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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA A Interface da Cerâmica e a Arteterapia Por: Lisiane de Aguiar Tavares Orientador Profa. Ms. Fátima Alves Rio de Janeiro 2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

A Interface da Cerâmica e a Arteterapia

Por: Lisiane de Aguiar Tavares

Orientador

Profa. Ms. Fátima Alves

Rio de Janeiro

2012

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

A Interface da Cerâmica e a Arteterapia

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Arteterapia em Educação e

Saúde.

Por: Lisiane de Aguiar Tavares

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os professores, amigos e

alunos que contribuíram para a realização deste

trabalho de monografia.

DEDICATÓRIA

Dedico este singelo

trabalho de monografia a todos aqueles que são

apaixonados, foram arrebatados, pela prática da

cerâmica.

RESUMO

O homem é produto e produtor de sua própria história. Ao fazer arte o

homem se constrói enquanto sujeito. A obra e o artista se fundem. Estes são

os conceitos, as ideias a serem apresentadas neste trabalho de monografia.

Através do fazer, do uso das técnicas de cerâmica, o homem elabora questões

emocionais, conteúdos simbólicos manifestados através práxis, tendo o barro

como forma, linguagem expressiva e facilitadora do ser total, integral, em

harmonia com ele e o meio que o circunda.

METODOLOGIA

A presente monografia terá como fases o levantamento do material

bibliográfico e pesquisa relacionada, tanto no que se refere à cerâmica e suas

técnicas, como também os conceitos da Arteterapia e sua práxis,

especialmente relacionada com o uso do barro como material expressivo.

Em um momento posterior, o desenvolvimento de uma oficina de

cerâmica em uma escola de ensino fundamental I, com crianças de 6 a 10

anos, com registro das técnicas e dos benefícios que o material proporciona.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I - A História da cerâmica 10

CAPÍTULO II - A prática da cerâmica e suas técnicas 16

CAPÍTULO III - O barro na Arteterapia 28

CAPÍTULO IV - Relatos de experiências no Ensino 37

Fundamental I: crianças de 6 a 10 anos.

CONCLUSÃO 42

ANEXOS 44

BIBLIOGRAFIA 47

ÍNDICE 49

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INTRODUÇÃO

A cerâmica é uma atividade milenar que acompanha o homem desde a

descoberta do fogo. Estudos arqueológicos apontam que, casualmente, o

homem da Pré- História descobriu o fogo e percebeu que a ação das chamas

era capaz de endurecer o barro e transformá-lo em cerâmica. Desde então,

essa arte faz parte da vida e história do homem. Vários séculos se passaram e

sua técnica não passou por grandes transformações.

Sua presença na vida do homem atual se dá desde as peças utilizadas

no cotidiano doméstico como louças, bem como na indústria da construção

civil em tijolos, revestimentos, telhas, louças de banheiro, até peças para

microchip de computador e para foguete.

Mas, neste trabalho, vamos abordar apenas a cerâmica artística que se

faz nos ateliês, com o objetivo expressivo e puramente artístico. O barro como

matéria expressiva, revelando um simbolismo através de suas formas. Criando

possibilidades de maior autoconhecimento, de fortalecimento da autoestima e

das possibilidades de superar as frustrações, integrando o indivíduo em um ser

total.

No primeiro capítulo será abordada a história da cerâmica, e como esse

fazer se mantém com as mesmas técnicas até a atualidade. Embora o mundo

tenha passado por diversas transformações tecnológicas na história da

humanidade, alguns recursos e técnicas variam de lugar para lugar, cultura

para cultura, mas a essência da práxis da cerâmica ainda se mantém.

Após será feito um levantamento das diferentes técnicas básicas e

cuidados que o material exige para o sucesso na produção da cerâmica.

O barro é um material orgânico, de fácil acesso, de grande plasticidade,

podendo ser reutilizado e reciclado, com grande variedade de cores, o que nos

possibilita uma enorme expressividade. No terceiro capítulo traçaremos a

interface da cerâmica com a arteterapia. A arteterapia nos possibilita conhecer

conteúdos internos expressos através de imagens simbólicas. E o barro, esse

material tão expressivo e versátil, está ligado às nossas ancestralidades, vem

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nos proporcionar essa abordagem terapêutica com o surgimento dos

conteúdos mais profundos, arcaicos do nosso ser. Fortalecendo-nos

internamente nas situações de perdas, na construção de uma imagem positiva

em relação a autoestima e nas escolhas e tomadas de decisões diante dos

problemas apresentados na práxis da cerâmica.

Por fim, será apresentado o resultado de uma experiência em uma

oficina de cerâmica numa escola de ensino fundamental, onde crianças de 6 a

10 anos vivenciaram o fazer cerâmico com um olhar especial, uma reflexão,

para a aquisição de novos conhecimentos além da técnica. Com possibilidade

de ser tornar um ser mais dinâmico, integral, em harmonia com o cosmos.

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CAPÍTULO I

HISTÓRIA DA CERÂMICA

Os estudos antropológicos não podem precisar o momento exato do

surgimento da cerâmica. Mas, ela está diretamente ligada à descoberta do

fogo. Provavelmente foi ao acaso que o homem percebeu que colocando as

peças no fogo, elas ficavam duras e não se desfaziam ao contato da água. O

que torna uma peça de barro em cerâmica é o processo modelagem, secagem

e queima.

No período Neolítico, quando o homem deixa de ser nômade, se fixa à

terra, domestica os animais e desenvolve a agricultura, é nesse momento que

surge a tecelagem de fiação e a cerâmica com fins utilitários, as peças eram

feitas e usadas para guardar e cozinhar os alimentos. Pois, anteriormente, já

existiam figuras construídas em barro, com finalidades religiosas ou mágicas,

provavelmente ligadas ao culto da fertilidade.

É bem provável que as peças eram queimadas na mesma fogueira em

que cozinhavam os alimentos, com temperaturas em torno de 600°C que, pela

proximidade com o fogo, deixava uma coloração negra.

Usavam as mãos para modelar em técnica de bola ou a de rolos de

argila, ou ainda, usavam cestos como forma, moldando o barro em seu interior.

Eram cozidas em baixa temperatura o que tornava as peças porosas e frágeis,

impermeabilizavam-nas poliando sua superfície com pedras lisas ou pedaços

de madeira duros. Decoravam-nas com a pressão dos dedos na argila mole ou

formas geometrizadas. Usavam como ferramentas os dedos, as mãos e paus,

Os pigmentos eram preparados com argilas de diferentes tonalidades.

Curioso observar que as técnicas, os materiais e as ferramentas ainda

são praticamente os mesmos na atualidade, o que diferencia na evolução da

cerâmica é a construção dos fornos mais refinados e precisos, com

possibilidade de temperaturas mais elevadas e de seu controle do processo de

cozimento.

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Foi na Mesopotâmia, aproximadamente 5000 a.C, onde surgiram as

primeiras peças redondas, com decoração de desenhos lineares, geométricos

e incisões, depois ganharam formas humanas e de animais. Com a construção

de forno com espaços separados, as peças não sofriam mais a ação direta do

fogo, com isso, sua coloração era mais clara.

Entre 4000 a 3000 a.C, na Suméria é construído um centro de produção

de tijolos de argila cozida, tijolos de adobe, usados na construção de edifícios

e cidades.

No mesmo período, no Egito, surgem os primeiros esmaltes, as peças

se tornam mais cilíndricas e também fazem uso de engobe branco e óxido de

ferro, o que confere uma coloração avermelhada. Surge o torno, que se fazia

girar com as mãos, possibilitando peças mais acabadas e com paredes mais

finas e perfeitas. Fazem uso de uma pasta obtida de areia com matéria

alcalina, substância encontrada nas cinzas da madeira, o que confere uma

superfície brilhante de coloração turquesa ou púrpura. Até hoje é conhecida

como massa egípcia.

Na Grécia, no século IV a.C, a filosofia marca todas as esferas da vida,

inclusive a Arte. Dentro do conceito filosófico de Beleza, foram três as

acepções fundamentais: estética, espiritual, ou intelectual, e moral. Neste

último, reside o patrimônio das almas equilibradas, em harmonia consigo

mesmas, sem vícios, é a medida do Bem. Sócrates e Platão fundem esses

conceitos de Bem e Belo, transformando num ideal pedagógico: tudo que

pode ser chamado de Belo necessariamente tem que ser útil- Kalokagathia. “A

Beleza consiste na exata função de cada coisa ou de cada ser , segundo os

fins que a Natureza tende a realizar, e na perfeita realidade que os objetos

alcançam, quando são convenientemente fabricados. Por isso, o que é Belo e

Bom representa, ao mesmo tempo, uma parcela da Verdade, ideal do

conhecimento teórico, que coincide com o Ser em sua plenitude”

(Nunes,1999).

Obedecendo a esse princípio da doutrina platônica, a Arte só se

relaciona com a verdadeira beleza, que a inteligência pura, capaz de intuir na

natureza das coisas por meio do conhecimento teórico, pode contemplar.

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Platão dá aos poetas uma posição privilegiada separando os artesãos, pintores

e escultores - artífices, que trabalham com as mãos, usando a matéria, imitam

a aparência das coisas, não ultrapassa a escala da beleza sensível, deficiente

e incompleta, é até inferior a àqueles que se limitam a fabricar objetos úteis

para vários misteres. Platão desprezou os trabalhos manuais e desvalorizou as

atividades artísticas como a pintura e a escultura em detrimento a poesia

situando-a no domínio das revelações das místicas e filosóficas. Por esse

motivo, podemos compreender as razões que levaram os pintores gregos a

elegerem a cerâmica como suporte de suas pinturas. São nos vasos que elas

se dão, sempre com temáticas gloriosas como os atletas, heróis guerreiros,

batalhas, deuses e a mitologia grega. Para ser belo tem que ser útil físico e

moralmente.

A cerâmica na Grécia irá alcançar grande desenvolvimento artístico,

com fino acabamento proporcionado pelo uso do torno, se destacam pela

forma e decoração. Cada peça tem uma função determinada e sua

nomenclatura varia de acordo com a função. A princípio a decoração era feita

com círculos de engobe- tinta feito de barbotina e óxidos na consistência de

iogurte- negro na argila vermelha, mais tarde foram introduzidos motivos

geométricos e figurativos- cavalos e figuras humanas; por volta de 1000 a.C.

Em 900 a.C, os ceramistas de Corinto recebem influência do oriente,

desenvolvem uma pintura negra na superfície vermelha, diversificam a sua

temática. Introduzem a técnica do desenho com punção, diversificando as

tonalidades de vermelho com o uso de misturas de óxidos com a cor negra.

Em Atenas, usam-se as cores para definir o gênero: negro para o corpo

masculino e branco para o feminino. No século VI a.C, os atenienses dominam

todo o mercado da cerâmica na Grécia. Durante os séculos V ao III a.C,

também, foi comum o estilo de figuras vermelhas sobre fundo preto com

detalhes feitos com linhas muito finas em preto, a temática da vida doméstica

ou cenas dionisíacas.

Os etruscos, povo da Ásia Menor, tem uma cerâmica com aspecto de

metal, muito polida de coloração acinzentada, decorada com motivos

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geométricos incisos sobre as superfícies das peças. Recebem forte influência

da cerâmica grega.

Durante o Império Romano a produção em série da cerâmica foi feita

para satisfazer as necessidades dos habitantes dos grandes centros. Os

ceramistas conheciam a técnica de molde, com decoração de relevo. O torno

também era usado na produção de peças utilitárias, facilitando a produção em

larga escala.

A cerâmica árabe recebe influencia de diversas culturas, especialmente

a chinesa, e cria seu próprio estilo. Nos séculos XII e XIV, na cidade de

Kashan produzem grande quantidade de azulejos para ornamentação de

mesquitas e túmulos, com motivos geométricos, por meio de moldes com uma

pasta branca semivítrea, possibilitando belos efeitos na pintura. Ou ainda,

decoradas com incisões e perfurações e coberta com vidrado brilhante.

Na China a presença da cerâmica data de cerca 3500 a.C, feitas com a

técnica de corda, cor negra e base redonda. Posteriormente, as peças eram

polidas e foi introduzida pintura com engobes coloridos. Eram usadas em ritos

funerários. Conheciam o torno, modelavam a mão ou com moldes. Usavam

dois tipos de pasta: um vermelho e outro branco que eram envernizados.

Surgem os vidrados com chumbo e sódio que se funde ( 900°C) e os de

feldspato e cinza de madeira que se fundem a (1200ºC). É na China que surge

a cerâmica mais refinada que influenciou a de todo o mundo.

Foram os chineses que criaram a técnica de grés, argila cozida em alta

temperatura, vitrificada e colorida com óxidos. Com o aprimoramento dos

fornos, com maior controle das temperaturas, foi possível o surgimento dos

esmaltes e a sofisticação das argilas. Em torno do ano 1000 a.C surge a

porcelana.

Embora a cerâmica japonesa seja mais antiga que a chinesa, 12000

a.C, recebeu influência da cerâmica chinesa e também da coreana que

introduz um forno inclinado, de uma só câmara, construído sobre uma vertente

de uma colina, permitindo a produção de maior qualidade. O budismo zen teve

grande influência na cerimônia do chá e no seu ritual, pois todos os utensílios

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deste ritual são de cerâmicas. O Raku surge na segunda metade do século XV

e é conhecida popularmente como a essência da cerâmica japonesa.

Nas Américas as peças são sempre moldadas a mão, com rolos de

argilas ou, ainda, moldes. Decoradas com engobes, incisões e relevos. Faziam

peças polidas para fins utilitários, brinquedos e instrumentos musicais, objetos

religiosos com design arrojado.

No Brasil, os índios produziam cerâmica anterior à chegada dos

portugueses, mas foi com a chegada do colonizador que deu início a sua

utilização na construção civil, nos azulejos para decorar fachadas e a feitura de

estátuas de santos introduzida pelos Jesuítas. A cerâmica indígena é

considerada uma das mais antigas das Américas, era produzida pelos povos

que viviam nas margens dos rios Amazonas, São Francisco e Negro. São

objetos utilitários, urnas funerárias e figuras antropomórficas, feitas com

incisões, pintadas nas cores vermelho, marrom, branco e creme. Era produzida

basicamente por mulheres, de forma artesanal.

Nos anos de 1910 e 1920, com a chegada dos imigrantes japoneses no

estado de São Paulo, cresceu a influência oriental com grande

desenvolvimento da técnica. O município de Cunha, no interior do estado de

São Paulo, atualmente é polo de ceramista de influência japonesa no eixo Rio-

São Paulo.

A produção de cerâmica está presente em todo o território nacional, com

grande expressividade e qualidade artística dos representantes das mais

diversas manifestações dessa arte, seja ela utilitária, religiosa (sacra),

artísticas dos ateliês dos centros urbanos, da cultura popular local ou indústria

que atende tanto o mercado interno quanto externo.

Parabéns a todos os nossos mestres ceramistas: os figureiros de

Taubaté; Adalton Lopes, Niterói; Francisco Brennand, Pernambuco; todos os

artistas do Alto do Moura: Vitalino, Zé Caboclo e as outras gerações que

seguiram seus passos. Caruaru; os ceramistas de Cunha com influência

japonesa, S.P;os ceramistas do Jardim Botânico, R.J; Celeida Tostes, R.J;

Antônio Poteiro, Goiás; as ceramistas do Vale do Jequitinhonha, Noemisa

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Batista, Minas Gerais; E tantos outros que nos ensina e afeta com sua técnica

e poética.

Na Europa do início do século XX foi Bernard Leach responsável pelo

intercâmbio oriente/ ocidente. Nasceu na China e aos 21 anos foi para o Japão

onde se interessa por cerâmica. Vai para Inglaterra onde funda a cerâmica St.

Ives. Anteriormente, na Europa se conhecia a cerâmica proveniente do Oriente

Médio conhecida como técnica de maiólica- cerâmica de baixa temperatura, na

qual óxidos corantes e pigmentos são pintados sobre a superfície da peça de

biscoito já coberta de esmalte, mas ainda não queimadas. No processo de

queima a cor se funde ao esmalte.

Com a conquista do sul da Espanha pelos Árabes a fusão das culturas

orientais e ocidentais trouxe grande vitalidade à cerâmica, conhecida como a

Era de Ouro, que começou no século XIII, em Málaga, em princípio, com

decoração islâmica, que ganha, com o passar do tempo, imagens cristãs.

Na Itália, a cerâmica importada da Espanha, era muito valorizada. No

renascimento os motivos adequados aos ideais humanistas, começaram a

surgir os retratos, brasões de família e cenas religiosas. O uso de cores elevou

a cerâmica ao chamado de artes maiores.

No século XVI, na França, o termo faiança passou a designar a

cerâmica de baixa temperatura com esmalte de estanho, destinava ao uso

diário. Era conhecida desde 1550, em Faenza, Itália.

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CAPÍTULO II

A PRÁTICA DA CERÂMICA E SUAS TÉCNICAS

A prática da cerâmica se confunde com sua própria história e com a

história da humanidade. Pode estar relacionado ao fazer espontâneo ou ao

uso de técnicas, nos ateliês eles se fundem onde ora o fazer espontâneo

predomina, ora as técnicas se impõe.

2.1 ARGILA

Barro e argila é a mesma substância? Sim, é a mesma substância, é a

matéria prima da cerâmica. Afinal, que substância é essa? A argila é formada

pela decomposição das rochas feldspáticas devido à ação da água. Existem

dois tipos de argila: primária ou residual, e secundária ou sedimentar. As

primeiras se formam no seu lugar de origem, próxima a rocha mãe, são mais

puras, suas partículas são grossas e coloração mais claras, tem pouca

plasticidade e alto nível de fusão, por isso são usadas como aglutinante nos

esmaltes.

As argilas secundárias, transportadas pela ação da água ou do vento,

depositam no fundo dos lagos, rios, desertos, mares e praias têm partículas

menores, consequentemente, são mais plásticas, devido as impurezas que se

agregam, são mais escuras, tem ponto de fusão mais baixo e tem grande

coeficiente de retração- encolhem.

São vários os tipos de argila: caulim, argila de bola, bentonita, argila

refratária, terracota. Usualmente, para se conseguir a qualidade desejada,

misturamos diferentes tipos e proporções de argila.

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Para se começar a trabalhar com cerâmica não necessitamos de muita

coisa. Basta um pouco de matéria prima, a argila, e a nossa principal

ferramenta, que são as mãos.

O processo do fazer cerâmico é relativamente simples, mas exige

experiência e dedicação para dominar as suas diferentes etapas e técnicas, o

que se consegue com persistência, trabalho e estudo.

2.1.1 AMASSAR O BARRO

É a primeira etapa, na qual preparamos a argila para o trabalho,

deixando-a mais macia e com maior plasticidade.

É fundamental esta fase, independente da técnica empregada.

Corta-se com fio de nylon ou aço um pedaço de argila, amassa-se contra

a superfície da mesa como se amassa pão, observando para não formar

bolhas de ar.

Oficina de Cerâmica na E. M. Sítio do Ipê

.

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2.1.2 TÉCNICAS BÁSICAS

São três os tipos de técnicas básicas: manual, torno e de forma.

Embora sejam abordados os diferentes tipos, usaremos apenas as técnicas

manuais na oficina, que será desenvolvida em uma escola de ensino de

fundamental I, em virtude da estrutura do local e a abordagem do simbólico

na Arteterapia.

.

2.1.2.1 Técnicas manuais:

Técnica de bolas ou beliscões

Podemos modelar a partir de uma bola de argila úmida.

Coloca-se um pedaço de argila sobre as mãos faz-se uma bola e em seguida

crava-se o polegar no centro da bola apertando- se a argila entre o polegar e

os indicadores para formar uma parede, girando na mão e abrindo

gradualmente até obter a forma desejada. É importante que toda a peça

tenha a mesma espessura e os dedos se mantenham úmidos para não

aparecer rachaduras.

Oficina de Cerâmica na E. M. Sítio do Ipê.

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Técnica da cobrinha ou rolo

Muito versátil,essa técnica, nos permite moldar qualquer peça. É um dos

métodos mais antigos e de fácil construção de formas ocas.

Amassamos o barro, separamos várias bolinhas, uma de cada vez,

rolamos as bolinhas, formando as cobrinhas. Para a base deixamos a

espessura um pouco mais grossa. Todos os outros rolos, necessariamente,

tem que ter a mesma espessura. É fundamental o uso da barbotina- argila

mais liquefeita que funciona como “cola” na junção das partes.

Abre-se em placa e corta-se no formato desejado. Com auxilio de uma

espátula cria-se hachuras na extremidade, cola- se a cobrinha mais grossa e

depois as outras. Ainda com a espátula juntamos os rolos, tanto interna como

externamente. A base, podemos construí-la com cobrinhas, mas antes de

subir as paredes temos que unir a base sempre da extremidade externa para

a interna.

Oficina de Cerâmica na E. M. Sítio do Ipê.

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Técnica de placas

Amasse o barro e deixe a argila em formato de tijolo. Com o fio de nylon

corte fatias de mesma espessura. Arrume lado a lado sobrepondo as bordas.

Com o auxílio das guias de madeira, duas réguas de mesma espessura, abra

com um rolo de madeira a placa, use um tecido ou plástico para a argila não

grudar no rolo. Corte na forma desejada, toda junção tem que riscar as

bordas fazendo hachuras e colar com barbotina. Junte as placas

pressionando, internamente, acrescente cobrinhas finas nas junções,

alisando a superfície e fazendo o acabamento dentro e fora da peça.

Oficina de cerâmica na E. M. Sítio do Ipê

.

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2.1.2.2 Torno

O uso do torno em cerâmica é anterior a 2000 a.C. O método básico do

uso do torno continua inalterado, dar forma ao barro com as mãos com o

auxílio de um prato giratório.

É preciso preparar o barro, batendo ou amassando, sem deixar bolhas

de ar em seu interior, deixando a massa homogênea. O barro deve ser macio

e plástico para dar forma e mantê-la enquanto molhada.

É preciso encontrar uma posição confortável e estável para se

trabalhar no torno. Não existe uma técnica única para se trabalhar nele.

Através da observação da execução realizada por outras pessoas, cada um

descobre o melhor jeito de trabalhar.

Alguns cuidados são necessários para o trabalho com o torno, como

separar todo o material: uma vasilha com água próximo ao torno, uma

esponja, uma agulha ou palito de churrasco, um fio de nylon, ferramentas

para o acabamento e tábuas para se colocar as peças para secar.

É fundamental manter as mãos sempre molhadas; as peças têm que

estar centralizadas- é necessário ter muita prática, pois é uma das etapas

mais difíceis no uso do torno; antes de ligar o torno posicione a argila no

centro; todo movimento é suave e lento.

O acabamento é feito quando as peças estão em ponto de couro-

fase intermediária da secagem, não tão mole quando usadas para modelar e

não completamente secas, têm aspecto brilhoso e mantém certa umidade.

Pode-se fazer o acabamento no próprio torno ou na mão. Quando feito no

torno criamos uma enchente- um suporte feito de argila onde se encaixa a

peça a ser trabalhada.

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Oficina de cerâmica na E. M. Sítio do Ipê, visita ao atelier da artista.

2.1.2.3 MOLDES OU FORMAS

Este método consiste em pressionar, com uma esponja ou “boneca” de

tecido, uma placa de argila sobre um molde. Esta placa irá adquirir o formato

do molde. Qualquer material pode ser usado como forma, apenas, devemos

que ter cuidado na secagem e na hora de retira-la do molde para não partir.

Oficina de Cerâmica na E. M. Sítio do Ipê

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2.1.2.4 ESCULTURA

Pode se usar qualquer das técnicas descritas anteriormente, mas é

necessário se ter um projeto para a escultura, antes de escolher a técnica

mais adequada para sua execução.

É comum o uso de um único bloco de argila e com o uso de espátulas e

ferramentas vai-se dando a forma desejada. Faz-se necessário ocar – retirar

o excesso de barro no interior da peça de maneira que suas paredes fiquem

todas da mesma espessura, fazendo-se uma fenda de modo que o ar possa

sair e a escultura não exploda no forno durante a queima.

Oficina de Cerâmica na E. M. Sítio do Ipê

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2.1.3 SECAGEM

Depende da umidade atmosférica do ambiente.

Ao secar, argila sofre um encolhimento, uma diminuição progressiva em

comprimento e volume.

São necessários alguns cuidados para a argila não rachar: secar

lentamente, de forma uniforme, na sombra ou com o auxílio de um saco

plástico furado envolto nas peças, protegendo-as, para a perda de água seja

gradativa. Este método é usado, especialmente, quando há diferença de

espessura nas diversas partes das peças- exemplo: bules com alças e bico.

Existem dois momentos na secagem: o primeiro em ponto de couro, a

peça ainda um pouco úmida tem aspecto brilhoso e se mantém certa

umidade. Na segunda, em ponto de osso, já perdeu toda a água, está dura e

com aspecto opaco.

É quando se encontra no ponto de couro que fazemos os acabamentos

e recortes nas peças. É nesta fase que podemos decorar com engobe ou

brunir- compactar e polir com objeto liso a superfície da peça.

Oficina de Cerâmica na E. M. Sítio do Ipê

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2.1.4 QUEIMA

As peças de barro somente se tornarão cerâmica, após a queima em

forno próprio com temperaturas controladas.

Basicamente um forno é uma caixa, ou buraco ou um tubo com

dimensões variadas onde o calor se concentra e são colocadas as peças a

serem queimadas.

As queimas podem ser feitas à lenha, num forno anagama ou

noborigama; a gás, elétrico, ou, nas queimas primitivas, com materiais

combustíveis diversos: palha de milho, folhas secas, sementes, excremento

de animal, serragem, jornal, e outros materiais. O importante é ter em mente

o resultado estético e prático que se procura obter, para fazer a opção do tipo

de queima.

Oficina de Cerâmica na E. M. Sítio do Ipê. Forno Elétrico

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1ª- Queima de biscoito

A argila se transforma em cerâmica entre 500 a 600° C e o biscoito é a

peça de argila que foi queimada acima dessas temperaturas e não foi

esmaltada. São ainda porosas, mas mais resistente do que as peças de

argila.

É o processo onde se retira toda a água. É a transformação dos

caracteres físico- químicos, processo de transmutação da argila em cerâmica.

Para a queima, o forno tem que estar limpo e toda a mobília tem que ser

examinada. Podemos colocar uma peça encaixada na outra, pois não corre o

risco de colarem uma na outra. Porém, algumas precauções devem ser

tomadas como arrumar base com base; não colocar peças uma dentro da

outra, pois pode retrair na queima e não conseguirmos retirar a peça de

dentro; não colocar peso sobre placas e pratos para não trincar; fazer uma

distribuição equilibrada de peças dentro do forno para o ar quente ser

uniforme; deixar espaço de 3cm entre as paredes do forno e a mobília, para

circulação do ar quente; e as peças não devem encostar nas resistências, no

caso do forno elétrico.

É uma queima lenta e a passagem de temperatura deve ocorrer de

forma gradativa. Quanto mais secas as peças estiverem antes da queima,

menor é o risco de se quebrarem durante o processo.

2ª- Queima ou esmaltação

A temperatura vai variar de acordo com a massa e o esmalte

escolhido.

Existem, em cerâmica, três temperaturas de queima:

baixa de 950°- 1050° C, queima de Raku;

média 1050°-1200°C, queima de faiança e maiólica;

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alta 1200°- 1300° C, queima de porcelana e stoneware.

Esmaltação é a colocação de vidrados sobre as peças de cerâmica.

Existem muitas maneiras de se aplicar o esmalte, e se exige cuidados e

prática.

São algumas técnicas de esmaltação: imersão, pulverização,

aplicação a pincel, derramando. Podemos ainda decorar as peças com

a técnica de máscaras ou raspando parte do esmalte para que o barro

sobressaia depois da queima.

Oficina de cerâmica na E. M. Sítio do Ipê, visita ao atelier da artista.

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CAPÍTULO III

“o barro

toma a forma

que você quiser

você nem sabe estar fazendo apenas o que o barro quer” Leminski

O BARRO NA ARTETERAPIA

Neste capítulo será abordado o barro, como material expressivo, na

Arteterapia e veículo de expressão não verbal do inconsciente.

3.1 ARTETERAPIA

Um breve histórico sobre a arteterapia, que nos conduzirá ao florescer deste campo de conhecimento, de onde veio e qual o pensamento que o norteou. Falaremos sobre o significado dele, a importância do desenvolvimento da criatividade através da manifestação artística e de como por essa via teremos acesso à psique do paciente.

A arteterapia é um processo terapêutico vivenciado através do uso de diversas modalidades expressivas. Ela começa a surgir no Século XIX, mas anteriormente a sua sistematização, alguns estudiosos do comportamento humano já percebiam a importância da arte. Conforme afirma Chiesa (2004, p 33), Freud observou que o inconsciente manifesta-se por meio de imagens com função catártica e que as imagens estão mais livres da censura do que as palavras. […] Jung utilizou a linguagem artística como parte do tratamento

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psicoterápico. Para ele, a criatividade é uma função psíquica natural, usada como componente de cura. Jung acreditava que a linguagem artística ajudava tanto na compreensão intelectual quanto na emocional, possibilitando ao cliente uma organização de seu caos interno.

Segundo Chiesa, a arteterapia foi sistematizada por Margaret Naumburg, em 1941, e, em 1958, Edith Kramer, também precursora da arteterapia, dá ênfase ao processo de fazer arte e não só ao seu produto final. Como psicanalista, evitou o uso da interpretação e da verbalização.

Conforme dados retirados do livro Cartas a Spinoza escrito por Nise da Silveira, no Brasil, cerca de cinqüenta anos atrás, começa a surgir o uso terapêutico da arte, que revolucionou o tratamento de doentes mentais, criando, em 1946, a sessão terapêutica ocupacional no Centro Psiquiátrico Pedro II, no Rio de Janeiro. Fundou o Museu de Imagens do Inconsciente em 1952, reunindo material produzido nos ateliês de pintura e modelagem da seção terapêutica ocupacional. Mais tarde, em 1956, com a colaboração de amigos, abre a clínica de reabilitação para egressos de instituições psiquiátricas, a Casa das Palmeiras. Ela foi também responsável pela introdução da psicologia Jungiana no Brasil.

Nise da Silveira, visava ativar núcleos da personalidade ainda perfeitos, ajudando e possibilitando uma integração entre fatores somáticos e psíquicos para favorecer a supressão da instabilidade psíquica. Ela procurava tornar a estadia do doente no hospital menos sofrida, e promover o seu regresso à vida fora dele. Com a evolução dos estudos psiquiátricos, começa-se a trabalhar no sentido de ajudar o doente mental a voltar à razão e ao raciocínio claro, com a possibilidade de fazer escolhas e interagir criativamente com o meio social.

É a partir desse novo pressuposto que floresce a arteterapia, usando modalidades expressivas com finalidade terapêutica, propiciando a catarse, a externalização de conteúdos indesejáveis. Assim, o terapeuta obtém dados para diagnóstico e, no decorrer do processo, para avaliação do tratamento.

Foi Maria Margarida de Carvalho, Professora e Doutora em Psicologia, com grande interesse em Arte, que começou a desenvolver trabalhos em Arteterapia com os alunos do Curso de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP). Descobriu o poder da arte para se fazer diagnósticos. Em 1968 começou a estudar Arteterapia e em 1972 organizou cursos de arteterapia em seu próprio consultório. (CHIESA, 2004, p. 36).

Como diz Suzan Bello (2003, p.24), a “arte tem sido um canal para expressar a emoção e a alma”. É buscando no interior e materializando nas expressões artísticas, que evoluirá o processo arteterapêutico no qual o indivíduo se encontra. Kandinsky já falava sobre isso em 1910: “O homem hoje mais do que nunca tem uma tendência para as coisas exteriores e, não

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consegue reconhecer naturalmente a necessidade interior. A recusa total das formas habituais do ‘belo’, torna sagrado todos os processos que permitem manifestar a sua personalidade.[...] Todos os processos são sacrílegos, se não justificado pela ‘necessidade interior’ [...] É belo o que procede de uma necessidade interior da alma. É belo o que é belo interiormente.”(KANDINSKY, 1987, pp.76,116) Através da arte, pode-se expressar uma neurose que se encontra sublimada, a nível inconsciente. Para Jung, estas configurações artísticas têm um conteúdo simbólico que possibilitam uma investigação psicológica.

De acordo com Philippini (1998), “o processo arteterapêutico é então um trajeto marcado por símbolos, que assinalam e informam sobre estágios da jornada de individuação de cada um”. A imagem é portadora de um conteúdo simbólico porque ela transcende à realidade manifesta, possuindo um aspecto inconsciente mais amplo.

O trabalho artístico é projeção de parte da psique sobre a matéria. O artista despoja o material de que se serve da significação inerente a sua realidade concreta, tornando-a uma expressão simbólica. É através da função simbólica que o self atua organizando a consciência. A compreensão dos símbolos se torna necessária para que possamos ter uma visão do conteúdo do inconsciente da pessoa com a qual estamos trabalhando.

Expressar e trazer à tona conteúdos do inconsciente. Ao visualizar estes conteúdos, sua forma subjetiva se converte em comunicação objetiva. Passa a ser experienciada e, desta forma, conhecida empíricamente. Os conteúdos expressos através das diversas artes libertam a pessoa, pois, trazendo ao consciente suas limitações, seus conflitos, suas capacidades, trabalham seu autoconhecimento, elevando sua autoestima e permitindo uma melhor aceitação de si mesmo. A pessoa se torna mais criativa e mais participativa.

Desde pequenos, ouvimos que alguns têm criatividade e outros não. Essa crença acaba por limitar as possibilidades de desenvolvimento da mesma. Em arteterapia, buscamos resgatar esta capacidade, desenvolvendo-a em todo seu potencial.

Imagem é um processo, um vir-a-ser contínuo, holístico e integral. Em verdade imagem é o mundo, a vida e a alma de todas as coisas, que se revela a cada instante. Para reconhecê-la é preciso um “coração vivo”, um “olhar poético”, uma “imaginação desperta”.[...] A imagem é um fenômeno onde a sua principal característica não é a materialidade ou a visibilidade, mas sim a penetrabilidade e a movimentação contínua e perpétua.(BERG, 1999 pp.122,124). O que realmente importa na expressão artística para o processo que a pessoa está vivenciando são as metáforas e os sinais que nos apontam o invisível.

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O trabalho arteterapêutico visa facilitar e promover a elaboração da emoção oculta na imagem realizada. A elaboração gradual das coisas do inconsciente leva o individuo a reestruturação de sua personalidade, ativando potencialidades e contribuindo para a construção de modos mais harmônicos de se relacionar. Os transtornos psíquicos advêm da impossibilidade da consciência de integrar conteúdos do inconsciente. Através de uma seriação de imagens produzidas, o cliente tem a possibilidade de perceber-se a partir da constatação da evolução de suas imagens, e efetuar comparações entre elas, alcançando por meio dessa dinâmica, a possibilidade de plasmar-se. As artes abrem novos caminhos de acesso ao inconsciente, contribuindo para a integração do eu.

O objetivo final é a integração de consciência e inconsciente. A individuação é o processo de construção do indivíduo conseguido através da expressão de impulsos inconscientes, que ao serem materializados através do fazer artístico, tornam-se passiveis de serem confrontados. Não é um processo passivo, mas sim um processo consciente e engajado. É preciso se livrar do que não serve mais e renascer, prosseguir vivo. A individuação enfatiza que a “autonomia é a responsabilidade do indivíduo no mundo” (GRINBERG, 2003, p.177).

A arteterapia é direcionada a busca do bem estar, do auto conhecimento, do desenvolvimento individual, das relações sociais e também da solução de conflitos internos. Ela pode ser exercitada individualmente ou em grupos, dentro de clinicas, hospitais, escolas e empresas.

Conforme FRANÇA (1998, p. 77), “a arte é uma expressão inerente ao ser humano. [...] O significativo da obra é a expressividade, a emoção que ela é capaz de comunicar”. A expressão artística possibilita a pessoa entrar em contato com os seus conflitos, e poder reorganizar as próprias percepções. O artista coloca a si mesmo no mundo de uma forma simbólica.

A arte é um instrumento essencial para o desenvolvimento humano, daí seu efeito terapêutico. Auxilia a lidar melhor com seus conteúdos internos, estabelecer seu equilíbrio emocional, encontrar sua própria linguagem expressiva, exorcizar seus demônios e também, assimilar o numinoso. Estas imagens se despotencializam ao serem concretizadas em produções artísticas. (DINIZ, 2003, p. 112).

O fazer arte alivia o homem, pois além de facilitar o acesso ao mundo imaginário, confere a suas atribuições um sentido, uma razão de ser. A criatividade e as ações expressivas são reveladoras da alma humana e não só de estados sintomáticos. “A criação é uma mudança que é identidade, na qual tudo se repete e nada mais é o mesmo. […] Recriar a todo o momento o

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primeiro gesto, mergulhar no desconhecido para emergir novo e purificado.” (NAKANO apud FABRIS, 1989, p.1)

Conforme GRANJA (1996, p. 55), o processo de criação envolve vários elementos: a psique, a forma, a linguagem, o material, a técnica e a cultura; e a “dinâmica entre eles é que caracteriza a essência da criação”. Assim como a alquimia, a arteterapia busca uma transformação através da visualização de conteúdos inconscientes que são projetados nos diversos canais expressivos. O trabalho de um arteterapeuta é o de estimular o sujeito a criar até a finalização de sua obra, observando neste percurso suas atividades, reações e expressões orais durante a execução do trabalho.

3.2 ARTETETERAPIA E DESENVOLVIMENTO INFANTIL

Segundo Diniz( In: Imagens da Transformação nº 11, vol. 10), os estágios do desenvolvimento da criança partem de um estado de indiferenciação total, observado nos mitos de Origem; passam pelo Matriarcado, onde prevalece o culto à Deusa ou à Grande Mãe e, posteriormente, chegam ao Patriarcado, ao culto aos deuses, ao despertar da Consciência. Seguindo essa seqüência, o sujeito chega à vida adulta, onde vivencia a Alteridade, caminhando rumo ao encontro com o outro até chegar à Dinâmica Cósmica, trazendo a consciência e a re-significação da finitude da existência humana.

A primeira fase do desenvolvimento infantil corresponde ao estágio ourobórico, sendo o ouróboros a representação, mitológica da imagem alquímica do dragão que devora a si próprio; a serpente alada, que se engendra e engole a própria cauda. Neste período não há distinção entre eu-outro, mundo interno-mundo externo, nem diferenciação entre ego e Self. O mundo é, portanto, dotado de duplo sentido: não existe a noção de tempo. A criança vivencia a eternidade, estando num universo que a envolve e a contém, circunda, protege e nutre. Vive num mundo de potencialidade e possibilidades, onde tudo existe, mas nada tem forma, vivenciando o obscuro, o Caos, retratado nos Mitos de Origem.

A segunda fase corresponde ao Dinamismo Matriarcal. A criança passa a reconhecer o TU – representado pela figura materna, que para ela é fonte de prazer. Apresenta dificuldades em aceitar interdições e seu comportamento visa o atendimento de suas necessidades básicas.

Enquanto imagem arquetípica, a Grande Mãe traz em si a bipolaridade. Tem tanto o poder de aquecer, sustentar, aconchegar, nutrir e proteger; como o de abandonar, possuir, devorar. Aqui se inicia o desenvolvimento da relação Ego-Self e seus distúrbios. A mãe, ou sua substituta, traz para a criança a possibilidade de transformar quando ao cuidar dela faz magicamente o frio

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virar aquecimento, o desconforto, conforto, a dor, prazer, a fome, saciedade, etc... A criança está neste momento totalmente susceptível à dor e aos desconfortos – primeiros organizadores da consciência – necessitando que alguém outro lhe dê o que ela necessita para sua sobrevivência. Assim, a disponibilidade ou não disponibilidade da figura materna para relacionar-se com a unidade bio-psíquica do filho é essencial para a formação inicial da criança, uma vez que a formação do Ego está diretamente conectada à experiência corporal, sendo o Self, neste período, totalmente corpóreo. Neumann ressalta o fato de que um distúrbio radical na relação primal pode conduzir à disfunção e à doença mental.

O mundo agora é vivido a partir de opostos que se complementam, uma vez que a realidade externa se apresenta de forma binária e ela pode sentir ora um estado e ora outro, mas ainda não é capaz de estabelecer uma diferença entre eles. Aos poucos a criança vai criando a percepção de um envelope corporal, uma separação entre dentro e fora, eu e não-eu, vivendo através de seu corpo os limites de sua personalidade. Ocorre, então, um distanciamento progressivo entre a Consciência e o Inconsciente, a criança entra na Fase Patriarcal e começa a aprender a lidar com as normas, as regras, as leis, os deveres, as interdições; torna-se capaz de integrar sensações e observações passadas e presentes, adquirindo a capacidade de recordar-se e ligar-se ao meio em que vive. Adquire a noção de continuidade e passa a ter a memória de sua própria história, tendo noções de ontem, hoje e amanhã. Começa a fazer operações abstratas simples e conquista estágios iniciais de autonomia e independência.

A imagem arquetípica do Pai traz para a criança um lado ativo, prático e protetor; aquele que estabelece metas e faz planos para o futuro. Traz o lado funcional no plano material da realidade, no mundo real. A vida agora é regida pela ética, pelas normas, pelos valores, pelas tradições, pela moral, pelos deveres, pela temporalidade. A criança precisa adaptar-se ao universo cultural e social, que lhe exigem uma série de atitudes e comportamentos, condizentes com o meio externo.

Vale ressaltar, que antes da entrada no universo patriarcal, a criança já assimilou, através da relação primal, reações ativas e passivas de condutas, femininas e masculinas, através dos elementos femininos e masculinos da figura materna. Pode, então, confrontar-se, agora, com a imagem arquetípica do Pai, vivida não mais como um aspecto inconsciente da figura materna.

O período do Patriarcado constitui grande parte da infância. É nele que a criança prepara-se para o ingresso na escolaridade formal propriamente, entrando no mundo dos matemáticos e da resolução de problemas.

No final desta fase, ocorre a saída da infância para a adolescência, caracterizada por interesses e alterações físicas e emocionais. Do ponto de vista simbólico, esse momento marca o início pela busca da Alteridade-caracterizada pela necessidade de reconhecer a si e ao outro, determinando as necessidades, os limites e as possibilidades de troca.

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O desenvolvimento infantil centra-se nestas três primeiras fases: Ourobórica, Dinâmica Matriarcal e Dinâmica Patriarcal. Nelas o estado de dependência é nítido, tanto no que se refere à necessidade de proteção e cuidados, como à necessidade de ser orientado e conduzido no mundo.

A Arteterapia auxilia a criança a passar por estes estágios de desenvolvimento. A linguagem não verbal da Arteterapia tem acesso a esse mundo infantil, ajudando a criança a desenvolver seu universo sensorial, sua consciência corporal, sua capacidade de representação e construção. Desta forma a criança materializa seus conteúdos emocionais, confrontando-os e os fazendo interagir para, finalmente, internaliza-los, elaborando seu mundo interno e seu mundo externo.

3.3 O BARRO COMO LINGUAGEM EXPRESSIVA

As diversas linguagens artísticas devem estar presentes no contexto

pedagógico, principalmente como elemento de transdisciplinaridade. A arte e a cultura são bases para um aprendizado significativo, não só no âmbito cognitivo, como também, no afetivo e social.

A arte é condição, para gerar novos olhares e percepções, novos conhecimentos. O material oferecido numa proposta ancorada num contexto amplia o aprendizado, contribuindo significativamente para a formação de sujeitos criativos.

A argila por ser um material maleável permite à criança um maior contato com os sentidos, liberar seus movimentos, desenvolver a percepção, a psicomotricidade: fatores importantes na sua formação. Toda criança gosta de amassar, dar forma, manusear os tipos de massa que são oferecidos, o que permite um despertar do sensorial. Devemos considerar, também, que a atividade com argila é liberadora de emoções e que a possibilidade de transformar o barro em objetos e figuras estimula o potencial criativo e a autoestima.

A argila é um material de custo baixo e fácil manuseio, pode ser utilizado como instrumento para se pensar e aprender sobre o corpo, sobre a diversidade cultural dos povos, na confecção de máscaras, na matemática, nas propostas que envolvem todos os variados temas, para aquisição de novas competências e habilidades. Na escola, o barro é um suporte rico para os conteúdos das diversas disciplinas, a modelagem uma possibilidade de lidar com o concreto na educação, com o lúdico, motivando e proporcionando ao aluno a construção de conhecimentos significativos.

A Arteterapia tem a proposta de apoiar o desenvolvimento e o crescimento do indivíduo através dos recursos expressivos. Entre o sujeito e suas emoções estão os materiais e as técnicas que oferecem um distanciamento para elaborar as disciplinas. Num processo interdisciplinar de

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estudos e pesquisas sobre as questões internas e um espaço onde o inconsciente pode se manifestar na sua linguagem, imagética. Quase sempre sentimentos e sensações que não conseguimos nomear, se clarificam por meio dos símbolos que surgem nas produções e imagens, nas impressões causadas pelo material ou, ainda, no próprio processo de criação.

A técnica da modelagem fala de volume e tridimensionalidade, trata da concretude. O barro não é um material considerado ideal no início do processo arteterapêutico. Por ser úmido, viscoso e, desperta sensações, às vezes, desagradáveis, remetendo as memórias e possíveis incômodos. Por desenvolver e exigir o tato, o equilíbrio e a organização espacial, o mais indicado é que seja utilizado no decorrer do processo, pois: “o barro ativa mais rapidamente conteúdos inconscientes, pois é um material orgânico, vivo, úmido, macio, que propicia trocas de temperatura (....) além de ter em sua composição muitos elementos bioquímicos presentes também no corpo humano.” (Angela Philippini, 2009)

O contato com a modelagem pode ser antecedido pelo uso de massinha de modelar, massa de biscuit, papel “machè”, abrindo caminho para o trabalho com o barro. A atividade de moldar oferece a possibilidade de tornar conscientes as imagens simbólicas que se concretizam no barro, através das mãos que fazem, tocam e trocam com a argila: “O calor das mãos se entrega a esse convite de profundidade e modela o que capta para além das aparências....” ( Álvaro G. Vieira, 1989, p).

O trabalho com o barro permite um resgate da ancestralidade ao nos religar a um dos mais antigos ofícios do homem. Lidar com o barro é entrar em sintonia com os quatro elementos da natureza: fogo, água, terra e ar, que também estão presentes em nós. A possibilidade de dar forma, de criar espaços interno/externo, de refazer, de transformar pode ser um caminho fértil para a transformação interior e a descoberta/revelação de novas percepções de si mesmo.

O ciclo do barro nos remete ao ciclo da vida, num percurso constante de mutação. Pegar o barro, sentir sua textura, cheiro, temperatura, flexibilidade, dar forma. O processo de secagem é lento, reafirmando que tudo tem seu tempo, como nos lembra a natureza. Ele muda a cor e fica frágil, pode quebrar. A queima no fogo, elemento regenerador e transformador, é outro momento que exige cuidado e traz reflexões: passar de argila à cerâmica é delicado, pois muito fogo queima, pouco fogo não cria. Na vida também!

Tocar a argila é, ao mesmo tempo, tocar-se, enquanto modelamos o barro vamos organizando e dando forma ao que está dentro: “Parecendo que, ao mesmo tempo, que a argila é manipulada...algo no interno vai sendo tocado, passando pelos sentidos, despertando sentimentos

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adormecidos....através dessa ponte entre dois mundos, a criatividade flui livremente.” (Carrano, 2002,nº 9, vol. 9)

Bater o barro é experiência de catarse, de expansão, reconhecer e lidar com tensões e sentimentos. Criar é configurar o simbólico, exercer e realizar o potencial criativo, é a concretude, é dar forma ao amorfo.

Ao amassar, alisar, contemplar a argila, histórias vão se desfilando em nosso consciente, e à medida que transformamos a argila transformamos também estas histórias, deixando vir o que desejamos e o que não desejamos, é o fluir que acompanha a fluidez da argila.

O quanto nos beneficia o trazer à tona os conteúdos do inconsciente, mesmo que não sejam compreendidos. O quanto nos beneficia o criar, o realizar algo concreto; a interiorização, o entrar em contato com a nossa alma. O quanto nos beneficia esses momentos de silêncio que o diálogo com o barro nos proporciona.

A possibilidade de se ver e de ser visto, através da arte, nos impulsiona para a criação.

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CAPÍTULO IV

Oficina de cerâmica na E. M. Sítio do Ipê, visita ao atelier da artista.

OFICINA DE CERÂMICA NA E. M. SÍTIO DO IPÊ:

Relato de experiência na escola de ensino fundamental I, crianças de 6 a 10 anos.

A oficina na E. M. Sítio do Ipê foi desenvolvida, especialmente, para o projeto da monografia, com o objetivo de observar e registrar os benefícios que o contato e manuseio com o barro podem proporcionar.

Como professora de Artes e ceramista, tenho observado o crescimento dos alunos através do contato com o material, mas ainda não havia sistematizado e registrado essas observações.

São encontros semanais, com crianças de oito anos, do 3º ano de escolaridade, Grupo de Referência 3 B. Aproximadamente, duas horas de duração cada encontro, pois a turma é dividida em dois grupos para o trabalho.

Quando o sujeito toca a argila, é convidado a estabelecer um contato de forma inteiramente nova para ele. Sua sensibilidade passa a fazer parte integrante de sua ação, de forma que a argila também norteia cada movimento, comandado em sua base pela psique, em suas dimensões cognitiva e afetiva, permitindo que a ideia que se transforma em projeto pessoal se erga das profundezas de sua psique, acreditamos que ele toca o nível criatividade fundamental. Algo eclode sem o comando de um ego direcionador. Esse “algo” está intimamente ligado ao seu self, ou seja, à natureza maior de sua alma e de sua psique.

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“Criar é- dentro do que observamos, reconhecemos e vivenciamos-, uma experiência psíquica espiritualizada, que conecta nossos diferentes movimentos internos, de modo a produzirem resultado nunca anteriormente realizado.” (ALLESSANDRINI, 2004, pp.329, 330,331).

Seguindo os passos da proposta de Regina Fiorezzi Chiesa (2004) que desenvolveu uma oficina com argila a qual denominou: “O diálogo com o barro”, esta oficina é composta de seis etapas.

Primeiro encontro, chamada contato, dia 04 de maio de 2012, dá-se o reconhecimento do material.

Conversamos sobre a proposta da oficina. Ficaram muito empolgados pelo uso do material em si.

Para cada participante é dado um pedaço de argila de mais ou menos 500gr .O aluno deve bater, amassar, beliscar, jogar, acariciar, enfim dialogar com o material experimentando-o de todas as formas possíveis.Em seguida é pedido a cada participante que feche os olhos e deixe surgir uma forma. Este primeiro contato tem como intenção despertar as sensações, as emoções e as imagens que estavam adormecidas. (Chiesa, 2004, p.24).

Expliquei da necessidade de amassar bem o barro para deixa-lo maleável, observamos as transformações de densidade e temperatura que o barro passa pelo contato das nossas mãos- de frio, úmido e duro, para macio, maleável e quente. O prazer que esse contato proporciona quase um carinho.

A segunda, realizada dia 07 de maio de 2012, denominada Metamorfose, é proposta com o intuito de se sentir o poder de criar.

O participante recebe uma quantidade de argila que caiba em suas mãos. É pedido, então, que seja feito uma bola bem redonda, uma esfera, imaginando que esta seja o mundo. O participante é convidado a criar, acariciando amorosamente o mundo em suas mãos. O passo seguinte é descobrir as formas da Natureza, transformando a esfera de linhas curvas em uma forma com linhas retas, que represente o Reino Mineral. E depois as linhas retas em suaves curvas trazendo presente o Reino Vegetal. Em seguida sugiro que as linhas sejam “animadas”, para assim dar mobilidade aos vegetais, surgindo então o Reino Animal. Para finalizar a metamorfose o animal é transformado numa figura abstrata, que representa o ser humano em um estado de consciência em que a criatividade está presente.

O objetivo “é poder se conscientizar do processo de evolução revelado na forma abstrata depois de ela ter passado pelos três Reinos da Natureza. Para a autora, a forma abstrata nada mais é do que a natureza invisível, o desconhecido, o fascinante, onde aflora a fantasia criadora de cada um. A

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intenção é uma maior conscientização do processo de evolução, assim como do processo criativo. (Chiesa, 2004, p.25).

Na terceira etapa, dia 11 de maio de 2012, de nome Processo, repete-se o trabalho das etapas anteriores sem desmanchá-los.

O participante recebe uma quantidade igual de argila em cada passo do processo: o mundo, o mineral, o vegetal e o animal. Não é necessário fazer a figura abstrata porque esta foi a forma que permaneceu do exercício anterior.Terminado, o participante terá uma sequência para, então, poder observar cada etapa do seu processo. O objetivo é poder fazer um reconhecimento de si, estando atento a cada etapa. A intenção dessa observação pode gerar uma participação mais ativa e mais consciente na vida. (Chiesa, 2004, pp.25,26)

Na quarta, dia 18 de maio, denominada Mundo, fazendo uso da técnica de modelagem da bolinha faz-se novamente a esfera.

Mais uma vez, com uma mesma quantidade de argila que caiba nas mãos, o participante faz uma bola bem redonda, e, com o dedo polegar, começa a abrir e a penetrar nesse mundo. Uma forma deve poder surgir a partir dessa exploração. O objetivo é dialogar com esse mundo interno a partir das sensações, dos sentimentos e das imagens que possam aflorar.È o momento de apropriação do potencial criativo, de incorporar a experiência, de conhecê-la por dentro, em um lugar onde forma e conteúdo se completam. (apud OSTROWER, 1995). A intenção é entrar no mundo, sair dele, ir fundo para descobri-lo e senti-lo ( Chiesa, 2004, p 26).

O quinto encontro, dia 25 de maio de 2012, chamou-se Parte e Todo, e para executá-la, usa-se a técnica do rolinho.

Fazer rolinhos ou cobrinhas com a argila .Depois vem a etapa da junção dos rolinhos para que uma nova forma possa surgir.O tamanho dos rolinhos e a quantidade da argila dependem da necessidade de cada um, podendo a forma ser tanto pequena quanto grande. A intenção é que cada rolinho represente um aspecto interno da pessoa. A cada novo rolinho que o participante vai juntando permite emergir uma forma que traz, em si, sua totalidade.

O objetivo é poder ter essa percepção da totalidade. (Chiesa, 2004, p.27)

Amassamos o barro e partimos logo para a proposta de fazer um pote com a técnica da cobrinha. Expliquei que para “colar” cada parte, precisamos fazer uso da barbotina- barro mais liquefeito. É um material mais viscoso e frio. Neste momento, o aluno A, começa a se incomodar com o material e pede para sair e voltar para a sala de aula, com o restante do grupo. É oportuno

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registrar que o aluno A, geralmente, tem uma atitude muito agressiva com os colegas, com frequentes implicâncias, enfrenta as diversas autoridades da escola, tem dificuldade de escutar as ordens dadas e, neste momento, demonstrou uma fragilidade muito grande diante do material. Foi respeitado o desejo do aluno, ele retornou para a sala de aula. Em outro momento conversamos sobre o ocorrido: da dificuldade e do mal-estar que o material lhe afetou.

Na sexto encontro, dia 25 de maio de 2012, cujo nome é Construção, com a técnica de placas, busca-se construir algo.

O participante recebe entre 500gr e 1kg de argila, um rolo para abrir a massa, duas madeiras com aproximadamente 50cm de comprimento, 5cm de largura e 1cm de espessura e mais um pano. A argila é colocada em cima do pano, amassada e espalhada como se fosse uma massa de pão. Depois se coloca as duas madeiras paralelas à massa como medida para passar o rolo e, assim a placa terá uma espessura por igual.Na massa aberta e úmida podem-se usar materiais diversos como conchas, folhas, tecidos entre outros, para imprimir desenhos com texturas variadas.Continuando, corta-se um pedaço da placa de argila para fazer o fundo e o restante dela serve para a construção de uma forma mais elaborada, isto é, com mais técnica.O objetivo do trabalho é permitir construir e estruturar o que foi aprendido durante a oficina.

A intenção desse exercício é estruturar, criar um eixo a partir de uma base que o sustente. (Chiesa, 2004, pp.27,28). Usamos como suporte (molde) as badejas de isopor.

Voltamos a conversar sobre a oficina, sua proposta e as atividades. Os alunos se colocaram, verbal e coletivamente, sobre como sentiam o trabalho, quais os sentimentos e lembranças o barro proporciona. Deixei uma reflexão: De que maneira trabalhar com o barro estava sendo bom? De que forma poderia ajuda-los? Em que estava ajudando?

Foi um dia tranquilo, mas ainda percebo muita ansiedade para serem atendidos, com dificuldade de esperar a assistência individualizada. É no desenvolver das atividades que vão se controlando, tomando contato com o material e elaborando o seu trabalho.

O sétimo encontro, dia 31 de maio de 2012, conversamos o que são máscaras, e para que usamos. Foi solicitada a confecção de máscaras, que os representem- autorretratos.

Ainda foi introduzido um oitavo encontro, dia 15 de maio de 2012, uma visita ao atelier de cerâmica onde foi possível observar o forno elétrico em que as queimas foram feitas. Também as crianças experimentaram o torno.

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Usar esta metodologia nos processos arteterapêuticos é de grande valia, pois ela atua na psique de forma a trazer para o consciente os conteúdos internos. Como diz Carrano: ”Plasmar em imagens concretas conteúdos do seu interior”. (2002, p.113).

Quando o sujeito toca a argila, é convidado a estabelecer um contato de forma inteiramente nova para ele. Sua sensibilidade passa a fazer parte integrante de sua ação, de forma que a argila também norteia cada movimento, comandado em sua base pela psique em suas dimensões cognitiva e afetiva, permitindo que a ideia que se transforma em projeto pessoal se erga das profundezas de sua psique, acreditamos que ele toca o nível criatividade fundamental. Algo eclode sem o comando de um ego direcionador. Esse “algo” está intimamente ligado ao seu self, ou seja, à natureza maior de sua alma e de sua psique.

Criar é, dentro do que observamos, reconhecemos e vivenciamos, uma experiência psíquica espiritualizada, que conecta nossos diferentes movimentos internos, de modo a produzirem resultado nunca anteriormente realizado. (ALLESSANDRINI, 2004, pp.329, 330,331).

Depois do trabalho feito, levaremos o indivíduo a uma reflexão, que nos fornecerá dados sobre o processo por ele vivenciado, através do questionamento a seguir:

a) O que você sentiu quando tocou a argila?

b) Observando sua sensação e seus sentimentos durante o trabalho, que tipo de ideia veio a sua mente?

c) Que mudanças você percebeu que estavam acontecendo na massa? O que chamou sua atenção?

d) Como foi trabalhar com a argila?

e) Você descobriu jeitos novos de trabalhar com a argila?

f) O que você aprendeu?

Ao amassar, alisar, contemplar a argila, histórias vão se desfilando em nosso consciente, e à medida que transformamos a argila transformamos também estas histórias, deixando vir o que desejamos e o que não desejamos, é o fluir que acompanha a fluidez da argila.

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CONCLUSÃO

“Dando forma à argila, ele deu forma à fluidez fugidia de seu próprio

existir, captou-o e configurou-o. Criando, ele se recriou. São transferências

simbólicas do homem à materialidade das coisas e que novamente são

transferidas para si”.( Ostrower,1978, pp.51,53).

Segundo Gouveia, a ideia é sempre levar os objetos imaginários a um

confronto exterior para dar a eles vida concreta. É preciso lidar manualmente

com as emoções, projeções, tendências e desvios que compõe as forças

psíquicas.

Meu objetivo ao longo da pesquisa foi mostrar como e porque usar o

barro arteterapêuticamente. Sendo assim, procurei fazer uma reflexão sobre o

barro em suas diferentes maneiras de manuseio, explorando suas etapas: ao

amassar o barro liberamos energia, e ao moldá-lo, liberamos criatividade e

sensações. Ele é um agente transformador nos níveis motor, perceptivo,

afetivo, cognitivo, simbólico e emocional, e o faz através do diálogo criativo.

Depois de pesquisar em várias e diferentes fontes bibliográficas, em

busca da reafirmação do meu pensamento com relação ao uso da argila em

arteterapia, me convenci de que ela como prima matéria, vai ainda um pouco

além do que já havia constatado. Esse poder alquímico que proporciona como

mãe-terra, com suas características da anima: intuição, receptividade,

criatividade e nutrição, levam a algo espiritual, que transcende ao material.

Percebi que o processo de liberação de imagens simbólicas pelo

inconsciente, usando a argila como mediadora, vem restabelecer a saúde

mental e emocional do aluno. A partir dos relatos e de minha própria

observação, vi que a argila contribui para facilitar o desenvolvimento e a

liberação da criatividade. Esse processo conduz a um relaxamento, a um

estado de paz, de desligamento, na medida em que libera agressividade e

tensões. Essa calma vem também propiciar uma interiorização, um olhar para

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dentro, uma oportunidade de autoconhecimento, levando a reorganizar e

integrar nossas ideias.

A autoestima é fortalecida pela satisfação de ser capaz de fazer, de

transformar a argila em um objeto, pelo ato de criar. É uma sensação de ser

especial e capaz. O prazer e o bem estar que o fazer cerâmico proporciona

permitindo externalizar sentimentos e emoções muda o estado de espírito de

uma forma sempre positiva. A socialização que o grupo de trabalho possibilita;

a auto realização; o desenvolvimento da capacidade de perceber e aceitar os

limites impostos pela argila; o exercitar do desapego, o que você cria, sai de

você e passa a pertencer ao mundo; e, ainda, as perdas que as queimas

impõem, ensinam a lidar com elas. Muitos dos objetos se perdem no fazer.

Essas, dentre tantas outras qualidades notadas, reafirmam a conclusão

da minha pesquisa e, espero, respondam a minha questão inicial, mesmo

ainda tendo um longo caminho a percorrer, pois se colocar no fazer cerâmico é

desnudar-se para poder se ver refletido no objeto.

44

ANEXOS

Registro escrito da experiência com argila, sendo respondidas as seguintes

perguntas:

a) O que você sentiu quando tocou a argila pela primeira vez?

b) Observando a sua sensação e seu sentimento durante o trabalho, que tipo

de ideia veio a sua mente?

c) Que mudanças você percebeu que estavam acontecendo na argila? O que

chamou sua atenção?

Aluno 1:

45

Aluno 2:

Aluno 3:

46

Aluno 4:

47

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ALESSANDRINI, Cristina Dias. Análise Microgenética da Oficina Criativa – Projeto de Modelagem em Argila. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. BELLO, Suzan. Pintando sua Alma. Rio de Janeiro: Walk, 2003. CARRANO, Eveline. O poder mágico do barro. In: Revista Imagens da Transformação. Rio de Janeiro, Clínica Pomar,1997, nº 4. Vol. 4. CHAVARRIA, Joaquim. A cerámica. Editora Estampa Lda, Lisboa, 2004.

CHIESA, Regina Fiorezzi. O Diálogo com o Barro. O Encontro com o Criativo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. DINIZ, Ligia. A utilização da Arteterapia na clínica infantil. In: Resvista

imagens da transformação. Rio de Janeiro, nº 11- vol. 10- 2000.

_________. A revelação através da Arte. In: Revista imagens da transformação. Rio de Janeiro, nº 8- vol. 8, 2001. FRANÇA, Umberto. A Arte na Terapia. In: Revista Imagens da Transformação. Rio de Janeiro, Clínica Pomar,1998, vol.8. GOUVÊA, Álvaro de Pinheiro. A Tridimensionalidade da Relação Analítica. São Paulo; Editora Cultrix, 1999. ______________________. Sol da Terra. O uso do Barro em psicoterapia. São Paulo: Sumus Editorial, 1990. GRANJA, Vânia. O Pensamento de Jung Para o Estudo do Processo de Criação em Arte. In: Revista Imagens da Transformação. Rio de Janeiro: Clínica Pomar, 1996, vol.3. GRINBERG, Luiz Paulo. Jung – O Homem Criativo. São Paulo: FTD, 2003. KANDINSKY, N. Do Espiritual na Arte. Lisboa: Publicações Don Quixote, 1987. NAKANO, Katsuko. Terra Fogo Homem. São Paulo: Aliança Cultural Brasil -Japão, 1989. NUNES, Benedito. Introdução à de Arte. Editora Ática, São Paulo,1999.

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48

PHILIPPINI, Angela. Mas o que é mesmo Arteterapia? In: Revista Imagens da Transformação. Rio de Janeiro: Clínica Pomar, 1998. PENIDO, Eliana. Cerâmica. Editora SENC Nacional, Rio de Janeiro,1999.

SILVEIRA, Nise. Cartas a Spinoza. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1995.

ZALUAR, Amélia. O Poder Mágico do Barro. In: Revista Imagens da

Transformação. Rio de Janeiro: Clínica Pomar,1997, vol.4.

49

ÍNDICE

Folha de rosto 2

Agradecimento 3

Dedicatória 4

Resumo 5

Metodologia 6

Sumário 7

Introdução 8

Capítulo I: História da Cerâmica 10

Capítulo II: A prática da cerâmica e suas técnicas 16

2.1 Argila 16

2.1.1 Amassar o barro 17

2.1.2 Técnicas básicas 18

- Técnica da bola ou beliscões 18

- Técnica da cobrinha ou rolo 19

- Técnica de placas 20

2.1.2.2 Torno 21

2.1.2.3 Moldes e formas 22

2.1.2.4 Esculturas 23

2.1.3 Secagem 24

2.1.4 Queima 25

- 1ª Queima de biscoito 26

- 2ª Queima de esmaltação 27

50

Capítulo III: O barro na arteterapia 28

3.1 Arteterapia 28

3.2 Arteterapia e desenvolvimento infantil 32

3.3 O barro como linguagem 34

Capítulo IV: Oficina de cerámica na E. M. Sítio ndo Ipê: 37

Relato de experiencia na ensino fundamental I,

crianças de 6 a 10 anos.

Conclusão 42

Anexos 44

Bibliografia 47

Índice 49