alfabetização, criado
pela Lei nº 5.379, pensando na formação de mão de obra para o
desenvolvimento econômico, fazia restrições ao método Paulo Freire.
Permaneceu até os anos 80, depois, com o nome de ( Educar) Fundação
Nacional para Educação de Jovens e Adultos.
Com a Lei n° 5.692/71, o Ensino em vigência, muda sua estrutura. Diminui o
acesso ao ensino Superior e une o primário e ginasial em um único bloco –
Primeiro grau- e o secundário como profissional, objetivando assim, adequar o
sistema de mercado, reduzindo os gastos com a Educação e, ainda, reprimir a
pressão social pelo ensino superior. Esta Lei é a primeira que contempla a
Educação de Jovens e Adultos com o ensino Supletivo de estrutura própria
para atender este público. De acordo com Romão:
“Ora, sabemos que a Lei de nº 5.692 de 11 de agosto de
1971, outorgada pelos governos de exceção, ao
estabelecer as diretrizes e base do ensino de 1º e 2º
graus, não incluiu os excluídos da escola na idade própria
do Sistema de Ensino, mas criou uma espécie de sistema
paralelo, que previa cursos e exames supletivos. Os
cursos desdobravam- se em quatro modalidades:
suprimento, suplência, aprendizagem e qualificação
profissional.” ( GADOTTI,ROMÃO, 2006: 50-51)
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Já em 1985, com as Diretas Já, há uma reação da sociedade que se organiza
reagindo contra a Ditadura. A Constituição de 1988, na qual a Educação é
colocada como direito de todos e dever da família e do Estado, estabelece um
prazo para erradicar o analfabetismo em dez anos.
Em 1990, livres da Ditadura, deseja-se uma política para EJA que pudesse
promover, resgatar o direito à educação e à cidadania.
Em 1991, Nasce o Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania ( PNAC)
lançado pelo então Presidente Collor. Devido a seu impeachment, tal programa
foi suspenso e Itamar, que o substitui, deixa o PNAC esquecido. Itamar cria o
Plano Decenal em 1994, mas também foi esquecido por Fernando H. Cardoso
ao assumir a presidência Como afirma GADOTTI:
“Parece que hoje o governo está desarmado teoricamente
e praticamente para enfrentar o problema da educação
para todos os brasileiros. Assinou a “Declaração Mundial
sobre a Educação para Todos e o Plano de Ação para
Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem”,
principais documentos da Conferencia Mundial sobre
Educação para Todos (Jomtien, Tailandia,), 1990), mas
não demonstra vontade política para honrar os
compromissos assumidos” ( ROMÃO,GADOTTI,2006: 38)
Em 1995, o Plano Nacional de Formação do Trabalhador (PLANFOR), ligado à
Secretaria de Formação Profissional do trabalho e, não ao MEC, pretendia
desenvolver a formação voltada para o mercado de trabalho e, também, a
melhoria da escolarização de jovens e adultos.
A Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDBEN) elaborada em
1996, transforma novamente, a EJA em cursos e exames supletivos, tirando o
que a lei chamava de Ensino Noturno. Vejamos na íntegra:
Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada
àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de
estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.
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§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente
aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os
estudos na idade regular, oportunidades educacionais
apropriadas, consideradas as características do alunado,
seus interesses, condições de vida e de trabalho,
mediante cursos e exames.
§ 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a
permanência do trabalhador na escola, mediante ações
integradas e complementares entre si.
§3º A educação de jovens e adultos deverá articular-se,
preferencialmente, com a educação profissional, na forma
do regulamento.( Incluído pela Lei nº11.741, de 2008)
Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames
supletivos, que compreenderão a base nacional comum
do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos
em caráter regular.
§ 1º Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão:
I - no nível de conclusão do ensino fundamental, para os
maiores de quinze anos;
II - no nível de conclusão do ensino médio, para os
maiores de dezoito anos.
§ 2º Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos
educandos por meios informais serão aferidos e
reconhecidos mediante exames2.
Esta Lei, normatiza, flexibiliza, e dá autonomia aos Conselhos Estaduais de
Educação na criação e heterogeneidade nas modalidades dos cursos
implantados.
Em 1995, Ruth Cardoso cria o Programa de Alfabetização Solidária (PAS) que
permaneceu até 2003. Tinha como objetivo buscar institucionalização com os
2 www.planalto.gov.br/03/leis/L9394.htm em 13/08/2010 as 16:25
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Governos municipais e outras parcerias para combater o analfabetismo. O PAS
ultrapassou fronteiras chegando a Moçambique, São Tomé e Príncipe em
2001. .
.Em 1998, vinculado ao INCRA e não ao MEC, surge o Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária (PROMERA),voltado para os trabalhadores
rurais e assentados. Formou parceria com as universidades, o que possibilitou
a este grupo formação até o Ensino Superior
O PLANFOR que é substituído pelo Plano Nacional de Qualificação ( PNQ),
com duração de 2003 até 2007, vinha destacando as mudanças nas
dimensões políticas, institucionais, pedagógicas e éticas
A Secretaria de Educação Continuada, um órgão do MEC, assume o Programa
Brasil Alfabetizado, juntamente com outras parcerias e, pretendia, como outros,
a erradicação do analfabetismo no Brasil. Não parando por aí, surgem outros
Programas da EJA, tais como:
ü Fazendo Escola/Recomeço em 2001, aprovado pelo Governo;
ü Movimento da Educação de Base, apoiado pela CNBB, atuando nas
áreas carentes e desenvolvendo ações sociais e de educação popular;
ü O Telecurso 2000, que a Fundação Roberto Marinho e a Fundação das
Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) desenvolveram com cursos
Supletivos de educação básica à distância, tendo abrangência em todos
os Estados do país;
ü SESC Ler, que tinha como objetivo a ação social;
ü O Projeto por um Brasil alfabetizado do SESI;
ü Mova Brasil, com parceria com Instituto Paulo Freire e a Petrobrás e
ü Cursos Supletivo Regular Noturnos.
De acordo com as Diretrizes do PNE... na Seção V:
“A necessidade de contínuo desenvolvimento de capacidades e competências
para enfrentar essas transformações alterou a concepção tradicional de
educação de jovens e adultos, não mais restrita a um período particular da vida
ou a uma finalidade circunscrita. Desenvolve-se o conceito de educação ao
longo de toda a vida, que há de se iniciar com a alfabetização. Mas não basta
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ensinar a ler e a escrever. Para inserir a população no exercício pleno da
cidadania, melhorar sua qualidade de vida e de fruição do tempo livre, e
ampliar suas oportunidades no mercado de trabalho, a educação de jovens e
adultos deve compreender no mínimo, a oferta de uma formação equivalente
às oito séries iniciais do ensino fundamental. De acordo com a Carta Magna
(art. 208, I), a modalidade de ensino "educação de jovens e adultos", no nível
fundamental deve ser oferecida gratuitamente pelo Estado a todos os que a ele
não tiveram acesso na idade própria. Trata-se de um direito público subjetivo
(CF, art. 208, § 1º). Por isso, compete aos poderes públicos disponibilizar os
recursos para atender a essa educação”.
Vejamos algumas Metas do PNE:
7. Assegurar que os sistemas estaduais de ensino, em regime de colaboração
com os demais entes federativos, mantenham programas de formação de
educadores de jovens e adultos, capacitados para atuar de acordo com o perfil
da clientela, e habilitados para no mínimo, o exercício do magistério nas séries
iniciais do ensino fundamental, de forma a atender a demanda de órgãos
públicos e privados envolvidos no esforço de erradicação do analfabetismo. 24.
Articular as políticas de educação de jovens e adultos com as culturais, de
sorte que sua clientela seja beneficiária de ações que permitam ampliar seus
horizontes culturais.
25. Observar, no que diz respeito à educação de jovens e adultos, as metas
estabelecidas para o ensino fundamental, formação dos professores, educação
a distância, financiamento e gestão, educação tecnológica, formação
profissional e educação indígena. Assim, a Lei abre espaço para reparar os
medos, insegurança, incertezas e exclusão a esta população desejosa de ser
contada como cidadãos na sociedade e no mundo do trabalho. Conforme
MARCHEZAN redator do PNE:
“Para inserir a população no exercício pleno da cidadania,
melhorar sua qualidade de vida e de fruição do tempo
livre, e ampliar suas oportunidades no mercado de
trabalho, a educação de jovens e adultos deve
compreender no mínimo, a oferta de uma formação
25
equivalente às oito séries iniciais do ensino fundamental
(MARCHEZAN, 2000:81).
Tudo que eles desejam é terem a oportunidade e serem reconhecidos como
pessoas capazes de aprender e, também, ensinar o que a vida a eles ensinou
Assim as Metas de erradicação do analfabetismo foram avaliadas com o
compromisso de até 2015, em substituição a 2000, estarem zeradas, no Brasil.
Com a experiência no Fórum do Rio de Janeiro, que buscava espaço de
socialização de informações e de formação continuada, surge a ideia de um
Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos _ ENEJA, que vem
acontecendo em vários Estados. Estes Encontros buscam “ assegurara todos
os cidadãos brasileiros, o direito à educação” Através dos Fóruns e a V
CONFINTEA, e com a colaboração dos ENEJAs, a Educação de Jovens e
Adultos vêm sendo garantida. De acordo com IRELAND:
“A alfabetização é uma parte fundamental, mas não é
única. No Brasil, a EJA tem sido associada à escolaridade
compensatória para as pessoas que não conseguiram ir a
escola quando criança, o que é um erro. A Unesco
trabalha com o conceito dos quatros pilares surgido do
desafio apresentado por um mundo em rápida
transformação: precisamos aprender a ser, a viver
juntos, a fazer e a conhecer. Também há o desafio da
participação, inclusão, que prevê o atendimento das
demandas de aprendizagem da vasta diversidade de
grupos”3
Um outro ganho da Educação de Jovens e adultos foi a inclusão no Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais de Educação(FUNDEB), que garante investimento para
formação dos educadores.
Seria utopia pensar na transformação dessa realidade? Quem responde a esta
pergunta é Freire, quando afirma “utopia é a dialética entre o ato de denúncia 3 Revistaescola.abril.com.br/política-publicas/modalidades/eja em 22/07/2010 as 15:35
26
do mundo que se desumaniza e o anúncio do mundo que se humaniza” (In:
JORGE, 1979:59). Então, estando as pessoas conscientes de sua realidade é
possível transformar sim, “pois essa dialética “ denúncia-anúncio” não é nem
de ontem nem de hoje, nem de amanhã. Ela é uma tarefa de sempre”.
(JORGE, 1979:59). Também Marx em uma citação de LOWY comprova o que
Freire nos diz:
“ aplicando o método dialético, todos os fenômenos
econômicos ou sociais, todas as chamadas leis da
economia e da sociedade, são produtos da ação humana,
e, portanto, podem ser transformados por essa ação. Não
são leis eternas, absolutas ou naturais. São leis que
resultam da ação e da interação, da produção e da
reprodução da sociedade pelos indivíduos e, portanto,
podem ser transformadas pelos próprios
indivíduos”(,LOWY,1988:14).
Afirma Lowy:
“ é a história social e econômica que nos dá a chave para
compreender essas transformações profundas que se
deram na história, na ideologia ou na utopia, seja
religiosa, seja política ou filosófica, seja mesmo da ciência
social, econômica ou política” (LOWY 1988:16).
Todo este percurso vem mostrando que, apesar de tantas Campanhas, a
Educação de Jovens e Adultos continua sua luta para ir, aos poucos,
conquistando seu espaço. Investir neste grupo é acreditar na capacidade
desses alunos, em sua formação integral, como forma de interagir na
sociedade, como pessoas pensantes que contribuem para o crescimento de
nosso país.
27
CAPÍTULO III
A EJA NO COLÉGIO COMPANHIA DE MARIA
1 Um breve histórico da Ordem da Companhia de Maria
A Ordem da Companhia de Maria foi o primeiro Instituto religioso apostólico
aprovado pela Igreja para a educação de meninas, com organização e traços
adaptados ao seu caráter docente, apresentando as seguintes características:
união da vida contemplativa e ativa, espiritualidade Inaciana e dimensão
mariana, tendo sempre em vista a educação da juventude. Desde o início até o
século XIX, a Educação foi gratuita. A influência inaciana reflete-se na
espiritualidade, nas constituições, na organização do trabalho, na formação, na
ascese e na vida comunitária. (cf “Joana de Lestonnac e a Companhia de
Maria Nossa Senhora” – Editions Fleurus, por ocasião da Celebração dos 350
anos da morte de J. Lestonnac – pág. 14).
Todo carisma é um dom do Espírito Santo à Igreja, para a realização de uma
missão específica. O carisma legado por Joana de Lestonnac e mantido vivo
pelas Irmãs da Companhia de Maria é a Educação. Três expressões
simbolizam e fazem a diferença neste trabalho educativo: “Manter a chama”,
“Estender a mão” e “Plenificar o nome”. A primeira expressa todo o ardor e a
afetividade que estão no cerne desta educação, que pretende ir além da
formação da inteligência, pois busca a formação integral. É o cuidado da
pessoa, o trabalho para o desenvolvimento de todas as suas potencialidades e
dons recebidos de Deus. A segunda mostra a dimensão da solidariedade
presente na proposta educativa. Não se educa a pessoa isoladamente, mas em
relação com os outros. A terceira diz respeito ao nome de Maria, Mulher plena,
inspiradora da instituição Companhia de Maria. “Na Casa de Nossa Senhora”
era a rubrica que sempre acompanhava a assinatura de Joana de Lestonnac.
As características de sua personalidade possibilitaram explicitar e adequar a
força do Carisma às diferentes circunstâncias, tempos e lugares. (Diretório
Pedagógico, 2007:39)
28
Dez anos após a morte de Joana de Lestonnac, em 1650, a Companhia de
Maria chega a Barcelona e em 1687 a Tudela, ambas as casas situadas na
Espanha, as quais foram as promotoras da expansão da Companhia na
Espanha e na América, durante os séculos XVIII e XIX.
A chegada das primeiras Irmãs da Companhia de Maria ao Brasil aconteceu no
ano de 1936, no mês de junho, em Santa Cruz do Rio Pardo/SP, e em outubro
do mesmo ano, na cidade do Rio de Janeiro, no bairro Grajaú. Um mês depois,
em 25 de julho, iniciavam o jardim de infância com 60 crianças, a catequese e
a escola noturna para adultos. A inauguração oficial do Colégio ocorreu em
1940. Para a fundação do Colégio do Rio de Janeiro, chegou, em 18 de
outubro de 1936, um grupo de 12 religiosas.
Santa Joana de Lestonnac legou-nos o carisma de educar como a melhor
forma de apostolado. A partir do Projeto Educativo, presente nas Constituições,
todas/os as/os educadoras/es da Companhia de Maria são chamadas/os a
colaborar na formação do homem novo, para a construção de uma sociedade
fraterna, onde a fé se manifeste em obras de justiça.
Quatro critérios caracterizam a vocação de Joana como educadora e iluminam
o fazer pedagógico, a saber:
1.1 Visão realista do mundo
Para Joana de Lestonnac, o bem e o mal mesclam-se nos indivíduos, nas
estruturas e nas sociedades. Este mundo é um mundo redimido por Cristo, e
nada deve ser rechaçado. Cada pessoa e cada acontecimento devem ser
discernidos, para ver até que ponto nos conduzem a Deus, ao fim para o qual
fomos criados.
Esta visão, este modo de educar, surgiu em uma época bastante
convulsionada por acontecimentos que marcaram profundamente a visão de
mundo. Os métodos precisavam renovar-se e enriquecer-se, a fim de
responder aos “tempos e lugares”; contudo, o espírito permanece o mesmo.
1.2 Qualidade e excelência da Educação
A educação precisava ser de qualidade. Este projeto tinha como objetivo
formar cristãos maduros, capazes de descobrir a vontade de Deus, ser
29
membros ativos em uma sociedade a partir de valores cristãos, ter bem
assimilado um conjunto de conhecimentos. O fazer pedagógico não era
concebido somente como uma profissão, mas um serviço que se manifestasse
em forma de apoio e descoberta do sentido da vida. Não se pode ser educador
com uma postura ambígua ante a moralidade, a espiritualidade ou a religião.
“Viver na verdade, com um olhar transparente e um coração próximo, ter clara
a própria identidade, dar a vida gratuitamente, são algumas condições
necessárias para que a educação seja de qualidade e possa efetivamente
ajudar as pessoas”.
1.3 Educação Integradora
A educação não é uma função que se realiza mediante ações isoladas e/ou
desintegradas. É uma missão que leva a cabo um processo contínuo e diário. É
um serviço total, a exemplo de Cristo. Esta integração deve caracterizar o
corpo apostólico, bem como a comunidade educativa. As comunidades
deveriam ser centros de amizade e comunhão, e os centros educativos,
“escolas de doutrina e santidade”, onde se integrem a virtude e a ciência, ou
seja, é uma forma de expressar a indissociabilidade fé – vida, pois a fé deve
dar frutos na vida. Joana de Lestonnac tinha clareza de que somente uma
educação integradora é capaz de humanizar. Quando as pessoas alcançam o
desenvolvimento de seu pensamento de modo comprometido e sua liberdade
em comunhão com a comunidade inteira, humanizam seu mundo, produzem
cultura, transformam a sociedade e constroem história – “Assim teremos
formado famílias inteiras”, dizia Joana de Lestonnac. Essa educação
integradora exige que os educadores estejam integrados e unificados em seu
próprio ser”. 4
Paulo Freire ilustra bem esta fala, quando diz:
“A existência, porque humana, não pode ser muda,
silenciosa, tampouco pode nutrir-se de falsas palavras,
mas de palavras verdadeiras, com que os homens
transformam o mundo. Existir, humanamente, é
pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, 4 Diretório Pedagógico.
30
por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos
pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar”.
(FREIRE,1975:92)
Paulo Freire não separa a teoria da prática, da mesma forma que Joana de
Lestonnac. Há quatro séculos atrás, ela tinha uma visão do hoje, uma visão
para além do seu tempo, um olhar para o futuro. Para Paulo Freire, teoria,
método e prática formam um todo, guiado pelo princípio da relação entre
conhecimento e conhecedor, constituindo uma teoria do conhecimento, em que
o saber tem um papel importante; é de extrema importância saber escutar as
urgências mais gritantes do momento. Se compreendermos o diálogo como o
encontro dos homens mediatizados pelo mundo, é preciso não perder de vista
o nutriente desta relação: o amor, a humildade, a esperança, a fé e a
confiança, por serem fundamentais, principalmente na prática social. A
humildade é essencial na convivência com o outro. O amor permite o diálogo.
Se não amo o mundo, a vida e as pessoas, o diálogo não ocorrerá. A fé nas
pessoas é outro dado primordial no diálogo. Esta fé nos levará a criar uma
confiança esperançosa na transformação da realidade indesejada, na luta pela
libertação, na liberdade alegre de viver. A confiança implicará no testemunho
que cada sujeito dará aos outros com relação às suas intenções no grupo. Com
este espírito de solidariedade, libertação, união, compromisso e confiança, o
Colégio Companhia de Maria estende as mãos às pessoas mais necessitadas,
no desejo de buscar possibilidades de mudanças, ainda que lentamente...
2. Princípios norteadores do Projeto Educativo Companhia de Maria:
Os centros educativos serão escolas de doutrina e santidade, onde se unam
virtude e ciência. Este princípio expressa a imprescindível integração entre fé e
vida. O projeto educativo de Joana de Lestonnac é um projeto de formação
integral. Põe em destaque o desenvolvimento harmônico de toda a pessoa,
segundo suas próprias condições, enfatizando a formação na vida e para a
vida. Trata-se de capacitar a pessoa para inserir-se na sociedade e estabelecer
relações construtivas, oferecendo sua contribuição a partir de sua verdade
própria.
31
Estes princípios direcionam-se à pessoa do educador ou formador, buscando a
consciência da transcendência da missão, da sabedoria dos livros, da
sabedoria que nasce no coração e é fruto de uma vida coerente, da capacidade
de dialogar e captar os dinamismos que brotam da vida interior. Este projeto
tem como finalidade formar na vida e para a vida, despertando a consciência
do que se exige de uma pessoa cristã: situar-se de modo lúcido no contexto
social. Os meios para se atingirem os fins propostos passam pela reflexão
sobre o que se vive e o que se aprende, aproveitando situações-chave;
confrontar ações e atitudes; passam também por formar para o esforço, para a
vida “ordenada”, para uma sã austeridade, uma correção oportuna e um
ambiente sereno. Os métodos empregados devem levar em conta as
circunstâncias de cada pessoa, atendendo às suas capacidades, dando ênfase
ao essencial: não só memorização, mas assimilação do conteúdo na vida.
Hoje, a Ordem da Companhia de Maria está presente em todos os Continentes
e se organiza por Províncias. O Brasil faz parte da Província Cone Sul,
juntamente com o Chile, a Argentina, o Paraguai e a Bolívia.
O Colégio Companhia de Maria é uma Associação civil de caráter educacional,
cultural, assistencial, confessional, baseada no direito de livre iniciativa, com
sede na Avenida Engenheiro Richard, 107 – bairro Grajaú, no Município do Rio
de Janeiro.
Assim, o Colégio Companhia de Maria tem por objetivos e fins os fixados pela
Constituição da República Federativa do Brasil, na Lei 9394/96 e nos princípios
emanados do Estatuto da Mantenedora – ANECOM – Associação Nacional e
Educacional da Companhia de Maria, das Constituições e da Pedagogia da
Ordem da Companhia de Maria.
Frente aos desafios hoje apresentados pelo mundo, a educação que o Colégio
Companhia de Maria pretende oferecer tem os seguintes objetivos gerais, que
constam em seu Regimento:
ü Humanizar e personalizar o nosso aluno, orientando-o para o seu fim
último, e despertar nele o lugar onde possa revelar-se e ser ouvida a
Boa-Nova de Jesus Cristo;
32
ü Prepará-lo para que seja agente de mudança na sociedade, através de
uma formação cristã, cívica e política;
ü Educar integrando todas as dimensões da pessoa, criando a
Comunidade Educativa.
Os objetivos específicos são:
ü Preparar o educando para que seja sujeito de seu próprio
desenvolvimento, colocando-o a serviço da Comunidade.
ü Proporcionar ao educando espaço para reflexão, o espírito crítico, o
diálogo franco e a busca do verdadeiro sentido da vida.
Paulo Freire afirma:
“A conscientização implica, portanto, que, ao perceber-me
oprimido, eu saiba que só me libertarei se transformar
essa situação concreta em que me encontro oprimido, e
que não posso transformar essa situação em minha
cabeça, porque isso seria idealismo no sentido filosófico
da palavra, seria cair em uma forma de pensar filosófica
na qual a consciência “cria realidade”. A conscientização
implica esta inserção crítica no processo histórico de
transformação.” (FREIRE, 1979:97)
O Colégio Companhia de Maria, no Turno Noturno, oferece Educação de
Jovens e Adultos, abrangendo desde o Ensino Fundamental até o Ensino
Médio. O Colégio está habilitado para estes segmentos, mas, no momento, no
Noturno se oferece a Alfabetização, o Fundamental I e também o “Pré-
vestibular Solidário”, bem como outros projetos, que têm como objetivo
principal atender a pessoas de baixa renda do bairro Grajaú e seu entorno. O
Curso de alfabetização de adultos visa facilitar o processo de alfabetização de
jovens e adultos da comunidade, oportunizar e ampliar a cidadania dos
moradores dessas comunidades, possibilitando a leitura e compreensão de
seus direitos.
No Regimento do Colégio, na seção IV, Art.80º, constam os objetivos
específicos da EJA:
33
ü 1-Possibilitar o acesso à leitura e à escrita de jovens e adultos do bairro
Grajaú e seu entorno;
ü 2-Possibilitar condições para o uso pleno das potencialidades do
educando em direção ao auto-conhecimento e auto-realização;
ü 3- Propor uma ação transformadora, na medida em que busca inscrever
a EJA dentro de um projeto de sociedade mais justa e fraterna, oferecer
aos indivíduos novas inserções no mundo do trabalho, na vida social e
nos demais canais de participação;
ü 4- Promover uma ação solidária, na medida em que toda a Comunidade
Educativa é convocada a participar da EJA como tarefa coletiva e social.
ü 5- Possibilitar ao educando meios de conhecer e reconhecer a sua
dignidade de cidadão brasileiro, por meio do acesso à cultura letrada,
auxiliando sua inserção no âmbito dos direitos civis.
Parágrafo único: a EJA se preocupa com a educação integral dos
jovens e adultos que não tiveram a oportunidade de estudar
regularmente na idade própria, possibilitando, assim, o desenvolvimento
de suas potencialidades e dando-lhes condições para aquisição de
habilidades e conhecimentos necessários para o exercício consciente da
cidadania.” (Regimento, 2007: 50-51).
O projeto Educativo do Colégio Companhia de Maria visa uma educação que
capacite o aluno para o diálogo; ensinar a respeitar e ser respeitado, a ouvir e
ser ouvido; buscar seus direitos, não se esquecendo de seus deveres;
participar da vida científica, cultural, política e social; dar valor às pessoas que
estão ao seu entorno, como seres humanos que são; buscar ultrapassar seus
próprios limites, conforme citação do Multieducação, PEJA I:
“O mundo hoje está em constante transformação e
renovação, ora por retroceder em alguns princípios, ora
por ultrapassá-los. Diante dessa dinâmica, nossa atitude
como educadores deve ser de vigilância e de criticidade,
no sentido de nos percebermos como coautores da
relação educativa... A plenitude não deve ser reservada a
34
alguns poucos. Não é possível negar à maioria a
aspiração de crescer enquanto sujeito, a capacidade e a
possibilidade de autonomia.”
(Multieducação PEJA I,2007: 8)
A sala de aula representa um ambiente estimulador de leitura e escrita, com
material didático que corresponda às necessidades próprias destes educandos.
Além dos serviços de Orientação Pedagógica, Orientação Educacional, Social
e Religiosa, o Colégio oferece o serviço pedagógico, que engloba:
Serviço de laboratório;
Serviço de recursos audiovisuais;
Biblioteca;
Serviço de informática.
A tecnologia utilizada na EJA promove a inclusão digital a serviço do
pedagógico, com perspectiva de democratizar oportunidades educacionais,
fazendo com que estes educandos tenham possibilidades de aumentar seus
conhecimentos através destes instrumentos.
De acordo com texto do Multieducação PEJA I:
“Nossos primeiros passos frente à Educação de Jovens e
adultos precisam ser a compreensão do contexto social,
histórico, cultural e político no qual a EJA está inserida.
Para que essa intencionalidade ético-política não se
esgote no voluntarismo, faz-se necessário torná-la efetiva
e eficaz na processualidade das práticas educativas
referentes à sistematização das aprendizagens, na
especificação dos conteúdos da aprendizagem
pretendida, no estabelecimento das relações
intersubjetivas, na disposição material de lugares, coisas
e tempos, no pleno aproveitamento das virtualidades, dos
recursos e metodologias disponíveis e, sobretudo, na
35
mediação da docência em sala de aula” (Multieducação,
PEJA I 2007:9-10).
Assim, os alunos da EJA recebem sua formação juntamente com os alunos do
diurno, inclusive nos momentos culturais, como festa junina, onde a cultura dos
alunos de diversos estados, conforme anexo xxx, página x, apresenta sua festa
como tal. Também no trabalho conjunto, nos momentos de “Escola Aberta”,
onde os próprios alunos apresentam à comunidade os trabalhos desenvolvidos
durante o ano. Outro momento são os projetos desenvolvidos nos dois turnos
sobre literatura, conforme fotos no anexo I.
Os alunos do Noturno também confeccionaram seus próprios livros de receitas,
poesia e contos, conforme anexo II.
Estes trabalhos demonstram a formação integral destes alunos, que vão
acreditando na capacidade de criar e se fazer presente, no espaço escolar, em
uma decolagem para a sociedade em geral.
Segundo a coordenadora da EJA, Marta Pereira, para que o trabalho
desenvolvido na EJA deixe de ser simplesmente uma escolaridade
compensatória para as pessoas que não conseguiram estudar no tempo devido
e passe a ser uma formação integral, ela trabalha “visando respeitar a
diversidade de saberes, com uma educação voltada para a transformação
social, valorizando a pessoa e procurando estratégias que despertem suas
habilidades e competências”.
A seguir, apresentamos o parecer das professoras com relação à formação
integral dos alunos:
A professora Mônica, ao comentar sobre a formação integral dos alunos, diz:
“Já lecionei para alunos que hoje deram continuidade aos estudos e estão
muito felizes por estarem em uma nova etapa de vida, vencendo os obstáculos
de cada dia.”
A professora Carla diz: “Tenho alunos que saíram do Colégio Companhia de
Maria, módulo 4, e hoje estão cursando o 6º ano em outra escola. Sempre
trocamos experiências e eles afirmam que querem continuar e terminar o
Ensino Fundamental; alguns falam até na tão sonhada Faculdade.”
36
A professora Sandra trabalha desta forma a auto-estima de seus alunos no
cotidiano: “primeiramente, ajudando-os a resgatar sua identidade, valores e
tudo o que trazem como saber, o que, muitas vezes, é atropelado pela
sociedade.”
A professora Denise fala sobre como trabalha a autoestima dos alunos:
“Conversando com eles, ouvindo, apoiando, estimulando na aprendizagem
etc... Enfim, dando carinho e atenção de forma única e igual para todos”.
O testemunho dos alunos vai comprovando o significado de sair do anonimato
e conseguir se manifestar a partir da leitura e da escrita.
Ao perguntar a D. Terezinha, de 56 anos, o que ela conseguiu realizar ao
aprender a ler e escrever, ela responde: “Converso melhor, tenho um emprego
melhor e isso está me realizando muito”.
Roseane, de 28 anos, conta: “Antes de estudar, eu não conseguia ler os
bilhetes da escola dos meus filhos; hoje, leio tudo e ensino os trabalhos de
casa para eles... Posso escrever cartas, ler livros e querer aprender mais.”
D. Maria das Graças, de 65 anos, declara: “Hoje eu consigo ler as coisas que o
mundo oferece, assinar com segurança o meu nome, ler receitas, aprendi a
falar melhor e conheci novas pessoas.”
É incrível o sentido da vida que as pessoas adquirem, quando percebem que
podem mudar, que é possível quebrar os paradigmas existentes e conquistar
seu espaço.
Como podemos observar, estas pessoas estavam sedentas de saber, ser
reconhecidas como cidadãs, estudar, cumprir seus deveres... Elas se sentem
restauradas por meio de seu próprio esforço. As relações com a sociedade,
com a família... tudo é motivo de vida.
Como esclarece DEMO:
“O processo emancipatório constitui um fenômeno
profundo e complexo, de teor tipicamente político, que
supõe, concretamente, a formação de um tipo de
competência, ou seja, de saber fazer-se sujeito histórico
37
capaz de pensar e conduzir seu destino. Assim, no início
está a contestação ou a consciência crítica. Tudo começa
com a capacidade e a coragem de dizer Não. Não à
condição de massa de manobra. Não à manipulação
imposta pelas elites. Não aos governos clientelistas e
corruptos.” (DEMO, 1995:133).
É preciso acordar e tomar consciência de que existe um sistema opressor sim,
mas que podemos tentar ir contra seus preceitos, procurando romper as
barreiras, buscando o respeito mútuo; precisamos nos conscientizar de que
“ninguém liberta ninguém, ninguém liberta sozinho, a libertação se dá em
grupo.”(FREIRE). Grupo consciente, ativo e fraterno, onde o respeito à vida e
aos pertences do outro tenha seu lugar. Ser utópicos nos tira da inércia em que
nos encontramos. A utopia nos impulsiona a dar passos em direção ao novo,
ao que nos desafia. Sem utopia não há esperança. Esperança em um mundo
mais solidário e menos solitário.
Observando a Proposta pedagógica da EJA, percebemos que suas orientações
didáticas pedem o trabalho em grupo, como interação entre os alunos para a
construção do conhecimento mútuo; atenção à diversidade, respeitando as
diferenças, buscando sempre a inclusão, não a discriminação.
A organização do espaço e do tempo é peça chave para o desenvolvimento
integral destes educandos; flexibilidade para atender à diversidade, à
necessidade de interação e dinamização das atividades; potencialização da
ação dos professores e educandos para a partilha, favorecendo as exposições,
representações, comemoração dos aniversários; organização de materiais
diversificados e socialização deste material.
A proposta pedagógica da EJA pretende que, ao final do curso, os educandos
possam:
ü Compreender a cidadania como um conjunto de direitos e deveres
políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de
participação, solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças e
discriminações, respeitando e fazendo-se respeitar;
38
ü Perceber-se integrantes e agentes transformadores de seu meio,
contribuindo ativamente para o desenvolvimento e melhoria do meio
ambiente;
ü Valorizar e conhecer a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro,
respeitando-o e indignando-se com preconceitos de raça, sexo, crenças
e outras características individuais;
ü Conhecer as características fundamentais do Brasil em todas as suas
dimensões, como meios para construir progressivamente a noção de
identidade nacional, pessoal e o sentimento de pertença ao país;
ü Desenvolver o conhecimento de si mesmos e a confiança em suas
capacidades afetivas, físicas, cognitivas, éticas, de relação pessoal e de
inserção social;
ü Utilizar a língua portuguesa para compreender e produzir mensagens
orais e escritas;
ü Saber usar as diferentes fontes de informações e recursos tecnológicos
para a construção de conhecimentos, viabilizando a inclusão digital.
(Proposta Pedagógica da EJA Cia Maria, p. 31-32).
A confiança e o sonho são armas que nos ajudam a lutar por um mundo mais
justo, onde a união será a única força a dominar. Como afirma SUNG:
“Nossos problemas sociais não são impossíveis de serem
solucionados. Sabemos que somos capazes de sonhar e
de ter utopias que estão além da nossa condição humana.
Mas, sabemos também que a solução destes problemas
sociais faz parte de sonhos factíveis. E são estes sonhos
que abrem horizontes para pensar novas formas de
organização social”. (SUNG,1995:116).
Ninguém se faz cidadão sozinho; o meio é fundamental. Sinto que está faltando
“espírito de cidadania” na sociedade, está faltando respeito, está faltando uma
fé que fundamente e dê esperança às pessoas. Muitos se esqueceram de
Deus e pensam que não precisam Dele. Por isso o mundo está tão pobre de
fraternidade, justiça, confiança, amor ao próximo. SANTOS explica que:
39
“o exercício da cidadania supõe, sobretudo, a
possibilidade de o indivíduo participar das diferentes
esferas da vida pública. Para isso, é necessário que o
jovem seja capaz de refletir, emitir julgamentos e se
posicionar diante dos diferentes problemas de sua vida
pessoal e social. Neste sentido, é importante que a escola
desenvolva em seus alunos habilidades de pensamento
crítico, incluindo a capacidade de analisar e solucionar
problemas. (SANTOS,1997).
Repensar a escola torna-se algo necessário para que o diálogo e o
questionamento tenham seu lugar garantido, definindo, assim, programas de
ação, currículos adequados e professores formados em uma visão crítica.
Somente assim será possível resgatar o verdadeiro sentido de um processo
educacional voltado para a recuperação do direito à cidadania, que cabe a
todos os cidadãos. Esta conscientização se dá através de uma educação
libertadora, integradora, baseada na ética, que busca não o nivelamento dos
cidadãos, e sim condições de vida mais digna e justa para todos. Pois,
enquanto houver miséria, fome, analfabetos, sem-terra, sem teto, não é
possível haver fraternidade. A fraternidade ocorre quando se respeita o outro e
o que lhe pertence. SUNG afirma:
“ser solidário significa colocar-se no lugar do outro,
daqueles que são as maiores vítimas dos processos
sociais de exclusão, as minorias étnicas, as mulheres
pobres, as gerações futuras e a natureza, que também é
vítima da ação humana. Colocando-se no lugar dos mais
fracos e lutando pela garantia de seus direitos, estamos,
ao mesmo tempo, denunciando a moral do sistema
capitalista, percebida como sendo “a” realidade e
demonstrando, na prática, que é possível construir uma
sociedade melhor que esta.” (SUNG,1995:114).
Que estes pequenos grupos, como os professores da EJA e muitos outros
grupos que acreditam em uma mudança, possam, aos poucos, ir despertando
40
nos educandos este espírito fraterno do qual, no momento, o mundo está tão
necessitado.
41
CONCLUSÃO
Ao término deste trabalho, que teve como objetivo refletir sobre a situação do
analfabetismo no Brasil, principalmente a situação de falta de condições
básicas de vida em que vive uma grande maioria do povo brasileiro, fui
chegando à conclusão de que, apesar de tanto sofrimento, com a falta de
atendimento ás necessidades básicas, o povo brasileiro não deixa de lutar em
busca dos seus objetivos para mudar a situação em que vive. O que falta, na
verdade, são políticas públicas participativas, com credibilidade, para melhorar
esta situação de abandono em que o povo vive. Sabemos que, se estas
políticas públicas fossem levadas a sério, com certeza os dados deste trabalho
seriam bem diferentes. Se não houvesse falta de compromisso e descaso
nestes setores, se o povo tomasse consciência de que pode acompanhar o
envio destas verbas, ou seja, fiscalizar, coisa que a maioria das pessoas não
sabe, a situação seria bem melhor.
Com relação aos Programas da EJA, o que ficou bem claro é a
descontinuidade dos programas, por serem programas praticamente de um
determinado governo, sem se preocupar com a aprendizagem dos educandos,
mas apenas preocupando-se em mostrar serviços, mesmo que por um tempo
determinado.
Durante algum tempo, a Educação de Jovens e Adultos foi motivo de
campanhas políticas, e não um ensino visando a autonomia das pessoas.
Quando se referia à Alfabetização de Jovens e Adultos, na maioria das vezes,
tinha como objetivo, preparar para mão de obra necessária no momento e bem
pouco, alfabetizar o educando para que ele se sentisse cidadãos, capazes de
assumir seus direitos e deveres e se sentirem incluídos na sociedade.
Os programas da EJA começaram a tomar um novo rumo a partir dos fóruns,
que foram buscando a valorização deste ensino, levando em consideração a
pessoa. Notei também que os Movimentos da EJA que buscavam oferecer aos
jovens e adultos uma conscientização, como as propostas de Paulo Freire que,
42
na maioria das vezes, foram interrompidas, voltando à “politicagem” e
esquecendo o fim para qual o programa foi criado.
Acredito que muitas ONGs levaram este curso a sério, mas ainda têm muito a
crescer, para que o educando da EJA seja realmente uma pessoa consciente
de seus deveres e direitos. Outro ponto é a falta de incentivo para os
educadores, o que interfere, e muito, neste processo. Valorizar o profissional
da Educação é fundamental para que o país diminua este índice tão alto de
analfabetismo. Condições financeiras nós temos; o que falta é valorizar a
acreditar que um país só se desenvolve quando a Educação é a principal
preocupação do Governo.
Com relação ao curso da EJA no Colégio Companhia de Maria, ao verificar o
programa, observei que a Proposta é que os educandos, ao se formarem,
tenham esta consciência do seu papel na sociedade. A proposta pedagógica
oferece uma formação integral, pois é a pedagogia própria da Ordem da
Companhia de Maria. Observei que a integração entre o Curso Noturno e o
Diurno, nos Projetos e festa culturais, enriquece muito a formação destes
educandos e, de certa forma, favorece um crescimento entre os educandos;
aos poucos, os educandos da EJA vão se conscientizando da capacidade que
possuem e se sentem mais seguros do seu saber, descobrindo que são
capazes de desenvolver um trabalho ou aprendizagem, como os educandos do
Curso Diurno. Em minha opinião, este fator faz da EJA um curso de formação
integral, pois faz a ligação entre os diferentes segmentos do Colégio. Porém,
acredito que a formação integral propriamente dita só ocorrerá quando estes
educandos receberem a formação desde a Alfabetização até o ensino Médio.
Para que aconteça, na íntegra, esta formação, os próprios alunos têm que
sentir-se construtores de seu saber e aplicá-lo em sua vida diária.
O fato de todos os educadores serem graduados e contratados pelo Colégio é
um passo largo na formação destes educandos.
Acredito que a EJA atue na formação integral da pessoa, quando permite que
ela se encontre enquanto pessoa e tenha consciência de seu papel na
sociedade. Esta formação integral pode e deve acontecer, pois cada educando
que vem para o Colégio, depois de um longo dia de trabalho, está, com
43
certeza, buscando mudar de vida. Do mesmo modo que os educandos que
estudam no tempo devido têm esta formação integral, a EJA também dá esta
possibilidade a quem busca e leva a sério seu tempo de estudos. A EJA tem
toda uma metodologia para esta formação. Se o educador tiver consciência do
trabalho que tem que desenvolver para chegar a esta formação, não há nada
que possa impedir o educando de alcançar este objetivo. Quando estes
educandos descobrem a grande experiência de vida que carregam, percebem
que são capazes de muito mais do que eles imaginavam. Se o professor
aproveita a riqueza cultural e respeita o processo e a realidade destes
educandos, a aprendizagem acontece naturalmente. Desta forma, a EJA tem
possibilidade de oferecer aos jovens e adultos uma formação integral a longo
prazo. Com esta formação, a EJA deixa de ser um curso de preparação para o
trabalho e passa a ser um curso que prepara o educando para a Vida.
Termino com um poema de Thiago de Melo, que ilustra muito bem este
trabalho.
CANÇÃO PARA OS FONEMAS DA ALEGRIA
Peço licença para algumas coisas.
Primeiramente para desfraldar
Este canto de amor publicamente.
Sucede que só sei dizer amor
Quando reparto o ramo azul de estrelas
Que em meu peito floresce de menino.
Peço licença para soletrar,
No alfabeto do sol pernambucano,
A palavra ti- jo- lo, por exemplo.
E poder ver que dentro dela vivem
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Paredes, aconchegos e janelas,
E descobrir que todos os fonemas
São mágicos sinais que vão se abrindo
Constelação de girassóis girando
Em círculos de amor que de repente
Estalam como flor no chão da casa.
Às vezes nem casa: é só chão.
Mas sobre o chão quem
Reina agora é um homem
Diferente, que acaba de nascer:
Porque unindo argila e orvalho,
Tristeza e pão, cambão e beija-flor,
E acaba por unir a própria vida
No seu peito partida e repartida
Quando afinal descobre num clarão
Que o mundo é seu também, que o seu trabalho
Não é a pena que paga por ser homem,
Mas um modo de amar e de ajudar
O mundo a ser melhor. Peço licença
Para avisar que, ao gosto de Jesus,
Este homem renascido é homem novo:
Ele atravessa os campos espalhando
A boa- nova, e chama os companheiros.
A pelejar no limpo, fronte a fronte.
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Contra o bicho de quatrocentos anos,
Mas cujo fel espesso não resiste
A quarenta horas de total ternura.
Peço licença para terminar
Soletrando a canção de rebeldia
Que existe nos fonemas da alegria:
Canção de amor geral que eu vi crescer
Nos olhos do homem que aprendeu a ler.
( FREIRE,1974:27-28)
46
ANEXO I
Oficina de bijuteria
47
48
Festa Junina da EJA
FORMATURA DA EJA
49
Trabalhando a Obra e o Autor – Paulo Freire
50
ANEXO II
CONTOS, VERSOS E RECEITAS.
51
RECEITAS
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53
ANEXO III
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55
56
57
58
59
60
61
62
63
V - BIBLIOGRAFIA
DEMO, Pedro. Exigências e desafios da cidadania emancipada In: Cidadania
Tutelada, Cidadania assistida. São Paulo: Editores associados, 1995.
FREIRE, Paulo. A Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à Prática
educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
----------------,A Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1975
----------------Educação como prática da Liberdade.Rio de Janeiro: Ed. Paz e
Terra,1974.
GADOTTI, ROMÃO, Educação de Jovens e Adultos: teoria, prática e
proposta/ Moacir Gadotti e José E. Romão (orgs.) 8ª ed.- São Paulo: Cortez:
Instituto Paulo Freire, 2006.
IRELAND, Timothy. A EJA tem agora objetivos maiores que a alfabetização.
Nova escola. São Paulo. N. 223, p. 36 – 40, 2009
KRAMER, Sonia. Dando voz ao Mestre. In: Revista Presença Pedagógica.
Julho/Agosto, 1995.
MARCHEZAN. Nelson – Relator do PNE, Brasília, 2000.
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Seminário de Tecnologia Educacional 1986. Rio de Janeiro: ABI, 1987. P.59-
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SALGADO, Edmée Nunes. Educação de Jovens e Adultos. V.1 /Edmée
Nunes Salgado; Paulo Corrêa Barbosa – Rio de Janeiro:Fundação
CECEIERJ,2005
64
SUNG, Jung Mo. Conversando sobre ética e sociedade Petrópolis. Rio de
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Educação Humanista num mundo Plural – EJA , 2007.
Diretório Pedagógico- Construção coletiva – Colégio Companhia de Maria -
Brasil,2007.
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Rio, 2007.
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(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm)em 02/11/2010 as
16:23.
(http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12280&It
emid=81) em 03/11/2010 as 14:37
(http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12308&It
emid=817) em 03/11/2010 as 14:43
(http://www.fnde.gov.br/index.php/legis-resolucoes) em 04/11/2010 Às 1700
(www.educação,rr.gov.br/index.Histórico dos Foruns da EJA) em 12/11/2010 as
9:30
(http://www.forumeja.org.br/) em 12/11/2010 as 11:10
65
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 8
INTRODUÇÃO 9
CAPÍTULO I
Reflexões iniciais 11
CAPÍTULO II
Passeando pelos caminhos da EJA 18
CAPÍTULO III
A EJA no Colégio Companhia de Maria 28
CONCLUSÃO 41
ANEXOS 46
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 63
ÍNDICE 65
AVALIAÇÃO 66
66
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição: Universidade Candido Mendes
Pós-Graduação “Lato Sensu”
Instituto a Vez do Mestre
Título da Monografia: Como a EJA atua na formação integral da pessoa?
Autor: Rosa Alves Miranda
Data da entrega:
Avaliado por: Mary Sue Carvalho Pereira
Conceito: