Uma Ideia de Cartografia
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UNICAMPUniversidade Estadual de Campinas
IFCHInstituto de Filosofia e Cincias Humanas
Programa de Ps-Graduao em Filosofia
UMA IDEIA DE CARTOGRAFIA
SIMONE CRISTINA DE AMORIM
Dissertao de Mestrado
Orientador: Luiz Benedicto Lacerda Orlandi
Campinas2010
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FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELABIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP
Bibliotecria: Sandra Aparecida Pereira CRB n 7432
Ttulo em ingls: An idea of cartography
Palavras chaves em ingls (keywords):
rea de Concentrao: Filosofia
Titulao: Mestre em Filosofia
Banca examinadora: Hlio Rebello Cardoso Jr., Silvio Donizetti de OliveiraGallo
Data da defesa: 10-12-2010
Programa de Ps-Graduao: Filosofia
Idea(Philosophy)Desire
Drama(Administration)TransverseMapping - Brazil
Amorim, Simone Cristina deAm68i Uma ideia de cartografia / Simone Cristina de Amorim. - -
Campinas, SP : [s. n.], 2010.
Orientador: Luiz Benecdito Lacerda OrlandiDissertao (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Filosofia e Cincias Humanas.
1. Ideia (Filosofia). 2. Desejo. 3. Dramatizao (Administrao).4. Transversalidade. 5. Cartografia - Brasil. I. Orlandi, LuizBenecdito Lacerda. II. Universidade Estadual de Campinas.Instituto de Filosofia e Cincias Humanas. III. Ttulo.
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Aos grvidos de uma infncia de mundo
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AGRADEO (S), AO(S):
Paulo Montanaro por ter me apresentado Deleuze, Guattari e Foucault h aproximadamente
dez anos atrs, quando me acompanhou estudando Reich, Freud, escola de Frankfurt e
grupos minoritrios totalitrios;
Hlio Rebello Cardoso Jr. pelo acompanhamento e incentivo disso que pesquisa em mim;
Carmem pela partilha do encantamento;
Juliane Campos de Sousa pelo verdejar;
Mari Gerzeli pelos desportos;
Mayume de Maiandeua pela contao de histrias;
Rodrigo Florentino por ter me presenteado com os n sexos que haviam me roubado;
Roberto Duarte Santana Nascimento: amigo e anjo;
Rodrigo Bonilha por mundo de ps-graduao possvel;
Maria Ins Moron Pannunzio pela coragem de como professora do colegial em escola
pblica, trabalhar temas como morte, relativismo cultural, fascismo, nazismo, sexualidade,
auto-avaliao, artes, tica e moral;
Mrcia pela gineco-psicodramatistologia;
Aline Amsberg pelos corpos e mquinas;
Rodrigo Rabelo pelos estudos nietzschianos clssicos;
Adriane Barin pelo visionarismo;
Rafael Adaime pelas alucinaes;
Diego Baffi pelo palhao na praa pblica;
Mariel Zasso pela simpatia;
Wiliam Siqueira Peres pela insistncia em denunciar o roubo dos n sexos;
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Marlia Muylaert pelos graus;
Soraya Georgina de Paiva Cruz pela denncia do uso piedoso dos conceitos e prticas psi;
Cia pela velocidade;
Snia Frana pelo prazer do pensamento;
Ana Maria pela confiana na cooperao;
Carlos Ladeia e Wilka Coronado pelo esforo empreendido na busca de um currculo de
Psicologia mais fluente;
Luiz Carlos Rocha pela denncia do aprisionamento dos pobres;
Serginho pelo estmulo s zonas de desenvolvimento proximais;
Aline Sanches pela pacincia na escrita;
Viviane por ter me mostrado a importncia de estudar os contemporneos;
Clarissa Baptistella pela amizade que rendeu meu primeiro porre de cerveja;
Lucienne Torino (estudiosa de esttica), pelo Kant sem botox;
Rodrigo Zanotto pelas fotografias;
Helosa pelo encantamento com a maternidade;
Jlia e Magda pela recepo e ateno aos procedimentos de trabalho;
Fabiana Amorim pela coragem de arriscar;
Paulo Oliveira por ter me ensinado que s por hoje pode durar muito;
Lgia pelosoutien;
Duda pela disponibilidade em aventura-se;
Naty por me mostrar que acontecer no basta, mas acontecer e consistenciar as linhas
acontecimentais;
Henrique Albiero Pazzetti pela geografia;
Henrique Cunha, Andrei, Irene: pela descontrao;
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Claudia Cmara pela disposio para o trabalho;
Carolina Mantovani pela continncia;
Larissa pela disponibilidade em intuir as capturas ofertadas pelos poderes estabelecidos;
Glaucia Giraldi pela partilha do ritmo;
Glaucia Figueiredo pela fora;
Rogrio Basagli pelo saci;
The name pelo investimento na co-independncia produtiva;
Todo o coletivo Conexes: Polticas da Subjetividade e Sade Coletiva, do
DMPS/UNICAMP e convidados, por nas mais variadas composies, muito ter me forado
a pensar;
Rafael Vieira pela resistncia;
Estrangeiros presentes no I Encontro/Oficina: Sade e Cartografia;
Isabel Mussoline pela nsia intempestiva em escapar aos bloqueios;
Clauzer Toledo pela nsia sutil em escapar aos bloqueios;
Regiane Desanormal pela desanormalidade;
Rodrigo Scalari pelos esforos em encontrar zonas de imantao intensivas;
Juliana Aparecida Gonalvez Jonhson pela ateno aos perceptos arquitetados na Natureza;
Rafael Teixeira por buscar duraes conceituais para alm do antropocentrismo;
Suely Rolnik pela pioneiridade;
Peter Pal Pelbart pelos furos burocracia;
Joo Tortello por um certo trao de pintura;
Vernica Dias pela coragem de colocar o enlouquecer num lugar mais digno;
Andria Martins J. pelos tibubeios;
Marcelly Camacho pela disciplina (e por ter me apelidado de metdica);
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Renato Ferraccini pelo anfitriar;
Matteus Melo por algum silncio;
Guilherme Lunhani pela sensorialidade, clculos diferenciais integrais, f(x) e derivadas;
Guilherme Rebecchi pelo amparo;
Bernardo Teodorico Costa Souza por me colocar para confiar na intuio;
Ricardo Shiota e Ricarda Canozo pela leitura;
Neuza Simo pelos investimentos;
Sara Amorim pelo incentivo ao trabalho;
Paulinha Lucca pelo arroz integral com linhaa;
Bruno Mariani pelo Pocoyo;
Rafael Blumer pelo socorro computacional e estatstico;
Leopoldo Thiesen pelo artezanato existencial;
Mariane Bitencourt pela necessidade da arte;
Letcia Ruiva e Marco por outra sade mental;
Margareth Rago pela luta das mulheres;
Reinaldo Furlan pela parceria;
Tiago Eldeo pelo sempre tem o porm de sempre;
Carmem Soares por outra cultura do corpo;
Silvio Gallo por uma educao menor;
Mrcio Lislrica Ilde: poesia, sensibilidade, desfile de sonhos e cores;
Fapesp pelo incentivo financeiro;
Hlio Azara pela poltica temtica;
Juliano Belinazzi Nequirito pelo acompanhamento computacional;
Carolina Hebling pela leitura;
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Edson Adriano pelo trnsito de sensaes entre moral e tica;
Coletivo pr-subsede do Conselho Regional de Psicologia em Sorocaba, pela vontade de
fazer diferente;
Flamas (Frum da Luta Antimanicomial de Sorocaba) por essa individuao coletiva que
sabe em algum lugar, que loucura boa no loucura presa;
Todos que direta ou indiretamente contriburam para que este trabalho pudesse ocorrer;
... Orlandi pela virtude que d...
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... uma longa experimentao (...) o fora primeiramente a buscar umlugar, operao j difcil, depois a encontrar aliados, depois arenunciar progressivamente interpretao, a construir fluxo por fluxoe segmento por segmento as linhas de experimentao...
Deleuze e Guattari
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AMORIM, Simone Cristina de. Uma ideia de cartografia. 2010, Dissertao (Mestrado) Departamento de Filosofia, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Orientador:Prof Dr. Luiz Benedicto Lacerda Orlandi
Resumo: As obras de Deleuze e Guattari trazem estratgias para o enfrentamento de
maneiras endurecidas de sentir, pensar e conceber. Os universais vagos so abandonadosem nome de uma filosofia prtica. Com base nesta filosofia a presente dissertao visadisponibilizar uma ideia de cartografia que, em contraponto colocao de questes daideia sob a forma Que ?, remaneja as questes da ideia para dinamismos espao -temporais. Este remanejamento dispara uma maneira processual e intensiva de conceber osproblemas, com um propsito suportivo para a efetivao das cartografias de casos aqui nodados. Trabalharemos com alguns agenciamentos tericos que visam sustentar a efetivaode uma cartografia. Para isso elencamos a noo de processo esquizo compreendida a partirdo inconsciente maqunico que traz, de um lado uma processualidade compreendida entreesquizofrenia e parania e em paralelo, entre metafsica do demonaco e mquinasdesejantes. Tambm trabalhamos de maneira sucinta com as noes de virtual e atual,individuao, devir, latitudes e longitudes, entretempos, linhas, estratos, meios, juzos,caos, agenciamentos, mapas, plano de consistncia. Essas noes procuram tratar damovncia de um caso que se transversalise por n campos de conhecimento, ao passo que,como disciplina distinta de uma cartografia, colocamos a interseco entre Artes, Filosofiase Cincias, pois cada uma destas trs disciplinas trata a seu modo e sem hierarquia, asquestes vitais que uma cartografia trabalha.
Palavras-chave: ideia, desejo, dramatizao, tranversalidades, cartografia
Abstract: The works of Deleuze and Guattari bring strategies for facing hard ways offeeling, thinking and conceiving. Vague universals are abandoned for the sake of a practicalphylosophy. From the standpoint of this phylosophy, this dissertation seeks to makeavailable one idea of cartography that, opposed to the posing of questions about the ideia inthe form of What is..?, relocates the questions of the idea to spatio-temporal dynamics.This relocation triggers a procedural and intensive manner of conceiving the problems, witha supportive purpose to the effectuation of cases' cartographies, not given throughout thisdissertation. We will work on some theoretical agencies that seek support the effectuationof a cartography. Thereunto, we cast the notion of schizo process undestood from thestandpoint of the machinic unconscious that brings, on one hand, a processitivity situatedbetween schizophrenia and paranoia, and, in parallel, between metaphysics do thedemoniacal and desiring machines. In a summarized fashion, we also work with the notionsof virtual and actual, individuation, becoming, latitudes and longitudes,meantime, lines, strata, means, judgments, chaos, assemblages, maps,plan of consistency. Such notions seek to address the move of a case that wouldtransversalize n fields of knowledge, whilst, as a different discipline from cartography,we point the intersection between Arts, Phylpsophies and Sciences, once each of the threedeals, following its way and with no hierarchy, the vital issues of a cartography.
Keywords: idea, desire, drama, transverse, mapping
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LISTA DE ABREVIATURAS
Utilizaremos as abreviaturas a seguir para os livros de autoria ou co-autoria deGilles Deleuze. Tais abreviaturas estaro norteadas pelas datas das edies originais e noapenas pelas datas de edies efetivamente consultadas, para que possamos obter uma
noo cronolgica das obras. Seguiremos as referncias com a paginao das ediesconsultadas, para maior facilidade de localizao dos trechos utilizados de cada obra.Outros textos dos autores citados ao longo desta dissertao seguiro as normascostumeiras.
(ID, 1967)______. O mtodo de dramatizao. In___: A Ilha deserta: e outros textos. Org.LAPOUJADE, David. Trad. br. ORLANDI, Luiz Benedicto Lacerda. So Paulo:Iluminuras, 2006.
(AOE, 1972) DELEUZE, G; GUATTARI, F. O Anti-dipo. Trad. br. ORLANDI, LuizBenedicto Lacerda. So Paulo: Ed. 34, 2010.
(DRF, 1977) DELEUZE, G; PARNET, Claire; SCALA, Andr. Linterprtation desnoncs. In___:Deux Rgimes de Fous. Org. LAPOUJADE, David. Paris: Minuit. 2003
(MP, 1980) ______.Mil Plats. Rio de Janeiro: Ed 34. Tra. Br. Vol.1 COSTA, Clia Pintoe GUERRA NETO, Aurlio. 1995. Vol. 2 LEO, Ana Cludia e OLIVEIRA, Ana Lciade. 1995b.Vol. 3 GUERRA NETO, Aurlio; OLIVEIRA, Ana Lcia de; ROLNIK, Suely.1996. Vol. 4 ROLNIK, Suely. 1997. Vol 5 PELBART, Peter Pl e CAIAFA, Janice.1997b.
(F, 1986) ______. Foucault. Trad.br. MARTINS, Claudia SantAnna. So Paulo:Brasiliense, 1988.
(TRE, 1989) GUATTARI, As trs ecologias. Trad. Bittencourt, Maria Cristina F.Campinas: Papirus, 1990.
(QPh?, 1991)DELEUZE, G; GUATTARI, F. O que a filosofia?. Trad.br. PRADO JR.Bento e MUOZ, Alberto Alonso. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.
(CC, 1993) ______. Crtica e Clnica. Trad. Br. PELBART, Peter Pl. So Paulo: Editora34. (Coleo TRANS). 1997.
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Introduo
O tema inicial desta dissertao anteriormente denominada Perspectivas da
Filosofia de Gilles Deleuze e Flix Guattari enquanto exerccio de construo de uma
clnica da transmutao: da tipologia nietzscheana etologia espinosana, surgiu baseado
em questes clnico-psicolgicas, derivadas de uma filosofia da psicologia clnica. No
entanto, conforme houve o efetivar da pesquisa, aconteceu um desvio nominal do ttulo do
projeto que passou a se chamar Uma ideia de cartografia. Embora tenha havido
modificaes na forma de apresentao da dissertao, o problema de pesquisa do mestrado
permaneceu, pois com Uma clnica da transmutao pretendia-se transmutar os valores,
escapar velhas formas de sentir e de viver, atravs de um maior contato com as criaes.
Em uma Uma ideia de cartografia, isso se desdobrou, pois quando iniciamos por tratar de
uma problemtica que parecia de cunho individual, notamos que suas provocaes estavam
em toda uma ampla concreo dos jeitos de conhecer disponveis. Com isso precisamos
remanejar a forma de expresso da pesquisa para uma espcie de clnica de algumas
maneiras de conhecer dadas.
No trajeto da pesquisa destacou-se a importncia de uma processualidade que no
est circunscrita a qualquer rea especfica de conhecimento, mas se d em transversalidade
por tantos campos de conhecimento conforme cada problema assim o exigir. Essa
processualidade precisa ser verificada em cada caso-problema, solicitando tantas reas do
conhecimento quanto necessrias para sua resoluo. Em consonncia com a busca da
pesquisa, os trabalhos com os dinamismos de uma cartografia surgiram em resposta s
problematizaes com linearidades transversais, inscritas para as especificidades de casos
no dados, ou seja, a presente pesquisa visa criar alguma sustentao para problemas
inditos, ao colocar o trabalho com alguma ideia de maneira subsumida especificidade do
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caso aqui inexistente.
A importncia desta dissertao est em disponibilizar meios, que facilitem aos
dispostos em adentrar nos problemas inditos, algumas passagens entre reas do
conhecimento que precisaro ser solicitadas e forjadas, conforme o caso. O objetivo deste
trabalho o de ofertar mais uma maneira suportiva para a criao de cartografias. Isto se d
atravs de linhas de atenciosidade terica voltadas para conceitos, referncias e sensaes,
que disponibilizam trajetrias deleuzo-guattarianas, em alguns casos agenciadas: noo de
ideia, processo esquizo, inconsciente maqunico, vocabulrios do virtual e atual,
individuao, campo intensivo, devir, latitude e longitude, temporalidades, linhas de fuga,
moleculares e duras, estratos, meios, juzo, caos, agenciamento, mapas e planos.
Gostaramos de salientar que esta dissertao mostra um dentre vrios percursos
possveis para compor cartografias, seu intuito mais suportivo que propositivo. Tendemos
a priorizar os planos de referncia, de imanncia e de composio, pois tais planos
expressam um crebro individuado, so os que Deleuze e Guattari elegem como os
provenientes de cada disciplina vital, ou seja, de Cincias, Filosofias e Artes, que
disponibilizam as caides responsveis por novas formas de sentir, conceber e conhecer,
interseco que expressa a distino de uma cartografia.
Captulo 1: Premncia da ideia de cartografia
... os Universais no explicam nada, eles prprios devem ser explicados .
Deleuze e Guattari
1.1 - Proposio Geral do Captulo 1: Premncia da ideia
Quando falamos em uma ideia de Cartografia, a qual concepo de ideia nos
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referimos? Na tentativa de responder a isso, notamos que em O mtodo de dramatizao1,
Deleuze no se deixa convencer de que a questo Que ?, seja uma boa questo para
levantar a ocorrncia de alguma ideia. Por isso quando Deleuze busca determinar algo mais
importante relativo ideia, apura, dentre as questes: quem?, quanto?, como?, onde?,
quando?, (ID, 1967, p. 129)2, as mais adequadas para cada caso. Sob as formas
circunstanciais, as questes da ideia trazem uma maior verificao das relaes diferenciais
e suas distribuies de singularidades correspondentes. Esta maneira de levantar a questo
da ideia visa tornar proveitosa ao mximo a potncia interrogativa presente no idealizar.
1.2Levantamento da questo da ideia sob a forma essencialista que ?
Com Deleuze (1967) podemos compreender uma inseparabilidade entre a
descoberta da ideia e certo tipo de questo. Quando se inicia, uma ideia corresponde a uma
maneira de levantar questes, portanto uma objetidade, que responde apenas ao apelo
de certas questes. Quando se determina a questo da ideia sob a forma Que ?, tal
questo ope-se s questes que remetem a algum exemplo ou acidente. A forma Que ?
visa essncia de algo e exclui de suas respostas tudo o que opera circunstancialmente. Por
exemplo, no se pergunta por onde e quando h justia, mas pelo que o Justo; no se
pergunta como obtm-se dois, mas o que a dade; etc, no se pergunta quanto, mas o
qu. Quando a questo da idia assume a forma Que ?, mostra-se de um
favorecimento confuso e duvidoso, qua acaba animando os dilogos que caem em
contradies.
1 DELEUZE, G. O mtodo de dramatizao. In_: A Ilha deserta: e outros textos. Org. Lapoujade, David. Trad.Orlandi, L. B. L. So Paulo: Iluminuras, 2006, p. 129-154. Tambm nos utilizaremos da lista deabreviaturas e nos referiremos a este texto do original de 1967 comoID.
2 ID. Conforme organizao de David Lapoujade, do original em francs na p. 131.
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A questo Que ? prejulga a idia (sic) como simplicidadeda essncia; ento foroso que a essncia entosimplificadase contradiga, pois ela tem que compreender ono-essencial, e compreend-lo em essncia. (DELEUZE,1967, p. 131).
Assim, quando consideramos que a questo da essncia a da contradio e essa
prpria questo da essncia nos lana em contradies inextrincveis como se a ideia s
fosse determinvel em funo de alguma casustica, que ento circunscreve a ideia a uma
relao causal. Das relaes causais herdamos a noo de ideias justas3, que direcionam
antes mesmo do levantamento das questes da ideia, uma antemo do que ir respond-las.
1.3Levantamento de coordenadas inclusivas do acidental na questo da ideia
Procede-se de um jeito completamente distinto do contraditrio, quando o no-
essencial que corresponde ao essencial, compreendendo-o apenas no caso. A este
procedimento diverso do contraditrio Deleuze (1967) denomina vice-dico: a subsuno
sob o caso forma uma linguagem original das propriedades e acontecimentos (p. 131). A
vice-dico percorre a ideia como a uma multiplicidade substantiva, na qual a ideia est
bem mais prxima do acidente do que de qualquer essncia abstrata e traa dentre as
questes da ideia, ento sob as formas: quem? Como? Quanto? Onde e quando? Em que
caso? (ID, 1967, p. 131), coordenadas certeiras de espao e tempo. Tais coordenadas
permitem que antes de lanar a ideia a qualquer fim ltimo, haja primeiro um livre passeio
pelo risco do acidente, de maneira que a ideia tenha como fazer um retorno s suas
questes.
3 MP, 1995, [1980], p. 23-36, neste perodo Deleuze e Guattari falam da noo de rizoma, aqui optamos porno cit-la nominalmente embora utilizemos sua maqunica quando tratarmos dos lineamentos.
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1.4 - Alguns ambientes conceituais disparadores do processo esquizo
Quero uma verdade inventada
Clarice Lispector
Se O mtodo de Dramatizao (ID, 1967) o que nos permite realizar a colocao
da questo da ideia de Cartografia, buscamos preench-la explorando ambientes conceituais
diversos. Inicialmente, em O Anti-dipo (AOE, 1972) encontramos o engrenar do processo
esquizo, que funciona no liame entre esquizofrenia (Natureza) e parania (Histria); com
uma passagem deAs Trs Ecologias (TRE, 1989) nos servimos para a exemplificao deste
processo, tambm chamado de esquizo-paranoide4, que nos fora a colocar o pensamento
transversal5 (esquizoanaltico) para funcionar (como veremos logo abaixo) e que nos
servir de guia para algum entendimento das noes vizinhas referida noo de processo.
de transversalidades que a efetuao de uma Cartografia se nutre, na tentativa de
atingir um funcionamento transversal do substrato cartogrfico, exploramos a ambincia de
Mil Plats (MP, 1980) e O que Filosofia? (QPh?, 1991); o primeiro preserva uma
imensido de reais e possveis dos quais trazemos algumas linhas e o segundo traz questes
das ideias subjacentes aos conceitos de Filosofia, Cincias e Artes, dos quais trouxemos a
interseco, que exprime uma ideia de Cartografia. Na efetivao de uma cartografia
4 Com Deleuze e Guattari em AOE vimos que no nos interessa encontrar um plo naturalista da
esquizofrenia, nosologias tambm no nos interessam aqui, nem compreender a esquizofrenia a partir deum eu, ou de alguma definio que o tome por princpio. De nada nos serve encontrar a definio de vruse de esquizofrenia se no fizermos ideia da questo subjacente a tais conceitos, s quando operamos comtal subjacncia que as definies e suas articulaes sero ou no necessrias conforme o caso.
5 Em ID, Deleuze dedica o texto Trs problemas de grupo de 1972 Guattari e nele exprime uma dasnoes que bebe de Guattari, a de coeficiente de transversalidade (p. 255-256), ou seja (para o sentido quenos interessa aqui), a capacidade de um grupsculo em unir-se em decorrncia de colocar suas questesem anlise, de fazer de seu grupo um analisador que, em virtude de suas criaes une por opor-se aodesejo de massa e s sinteses pseudo-racionais e cientficas, analisando-as e colocando as criaesanalticas de seus grupsculos no bojo das teorias que concebe.
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preciso inicialmente distinguir dois nveis de ao, duas dimenses: o que se passa sobre o
que se cartografa? e como criar uma cartografia?. Estas duas maneiras aparecem enredadas
uma na outra, dependendo do momento e da processualidade do caso.
O problema de uma ideia de cartografia o de tratar as coordenadas espao-
temporais sob presses circunstanciais, de modo que se evidenciem as ordenadas
intensivas, os dinamismos espao-temporais, o que deve preservar o processo e, portanto,
as multiplicidades. Uma cartografia traz uma verdade arduamente construda a partir de
problemas verdadeiros, um saber que s se faz quando j se abandonou as pretenses
hegemmicas. No se faz cartografia com regras extrnsecas ao processo ao qual ela se
acopla, ao contrrio, no fazer intrnseco criao processual, que se traa as regularidades
locais e suas regras descartveis.
Aqui, quando falamos em processocondio para a efetivao de uma cartografia
no perdemos de vista o seguinte caso: em textos posteriores a ID (1967), notadamente
nos quais de Deleuze e Guattari unem-se, podemos observar o esforo da dupla em
preservar o infinito. Como vimos, tal busca exprime-se, dentre outros, na concepo de
processo esquizo o processo da esquizoanlise - presente em O Anti-dipo6, nele,
aparecem dois sentidos de processo que, imbricados se confundem: um na Histria e outro
na Natureza. Essa concepo de processo no prima por finalismos, nem por continuidades
estendendidas ao infinito, mas por sua efetivao. O como? de nossas questes da ideia
a efetivao de um processo, as criaes dos verbos intrnsecos tais efetivaes, que
partem da imbricao entre Histria e Natureza, ou seja, entre parania e esquizofrenia. Na
Histria, como produo social das mquinas desejantes e, na Natureza, como produo
6Deleuze e Guattari. As Mquinas desejantes. In_: O Anti-dipo. Trad. Luiz B. L. Orlandi. So Paulo: Ed. 34,
2010.
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...porque querer reconduzi-lo quilo que j saiu, recoloc-lo nessesproblemas que no so mais os seus, por que zombar de sua verdade, que sepensou homenagear suficientemente ao fazer-lhe uma saudao ideal?(DELEUZE e GUATTARI, 1972, p. 39)
O esquizo sabe que absolutamente tudo produo. Imediatamente a produo
consumo e registro, e consumo e registro determinam a produo diretamente nela.
Produo de registros, distribuies, pontos de referncia, consumos, volpias, angstias,
dores e etc. No processo, registro e consumo so inseridos na produo e so produes de
um mesmo processo. As mquinas esto por toda parte, j h uma mquina minuciosa na
prpria variabilidade de um percurso. O esquizofrnico passeia e na continuidade de seu
passeio h uma mquina minuciosa, um pouco de ar livre na relao direta com o exterior.
Um processo produz homem e natureza, de tal maneira que j no h nem homem nem
natureza, ambos so concebidos em um processo de produo, assim j no h mais eu. O
que h por toda parte so mquinas, mquinas produtoras e produtos, mquinas desejantes,
mquinas esquizofrnicas.9
Qual a serventia desta ou daquela mquina? Em TRE Guattari10 (1989) evoca um
experimento televisivo, no qual um polvo bem vivo, danante e animado, que vivia em uma
gua poluda de porto, foi utilizado. O apresentador do experimento disps duas bacias de
vidro, uma contendo a gua poluda com o polvo e outra com gua normal, quando o
apresentador mergulhou o polvo na gua normal observou-se que o animal foi ficando
engurrado, abatido e ento morreu. A indistino homem-natureza tambm foi revelada de
maneira brutal por Chernobyl e a Aids.11
Como resiste uma vida humana frente a um
9 AOE p. 12-16.10 GUATTARI, F.As trs ecologias. Trad. Maria Cristina F. Bittencourt. Campinas, SP: Papirus, 1990, p.24 e
25. Ao evocar um experimento que Alain Bombard realizou na televiso. Do original de 1989, ao qualtambm nos remeteremos como TRE.
11Podemos dizer que os vrus so uma expresso aforismtico-maqunica da potncia de um agenciamento.Trabalharemos a noo de agenciamento adiante.
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viruzinho que o homem nem sequer enxerga junto a toda uma maquinaria csmica? Em
que medida os nveis de radiao podem ser mantidos seguros ao se utilizar a energia
nuclear? Questes como estas mostram que h uma reviravolta tcnico-cientfica e nela o
homem no mais o rei da criao, apenas tocado pela vida de todas as formas e
gneros12. No se pode mais separar natureza de cultura, os Universos de referncia sociais
e individuais, as interaes entre ecossistemas, todas as mquinas envolvidas mostram a
necessidade urgente de aprendermos a pensar transversalmente. A inseparabilidade entre
natureza e cultura nos pede que as criaes analticas adjacentes s experincias sem
precedentes possam ser trazidas como elementos unificadores de um algum pequeno grupo,
atravs de sua capacidade de colocao de suas prprias questes em anlise13 e no de
alguma organizao prvia.
H uma natureza em constante modificao, a colocao dessa modificao em
anlise conclama uma transversalidade. Tanto quanto algas mutantes e monstruosas
invadem as guas de Veneza, as telas de televiso esto saturadas de uma populao de
imagens e enunciados degenerados. (GUATTARI, 1989, p. 25). Nessas e outras ligaes
fabricamos uma Natureza que sempre se modifica, a qual Deleuze e Guattari (AOE, 1972)
denominam produo metafsica do demonaco. A produo como processo no est dada
em nenhuma categoria ideal, no entanto pode partir de ideias e tem como princpio o desejo
inseparavelmente produtor e produto. O esquizo s compreensvel como Homo natura, a
produo desejante sua categoria efetiva. Mas efetiva como?
Em AOE a efetividade de um processo desejante, ou processo esquizo jamais deve
ser confundida com sua prpria continuao ao infinito e qualquer processo no deve ser
12 AOE, p. 1513 AOE
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tomado como um fim. O esquizofrnico como o (ainda hoje) encontrado nos hospitais
psiquitricos, sua produo enquanto entidade produzida tanto pela paralisao bruta e
prematura de um processo, quanto por sua continuao at o infinito14. Em uma ponta do
processo, quando nos deparamos com uma paralisao abrupta, qual a mquina que pode
produzi-la? Adivinhem qual a utilidade de um faqueiro, por exemplo, a partir de sua
descrio geomtrica (DELEUZE e GUATTARI, 1972, p. 13).
Quando nos deparamos com uma fantstica represso das mquinas desejantes
porqu e com qual fim essa mquina corta o fluxo das mquinas desejantes? mesmo
necessrio e desejvel nos sujeitarmos a isso? Na outra ponta do processo, Deleuze e
Guattari remetem-se Lawrence quando este exprime o problema do finalismo, da
continuidade ao infinito, quando se faz de um processo um fim. Fazer de um processo sua
continuao ao infinito, uma extremidade horrivelmente intensificada, na qual corpo e
alma chegam a perecer, no efetivar um processo. O fim de um processo dado por sua
prpria efetivao. Quando Lawrence falava do amor 15, no via a sexualidade como um
sujo segredinho que devesse ser desinfetado, ao contrrio, tinha a impresso de que ela
admitia ainda mais fora ou potencialidade. Nessa e nas mais diversas produes o
produzir est sempre inserido no produto (DELEUZE e GUATTARI, 1972, p. 17).
Na produo no h especificidade nem entidade do processo, ou seja, no h um
eu da esquizofrenia, uma especificidade da esquizofrenia sem que ela esteja diretamente
ligada ao seu processo de produo. A esquizofrenia o universo das mquinas desejantes
produtoras e reprodutoras, a universal produo primria como realidade essencial do
homem e da natureza (DELEUZE e GUATTARI, 1972, p. 16), como no amor, sem
14 OAE, p. 15-1615 Amor o tema do qual Deleuze e Guattari extraram este ltimo aspecto da noo de processo em AOE, p.
58 do original, p. 69 da edio brasileira e p. 52 da edio portuguesa.
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especificidade ou entidade. Porque o inconsciente rfo (DELEUZE e GUATTARI,
1972, p. 69) produzindo-se na identidade natureza-homem. Isso fica claro: quando o cogito
se descobre sem pais, quando o pensador socialista descobre a unidade homem-natureza, e
quando um ciclo descobre-se independente de regresses parentais. A rigor no h pessoa
esquizofrnica, mas processo esquizofrnico que pode se superintensificar ao infinito ou ser
bloqueado abruptamente, causando o esquizo entidade como os psiquiatrizados que vemos,
ou seja, no h unidade especfica do esquizofrnico que funciona sozinha, este esquizo
entidade decorre da maneira como funcionam as mquinas desejantes nas quais est
inserido.
Nas mquinas desejantes h um funcionamento de tudo em simultneo: hiatos,
rupturas, panes, falhas, curto-circuitos, despedaamentos, somas que nunca renem suas
partes em um todo16. Uma mquina antes de ser tcnica necessariamente social17, nela no
h distino entre sua produo e seu funcionamento, jamais se confunde com qualquer
mecanismo fechado, de tal maneira que mquinas sociais e mquinas desejantes no
possuem diferena de natureza, mas uma diferena de lgica ou regime. As mquinas
desejantes: debaixo da pele o corpo uma fbrica a ferver18, investem as mquinas
sociais: mercado capitalista, Estado, Igreja, Exrcito, famlia, etc (ZOURABICHVILLI,
2004, p. 35) e constituem o inconsciente das mquinas sociais. Ao mesmo tempo em que as
mquinas desejantes se alimentam das mquinas sociais e as tornam possveis, tambm as
corroem por dentro. Isto ocorre simplesmente porque o desejo produz; o inconsciente
16 AOE, 1972, p. 50 do original.17 Aqui, junto de AOE utilizamos tambm O Vocabulrio de Deleuze (2004), no qual Franois Zourabichvillicompila alguns conceitos, neste caso o de mquinas desejantes e mquinas sociais, p. 35. Da trd. br.19Deleuze e Guattari, em AOE, p. 13 da ed. br. referem-se ao Van Gogh le suicid de la societ, de Artaud.
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produtivo e feito de produo desejante, de produo de mquinas desejantes, de
produo de mquinas desejantes em mquinas sociais.
Vimos dentre os dois sentidos de processo: na Histria mquinas sociais, na
Natureza mquinas desejantes, trs outros sentidos concomitantes: a insero de registro
e consumo na prpria produo de um processo, a indistino homem-natureza e uma
condio de efetivao de um processo esquizo.
Captulo II: Uma ideia de Cartografia
Nunca idias justas, justo uma idia (Godard).
Deleuze e Guattari
Deleuze (1967, p. 137) precisa as condies sob as quais o emprego da palavra
virtual pode ser feito de maneira rigorosa, tais condies se do quando contemplamos no
termo virtual sua realidade plena, ou seja, atual e virtual so ambos repletos de realidade
embora se oponham em sua maneira de funcionar.
As multiplicidades distinguem-se entre virtuais e atuais, sendo que a realidade
prpria ao virtual constitui-se por relaes diferenciais e singularidades espalhadas nos
mais diversos sentidos. O virtual pertene ideia e no depende de semelhana. A ideia
uma imagem sem semelhana; o virtual no se atualiza por semelhana, mas por
divergncia e diferenao (DELEUZE, 1967, p. 137). O que difere entre virtual e atual
o Outro, que aparece uma vez na ideia e outra vez, de uma maneira completamente
diferente, quando a ideia passa por um processo de atualizao. A diferenao, ou
atualizao, sempre criadora em relao ao que ela atualiza (DELEUZE, 1967, p. 137).
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Segundo Deleuze, dispomos de duas principais caractersticas da ideia:
1). Uma quando levamos em considerao o conjunto de relaes diferenciais entre
elementos destitudos de forma (sensvel) e de funo, que existem unicamente por
sua determinao recproca (dx/dy). Dito de outra forma, por definio nominal:
uma ideia um conjunto de relaes diferenciais entre elementos destitudos de
forma e funo, que se unem por sua determinao recproca. Essa definio de
ideia traz uma das caractersticas da ideia: oelemento ideal, este sem forma e sem
funo, existente por determinao recproca. No entanto essa definio de ideia
abarca apenas um aspecto das multiplicidades de suas caractersticas principais.
2). Outra caracterstica da ideia se d quando levamos em considerao as
distribuies de singularidades e notamos que estas singularidades esto em
correspondncia direta com as relaes diferenciais, das quais partem. O
acontecimento ideal aquele que, a partir de relaes diferenciais, deriva entre o
notvel e o ordinrio. No acontecimento ideal um ponto notvel qualquer provoca
uma srie que se estende sobre os pontos ordinrios at as vizinhanas de outra
singularidade.
Na atualizao de um acontecimento ideal, com seus elementos ideais h tambm
uma individuao. O tema da individuao aparece em Deleuze sob variaes distintas.
Com Sauvagnargues (2005)19 a recorrncia de tal tema nos chega de uma maneira
sistemtica, ela traz mais autores nos quais Deleuze se referencia para criar alguma noo
de pr-individualidade, que entra em outro plano de expresso, quando Deleuze realiza suas
torceduras ao criar conceituaes sinergizantes da noo de individuao.
19SAUVAGNARGUES, Anne. Gilbert Simondon. In_: Aux sources de la pense de Gilles Deleuze 1, Mons:Sils Maria, 2005, p. 193-198.
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Segundo Sauvagnargues (2005) a noo de individuao aparece inicialmente com
Simondon e tambm em Espinosa, Nietzsche, Bergson e Foucault. Tal noo deleuziana de
individuao20 traz como condio precedente a existncia de uma diferena de potencial,
um estado de dissimetria entre as idealidades de pensamento e o reencontro brutal com
algum signo sensvel que produz pensamento. A disparidade irredutvel entre estes dois
elementos produz um disparo atravs do dspar, que cria uma nova dimenso. Essa
dimenso modulada no tempo de tal maneira que acopla uma variao contnua de
diversos materiais e foras, de singularidades impessoais e pr-individuais que, ao interagir
e produzir signos proporciona uma tomada de forma. Nesta tomada de forma a variao de
materiais e foras j um desenvolvimento ininterrupto da forma que se diferencia de
maneira intensiva21. que uma individuao intrnseca ao seu campo pr-individual de
constituio. Assim a produo de um indivduo se d por modulao, que resolve a
diferena de intensidade de um campo pr-individual de individuao, atravs do atualizar
da disparao. A resoluo da diferena se d pela atualizao da diferena e no por
resoluo em identidade. Uma individuao a prpria resoluo por atualizao de
diferena problemtica. No se separa um indivduo de seu ambiente, ambos surgem da
mesma operao de individuao. (SAUVAGNARGUES, 2005, p. 197)22.
A partir da noo deleuziana de individuao podemos trabalhar nos vocabulrios
do atual e virtual de maneiras distintas, estando uma individuao do diferencial para a
disparao das diferenas de potencial, assim como est uma individuao do diferenal
para a resoluo das diferenas de potencial por diferena intensiva.
20SAUVAGNARGUES, 2005, p. 197-198.21 Aqui Sauvagnargues (2005) remete-se noo simondiana de hecceidade, mais adiante trabalharemos a
noo de hecceidade tomando por base a leitura que Deleuze faz de Espinosa.22 Do original On ne peut sparer lindividu de son milieu, et tous deux rsultent de la mme opration
dindividuation (p. 197).
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da ideia, ocorre via campo intensivo 24. Sem o campo intensivo no h passagens entre
o virtual e o atual. Os campos intensivos de individuao colocam-se em estado de
atividade por precursores que possuem este papel de passagem entre virtual e atual, por
sujeitos larvares que se constituem em torno de singularidades impulsionando a passagem
entre virtual e atual e por dinamismos prprios que preenchem esse sistema de passagens.
Ao elemento que faz a passagem do virtual ao atual chamamos diferenciador. A noo
completa atuante para que se determine a atualizao da ideia o conjunto de: indi-
diferenciao e indi-diferenao. Essa noo completa a dos dinamismos espao-
temporais nos campos de individuao. Os dinamismos espao-temporais indi-
diferenciao e indi-diferenao so os determinantes para que as ideias (multiplicidades
virtuais) se atualizem. Tais dinamismos premem os campos de individuao25. Um conceito
no ativado pelos dinamismos constitutivos da ideia um conceito preso representao.
Um campo intensivo pode ser expresso pela noo de devir. Como o conceito de
devir aparece em transversalidade pela obra deleuzo-guattariana, adentramos nele atravs
da compilao didtica que Zourabichville (2004, p.37-38) faz, no que toca ao devir em sua
maneira co-evolutiva de funcionar - devir em seu caso restrito26. Mas antes vejamos que
qualquer devir forma um bloco, ou seja, a desterritorializao mtua de dois termos
heterogneos. No bloco, outra forma de viver e sentir se envolve na nossa, a assombra, a
faz fugir. A relao inicial entre os dois termos heterogneos mobiliza ento quatro
termos, que se dividem em sries heterogneas entrelaadas: x, quando envolve y, torna-se
x; y, nessa relao com x, torna-se y. De tal modo que sempre h reciprocidade no
24 ID, p. 129-154, em especial na p. 39 da trad. br.25 Conforme a noo de individuao exposta anteriormente.26 H duas maneiras do devir funcionar: a restrita e a geral. Veremos a maneira geral de funcionamento do
devir mais adiante, com o devir-cavalo.
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processo, mas jamais simetria: x no se torna y, sem que y venha a ser outra coisa. Uma
das maneiras de funcionar do devir a do caso restrito. Nela, quando ocorre do termo
encontrado x e y tambm ser o termo que encontra, um duplo devir acontece de cada
lado, a maneira co-evolutiva, ou dito de outra maneira, co-involutiva do devir.
Para exemplificar o caso restrito, nos remetemos ao encontro de vespa e orqudea,
clebre em Deleuze e Guattari (1995 p. 17-18). A orqudea vive em certo espao, em um
territrio delimitado e, no momento em que tocada pela vespa - o dspar27 -, sofre um
embaralhamento de seus mundos, com a vespa forma uma nova imagem, compe com a
vespa uma breve pausa em seu universo e a vespa ento agregada ao espao da orqudea.
Juntas, vespa e orqudea mesclam-se em uma nova imagem, que passa a ser um novo
territoriozinho borrado, tambm para a vespa. A vespa muda de espao passa a ser ela
mesma uma parte no aparelho reprodutor da orqudea e traz um novo universo, um novo
territrio para a orqudea, quando faz o transporte de plen. "Npcias entre reinos. Se
dissermos que a orqudea imita a vespa, isto s verdade em um nvel mais rgido, que
coloca de um lado organizao vegetal e de outro, organizao animal, em paralelo. Mas
isso insuficiente, porque no se trata de uma mera imitao da vespa pela orqudea, de
uma maneira bem diferente, vespa e orqudea capturam os cdigos uma da outra e fazem
com isso, aumentar as capacidades de saturao de seus corpos. H uma mais valia de
cdigos, um aumento de valncia em ambos os lados, ou seja, um duplo devir, o devir-
vespa da orqudea e o devir-orqudea da vespa, e assim os devires vo se enlaando e se
revezando em uma longa circulao de intensidades, circulao esta, a nica que assegura a
expanso dos universos, empurrado-os cada vez para mais longe. Esses dois seres no
possuem nada em comum um com o outro, no se assemelham nem se imitam, no entanto
27 SAUVAGNARGUES, 2005, p. 197-198.
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evoluem de maneira a-paralela. Explodem em duas sries heterogneas, cada qual com
novas intensidades.
No encontro entre vespa e orqudea no h semelhana prvia, h uma
indiferenciao que se virtualiza na radicalidade da diferena. Vespa de um lado e orqudea
de outro trazem consigo mundos inditos, cdigos virtuais atravs dos quais passa um
diferenciador que dispara um processo de atualizao. Dito de uma maneira mais precisa,
vespa e orqudea trazem consigo distribuies de multiplicidades virtuais, variaes de
relaes diferenciais e distribuies de singularidades correspondentes28, que se
intercambiam entre uma e outra, efetivando novas relaes diferencias, em uma
diferenciao que virtualiza os cdigos. Neste processo que sempre criador, indi-diferen-
cia-a-do, cada uma das duas vespa e orqudea - se atualiza por divergncia e
diferenao.
2.2Da ideia de cartografia ao fazer cartografia
At agora sabemos que a efetivao de uma cartografia sempre circunstancial ao
caso. Ela processual; insere a produo no produto; no distingue homem de natureza;
leva em considerao as produes tcnicas e todo um emaranhado irreversvel de relaes
entre corpos a que Deleuze e Guattari chamam de metafsica do demonaco; atenta para o
que as mquinas desejantes produzem na Histria, parte da compreenso do desejo em sua
inexorabilidade produtiva, que dispara investimentos das mais diversas ordens nas
mquinas sociais; traz duas dimenses do real: o real-atual e o real-virtual; mostra que o
campo intensivo o responsvel pelas passagens de virtual em atual; leva em considerao
o que se compe ou no; as individuaes, devires e um arsenal de questes instrumentais
28 Aqui perceptos e afectos correspondentes s relaes diferenciais.
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que, dentre outros, envolvem e encarnam uma ideia. Tudo isso durante o seu percurso
produtivo.
2.3A pr-individualidade: latitude e longitude
Quem trabalha uma ideia de cartografia? Quem a maquina? Quem a escreve?
voc! Sou eu! Somos todos os pronomes reunidos. Somos uma individuao. E isso nada
tem de vago. Se dissermos eu quem diz o esquizo que retoma sua funo de
enunciao. Esse eu nada tem a ver com o seu caso particular e vasculhamentos de
arquivos familiares. Para Deleuze (1988)29 apelar para a prpria infncia fazer literatura
barata, best-sellers, realmente uma porcaria30; diferentemente de reinventar, ainda
que se extraia as reinvenes de frmulas estereotipadas. Numa cartografia se arranca uma
geografia dos afetos, ainda que para isso se utilize de uma histria. Quem diz o eu que
importa, no o diz em relao infncia dele, nem a de qualquer outra pessoa. Ao invs de
parar e reencontrar o eu, preciso ir muito mais longe, preciso ir at o abandono dos
fantasmas, at onde eles j no significam nada, at onde o nosso eu j se desfez
suficientemente, onde somos capazes de entrar em contato com partculas dessubjetivadas
que nos colocam em contato com o exterior, at quando podemos captar o entre. Porque
s se diz algo importante de fato, quando se mostra a vida e testemunha em favor dela e dos
idiotas que esto morrendo no mundo. O mundo o conjunto dos sintomas cuja doena
se confunde com o homem (DELEUZE, 1997, p. 13)31. A literatura que importa em uma
cartografia liberta-nos do homem, de seus organismos, de seus gneros e do interior deles.
29Durante entrevista concedida Claire Parnet: O Abecedrio de Gilles Deleuze, de 1988.30Durante toda a noo de quem? trabalhamos parafraseando: Deleuze na entrevista a Claire Parnet, em O
Abededrio de Gilles Deleuze, p.23; o esquizo como sujeito de enunciao em AOE, p. 28 da trad.port; e a noo de mundo e povo, presente em A Literatura e a Vida de CC, 1997, p. 13-15; e MP , vol.3, p.11.-12 da trad. port.
31 Aqui Deleuze e Guattari remetem-se Nietzsche.
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Liberta-nos do eu, da prpria pleonstica e viciosa subjetivao. Coloca-nos em contato
direto com o fora. No a que investe na interrupo brusca dos processos e na preteno
de alguma raa pura e dominante, essa bula da prpria doena. Ao contrrio, a que voc
faz! Mas qual voc? Esse qual em que voc longitude e latitude, um conjunto de
velocidades e lentides entre partculas no formadas, um conjunto de afectos no
subjetivados (DELEUZE e GUATTARI, 1997, p. 45). Como assim? Ora, pelo conjunto de
todos os elementos materiais, de todas as ltimas partes infinitamente pequenas, que se so
suas o so sob: relaes de movimento e repouso, de velocidade e lentido32 ( DELEUZE
e GUATTARI, 1997, p. 40). A longitude implica a ideia de que somos multiplicidades
infininitas. Eu, voc33 e qualquer outro. A Natureza da qual no nos separamos uma
multiplicidade de multiplicidades ela mesma individuada. Quando falamos de uma
multiplicidade ela mesma individuada, consideramos a individuao de todos os longnquos
elementos e partculas materiais, que se mexem, e se atrasam e/ou se precipitam conforme
suas conexes e, que chegaro ou no rpido o bastante para operar uma passagem.
Chama-se longitude de um corpo os conjuntos de partculas que lhepertencem sob esta ou aquela relao, sendo tais conjuntos elesprprios partes uns dos outros segundo a composio que define oagencimento individuado desse corpo. (DELEUZE e GUATTARI,1997, p. 39) 34.
A noo de longitude e latitude na qual se amparam Deleuze e Guattari
espinosista. essa noo que nos coloca a ter de voc outro aspecto, quando trabalhamos
em uma cartografia. Tal aspecto a latitude. A latitude a correspondncia a um grau de
potncia, em cada relao de longitude. A cada relao de lentido e velocidade, de repouso
32 Sempre que falam em longitude e latitude, Deleuze e Guattari referenciam-se em Espinosa. Aqui nosreferenciamos em Lembranas a um espinosista I, II e III, In_: Devir intenso, devir animal, devirimperceptvelde Mil Plats vol. 04.
33 Nessa dissertao, quando usarmos voc em referncia a quem? realiza uma cartografia, estamos nosbaseando na noo de individuao por hecceidades.
34 Trabalharemos com a noo de agencimento mais adiante.
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e movimento que rene uma infinidade de partes, h um grau de potncia correspondente.
As relaes que compem, decompem ou modificam um indivduo no caso voc -, em
suas prprias partes ou em partes vindas do exterior, encontram correspondncia em
relaes que o afetam e aumentam ou diminuem sua potncia de agir. Chamamos de a
sua latitude, os afectos que voc pode, de acordo com os limites do seu grau de potncia.
A latitude feita de partes intensivas sob uma capacidade, como a longitude, de partes
extensivas sob uma relao. (DELEUZE e GUATTARI, 1997, p. 39). A latitude qual
voc se referencia so todos os afectos intensivos que te compem. So os encontros
intensivos. Uma cartografia parte dos graus de potncia que te compem. Por isso j de
incio e durante todo o trajeto importante que voc mapeie seus encontros
intensivos, os afectos de que voc capaz segundo tal grau de potncia. Pois eles
continuaro, de um jeito ou de outro atuando em voc. Seus graus de potncia encontram
um limiar mnimo e um limiar mximo. Encontros intensivos so recheados de graus de
potncia. com a potncia que se faz a aliana para restaurar a infncia que importa. Os
que se interessam pela sua prpria infncia que se danem e que continuem a fazer a
Literatura que eles merecem (DELEUZE, 1988, p. 2335). Em uma cartografia - seja ela
escrita ou no -, o que interessa encontrar graus de potncia e ir em direo infncia do
mundo para restaur-la. inventar uma possibilidade de vida, escrever e/ou maquinar em
inteno de um povo que ainda no existe.36
Encontramos duas maneiras necessariamente unidas, pelas nas quais uma
cartografia pode ocorrer: a composio das relaes constitutivas dos indivduos envolvidos
e a variao do poder de afetar e ser afetado desse conjunto de indivduos, chamamos
35 Essa numerao refere-se s pginas transcritas e digitalizadas da entrevista: O abecedrio de GillesDeleuze , de 1988.
36 p. 15 e 23 de O abecedrio de Gilles Deleuze transcrito e digitalizado.
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anteriormente a isso de voc, de eu, de pronomes reunidos e vimos Deleuze e Guattari em
MP denominarem isso de longitude e latitude. No entanto, a referncia longitudinal e
latitudinal que utilizamos para colocar esse que chamamos de voc na funo vice-dictria,
encontrar o que dizer em suas sondagens territoriais, indo at o local e verificando com
todos os sentidos o que se passa? . Ento j sabemos que voc o quem? de uma
cartografia e que isso implica a busca de um lugar, e que neste lugar voc passar a ser
um dos indivduos que o constitue, atuando nas variaes do poder de afetar e ser afetado
locais, ou seja, na longiude e na latitude que somam dimenses quando voc e o local
formam um novo corpo. Voc dever buscar aliados37. No h mais sombra de neutralidade
e sim a composio de corpos no plano.
2.4Plano de consistncia dos lineamentos
Qual plano este em que se encontra a composio dos corpos? o plano de
consistncia, o plano de uma cartografia. Nele um corpo se define por latitude e longitude.
Latitude e longitude so os dois elemento de uma cartografia (DELEUZE e GUATTARI,
1997, p. 43). assim que buscamos atingir aquele voc do qual falvamos, que a rigor
chama-se hecceidade. Hecceidade38 quer dizer o que me ataca. Quando se escreve
ecceidade sem o h, tal palavra deriva de ecce, eis aqui, o que se configura como um
erro, mas um erro fecundo, passvel de um procedimento por vice-dico, que traz em si
uma abertura para o fora, para as multiplicidades, um eis-me aqui para o que me ataca, no
37 Aqui a referncia a longa experimentao com opeyotl, na qual Castanheda foi conduzido pelo ndio DonJuan (DELEUZE e GUATTARI, 1996, p. 22)
38Conforme nota de rodap 24, inserida no texto Devir intenso, devir animal, devir imperceptvel, de MP,1997, p. 40.
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qual voc um modo de individuao que se d por h-e-cceidade39.
Voc no dar nada s hecceidades sem perceber que voc uma hecceidade, e que
no nada alm disso (DELEUZE e GUATTARI, 1997, p. 42). Isso porque voc e todos
os seus meios percorridos so composies de linhas. Deleuze e Guattari destacam pelo
menos trs linhas: linha de fuga, linha molecular e linha dura, que trazem consigo
diferentes graus de potncia. Em cada uma dessas linhas h uma longitude e uma latitude,
elas se individuam por hecceidade. As individuaes por hecceidades so concretas e valem
por si mesmas, tudo o que h so relaes de movimento e repouso entre molculas e
partculas e a potncia de afetar e ser afetado, que comanda a metamorfose das coisas e
sujeitos. As processualidades da criao de uma cartografia se do em conjunto com o
individuar-se por hecceidades. Uma hecceidade no tem nem comeo nem fim, nem
origem nem destinao; est sempre no meio. No feita de pontos, mas apenas de linhas.
(DELEUZE e GUATTARI, 1997, p. 42). Linhas em n dimenses. Vejamos de uma
maneira mais didtica, um pouco da funcionalidade de cada uma dessas linhas.
Em um plano de organizao, uma linha tende longitude e ao tempo cronolgico.
A temporalidade cronolgica uma temporalidade definida, que fixa coisas e pessoas,
Cronos o tempo da medida, o tempo que desenvolve formas, que determina sujeitos, o
tempo do ser. O tempo extrnseco aos processos. Essa linha que mostra as formas, os
sujeitos, os seres, a cronologia, os cdigos, as paisagens, os personagens, no nvel em que
se pretende que haja correspondncia entre forma e expresso a linha dura, ou linha de
segmentaridade dura. Ela sempre atravessada por outras e a que, se considerada em si,
traz um menor grau de potncia40.
39 Aqui buscamos incorporar as duas maneiras de escrita: ecceidade e hecceidade.40 Se houver mais poder na linha dura tendemos a entender que tratar-se de poder e no de potncia, conforme
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As outras duas linhas passam por uma relao temporal de outra natureza, pois esto
ligadas temporalidade ainica. A temporalidade ainica indefinida, Aion o tempo do
acontecimento. Essa temporalidade uma
linha flutuante que s conhece velocidades, e ao mesmo tempo no pra dedividir o que acontece num j-a e um ainda-no-a, um tarde demais e umcedo demais simultneos, um algo que ao mesmo tempo vai se passar eacaba de passar (DELEUZE e GUATTARI, 1997, p. 42)
O tempo ainico enuncia velocidades e lentides relativas41, o tempo de cada
processualidade, o tempo do infinitivo. A linha de segmentaridade molecular atravessada
por lineamentos cronolgicos e ainicos ao mesmo tempo, por reais - atuais e virtuais - ela
cria e explode formas, sujeitos e seres, tambm atua em partculas e devires. Entre o modo
de individuao temporal42 ainico e cronolgico que a diferena passa. Quando a
diferena encontra passagem a prpria linha de fuga ocorrendo. A linha de fuga vai desde
cada nfima diferenciao da diferena at seu estgio mais completo (diferencia-a-do). A
linha de fuga sempre primeira em relao s outras duas. Ocorre que nem sempre as
linhas de fuga encontram passagem e nem sempre que encontram passagem o fazem em
acordo com o plano de consistncia. A linha de fuga traz a diferena se diferenciando. a
mais potente e atravs dela os processos desejantes so atualizados pela diferena intensiva.
A principal caracterstica da linha de fuga fazer fugir um sistema como se estoura
um cano43. Mas ser que possumos meios suficientes para fazer fugir um sistema? A que
preo? Vimos que uma linha de fuga sempre primeira e que o ento novo atualiza-se
conforme o processado pelas mquinas desejantes de cada caso. O que se passa em cada
caso? Se no a linha de fuga a que vem atualizar-se, certamente tal atualizao colocada
a toro entre poder e potncia, feita por Deleuze emNietzsche e a Filosofia (1962).41 MP, 1997, p.4442
Isso difere de individuao por instantes efemeride, que tambm diferente de individuao porpermanncias ou duraes.43 MP, 1996, p. 72;
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a servio dos estratos j dados.
2.5Estratos, meios, juzos e caos: uma trajetria pela consistncia
Como funcionam os estratos? Os estratos so liames, pinas (DELEUZE e
GUATTARI, 1996, p. 21) pinam e unem, so fenmenos de acumulao, que vedam a
emergncia do novo com a imposio de formas e funes. Os estratos possum trs
apresentaes marcantes: subjetivao, significncia e organismo, eles so fortes
responsveis pelos bloqueios impostos s linhas de fuga, podem organizar previamente uma
linha que outrora foi de fuga, precipit-la com rapidez letal, vedar a emergncia do novo,
impor uma organizao precedente ou ainda fazer a vida se preservar e funcionar de acordo
com o plano de consistncia. Passamos pelo estrato de subjetivao quando vimos
anteriormente a distino entre o eu particularista com estratificao longitudinal e a
hecceidade, tambm vimos funcionar o estrato de subjetivao na distino da prpria
infncia, da infncia de mundo.
Cada estrato possui sua caracterstica. O estrato de significncia claramente
exposto por Gilles Deleuze, Flix Guattari, Claire Parnet e Andr Scala, quando estes
tratam do sufocamento do desejo da criana e da impossibilitao de que o desejo encontre
um meio para funcionar. Passaremos brevemente por tal estrato, atravs de um caso
clnico em Freud44 - O pequeno Hansatravs do qual veremos tambm como funciona
um meio.
Hanz reivindicava sair do apartamento da famlia, passar a noite na vizinha e
regressar na manh seguinte, o imvel dos vizinhos aparece como meio. A reinvidicao
44 Neste caso especfico Deleuze, Guattari, Parnet e Scala escrevem em crtica ao texto: O Pequeno Hansde 1909, presente nas obras completas de Freud.
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tambm poderia ser a de sair do imvel para ir ao restaurante encontrar a menininha rica,
passando pelo entreposto de cavalosa rua aparece como meio (DELEUZE, 1997, p. 73).
Com Deleuze e Guattari (1995) vemos que os meios so os corpos atravs dos quais a
produo desejante segue seu curso de efetivao, assim no h distino entre natureza e
indstria, meios naturais e artificiais, todos so meios. atravs deles que os fluxos
desejantes ganham agilidade. No processo de desejar est um emaranhado de linhas 45 que
no comea nem conclui, ele se encontra sempre no meio (DELEUZE e GUATTARI,
1995, p. 36). Um meio feito de qualidades, substncias, potncias e acontecimentos
(DELEUZE e GUATTARI, 1997, p. 73). que o meio no uma mdia; ao contrrio, o
lugar onde as coisas adquirem velocidade (DELEUZE e GUATTARI, 1995, p. 37). Os
prprios pais so meios que a criana percorre e traa mapas de suas qualidades e
potncias. Se os pais tomam a forma pessoal e parental apenas como representantes de um
meio em outro, a criana est em vrios meios ao mesmo tempo e no se limita primeiro ao
meio pais, para depois chegar a outros por extenso, tudo ocorre em simultaneidade. O
inconsciente traa outras coordenadas muito alm de pai e me nos investimentos da
criana. Em todo momento a criana est submersa em um meio atual que percorre e
os pais como pessoas s desempenhem a funo de abridores oufechadores de portas, guardas de limiares, conectores oudesconectores de zonas. Os pais esto sempre em posio nummundo que no deriva deles (DELEUZE e GUATTARI, 1997, p.73-74).
No estrato de significncia46 o desejar atribudo a objetos e pessoas. A efetivao
de um processo desejante precipitada em nome de formas e finalidades. Nos estratos, os
45 Aqui Deleuze e Guattari falam do rizoma. Especificamente nesta dissertao preferimos no usar o conceitoe sim distinguir as linhas por suas funcionalidades, no intento de evitar possveis compreenses dialticasentre rizoma e rvore, ou mesmo compreenses dogmticas e excludentes.
46 MP, 1997, p. 75 e DELEUZE, G; PARNET, Claire; SCALA, Andr. Linterprtation des noncs. In___:Deux Rgimes de Fous. Org. LAPOUJADE, David. Paris: Minuit. 2003, p. 80.
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meios so postos como terrenos que conservam, identificam e autenticam memrias,
comemoraes e monumentos. Na ocasio em que Freud47 entendeu um desejar de Hans
circunscrito unicamente famlia, no pode estar atento ao desejo que atravessa
necessariamente outros meios alm de papai e mame. Freud e a famlia do pequeno Hans
atriburam um significado s afeces que Hans encontrou ao deparar-se com um cavalo,
quando este exprimiu graus variados de potncia de afetar e ser afetado, carregamentos e
descarregamentos de cargas. Bobagem e fobia foram os nomes dados em referncia aos
graus da potncia de afeco de Hans em relao ao cavalo. Relatando o caso Hans, Freud
afirma que a razo por que ele tinha ento medo de cavalo se explicava por ele haver se
interessado muito por seus pipis (FREUD, 1909, p. 17) e disse a Hans Voc sabe que , se
no puser mais a mo no seu pipi, voc logo vai ficar bom dessa sua bobagem (p. 19).
Hans tinha muito interesse por faz-pipis, mas o que estava em questo para Hans era a
funcionalidade, a mquina-rgo que faz pipi. Quando disseram para Hans que as meninas
no possuam faz-pipi ele questionou mas ento como que as meninas fazem pipi, se elas
no tm pipi? (FREUD, 1909, p. 19). A interpretao dos enunciados48 faz notar como as
crianas49 so impossibilitadas de encontrar meios de sair dos estratos, elas so
espancadas antes e tm seus n sexos roubados em funo de uma enormidade de
significncias, que marcam um mximo de interpretao e traio em relao ao que elas
dizem.
O meio pode atuar para a sada dos estratos. O meio funciona como um terreno e
47 FREUD, Sigmund. Anlise de uma fobia em um menino de cinco anos. In___ : O Pequeno Hans e oHomem dos Ratos. Obras Completas. Trad. SALOMO, J. Vol X. Imago, 1909.48 Gilles Deleuze (com Flix Guattari, Claire Parnet, Andr Scala), "L'Interprtation des noncs", em
Psychanalyse et politique, Alenon, Biubliotque des mots perdus, 1977, p. 18-33. Republicado comotexto n 9, In___: Deux rgimes de fous - textes et entretiens 1975-1995. Edio preparada por DavidLapoujade, Paris, Minuit, 2003, p. 80-103.
49 Hans, Richard e Agnes.
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atravs dele que as partculas descodificadas podem saltar. Um cdigo a condio que
torna possvel uma explicao (DELEUZE e GUATTARI, 1995b, p. 10). Encontramos
fragmentos descodificados quando no h possibilidade de explicaes. Se encontrar os
fragmentos descodificados no tarefa das mais simples, isto se d certamente pela ao de
um outro estrato: o organismo. Ele persegue os fragmentos e faz de tudo para imped-los de
existir, religa-os em organizaes prvias, organiza os rgos de tal maneira que o corpo
seja impedido de se compor. O corpo o corpo. Ele sozinho. E no tem necessidade de
rgos. O corpo nunca um organismo. Os organismos so os inimigos do corpo
(DELEUZE e GUATTARI, 1997, p. 21). O organismo se sustenta dobrando um rgo sobre
outro, tem uma averso ao infinito. O organismo persegue o novo em suas virtualidades e
faz de tudo para aniquil-lo, no suporta a generosidade dos meios na distribuio de
fragmentos descodificados, no quer e no suporta a criao, reorganiza as virtualidades
atualizando-as em organizaes prvias, pois necessita disso . Um organismo tem uma
averso ao infinitivo. J o corpo do territrio o prprio meio do infinitivo. O territrio
ultrapassa o organismo e povoa-se dos mais variados tipos de fragmentos descodificados
que saltam dos meios. O territrio confundido com os estratos, quando neles faz-se passar
antes um organismo. Os estratos roubam o territrio, perseguem-no, ameaam-no, colam os
fragmentos descodificados em significncias prvias.
Os estratos tem mania de nmero um, querem sempre chegar antes que um novo
corpo se instale. No se confundir estratos com territrios, todavia ns no paramos de
ser estratificados (DELEUZE e GUATTARI, 1996, p. 20), sempre h um estrato engat ado
em outro. Viemos tratando dos estratos em seu limiar mais impotente na relao com a
vida, em sua apresentao por concrees extremamente endurecidas. Mas nem s de
impotncia vive um estrato, h um aspecto dos estratos que se faz necessrio vida, h uma
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zona de estratificao que se compe com a criao de um territrio de existncia.
Qualquer desestratificao brutal precipita uma vida na demncia, na catstrofe, traz um
genocdio das virtualidades e um amplo risco de morte. A desestratificao brutal faz girar
no vazio. Antes permanecer ainda sujeitado, organizado e significado do empreitar um
lanamento movido por violenta imprudncia em direo ao suicdio. necessrio viver,
para de dentro dos estratos arrancar suas lascas. O que resta em cada provisoriedade fazer
de um estrato um territrio, habitar um estrato, compor o estratificado com o novo.
So muitos os elementos, linhas, tempos, velocidades, aceleraes, concrees
extremadas e nfimas partculas soltas que se organizam e desorganizam. Ao se rachar o
estratificado e comp-lo com outras partculas, uma consistncia pode aparecer inclusive
para desmantelar os estratos em seu grau mais sedentrio: o juzo. Este s se forma devido
a cortes e unies de partes coladas em violento utilitarismo, em desservio ao plano de
consistncia, quebrando-o em nome de um totalitarismo julgador, tambm por chamado por
Deleuze de o juzo de deus. Em Para dar um fim ao juzo, Deleuze (1997) mostra que da
tragdia grega filosofia moderna houve elaborao e desenvolvimento de toda uma
doutrina do julgamento que se inicia nos gregos com a instaurao de um tribunal na
tragdia, chegando at a consolidao de um fantstico tribunal subjetivo50. Se erigiram
julgamentos que remetem s pessoas, posses, objetos, singularidades, espcies, partes,
extenses, etc, enviados at a conscincia de dvida com a divindade51. Dvida que se torna
infinita e impagvel, na qual o homem apela para o juzo, julga e julgado, numa condio
que prima por trazer o infinito da dvida e a imortalidade da existncia, ambos remetendo-
50Conforme referido texto em CC (1993), com o Kant de crtica ao juzo. Na ruptura a tradio judicativaEspinosa aparece como guia e encontra quatro discpulos potentes em Nietzsche, Lawrence, Kafka e Artaud.51 Como anunciado por Nietzsche, de acordo com:DELEUZE.Nietzsche e a filosofia. Traduo Edmundo Fernandes Dias e Ruth Joffily Dias. Rio de Janeiro:Editora Rio, 1976.
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se um ao outro. Na relao de dvida com a divindade, a doutrina do juzo quer e precisa
julgar, impe e infinitiza o poder de julgar, exasperando os segmentos ao mximo de suas
estratificaes, concrecionando-os em contveis, previsveis e julgveis. A doutrina do
juzo se assenta em uma suposta relao direta entre a existncia e o infinito e na ordem do
tempo (DELEUZE, 1997, p.144).
Se em uma ponta do processo temos as concrees organizativas, os juzos de deus
que se arrogam os predicativos do divino52, expressos de diversas maneiras universalizantes
nos estratos, em outra ponta temos o caos. O caos53 define-se mais pela velocidade infinita
com a qual se esvai toda forma nele esboada do que por sua desordem. O vazio do caos
no um nada. O vazio do caos um virtual que contm todas as partculas possveis e
suscita todas as formas possveis, para que assim que elas surjam desapaream de imediato.
O caos porta uma velocidade infinita de nascimento e de dissipao sem consistncia,
referncia ou consequncia. H no caos um real que no atual. Vimos que existem
diversas maneiras existentes de real quando nos atentamos ao processo de indi-diferencia-
a-o. O caos mais um desses componentes. Nele todo e qualquer real aparece e
desaparece de maneira veloz. O caos funciona indiferenciado. O oposto do caos a
organizao, os estratos e at a sua forma mais terrvel: o juzo de deus. Se procurarmos
garantias de assero em qualquer estgio do processo, nada encontraremos. Caos,
virtualizaes, virtual, atualizaes, atual, estratos e at mesmo o juzo de deus e etc, so
todos reais e so todos elementos de longitude, mas essa mesma realidade que caos,
virtualizao, real virtual, atualizao, real atual, estrato e juzo de deus, etc,
tambm latitude, so todos reais. Alm das individuaes e suas longitudes o que diferencia
52 NPH,1976. p.127-136.53 Tal definio de caos est presente em QPh?,1992, p. 153, 259-279.
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cada longitude sua latitude e as composies de longitudes e latitudes variveis, em
relao com outras longitudes e latitudes. Cada latitude tambm um elemento de
diferencia-a-o em relao s longitudes com as quais se relaciona. No h elemento que
sozinho seja salvador, no apreenderemos os elementos de todo um processo de indi-
diferencia-a-ao54 maneira judicativa.
Como encontrar meios de combater o juzo de deus?55 Essa uma tarefa para criar
uma cartografia. Tentaremos ouvirO que as crianas dizem ou calam. E as crianas no
param de dizer o que fazem ou tentam fazer, elas exploram os meios, propem trajetos
dinmicos e traam o mapa correspondente. Uma cartografia ouve das crianas um novo
entendimento de libido. Libido que tem unicamente trajetrias histrico-mundiais e
apresenta seus investimentos de uma nova maneira: pelo artigo indefinido um, uma, alguns,
algumas, como especificao de um trajeto ou qualificao de um devir, por um corpo ou
um rgo enquanto poder de afetar e ser afetado, por personagens que impedem ou
favorecem a efetivao dos fluxos de desejo. A efervescncia desejosa funciona por toda
parte, no tem sujeito ou objeto, feita de matrias, datas e velocidades muito diversas,
acoplamentos, conexes, fluxos e cortes de fluxos. Isso funciona em toda parte: s vezes
sem parar, outras vezes descontinuamente. Isso respira, isso aquece, isso come. Isso caga,
isso fode. Mas que erro ter dito o isso (DELEUZE e GUATTARI, 1972, p. 07-08). Os
indefinidos no so resultantes de defesas da conscincia, so simplesmente indefinidos
mesmo. So indefinidos porque no h pessoas e posses a serem reencontradas. O
indefinido no carece de nada, sobretudo de determinao (DELEUZE, 1997, p. 77).
54 No original e na trad. br., a grafia de indiferen-cia-ao ID (1967) bifurca.55 No desmantelamento da doutrina do juzo, articulamos tal noo de Para dar um fim ao Juzo com a noo
de mapeamento de trajectos e afectos de O que as crianas dizem, ambos de CC ( 1997, p. 74-77, 143) eamparamos essas noes questo de Como Criar para si um Corpo Sem rgos presente na efetivaode uma cartografia MP, 1996, p. 09-30.
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Quem precisa da definio de pessoas, posses e objetos - alm do estrato em sua
manifestao po tente - certo aspecto da condio do juzo, que quer e precisa julgar,
pois desta maneira impe e infinitiza seu poder ao rogar uma trplice maldio sobre o
desejo: dita a lei negativa, diz que o desejo falta numa impagabilidade interior e corrobora
a doutrina do juzo voc deve: falta, falta, falta, a lei comum (DELEUZE e
GUATTARI, 1997, p. 15); dita a regra extrnseca ao relacionar o desejo com o prazer-
descarga, com o sacrifcio masturbatrio que dever calar e interromper o desejo para que
este se descarregue do desejar; dita a falta-de-gozo que a vida (DELEUZE e
GUATTARI, 1997, p. 15), coloca a impossibilidade no Ideal e inscreve a impossibilidade
no desejo em uma relao de falta interior, de regra exterior e de ideal superior
(transcendente), sua lngua compromissada com verecditos.
Diferente dela a lngua das crianas56, que no tem compromisso de dvida com a
divindade, seu compromisso outro, com a potncia do devir. E um indefinido a prpria
potncia do devir, a potncia de um impessoal que nada tem de genrico, ao contrrio, a
singularidade em seu mais alto grau. Ora, uma criana no se coloca diante de um tribunal,
nela o que vive e faz viver so as marcas diretas dos seus encontros: potncia de afetar e ser
afetada, nessa potncia a criana se coloca em ligao com o meio e faz dele um terreno
sob o qual se erguer um trajeto no mapa. No devir-cavalo de Hans h uma individuao do
trajeto. Hans nos apresenta um caso geral de devir, no qual ele arrastado na
expressibilidade dos afectos pelos quais passava o cavalo, h uma consonncia dos trajectos
com a libido. Um trajeto se confunde tanto com o percurso de um meio, quanto com a
individuao do prprio meio, refletida nesses que o percorrem. Um mapa uma expresso
56 Aqui seguimos com Deleuze (1997) emPara dar um fim ao juzo (p.145) e O que as crianas dizem (p.73-77).
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de individuao entre percurso e percorrido e confunde-se com seu objeto na ocasio em
que o prprio objeto o movimento. Mapas de trajetos so indispensveis atividade
psquica, no devem, portanto ser compreendidos apenas em extenso, na relao com
algum espao constitudo por trajetos. Tambm so mapas de intensidade e densidade, que
exprimem inclusive o que preenche o espao e subtende o trajeto. O mapa dos trajetos no
uma derivao da imobilidade em sua extenso memorial, comemorativa, monumental, de
identificao, pessoal, objetal, etc. No se deve interpretar para reencontrar pessoas e
posses; ao contrrio, o mapa dos trajetos se faz ao-no deslocar, por uma articulao que
se funde com a inveno de caminhos sem memria.
2.6Agenciamento de mapas e linhas para uma cartografia
Qualquer agenciamento de incio territorial. Com os agenciamentos disponveis
encontramos meios de selecionar o que entra no plano, este plano o tracejar de um mapa.
Nele, temos trs linhas guias: a linha de fuga (ou de ruptura, no segmentar, abstrata,
sempre primeira, mortal e viva), a linha de segmentao malevel (e molecular ou de
fissura molecular) e a linha de segmentaridade dura (de corte, ou molar); que a partir das
circunstancias, tendem para a longitude, para o molar, para o que se passa no corpo a ser
cartografado, ou para a latitude, para o molecular, para como criar uma cartografia57. A cada
caso e momento as linhas tendem para os estratos, para o caos, ou j para o plano de
consistncia.
Em um caso qualquer h linhas que se tecem, embaraam, soltam, esgaram,
rompem. Linhas que se articulam e se segmentam, territorialidades, movimentos. H
57 Aqui trabalhamos com Como criar para si um corpo sem rgos? , As linhas em Trs novelas ou o que sepassou? de MP, 1996 e a noo de plano de consistncia presente em O vocabulrio de Gilles Deleuze,de Franois Zourabichville, 2004.
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velocidades relativas de escoamento das linhas, fenmenos que nelas acarretam
retardamentos, viscosidades, ou precipitao e ruptura. Um caso qualquer
necessariamente uma multiplicidade. No se sabe exatamente o que esse mltiplo implica
quando ele reivindica o que seu de direito, quando deixa de ser atribuvel ao seu falso o
isso e pode, em suma, ser elevado ao estado de substantivo, flexionvel e classificvel,
apenas de acordo com suas latitudes e longitudes, com todo emaranhado das linhas em
questo.
As linhas atravessam os indivduos, grupos e sociedades e nestas linhas em
composies diversas que a criao de uma cartografia incide. Essa prtica participa
ativamente do traado das linhas, enfrenta suas variaes e perigos, com uma aplicao que
no encontra restries e destaca linhas que podem ser tanto de uma obra literria, como de
uma obra de arte, de uma sociedade, de uma vida e de n individuaes. Os lineamentos
operam nos estratos, nos devires e intensidades, produtos e produtores de desejo. Atravs
das linhas de fuga, com seus picos de criao por ecloso desejosa, podem lanar o
agenciamento anterior a outro novo.
O pequeno Hans, como vimos anteriormente, faz uma lista territorial dos meios que
precisar percorrer para efetivar o seu plano de visitar a vizinha: o apartamento da famlia,
o imvel dos vizinhos, o entreposto de cavalos, a rua, etc. Ele faz um plano, traa um mapa,
segmento por segmento, conforme agencia o que encontra disponvel. Os agenciamentos
distinguem-se dos estratos58 e so compostos neles, so criados em conformidade com
fragmentos descodificados, com zonas descodificadas que saltam dos meios, so os
responsveis pela constituio de um territrio. Desde a formao de um territrio o
58 Utilizamos a noo de agenciamento presente em MP, 1997b, p. 193, atravs da compilao didtica feitapor ZOURABICHVILLI, 2004, p. 09.
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agenciamento adquire outro valor, um valor de propriedade, com seus fluxos e
segmentos. Essa territorialidade do agenciamento h de ser cartografada, primeiro atravs
dos estratos, na distino entre contedo e expresso e logo em seguida, em suas latitudes e
longitudes, desterritorializaes relativas e absolutas.
As desterritorializaes relativas59 podem ser negativas ou positivas. A
segmentaridade malevel funciona por meio de desterritorializaes relativas ex. Hans
fazendo planos para ir casa da vizinha essa segmentaridade permite reterritorializaes
que bloqueiam e remetem para a linha dura. Nas desterritorializaes relativas negativas h
um bloqueio das linhas de fuga, a desterritorializao redobrada por uma
reterritorializao feita sobre longitudes (pessoas, objetos, significados, aparelho de Estado)
e a linha de fuga se segmenta e endurece, conforme vimos com a reterritorializao da
produo desejosa de Hans no estrato de significao.
Nas desterritorializaes relativas positivas tambm h reterritorializaes, mas
reterritorializaes no-organsmicas, que ocupam na desterritorializao um papel
secundrio, neste caso a linha de fuga passa a ser uma linha segmentada, molecular, que
ora pende para longitude, ora para a latitude, em processos sucessivos, com continuidade
segmentada dos fluxos desejantes ex. os planos e listas de Hans interceptados pelos
adultos-. Em suas sucesses, a linha molecular corre o risco de cair fora do plano de
consistncia, por exemplo, quando desemboca nos signos subjetivos passionais e
conscienciosos. As desterritorializaes relativas no apresentam evoluo entre a negativa
e a positiva. A positiva pode tanto escapar quanto conduzir negativa e as duas ainda
podem reterritorializar um conjunto vedando a linha de fuga. Ambgua, a linha de
segmentaridade malevel fica presa entre as linhas de segmentaridade dura e as linhas de
59 MP, 1997, p. 197.
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fuga e pronta para tombar para um lado ou para outro.
Em uma desterritorializao relativa positiva o pequeno Hans faz o mapa de um
cavalo ao listar afectos ativos e passivos: possuir um grande faz -pipi, arrastar cargas
pesadas, ter viseiras, morder, cair, ser chicoteado, fazer charivari com suas patas
(DELEUZE, 1997, p. 76). Nessa distribuio de afectos, o faz-pipi desempenha uma funo
de transformador na constituio de um mapa de intensidade. Quando se faz um
mapeamento, uma constelao afectiva listada. Cada mapa uma redistribuio de
impasses, aberturas, limiares e clausuras. No mapa das intensidades Hans lista os afectos.
Uma lista de afectos ou constelao, um mapa intensivo, um devir... O devir o que
subtende o trajeto, como as foras intensivas subtendem as foras motrizes (DELEUZE,
1997, p. 77). O mapa de intensidades redistribui os afectos, suas ligaes, sua capacidade
de impregnao e constitui cada vez uma imagem do corpo que se esboa, imagem esta
transformvel em funo das constelaes afectivas que as determinam.
O tracejar de um mapa se faz sempre em agenciamento, as crianas nos ensinam a
fazer mapeamentos por latitudes e longitudes, ao mesmo tempo em que passeiam pelos
estratos e esto sensveis s intensidades. Um agenciamento qualquer se mostra
indissocivel de agenciamentos remanejveis e variveis, que no cessam de produzir
existncia. Sobre um agenciamento se faz um mapa e se faz um mapa em agenciamento.
O agenciamento recriado no mapear de territrio, em uma casa, bairro, h
uma ultrapassagem do meio, do organismo e da relao entre eles, h uma ultrapassagem de
bairro, de casa e de suas relaes de vizinhana. Um agenciamento s permite
distinguir contedo de expresso, identificar suas distines e descrever fragmento por
fragmento os engates de um no outro, no nvel dos estratos. Contedo e expresso
precisaro ser encontrados e distintos tambm em relao a haver ou no pressuposio
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recproca entre eles. Em um agenciamento sempre haver fragmentos descodificados. Nem
sempre ser possvel distinguir contedo de expresso, nem a pressuposio recproca entre
eles. Esta a distino entre agenciamentos e estratos - os agenciamentos extrapolam
contedo e expresso, de um lado transbordam a expresso com um sistema semitico de
fragmentos descodificados que saltam dos meios e, de outro transbordam o contedo com
um sistema pragmtico de aes e paixes - ou dito de outro modo, o territrio do contedo
e da expresso a terra de um estrato e o transbordamento de contedo e expresso a
desterritorializao do estrato, o agenciamento envolve territrio e desterritorializao de
estratos.
Vimos que os agenciamentos se distinguem dos estratos e eles tambm se
desdobram em dois: o agenciamento maqunico, o o que se faz, para o que transborda o
contedo e o agenciamento de enunciao, o o que se diz, para o que transborda a
expresso. E o que se faz e o que se diz encontram seus territrios e suas
desterritorializaes. Em um percurso nos deparamos com o que se passa?, no
mapeamento dos trajectos, nosso movimento se faz entre paisagens, rostos, encontros de
corpos. Os agenciamentos maqunico e de enunciao se do sempre no transbordamento
de contedo e expresso. O conceito de agenciamento inclui quatro pontas do processo:
contedo e expresso, territrio e desterritorializao.
Nenhum territrio se separa de suas agitaes internas, das desterritorializaes
relativas, devido a alguma itinerncia da territorialidade, ou a alguma abertura do
agenciamento territorial para novos agenciamentos. Uma desterritorializao qualquer
inseparvel de reterritorializaes, sempre mltipla e composta, a um s tempo participa
de uma diversidade de formas e converge movimentos e velocidades distintas que, de
acordo com um ou outro momento marcam um desterritorializado e um
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desterritorializante. Isso ocorre porque as reterritorializaes no so um retorno ao
territrio, mas relaes diferenciais interiores prpria desterritorializao. A linha de fuga
no una, mas uma multiplicidade substantiva preenchida por desterritorializados e
desterritorializantes. A terra no o contrrio da desterritorializao. A prpria terra
quando desterritorializada o estrito correlato da desterritorializao. Quando a
desterritorializao extrapola uma reterritorializao e criadora de uma nova terra, de um
novo universo, ento ela uma desterritorializao absoluta. Absoluta aqui no quer dizer
indiferenciada, nem que h uma quantidade absoluta que ultrapassaria as anteriores
relativas, absoluto aqui diz unicamente de uma diferena de movimento. Um movimento
relativo quando, quaisquer que forem suas quantidades e velocidades, relaciona um corpo
entendido como Uno a um espao, para o qual h medidas e movimentos em funo de
ocup-lo, h um procedimento por retas virtuais, a relao com o espao parte desse corpo
e medida, cronometrada, em funo da ocupao espacial. Esse tipo de movimento atinge
unicamente desterritorializaes relativas. O movimento absoluto relaciona um corpo j
considerado em suas latitudes e longitudes - em sua multiplicidade substantiva - a um
espao que este corpo ocupa, sem medies anteriores, ou seja, as medidas e movimentos
no so feitos em funo de ocupar o espao, mas a prpria relao do corpo com o
movimento que traz a ocupao do espao, o movimento toma o espao, afeta o espao
com seus turbilhonamentos, contagia o espao com intensidades, a prpria efetivao do
processo que faz o espao. O movimento se estende em um espao que cria a partir de si
uma nova terra.
Quando atingem certa zona autnoma, os agenciamentos maqunicos o que se faz
e os agenciamentos de enunciao o que se diz se do sempre em transbordamentos, so
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7/28/2019 Uma Ideia de Cartografia
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duplamente articulados em uma correspondncia que se d em a-paralelismo60simultneo.
Entre o agenciamento de enunciao e o agenciamento maqunico, estabelece-se uma nova
relao, os enunciados e