UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … · bibliográfica dos conceitos de...
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
As dificuldades de aprendizagem na alfabetização das crianças
de classes populares e o papel do orientador educacional,
como facilitador desse processo.
Por: Giselle Cristine da Silva Mendes Levy
Orientador
Profa. Geni Lima
Rio de Janeiro
2009
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
As dificuldades de aprendizagem na alfabetização das crianças
de classes populares e o papel do orientador educacional,
como facilitador desse processo.
Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do Mestre
– Universidade Candido Mendes como requisito parcial
para obtenção do grau de especialista em Orientação
Educacional e Pedagógica.
Por: . Giselle Cristine da Silva Mendes Levy
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AGRADECIMENTOS
À Deus, por mais esta oportunidade em
minha vida, e sem o qual nada seria. À
minha mãe que sempre acreditou em mim.
Ao meu esposo amado pela paciência e
por seu incansável apoio. Aos meus filhos
que ficaram sem a presença da mamãe por
muitas e muitas vezes.
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DEDICATÓRIA
Ao meu amado Rafael, pois sem seu
companheirismo nada seria possível.
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RESUMO
A presente pesquisa de cunho bibliográfico, tem como objetivo promover
reflexões sobre o papel do Orientador Educacional dentro da escola, suas
atribuições e contribuições nas questões.
A presente pesquisa de cunho bibliográfico tem como objetivo promover
reflexões sobre o espaço escolar e as dificuldades de aprendizagem na
alfabetização de crianças de classes populares, fazendo uma análise crítica e
bibliográfica dos conceitos de dificuldades de aprendizagem na alfabetização,
fundamentada em Antunes, Fonseca, Griffo, Gomes e Sena, Monteiro, Paín e
Polity.
Mostrando, por fim, a importância do Orientador Educacional dentro da
escola, suas atribuições e de que forma esse profissional pode contribuir para
minimizar as dificuldades de aprendizagem na alfabetização.
Palavras-chave: escola pública – dificuldades de aprendizagem –
alfabetização – orientação educacional
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 07
CAPÍTULO I - Escola pública hoje, que espaço é este? 09
CAPÍTULO II - Conceito, características e fatores das dificuldades de aprendizagem no processo de alfabetização. 19
CAPÍTULO III – O orientador educacional: suas atribuições e contribuições num ambiente educacional integrador. 35
CONCLUSÃO 42
BIBLIOGRAFIA 43
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INTRODUÇÃO
Muito se tem falado sobre as dificuldades de aprendizagem na
alfabetização das crianças de classes populares e a nossa sociedade continua
a produzir milhões de analfabetos, que contribuem para a manutenção de
privilégios nas mãos daqueles que detêm o poder.
A escola desempenha um papel fundamental nessa exclusão,
não apenas porque cria barreiras que impedem a entrada das
crianças na escola, mas porque as que conseguem as barreiras e se
matriculam são colocadas outras barreiras, que as impedem de ter
sucesso na escola, ou seja, grande parte das crianças pobres saem,
ao final de alguns anos, sem sequer saberem ler e escrever.
A escola é um divisor de águas tão forte que o Brasil é o único país que
se tem notícia a ter prisão diferente para quem tem nível superior e para quem
não é doutor.
A atuação da escola não pode ficar confinada às salas de aulas. Como
instituição social, ela deve ser presença significativa na comunidade,
envolvendo as famílias em sua proposta pedagógica.
Neste sentido, vimos a figura do Orientador Educacional como um
profissional capaz de promover uma ação integradora no processo educativo e,
assim, favorecer o êxito do processo de alfabetização dos alunos das classes
populares.
Assim, a presente pesquisa de cunho bibliográfico tem como objetivo
promover reflexões sobre o espaço escolar, as dificuldades de aprendizagem
na alfabetização dos alunos oriundos das classes populares e a importância
do papel do Orientador Educacional como agente integrador.
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O primeiro capítulo procura refletir sobre a escola pública, que espaço
seria este e a quem estaria servindo, baseado em trabalhos de Regina Leite
Garcia, Magda Soares, Pierre Bourdiau, entre outros.
No segundo capítulo encontram-se algumas contribuições sobre o
conceito, as características e os fatores das dificuldades de aprendizagem no
processo de aquisição da leitura e escrita, com base nos trabalhos de Antunes,
Fonseca, Griffo, Gomes e Sena, Monteiro, Paín e Polity. Sendo tratado, mais
especificamente as dificuldades de aprendizagem entendidas como sendo de
causas emocionais, sócio-culturais ou pedagógicas.
O último capítulo procura refletir sobre as funções atribuídas ao
Orientador Educacional, enquanto um profissional capaz de promover uma
ação integradora de todos os envolvidos no processo educativo, favorecendo o
processo ensino-aprendizagem. Neste capítulo destacam-se os trabalhos de
Grispum, Luck e Maia e Garcia, apresentando assim, as atribuições e
contribuições do Orientador Educacional, num ambiente educacional
integrador.
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Capítulo I
Escola pública hoje, que espaço é este?
Em sentido lato, a educação é sinônimo de socialização (processo pelo
qual o indivíduo é integrado à sociedade).
Em sentido restrito, porém, a educação compreende todos aqueles
processos, institucionalizados ou não, que visam transmitir aos jovens
determinados conhecimentos e padrões de comportamento a fim de garantir a
continuidade da cultura na sociedade.
O caráter institucional da educação se manifesta na sua forma mais
concreta que é a Escola.
Há, portanto, que ser considerada a educação como parte integrante
das culturas humanas e a educação como um mecanismo de transmissão
dessas próprias culturas.
Antigamente existiam sociedades sem escolas, e ainda hoje isto
acontece em algumas áreas chamadas “mais atrasadas” do Terceiro Mundo.
A prática educativa consistia na aquisição de instrumentos de trabalho e
na interiorização de valores e comportamentos, enquanto o meio ambiente, em
seu conjunto, era um contexto permanente de formação.
Foi somente a partir da Idade Média, que, na Europa, a educação se
tornou produto da escola e um conjunto de pessoas, em sua maioria religiosos,
especializou-se na transmissão do saber. A atividade de ensinar passou então
a desenvolver-se em espaços específicos, cuidadosamente isolados do mundo
dos adultos e sem qualquer relação com a vida de todo o dia.
Durante séculos esse tipo de escola ficou reservado às elites. Serviu em
primeiro lugar aos nobres, passando depois a atender a burguesia que na
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medida de sua ascensão, exigiram os mesmos privilégios que possuíam os
aristocratas.
O “resto” – lavradores, operários, a gente pobre – aprendia na prática do
dia-a-dia. A escola da nobreza cultivava o passado: atribuía importância central
à moral e à religião, ao domínio da palavra e do saber abstrato.
O conhecimento científico, portador de mudanças, era menos importante
do que o espírito contemplativo e o latim, símbolos da tradição a preservar,
num mundo que se considerava imune à transformação.
Para os herdeiros da aristocracia, educar-se era sinônimo de aprender a
pensar e a comportar-se, como grandes senhores.
A escola da nobreza perdurou até o surgimento do desenvolvimento do
capitalismo industrial.
Com a revolução tecnológica, novas classes sociais emergiram: a
nascente burguesia industrial, responsável pelo progresso técnico, tomou o
poder da velha aristocracia rural; uma classe operária formada pela
concentração, em torno de novos centros de produção, de uma mão-de-obra
pobre e desqualificada.
O desenvolvimento industrial requer um número maior de quadros
técnicos e científicos. Essa insuficiência econômica leva a uma mudança
radical nos conteúdos da escola. Ela é forçada a se modernizar.
As disciplinas científicas adquiriram importâncias crescente ao lado dos
antigos conteúdos clássicos e literários.
A burguesia dominante começou a perceber a necessidade de um
mínimo de instrução para a massa trabalhadora que se aglomerava nos
grandes centros industriais.
Os ignorantes deveriam ser “educados” para tornarem-se bons cidadãos
e trabalhadores disciplinados. Paralelamente à escola dos ricos foi surgindo
uma outra escola, a escola dos pobres.
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A coexistência desses dois tipos de escola cria uma situação de
verdadeira segregação social.
As crianças do “povo” freqüentavam a “escola primária”, que não é
concebida para dar acesso a estudos mais aprofundados.
As crianças da elite seguiam um caminho a parte, com acesso garantido
ao ensino de nível superior, monopólio da burguesia.
(R) Afinal, a produção da ignorância é indispensável para que tantos
privilégios sejam mantidos sem maiores reações. É necessário até
que os descamisados votem em quem lhes tira as camisas.
(Garcia,Regina Leite,2006, p.09)
O acesso à educação e à cultura torna-se pouco a pouco reivindicação
prioritária.
A classe operária industrial se bate para que todos tenham direito de freqüentar
uma mesma escola em condições de igualdade de oportunidades.
A expectativa dos operários é de que a escola transformada numa
espécie de serviço público aberto a todos – seja um instrumento de
emancipação e de educação das classes menos favorecidas.
Os filhos de operário, lavradores e assalariados de baixa renda vêm
tendo maior acesso à escola. No entanto, suas possibilidades de êxito
permanecem muito menores do que as dos filhos de outras categorias sociais.
Segundo Althusser,a escola, na sociedade capitalista, assume as
funções antes reservadas à igreja e torna-se o principal veículo de manutenção
do status quo,já que toma a seu cargo todas as crianças de todas as classes e
lhes inculca a ideologia dominante.
A desigualdade social permanece diante dos índices de reprovação nos
primeiros anos de escola; na seleção que se faz entre os que vão para os
cursos superiores e os que só terão acesso aos cursos técnicos ou de
aprendizagem manual; na possibilidade de acesso à universidade.
A Escola reproduz a divisão da sociedade em categorias sociais
distintas:
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47% dos filhos de famílias de executivos entram na vida profissional com o
mesmo status do pai; 63,9% dos filhos de famílias operárias tornam-se também
operários. Quanto aos filhos de lavradores, 38,8% permanecem no campo e
34,9% tornam-se operários da indústria (urbanos).
Aparentemente a escola representa na sociedade uma instituição
neuta,que está acima dos conflitos sociais, local de igualdade de
oportunidades,de ascensão social e desenvolvimento individual para todos .
Quando porém, pára-se para analisar as escolas quais os professores
passam,trabalham ou pesquisam,observa-se o quanto a realidade difere do
ideal,pois a realidade que se constata é que a escola reproduz e intensifica as
diferenças sociais e os valores da classe social privilegiada.
“(R) a escola é a instituição mais eficiente para segregar as pessoas,
por dividir e marginalizar parte dos alunos com o objetivo de reproduzir a
sociedade de classes.” (MEKSENAS, 2002, p.71)
Essa reprodução e segregação estão presentes na diferenciação ao
acesso à escola, tempo e recursos para estudar, recursos para frequentar
atividades complementares à educação escolar,tempo de frequencia à escola
,linguagem utilizada no sistema de ensino, acesso ao ensino superior e até na
relação professor-aluno.
No decorrer da história, a educação sempre foi planejada para proteger
e manter os privilégios da classe dominante ,que sempre recebeu uma
escolarização de qualidade com os conhecimentos necessários para manter-se
na direção da sociedade,enquanto os menos favorecidos recebem uma
educação de massa, com caráter disciplinador para mantê-los submissos à
classe dominante.
A escola em sua constituição geral se apresenta fora do contexto social
real dos alunos menos favorecidos, e reproduz assim, valores, idéias,ideais e
cultura da classe privilegiada como sendo verdadeiros , únicos, corretos e
aceitáveis.
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Utiliza para alcançar esse objetivo, recursos conhecidos como a
linguagem escolar, que é alheia á realidade social do seu alunado
representada nos livros didáticos, modelos de comportamento, regras
disciplinares, textos, atividades, sistemas de avaliação e até nas relações
pessoais, que fazem parte dos ideais e cotidiano social da classe dominante.
Assim, a classe dominada passa a conceber a cultura e valores dominantes
como corretos e caracterizar sua própria cultura e valores como inferiores e
errados, tornando-se submissa para conseguir ter acesso ao mínimo possível
do que possui a classe dominante.
Agindo dessa forma a escola reproduz e mantém as diferenças entre as
classes sociais, formando falsos cidadãos, que não desenvolvem o espírito
crítico, que são submissos àqueles que aparentemente são melhores que
eles,que aceitam seu fracasso escolar e social como responsabilidade
exclusiva de si mesmos e consequentemente se acomodam e não lutam por
mudanças, muitas vezes vendo o dominador como “herói”, por possuir atitudes
assistencialistas.
Os excluídos do poder são excluídos de bens materiais e são também
excluídos de bens culturais, ainda que produzam tanto bens materiais quanto
bens culturais.
A escola desempenha papel fundamental nessa exclusão, não
apenas porque cria barreiras que impedem a entrada das crianças
das classes populares ,mas porque as que conseguem romper as
barreiras,que as impedem de ter sucesso na escola, ou seja, grande
parte das crianças pobres saem , ao final de alguns anos sem sequer
saber ler e escrever .Saem da escola porque desistiram de insistir em
aprender. Saem pior do que entraram, pois ao entrar traziam a
esperança de aprender e ao sair levam a certeza de sua
incapacidade não apenas para aprender, mas uma incapacidade
global. (Garcia, Regina Leite, 2006, p.07)
Ao saírem, após uma insistência de muitos anos, insistência insatisfeita
pela escola, são rotulados de evadidos, responsabilizados que são por não
terem aprendido o que a escola diz que ensina, e responsabilizadas ainda por
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terem desistido de continuarem tentando. Predominam explicações como essa
que responsabilizam a criança ou sua família pelo fracasso escolar da “criança
carente” dando menor ênfase à responsabilidade que a escola tem em sua
produção. Como elas são as responsáveis pelo seu próprio fracasso, não há
porque se perder tempo buscando outras explicações. Afinal, o importante é
que foi resolvido na medida em que os culpados foram identificados e, o que é
mais importante ainda: assumiram a culpa do delito imperdoável.
A escola como Pilatos lava as mãos, e tudo continua como dantes, já
que para mudar seria necessário refletir coletivamente sobre as
razões estruturais e conjunturais do fracasso escolar, que, como por
encanto, atinge sempre os mesmos grupos. (Garcia, Regina Leite,
2006, p.08)
Só aceita ser excluído daquilo que produz aquele que não se percebe
com direitos, é preciso que a lógica da sociedade, na qual se inclui a escola,
desenvolva esta crença. Os mass media o fazem com extrema competência,
através da ideologia do mérito, das aptidões do sucesso.
A marginalização e exclusão da maioria em oposição à ascensão de
uma minoria privilegiada ocorrem até no relacionamento entre alunos e
professores, desde a educação infantil. Na maioria das vezes, as atitudes,
discursos, demonstrações afetivas e disciplinadoras do professor estão a
serviço da reprodução social das classes. Ele serve de instrumento para formar
os futuros cidadãos, descritos anteriormente e transforma assim, sua sala de
aula em uma prévia do que é a sociedade externa aos muros escolares.
Nesse processo de educação visando á reprodução social de classes,
há a formação de alunos submissos, individualistas e egoístas, ocasionando a
perda do desenvolvimento de valores como a solidariedade e a valorização do
coletivo. Formam-se assim, pessoas frias, passivas,mecânicas,calculistase
extremamente individualistas. Não importa o que ocorre com o coletivo, desde
que o “eu” esteja bem.
(...)a escola representa o instrumento mais completo de reprodução
das relaçoes de produção nessa sociedade. Ela reproduz a força de
trabalho, qualificando os trabalhadores, justificando a desigualdade
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social, levando-os a aceitarem a distinção entre as classes. (VIEIRA,
1998, p.64)
A Escola só faz legitimar uma situação pré-existente.
A maneira como se processa a educação da criança é feita, com a
finalidade de domá-la. A criança de seis anos é “parafusada” numa cadeira
dura para estudar palavratório durante horas e horas.
Não é um acaso. É um plano. Um plano desconhecido para os que o
cumprem. Trata-se de domesticar fisicamente esta máquina fantástica de
desejos e prazeres que é a criança.
A escola é um mundo de ritos imutáveis onde os papéis de cada um
estão previamente determinados. Um mundo onde só é permitido falar bem.
Trata-se de um mundo uniforme que trata a todos da mesma maneira,
todos devem ter o mesmo ritmo de trabalho, com o mesmo livro, o mesmo
material, todos devem aprender as mesmas frases, saber as mesmas palavras.
Todos devem adquirir os mesmos conhecimentos, devem fazer os
mesmos exames, ao mesmo tempo.
A maior parte das perguntas que o professor faz se inscrevem num
contexto de comunicação artificial.
Não se trata de perguntas de verdade uma vez que quem pergunta sabe
as respostas; mas se trata de mensagens com um sentido autêntico, pois o
destinatário já conhece o conteúdo.
A Escola não leva em conta: as diferenças nas condições materiais de
vida; diferenças de cultura; diferenças nas experiências adquiridas fora da
escola; diferenças de atitudes dos pais em relação à escola.
Na Escola ocorre o aprendizado: do cada um por si, da competição (pelo
incentivo ao trabalho e sucesso individuais); do sentimento de inferioridade
(pela supervalorização do sucesso intelectual em detrimento dos trabalhos
manuais); da submissão (pela autoridade do professor); do respeito pela ordem
estabelecida e o medo do conflito.
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Pierre Bourdieu no entanto, não aceita que a escola simplesmente reflita
a sociedade; pelo contrário, entende a escola como uma instituição
relativamente autônoma que apenas indiretamente é influenciada pela estrutura
social. Ele defende a idéia de uma teoria que seja capaz de relacionar
dialeticamente agentes humanos e estruturas dominantes, e postula que é
através da cultura que se reproduzem os valores e os interesses da classe
dominante.
Bourdieu & Passeron concebem a escola como a principal instituição
responsável pela reprodução e legitimação do capital cultural dominante, pois é
ela que estabelece normas de conhecimento, comportamento e linguagem.
Essas normas são nada mais que os padrões da classe dominante que são
aplicados a todos. É evidente que as diferentes classes sociais guardam
distâncias desiguais em relação á cultura escolar e apresentam disposições
diferentes para reconhecê-la e adquiri-la. Consequentemente, os resultados
obtidos também são diferentes, segundo esses autores, não devido às
características pessoais dos sujeitos, (como querem fazer crer os teóricos
liberais), mas porque a norma escolar imposta igualmente a todos, favorece a
classe dominante, enquanto que as classes subordinadas ficam em franca
desvantagem. Dessa forma, o saber escolar, além de legitimar os interesses e
valores da classe dominante, marginalizar e desconfirmar os conhecimentos
dos grupos oprimidos.
“Toda ação pedagógica é objetivamente uma violência simbólica
enquanto imposição, por um poder arbitrário, de um arbitrário cultural.”
(Bourdieu & Passeron, 1975, p.20)
As condições para essa ação pedagógica estão inscritas na própria
instituição por um sistema de coerções: a linguagem utilizada, o espaço social,
os rituais e os ritmos temporais. Aos professores e estudantes são atribuídos
determinados papéis, com suas respectivas obrigações, e eles nada mais
fazem que cumprir as leis escolares.
Fala-se muito em democratização do ensino. Porém, ainda que muito
mais vagas tenham sido disponibilizadas ao longo dos últimos anos, ainda não
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há uma escola em que a igualdade de tratamento tenha sido alcançada. As
crianças provindas de camadas sociais menos favorecidos, agora conseguem
ser matriculadas como as outras.
Todavia,o ingresso não é garantia de sucesso nem de permanência na
escola. Na verdade, as crianças pobres evadem ou fracassam percentualmente
muito mais do que as de outras categorias sociais.
O fracasso escolar dos alunos pertencentes às camadas populares,
comprovados pelos altos índices de repetência e evasão, mostra que,
se vem ocorrendo uma progressiva democratização do acesso à
escola, não tem igualmente ocorrido a democratização da escola.
Nossa escola tem se mostrado incompetente para a educação das
camadas populares, e esta incompetência, gerando fracasso escolar,
tem tido o grave efeito não só de acentuar as desigualdades sociais,
mas, sobretudo, de legitimá-las. (SOARES, 1987, p.06)
Além disso,
A escola brasileira seleciona e exclui os mais pobres: a maioria das
crianças que abandona os estudos antes de completar 8 anos de
escolaridade obrigatória vem de famílias pobres, do meio rural e dos
bairros populosos das periferias da grandes cidades. A escola pública
é sem dúvida gratuita, mas há as taxas extras, as caixinhas, o
material escolar cada vez mais caro, a condução caríssima, entre
outras coisas, que acabam tornando o gasto com a escola pesado
demais para o bolso dos trabalhadores. (CECCON, et al, 1982, p.35)
No convívio com estas mesmas crianças e suas famílias adquire-se logo
o conhecimento de que as atividades de sobrevivência desempenhadas pelos
seus pais não requerem a utilização de leitura/escrita e, na verdade, a
capacidade de se manifestarem graficamente em nada contribui para suas
sobrevivências. Aliado a este fato, aparece também a questão da exclusão que
estas crianças sentem, quando ingressam na escola, ao perceberem que seus
conhecimentos e suas experiências, alheias aos interesses curriculares da
instituição, são ignoradas por todos quantos compõem o cotidiano escolar.
Leituras, viagens, visitas a museus, cinemas, programas de televisão
escolhidos segundo os critérios da cultura erudita constituem uma
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bagagem cultural que ajuda o aluno na escola e influi decisivamente
nos resultados que obtém nos exames. Ao mesmo tempo, outras
experiências e vivências, adquiridas, por exemplo, por crianças que
são obrigadas a trabalhar desde pequenas, embora possam conter
uma extraordinária riqueza, não são levadas em conta pela escola e
em nada ajudam o aluno que as acumulou na compreensão de
matérias abstratas e livrescas. (CECCON, et al, 1982, p.77)
Todavia, estas crianças parecem vivazes e bem dispostas. Parecem
nada ter de errado em suas capacidades de raciocínio, já que apresentam um
desenvolvimento extra escolar compatível com a maturidade física.
Algumas crianças do Nordeste do Brasil, por exemplo, aprendem a
fazer rendas seguindo padrões complicados, contando os pontos,
numa clara prova de habilidade manual, memória e capacidade de
aprender e executar tarefas desta natureza. (CAGLIARI, 1991, p.19)
Mas, mesmo sem que se possa observar o menor sinal de distúrbios
mentais em seus comportamentos, acabam por serem encaminhadas às
instituições para crianças com dificuldade de aprendizagem.
Após um longo período em uma escola pública de primeiro grau, Patto
(1991), reforça a discussão relativa ao fracasso escolar de alunos de classes
sociais marginalizadas, ressaltando as dificuldades pelas quais passa um
número considerável de crianças brasileiras em busca de sua escolarização.
Segundo a autora, observa-se uma escola, na maioria das vezes, precária,
recebendo crianças marcadas por preconceitos tanto sociais quanto raciais,
sob os cuidados de educadores que, devido ao desrespeito das políticas
educacionais vigentes, apresentam-se, em geral, mal informados. Este
educador que ainda se mantém crédulo em afirmações falsamente científicas,
que incriminam a própria criança e o meio de onde ela provém pelo seu
insucesso na escola.
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Capítulo II
Conceito, características e fatores das dificuldades de aprendizagem no processo de alfabetização
A leitura e escrita são habilidades que exigem da criança a atenção a
aspectos da linguagem, aos quais ela não precisava dar importância, até o
momento em que vai para a escola. Esta pode ser uma tarefa complexa e difícil
para todas as crianças, no entanto, para algumas, as barreiras são maiores do
que para as outras.
Pesquisas sobre alfabetização, escola pública e dificuldades de
aprendizagem na alfabetização, realizadas por brasileiros como Gomes (2002),
Leite (1988), Garcia (2004) e Monteiro (2004), têm demonstrado que o número
de crianças rotuladas como “portadoras de dificuldades” em aprender a ler e
escrever tem crescido, sendo as “dificuldades” uma forma de explicar o
fracasso na alfabetização destas crianças. E, como conseqüência, tem
provocado falta de interesse e de motivação em relação à escola,
desenvolvendo sentimentos de insegurança, baixa auto-estima e
freqüentemente reprovações e abandono escolar na vida dessas crianças
apresentadas como “portadoras” de algum tipo de “dificuldade”, “distúrbio” ou
“problema de aprendizagem” no processo de aquisição da leitura e escrita.
Atualmente, a expressão “dificuldade de aprendizagem” tem sido
utilizada em diferentes sentidos, pois a falta de conhecimento para reconhecer
e identificá-la tem prejudicado, anualmente, o processo de escolarização e,
principalmente, de alfabetização de inúmeras crianças, especialmente as das
classes populares. O que tem levado, profissionais, das mais diferentes áreas,
a se dedicarem ao estudo deste assunto.
Desta forma, este capítulo se propõe a proporcionar uma compreensão
sobre o conceito, as características e os fatores das dificuldades de
aprendizagem no processo de aquisição da leitura e escrita.
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Contudo, não se pretende tratar especificamente dos distúrbios ou 12
transtornos de aprendizagem que são próprios da área médica ou psicológica,
ou seja, enquanto uma patologia, mas sim das dificuldades na aprendizagem
da leitura e escrita enquanto um sintoma de problemas na área pedagógica.
Neste sentido, é importante iniciarmos com a apresentação do conceito
de dificuldade de aprendizagem. Afinal, o que é dificuldade de aprendizagem?
O Comitê Nacional de Dificuldades de Aprendizagem (National Joint
Comittee on Learning Disabilities), (in POLITY, 2001. p. 20), apresenta o
seguinte conceito:
Dificuldade de Aprendizagem é um termo genérico que se refere a um grupo heterogêneo de desordens, manifestadas por dificuldade na aquisição e no uso da audição, fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas. Estas desordens são intrínsecas ao sujeito, presumidamente, devido a uma disfunção do sistema nervoso central, podem ocorrer apenas por um período na vida. Problemas de controle de comportamento, percepção social e interação social podem existir junto com as dificuldades de aprendizagem, mas elas não constituem por si só uma desordem de aprendizagem. Embora as dificuldades de aprendizagem possam ocorrer concomitantemente a outras condições desfavoráveis (retardo mental, séria desordem emocional, problemas sensório-motores) ou com influências externas (como diferenças culturais, instrução insuficiente ou inapropriada) elas não são o resultado dessas influências ou condições.
Para o Instituto Nacional de Saúde Mental – EUA, 1997 (National
Institutes of Mental Health), (in POLITY, 2001. p. 21):
Dificuldade de Aprendizagem é uma desordem que afeta as habilidades pessoais do sujeito em interpretar o que é visto, ouvido ou relacionar essas informações vindas de diferentes partes do cérebro. Essas limitações podem aparecer de diferentes formas: dificuldades específicas no falar, no escrever, coordenação motora, autocontrole, ou atenção. Essas dificuldades abrangem os trabalhos escolares e podem impedir o aprendizado da leitura da escrita ou da matemática. Essas manifestações podem ocorrer durante toda a vida do sujeito, afetando várias facetas: trabalhos escolares, rotina diária, vida familiar, amizades e diversões. Em algumas pessoas as manifestações dessas desordens são aparentes. Em outras, aparece apenas um aspecto isolado do problema, causando pequeno impacto em outras áreas da vida.
De acordo com J. Paz (in PAÍN, 1992, p. 28):
Podemos considerar o problema de aprendizagem como um sintoma, no sentido de que o não aprender não configura um quadro permanente, mas ingressa numa constelação peculiar de comportamentos, nos quais se destaca como sinal de descompensação.
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E, segundo Antunes (1999, p. 69): “As dificuldades de aprendizagem
envolvem alunos comuns, aparentemente sem danos de natureza médica ou
psicológica que necessitem de práticas educativas especiais”.
Assim, para ele, apresentam dificuldades de aprendizagem crianças
que, examinadas por uma equipe psicopedagógica e interdisciplinar, mesmo
recebendo exercícios e atividades apropriadas para seu nível de idade e de
capacidade, não rendem de acordo com esses níveis em uma ou mais áreas
como: expressão oral, compreensão oral, expressão escrita com ortografia
adequada, habilidade básica de leitura, compreensão da leitura, cálculo
matemático.
Desta forma, grande parte das chamadas dificuldades de aprendizagem
são comportamentos inadequados que se manifestam apenas porque o
contexto no qual está inserido o indivíduo (o escolar) dele exige desempenhos
que, muitas vezes, não seriam considerados importantes num outro contexto (o
do aluno). Com isso, torna-se imprescindível analisar, ainda, a relação que o
indivíduo faz com a aprendizagem.
As crianças que apresentam dificuldade na aprendizagem geralmente
apresentam características específicas que são importantes para a
compreensão de suas dificuldades. Essas crianças são normalmente descritas
pelos pais e professores como “desatentas, agitadas e impossíveis”,
evidenciando muitas vezes, sinais de instabilidade emocional e dependência.
Verifica-se que a instabilidade emocional é uma das características que tem
sido mais referida nestas crianças com dificuldades de aprendizagem. Muito
sensíveis e vulneráveis, elas tendem a evidenciar constantes mudanças de
humor e temperamento que se refletem em problemas de concentração e
atenção.
É possível verificar em algumas crianças com dificuldade de
aprendizagem: um perfil motor adequado, inteligência média, uma adequada
visão e audição, mas de uma forma geral são observados alguns sintomas
clínicos como:
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• Problemas psicomotores: hiperatividade ou hipoatividade, lateralização,
equilíbrio e outros;
• Problemas emocionais: instabilidade, dificuldade de ajustamento grupal,
irritação, nervosismo, insegurança, rejeição, perseguição, entre outros;
• Problema perceptivo: dificuldade espacial, dificuldade de discriminação visual,
dificuldade na figura-fundo;
• Problema de simbolização: dificuldade de compreensão da comunicação
verbal e não verbal;
• Problema de atenção: focar e fixar atenção;
• Problema de memória: assimilação e acomodação da informação.
Ao focalizar as dificuldades de leitura e escrita, ou seja, as específicas
do processo de aquisição da leitura e escrita é de suma importância avaliar as
condições da criança que está iniciando esse aprendizado, verificando se ela já
adquiriu suficiente desenvolvimento físico, intelectual e emocional, assim como
todas as habilidades e funções necessárias para aprender. Afinal, segundo
Ferreiro e Teberosky (1991, p. 277):
O êxito da aprendizagem depende, então, das condições em que se encontre a criança no momento de receber o ensino. As que se encontram em momentos bem avançados de conceitualização são as únicas que podem tirar proveito do ensino tradicional e são aquelas que aprendem o que o professor se propõe a ensinar-lhes. O resto, são as que fracassam, às quais a escola acusa de incapacidade para aprender ou de “dificuldades na aprendizagem. Segundo uma terminologia já clássica. (talvez haveria que precisar a definição em termos de dificuldades para aprender o que o professor se propõe a ensinar, nas condições em que ensina). Porém, atribuir as deficiências do método à incapacidade da criança é negar que toda a aprendizagem supõe um processo, é ver déficit ali onde somente existem diferenças em relação ao momento de desenvolvimento conceitual em que se situam.
Mas o que se tem observado é uma escola de olhos fechados para as
condições de vida, para a realidade e para as necessidades dos alunos as
classes populares que iniciam seu trajeto pedagógico com muitas “deficiências”
de conhecimentos em áreas valorizadas tradicionalmente pela escola. Assim, o
aluno acaba levando a culpa por se encontrar distante do ponto que se instituiu
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como início da aprendizagem escolar, e ao apresentar as primeiras dificuldades
em acompanhar o ritmo do ensino, é abandonado.
Portanto, muitas crianças na fase de aquisição da leitura e escrita
apresentam determinadas dificuldades em realizar uma tarefa, que podem
surgir por diversos motivos ou fatores, como problemas na proposta
pedagógica, capacitação do professor, problemas familiares ou déficits
cognitivos, entre outros. Ou seja, de acordo com Coelho & José (2003, p. 83-
84), as dificuldades de aprendizagem na área da leitura e da escrita podem ser
atribuídas às diferentes causas:
• Orgânicas: cardiopatias, encefalopatias, deficiências sensoriais (visuais e
auditivas), deficiências motoras(paralisia infantil, paralisia cerebral etc.),
deficiências intelectuais (retardamento mental ou diminuição intelectual),
disfunção cerebral e outras enfermidades de longa duração.
• Psicológicas: desajustes emocionais provocados pela dificuldade que a
criança tem de aprender, o que gera ansiedade, insegurança e auto-conceito
negativo.
• Pedagógicas: métodos inadequados de ensino; falta de estimulação pela pré-
escola dos pré-requisitos necessários à leitura e à escrita; falta de percepção,
por parte da escola, do nível de maturidade da criança, iniciando uma
alfabetização precoce; relacionamento professor-aluno deficiente; não-domínio
do conteúdo e do método por parte do professor; atendimento precário das
crianças devido a superlotação das classes.
• Sócio-culturais: falta de estimulação (criança que não faz a pré-escola e
também não é estimulada no lar); desnutrição; privação cultural do meio;
marginalização das crianças com dificuldades de aprendizagem pelo sistema
de ensino comum.
• Dislexia: um tipo comum de distúrbio de leitura que colocamos como causa
porque provoca uma dificuldade específica na aprendizagem da identificação
dos símbolos gráficos, embora a criança apresente inteligência normal,
integridade sensorial e receba estimulação e ensino adequados.
24
Mas, na maioria das vezes, suas causas estão relacionadas a um
conjunto de fatores que, freqüentemente, incluem boa parte desses fatores,
como concluiu Griffo (2002, p. 54):
...em grande parte, as pretensas “dificuldades de aprendizagem” de alunos que fracassam nos processos de aquisição do código escrito se devem, fundamentalmente, não a problemas pessoais, mas a um conjunto de condições socioculturais e, sobretudo, escolares que dificultam ou até impossibilitam sua inserção nos processos de aprendizagem escolar.
Portanto, embora hajam boas tentativas de justificar as dificuldades de
aprendizagem como um dos principais fatores ou causas de insucesso no
processo de alfabetização, existem muitos outros fatores que dificultam ainda
mais a aquisição da leitura e da escrita por parte dos alunos das classes
populares os quais estão localizados no ambiente escolar e familiar e não
necessariamente no aluno. Quanto ao ambiente escolar, é necessário verificar
a motivação e a capacitação da equipe de educadores, a qualidade da relação
professor-aluno-família, a proposta pedagógica, e o grau de exigência da
escola, que, muitas vezes, está preocupada com a competitividade e põe de
lado a criatividade de seus alunos. Em relação ao ambiente familiar, famílias
desestruturadas, constantes conflitos familiares com cenas de violência
presenciadas pelas crianças, crianças que precisam ajudar a família. Todos
esses fatores se refletem nas atividades escolares, no desejo de aprender...
Assim, segundo Monteiro (2004, p. 114):
Muitos alunos não aprendem a ler e escrever, entre outros fatores, porque durante as aulas coloca-se em fundo o conteúdo que lhes está sendo apresentado e em figura outras necessidades, como por exemplo a de auto-estima, de segurança, fisiológica etc. Se, por sua vez, os pais colocam em figura o tempo todo a sua situação econômica, profissional, emocional, e deixa o afeto e os cuidados para com os filhos muito tempo em fundo, isso pode gerar dificuldades de aprendizagem nessa criança.
Por esta razão, uma das funções mais importante do profissional que
trabalha com as questões de ensino-aprendizagem é poder perceber e
identificar o significado dessa dificuldade para a criança em questão. Pois,
normalmente, as crianças que apresentam dificuldades específicas no início da
escolarização, embora não tenham nenhum problema neuropsiquiátrico,
25
provavelmente são aquelas que precisarão de maior atenção. São crianças que
terão de desenvolver suas habilidades de apreensão daquilo que é ensinado.
Portanto, cada uma delas precisa ser investigada e compreendida
particularmente em suas dificuldades.
Desta forma, é preciso buscar entender os processos que têm
contribuído com o sucesso e o fracasso das crianças na apropriação da leitura
e da escrita, especialmente daquelas crianças vindas das classes populares, e
buscar entender o cotidiano do ensino da leitura e da escrita nas escolas
destas crianças. Afinal, de acordo com Fonseca (1995, p. 368):
Para muitas crianças, e fundamentalmente para as mais desfavorecidas econômica e familiarmente, a escola é um mundo de primeira importância. Mesmo assim, o sistema educacional, revelando seu paradoxo, torna-se implacavelmente seletivo e socialmente reprodutivo, gerando processos de avaliação que não respeitam as diferenças psicológicas da criança e que vão progressivamente transformando a escola num ambiente desvalorizado e humilhante.
De fato, os dados estatísticos (os do SAEB dentre eles) mostram que o
fracasso tende a se concentrar nas crianças oriundas de classes menos
favorecidas. No entanto, diferentes estudos mostram também que, ao contrário
do que em geral se afirma, essas crianças possuem um adequado
desenvolvimento cultural e lingüístico e que é a escola que apresenta sérias
dificuldades para lidar com a diversidade cultural, lingüística e mesmo étnica da
população brasileira.
Se por um lado temos alunos e suas “possíveis dificuldades”, por outro
temos um contexto escolar que precisa ser alterado, ou seja, a escola precisa
oferecer uma proposta mais estimulante para que a aprendizagem aconteça,
favorecendo o avanço desses alunos.
Mas, como transformar esses alunos ditos fracassados em alunos
motivados, ativos, produtivos, com um bom rendimento escolar? É um desafio
para a escola e de modo especial para todos os educadores (professores,
orientadores, supervisores, diretores, pais). O aluno precisa ver sentido no que
aprende na escola. Os conteúdos devem fazer parte da sua vivência, do seu
cotidiano, da sua realidade. Deve haver uma ligação entre o que a escola
26
desenvolve e a realidade do aluno, caso contrário não terá significado algum.
Afinal, segundo Freire (1990, p.8): “... aprender a ler, a escrever, alfabetizar-se
é, antes de mais nada, aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto,
não numa manipulação mecânica de palavras mas numa relação dinâmica que
vincula linguagem e realidade.”
Como, então, uma criança pode ser alfabetizada num contexto escolar
que exclui a realidade que ela vive?
Durante muito tempo a alfabetização foi entendida como mera
sistematização do “B + A = BA”, ou seja, como a aquisição de um código
fundado na relação entre fonemas e grafemas. Acreditava-se que, para os
alunos aprenderem a ler e escrever, era necessário o treino da coordenação
motora, discriminação visual e auditiva, da noção de lateralidade, além da
memorização de letras e sílabas. Sabemos que os métodos propõem uma
seqüência de passos pré-determinados pelo adulto, e muitas vezes os alunos
não compreendem o sentido do que fazem.
Em uma sociedade constituída em grande parte por analfabetos e
marcada por reduzidas práticas de leitura e escrita, a simples consciência
fonológica que permitia aos sujeitos associar sons e letras para
produzir/interpretar palavras (ou frases curtas) parecia ser suficiente para
diferenciar o alfabetizado do analfabeto. Contudo, pesquisas atuais, como do
GEEMPA, do GRUPALFA e do CEALE, têm revelado que o ensino pautado
nessa crença não tem dado conta de 40% a 50% das crianças no período de
alfabetização, especialmente as de classes populares.
Com o tempo, a superação do analfabetismo em massa e a crescente
complexidade de nossas sociedades fizeram surgir maiores e mais variadas
práticas de uso da língua escrita. Por isso, a forte demanda que o mundo
letrado tem exercido sobre as pessoas exige mais do que a simples
capacidade de desenhar letras ou decifrar o código da leitura.
Assim, seguindo a mesma trajetória dos países desenvolvidos, o final do
século XX impôs a praticamente todos os povos a exigência da língua escrita
27
não mais como meta de conhecimento desejável, mas como verdadeira
condição para a sobrevivência e a conquista da cidadania. Desta forma, no
contexto das grandes transformações culturais, sociais, políticas, econômicas e
tecnológicas o termo “letramento” surgiu, ampliando o sentido do que
tradicionalmente se conhecia por alfabetização (SOARES, 2003).
No início da década de 80, os estudos acerca da psicogênese da língua
escrita trouxeram aos educadores o entendimento de que a alfabetização,
longe de ser a apropriação de um código, envolve um complexo processo de
elaboração de hipóteses sobre a representação lingüística; os anos que se
seguiram, com a emergência dos estudos sobre o letramento, foram igualmente
férteis na compreensão da dimensão sóciocultural da língua escrita e de seu
aprendizado.
Assim, baseados nos trabalhos das psicólogas argentina e espanhola,
Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1991), de enorme repercussão no Brasil, as
políticas educacionais têm se voltado a uma reformulação das propostas de
alfabetização e à capacitação dos professores do ensino fundamental, como
medida de combate aos altos índices de fracasso escolar.
Para Emília Ferreiro (2003: 25), “as crianças são facilmente
alfabetizáveis; os adultos é que dificultam o processo de alfabetização para
elas”. Assim, todo aluno matriculado na escola regular é capaz de aprender a
ler e tem o direito de fazê-lo com sucesso. A criança traz para a escola
conhecimentos espontâneos sobre a língua escrita, decorrentes das
informações recebidas do mundo letrado em que vivemos. Portanto, um bom
trabalho de alfabetização deveria iniciar-se com um diagnóstico destes
conhecimentos, que serão referenciais para as atividades a serem propostas.
Respeitando-se, assim, a criança enquanto ser inteligente, ativo e criador, que
pensa sobre o que a escrita representa e como funciona.
Por conseguinte, no início dos anos 90, começaram a surgir os ciclos
básicos de alfabetização, em vários estados; mais recentemente, a própria Lei
de Diretrizes e Bases, de 1996, criou os ciclos na organização do ensino. Isso
significa que, pelo menos no que se refere ao ciclo inicial, o sistema de ensino
28
e as escolas passam a reconhecer que alfabetização, entendida apenas como
a aprendizagem da mecânica do ler e do escrever e que se pretendia que fosse
feito em um ano de escolaridade, nas chamadas classes de alfabetização, é
insuficiente.
Nas últimas décadas temos assistido no Brasil à retomada de uma série
de questões que voltam à reflexão/discussão através dos estudos e pesquisas
realizados no campo da alfabetização das crianças de classes populares. E,
com isso, reavivando as teses da suposta falta de experiências culturais entre
as crianças de camadas populares, como uma das principais causas do seu
mau desempenho escolar, as políticas educacionais brasileiras vêm
promovendo uma “verdadeira revolução no campo da alfabetização” (Ciclo
Básico, 1990; PCN, 1997).
Contudo, como esclarece Magda Soares (2002, 2003) em suas
publicações, além de aprender a ler e a escrever, a criança deve ser levada ao
domínio das práticas sociais de leitura e de escrita. E os procedimentos
didáticos de alfabetização, também, acompanham essa nova concepção: os
antigos métodos e as antigas cartilhas, baseados no ensino de uma mecânica
transposição da forma sonora da fala à forma gráfica da escrita, são
substituídos por procedimentos que levam as crianças a conviver, experimentar
e dominar as práticas de leitura e de escrita que circulam na nossa sociedade
tão centrada na escrita.
Portanto, o êxito na alfabetização exige a transformação da escola em
“ambiente alfabetizador”, rico em estímulos que provoquem atos de leitura e
escrita, permitam compreender o funcionamento da língua escrita, possibilitem
a apropriação de seu uso social, e forneçam elementos que desafiam o sujeito
a pensar sobre a língua escrita.
Afinal, a alfabetização é um processo de construção de hipóteses sobre
o funcionamento do sistema alfabético de escrita. E para aprender a ler e
escrever, o aluno precisa participar de situações que colocam a necessidade
de refletir, transformando informações em conhecimento próprio e enfrentando
29
desafios. E é utilizando textos reais tais como listas, poemas, bilhetes, receitas,
contos, piadas etc., que os alunos podem aprender muito sobre a escrita.
Pode-se dizer que esse processo de construção de hipóteses sobre o
funcionamento do sistema alfabético de escrita começa bem antes de seu
processo de alfabetização: a criança começa a “letrar-se” a partir do momento
em que nasce numa sociedade letrada. Rodeada de material escrito e de
pessoas que usam a leitura e a escrita - e isto tanto vale para a criança das
camadas favorecidas como para a das camadas populares, pois a escrita está
presente no contexto de ambas -, as crianças, desde cedo, vão conhecendo e
reconhecendo práticas de leitura e de escrita. Nesse processo, vão também
conhecendo e reconhecendo o sistema de escrita, diferenciando-o de outros
sistemas gráficos (de sistemas icônicos, por exemplo), descobrindo o sistema
alfabético, o sistema ortográfico. Quando chega à escola, cabe à educação
formal orientar metodicamente esses processos.
Segundo Cagliari (2004), a criança domina a língua com precisão, nas
mais diversas circunstâncias de sua vida. Sendo assim, uma criança que entra
para escola aos sete anos já trilhou um longo caminho lingüístico, já provou no
dia-a-dia um conhecimento e uma habilidade lingüística muito desenvolvida.
Para aprender a ler e a escrever, a criança precisa construir um
conhecimento de natureza conceitual, precisa compreender não só o que a
escrita representa, mas também de que forma ela representa graficamente a
linguagem. Isso significa que a alfabetização não é um processo relacionado à
memorização e treinos, mas sim um conjunto de habilidades sensóriomotoras.
Ele passa a ser um processo onde a criança possa resolver problemas
de natureza lógica e compreender que a escrita representa a linguagem, pois
escrever e ler por si mesma é um processo altamente complexo. Mas, ao entrar
na escola para ser alfabetizada a criança já é capaz de entender e falar a
língua portuguesa com desembaraço e precisão, sendo assim a escola não
pode tratá-la como um ser falido, só porque seu dialeto é restrito.
30
Portanto, a escola assume compromisso com o sucesso do aluno a
partir do momento em que aceita sua matrícula. Mas os fatores determinantes
do fracasso ou do sucesso na alfabetização podem ter origem no contexto
escolar, familiar e social. Daí porque a atuação da escola não pode ficar
confinada às salas de aulas. Como instituição social, ela deve ser presença
significativa na comunidade, envolvendo as famílias em sua proposta
pedagógica, até porque a eficácia do trabalho educativo em sala de aula
depende do conhecimento da realidade sociocultural dos alunos e do
comprometimento das famílias com o processo de alfabetização de suas
crianças.
Neste sentido, é importante que a escola não interfira diretamente na
sua leitura de mundo, mas que procure valorizar aquilo que a criança já traz
consigo, dando oportunidades para que descubra a maneira mais correta de se
manifestar. Afinal, como nos diz Cagliari (2004, p. 20):
As crianças, quer trabalhando, quer brincando, sabem o que fazem, não se intimidam diante de algo novo, aprendem a se virar, tomam a iniciativa de participar, aprendem a manusear ferramentas, jogos ou objetos com precisão necessária para conseguir realizar o que pretendem. Tem senso de proporção, de direção, tem a noção de tempo e velocidade, sempre em função de alguma atividade que quer realizar. Para conseguir isso não é preciso treinamento de prontidão, nem orientação pedagógica: Basta deixar a criança agir, atuar sobre os objetos.
Para finalizar este capítulo, é importante apresentar alguns trabalhos
ligados à alfabetização dos alunos das classes populares que procuram
contribuir para uma melhoria no problemas da educação no Brasil.
O GEEMPA (Grupo de Estudos sobre Educação - Metodologia de
Pesquisa e Ação) construiu e apresentou uma alternativa didático-pedagógica
(alfabetização em classes populares), baseada no pensamento construtivista
de Jean Peaget, nos estudos de Emília Ferreiro e em sua teoria da construção
léxica associada à antropologia pedagógica eminentemente engajada de Paulo
Freire, cujo objetivo principal é enfrentar o maior problema do ensino brasileiro:
o insucesso escolar em massa das crianças de classes populares na 1ª série
do Ensino Fundamental. Ao aplicar sua proposta didática de alfabetização em
classes regulares de 1ª série – inicialmente fora da escola e, logo em seguida,
31
em escolas de periferia da rede oficial de ensino – , o GEEMPA obteve
resultados que alcançaram, em 1984, 97% de aprovação dos seus alunos.
Desde a sua criação, em 1990, o Centro de Alfabetização, Leitura e
Escrita vem desenvolvendo a pesquisa: “Alfabetização no Brasil: o estado do
conhecimento”, de caráter permanente e caracterizada pelo levantamento e
avaliação da produção acadêmica e científica sobre alfabetização, considerada
como o processo de aquisição das habilidades de leitura e escrita no período
inicial de escolarização da criança. Para levantamento dos dados, utilizam-se
índices bibliográficos, pesquisa em biblioteca, e, sobretudo, a busca no cd-rom
produzido pela ANPED. A análise da produção científica sobre alfabetização,
no Brasil, nas últimas décadas, revela que a pesquisa nessa área é
quantitativamente pouco significativa, e apresenta lacunas metodológicas. A
natureza da pesquisa resultou na criação de um Banco de Teses e
Dissertações sobre alfabetização no Brasil, cujo objetivo é socializar o
conhecimento produzido sobre esse tema em pesquisas que, em geral, não
ultrapassam os limites da área acadêmica.
Por outro lado, o GRUPALFA, atualmente, desenvolve suas pesquisas
contemplando duas linhas: uma voltada para as crianças e jovens das classes
populares, com a preocupação principal de desatar os nós que lhes dificultam
ou mesmo impedem de se alfabetizarem. Levando o grupo a: investigar como
se dá a compreensão dos alunos e alunas, tentando compreender o seu
compreender; identificar as diferentes lógicas que estão presentes na sala de
aula, a partir dos dados colhidos sobre a realidade vivencial e experiencial dos
alunos e alunas, contribuir para a criação de um ambiente alfabetizador que
responda efetivamente às suas possibilidades e necessidades; contribuir para
que a alfabetização seja um processo de construção de autoria - o leitor autor,
o escritor autor. A outra linha traz como preocupação central a prática docente:
investigando o processo de construção de uma postura pesquisadora e
reflexiva da professora alfabetizadora a partir dos resultados que se
apresentam na sala de aula.
32
Convidando a professora alfabetizadora a repensar as suas formas de
avaliar o processo de construção de conhecimentos sobre a linguagem escrita
de seus alunos e alunas a partir da reflexão sobre a sua própria prática,
visando inclusive ao replanejamento curricular; Procurando entender porque
algumas professoras permanecem na Escola Pública, mesmo diante do quadro
de desqualificação profissional que se impõe no atual contexto; e procurando
contribuir para que a professora alfabetizadora se torne autora de sua própria
prática.
Desenvolver trabalhos como estes exige muito empenho, paciência e
dedicação, mas sobretudo deve haver uma constante preocupação da escola
numa ação integradora de todos os atores envolvidos no processo educativo,
especialmente, no processo de aquisição da leitura e escrita.
Para evitar ambigüidade, é relevante, neste momento, estabelecer as
devidas diferenças entre Letramento e Alfabetização.
A alfabetização é a ação da aquisição do código da escrita e da leitura, a
codificação através da escrita e decodificação através da leitura, em suma,
alfabetizar-se é aprender a ler e a escrever.
Soares em seu artigo:
As muitas facetas da alfabetização discorre sobre a natureza e a complexidade do processo de alfabetização e afirma que a “alfabetização (...) é um conjunto de habilidades, o que a caracteriza como um fenômeno de natureza complexa, multifacetado. (...) Essas facetas referem-se, fundamentalmente, às perspectivas psicológica, psicolingüística, sociolingüística e propriamente lingüística do processo. (Soares, 1985, p.21)
O conceito de Letramento, tão bem definido por Soares como sendo “o
resultado da ação de ensinar ou aprender a ler e escrever”; “o estado ou
condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de
ter-se apropriado da escrita”. (Soares, 2002:18), permite uma reflexão sobre o
emprego dos conceitos alfabetização e letramento no ambiente escolar. O
letramento compreende os usos sociais das práticas de leitura e escrita.
Tratam-se de processos distintos, embora possam e devam caminhar
simultaneamente. Segundo entendimento de Soares (2002): “a questão é
33
alfabetizar letrando, ensinar a criança a ler e escrever por meio das práticas
sociais de leitura e escrita”. A autora mencionada alerta para a perda da
especificidade no conceito de alfabetização e ressalta que:
O que é importante mesmo são as práticas sociais de leitura e escrita, é o indivíduo praticar a leitura e a escrita, mas não pode praticar se não domina a tecnologia, que é fundamental (...).É preciso dominar o código, adquirir o código, e é uma tecnologia complicada, não é uma tecnologia que se aprende por acaso, não basta o ambiente ser letrado. São as correspondências fonema-grafema, relação do sistema alfabético com o sistema fonológico, do sistema ortográfico com o sistema fonológico, as hipóteses que a criança vai levantando, as hipóteses que tem que ser derrubadas; processo complexo que não pode ficar perdido no conceito de que as práticas sociais de leitura e de escrita, num ambiente letrado dado à criança, esse código irá ser construído. (Soares, 2002)
Ambientes letrados são considerados aqueles que possibilitam o uso
das práticas de leitura e escrita em contextos sociais; ou seja, práticas sociais
de leitura e de escrita. Para que ocorra a aprendizagem por parte dos alunos, é
preciso mais que um ambiente letrado, é necessário que eles, alunos,
adquiram o código escrito. A alfabetização, especificamente dita, pode ocorrer
em um ambiente letrado, embora esse ambiente não garanta, por si só, a
aquisição da escrita e da leitura. É preciso instrumentalizar as crianças, eis
que, se não houver ferramentas e materiais, torna-se impossível construir a
partir do vazio.
Em pesquisas realizadas por Green (1983), Gumperz (1992), Cook-
Gumperz & Gumperz (1992), Castanheira, Crawford, Dixon & Green (2001), o
conceito de letramento adotado no contexto escolar é visto de forma mais
interativa através da linguagem.
O uso das práticas sociais da leitura e da escrita são trabalhadas juntamente com a aquisição do código escrito, mas, além de se alfabetizar letrando, percebeu-se que a aprendizagem escolar do letramento precisava ser vista como parte das experiências de socialização pela linguagem por meio das quais as crianças aprendem um conjunto complexo de habilidades cognitivas e lingüísticas que se iniciam com os primeiros movimentos para a linguagem e fala. (Castanheira apud Cook-Gumpers and Gumpers, 1992)
Cada grupo constrói e reconstrói seus letramentos. É impossível afirmar
uma homogeneidade em salas de aula de uma mesma série ou de uma mesma
escola. Como nos aponta Erickson: “(...) de uma sala para outra, há diferenças
34
sutis na organização da interação entre os vários participantes e na
organização da interação deles com os materiais educacionais” (Erickson,
2001:11).
Sendo assim, o letramento pode ser considerado como “um processo
dinâmico, em que o significado de ação letrada é continuamente construído e
re-construído por indivíduos quando esses se tornam membros de um
determinado grupo social (...)” (Castanheira, 2001).
Ou seja, o letramento é constituído em cada grupo especificamente
estabelecido localmente. É um fenômeno socialmente construído que é
definido e redefinido na situação, dentro e através de diferentes grupos sociais
incluindo grupos de leitura, famílias, salas de aula, escolas, comunidades e
grupos profissionais. O que é considerado como letramento em um grupo é
visível nas ações escolhidas pelos membros do grupo para que eles se
orientem; o que consideram responsabilidade de cada um, que aceitam ou
recusam como respostas dos outros e como se engajam com, interpretam e
constroem o texto. As ações do dia-a-dia constituem práticas de letramento
como um processo situado, logo, as práticas de letramento são desenvolvidas
conforme o coletivo se desenvolve e servem os propósitos e objetivos tanto do
coletivo como do “individual-dentro-do-coletivo”. (Castanheira et all, 2001).
35
Capítulo III
O orientador educacional: suas atribuições e
contribuições no ambiente educacional integrador
A equipe técnica pedagógica que trabalha na escola é constituída por
especialistas em educação. O fato de terem formação acadêmica semelhantes,
de atuarem no mesmo espaço físico e divisarem objetivos comuns torna não só
difícil como, sobretudo, necessária a delimitação clara das atribuições de cada
profissional, contribuindo para a melhor compreensão dos respectivos papéis,
melhor facilidade na execução, controle e avaliação das tarefas e melhor
integração da equipe técnica.
Diante desse fato, destacamos a orientação educacional como um
processo sistemático, dinâmico e contínuo, caracterizada pela assistência
realizada através de métodos e técnicas pedagógicas e ou psicológicas que
são aplicadas direta ou indiretamente com o aluno, sempre observado como
um ser global que deve desenvolver-se harmoniosa e equilibradamente nos
aspectos: psicológico, cognitivo físico, social, moral, ético, político e vocacional.
É necessário que seja observado o decreto que regulamenta a profissão
do orientador educacional e que estabelece, entre outras coisas, as atribuições
privativas, isto é, as que competem à ele coordenar e àquelas das quais deve
participar, juntamente com os demais membros da equipe escolar. Isso não
significa que o orientador educacional deva cumprir todas as obrigações
contidas no decreto, obrigatoriamente, o tempo todo, quaisquer que sejam as
circunstâncias.
Dessa forma, conhecendo o conteúdo da lei que regulamentou a sua
profissão, dentro dos limites impostos pela mesma e de acordo com a realidade
com a qual está atuando, o orientador educacional poderá selecionar e
hierarquizar o que será realizado a cada ano.
36
Trata-se da lei 5.564 de 21/12/1968, regulamentado pelo decreto no
72.846, de 26/09/1973. Os artigos 8º e 9º do referido decreto, defini mais
especificamente, as atribuições do orientador educacional:
Art.8º- São atribuições privativas do orientador educacional:
a) planejar e coordenar a implantação e funcionamento do serviço de orientação educacional em nível de:
1- Escola
2- Comunidade
b) planejar e coordenar a implantação e funcionamento do serviço de orientação educacional dos órgãos do serviço público federal, estadual, municipal e autárquico; das sociedades de economia mista, empresas estatais, paraestatais e privadas.
c) coordenar a orientação educacional do educando incorporando-a no processo educativo global.
d) coordenar o processo de sondagens de interesses, aptidões e habilidades do educando.
e) coordenar o processo de informação educacional e profissional com vistas à orientação vocacional.
f) sistematizar o processo de intercâmbio das informações necessárias ao conhecimento global do educando.
g) sistematizar o processo de acompanhamento dos alunos, encaminhando a outros especialistas aqueles que exigirem assistência especial.
h) coordenar o acompanhamento pós-escolar.
i) ministrar disciplinas de teoria e prática da orientação educacional, satisfeitas as exigências da legislação específica do ensino.
j) supervisionar estágios na área da orientação educacional.
k) emitir pareceres sobre matéria concernente à orientação educacional.
Art.9º- Compete, ainda, ao Orientador Educacional, as seguintes atribuições:
a) participar no processo de identificação das características básicas da comunidade;
b) participar no processo de caracterização da clientela escolar;
c) participar no processo de elaboração do currículo pleno da escola;
d) participar na composição caracterização e acompanhamento de turmas e grupos;
e) participar do processo de avaliação e recuperação de alunos;
f) participar do processo de encaminhamento dos alunos estagiários;
g) participar do processo de integração escola-família-comunidade;
h) realizar estudos e pesquisas na área da orientação educacional.
37
Orientação articula as diferentes vozes, dentro da escola, na construção
de diálogos necessários ao homem que se quer mais humano e mais justo; a
Orientação sempre trabalhou junto à realidade dos alunos, procurando
identificá-la e interpretá-la.
Por essas e outras razões é que constatamos a necessidade e a
importância que a Orientação Educacional assume nas escolas brasileiras. E
por conseguinte, é percebida a necessidade da explicitação das atribuições e
contribuições destes profissionais na educação pública.
Portanto, de acordo com as Normas Regulamentadoras: Lei nº 5.564, de
21 de dezembro de 1968 e Decreto nº 72.846, de 26 de setembro de 1973 -
Regulamenta a Lei nº 5.564/68. São atribuições do orientador educacional:
- Acompanhar os alunos no seu desempenho escolar, atendendo os em grupo ou individualmente em caso(s) de dificuldades na aprendizagem e/ou no relacionamento.
- Realizar atendimento grupal às turmas sempre que necessário.
- Realizar encaminhamentos a outros setores da Escola ou profissionais especializados, quando se fizer necessário.
- Oferecer informação profissional e orientação vocacional aos alunos.
- Elaborar perfis de turma e espelhos de classe.
- Manter a organização do SOE: arquivos, pastas, subsídios de informação profissional.
- Assessorar a Direção, SSE e professores nos assuntos de sua competência.
SUBSEÇÃO II - Da Orientação Educacional
ARTIGO 17 - O serviço de Orientação Educacional é exercido por um educador qualificado e legalmente habilitado para o exercício da função de Orientador Educacional.
ARTIGO 18 - Ao Orientador Educacional, cabe a responsabilidade de promover condições de ajustamento à vida escolar, propiciando situações para que o educando manifeste seus valores, reconheça suas limitações e escolha a forma de estudos que mais lhe convém.
Parágrafo Único - Enquanto o corpo discente permanecer limitado a menos de quinhentos alunos, a função de Orientador Educacional poderá ser acumulada por um membro da Direção ou do Apoio Técnico-Pedagógico, desde que o mesmo seja legalmente habilitado.
ARTIGO 19 - O Orientador Educacional tem as seguintes atribuições:
I - planejar, executar e avaliar o processo de Orientação Educacional na Escola;
II - cooperar na elaboração e execução do Plano Escolar;
38
III - elaborar à programação de informação profissional;
IV - integrar-se organicamente com a equipe de educadores que atua na comunidade escolar;
V - colaborar nas decisões referentes a agrupamentos de alunos;
VI - participar das reuniões de Pais e Mestres e das reuniões de Conselho de Classe e Série;
VII - Assessorar o trabalho docente informando os professores quanto a peculiaridade de comportamento do aluno e acompanhando o processo de avaliação e recuperação;
VIII - pesquisar as causas do aproveitamento deficiente do aluno e sugerir medidas adequadas para saná-las;
IX - montar e coordenar o desenvolvimento de esquema de contato permanente com a família do aluno;
X - estabelecer sistemática de acompanhamento e ou controle pós-escolar.
Ou seja, na instituição escolar, o orientador educacional é um dos
profissionais da equipe Técnico-Pedagógico que trabalha diretamente com os
alunos, ajudando-os em seu desenvolvimento pessoal; em parceria com os
professores, para compreender o comportamento dos estudantes e agir de
maneira adequada em relação a eles; com a escola, na organização e
realização da proposta pedagógica; e com a comunidade, orientando, ouvindo
e dialogando com pais e responsáveis.
O orientador não tem currículo a seguir. Seu compromisso é com a
formação permanente no que diz respeito a valores, atitudes, emoções e
sentimentos, sempre discutindo, analisando e criticando. E embora esse seja
um papel fundamental, muitas escolas não têm mais esse profissional na
equipe, o que não significa que não exista alguém desempenhando as mesmas
funções.
O orientador não tem currículo a seguir. Seu compromisso é com a
formação permanente no que diz respeito a valores, atitudes, emoções e
sentimentos, sempre discutindo, analisando e criticando. E embora esse seja
um papel fundamental, muitas escolas não têm mais esse profissional na
equipe, o que não significa que não exista alguém desempenhando as mesmas
funções.
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O orientador educacional lida mais com assuntos que dizem respeito a
escolhas, relacionamento com colegas, vivências familiares. Portanto, ele
contribui para o desenvolvimento pessoal do aluno; ajuda a escola a organizar
e realizar a proposta pedagógica; trabalha em parceria com o professor para
compreender o comportamento dos alunos e agir de maneira adequada em
relação a eles; Ouve, dialoga e dá orientações.
Neste sentido, ao orientador educacional caberá uma importante
atribuição junto aos alunos que apresentam dificuldades no processo de
alfabetização: promover uma ação integrada à dinâmica de sala de aula e ao
processo de ensino-aprendizagem como um todo, podendo contribuir de
maneira significativa para minimizar os problemas vividos por muitos alunos e
profissionais na escola. Afinal, como nos afirma Grispum (2002, p. 94):
A evasão, a repetência e o fracasso escolar, dentre outros dados, são aspectos pertinentes à dimensão social, onde a Orientação se faz presente buscando conhecer o contexto, interpretá-lo e trabalhar, junto com os alunos, a fim de superar as dificuldades existentes.
Portando, as dificuldades de aprendizagem no processo de
alfabetização estão situadas no campo de atuação pertinente à Orientação
Educacional uma vez que estas dificuldades se apresentam, muitas vezes, nas
dimensões social e educacional que são, naturalmente, o campo de atuação do
Orientador educacional. Sendo este profissional, portanto, o mais favorável à
uma ação integradora do aluno com dificuldades e os outros atores envolvidos
neste processo educativo.Afinal, o orientador educacional atua especificamente
nas questões relacionadas aos problemas que surgem no processo de ensino-
aprendizagem, resgatando a auto-estima, valorizando e motivando a criança de
um modo geral e diminuindo, assim, o fracasso escolar e todos os outros
problemas, já citados.
Dessa maneira, compete ao orientador: estabelecer um vínculo afetivo
intenso com o aluno; possibilitar que o aluno tenha conhecimento real de si
próprio; orientar o aluno com relação ao seu desempenho escolar, sua escolha
profissional, seu projeto de vida; ser um elo com os responsáveis pelos alunos,
40
a fim de coordenar a troca de informações entre escola e famílias, e de acordar
princípios, atitudes e procedimentos que favoreçam o crescimento do aluno.
Bem como, descobrir e propor novas estratégias, efetivamente viáveis, para
eliminar as dificuldades de aprendizagem que ocorrem no interior da escola.
Enfim, trabalhando juntos, ouvindo, refazendo, debatendo, trocando, querendo superar as dificuldades que aparecerem... que o orientador educacional assuma funções de assistência ao professor, aos pais, às pessoas da escola com as quais os educandos mantêm contatos significativos, no sentido de que estes se tornem mais preparados para entender e atender às necessidades dos educandos, tanto com relação aos aspectos cognitivos e psicomotores, como aos afetivos. (LÜCK, 2003, p. 28)
O orientador educacional pode utilizar vários subsídios para integrar a
escola, família e os educandos. No que diz respeito a família, isso pode ser
feito através da abordagem de temáticas que despertem nos pais inquietações
e, ao mesmo tempo, dêem a eles respaldo para orientar os filhos para o mundo
e a transformação dele, objetivando a formação de cidadãos com clareza e
discernimento suficientes para tomada de decisões e, sobretudo, críticos e
atuantes.
Inicialmente, a promoção de palestras com tema sobre educação dos
filhos, serve como meio de inserção da família na escola, pois a partir disso, se
torna viável um trabalho sistematizado como entrevistas com os
pais/responsáveis acerca do educando; propiciar o conhecimento de
características do processo de desenvolvimento psicológico do educando, bem
como suas necessidades; reflexão junto aos os pais/responsáveis sobre o
desempenho escolar e fornecimento de observações sobre o desenvolvimento
integral, tendo em vista a investigação de causas externas que possam estar
interferindo no comportamento do educando, para a busca em parceria de
soluções a serem adotadas.
Cabe ao orientador auxiliar a família, indicar caminhos para uma
educação. Segundo Sanches (1999) com ação múltipla e multifacetada, o
orientador, se torna cada vez mais indispensável nas dificuldades pessoais de
aprendizado do aluno, como de apoio à família, contudo, é responsabilidade
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dos pais, como já citado a educação na formação do caráter, personalidade e
valores.
O orientador que planeja e age, desenvolve um caminho para uma
orientação educacional que prioriza através das parcerias a formação e
construção contínua de um ser humano crítico e participativo, capaz de atender
as demandas de um novo tempo, que exige não apenas os saberes
institucionalizados.
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CONCLUSÃO
Ao longo da pesquisa pôde ser realizada uma reflexão sobre a escola
pública, que precisa se tornar efetivamente um espaço de potencialização das
classes populares, alfabetizando a todos, e não apenas a alguns, e que o preço
do acesso a leitura e a escrita não seja o de perder-se da sua cultura de
origem, pela imposição de uma cultura que desqualifica a sua; de uma
variedade lingüística tornada língua padrão que desqualifica e silencia alunos
condenados a pobreza e ao silêncio.
Foi visto também as dificuldades de aprendizagem na alfabetização que
as crianças das classes populares apresentam e a importância do orientador
educacional como agente integrador nesse processo. Sendo ele um
profissional capaz de responder às necessidades da escola e da família,
priorizando o aluno na relação ensino-aprendizagem.
As pesquisas tem constatado que as dificuldades na aprendizagem,
especialmente no processo de alfabetização, são, na maioria das vezes,
motivadas por fatores emocionais, sócio-culturais ou pedagógicos. Nesse
sentido, o orientador educacional, como agente integrador dos vários
profissionais e das várias experiências de aprendizagem poderá contribui
significativamente para a superação das dificuldades apresentadas nos
ambientes escolar e familiar, orientando e auxiliando todos os profissionais da
escola sobre a melhor forma de ajudarem os alunos que apresentem alguma
dificuldade na aprendizagem e promovendo debates e reuniões e resgatando a
família para dentro do espaço escolar, fazendo com que percebam a sua
importância no processo de aprendizagem de seus filhos.
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BIBLIOGRAFIA
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TFOUNI, Leda Verdiani, Letramento e Alfabetização, 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2002
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ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 02
AGRADECIMENTOS 03
DEDICATÓRIA 04
RESUMO 05
SUMÁRIO 06
INTRODUÇÃO 07
CAPÍTULO I - Escola pública hoje, que espaço é este? 09
CAPÍTULO II - Conceito, características e fatores das dificuldades de aprendizagem no processo de alfabetização. 19
CAPÍTULO III – O orientador educacional: suas atribuições e contribuições num ambiente educacional integrador. 35
CONCLUSÃO 42
BIBLIOGRAFIA 43