Uaissone Alteridade e Subjectividade Em Levinas
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Messias Miguel Uaissone
Alteridade e subjectividade em Emmanuel Levinas
Licenciatura em Ensino de Filosofia
Universidade Pedaggica
Maputo
2011
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2
Messias Miguel Uaissone
Alteridade e subjectividade em Emmanuel Levinas
Monografia Cientfica apresentada ao
Departamento de Filosofia da Faculdade de
Cincias Sociais, Delegao de Maputo
(Sede) no cumprimento das exigncias
parciais para a obteno do grau de
Licenciado em Ensino de Filosofia.
Supervisor:
dr. Mafoia Paulo Mafoia
Universidade Pedaggica
Maputo
2011
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3
NDICE
Declarao de Honra................iv
Dedicatria.v
Agradecimentos........vi
Resumo....vii
INTRODUO.....8
I. LEVINAS: FILOSOFIA E CONTEXTOS........10
1.1. Biografia de Emmanuel Levinas..............10
1.1.1. A vida........10
1.1.2. As obras de Emmanuel Levinas........11
1.2. A tradio filosfica judaica....12
1.3. O problema levinasiano....14
1.4. Definio dos conceitos principais...14
II. CRTICA AO DISCURSO OCIDENTAL.......17
2.1. O antiplatonismo da filosofia ocidental....17
2.2. A dissoluo da relao eu-outro na filosofia ocidental...19
2.3. A singenbung de Edmundo Husserl.20
2.3. 1. Husserl e subjectividade doadora de sentido.......20
2.3.2. Crtica abordagem husserliana do eu transcendental..22
2.4. O Dasein heideggeriano na economia de ter de ser......22
2.4.1. Ser e sentido..22
2.4.2. Implicaes do Dasein para a relao eu-outro.23
III. ALTERIDADE E SUBJECTIVIDADE25
3.1. A ideia de infinito.25
3.1.1. O infinito e a tica.............25
3.1.2. O infinito e a alteridade.26
3.2 A alteridade como negao da totalizao....26
3.2.1. O desafio do rosto do outro homem .....27
3.2.2. A vulnerabilidade e o poder do rosto do outro..........................28
3.3. A reconstruo da subjectividade.....29
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4
3.3.1. Responsabilidade at substituio..........30
3.3.2. A nova estrutura da liberdade.......31
3.4. tica como filosofia primeira...........32
3.4.1. A nova estrutura do relacionamento eu-outro......32
3.4.2. Porque a tica antes da ontologia?.......................................................................34
IV. CRTICAS E PERSPECTIVAS DA TICA LEVINASIANA....36
4.1. Consistncia da crtica levinasiana...36
4.1.1. Relaes do pensamento levinasiano com a filosofia ocidental...36
4.1.2. Ser a crtica levinasiana relevante para a filosofia?............................................37
4.2. A alteridade transcendental.....39
4.2.1. Ser o outro um outro eu e o eu um outro outro?.................................................39
4.2.2. O que a liberdade?..............................................................................................40
4.3. O terceiro e a instaurao da justia.41
4.3.1. A justificao da responsabilidade41
4.3.2. Ser a ideia do terceiro um regresso ontologia?.................................................42
4.4. A alteridade do aluno e a responsabilidade do professor.....43
4.4.1. A alteridade do aluno.43
4.4.2. A responsabilidade do professor44
CONSIDERAES E RECOMENDAES FINAIS46
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS..48
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Declarao de Honra
Declaro que esta Monografia Cientfica resultado da minha investigao pessoal e das
orientaes do meu supervisor; o seu contedo original e todas as fontes consultadas
esto devidamente mencionadas no texto, nas notas e na bibliografia final.
Declaro ainda que este trabalho no foi apresentado em nenhuma outra instituio para
obteno de qualquer grau acadmico.
Maputo, 18 de Fevereiro de 2011
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Dedicatria
Dedico esta Monografia Cientfica minha me Maria Loureno Assane, que sempre
assumiu sua responsabilidade de me, mesmo durante a guerra, quando a
responsabilidade era tarefa quase impossvel; aos meus avs Loureno Assane e Helena
Mohalaro que substituram meu pai em suas responsabilidades paternais, quando ele
sucumbiu violncia da guerra; s minhas irms Lenina e Ubalda, por terem sofrido em
sua pele a dor de perder o prazer de ir para a escola para que todos os esforos se
direccionassem a mim. Dedico-a tambm ao casal Sinai e Mariana de cuja contribuio,
tocando os nveis da utopia do humano, significou a sua substituio minha
responsabilidade. Finalmente, dedico-a Ruth Arzina e minha filha Brgida por me
inspirarem sonhos e possibilidades insuspeitas da vida.
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Agradecimentos
Agradeo ao meu supervisor, o dr. Mafoia Paulo Mafoia, que se mostrou incansvel na
seleco do material bibliogrfico, na orientao para a elaborao desta Monografia
Cientfica, dando comentrios, sugestes e encorajamento.
Muito obrigado.
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RESUMO
A presente Monografia Cientfica trata da alteridade e subjectividade em Emmanuel
Levinas (1906-1995). O fundamento da filosofia de Levinas o conceito de alteridade a caracterstica prpria do Outro ser realmente outro, fora da razo subjectiva. Este
fundamento uma ruptura com a filosofia ocidental que se funda no conceito de
subjectividade. Na filosofia ocidental predomina a viso de que a subjectividade
estabelece racionalmente todo o real. Assim, o cogito cartesiano, a razo kantiana, a
subjectividade husserliana ou o Dasein heideggeriano marcam os grandes momentos da
busca filosfica da razo pela subjectividade. Na filosofia ocidental, a pergunta pelo
outro tem como resposta a prpria subjectividade, pois entende-se que o outro um
alter ego. Levinas faz uma filosofia centrada no outro. A, a subjectividade no a
doadora da razo mas responsvel pelo outro que sempre escapa racionalizao, por
causa da sua exterioridade total.
Termos-chave: alteridade; subjectividade; responsabilidade; infinito; totalidade;
liberdade; transcendncia.
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INTRODUO
A presente Monografia Cientfica trata da relao entre alteridade e subjectividade em
Emmanuel Levinas. Esta relao marcada pela impossibilidade de a subjectividade
aceder alteridade pela via do conhecimento. Tal impossibilidade deve-se ao facto de a
subjectividade ser finita e a alteridade ser infinita.
O argumento para sustentar a finitude da subjectividade a limitao da conscincia em
totalizar a experincia que mltipla e mutvel. Por outro lado, a infinitude da
alteridade devida ao facto de situar-se sempre no exterior da conscincia subjectiva,
transcendendo-a totalmente. Resta, portanto, um relacionamento com o outro marcado
pela responsabilidade da subjectividade pela alteridade.
Assumimos o pressuposto de que a filosofia levinasiana rompe significativamente com
o modo ocidental de pensar, desde a formulao lgica dos raciocnios at prpria
construo dos argumentos. Estamos, pois, perante um pensamento em debate, longe de
obter consenso, mesmo nos seus aspectos mais gerais.
Perante um modo de filosofar particular como este, em que at o prprio sentido de
razo volta a ser questionado, este trabalho adoptou a via temtica de apresentao do
pensamento levinasiano, por parecer aquela que melhor ajuda a agregar a alteridade e a
subjectividade que estamos a debater.
O Captulo I busca os contextos e as circunstncias que marcaram a vida e o
pensamento de Levinas. Ele marcado principalmente pela sua tradio judaica e pela
Segunda Guerra Mundial.
O Captulo II levanta as principais crticas filosofia ocidental. Levinas acusa a
filosofia ocidental de se ter fixado no conceito de ser como ideia estruturante do
pensamento e das instituies ocidentais. A sua caracterstica principal o constante
retorno subjectividade para a busca de significao. Mas esse constante retorno torna-
se interessado apenas em si mesmo, deixando o homem ocupado consigo prprio.
O Captulo III explica que a subjectividade responsvel no se ocupa na produo da
significao, mas na responsabilidade pelo outro. o outro que instaura a significao.
O principal significado que o outro implanta no ncleo da subjectividade a
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responsabilidade at substituio. A esse nvel de responsabilidade, o homem vive
para os outros, libertando-se do constante retorno a si como era na subjectividade
ocidental.
O Captulo IV debate a sustentabilidade e a relevncia filosficas da ideia de que a
alteridade a origem do sentido tico para a subjectividade. Tal debate recorre a
questes como a razo, a liberdade e a justia. Estas noes de razo, liberdade e justia
so reavaliadas luz da filosofia judaica de Levinas.
este movimento desde o estabelecimento do contexto, a crtica filosofia ocidental e a
anlise da relao entre alteridade e subjectividade at a busca da sustentabilidade e
relevncia desta relao que marca esta Monografia Cientfica.
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CAPTULO I
LEVINAS: FILOSOFIA E CONTEXTOS
[O pensar] comea provavelmente com traumatismos ou tacteios a que
nem sequer se capaz de dar uma forma verbal: uma separao, uma cena
de violncia, uma brusca conscincia da monotonia do tempo. com a
leitura de livros no necessariamente filosficos que estes choques
iniciais se transformam em perguntas e problemas, do que pensar. O papel
das literaturas nacionais pode aqui ser importante (LEVINAS, 1988, p.
15).
1.1. Biografia de Emmanuel Levinas
1.1.1. A vida
Emmanuel Levinas nasceu em Kaunas, na Litunia, a 12 de Janeiro de 1906. Mas
gostava de dizer que nasceu a 30 de Dezembro de 1905, em considerao do calendrio
ortodoxo, usado na Litunia. Este dado relevante para aqueles que desejam estudar o
problema da temporalidade neste pensador. Emmanuel descende de uma famlia judaica
culta (seu pai era livreiro). Em 1917, ele est em Kharkov, na Ucrnia, seguindo seus
pais que para l se tinham refugiado durante a expulso dos judeus da Litunia, que
comeara em 1915 (cfr. HUTCHENS, 2007, p. 19). Desde a infncia, Levinas foi
marcado pela leitura da Bblia e dos clssicos russos, de entre os quais Turguniev e
Leo Tolstoi. Mas a Bblia baseada na interpretao judaica ser a primeira
experincia pr-filosfica e marcar o seu percurso filosfico.
Em 1923, Levinas matricula-se na Universidade de Estrasburgo, na Frana. Tem a o
seu primeiro contacto com a fenomenologia e dedica-se a ela a tal ponto que, entre 1928
e 1929 est em Friburgo, na Alemanha, o centro da fenomenologia. Foi a que teve o
privilgio de ter sido estudante de Edmund Husserl e, em seguida, de Martin Heidegger,
quando aquele ficou reformado.
Quando eclodiu a II Guerra Mundial, em 1939, Levinas serviu o exrcito francs como
tradutor para as lnguas francesa, alem e russa. Em 1940 foi capturado pelo exrcito
alemo. Foi graas posse da nacionalidade francesa (adquirida em 1930) que no foi
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enviado a um campo de concentrao destinado a judeus, mas foi para um campo de
trabalhos forados destinado a prisioneiros de guerra (primeiro na Bretanha, Frana e
depois, para a Alemanha). No entanto, toda a sua famlia pereceu nos campos de
concentrao nazi. Esta cena de violncia significativa no seu pensamento
filosfico.
De 1944 a 1962 Levinas Director da Escola Normal Israelita Oriental de Paris e
professor de filosofia no Colgio Filosfico, dirigido por Jean Wahl. De 1964 a 1967
mestre na Universidade de Poitiers; at 1973 na Sorbonne, Nanterre e tambm em
Jerusalm. Levinas leccionou em Lovaina (Blgica), em Leiden e Utrecht (Holanda) e
em Friburgo (Alemanha). Morreu em Paris, no dia 25 de Dezembro de 1995.
1.1.2. As obras de Emmanuel Levinas
Ulpiano Vasquz MORO (1982) divide o pensamento de Levinas em trs perodos:
fenomenolgico, de 1929 a 1951; investigaes pessoais, de 1952 a 1964 e de
aprofundamento das investigaes pessoais, de 1965 em diante.
O primeiro perodo, chamado de fenomenolgico, comea com um artigo intitulado
Sur les Ideen de M. E. Husserl, de 1929. Segue-se a tese de doutoramento, Thorie
de lintuition dans la Phnomenologie de Husserl, que continua a ser dominada pela
fenomenologia e pelo estudo do pensamento husserliano. Mas a fuga da Grcia estava
discretamente predeterminada (DERRIDA, 1967, p. 126), embora ainda no pudesse
ver a sada. Como fenomenlogo, Levinas traduziu as Meditaes Cartesianas, de
Husserl, do alemo para o francs.
O apoio de Heidegger ao Partido Nacional-Socialista no poder na Alemanha, desde
1933, foi uma circunstncia para o aparecimento do artigo Reflexes sobre o
hitlerismo. As outras obras deste perodo so : De lvasion (1935); De lexistance
lexistant (1947); Le Temps et lautre (1948) e a principal obra deste perodo, En
Dcouvrant lexistence avec Husserl et Heidegger (1949). Uma questo nada habitual
na filosofia ocidental titula um artigo do fim deste perodo: A ontologia
fundamental? (1951).
O segundo perodo (1952-1964) marcado pelas investigaes pessoais. Destacam-se
as seguintes obras: Totalit et Infini. Essai sur lexteriorit (1961), que, segundo
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Hutchens, marca um momento crucial da historia intelectual do sculo vinte, e
Difficile Libert. Essai sur le Judasme (1963).
Finalmente, o terceiro perodo (de 1965 para diante) marcado por um aprofundamento
da linguagem tica que Levinas sentia no estar bem aprofundada nas obras anteriores.
Destacam-se Quatre Lectures Talmudiques (1968), Humanisme de lautre Homme
(1972), a fundamental Autrement qutre ou au-del de lessence (1974), Noms Propres
(1975), Sur Maurice Blanchot (1976), Du Sacr au Saint. Cinq nouvelles lectures
talmudiques (1977), Au-del du verset. Lectures et discourses talmudiques (1982), De
Dieu qui vient lide (1982), Ethique et Infini (1982), Transcendence et Inteligibilit
(1984), Hors sujet (1987), lheur des nations (1988), Entre Nous. Essai sur le penser-
-lautre (1991) e Dieu, la mort et le temps (1993).
1.2. A tradio filosfica judaica
A tradio filosfica judaica parte do pressuposto de que a pertena do homem a uma
terra pas, territrio, nao, etc. no determinante nem se constitui na sua natureza.
Aquilo que determinante e marca a natureza humana a Lei ou o Livro,
especificamente, o Mandamento e a Bblia. Foi a pensar no Livro que Levinas pode
dizer em Difficille Libert que o advento da escrita no a subordinao do esprito
letra, mas a substituio do solo pela letra porque o esprito livre na letra mas
acorrentado se for determinado pelo solo (cfr. CHALIER, 1996, p. 19). A posse da
terra no pe o homem como adorador de divindades naturais que so elementos da
prpria terra. O homem est na terra para ser testemunha da criao. A criaturalidade da
natureza significa que ela no origem de si mesma, mas obra de Outrem que no
natureza mas transcendncia.
Esta viso da natureza, explica Chalier, consiste em educar-se pelo Livro que ensina que
o mundo no causa sui mas criao ex nihilo, do nada. Esta uma ideia anti-grega. A
tradio grega ensinou, desde os seus mitos at ao nascimento da razo que do nada,
nada pode nascer. Mas a tradio filosfica judaica ope-se ao paganismo que toma
a natureza por totalidade do real, tornando-se incapazes de pensar alem do mundo, pois
diante das questes sobre a origem da natureza e do homem, o paganismo em que a
Grcia uma das tradies responde recorrendo prpria natureza.
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Mas a tradio filosfica judaica revelou ser capaz de transcendncia, por ter defendido
que a origem do mundo est fora do mundo. A tradio filosfica judaica assenta no
princpio de que o homem se subordina ao Livro e Lei de uma transcendncia que de
alm do mundo. Assim, combase neste paradigma, viver viver-para-o-outro. A vida
no uma entidade que se delimita no vivente, mas uma relao que se completa fora
do vivente, de onde recebe a Lei.
H quem considera a tradio filosfica judaica como teolgica e/ou anti-filosfica.
Mas os defensores da judeidade argumentam que o seu paradigma uma alternativa
tradio grega e mantm uma tenso frutfera entre as duas tradies. Contra a acusao
de que a tradio filosfica judaica assenta em princpios de f e, portanto, dogmticos,
Franz Rosenzweig defende em Estrela da Redeno que a subjectividade tem papel
insubstituvel no desenvolvimento da verdade ou seja, a pluralidade dos autores indica
que o Livro da lei apela para diferentes interpretaes. Esta pluralidade de
interpretaes impede o homem de se julgar satisfeito e descansado em seu saber (cfr.
CHALIER, 1996, p. 32). A pluralidade uma chamada para estar atento interpretao
de outrem, pois assim estaremos vivendo segundo o Livro. A este respeito Levinas
afirmou que a tica no o corolrio da viso de Deus, ela essa mesma viso, isto ,
o caminho tico (respeito pela pluralidade) o nico para viver segundo a Lei.
Sendo um paradigma que s tardiamente foi levado a srio por filsofos, as objeces
so inmeras. Por exemplo, Dario COMPOSTA (1983, pp. 202-207) ataca dizendo que
a tica hebraica no humana porque proposta sob a forma de lei pela revelao de
Deus; consiste em obedecer a uma vontade heternima de Deus e no d espao
liberdade, na medida em que o sujeito eleito e responde como vocao. Para contrapor
esta crtica, Hutchens encontrou um exemplo de como a lei interpretada na tradio
filosfica judaica. Os dez mandamentos no so princpios universais aplicveis aos
particulares de forma indiferente, como o ocidente os entende. No ocidente, predomina
uma viso segundo a qual os dez mandamentos so normas universais que colocam as
pessoas em p de igualdade diante da Lei.
Entretanto, na tradio filosfica judaica os dez mandamentos tm outra interpretao
com consequncias tericas novas para a filosofia. Para cada um dos dez
mandamentos esto associados os deveres de aprender, ensinar, observar e fazer. Em
seguida, cada dever est ligado a quatro aspectos do contexto espiritual: bno e
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maldio para o povo, bno e maldio para cada pessoa. Ainda, a tradio espiritual
judaica ensina que os mandamentos e os aspectos do contexto espiritual foram
enunciados em trs ocasies: Sinai, Moab e na Tenda da Reunio. Multiplicando o
nmero de deveres pelo nmero dos aspectos do contexto espiritual e pelo das ocasies
(4x4x3) obtm-se quarenta e oito acordos. Estes quarenta e oito acordos multiplicam-se
pelo nmero total da populao para obter tantos acordos quantas as pessoas, de tal
modo que cada pessoa tem um acordo especfico de responsabilidade indelegvel,
cabendo apenas a ela cumprir o seu acordo (cfr. HUTCHENS, 2007, pp. 152-153).
1.3. O problema levinasiano
O processo de racionalizao e inteleco levou dissoluo da alteridade, visto esta
estar reduzida a objecto de conhecimento da conscincia do sujeito. Mas tambm o
sujeito no escapou a este processo levado a cabo pela filosofia ocidental. O sujeito no
nada mais do que ser pensante, cogito (Descartes), eu puro (Fitche e Hegel),
conscincia transcendental (Husserl) ou compreenso do ser (Heidegger). Levinas
diagnosticou este mal depois de ter sido testemunha das consequncias scio-polticas
da filosofia ocidental. Sua questo principal era saber se a racionalidade tinha a ltima
palavra na produo do sentido tico para o humano. Foi na tentativa de responder a
esta questo que ele pode criticar a filosofia ocidental, principalmente em dois de seus
representantes, os seus mestres Husserl e Heidegger, apresentando alternativas para o
sentido tico para o humano. Ao faz-lo, Levinas acabou abordando a problemtica da
alteridade e da subjectividade.
1.4. Definio dos conceitos principais
i. Alteridade a caracterstica prpria do Outro ser realmente outro, fora da
razo do mesmo... estranheza, infinitude (PELIZZOLI, 2002, p. 246)
ii. Subjectividade carcter do que sujeito; o eu enquanto agente, sem
categorizao em gnero ou conceptualizao. Interioridade e separao, gozo
no ser que si mesmo (cfr. LEVINAS, 2008, p. 109). Mesmidade ou carcter do
que o mesmo. Mas esta subjectividade ser investida pela responsabilidade
para no se fechar em sua interioridade.
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iii. Responsabilidade reaco ao outro de uma forma indeclinvel,
respondendo s exigncias de outrem at substituio (cfr. HUTCHENS, 2007,
p. 35). S a este nvel podemos descobrir a liberdade.
iv. Liberdade capacidade de assumir as suas responsabilidades, abdicando do
arbitrrio; aco responsvel do eu aps o questionamento em sua tarefa de
existir (cfr. HUTCHENS, 2007, p. 34; LEVINAS, 2008, pp. 71-77).
v. Rosto expresso que resistncia total apreenso (LEVINAS, 2008, p.
192). O modo como o outro se apresenta, ultrapassando a ideia de outro em
mim (LEVINAS, 2008, p. 38).
vi. Totalidade termo usado para descrever o enorme projecto da racionalidade
ocidental que busca conseguir uma sntese total do conhecimento sob temas
racionais (HUTCHENS, 2007, p. 84).
vii. Filosofia (ou discurso) ocidental filosofia predominante no ocidente que
consiste em uma tentativa de sntese universal, uma reduo de toda a
experincia, ... a uma totalidade em que a conscincia... no deixa nada fora
dela, tornando-se pensamento absoluto (LEVINAS, 1988, p. 67).
viii. tica fora do sentido conceptual, a tica levinasiana refere-se subjectividade
na sua responsabilidade por outrem at substituio (cfr. PELIZZOLI, 2002, p.
246).
ix. Infinito resistncia totalizao (cfr. HUTCHENS, 2007, p. 84); momento
em que o poder racional se embate contra as suas fronteiras conaturais contra a
sua insuficincia (SOUZA, cit. por PELIZZOLI, 2002, p. 60, rodap n 95).
x. Transcendncia termo ligado separao (radical exterioridade de outrem)
entre subjectividade e alteridade e que implica a impossibilidade de pensar num
nico contexto o eu e o outro, mas que admite uma relao de frente a frente
irredutvel a contedo de conhecimento (LEVINAS, 2008, passim).
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CAPTULO II
CRTICA AO DISCURSO OCIDENTAL
Para a tradio filosfica do ocidente, toda a relao entre o Mesmo e o
Outro, quando deixa de ser a afirmao da supremacia do Mesmo, se reduz
a uma relao impessoal numa ordem universal. A prpria filosofia
identifica-se com a substituio das pessoas pelas ideias, do interlocutor
pelo tema, da exterioridade da interpelao pela interioridade da relao
lgica. Os entes reduzem-se ao Neutro da ideia, do ser, do conceito
(LEVINAS, 2008, p. 77).
O Captulo II tem quatro pontos interligados. O primeiro ponto a constatao de
Levinas de que a filosofia ocidental (moderna e contempornea) antiplatnica. O
segundo ponto vai ilustrar como o discurso ocidental conseguiu, pelo processo de
racionalizao, dissolver a relao eu-outro, desde a alteridade feita objecto at
prpria subjectividade transformada em simples cogito, como se o homem fosse feito
apenas de conscincia. Os terceiro e quarto pontos so casos emblemticos de processos
de racionalizao da subjectividade e alteridade, primeiro em Husserl e, depois, em
Heidegger.
2.1. O antiplatonismo da filosofia ocidental
Se existe um filsofo da Antiguidade grega com quem Levinas poderia concordar, esse
filsofo Plato. H pelo menos duas diferenas entre Plato e a filosofia ocidental. A
primeira sobre a prioridade do Bem sobre a Verdade. A segunda sobre a significao
e o sentido.
Para Levinas, o Bem a que dirigida a responsabilidade pela outra pessoa tem
prioridade sobre a Verdade que o eu decide buscar livremente. Levinas foi buscar esta
ideia no Fedro e na Repblica de Plato:
Aquele que administra a Verdade aos objectos conhecidos e atribui a
faculdade ao cognoscente, tu dizes ser a Ideia de Bem, que ainda causa da
cincia e da Verdade, enquanto esta conhecida mediante o intelecto. Ora,
sendo to belas estas duas coisas, o conhecimento e a Verdade, far-te-s
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uma correcta opinio do Bem considerando-o diferente e ainda mais belo
do que elas (Repblica, n. 504).
O Bem est para alm do ser. Ele irredutvel tematizao racional. estando alm
do ser que o Bem determina a Verdade que pode ser redutvel tematizao racional. O
conhecimento possvel no por ser verdadeiro ou falso e, por isso, de alguma forma
correlato inteligibilidade, mas por ser causado pelo Bem que distinto dele (cfr.
HUTCHENS, 2007, p. 111). O Bem em si no inteligvel. O acesso ao discernimento
do Bem ocorre com a irrupo do outro. O outro resiste inteligibilidade. A
inteligibilidade, como veremos nas discusses com Husserl e Heidegger (em 2.3 e 2.4
respectivamente), consiste em retornar ao sujeito cognoscente. O outro, tomado como
inteligvel, entra na categoria do mesmo e identificado com ele, reduzindo-se a
conceito verdadeiro ou falso, de acordo com o juzo subjectivo. O Bem que o outro
manifesta em seu rosto torna-se indiscernvel e, por isso ignorado, pois resiste
racionalizao. Mas o outro acessvel como desejo metafsico (cfr. LEVINAS, 2008,
p. 20).
Quanto questo do significado e do sentido diremos que afastou-se da especificao
que Plato lhe reservara. Para Heidegger, as significaes que o ser recebe na histria
so todas verdadeiras, pois todas so produto da compreenso do ser.
Levinas chegou, assim, concluso de que a filosofia ocidental ope-se a Plato ao
defender que os significados dependem das circunstancias em que eles foram
produzidos. Esta a negao do em-si para a significao: ao declarar que a
significao depende de quem atribui significados. Segundo Levinas, a filosofia
ocidental quer afirmar que o pensamento nada captaria se procurasse o significado em-
si, sem considerar a histria e a aco do pensamento. A histria toda e somente ela
seria a nica via de acesso significao e, da, verdade. Este dado antiplatnico.
Para Plato, explica Levinas, o mundo das significaes precede... a linguagem e a
cultura que o exprimem; ele indiferente ao sistema de signos que se pode inventar para
tornar presente este mundo ao pensamento (LEVINAS, 1993, 37). Mas a filosofia
ocidental preferiu estabelecer a dependncia da significao ao intelecto, para trazer o
sentido ao contexto do sujeito. Toda a diferena encontra nivelamento no intelecto. Este
sempre busca dentro de si o que a diferena significa. A consequncia do anti-
platonismo da filosofia ocidental da significao que, enquanto para Plato, qualquer
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pessoa pode chegar s mesmas verdades que seu mestre, os anti-platonistas sugerem que
preciso atravessar a histria do pensamento para possuir a totalidade das significaes,
pois l onde consideram que se revela.
2.2. A dissoluo da relao eu-outro na filosofia ocidental
Levinas distingue pelo menos dois significados implicados no saber. O primeiro
significado aquele em que a relao sujeito-objecto permite que o objecto se manifeste
como diferente, sem as marcas do sujeito. Neste tipo de conhecimento o desejo
metafsico a essncia do conhecimento. O segundo significado aquele em que, na
relao sujeito-objecto, o objecto perde a sua alteridade. O sujeito no encontra
limitaes na dissoluo do objecto (cfr. LEVINAS, 2008, p. 29). A filosofia ocidental
preferiu o segundo significado. Analisemos como o segundo tipo de relao sujeito-
objecto dissolve, primeiro a alteridade e, depois, a prpria subjectividade cognoscente.
O processo de dissoluo da alteridade ocorre quando o conhecido abordado por meio
de um terceiro termo, o termo neutro (conceito pensado) ou ser (e no ente). como
ser e no como ente que o conhecido inteligvel. Por outras palavras, Levinas est a
lembrar que a cincia generalizao. E pela generalizao que a alteridade
integrada na subjectividade cognoscente. A integrao da alteridade pelo processo de
generalizao conceptual e identificante marca o conhecimento ontolgico.
A filosofia ocidental seguiu o caminho ontolgico, mesmo na relao com o outro
homem. O outro foi reduzido ao mesmo. Levinas diz que a reduo do outro ao mesmo
uma lio de Scrates: o encontro com o outro no choca o mesmo, pois sempre j
tem dentro de si tudo o que parece vir de fora; o mximo que o outro pode fazer
recordar aquilo que j do mesmo e sempre esteve com o mesmo (o conhecimento).
Neste contexto, o conhecimento no nenhuma aventura ou transcendncia (como
pensa Husserl) mas simples desdobramento do mesmo no mesmo (cfr. LEVINAS,
2008, p. 30).
Na vida prtica, a dissoluo do outro homem obtm-se pela recorrncia ao terror para
priv-lo da sua liberdade de expresso, de aco ou de qualquer outra escolha, para que
a sociedade aparea homognea ao opressor. Por essa razo, a ontologia como filosofia
primeira uma filosofia do poder (LEVINAS, 2008, p. 33).
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Na poltica, a dissoluo do outro no mesmo transforma-se numa violncia invisvel da
tirania do Estado. O Estado passa a valer mais do que os seus membros. Os que detm
as rdeas do poder usam o argumento da supremacia do Estado interesse nacional,
unidade nacional, patriotismo, etc. para suprimir as razes de outrem. A injustia
desse Estado consiste em pr em questo outrem mas nunca o prprio Estado nem
aqueles que detm o poder.
A dissoluo da alteridade um processo de totalizao que consiste em adequar a
alteridade ao j conhecido, reduzindo as diferenas entre essa alteridade e o conhecido,
ou realando as suas semelhanas com o conhecido. Mas o processo de totalizao tem,
pelo menos, um efeito colateral.
Tal efeito colateral a dissoluo da subjectividade. O que acontece ao sujeito reduzido
sua tarefa de totalizar, integrar, compreender ou conhecer? Resta-lhe apenas ser
cogito, eu puro ou compreenso do ser, como honestamente Heidegger confessa (ver
2.4).
No h como escapar do ser, pois a totalizao significa que tudo j est identificado e
j recebeu a sua interpretao: A interioridade do eu idntico a si mesmo dissolve-se na
totalidade sem dobras nem segredos. Todo o humano est do lado de fora (LEVINAS,
1993, p. 111).
2.3. A singenbung de Edmundo Husserl
2.3. 1. Husserl e subjectividade doadora de sentido
Para chegarmos ao eu transcendental husserliano precisamos de remontar primeiro
relao clssica entre o sujeito e o objecto. O objecto era concebido como aquele que o
sujeito apreendia no instante em que voltava a sua ateno a ele. esta dependncia do
sujeito ao objecto e ao tempo da apreenso que Husserl catalogou de ingnua, pois o
sujeito perdia a a sua liberdade e destino de esprito.
Para vencer esta dependncia, Husserl empreende uma investigao da lgica, para
verificar se ela podia ser capaz de libertar o eu do objecto. Husserl encontra pelo menos
uma insuficincia: a lgia possui um elemento material que a torna imperfeita, pois a
matria sempre mutvel (e a mutabilidade seria, podemos inferir razoavelmente,
imperfeita). Husserl continua a sua busca por um ponto de apoio imutvel e perfeito. Ele
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21
identificou o pensamento como ponto de apoio fivel. nessa reflexo sobre o
pensamento lgico que comea a crtica filosfica e a definio da fenomenologia
(LEVINAS, 1997, p. 22).
Para Husserl, o objecto real nunca entra em relao com a conscincia. a conscincia
que empresta um sentido ao objecto. a esta actividade que Husserl chamou
Singenbung. enquanto Singenbung que a conscincia transcendental.
Como vive a conscincia ou o eu transcendental husserliano? Levinas explica que,
para Husserl, todo o objecto permevel ao esprito, isto , o esprito ou o eu acaba
sempre produzindo um sentido para o objecto (cfr. LEVINAS, 1997, pp. 42; 138). Ter
um sentido, ser compreendido estar completo. Ao objecto falta um passo para poder
existir verdadeiramente: receber um sentido da conscincia. Antes disso, segundo
Husserl, o objecto no . Porque a conscincia um mundo sui generis. Levinas cita
muitos exemplos:
Um saber que nada deixa fora da razo, um saber universal, o nico
meio para o esprito de ser ele prprio, livre em relao ao mundo. O
sujeito pode dar conta do Universo no seu foro ntimo. Toda a relao com
outra coisa se estabelece na evidncia e tem nela, por conseguinte, a sua
origem. O real ...s tem sentido na conscincia. A conscincia o
prprio modo de existncia do sentido. A realidade nunca confunde o
pensamento. O pensamento conserva ... uma espcie de imobilidade nessa
intencionalidade objectiva (LEVINAS, 1997, pp. 57; 60; 63; 168).
O saber da subjectividade um saber virado ao mundo transcendental e no ao mundo
natural que mutvel e incompleto. Para Husserl, a subjectividade a origem da
realidade que ela pensa. Portanto, no por causa de pensar que o cogito indubitvel,
como pensava Descartes, mas por ser absoluto e auto-suficiente.
2.3.2. Crticas abordagem husserliana do eu transcendental
A conscincia husserliana parece encerrada em si mesma. No h negao explcita
do outro, mas tambm no h considerao: a conscincia actua como se o outro no
existisse (cfr. LEVINAS, 1997, pp. 60-61). que a conscincia no apreende o objecto;
ela apreende a si mesma. E a realidade exterior, aquela que Husserl chama de mundo
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natural? Ser ela objecto de ateno para a fenomenologia husserliana? Claro que sim,
mas sempre correlata ao mundo da conscincia. Husserl desvaloriza o facto de que os
objectos exteriores no esto espera de a conscincia lhes atribuir um sentido. J o
tm.
Quanto ao outro homem em Husserl, ONATE (2006, p. 115) explica que a sua presena
dita como um alter ego, emparelhado com o eu mesmo. O outro mais um eu. Eu e
outro formam uma comunidade de mnadas solipsistas. Mas Levinas contesta: A
relao com outro que no o prprio unicamente possvel como uma penetrao nesse
outro, como uma transitividade. O eu no fica em si mesmo para absorver o outro na
representao. Ele transcende-se verdadeiramente (LEVINAS, 1997, p. 171).
CASALONE (1993, p. 342ss) resume as crticas de Levinas subjectividade
husserliana apontando os seguintes limites:
i. a superao da diferena mantm-se imanncia, pois no a subjectividade que
se exila para a alteridade, mas a alteridade que, sob a luz clareante do eu, perde
a sua diferena e constituda em contedo da conscincia subjectiva;
ii. a eliminao da exterioridade pela secundarizao do mundo natural, passando a
subjectividade a funcionar com os dados do interior de si mesma: tudo j pr-
conhecido; o pensamento apenas confirma o que j sempre seu;
2.4. O Dasein heideggeriano na economia de ter de ser
2.4.1. Ser e sentido
Para Heidegger, existe uma questo fundamental que a filosofia deve responder. Essa
questo : o que ser? No o ser mas sim ser o verbo ser (cfr. LEVINAS, 1997,
p. 101). Portanto, Heidegger tem preocupaes ontolgicas. Levinas esclarece que, para
Heidegger, ser para o homem sempre ter de ser, apreender ou deixar escapar os seus
poder-ser compreender ou perguntar: o que ser? (LEVINAS, 1997, p. 102). O facto
de ser o homem a fazer esta pergunta o nico motivo que leva Heidegger a interessar-
se pela existncia humana. Quem v a mltipla riqueza dos atributos humanos amor,
sentimento, paixo, justia, honestidade, etc. ouvir a resposta de Heidegger: tudo isso
compreenso do ser, uma forma de existir. Mesmo que algum no faa a questo do
que ser, j tem uma compreenso pr-ontolgica: tudo ocorre j dentro do barco que
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a existncia. No h fuga possvel; alis, qualquer fuga da existncia sempre
existencial.
A essa situao inevitvel de ter de ser que caracteriza o homem, Heidegger deu o nome
de Geworfeinheit (derrelio, estar lanado). Ao lanar-se na busca de realizar os seus
poder-ser, o homem est a projectar-se; o Dasein que se compreende a si mesmo. Ao
projecto do Dasein, Heidegger reserva-lhe o termo de Entwurf. Compreender as suas
possibilidades de ser (Entwurf) compreender o prprio ser, pois a Entwurf se realiza
no contexto da Geworfeinheit. A compreenso das possibilidades da existncia no se
realiza com o objectivo de compreender o ser. Essa compreenso j est, de forma
implcita, dentro da existncia. Ao tentar (em vo) fugir da inevitvel tarefa de
compreender o ser para compreender o ter, o Dasein no abandonou a existncia, mas
caiu na Verfallen. A Verfallen um modo de existncia do Dasein que foge sua
existncia autntica para voltar a cair na quotidianidade... (LEVINAS, 1997, p. 89).
2.4.2. Implicaes do Dasein para a relao eu-outro
Compreenso e Dasein so, para Heidegger, a mesma coisa, isto , ser no algo
suprfluo, em que a filosofia pode, se quiser, analisar. Ser compreenso. No onde
parou Husserl quando dizia que o ser seria elevado dignidade de existente caso tivesse
a honra de ser visitado pelo pensamento doador de sentido. Aqui Heidegger vai mais
longe. Mesmo sem a visita do pensamento, ser j compreenso. A subjectividade
(Dasein) em Heidegger identificada
em funo do ser... a subjectividade, a conscincia, o Eu supem o
Dasein o qual pertence essncia como modalidade segundo a qual essa
essncia se manifesta, enquanto a manifestao da essncia o essencial da
essncia; a experincia e o sujeito fazendo a experincia da Essncia, a
essncia se realiza, ou seja, se manifesta. Todo o ultrapassamento, como
toda a revalorizao do ser no sujeito reenviaria ainda essncia do ser
(LEVINAS, citado por PELIZZOLI, 2002, p. 137).
As crticas de Levinas so, portanto, dirigidas questo do lugar do Dasein na
economia do ser. Para Levinas, ser (existir) no a principal preocupao do humano.
Mesmo que Heidegger se tenha referido relao com outrem como Miteinandersein
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(ser-com-outrem), Levinas acha-o insuficiente para permitir a sada da solido de ser,
pois o Miteinandersein heideggeriano apenas uma modalidade de ser, ainda o
Dasein empenhado em seu exerccio de ser. Levinas j afirmara que, no contexto da
filosofia de Heidegger, impossvel sair da solido do ser.
O tema da morte esclarece as diferenas entre Levinas e Heidegger. Para Heidegger, a
morte uma vitria do Dasein, pois nela at o impossvel (que a morte) completa ou
totaliza o Dasein, isto , o impossvel torna-se possvel. Alm daquelas possibilidades
que o Dasein pode na vida, a morte traz algo de novo: oferece ao Dasein a
experincia do impossvel, tornando a ocupao do Dasein (compreender o ser) mais
completa.
Levinas vai na direco diametralmente oposta. Para ele, a morte no a possibilidade
da impossibilidade, mas a impossibilidade de toda a possibilidade. A morte
interrompe todas as possibilidades; com ela tudo torna-se impossvel, a liberdade chega
ao seu limite, porque, na verdade a liberdade... s pode manifestar-se fora da
totalidade... pensar a liberdade no seio da totalidade reduzir a liberdade categoria de
uma indeterminao no ser (LEVINAS, 2008, p. 221).
esta limitao do e no ser que conduz Levinas a buscar o sentido no outro, pois o
simples ser no humaniza o homem. A utopia do humano comea quando colocamos a
liberdade em questo, quando percebemos que ela no arbitrria, mas recebe uma
exigncia radical que transcende o simples facto de ser que Heidegger ensina.
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CAPTULO III
ALTERIDADE E SUBJECTIVIDADE
Nada mais grave, nada mais augusto que a responsabilidade pelo
outro e o Dizer, absolutamente sem jogo, uma gravidade mais grave que
seu prprio ser ou no ser (LEVINAS, citado por PELIZZOLI, 2002, p.
143).
3.1. A ideia de infinito
3.1.1. O infinito e a tica
Infinito e tica relacionam-se para indicar que o facto de o infinito resistir totalizao
no quer dizer que a subjectividade deve desistir de abord-lo. Pelo contrrio, o infinito
desejo. A infinitude do outro apela para uma outra instncia da subjectividade, para o
outro da razo: a abordagem tica ou simplesmente para a responsabilidade. O Infinito
abre a ordem do Bem. Trata-se de uma ordem que no contradiz, mas ultrapassa as
regras da lgica formal (LEVINAS, 2008, p. 95).
essa ordem do Bem que a tica, conforme o prprio Levinas diz noutra pgina:
...a ideia do infinito... condiciona a prpria no-violncia, ou seja, implanta a tica
(LEVINAS, 2008, p. 199). Mas o que ser a tica claramente? A tica a recepo da
ideia do infinito, ou seja, a admisso de que algum, o outro, no pode ser abarcado
pela conscincia. O infinito est sempre no exterior da conscincia. Mas a tica significa
tambm responsabilidade por outrem que no deixa de ser infinito. , portanto, uma
responsabilidade por aquilo que a conscincia no pode conter e, ento, essa
responsabilidade nunca ser suficiente. Haver sempre algo por fazer, pois a
subjectividade no pode preencher, at ao infinito, as exigncias de outrem.
Para que a responsabilidade seja efectiva preciso que o outro esteja separado. A
separao um dos conceitos centrais para a abordagem tica em Levinas. Contra a
concepo da filosofia ocidental de considerar a separao como uma deficincia do
Ser, Levinas defende a separao como condio da tica. A separao coloca o Bem
para alm do Ser:
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A separao em relao ao Infinito, compatvel com o Infinito, no uma
simples queda do Infinito. Relaes melhores que as relaes que ligam
formalmente, no abstracto, o finito ao infinito, as relaes do Bem,
anunciam-se atravs de uma aparente diminuio... trata-se de uma ordem
em que a prpria noo do Bem assume apenas um sentido... a relao no
liga termos que se completam e que, por consequncia, se fazem
reciprocamente falta, mas termos que se bastam. Tal relao Desejo... A
separao a prpria constituio do pensamento e da interioridade, isto ,
de uma relao na independncia (LEVINAS, 2008, p. 94-95).
Portanto, a separao na relao entre subjectividade e infinito (o outro) refere-se
radical impossibilidade de unir subjectividade e alteridade nessa relao. S neste
sentido pode ser uma relao tica porque uma relao que conduz unio dos
correlatos dissolve as diferenas atravs das vrias formas de violncia: racionalizao,
absolutizao do Estado, imposio da prpria vontade em prejuzo de outros, etc.
3.1.2. O infinito e a alteridade
Quando insistimos que a alteridade infinita, queremos dizer que o poder racional da
subjectividade travado devido ao reconhecimento dos seus limites de racionalizar ou
totalizar o infinito. Mas a abordagem tica no mais um estratagema da subjectividade
para surpreender e apreender a alteridade em sua infinitude. A abordagem tica
accionada pela infinitude da alteridade que, pela sua manifestao, deixa a
subjectividade infinitamente ultrapassada, sem tempo para accionar a sua mquina
racional-temtica para apreender outrem, restando-lhe apenas responder ao apelo tico
do infinito que desejo: esvazia a subjectividade e, ao mesmo tempo, alimenta-a com a
fome de infinito.
3.2. A alteridade como negao da totalizao
Devido sua infinitude, a alteridade resiste ao poder da razo. Mas se ela resiste ao
poder da razo seria ainda possvel abord-la filosoficamente?
Para filosofar no estrito respeito pela alteridade, Levinas aperfeioa as ideias do seu
livro Totalidade e Infinito. O resultado Autrement qutre ou au-del de lessence. A
respeito desse aperfeioamento, Cristina Beckert esclarece que em Totalidade e Infinito
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trata-se de explicar porque razo o mistrio e a resistncia inteligibilidade, patentes
no Rosto, toma um sentido imperativo e suscitam obedincia tica em vez de
despertarem apenas curiosidade intelectual e desejo de compreenso.Mas em
Autrement qutre ou au-del de lessence a forma imperativa da relao resulta do
modo como a pura transcendncia afecta a subjectividade, privando-a do poder de se
assumir na sua autonomia e, consequentemente, de fazer frente ao Outro (BECKERT,
citada por PELIZZOLI, 2002, p. 130).
Levinas descreve a manifestao do outro homem como rosto: exposto e ameaado
mas tambm que nos probe de matar. Portanto, o rosto vulnervel e, ao mesmo
tempo, poderoso, desafiando a subjectividade.
3.2.1. O desafio do rosto do outro homem
O rosto do outro homem tem o poder de resistir tematizao totalizante. O rosto
desafia assim ao poder racional de tematizar ou fazer contedos de conhecimento. O
conhecimento do rosto do outro no nos pe em relao com ele. A relao com o rosto,
repete Levinas muitas vezes, fundamentalmente tica. O rosto o que no se pode
transformar num contedo, que o nosso pensamento abarcaria; o incontvel, leva-nos
alm. Eis por que o significado do rosto o leva a sair do ser enquanto correlativo de um
saber (LEVINAS, 1988, p. 78).
Esta resistncia tica do rosto ope-se viso, que uma adequao que se destina a
apropriar-se do ser pelo conhecimento. Mas a viso no pode estender-se sobre o rosto.
A lgica formal ensina-nos que os entes participam de um gnero e distinguem-se pela
sua diferena especfica. Mas o outro no catalogvel como um ente. Ele permanece
infinitamente transcendente, infinitamente estranho (LEVINAS, 2008, p., 188). A
transcendncia de outrem, a impossibilidade de reunir o eu e o outro (separado e
estranho ao ser) impede o poder racional de tematiz-lo e reduzi-lo a conceito. Porque
tanto esforo em proteger outrem dos assdios do conhecimento? O problema que
no conhecimento ou na viso, o objecto visto, e desde ento passivo do acto de ver,
integrado num mundo e dele recebe uma significao e constituio. Mas no
acolhimento do rosto, a subjectividade responde a um discurso que sempre comea
desse outrem, pois o discurso mantm a separao tica de outrem. Entretanto, o
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discurso no interrompe a transcendncia ou a separao, pois ele no est ao servio do
ser ou do conhecimento; est ao servio da tica. O discurso do rosto desafia o poder
de poder da subjectividade. Quer dizer, o discurso questiona porque a subjectividade
acha que tem poder.
3.2.2. A vulnerabilidade e o poder do rosto do outro
Em termos prticos, a reflexo que Levinas faz sobre o outro fruto de uma experincia
pessoal e histrica do atentado que a Segunda Guerra Mundial cometeu contra o
outramente que o alemo e especificamente, o judeu, do qual Levinas um deles.
O sofrimento do outro do outro homem determina a nova estrutura da liberdade que
abordaremos em 3.3.2. A sua vulnerabilidade ao sofrimento consiste em ser sempre
vtima da possibilidade do eu poder mat-lo. Pelo seu rosto, outrem est exposto ao
assassnio ou violncia. Levinas defende que o rosto do outro um mandamento que
probe matar. Mas esta proibio no ontolgica, isto , o assassino no est
impossibilitado de matar; pelo contrrio, tem sempre essa possibilidade. Mas ao matar
outrem, ele enfrentar a resistncia tica e a contradio implcita.
Quanto resistncia tica, Levinas explica que o outro imprevisvel na sua reaco
(devido sua transcendncia) e tambm portador de um mandamento que a primeira
palavra do rosto: no cometers assassnio. A nudez total dos olhos de outrem, sua
falta de defesa, entre outras, so as vulnerabilidades de outrem mas que,
paradoxalmente, paralisam o poder de poder do violento (cfr. LEVINAS, 2008, p.
193).
Enquanto contradio, o assassnio exerce um poder sobre aquilo que escapa ao poder.
Ainda poder, porque o rosto exprime-se no sensvel; mas j impotncia, porque o rosto
rasga o sensvel (LEVINAS, 2008, p. 192). Em O Homem Messinico, Susin explica
esta contradio do poder impotente:
O assassinato a contradio no auge da violncia. Nele, a violncia vai
at o absurdo e inverte-se em impotncia. Nele se chocam e se provam o
poder ontolgico e o poder tico... o outro que se assassina: aquele que
se recusa apropriao e totalizao, o no neutralizvel... matar
tentar o impossvel e cair na contradio do dio... O prazer do assassnio
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matar o outro diante do outro mesmo: quer o outro como objecto e como
sujeito que veja a humilhao da sua prpria reificao, quer a contradio
do outro morto e vivo. Seria ento necessrio mat-lo vivo. (...) No
momento exacto em que se est por cumprir o decreto do assassino, quando
cessam os traos sensveis do olhar e a sua vivacidade, quando a
objectivao est por chegar sua plenitude, a vtima se retira deixando o
assassino solitrio com sua vitria e sua conscincia, sem outro que veja a
sua vitria. O outro revela assim, na sua retirada, a infinitude do seu poder
tico subtraindo-se ao poder ontolgico do assassino, mostrando assim a
fraqueza e a impotncia deste, paralisando-o na insatisfao: impossvel
que o outro veja a sua objectivao (SUSIN, citado por PELIZZOLI,
2002, p. 99).
Deste modo, a vulnerabilidade do rosto do outro paradoxalmente, poderosa pois
interrompe, eticamente, o uso irresponsvel do poder.
3.3. A reconstruo da subjectividade
O outro vem at o eu com uma exigncia de proibio de matar. Qual a resposta (e
no anlise) da subjectividade face a esta exigncia? Os mestres do ocidente
aconselhariam a escutar a voz da razo (ou do ser). A prpria aco moral resultado da
escuta desta voz. A liberdade a submisso a uma lei universal ou annima. Pelo menos
essa a lio que Kant quer transmitir quando diz que devemos agir de tal maneira que
usemos a humanidade em ns mesmos como um fim e no como um meio. O agir
comandado pela humanidade (mais um neutro). Portanto, para Kant, mais tico e
racional ter uma liberdade submissa prpria razo (autonomia) do que a outrem
(heteronmia).
Levinas defende a heteronmia da liberdade que nasce da responsabilidade at
substituio. esta responsabilidade que a nova estrutura da subjectividade, distinta
da viso ocidental de uma subjectividade cogitante. A subjectividade responde
exigncia do outro com a responsabilidade por esse outro.
3.3.1. Responsabilidade at substituio
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A obra Autrement qutre ocupa-se em apresentar o significado da subjectividade. A
subjectividade significa responsabilidade at substituio de refm (cfr. PELIZZOLI,
2002, pp. 143-144). Tomemos este rumo de crescente radicalizao do papel da
subjectividade, ainda que resumidamente: responsabilidade-substituio-refm.
Levinas parte da ideia de que a subjectividade se constitui no instante da
responsabilidade por outro. No a subjectividade que existe primeiro e depois decide
ser responsvel. a prpria responsabilidade que gera o sujeito. Tal responsabilidade
suscitada por outrem que, pela sua apario pede e ordena.
por essa ordem que o outro faz do eu seu refm: A subjectividade... vai at
substituio por outrem. Assume a condio... de refm (LEVINAS, 1988, p. 91-92).
Levinas sabe que suas palavras so um escndalo para um ouvido habituado com o
pensar grego. Mas, explica ele, a subjectividade na responsabilidade a este nvel no
permite a gestao da estrutura ego-ontolgica. Na responsabilidade at substituio, a
subjectividade avana no para um ser diferente (porque ainda ser) mas para um
outramente que ser (LEVINAS, 1988, p. 92). Tal nvel de exigncia tica no se
afigura fcil. O sujeito pode ter a tentao de dispensar-se de tal exigncia para manter a
sua identidade, pagando ao preo da sua desumanizao. Porque a preservao da
identidade a busca de si prprio, gerando aquela estrutura ego-ontolgica que a fonte
da violncia que, imediatamente, se d no exacto acto de negar outrem porque se est no
movimento de retorno ao mesmo.
3.3.2. A nova estrutura da liberdade
Levinas diz que o conhecimento um processo que avana para a compreenso e
justificao (o qu? constatao; como? compreenso; e porqu? - justificao). A
justificao consiste em colocar em questo a factualidade, actualidade ou legitimidade
do facto (cfr. LEVINAS, 2008, p. 71). Quando colocamos o facto em questo, como um
obstculo certeza do conhecimento, porque esse facto no est ainda justificado (
injusto). Levinas segue este mtodo para questionar ou criticar a liberdade. O resultado
dessa crtica no ser uma liberdade demonstrada mas justificada ou acusada.
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Levinas diz que a filosofia ocidental no questiona a liberdade a no ser a sua
insuficincia ou finitude. Os estudiosos costumam comparar Kant e Levinas quando
querem compreender a filosofia levinasiana da liberdade.
Kant pensa que a liberdade est ligada autonomia, que o princpio geral da moral e
serve de base racionalidade. A liberdade , no princpio da autonomia, a conformidade
da conduta aos imperativos morais da razo. O agir comandado por leis universais ou
do ser. Assim, a moral kantiana submissa razo subjectiva, ainda imanente
identidade da subjectividade.
Levinas pensa que a liberdade tem de ser questionada e justificada para sabermos o que
ela . Ele considera que no se deve identificar a liberdade e a verdade como se aquela
fosse espontnea. Heidegger e Sartre tinham, segundo Levinas, pensado que a liberdade
era finita e irracional porque realiza-se como projecto e no se tem a sua essncia
(Heidegger) ao mesmo tempo que inevitvel (Sartre). Mas para Levinas, a liberdade
est em questo. E quem a questiona o outro. Outrem exige justificao ou justia da
liberdade da subjectividade (cfr. LEVINAS, 2008, p. 301). a heternima da liberdade.
Outrem pergunta e exige resposta sobre se minha persistncia no ser (liberdade como
verdade final) ou meu conatus essendi como diria Spinoza, no o mata. Chalier,
Hutchens e Farias tentam explicar esta liberdade levinasiana.
CHALIER (1996, p. 76) explica que quando a liberdade no est justificada torna-se
arbitrria e absoluta (como a tirania); o sujeito pode decidir o que convm a si e aos
outros. No entanto, o sujeito devia sentir culpa da sua liberdade at que a justificasse
perante outrem.
HUTCHENS (2007, p. 35) explica que a liberdade est ligada responsabilidade. Esta
vem antes da liberdade porque a liberdade tem de ser justificada e a nica justificao
a responsabilidade.
FARIAS argumenta que a fuga responsabilidade que conduz identificao do eu no
mesmo, caminha na direco oposta liberdade autntica:
A subjectividade que retorna a si pesada de tanto ser para si. No
significa que a subjectividade est fechada ao encontro, mas que, calcada
em sua identidade de substncia subjectiva, a cada encontro deve retornar
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a si, sob o risco de se alienar. Na obsesso do retorno, a identidade torna-
se um fardo difcil e pesado. [No entanto] a liberdade da transcendncia
[de outrem] libera desse fardo, liberdade do no retorno a si [porque] h
algo mais obsidiante que a necessidade do retorno (FARIAS, 2008, p. 26).
Esse algo mais obsidiante outrem que liberta a subjectividade do esforo do retorno
a si, para responder ao apelo do outro.
3.4. tica como filosofia primeira
O discurso ocidental habituou-nos com a ideia de que a metafsica e, especificamente a
ontologia a filosofia primeira por tratar dos primeiros princpios que justificam ou
fundamentam a realidade. Mas Levinas defende que a tica que a filosofia primeira,
pois antes dos tais princpios da realidade est o Bem que atemporal: antes do
conhecimento est o conhecido, antes do ser est o Bem que origina e torna o ser
discernvel. Mesmo Plato, um dos fundadores do pensamento ocidental intua isso
mesmo quando defendia que o Bem est para alm do ser.
3.4.1. A nova estrutura do relacionamento eu-outro
A alteridade que Levinas descreve no cabe na totalidade em que a subjectividade se
enquadra. Semelhante alteridade s pode estar muito alm da subjectividade. A relao
que se estabelece no mais intersubjectiva mas assimtrica.
A relao intersubjectiva pressupe, de antemo, a ideia de que so dois ou mais
sujeitos que entram na relao; h, portanto, um conhecimento prvio: o outro tomado
como uma variedade do eu (alter ego). A filosofia ocidental e, principalmente no
radicalismo de Husserl, defende a primazia do sujeito-conscincia, em que a relao
ocorre devido participao dos eus num universo comum: a alteridade do outro no
l to radical, pois participa do mundo que comum a ambos. Nesse tipo de relao, o
dilogo permite [apenas] confrontar as ideias e elevar-se a um saber universal no qual
as singularidades so abolidas enquanto tais, reconhecendo-se [apenas] na
universalidade da Razo (CHALIER, 1996, p. 121).
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Mas a relao assimtrica fundamenta-se na recuperao do Bem que fundamenta a
infinitude de outrem. A existncia natural aquela que promove o conatus espinosiano,
conforme se pode ler em tica:
A Razo no pede nada que seja contra a Natureza, pede que cada um se
ame a si mesmo, procure o que lhe til, aquilo que lhe realmente til;
deseje tudo o que conduz realmente o homem a uma maior perfeio e, em
termos absolutos, que cada um se esforce por conservar o seu ser tanto
quanto lhe possvel (ESPINOSA, citado por CHALIER,1996, p. 57).
Para sair da violncia da perseverana no ser espinosiano, Chalier defende que a tica,
contrria ao conatus, no se funda na ontologia que fundamenta esse conatus a-moral,
mas no Bem que est para alm do ser e liga a subjectividade responsabilidade pelo
outro homem, antes de lig-la a si mesma na identidade de substncia subjectiva. Isto
implica que a subjectividade, antes de ser responsabilidade assimtrica (s eu que
sou responsvel):
A partir da responsabilidade sempre mais antiga que o conatus da
substncia... o eu... responsvel pelo Outro isto , refm de todos ... [eu
e Outro] no pertencem ao mesmo gnero do eu (moi), pois que sou
responsvel por ele sem me preocupar de sua responsabilidade para
comigo... (LEVINAS, 1993, p. 102).
No h, portanto, reciprocidade na relao eu-outro, pois eu que sou questionado e a
mim que cabe responder por outrem.
3.4.2. Porque a tica antes da ontologia?
Colocar a tica como mais prioritria que a ontologia uma das principais conquistas da
filosofia levinasiana. Embora esta ideia remonte aos primeiros escritos do pensador, a
justificao atravessa todo o seu percurso filosfico.
Para estabelecer a tica como filosofia primeira Levinas parte da ideia da necessidade
de justificar a verdade da existncia e da liberdade da subjectividade.
E Levinas trata de enfatizar que colocar a liberdade em questo no estar contra ela;
outrem que pe a questo ao eu. nesse questionamento que o eu descobre que seu
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conatus violenta outrem. por isso que Levinas diz que a liberdade questionada v-se
envergonhada e injusta, sendo essa a razo porque
a justificao moral da liberdade no nem certeza, nem incerteza. No
tem o estatuto de um resultado, mas realiza-se como movimento e vida,
consiste em apresentar sua liberdade uma exigncia infinita, em ter para
a sua liberdade uma no-indulgncia radical (LEVINAS, 2008, pp. 301-
302).
A exigncia infinita que se coloca liberdade consiste em procurar o fundamento dessa
liberdade, em questionar a razo da liberdade do sujeito e, fundamentalmente, em
questionar se tal liberdade no violenta a liberdade de outrem. A o sujeito v-se
colocado frente-a-frente diante de outrem que sofre a injustia do exerccio da minha
liberdade. Portanto, a irrupo de outrem mostra que pr em questo a minha liberdade
ganhar um conhecimento comprometedor: a minha liberdade questionada pode abrir-
se a outrem, pois ele que questiona a minha comodidade em minha liberdade, em meu
ser. Por isso, a ontologia (a pergunta pela essncia) no o sentido ltimo da realidade.
Com a minha existncia, meu conatus, apenas sou livre arbitrariamente, fao o que me
aprouver. Mas ao pr em questo a moralidade da minha liberdade, de meu ser
(conatus), outrem irrompe e questiona-me sobre o peso e a violncia que meu conatus
exerce. Esse questionamento tico, esse olhar frontal do outro no produo de uma
conscincia mais atenta. a pura realidade do que exterior conscincia. Mesmo
quando a subjectividade goza a sua liberdade, embora no possa escutar a questo que
outrem o coloca, ele no deixa de questionar. O silncio devido imerso do eu no ser
e nunca devido ausncia de questo por parte de outrem. Antes da minha perseverana
no ser ele j me questiona. Portanto, a tica (resposta questo de outrem) est antes da
ontologia (o ser, o conatus, a liberdade). Por isso que Levinas no evita escandalizar
nossos ouvidos quando diz que a moral no um ramo da filosofia, mas a filosofia
primeira (LEVINAS, 2008, p. 302; cfr. LEVINAS, 1997, pp. 213-216).
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CAPTULO IV
CRTICAS E PERSPECTIVAS DA TICA LEVINASIANA
... Sein und Zeit... um dos mais belos livros da histria da filosofia
digo-o aps vrios anos de reflexo. Um dos mais belos entre quatro ou
cinco outros... o Fedro de Plato, a Crtica da Razo Pura de Kant, a
Fenomenologia do Esprito de Hegel; e tambm o Ensaio sobre os Dados
Imediatos da Conscincia de Bergson (LEVINAS, 1988, p. 29).
Este ltimo captulo aborda algumas das crticas sobre o pensamento levinasiano. Esse
debate analtico-crtico permitiu-nos destacar duas crticas e duas perspectivas. A
primeira crtica procura saber se a prpria crtica levinasiana filosofia ocidental
consistente. A segunda crtica vai sobre o significado da alteridade para o debate
filosfico em geral.
E em seguida apresentamos as duas perspectivas. A primeira recupera uma das
principais conquistas da filosofia da justia contempornea: a noo do terceiro que
equilibra a responsabilidade da subjectividade. A segunda perspectiva aproveita-se das
conquistas levinasianas para erguer um novo tipo de relaes entre a subjectividade do
professor e a alteridade do aluno.
4.1. Consistncia da crtica levinasiana
4.1.1. Relaes do pensamento levinasiano com a filosofia ocidental
Conforme mostramos no Captulo II, Levinas um dos maiores crticos da filosofia
ocidental, que a acusa como uma filosofia que se fixa no conceito de totalidade.
Entretanto, Levinas foi buscar alguns dos seus pilares nessa mesma filosofia para,
segundo suas palavras, enunciar em grego os princpios que a Grcia ignorava
(LEVINAS, citado por CHALIER, 1996, p. 28).
De entre os filsofos com os quais Levinas concorda destacamos, em primeiro lugar
Plato com a sua ideia do Bem para alm do Ser. O Bem platnico diferente da
verdade e do conhecimento (cfr. LEVINAS, 1997, p. 230). este Bem para alm do ser
que, em primeiro lugar identificado com o Outro e, em segundo lugar justifica os
argumentos de que o Outro tem prioridade sobre o eu e que tambm Ser no a
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totalidade que nada deixa fora. Existe algo fora do ser, o excedente, aquilo que o ser no
pode conter.
Entretanto, preciso notar que, embora Plato defenda que o Bem tem um estatuto
distinto do ser, ele a verdadeira realidade que funda o Mundo das Ideias e lana a sua
sombra (que chega imperfeita) ao mundo sensvel para constituir o ser que objecto da
cincia ou, como defendemos no Captulo II, da violncia. O Bem levinasiano no
este. Ele no tem nenhuns laos com o ser; portanto, o Bem levinasiano no apenas o
outro do ser por excelncia mas ainda no estabelece nenhum contacto necessrio com o
ser. O Bem levinasiano um evento (ex-venire), no se liga ao ser, mas cria-o ou mais
especificamente constitui o sujeito em substituio a outrem.
Em segundo lugar, destacamos Descartes com a sua ideia do infinito, um outro pilar da
filosofia de Emmanuel Levinas. A ideia do infinito aponta para o facto de que a
conscincia encontra o seu obstculo insolvel: o infinito no entra na estrutura do
pensamento, mas apela para a aco tica.
Levinas demarca-se do infinito cartesiano por causa de o cogito ser fundado em Deus
(Infinito) e, paradoxalmente, ser a demonstrao da existncia do mesmo Deus. Levinas
quer um infinito que extravasa os limites do cogito e que no captvel por ele.
4.1.2. Ser a crtica levinasiana relevante para a filosofia?
Para avaliar a consistncia, socorremo-nos em Hutchens, que coloca trs questes a
Levinas. A primeira sobre o grau de aceitabilidade da tica levinasiana que justifique a
secundarizao da ontologia. A segunda questo saber se essa tica traz alguma
contribuio terica para a tica contempornea. E, por ltimo, Hutchens pergunta-se
sobre a prpria possibilidade ou sustentabilidade do discurso levinasiano, na medida em
que ao materializar o discurso Levinas cai na totalizao temtica que a sua prpria
filosofia critica e ao no faz-lo est a fechar-se em seu conatus. Um impasse? (cfr.
HUTCHENS, 2007, pp. 213-216). Para debater estas questes Hutchens faz intervir
Alain Badieu, o filsofo que considera que o pensamento de Levinas anti-filosfico
por ser essencialmente religioso.
Alain Badieu defende que a filosofia e deve continuar a ser pura e simplesmente a
busca da verdade, sem cair na tentao da alteridade. A alteridade defendida por
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Levinas comum a todos e, portanto, todos somos os outros e ao s-lo, somos o
Mesmo. Sem essa semelhana, argumenta Badieu, cada um permanece isolado, sem
possibilidade de relao com outrem. Em sua obra Ethics: an essay on the
understanding of Evil, Badieu pergunta a Levinas como a primazia do outro sobre o eu
pode ser sustentvel:
... a primazia tica do outro sobre o mesmo exige que a experincia da
alteridade seja ontologicamente garantida como experincia de uma
distncia, uma no-identidade essencial, da qual a negao a prpria
experincia tica. Mas nada no simples fenmeno do Outro contem tal
garantia. E isso simplesmente porque a finitude do aparecimento do outro
certamente pode ser concebida como semelhana, ou como imitao, e isso
nos leva de volta lgica do mesmo. O outro sempre parece demais comigo
para que a hiptese de uma exposio originria sua alteridade seja
necessariamente verdadeira (BADIEU, citado por HUTCHENS, 2007, p.
224).
Badieu est a dizer que se o outro infinito e o eu finito como Levinas defende, esse
dado deve ser provado ontologicamente, isto , demonstrar racionalmente a razo de tal
primazia do outro, pois para Badieu, o (simples) aparecer do outro no oferece essa
garantia. Badieu conclui que se tivssemos de provar essa prioridade estaramos de
volta lgica do mesmo. Porqu? Porque esse o Mesmo (o eu) quem teria de provar
racionalmente a primazia do outro sobre o si mesmo.
Evidentemente Levinas no entra em tal jogo. Provar ontologicamente a primazia do
outro sobre o mesmo manter-se no ser violento que a filosofia levinasiana est a
criticar. E, fundamentalmente, preciso notar que Badieu e Levinas analisam a
prioridade do outro sobre o mesmo sob perspectivas diferentes. Badieu e grande parte
da filosofia ocidental analisam a questo na perspectiva do sujeito em busca da verdade,
enquanto Levinas segue a perspectiva do outro que direcciona ao Bem.
4.2. A alteridade transcendental
DUQUE-ESTRADA (2006, p. 29) confessa que, a princpio no conseguia certificar-se
se tinha ou no se situado na abertura para alm do ser, para alm de toda a
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inteligibilidade proposta por Levinas. bem provvel que muitos filsofos que tentam
invalidar o pensamento levinasiano no se tenham situado na tal abertura para alm do
ser. Educados numa filosofia ocidental cujo pilar Parmnides (princpio da
identidade) no conseguem ou consideram irrelevante elevar-se a esse alem do ser
levinasiano. Preferem manter seus ps no cho firme da certeza do ser do que aventurar-
se numa experincia que no os devolver a si mas os colocar face ao outro, para
filosofar a partir do ponto de vista de outrem.
Para discutirmos a transcendentalidade do outro fazemos intervir as crticas de Paul
Ricoeur (a alteridade do outro) e de Slavoy Zizek (a questo da liberdade). O objectivo
mostrar que no a subjectividade que transcendental, como ensinava Husserl, mas
que a alteridade que transcendental.
4.2.1. Ser o outro um outro eu e o eu um outro outro?
Um dos problemas que a tica da alteridade apresenta a sua tese da relao assimtrica
(ver 3.4.1), que defende a primazia do outro sobre o eu. Sobre este ponto, Levinas
argumenta que a responsabilidade por outrem tarefa da subjectividade; a reciprocidade
do outro para ser responsvel no pode ser exigida, pois isso seria violncia do eu.
Jacques Derrida j acusava Levinas de colocar o outro numa posio privilegiada e
exigia que o mesmo e outro fossem iguais pois, segundo ele, o prprio eu um outro
para o seu outro e esse outro um eu para mim e para os outros. Esta mais uma
estratgia do discurso ocidental para manter o Mesmo em seu conatus.
Em sua obra O Si-Mesmo como um Outro, Paul Ricoeur defende que para que a
subjectividade seja responsvel preciso que primeiro exista o eu para poder responder
ao pedido do outro (cfr. HUTCHENS, 2007, p. 217). Ricoeur questiona se o pedido do
outro o acontecimento que cria a subjectividade, qual seria a funo de um segundo
outro quando viesse com o seu pedido e encontrar a subjectividade j constituda pelo
primeiro outro. Para Ricoeur, este problema mostra que inevitvel a formao da
comunidade da alteridade em que, consequentemente, o outro participaria num acto
totalizado de constituir a subjectividade, transformando-se em Mesmo ou idntico, pois
cada outro semelhante a todos os outros, criando-se a a identidade dos outros entre si.
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Finalmente, Ricoeur nega a singularidade e a indeclinabilidade da responsabilidade do
eu na base da ideia de que o eu pode declinar uma responsabilidade escolhendo uma
outra que lhe parece maior e que, na lgica levinasiana, pode libertar mais o sujeito do
que uma responsabilidade menor.
Levinas respondeu magistralmente a tal provocao de Ricoeur, apontando para aquilo
que chamou de terceiro. Discutiremos esse assunto no ponto 4.3.1. Aquilo que
importa frisar agora o facto de que nas crticas de Ricoeur quem avalia o grau de
seriedade dos problemas do outro o eu, o que, evidentemente, no vai ao encontro do
ponto de vista de Levinas. Deve ser sempre o ponto de vista do outro a decidir o que
fazer.
4.2.2. O que a liberdade?
Levinas defende que o sentido do humano comea no com a reflexo racional mas com
o acolhimento do outro. Antes deste evento o eu apenas ser, imerso no seu conatus e,
portanto, na priso de ser. O outro desempenha a funo de constituir a subjectividade
como responsabilidade, libertando-a assim da tarefa escravizante de sempre e
simplesmente ter de ser.
Para contestar esta dependncia do sujeito responsabilidade por outrem Hutchens faz
intervir os argumentos de Slavoy Zizek. Zizek aponta para o facto de que na alegada
responsabilidade libertadora o eu pode estar a fingir, apenas com o objectivo egosta de
conquistar a sua liberdade, assumindo responsabilidades com uma atitude falsa e
egosta. Zizek lembra tambm que o outro pode estar a ser igualmente egosta, querendo
apenas abdicar de suas responsabilidades ao ver o eu desejoso de ser livre atravs da
substituio de sua responsabilidade. Portanto, aconselha Zizek, preciso que o eu
esteja atento para no ser vtima de uma atitude egosta do outro (cfr. HUTCHENS,
2007, pp. 219-222).
Aquilo a que Zizek pode no prestar a devida ateno o facto de que controlar outrem
uma forma de violncia, pois remete sempre ao eu a autonomia de escolher o que ou
no verdadeiro ou bom. A responsabilidade da subjectividade consiste em aliviar os
sofrimentos de outrem, incluindo o sofrimento do mal do egosmo, se for esse o caso.
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Levinas nega categoricamente a liberdade que se baseia na escolha autnoma do eu.
Para ele, a liberdade baseia-se na heteronomia. Ele explica que ser dominado pelo Bem
(...) excluir-se da prpria possibilidade de escolher (LEVINAS, 1993, p. 96). Mas
excluir-se da possibilidade de fazer escolhas no ser excluir-se da liberdade, aceitando
a escravido? Evidentemente que a liberdade da autonomia exige escolhas autnomas.
Mas esta liberdade tem o inconveniente de se isolar em si (isolada e violenta) ou ser
totalizada na razo (sendo agregada e violentada).
A liberdade heternima dispensa a subjectividade de permanecer no ser e de se
confundir com a razo universal. O sujeito eleito pelo Bem para a responsabilidade.
Esta interrupo da escolha autnoma por causa do acto previamente sofrido de ter sido
eleito pelo Bem liberta o homem da violncia da escolha para si, da responsabilidade
perante si, pois a autonomia significa unilateralidade, absolutismo, poder, violncia.
Com efeito, quem, autonomamente, escolheria sofrer por outrem? A no ser que o outro
me escolha, eu jamais o escolheria.
4.3. O terceiro e a instaurao da justia
4.3.1. A justificao da responsabilidade
Mesmo sem a ideia do terceiro a tica levinasiana j tinha recursos para contrapor a
crtica de Ricoeur sobre a responsabilidade limitada a um nico outro. A
responsabilidade que a subjectividade tem sobre um nico outro ilimitada,
significando que a subjectividade responde pelas responsabilidades desse nico outro.
Ora, quais sero as responsabilidades deste outro? Certamente so responsabilidades por
um outro, de forma ilimitada; este novo outro tambm com responsabilidades
ilimitadas, at envolver toda a humanidade, como explica o prprio Levinas: ... sou
responsvel de uma responsabilidade total, que responde por todos os outros e por tudo
o que dos outros, mesmo pela sua responsabilidade. (LEVINAS, 1988, p. 91).
Portanto, a responsabilidade, se for como a descrevemos, necessariamente justa. Mas
Levinas percebe que seu argumento precisa de um maior esclarecimento. que falta
esclarecer se o outro mediador entre a subjectividade e o terceiro ou cada um dos
outros tem peso para exigir responsabilidade subjectividade. por isso que aparece a
noo do terceiro, para referir-se a todos os outros e justificar a responsabilidade
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A noo do terceiro introduz uma nova abertura na subjectividade, para acolher todos os
outros. Esta nova abertura justifica a responsabilidade, pois na proximidade do outro,
todos os outros que no o outro me obsidiam, e j a obsesso cria a justia, reclamando
medida e saber, conscincia (LEVINAS, citado por PELIZZOLI, 2002, p. 209).
Esta interaco aceita a pluralidade na sociedade e garante a justia social. Sem a
interveno do terceiro, comenta Pelizzoli, caa-se na solido a dois. Mas o terceiro
introduz o ser-com-os-outros; mas no aquele ser-com-os-outros heideggeriano que se
ocupa em ser, mas um que realiza a justia, para uma sociedade digna do humano.
Neste crescendo que vai do solipsismo autnomo do eu responsabilidade justificada
pelo terceiro pode entrever-se, talvez, uma comunidade de semelhantes que Levinas
tanto contestou em toda a sua obra. No estar esta ideia do terceiro a conduzir Levinas
s portas da ontologia?
4.3.2. Ser a ideia do terceiro um regresso ontologia?
Quando o terceiro justifica a responsabilidade liberta a responsabilidade da solido
paritria para a solidariedade social, ao encontro de todos os outros. A respeito desta
ltima etapa da liberdade, Levinas comenta que
a justia necessria, isto , comparao, coexistncia,
contemporaneidade, agrupamento, ordem, tematizao, a visibilidade das
faces e assim intencionalidade e o intelecto, a inteligibilidade de um sistema
e da tambm a co-presena em p de igualdade como diante de um tribunal
de justia (LEVINAS, citado por HUTCHENS, 2007, p. 146).
A nova racionalidade que nasce da escalada de questionamentos da liberdade e da
responsabilidade est livre da violncia. O terceiro elimina os ltimos traos da
violncia boa que a solido a dois implicava (cfr. HUTCHENS, 2007, p. 146). O
terceiro introduz a justia na responsabilidade. Portanto, a racionalidade admitida por
Levinas no a condio, mas a consequncia da justia na responsabilidade.
Esta abordagem da justia representa um contributo terico e prtico para a filosofia da
justia. Teoricamente, a justia autoriza o uso da razo, se tal uso for tico. Isto quer
dizer que a racionalidade s se justifica se for para promover a justia, pois esta maior
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e mais importante que aquela e que, portanto, se a racionalidade no promove a justia
violenta. Na poltica, a distribuio racional da responsabilidade da subjectividade do
poltico permitiria ir ao encontro de todos os outros, principalmente daqueles que so
mais vulnerveis.
4.4. A alteridade do aluno e a responsabilidade do professor
Levinas no escreveu obras dedicadas filosofia da educao. Mas j que toda a sua
obra a defesa da alteridade, favorecendo um dilogo que no se baseia no
conhecimento prvio dos interlocutores (como na maiutica socrtica), convm
aproveitar esta perspectiva para ver se esta Monografia Cientfica pode contribuir na
reflexo sobre a filosofia da educao. A propsito disso, convm sublinhar que as
referncias de mestre, aluno, ensino, saber, aprender esto presentes na obra de Levinas.
O que podemos reter de tais referncias? Comecemos falando da alteridade do aluno
para extrair a correspondente responsabilidade acadmica do professor.
4.4.1. A alteridade do aluno
Vindo de fora da escola, o aluno a prpria exterioridade que esconde segredos
mltiplos e em mudana. Assim, em primeiro lugar, o aluno no pode ser visto como
um ser humano j conhecido. A opinio geral de pensar que o aluno vem escola para
adquirir conhecimento ou formao profissional. Esta e outras opinies so defendidas
com o objectivo de agregar diferentes caractersticas e necessidades dos alunos num
nico e bem identificado grupo, para simplificar a tarefa do professor, que , por
definio complexa e no simplificvel.
Em segundo lugar, significa que no incio do ano os alunos no esto em p de
igualdade; eles no tm o mesmo nvel de conhecimentos. H alunos que tm mais
dificuldades de assimilar as matrias e h aqueles que as assimilam mais facilmente. H
alunos que estiveram expostos a condies pedaggicas menos favorveis
aprendizagem do que seus colegas (qualidade das instalaes e do trabalho dos
professores). Estas situaes mostram que as exigncias dos alunos so diferentes e a
justia deve permitir ver quais os que merecem maiores cuidados por parte do professor.
Em terceiro lugar nem todos os alunos vo escola por amor ao saber; mas nem por
isso so menos merecedores da responsabilidade do professor. Ir escola com o
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objectivo de lutar contra a violncia social, econmica, poltica, cultural e at religiosa
do ambiente em que vivem um objectivo legtimo que no se pode subestimar. No
nasceu a filosofia grega para emancipar a razo da sua dependncia aos mitos? Foi
unicamente por amor sabedoria que os gregos estudavam a geometria, a tica ou a
metafsica? No era para resolver problemas concretos que tais estudos surgiram?
Portanto, se o aluno no se enamora com a cincia do modo como o professor deseja,
talvez aquele aluno atribua um significado individual educao. Os alunos so os
outros, so de uma alteridade que no se pode integrar em caractersticas j
conhecidas, ou numa totalidade.
A escola e os professores devem estar atentos no apenas diversidade mas tambm ao
contedo de cada diversidade dos alunos. A ateno sobre este aspecto da singularidade
iria ajudar a redesenhar os curricula e a introduzir novos cursos universitrios, pois at
ao presente, os estudantes tm poucas opes de escolhas para o futuro.
4.4.2. A responsabilidade do professor
O professor tem uma responsabilidade at substituio do prprio aluno, devendo
esforar-se no lugar do aluno e dos seus pais. Isto significa que o professor deve estudar
os contedos da aprendizagem antes de apresent-los na sala de aulas. Ele no apenas
o mestre; tambm aluno perante aquilo que ele ensina. estando do lado do aluno
(substituio) que ele poder ver melhor como dever transmitir os contedos de
aprendizagem.
Uma outra lio que podemos tirar do pensamento de Levinas sobre a alteridade e a
subjectividade sobre a relevncia e prioridade dos contedos de aprendizagem em
filosofia. O que prioritrio ensinar aos estudantes? Depois de uma histria da cincia e
da filosofia testemunha da relatividade da verdade cientfica e filosfica, ser que existe
alguma legitimidade racional para ensinar de forma dogmtica disciplinas em disputa
acadmica e social como o atesmo, a biotica, a inteligncia artificial, a poltica, entre
outras? preciso pensar na alteridade do aluno para no eliminar as escassas referncias
ticas que o guiam no conhecimento e nas atitudes. Criticando os intelectuais, Levinas
diz em Autrement qutre:
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O mundo moderno est antes de tudo em ordem ou em uma desordem
em que as elites no podem mais deixar os povos a seus males e em suas
iluses, nem mesmo em seus sistemas redentores que, abandonados sua
prpria lgica, invertem-se implacavelmente. Elites que se chamam por vezes
intelectuais (LEVINAS, citado por PELIZZOLI, 2002, p. 210).
Quando o professor no aprende o que est a ensinar, transforma-se nessa elite
intelectual que abandona os alunos com seus problemas e iluses, podendo certas
abordagens conduzir violncia a curto ou longo prazos.
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CONSIDERAES E RECOMENDAES FINAIS
A Monografia Cientfica defendeu que o ncleo da filosofia de Emmanuel Levinas o
conceito de alteridade. Levinas pensa a alteridade como irredutvel subjectividade,
devendo, portanto, aceder-se pela tica e no pela via ontolgica. por essa razo que a
tica a filosofia primeira, pois nela que a subjectividade entendida como
responsabilidade d entrada no humano. A humanidade do homem no se erige sobre o
edifcio da razo, mas sobre o da tica.
Assim, podemos reter, pelo menos, quatro concluses em torno da problemtica desta
Monografia, nomeadamente, i) sobre a racionalidade tica; ii) sobre o infinito do outro;
iii) sobre a constituio da subjectividade e, finalmente, iv) sobre a responsabilidade
social e acadmica dos intelectuais.
A primeira concluso de que a racionalidade no pode limitar-se na busca da verdade.
A racionalidade tem de se fundar na Bondade que a origem de toda a realidade. Pode-
se escutar aqui, inequivocamente, a referncia a um Deus.
A segunda concluso de que o outro infinito em razo de a sua presena no suscitar
desejo de compreenso, mas chamada para a responsabilidade. que a sua presena
ordena imediatamente para a substituio de outrem antes de suscitar no sujeito o desejo
de conhecimento.
A terceira concluso de que a subjectividade no um ente que estaria j lanado na
existncia. A subjectividade constitui-se no acontecimento da responsabilidade no
escolhida mas aceite. Para ser eu no basta simplesmente existir. preciso responder a
outrem. Antes dessa resposta, -se apenas ente, absorvendo para si o que precisa para
existir.
A quarta concluso de que a responsabilidade de pensar a partir do outro, tarefa que
extravasa os limites do pensamento, deve irromper tambm nos caminhos do acto de
filosofar. Os intelectuais carregam sobre si a insubstituvel tarefa de prevenir os homens
da hora da traio da utopia do humano, como aconteceu nas Primeira e Segunda
Guerras Mundiais. Desateno, alheamento ou cumplicidade dos intelectuais? Os
intelectuais devem ser a palavra de ordem que impede a queda do homem no ser, na
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violncia, na pura preocupao por si prprio. Estar alerta manter o homem sempre
preocupado por outrem e com todos os outros.
Para terminar, apresentamos tambm quatro recomendaes sugestivas para outras
entradas no pensamento de Emmanuel Levinas.
A primeira recomendao de averiguar se o paradigma filosfico judaico seria
relevante para a elaborao de paradigmas filosficos africanos, visto que a tradio
filosfica judaica coloca um desafio alto para uma filosofia ocidental pouco habituada a
desafios, enquanto a filosofia africana mantm, a nosso ver, uma relao menos crtica,
pelo menos formalmente.
A segunda recomendao de voltarmos a questionar a to querida noo do ser. Ser
ela a principal noo da racionalidade filosfica? No ser antes o Bem que a
primordial e central para o pensamento? Pelo menos Plato assim pensava.
A terceira recomendao de questionar Levinas sobre o tempo da responsabilizao da