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— Treino sem trela… — murmurou a Bé, a
olhar para o Quinas e a morder o lábio infe-
rior. Ele estava muito saltitante naquela tarde,
já tinha conseguido fazê-la tropeçar quando
caminhavam lado a lado e também lhe tirara
o saco dos biscoitos para cão, que ela tinha
levado para lhe dar se se portasse bem. A Bé
teve de pedir os biscoitos ao Tiago, o seu
amigo que tinha um grand danois, o Brutus.
Com relutância, a Bé tirou a trela ao Quinas.
Não estavam a treinar sem trela há muito
tempo, mas o Quinas já tinha percebido a
Um
Dois
Tres
Quatro
Cinco
Seis
Sete
Oito
Nove
Dez
Notícias empolgantes
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ideia. Só não parecia com disposição para se
portar bem naquele dia… A Bé olhou ansio-
samente para o pai. Ele fez-lhe sinal com os
polegares e a Bé tentou pôr um ar confiante.
A treinadora, Jo, dizia sempre que, se esti-
véssemos nervosos, os cãezinhos percebiam e
armavam-se em marotos.
O Quinas abanou a cauda todo contente
quando a Bé lhe tirou a trela. Deviam estar a
treinar chamar os cãezinhos, e a Bé deixou-
-o ir meter-se com o seu melhor amigo, o
Brutus, a entrar e a sair pelas patas altas que
ele tinha. Mas depois chamou-o:
— Quinas!
A Bé sorriu de alívio quando o Quinas se
virou logo e voltou para junto dela, com um
ar esperançoso.
— Lindo menino! — elogiou, dando-lhe
um dos biscoitos do Brutus. — Muito bem!
Nesse momento, a Bé reparou que a Amélia,
que andava no sexto ano da mesma escola
O Meu Caozinho Traquinas
sala no inverno. O Quinas deixou uma bela
poça de chichi e a Bé ouviu a Amélia aos ri-
sinhos por detrás dela.
— Ora esta! — comentou a Jo. — Vou bus-
car papel absorvente, Bé!
A Bé fez que sim com a cabeça e agachou-
-se ao lado do Quinas para não ver toda a
gente a rir-se…
onde estava a Bé e falava sempre mal do
Quinas, não se estava a sair assim tão bem.
A Estrela, uma cocker spaniel pequena, metera-
-se numa zaragata com outro cão e não li-
gava nenhuma à Amélia. A Bé tentou não
fazer um ar presunçoso quando mandou o
Quinas afastar-se outra vez.
Depois, levou a mão à boca, horrorizada.
Eles tinham levado o Quinas a dar um pas-
seio no parque antes do treino — a Jo suge-
rira que fizessem sempre isso, para que os
cãezinhos pudessem fazer chichi antes de
entrarem na aula. Porém, era óbvio que o
Quinas bebera muita água. Estava a olhar
em redor de uma maneira que a Bé conhecia
de ginjeira…
— Quinas! Não, espera!
A Bé ficou vermelha como um tomate e foi
logo a correr, mas chegou demasiado tarde
para impedir o Quinas de levantar a pata
perto de um radiador antigo que aquecia a
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O Meu Caozinho TraquinasO Meu Caozinho Traquinas
sempre em montes de trabalho para toda a
gente.
— Portanto, têm de ver se põem no cesto
roupa que queiram levar, para eu a poder
lavar antes da altura de fazer as malas. Oh, tu
também, Bé.
— Fazer as malas para quê? — perguntou
a Bé.
— Vamos para casa dos avós! A avó aca-
bou de ligar a dizer que podíamos mesmo ir!
— disse o Fil, todo empolgado.
— A sério? Que maravilha! — A Bé ficou
radiante. Os avós moravam ao pé da praia,
numa terrinha chamada Baía Verde. Era
mesmo uma estância balnear das antigas,
com praias belíssimas cheias de areia, um
molhe e a melhor loja de peixe com batatas
fritas de sempre. — Olhem! Vai ser a pri-
meira vez que o Quinas vai à praia! Aposto
que ele vai adorar. Quando é que vamos,
mãe?
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— Oh, Quinas! — resmungou ela. — Está-
vamos a ir tão bem!
— Não te aflijas, Bé. Ninguém ligou
— disse o pai para ela ficar descansada, no
caminho para casa. Mas a Bé continuava en-
vergonhadíssima. Quando é que o Quinas
iria ficar um daqueles cães perfeitamente trei-
nados, como a Ema, a cadela labrador cor de
mel da Jo?
Entraram em casa e o Quinas foi logo a
correr para a cozinha, ver se tinha aparecido
alguma coisa na tigela da comida, como que
por magia.
A mãe, a Lila e o Fil estavam sentados à
mesa da cozinha e a mãe tinha uma caneta
e um papel diante de si. Era evidente que es-
tava a fazer uma das suas «listas» e a Bé sus-
pirou. A mãe adorava listas, mas traduziam-se
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O Meu Caozinho TraquinasO Meu Caozinho Traquinas
A Bé olhou para a mãe.
— Mas temos de levar! Não o podemos
deixar cá ficar!
— Não, claro que não, mas ele pode ter de
ir para o canil. Sabes bem que a avó é muito
esquisita, já fica ralada com o trabalho que
tu, a Lila e o Fil lhe dão, quanto mais com um
cãozinho.
A Bé teve vontade de chorar. Tinha aca-
bado de imaginar que ia mostrar ao Quinas
os sítios de que mais gostava na Baía Verde.
Talvez ele até quisesse tomar um banho de
mar com ela!
— Eu não quero ir sem ele… — disse a Bé,
com a voz entaramelada. — Por favor, mãe!
Ele vai detestar ficar no canil, longe de todos.
— É verdade, mãe — ajudou a Lila. — Vai
ficar mesmo triste. — O Fil concordou.
— Eu sei. — A mãe levantou-se e foi dar
um abraço à Bé. — Vou falar com a avó sobre
isso. Afinal, o Quinas agora já se porta muito
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— Na primeira semana das férias grandes,
logo a seguir ao fim das aulas, nesse fim de
semana — respondeu a mãe, fazendo depois
um ar preocupado. — Bé, não sei bem se
vamos mesmo levar o Quinas…
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A mãe ainda não tinha a certeza se ia levar
o Quinas de férias, muito menos depois de a
Bé lhe contar que ele tinha feito chichi na
aula de treino para cães. Ela tinha telefonado
à avó e ambas conversaram bastante tempo,
enquanto a Bé estava sentada na escada, à es-
cuta, e a ver o Quinas a rebolar no hall com
o osso de borracha. Ele era tão fofo — como
é que a avó podia não gostar dele?
A Bé tinha contado tudo à sua melhor
amiga, a Tina, enquanto as duas estavam no
recreio da escola à espera do toque na sexta-
melhor, não é? Ele não fez asneiras no treino
de hoje?
A Bé engoliu em seco e olhou para o pai.
— Bem, a maior parte do tempo…
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O Meu Caozinho Traquinas
O último dia
uma bonita caneca com cãezinhos para a
Stora Marta Mota, que também gostava de
cães. Iriam oferecer-lha no fim do ano letivo.
— Aposto que a tua avó vai gostar dele
quando se habituar — assegurou a Tina.
A Bé suspirou. Esperava bem que sim, mas
não contava muito com isso. A avó era da-
quelas pessoas sempre impecáveis — o cabelo
penteado como se saísse do cabeleireiro, e
nunca, nunca, entornava nada em cima da
roupa. A casa era a mesma coisa — sempre
arrumada, com muitas peças de porcelana al-
tamente quebráveis por toda a parte. Não era
nada um bom sítio para levar o Quinas.
— Ela não gosta assim muito de cães…
— disse a Bé. — Mas, pelo menos, vamos pas-
sar o tempo quase todo na praia, ele não há
de estorvá-la muito.
— Boa ideia — concordou a Tina. — Por-
que não o levas a dar muitos passeios na
praia? Cansado já não faz marotices.
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-feira anterior, o último dia antes das férias
do Natal.
— A mãe disse que a avó concordou, mas
continua com pouca vontade de ter lá um
cãozinho, temos de tomar conta dele para que
se porte bem — explicou a Bé.
Toda a gente andava numa grande azáfa-
ma, a trocar números de telefone para marcar
encontros no verão. A Bé, a Tina e a amiga
Lucy tinham feito uma vaquinha e comprado
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— Parece-me que o Quinas conseguiria
dar cabo de um canil — disse a Bé, e estre-
meceu para mostrar esse efeito. — Nunca
mais seria bem-vindo em canil nenhum!
Já havia sacos e malas empilhados na en-
trada quando a Bé e o Fil chegaram das
aulas. A mãe parecia um pouco aborrecida.
— Olá, aos dois! Acabei de ir ao vosso
quarto e vi que ainda nem sequer começa-
ram a fazer as malas! Não se esqueceram de
que saímos amanhã bem cedo, pois não?
A Bé fez que não com a cabeça.
— Não faz mal, mãe, vou já fazer as malas
agora. — Guardou a mochila no armário de-
baixo da escada. Não era preciso pensar em
escola durante seis semanas inteiras! Depois,
correu escada acima para tirar a mala que
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A Bé sorriu.
— Bem pensado, e vou tentar levá-lo a
nadar comigo. Isso é que o vai deixar de rastos.
A Jo diz que os cães da raça jack russell geral-
mente adoram tomar banho na praia. Estou
tão contente por a minha avó ter acabado por
concordar. Ele teria detestado ficar no canil,
e eu ia mesmo ter muitas saudades dele!
A Tina fez que sim com a cabeça.
— O Bazófias vai ficar com o meu tio
quando formos a França. Uma vez deixámo-
-lo num canil, mas ele estava mesmo rabu-
gento quando o fomos buscar. Foi-se esconder
no jardim e amuou o dia inteiro.
A Bé riu-se. O Bazófias era um bonito
labrador cor de mel. Estava sempre tão con-
tente e amistoso que ela não o conseguia
imaginar melindrado.
— Tens mesmo sorte por levares o Quinas
contigo — disse a Tina com ar invejoso.
— Vais divertir-te muitíssimo.
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levava pijama nenhum e a Bé teve de tirar
tudo para fora outra vez.
Demorou séculos, e o Quinas aborreceu-
-se a meio e tornou a descer a escada. A Bé
sentou-se em cima da mala e lá conseguiu
correr o fecho a toda a volta.
estava debaixo da cama e decidir o que havia
de levar.
O Quinas correu logo atrás dela, embora
tenha levado mais tempo — as patas eram
muito mais curtas do que as pernas da Bé e
ele tinha de fazer um esforço a cada degrau.
— Oh, desculpa lá, Quinas! — A Bé desceu
até meio da escada e pegou-lhe ao colo.
— Estou mesmo entusiasmada com as férias!
Não me posso esquecer de contar contigo
também. A tua caminha, as tigelas, vamos
levar aquelas bonitas que eu pintei; quero
mostrá-las à avó. E montes de comida, petis-
cos e os teus brinquedos. — A Bé franziu o so-
brolho. — Espero que o pai não se tenha
esquecido de que é preciso espaço no carro
para as tuas coisas todas e para ti dentro da
transportadora.
A mala da Bé ficou cheia muito antes de
ela ter emalado tudo o que pensava que iria
precisar. Depois, a mãe reparou que ela não
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O Meu Caozinho TraquinasO Meu Caozinho Traquinas
Suspirou de contentamento e mirou a pilha
de coisas que ainda tinha em cima da cama.
A mãe podia não concordar que era melhor
levar apenas um casaco de malha e encaixar
seis livros e os lápis preferidos da Bé, mas não
faria mal se a Bé não lhe contasse.
Correu escada abaixo e dirigiu-se à cozi-
nha. Parecia-lhe que cheirava a molho de to-
mate para esparguete e estava cheia de fome.
Porém, a Bé estacou na entrada, a olhar para
a pilha de coisas que era preciso levar para o
carro.
O Quintas estava enrolado a dormir pro-
fundamente dentro de rede de pesca do Fil.
Provavelmente, ainda cheirava a caranguejos
da última vez que o Fil os apanhara, quando
tinham ido à praia, pensou a Bé quando se
aproximou. O Quinas nunca tinha comido ca-
ranguejo — não era um sabor popular na
comida de cão. Contudo, parecia que ele es-
tava a gostar, ou talvez a rede lhe estivesse a
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O Meu Caozinho Traquinas
saber bem. Fosse como fosse, já contava vá-
rios buracos a mais.
— Quinas! — gritou a Bé. Tinha a sensa-
ção de que a sua mesada para as férias não
iria durar muito. Nem por sombras consegui-
ria convencer o Fil de que as redes tinham
mesmo uns buracos assim tão grandes!
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