TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA NO TERRITÓRIO DA BOCAINA ...
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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULO
TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA NO TERRITÓRIO DA BOCAINA – BRASIL:
tecendo parcerias e redes em busca da sustentabilidade
NICK KANTOROWICZ BUCK
SÃO PAULO
2020
NICK KANTOROWICZ BUCK
TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA NO TERRITÓRIO DA BOCAINA – BRASIL:
tecendo parcerias e redes em busca da sustentabilidade
Trabalho Aplicado apresentado à Escola de
Administração de Empresas de São Paulo da
Fundação Getulio Vargas, como requisito para a
obtenção do título de Mestre em Gestão para a
Competitividade.
Linha de pesquisa: Sustentabilidade.
Orientador: Prof. Dr. Mario Monzoni
SÃO PAULO
2020
Buck, Nick Kantorowicz.
Turismo de base comunitária no território da Bocaina – Brasil : tecendo parcerias e redes em busca da sustentabilidade / Nick Kantorowicz Buck. - 2020.
92 f.
Orientador: Mario Monzoni.
Dissertação (mestrado profissional MPGC) – Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo.
1. Turismo - Aspectos sociais. 2. Comunidade - Desenvolvimento - Bocaina (SP). 3. Grupos etnicos. 4. Sustentabilidade. 5. Cooperação. I. Monzoni, Mario. II. Dissertação (mestrado profissional MPGC) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo. III. Fundação Getulio Vargas. IV. Título.
CDU 379.85
Ficha Catalográfica elaborada por: Isabele Oliveira dos Santos Garcia CRB SP-010191/O
Biblioteca Karl A. Boedecker da Fundação Getulio Vargas - SP
NICK KANTOROWICZ BUCK
TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA NO TERRITÓRIO DA BOCAINA – BRASIL:
tecendo parcerias e redes em busca da sustentabilidade
Trabalho Aplicado apresentado à Escola de
Administração de Empresas de São Paulo da
Fundação Getulio Vargas, como requisito para
a obtenção do título de Mestre em Gestão para
a Competitividade.
Linha de pesquisa: Sustentabilidade.
Orientador: Prof. Dr. Mario Monzoni
Data de aprovação:
_____ / _____ / ________
Banca Examinadora:
_____________________________________
Prof. Dr. Mario Monzoni – FGV EAESP
_____________________________________
Prof. Dr. André Pereira de Carvalho – FGV
EAESP
_____________________________________
Profa. Dra. Edilaine Albertino de Moraes -
UFJF
RESUMO
Diante dos inúmeros impactos negativos causados pelo turismo convencional, o turismo de base
comunitária surge como uma importante alternativa para que comunidades tradicionais
protagonizem formas mais sustentáveis de se fazer turismo, fortalecendo a coesão social ao
estimular o empoderamento e o protagonismo dos indivíduos, além de promover a valorização
da história e da cultura local. Nessa direção, o presente trabalho procurou analisar, a partir de
um estudo de caso, as estratégias que estão sendo implementadas pela parceria entre o Fórum
de Comunidades Tradicionais (FCT), um movimento da sociedade civil e a Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz), para promover o turismo de base comunitária nas comunidades tradicionais
caiçaras, quilombolas e indígenas, pertencentes ao território da Bocaina. Através da construção
do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS), um espaço de
gestão compartilhada, implantou-se uma agenda territorializada, pautada na ecologia de
saberes, que reconhece todas as formas de conhecimento, inclusive os saberes tradicionais. A
cooperação horizontal entre pesquisadores acadêmicos e pesquisadores comunitários,
estabelecida no processo de gestão do OTSS, legitima o trabalho realizado ao dar voz às
comunidades tradicionais do território. Para promover e consolidar as iniciativas de TBC na
região concebeu-se a Rede Nhandereko de Turismo de Base Comunitária, que atualmente busca
desenvolver uma central de comercialização para os roteiros de TBC. Algumas das conclusões
deste trabalho permitem reafirmar: (a) Em um território complexo, do ponto de vista da
governança ambiental, o TBC, para as comunidades tradicionais da Bocaina, é visto como uma
prática social de extrema importância para a manutenção de seus modos de vida e para fortalecer
a luta na defesa de seus territórios; (b) a parceria entre o FCT e a Fiocruz, através do OTSS,
criou condições relevantes e necessárias para a o sucesso de iniciativas de TBC tais como: um
capital social com maior consciência política, mais participativo e colaborativo e com maior
coesão social; (c) a construção da Rede Nhandereko de Turismo de Base Comunitária vem
permitindo uma extensa troca de saberes entre as três etnias do território (caiçaras, quilombolas
e indígenas), inspirando comunidades que buscam implementar iniciativas de TBC, ao mesmo
tempo em que procura garantir, um modelo de negócios comunitários para o funcionamento da
central de comercialização que ainda está em fase de construção; (d) o trabalho realizado pela
parceria, mesmo em um momento político adverso, está sendo capaz de fortalecer os vínculos
das comunidades com seu território e sua identidade, através das práticas de TBC que se tornou
uma importante ferramenta de luta para assegurar a manutenção da cultura local e a defesa de
seus territórios.
PALAVRAS-CHAVE: Turismo de base comunitária, Comunidades tradicionais, Parceria,
Redes, Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT), Observatório dos Territórios Sustentáveis
e Saudáveis da Bocaina (OTSS), Rede Nhandereko.
ABSTRACT
In the face of the numerous negative impacts of conventional tourism, community-based
tourism (CBT) is an important alternative for traditional communities to develop more
sustainable forms of tourism. Such approach may reinforce social unity by stimulating the
empowerment and the protagonism of those involved with it, besides highlighting local history
and culture.
The present work presents a case study of the strategies that are currently being implemented
by the cooperation among the Forum of Traditional Communities (FTC), a civil society
movement and the Oswaldo Cruz Foundation (Fiocruz), in which they promote community-
based tourism in the traditional communities of caiçaras, quilombolas and native Indians from
the Bocaina territory.
The construction of the Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina
(OTSS), a shared management project, was followed by the creation of a territory agenda based
on the ecology of knowledge, which recognizes all forms of knowledge, including traditional
ones. Horizontal cooperation among academic and community researches was established at
the OTSS management, to give voice to the traditional communities of the territory. To promote
and consolidate the CBT initiatives in the area, the Nhandereko Network of Community-based
Tourism was created to develop the market for CBT routes.
Some conclusions of this study are: 1) in a hypercomplex territory, from the environmental
governance perspective, CBT for the traditional communities of Bocaina is perceived as an
extremely important social practice for the maintenance of their lifestyle and also to support
their fight for their territory; 2) the cooperation between FTC and Fiocruz, through OTSS, has
created important and much-needed conditions for the success of the CBT initiatives, such as:
human capital with greater political awareness, commitment and also with greater social
cohesion; 3) the creation of the Nhandereko Network of Community-based tourism has enabled
a rich knowledge exchange among the three ethnic groups of the territory (caiçaras, quilombolas
and Indians), inspiring communities that are willing to start CBT initiatives, while ensuring a
common business ground model for the trading system that is currently being developed; 4) the
job performed by the partnership, even though in a troublesome political scenario, has been
able to strengthen the link between the communities and their territories and identities, through
the CBT practices that have become an important tool for the struggle to maintain local culture
and in their territory defense.
KEYWORDS: community-based tourism, traditional communities, cooperation, networks,
Forum of Traditional Communities (FTC), Observatory of Healthy and Sustainable Territories
of Bocaina (OHSTB), Nhandereko Network.
LISTA DE ABREVIATURAS
APA – Área de Proteção Ambiental
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
ENTBL – Encontro Nacional de Turismo de Base Local
ESEC – Estação Ecológica
FCT – Fórum de Comunidades Tradicionais
FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz
FUNASA – Fundação Nacional de Saúde
GT – Grupo de Trabalho
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
ITS – Incubadora de Tecnologias Sociais
MPF – Ministério Público Federal
MTur – Ministério do Turismo
NTT – Núcleo de Transição Tecnológica
NUGES – Núcleo de Gestão dos Saberes
ODM – Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OMT – Organização Mundial do Turismo
ONG – Organizações Não Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
OTSS – Observatório dos Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina
REDTURS – Rede de Turismo Comunitário da América Latina
PESM – Parque Estadual da Serra do Mar
PLANTUR – Plano Nacional de Turismo
PNSB – Parque Nacional da Serra da Bocaina
PNUD – Programa das Nações Unidades para o Desenvolvimento
PPP – Parceria Público Privada
PRODETUR - Programa de Ação para o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste Brasileiro
SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza
TBC – Turismo de Base Comunitária
UC – Unidades de Conservação
UFF – Universidade Federal Fluminense
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Mosaico da Bocaina e suas Unidades de Conservação .....................................38
Figura 2: Guia de Bolso da Rede Nhandereko .................................................................51
Figura 3: Restaurante do Quilombo do Campinho ...........................................................55
Figura 4: Bacia de evapotranspiração construída na comunidade do Sono ......................65
Figura 5: Diagrama representando a relação do TBC com os três pilares
centrais do OTSS ..............................................................................................................68
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Perfis dos/das entrevistados/as.................................................................................34
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 9
2. REVISÃO DA LITERATURA ............................................................................ 23
2.1 Turismo de Base Comunitária: definições e princípios ................................... 23
2.2 O Turismo de Base Comunitária no Brasil .................................................... 26
2.3 As redes de TBC ........................................................................................... 29
3. METODOLOGIA DE PESQUISA ...................................................................... 32
3.1 Justificativa para a escolha do método ........................................................... 32
3.2 Critérios para a seleção do caso ..................................................................... 33
3.3 Técnicas para a coleta de dados ..................................................................... 33
3.4 Elaboração e execução das entrevistas ........................................................... 33
4. APRESENTAÇÃO DO ESTUDO DE CASO: A PARCERIA ENTRE O FÓRUM DAS
COMUNIDADES TRADICIONAIS E A FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ .............. 36
4.1 O contexto para a criação do fórum de comunidades tradicionais .................. 36
4.2 As pressões geradas pela criação das Unidades de Conservação no território da
bocaina .................................................................................................................... 39
4.3 A parceria com a Fiocruz e a criação do Observatório dos Territórios Sustentáveis e
Saudáveis da Bocaina .............................................................................................. 42
4.4 O OTSS e seus princípios.............................................................................. 44
4.5 Governança e gestão do OTSS ...................................................................... 46
4.6 A criação da incubadora de tecnologias sociais e o nascimento da Rede Nhandereko
de Turismo de Base Comunitária ............................................................................. 48
5. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS .................................................................... 52
5.1 Entendimento do que é o Turismo de Base Comunitária ................................ 52
5.2 A necessidade de recursos e infraestrutura para o desenvolvimento do TBC.. 54
5.3 A geração de empregos e renda no território.................................................. 56
5.4 As partilhas de vivência de TBC e o papel da Rede Nhandereko ................... 58
5.5 A relação da Rede Nhandereko com as agências e operadoras de turismo...... 61
5.6 A atuação da parceria no território: a relação da agroecologia, do saneamento
ecológico e da educação diferenciada com o TBC.................................................... 63
5.7 A importância do Fórum de Comunidades Tradicionais para as comunidades no
atual contexto político brasileiro: a agenda política e a ocupação dos espaços como
estratégia de luta ...................................................................................................... 69
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 74
7. REFERÊNCIAS .................................................................................................. 78
8. APÊNDICES.............................................................................................................90
9
1. INTRODUÇÃO
O turismo vem se expandindo globalmente, desde o início da década de 1950, com uma
acentuada aceleração na última década. Segundo a Organização Mundial do Turismo (OMT),
as receitas de exportação geradas pelo turismo internacional atingiram, em 2018, a marca de
U$1,7 trilhões, 4% acima das receitas obtidas no ano anterior. O setor registrou, no mesmo ano,
a marca de 1,4 bilhão de chegadas internacionais, um aumento de 6% em relação a 2017.
Atualmente, o turismo representa 7% das exportações globais, crescendo a uma taxa mais
elevada do que as exportações de mercadorias (WTO, 2019).
Instituições internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), enfatizam
a importância de fomento ao turismo para a redução da pobreza global. Segundo a Organização
Mundial do Turismo (OMT), para que, de fato, o turismo seja capaz de estimular o
desenvolvimento de uma determinada localidade, é necessária uma sólida compreensão de
como o turismo poderá impactá-la, positivamente e negativamente. A depender da forma como
o projeto é planejado e implementado, os impactos gerados podem variar enormemente, por
isso, a importância de se tomar todo o cuidado possível durante o seu planejamento, de forma
a torná-lo o menos agressivo possível para o local (GALDINO; COSTA, 2011).
A noção de turismo pode diferir dependendo da abordagem dada ao tema. Em um
mesmo momento histórico, diferentes concepções podem ser encontradas. Noções mais
simplistas apresentam o turismo como uma atividade econômica capaz de induzir o
desenvolvimento, ao promover a entrada de recursos através da geração de empregos no local
visitado. Para Irving, Lima e Moraes (2016), o turismo, na realidade, representa um fenômeno
global complexo capaz de abarcar distintas dimensões, dentre elas, a econômica, a social, a
ambiental, a política e a ética, salientando ainda que, “a leitura simplificada e reducionista
deste fenômeno de alcance global pelo viés estritamente econômico restringe claramente a
possibilidade de uma real ‘radiografia’ dos processos envolvidos e limita inúmeras
potencialidades em planejamento dirigido ao setor” (p.16).
A epistemologia do turismo, apesar de um tema teórico, complexo e com pouca
aplicabilidade, apresenta sua relevância para este trabalho acadêmico na medida em que traduz
a forma como o autor pensa o turismo: fenômeno de elevada complexidade, capaz de influenciar
a vida de todos os envolvidos, especialmente dos que são visitados, influenciando os seus
modos de vida e interferindo diretamente na construção dos territórios (IRVING; LIMA;
MORAES, 2016; PANOSSO NETTO; NECHAR, 2014).
10
O fenômeno do turismo tal qual conhecemos hoje é recente, inaugurado com a
industrialização e a internacionalização do capital promovidos pelas revoluções burguesas dos
séculos XVIII e XIX (MAGALHÃES, 2008). Após a Segunda Guerra Mundial, o turismo
passou a ocupar lugar cada vez mais central na economia global, a partir de um contexto social
com elevados níveis de consumo, especialmente, no continente europeu e nos Estados Unidos.
Nestes mercados, a expansão do turismo ocorreu de maneira acelerada, devido ao
desenvolvimento das grandes cadeias hoteleiras, das diversas operadoras de turismo e
companhias aéreas, levando ao estabelecimento da infraestrutura necessária, além da redução
nos custos de transporte. Impulsionada pelo marketing focado no cliente e nas vendas, a
atividade turística rapidamente ganhou escala, iniciando-se um processo de massificação da
mesma (SEZGIN; YOLAL, 2012).
O termo ‘turismo de massa’ vem sendo utilizado há décadas e com diferentes
interpretações. Esta pesquisa adotará a perspectiva que entende o turismo de massa como uma
atividade eminentemente econômica, realizada em larga escala e que busca o maior retorno
financeiro no menor prazo de tempo, privatizando os lucros e, ao mesmo tempo, socializando
os prejuízos decorrentes da atividade (SAMPAIO, 2005; ZAOUAL, 2008).
Turismo de negócios e turismo rural são alguns exemplos de distintos segmentos da
atividade turística, que variam de acordo com a atividade a ser realizada. No turismo de
negócios, que, geralmente, ocorre em grandes centros urbanos, por exemplo, os visitantes estão
interessados em atividades comerciais ou industriais focando, portanto, em atividades
profissionais. Para os diferentes segmentos do turismo existe uma complexa rede de apoio
responsável por ofertar os serviços procurados pelos visitantes como: rede de hotéis, pousadas,
hostels, campings, restaurantes, lojas, locadoras de automóveis entre outros. Estes serviços são,
em geral, prestados por agentes independentes que, geralmente, empregam a mão de obra do
local. Este complexo sistema tem como finalidade o lucro e a apropriação individual dos
benefícios gerados pela atividade, baseado na acumulação do capital.
Este modelo de turismo será tratado, nesta pesquisa, como ‘turismo convencional’, o
qual vem sendo estimulado por governos e instituições que justificam os investimentos e os
benefícios concedidos aos empreendedores na geração de empregos diretos e indiretos.
Algumas pesquisas apontam que, em grande parte dos casos, a população local, que
constitui a maior parte da mão de obra empregada no setor turístico, acaba recebendo uma
quantia desproporcional da renda gerada, aumentando significativamente as desigualdades de
11
renda (ALAM; PARAMATI, 2016; BOTELHO; RODRIGUES, 2016; RIBEIRO, 2005;
THOMPSON et al., 2014).
Uma pesquisa realizada no Delta do Okavango, em Botswana, evidencia de forma
bastante clara este tipo de situação. Thompson et al. (2014), ao analisar 20 diferentes
concessões na região, notou que 90,6% da mão de obra era realizada por residentes locais que,
por sua vez, ficavam com apenas 58,3% da remuneração.
O turismo de massa, inserido nesta mesma lógica de produção, ao privilegiar o lucro
imediato e a atuação em grandes escalas, acaba gerando inúmeros problemas nos locais onde
se desenvolve, não somente aqueles associados à distribuição da renda (MALDONADO, 2009;
ZAOUAL, 2009). Na literatura sobre o tema, inúmeras pesquisas que abordam as
externalidades negativas geradas por esta forma de se fazer turismo. Muitos autores consideram
nocivo o modelo vigente de crescimento do turismo global, devido à forte tendência de focar
nos aspectos econômicos da atividade em detrimento das outras dimensões envolvidas. Como
resultado desta abordagem estão os inúmeros impactos negativos gerados, que muitas vezes
acabam superando os positivos (ALAM; PARAMATI, 2016; BURGOS; MERTENS, 2015b;
BURSZTYN; BARTHOLO; DELAMARO, 2009; CORIOLANO, 2009; DUARTE, 2013;
MALDONADO, 2009; MENDONÇA, 2009; MENDONÇA; IRVING, 2004; OLIVEIRA,
2009; PINHEIRO, 2014; SILVA; RAMIRO; TEIXEIRA, 2009; ZAOUAL, 2009).
Segundo Pinheiro (2014), “o modelo predatório de crescimento do turismo que valoriza
apenas aspectos econômicos em detrimento da preservação do local e de seus receptores,
esgota os recursos naturais, colocando em risco as comunidades locais” (p. 63). Silva, Ramiro
e Teixeira (2009) vão além, ao analisarem os principais impactos negativos gerados pelas
pressões mundiais do mercado turístico, associando-os às dimensões social, ambiental e
cultural:
A prioridade para a dimensão estritamente mercadológica, em detrimento dos
princípios da sustentabilidade social, cultural, ambiental, provoca a
desestruturação da cultura local, eleva os índices de vazamentos de renda, descaracteriza ambientes naturais, estimula a especulação imobiliária e
exclusão territorial de residentes. Esses impactos são ainda mais deletérios nas
localidades mais pobres onde a expansão do turismo é apresentada como alternativa de melhoria das condições sociais, mas se transforma em fator de
agravamento da situação social. (SILVA; RAMIRO; TEIXERA, 2009, p.
362).
Para Moraes, Irving e Mendonça (2018), no contexto da América Latina, o turismo
convencional pode ser “entendido como um turismo agressivo e excludente (que gera
potencialmente ameaças ao equilíbrio sociocultural e ambiental dos lugares)” (p. 261).
12
Zaoual (2009, p.58) destaca o respeito que deve existir com as qualidades naturais e
culturais do local visitado, enfatizando que “uma exploração sem limite e sem respeito destas
últimas impulsiona irremediavelmente um esgotamento e consequentemente, uma repulsa da
demanda, logo, de investimentos. A procura da rentabilidade máxima destrói, a longo prazo,
as bases dessa mesma rentabilidade”.
Ainda na década de 1990, com o agravamento na intensidade dos impactos gerados pelo
turismo nas esferas social, ambiental, cultural e econômica, a atividade turística passou a
incorporar o paradigma da sustentabilidade no seu debate, nascendo daí o termo turismo
sustentável1 (BURGOS; MERTENS, 2015b).
Desde a concepção do conceito de “desenvolvimento sustentável”, no ano de 1987,
mediante a publicação do relatório Nosso Futuro Comum, pela Comissão Mundial sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento da ONU, o termo passou a integrar diferentes campos do
conhecimento, principalmente devido à sua grande flexibilidade. Inúmeras definições
alternativas foram propostas ao longo das últimas décadas para se adequar a diferentes
propósitos (KATES; PARRIS; LEISEROWITZ; 2005; HANAI, 2012).
A incorporação do conceito de sustentabilidade pelo turismo permitiu que a
multidimensionalidade deste fenômeno fosse incorporada no planejamento turístico em busca
de uma maior integração com os territórios onde ocorre. Esta abordagem procura garantir a
“consolidação de melhores condições na qualidade de vida de comunidades locais, na
organização econômica e na conservação do meio ambiente” (HANAI, 2012).
O turismo como estratégia para o desenvolvimento sempre esteve presente nas
principais agendas estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU). Em 2000, com
a realização da Cúpula do Milênio, foram adotados os Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio (ODM) para nortear as agendas internacionais, nacionais e locais em busca de um
melhor desenvolvimento das sociedades até o ano de 2015. O turismo, naquele momento, era
apontado como uma importante estratégia para alcançar o principal dos objetivos apresentados
no documento: a erradicação da pobreza extrema e da fome no mundo.
1 O conceito de turismo sustentável foi definido pela Organização Mundial de Turismo, no ano de 2003,
como aquele que “atende às necessidades dos turistas de hoje e das regiões receptoras, ao mesmo tempo em que protege e amplia as oportunidades para o futuro”. Apesar da complexidade envolvendo o tema,
dois importantes documentos de referência global ressaltam as intenções e os princípios relacionados ao
turismo sustentável, a saber: a Carta do Turismo Sustentável de Lanzarote (CONFERÊNCIA MUNDIAL DE TURISMO SOSTENIBLE, 1995) e a Agenda 21 para a Indústria de Viagens e Turismo
(WTO, 1997).
13
Após 15 anos, apesar dos esforços nacionais e internacionais, os resultados ainda eram
bastante tímidos diante dos dados referentes à intensificação nas mudanças do clima, ao
aumento da taxa de perda da biodiversidade e ao aumento da pobreza e das desigualdades
sociais. Realizou-se então, uma nova Assembleia Geral, a “Cúpula das Nações Unidas para o
Desenvolvimento Sustentável”, em 25 de setembro de 2015, na qual foi aprovada a Agenda
2030 e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS)2.
A comunidade global, como um todo, passou a se atentar mais para o turismo conforme
os seus efeitos nocivos foram ganhando escala: ONGs, pesquisadores, acadêmicos, instituições
envolvidas com o tema, além de parte das populações diretamente impactadas pelo turismo de
massa, passaram a buscar alternativas que possibilitassem reduzir significativamente as
externalidades negativas e, ao mesmo tempo, amplificar os efeitos positivos que podem ser
gerados por um turismo mais sustentável.
Segundo Irving (2009), no final do século XX e início do século XXI, em decorrência
da convergência de uma série de fatores, o turismo começa a ser “ressignificado”, não só em
território nacional, mas também internacionalmente. A possibilidade de promoção da inclusão
social, a partir do turismo, ganhou corpo nas discussões sobre o tema, com base na adoção, em
1992, da Agenda 21, pelas Nações Unidas. Desde então, a inserção das temáticas sociais e
ambientais nas conversas sobre turismo em ONGs internacionais; o reconhecimento da
importância do capital social e do compromisso e envolvimento dos stakeholders (‘stakeholder
engagement’) associado a uma mudança sutil no perfil dos turistas através de uma maior
conscientização à respeito dos impactos que o turismo gera para as populações locais, são
algumas tendências que começaram a despontar no início da década passada, diante do
crescente interesse sobre o tema da sustentabilidade. (IRVING, 2009).
Neste contexto, começaram a emergir as primeiras iniciativas de turismo de base
comunitária ou turismo comunitário como um novo modo de se fazer turismo de modo mais
sustentável. O Turismo de Base Comunitária (TBC) pode ser entendido como uma forma de se
fazer turismo, diferenciando-se, portanto, do turismo convencional. Apesar de ser associado a
alguns segmentos do turismo como o ecoturismo e o turismo rural, o TBC não se configura
como mais um segmento do turismo (SAMPAIO et al., 2014; SANSOLO; BURSZTYN, 2009).
2 A Agenda 2030 representa uma agenda global contendo 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
(ODS) ou Sustainable Development Goals (SDGs), além de 169 metas a fim de estimular ações globais que orientem os países-membros rumo a um desenvolvimento mais sustentável até o ano de 2030
(PNUD, 2019). Disponível em: <http://www.estrategiaods.org.br/o-que-sao-os-ods/ >.
14
Na literatura especializada, o TBC ainda pode ter outras denominações tais como: turismo
comunitário, turismo de base local, turismo solidário, entre outras (CORIOLANO, 2012).
No documento assinado por representantes comunitários de diversos países da América
Latina, no II Encontro Latino-Americano de Turismo Comunitário, ocorrido na Costa Rica, em
outubro de 2003, identificam-se alguns princípios e valores associados ao turismo para
contribuir com o desenvolvimento sustentável:
2. Nós esperamos que nossas comunidades possam prosperar e viver com dignidade, melhorando as condições de vida e de trabalho de seus membros.
O turismo pode contribuir na concretização desta aspiração na medida em que
fizermos dele uma atividade socialmente solidária, ambientalmente responsável, culturalmente enriquecedora e economicamente viável. Com
esta finalidade, exigimos uma distribuição justa dos benefícios que gera o
turismo entre todos os atores que participam de seu desenvolvimento. (OIT, 2003; grifo do autor).
Chama a atenção o destaque dado pela declaração à importância do turismo para a
melhoria da qualidade de vida das populações receptoras, desde que consideradas quatro
dimensões no seu planejamento: a dimensão social (‘atividade socialmente solidária’),
ambiental (‘ambientalmente responsável’), econômica (‘economicamente viável’) e cultural
(‘culturalmente enriquecedora’). Somente quando todas estas dimensões são, de fato, levadas
em conta na elaboração e no desenvolvimento de um projeto de turismo comunitário é que os
frutos poderão ser colhidos pelas comunidades envolvidas.
Para entender melhor os elementos em comum existentes entre a grande diversidade de
iniciativas de TBC, é importante considerar a fundo os contextos em que tais projetos se
desenvolvem. Nos países considerados da periferia do capitalismo (especialmente na América
Latina, Caribe, na África subsaariana e no sudeste Asiático), as pressões mundiais do mercado
turístico se intensificaram rapidamente, devido às belíssimas paisagens naturais ainda
preservadas (savanas, florestas tropicais, recifes de coral, praias intocadas, etc) associadas a
uma riqueza cultural singular (comunidades tradicionais que ainda mantém seus hábitos de vida
como pescadores, indígenas, artesãos, caçadores e quilombolas). É, neste contexto, que surgem
muitas das iniciativas de TBC, como uma nova forma de se fazer turismo diante dos graves
impactos decorrentes do turismo convencional (BURSZTYN; BARTHOLO; DELAMARO,
2009).
Segundo Burgos e Mertens (2015b), o turismo de base comunitária “emerge como uma
resposta de resistência às pressões mundiais do mercado turístico que, além de excluir as
populações locais dos potenciais benefícios do turismo, também ameaçam sua coesão social,
15
cultural e seu hábitat natural” (p.58). Para alguns especialistas no tema, as iniciativas de TBC
surgem como uma contraposição ao turismo de massa, como uma estratégia de resistência ao
turismo convencional (BURGOS; MERTENS, 2015b; CORIOLANO, 2009; FABRINO;
NASCIMENTO; COSTA, 2016; MORAES, IRVING, MENDONÇA, 2018; ZAPATA et al.,
2011).
Bursztyn, Bartholo e Delamaro (2009) defendem que:
O turismo alternativo de base comunitária busca se contrapor ao turismo massificado [...]. Não se trata, apenas, de percorrer rotas exóticas,
diferenciadas daquelas do turismo de massa. Trata-se de um outro modo de
visita e hospitalidade, diferenciado em relação ao turismo massificado, ainda que porventura se dirija a um mesmo destino. (BURSZTYN; BARTHOLO;
DELAMARO, 2009, p.85; grifos do autor).
A pobreza crônica em muitos países seria um outro fator explicativo para a busca de
fontes alternativas de renda através de projetos de TBC, principalmente por comunidades rurais
de origem indígena (BURSZTYN, 2012). Nestes países, não apenas devido à voracidade do
mercado, mas também à ausência ou ineficiência do Estado, importantes contra movimentos
têm surgido a partir da reação da sociedade civil organizada (CRUZ, 2009).
Além disso, a procura pelo TBC pode também estar relacionada a uma estratégia política
de movimentos associados a comunidades tradicionais, que buscam preservar seus territórios e
fortalecer sua identidade cultural frente à violação histórica aos direitos de propriedade destas
comunidades em benefício de atividades diversas, como a especulação imobiliária do turismo
de resorts e dos condomínios de alto padrão, a extração de recursos por grandes multinacionais,
além da exploração agrícola e pecuarista. (BURSZTYN, 2012).
Fica claro, portanto, que o turismo comunitário surge em contextos diversos,
especialmente a partir de críticas, reflexões e respostas ao modelo hegemônico de
desenvolvimento, que privilegia uma pequena minoria envolvida, capaz de usufruir do capital
acumulado, deixando para trás um rastro de prejuízos para a maior parcela da população.
No entanto, há um consenso entre os pesquisadores deste tema de que grande parte dos
projetos de TBC apresenta fragilidades e pode acabar se tornando insustentáveis se tais
vulnerabilidades não forem supridas (BURGOS; MERTENS, 2015b; BUYRTZIN, 2012;
BURSZTYN; BARTHOLO, 2012; MALDONADO, 2009; MIELKE, 2009; MIELKE,
PEGAS, 2013; MENDONÇA, 2009; MENDONÇA; IRVING, 2004).
Para Mielke (2009), esse número chegaria a mais de três quartos dos projetos de TBC
no Brasil. Para o autor, existiriam três principais deficiências que ajudariam a explicar a
16
fragilidade e/ou insustentabilidade das iniciativas de turismo de base comunitária no longo
prazo: (i), o acesso ao mercado; (ii), a governança interna; e, (iii), a gestão das parcerias
estratégicas de interesse.
Na literatura, algumas iniciativas de TBC, criadas na década de 1990, são apontadas
como exemplos de sucesso em território brasileiro. A Prainha do Canto Verde no Ceará, a
Associação Acolhida na Colônia em Santa Catarina e a Pousada Aldeia dos Lagos, em Silves,
na Amazônia são alguns destes exemplos (BURGOS; MERTENS, 2015a; CORIOLANO,
2009; GOODWIN; SANTILLI, 2009; MENDONÇA, 2009; MENDONÇA; IRVING, 2004).
A partir de uma análise realizada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em
2006, com 30 diferentes projetos de turismo comunitário na América Latina, Maldonado (2009)
aponta as principais deficiências que foram identificadas. A análise buscou identificar os
principais motivos por trás da fragilidade e da baixa competitividade destes projetos no mercado
do turismo. As oito deficiências estão descritas abaixo:
1. Oferta é dispersa e fragmentada;
2. A diversificação dos produtos turísticos é escassa, normalmente baseada em fatores
naturais;
3. Gestão profissional é limitada (desconhecimento do mercado de turismo);
4. Baixa qualidade do produto ofertado;
5. Deficiência nos mecanismos de informação e comunicação comercial (baixa capacidade
para negociação);
6. Dificuldade de divulgação do turismo comunitário em meios mais dinâmicos;
7. Déficit de serviços públicos nas comunidades (infraestrutura em geral);
8. Participação marginal ou subordinada das mulheres na concepção e gestão dos projetos
(OIT, 2019).
Para Botelho e Rodrigues (2016), os principais desafios para a realização do TBC em
áreas de Parques Nacionais seriam: (i), a falta de qualificação profissional; (ii), a ausência de
recursos financeiros para investimentos e manutenção dos serviços ofertados; e, (iii), a
dificuldade de formalização dos empreendimentos.
Considerando os desafios apontados pelas pesquisas anteriores, é possível identificar a
existência de um déficit em inúmeros fatores envolvidos nas práticas de TBC que contribuem
para a fragilidade dos projetos dentro e fora do país. A dificuldade na comercialização do
produto turístico, a carência na qualidade dos produtos ofertados e a restrita capacidade de
gestão e de planejamento das atividades, seriam os fatores mais relevantes para o fracasso de
17
muitas destas iniciativas (BRASIL, 2010; BOTELHO; RODRIGUES, 2016; BURSZTYN;
BARTHOLO, 2012; MALDONADO, 2009; MIELKE, 2009).
Diante desta diversidade de diagnósticos relacionados ao TBC, Holanda (2016) faz uma
importante reflexão acerca dos diferentes olhares sobre esta prática social. A autora aponta que
alguns destes diagnósticos têm levado pesquisadores da área a aplicar modelos de organização
empresarial como solução para as deficiências apontadas, sugerindo, por exemplo, a
profissionalização das comunidades envolvidas. Dessa forma, essas medidas seguem uma
lógica, na qual práticas de gestão empresarial estariam sendo impostas aos mais diferentes tipos
de organização, da administração pública ao terceiro setor, resultando em possíveis riscos para
o funcionamento do TBC. Isso porque,
[...] ao transplantar os métodos e procedimentos de gestão empresarial, de
forma acrítica, para o âmbito de organizações que cultivam objetivos
estranhos à lógica do mercado, há o perigo potencial de gerar distorções na natureza das organizações substantivas e desvirtuar suas ligações com
transformações sociais mais amplas visto que as técnicas e ferramentas
gerenciais, calcadas na razão instrumental, carregam em si pressupostos como pragmatismo, produtividade, cálculo constante entre meios e fins, eficiência,
competitividade, individualismo, etc. (HOLANDA, 2011, p.24).
Neste contexto, a autora apresenta uma série de reflexões e críticas sobre a adoção, de
forma acrítica e indiscriminada do modo de organização empresarial nas práticas de TBC que,
em geral, possuem pressupostos muito distintos e distantes dos objetivos de uma empresa.
Reforça a importância de se deixar em aberto as possibilidades para se pensar em outros modos
de organização para as práticas do turismo comunitário (HOLANDA, 2016).
Para Bursztyn e Bartholo (2012), é fundamental que as iniciativas de TBC consolidem
suas estratégias de comercialização para garantir a viabilidade econômica dos seus
empreendimentos, pois, somente assim os turistas interessados nessa prática poderão ter acesso
às informações sobre estes projetos, concretizando a sua intenção de viagem. Os autores
apontam ainda possíveis meios para atingir este objetivo, como o uso de e-mail e redes sociais,
destacando, porém, que, neste processo de consolidação das estratégias de comercialização,
uma série de cuidados deva ser tomada pelas comunidades, para que não percam os valores e
as crenças identitárias que constroem as suas práticas (BURSZTYN, 2012; BURSZTYN;
BARTHOLO, 2012).
Em sua tese de doutorado, Bursztyn (2012) defende ainda a necessidade de apoio
governamental para que as comunidades sejam capazes de realizar todo o seu potencial e, assim,
gerar os benefícios esperados. Indica para tal duas ações que poderiam ser executadas
concomitantemente. A primeira delas, de forma ativa, por meio da oferta de cursos para
18
qualificação profissional dos comunitários, a fim de suprir as carências na qualidade dos
serviços oferecidos e no processo de gestão. A segunda ação de apoio, desta vez indireta, seria
aquela que visa suprir as carências de infraestrutura comumente encontradas nos territórios
onde o TBC ocorre, por meio, por exemplo, da implementação de sistemas de coleta de
resíduos, melhorias na oferta de transporte público, na iluminação, entre outros. O autor ainda
aponta como papel do setor público, oferecer acesso ao mercado, bem como linhas de crédito
para estimular os investimentos nos empreendimentos comunitários (BUYRTZIN, 2012).
O apoio do poder público no desenvolvimento do turismo comunitário é de fundamental
importância, mas, no cenário brasileiro, esta não é uma realidade para a maioria dos municípios,
onde a falta de verbas e/ou de iniciativas dificulta a implementação de projetos de turismo
comunitário. Como já discutido anteriormente, a ausência ou a ineficiência do Estado tem sido
um ‘gatilho’ para a mobilização da sociedade civil (CRUZ, 2009).
É neste contexto que nascem os diferentes arranjos institucionais, formais e informais,
entre o Estado e/ou autarquias com a sociedade civil e as comunidades tradicionais envolvidas
com práticas de TBC. Por ser um fenômeno recente na América Latina, muitos desafios que
emergem das práticas de TBC estão sendo expostos pelas diferentes experiências das redes e
de iniciativas independentes, contribuindo assim para aprofundar a discussão sobre o tema.
Neste cenário, novas iniciativas que buscam articular diferentes projetos comunitários,
em território nacional, estão em prática ou em fase de construção, adotando novas estratégias
de planejamento e gestão, levando em conta o contexto de seus territórios.
A primeira década do século XXI marca o início da criação das primeiras redes para
articular diferentes iniciativas de turismo comunitário. A primeira delas foi criada no ano de
2001 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), intitulada: Rede de Turismo
Comunitário da América Latina (REDTURS). Sua missão: articular as iniciativas de TBC nos
níveis local e nacional, através do intercâmbio de experiências, apoiando os processos de
formação e promoção destes destinos na América Latina, potencializando seus pontos fortes e
superando suas carências (MALDONADO, 2009).
A partir de então, novas redes de TBC se consolidaram na América Latina, articuladas
pela REDTURS. Segundo pesquisa realizada em 2017, 16 experiências autodenominadas de
‘rede’ podem ser identificadas na América Latina, presentes na maioria dos países da América
do Sul e Central (MORAES; IRVING; MENDONÇA, 2018). Mesmo com a desativação oficial
da REDTURS pela OIT, em 2011, estas redes continuam ativas, mas sem uma articulação mais
19
ampla. As autoras da pesquisa, à luz da teoria sobre redes, analisaram e interpretaram cada uma
das 16 experiências e chegaram a algumas conclusões acerca destas organizações:
1. O modo de organização de uma rede pode variar de acordo com os interesses envolvidos
e a sua constituição pode envolver, além dos empreendimentos comunitários,
cooperativas sociais, ONGs, agências e operadoras de viagens;
2. A constituição destas redes está destinada, principalmente, a desenvolver estratégias
para a comercialização dos roteiros de TBC no mercado de viagens e para fortalecer a
gestão e operacionalização das iniciativas comunitárias;
3. É comum a presença de intercâmbio de experiências entre as comunidades envolvidas
além do compartilhamento de recursos materiais, serviços e conhecimentos;
4. Buscam também fortalecer as capacidades locais e mobilizar os grupos envolvidos em
busca de influenciar a elaboração de políticas públicas para o setor (MORAES;
IRVING; MENDONÇA, 2018).
Das 16 experiências que foram analisadas, apenas duas estavam relacionadas a
experiências de TBC no território brasileiro até aquele momento: a Rede Cearense de Turismo
Comunitário (Rede TUCUM) e a Rede Brasileira de Turismo Solidário e Comunitário
(TURISOL).
A Rede TUCUM representa uma articulação regional formada, desde 2008, por 14
comunidades do estado do Ceará além de ONGs que oferecem apoio institucional. Tem como
objetivos:
- Promover formas de oferta turística locais para garantir às populações
tradicionais a permanência em seu território e possibilitar a continuidade das
atividades econômicas tradicionais (em particular a pesca e a agricultura), dando visibilidade às lutas sociais para reconhecimento das comunidades
participantes;
- Oferecer aos viajantes responsáveis de todo o mundo a oportunidade de
conhecer e vivenciar experiências de Turismo comunitário junto às
populações tradicionais (TUCUM, 2013, p. 8).
A maioria das comunidades integrantes da Rede, que se concentra no litoral do estado,
começaram a se organizar, ainda em 2001, com o apoio da ONG Instituto Terramar frente à
pressão exercida pela instalação de megaprojetos como parques eólicos e empresas de
carcinicultura. Alguns anos depois nascia a Rede TUCUM (FREIRE, 2012).
Através do site da Rede, a principal forma de oferta turística das comunidades, o turista
é capaz não apenas de conhecer mais sobre as comunidades integrantes da Rede, como pode
20
também montar o seu roteiro escolhendo, por exemplo, quais comunidades deseja visitar e quais
as opções de serviços que deseja (passeios, trilhas, alimentação, hospedagem e transporte).
A Rede TUCUM se organiza de maneira descentralizada e está pautada nos princípios
da democracia direta, transparência e igualdade de gênero, raça e etnia (TUCUM, 2013). O
desenvolvimento de um ‘Caderno de Normas e Procedimento Internos’ representa um
instrumento de fundamental importância para apoiar e orientar as ações a serem desenvolvidas
pela Rede. O documento não apenas ajudou a fortalecer a Rede como também contribuiu para
qualificar o serviço turístico oferecido pelas comunidades e a divulgar o TBC para outras
comunidades possivelmente interessadas (FREIRE, 2012).
A outra rede identificada pelas pesquisadoras, a Rede TURISOL, foi criada no ano de
2003, através da articulação de um pequeno grupo de iniciativas de TBC de diferentes estados
da federação - Prainha do Canto Verde (Ceará), Acolhida na Colônia (Santa Catarina), Ecoporé
(Rondônia), Palmatur (Ceará), Parque Regional do Pantanal (Mato Grosso do Sul), Aldeia dos
Lagos (Amazonas) e Bordados da Caatinga (Piauí) - que, com o apoio da Embaixada da França
no Brasil, participou do Fórum Internacional de Turismo Solidário que ocorreu em Marselha-
FRA naquele mesmo ano. Organizações que atuam em projetos de turismo solidário acabaram
se juntando à Rede, não apenas para trocar experiências, mas também para fortalecer as
iniciativas de base comunitária já existentes, através da formação e da capacitação dos seus
integrantes (MORAES; IRVING; MENDONÇA, 2018).
O Projeto Bagagem, uma ONG que tem como objetivo fomentar o TBC no Brasil
tornou-se responsável por impulsionar a Rede, no âmbito do Edital MTUR/2008, para o
fomento do TBC, angariando recursos para a realização do primeiro encontro próprio da Rede,
que só veio a ocorrer em 2010, na Bahia (PROJETO BAGAGEM, 2017).
Ao longo de sua história, a Rede passou por alguns momentos de inatividade, devido à
falta de equipe e dificuldades no processo de gestão, já que as organizações vinculadas à rede
tinham muito trabalho na gestão dos seus próprios projetos. No ano de 2015, a ONG Projeto
Bagagem reassume a coordenação da Rede TURISOL em busca de dar um novo impulso às
iniciativas participantes, promovendo o II Encontro Nacional da Rede, no ano de 2015, em
Brasília (BARTHOLO et al., 2016). Atualmente, a Rede está ativa e em articulação apenas por
meios digitais.
Uma nova rede de TBC no Brasil se apresenta em construção, desta vez, na região
costeira da Bocaina, divisa entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro. A Rede Nhandereko
de Turismo de Base Comunitária é fruto de uma parceria inovadora entre um movimento da
21
sociedade civil, o Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT) e uma instituição de pesquisa
pública, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Esse é o contexto geral de investigação deste trabalho, que busca responder à seguinte
questão de pesquisa: de que forma se configura a parceria/relação entre o Fórum de
Comunidades Tradicionais (FCT) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), para promover o
turismo de base comunitária nas comunidades tradicionais caiçaras, quilombolas e indígenas,
pertencentes ao território da Bocaina?
Tendo como ponto de partida essa pergunta, o objetivo central desta pesquisa é analisar
as estratégias desenvolvidas pela parceria entre o Fórum de Comunidades Tradicionais e a
Fiocruz, para promover e consolidar as iniciativas de TBC nas comunidades tradicionais do
território da Bocaina. O trabalho busca também compreender qual será o papel da Rede
Nhandereko de Turismo de Base Comunitária na articulação e na comercialização destas
iniciativas.
O ponto de partida para a escolha deste projeto de pesquisa se deu no ano de 2014
quando, o autor deste trabalho teve o seu primeiro contato com o movimento através de uma
cartilha do FCT que apresentava as suas ações, dentre elas o Turismo de Base Comunitária.
Como viajante, sempre esteve à procura de experiências mais autênticas, buscando conhecer os
locais visitados a partir de uma ótica distinta, uma ótica que permitisse conhecer não apenas as
belezas naturais do local, mas também a riqueza cultural e o dia-a-dia dos visitados.
Como biólogo de formação, o autor deste trabalho apreendeu muito da ciência, através
do método científico, que pouco valoriza as outras formas do conhecimento. Durante a sua
formação e suas viagens, deparou-se com pessoas dotadas de muito conhecimento, mas que não
compartilhavam a mesma visão de mundo produzida pela ciência. O contato direto com estes
saberes (ditos tradicionais) foi de extrema importância para entender a sua relevância para a
ciência e, assim, colocar em cheque o seu monopólio como detentora dos saberes.
As experiências pessoais com o TBC na Amazônia e no sul do continente africano, em
Botswana e na Namíbia mais especificamente, despertaram um interesse genuíno nessa prática
social tão distinta do turismo convencional. Ao saber, por um dos integrantes desta parceria,
que a produção de conhecimento se dava através da combinação do conhecimento tradicional,
oriundo do FCT, juntamente com a ciência, ficou ainda mais interessado.
O autor deste trabalho reconhece, portanto, a importância desta parceria para um
território historicamente invadido pelo turismo de massa e permeado por uma série de conflitos
de distintas origens, que serão explorados mais adiante.
22
Para isso, esse trabalho apresenta a seguinte estrutura: na seção 2, o autor apresenta uma
revisão teórica da literatura sobre o turismo de base comunitária, apresentando suas definições
e princípios, além de contextualizar o tema em território nacional; a seção 3 descreve a
metodologia e os procedimentos que foram utilizados nesta pesquisa; a seção 4 apresenta o caso
estudado; a seção 5 faz uma análise dos resultados obtidos e, por fim, a última sessão desta
pesquisa traz as considerações finais, com o objetivo de consolidar as análises desenvolvidas e
responder à questão deste trabalho.
23
2. REVISÃO DA LITERATURA
2.1 Turismo de Base Comunitária: definições e princípios
Após analisar os possíveis contextos nos quais iniciativas de turismo de base
comunitária podem ocorrer, assim como seus desafios de implementação, cabe discutir o que
venha a ser esta prática turística. Em primeiro lugar, deve-se levar em conta que cada iniciativa
de TBC é única já que cada comunidade possui a sua própria história e ocupa o seu próprio
território, tornando complexa a tarefa de criar um conceito unificador. Apesar da inexistência
de uma definição amplamente aceita, pode-se encontrar na literatura alguns princípios em
comum sobre o tema que ajudam a compreender melhor esta prática tão heterogênea
(BARTHOLO; SANSOLO; BURSZTYN, 2009; HOLANDA, 2016).
Para Irving (2009), o TBC representa uma “nova filosofia de se fazer e de se pensar o
turismo” (p. 115). Para a autora, a base endógena no planejamento e desenvolvimento do TBC
é a premissa fundamental desta prática, ou seja, “se os protagonistas deste destino forem
sujeitos e não objetos do processo” (IRVING, 2009, p. 111). A justificativa que a autora utiliza
está no fato do turismo, de qualquer natureza, ser capaz de interferir na dinâmica socioambiental
de qualquer destino. Destaca ainda a possibilidade que o TBC possui, em tese, de favorecer “a
coesão e o laço social e o sentido coletivo de vida em sociedade, e que por esta via, promove a
qualidade de vida, o sentido de inclusão, a valorização da cultura local e o sentimento de
pertencimento” (p. 111).
Nesta mesma linha, Coriolano (2009) destaca o protagonismo e o controle das
comunidades não só sobre o território em que vivem, mas também das atividades econômicas
que desempenham, através de arranjos produtivos locais. Para a autora, estes projetos permitem
o desenvolvimento de um forte senso de associação e envolvimento participativo capaz de
facilitar enfrentamentos futuros que possam surgir naquela localidade.
A participação da comunidade em todas as etapas que envolvem desde a construção, até
a execução dos projetos, contribui diretamente para o “empoderamento” da comunidade como
um todo, colaborando com o sentimento de pertencimento e com a apropriação dos meios de
produção e de consumo (HIWASAKI, 2006; MALDONADO, 2009).
Burgos e Mertens (2015b) reforçam o princípio de envolvimento ativo dos atores sociais
no desenvolvimento do TBC apontando o processo de gestão participativa como um
24
‘instrumento dinamizador’, capaz de viabilizar um projeto com um objetivo comum, mas que,
ao mesmo tempo, respeite os interesses pessoais dos envolvidos.
Maldonado (2009) defende que todo projeto de TBC é na verdade uma forma de
organização empresarial, porém baseada em princípios como: cooperação, autogestão
sustentável, equidade no trabalho e na distribuição dos benefícios gerados pela atividade. Para
o autor, o grande diferencial estaria na sua “dimensão humana e cultural, vale dizer
antropológica, com objetivo de incentivar o diálogo entre iguais e encontros interculturais de
qualidade com nossos visitantes, na perspectiva de conhecer e aprender com seus respectivos
modos de vida” (MALDONADO, 2009, p. 31).
Há um outro importante elemento a ser considerado nas práticas de TBC que envolve o
encontro entre o ‘visitante’ e o ‘visitado’. No turismo de massa, oferecido como um produto
padrão, muitas vezes, o diálogo entre as diferentes culturas não ocorre, e as populações visitadas
acabam sendo interpretadas segundo uma visão estereotipada, reduzindo-as muitas vezes a um
folclore (ZAOUAL, 2009; IRVING, 2009). O que de fato se caracteriza como principal atrativo
do TBC, responsável por cativar os visitantes, seria exatamente o fator humano e cultural (os
modos de vida, de produção e os conhecimentos) das populações autóctones (BRASIL, 2010;
GRIMM; SAMPAIO; GARCIA, 2017; MALDONADO, 2009).
No Brasil, iniciativas de TBC são desenvolvidas por diferentes comunidades, dentre
elas, comunidades de áreas rurais, de áreas periféricas urbanas e, principalmente, por
comunidades tradicionais3. As populações tradicionais, segundo Diegues e Arruda (2001),
podem ser classificadas em: indígenas, caiçaras, quilombolas, caipiras, pantaneiros,
caboclos/ribeirinhos, sertanejos/vaqueiros, jangadeiros, pescadores, babaçueiros, varjeiros e
açorianos.
Independentemente de sua origem, o TBC está fundado no patrimônio comunitário
único, existente em cada uma das inúmeras comunidades que o praticam:
O patrimônio comunitário é formado por um conjunto de valores e crenças,
conhecimentos e práticas, técnicas e habilidades, instrumentos e artefatos,
lugares e representações, terras e territórios, assim como todos os tipos de manifestações tangíveis e intangíveis existentes em um povo. Através disso,
se expressam seu modo de vida e organização social, sua identidade cultural
e suas relações com a natureza (MALDONADO, 2009, p. 29).
3 Segundo o Decreto n°6.040, de 07 de fevereiro de 2007, comunidades tradicionais são "grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de
organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua
reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos por tradição". Fonte: Decreto n° 6.040, de 07 de fevereiro de 2007 que
institui a Política Nacional do Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.
25
Baseado nestas premissas, o turismo comunitário pode ser considerado um instrumento
de fundamental importância para a manutenção das tradições locais na medida em que, além de
respeitá-las, pode contribuir para o seu fortalecimento em comunidades que já sofreram algum
grau de descaracterização cultural (BLANCO, 2009; BURSZTYN; BARTHOLO;
DELAMARO, 2009; MALDONADO, 2009; PINHEIRO, 2014; SAMPAIO et al., 2014).
A dimensão cultural do TBC é, portanto, um elemento chave para o sucesso dos projetos
a serem desenvolvidos, o que explica a ênfase dada a este aspecto pelos autores desta seara
(BURSZTYN; BARTHOLO; DELAMARO, 2009; IRVING, 2009; MALDONADO, 2009;
PINHEIRO, 2014; PINTO; CASTRO, 2013; SAMPAIO, 2008; SAMPAIO et al., 2014;
SILVA; RAMIRO; TEIXERA, 2009; ZAOUAL, 2009).
Outra importante premissa no desenvolvimento de projetos de TBC está relacionada à
sua escala, que deve ser baseada nas potencialidades e restrições identificadas no local com o
objetivo de controlar os possíveis impactos ambientais e sociais gerados (IRVING, 2009). Se
comparado ao turismo de massa, o TBC dirige-se a um outro público, formado por pequenos
grupos ou indivíduos que estejam em busca de experiências culturais únicas a partir do contato
direto com as populações tradicionais e o seu entorno, dispostos a remunerar de forma adequada
as comunidades visitadas (MALDONADO, 2009). A lógica desta modalidade de turismo difere
radicalmente da lógica do turismo convencional, por isto, “seria um equívoco imaginar este
tipo de turismo como uma alternativa em substituição ao turismo de massa em termos de
geração de receita, pois este não é o objetivo de iniciativas desta natureza” (IRVING, 2009,
p.115).
Para Coriolano (2009), as demandas para o desenvolvimento de projetos de TBC devem
surgir a partir das necessidades sentidas pela própria comunidade e não impostas por pessoas
externas a ela, por melhores que sejam suas intenções. Este princípio, denominado pela autora
de ‘princípio das necessidades sentidas’, reforça ainda mais o reconhecimento de que no
turismo comunitário as comunidades detêm o poder para desenvolver ou não projetos de TBC
da forma que entenderem ser a mais relevante para atender aos interesses coletivos do grupo.
Uma importante contribuição para este tema foi apresentada pelo Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), no ano de 2017, através da publicação
do documento intitulado “Turismo de Base Comunitária em Unidades de Conservação4
4 Unidade de Conservação, segundo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza
(SNUC), Lei n°9.985, de 18 de julho de 2000 é: “um espaço territorial e seus recursos ambientais,
incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo
26
Federais. Princípios e Diretrizes” em que foram apresentados 11 princípios relacionados ao
TBC: 1. conservação da sociobiodiversidade, 2. valorização da história e da cultura, 3.
protagonismo comunitário, 4. equidade social, 5. bem comum, 6. transparência, 7. partilha
cultural, 8. atividade complementar, 9. educação, 10. dinamismo cultural, 11. continuidade
(ICMBIO, 2018).
De acordo com o exposto anteriormente, alguns princípios poderiam ser considerados
comuns às práticas de TBC tais como: a adoção de modelos de gestão participativa, a
cooperação, a valorização da história e da cultura local, a conservação do patrimônio natural,
a democratização das oportunidades, a equidade social, e, principalmente, o protagonismo das
comunidades locais na gestão das atividades (BOTELHO; RODRIGUES, 2016; BURGOS;
MERTENS, 2015b; CORIOLANO, 2009; FABRINO; NASCIMENTO; COSTA, 2016;
GRIMM; SAMPAIO; GARCIA, 2017; IRVING, 2009; MALDONADO, 2009; MENDONÇA;
IRVING, 2004; PINTO; CASTRO, 2013; SANSOLO; BURSZTYN, 2009; SILVA; RAMIRO;
TEIXERA, 2009).
2.2 O Turismo de Base Comunitária no Brasil
No Brasil, as experiências de turismo de base comunitária se iniciam em meados dos
anos 1990, sem o apoio de políticas públicas. No âmbito do turismo convencional, a década de
1990 é marcada por um forte movimento de implantação de um modelo turístico baseado em
investimentos de grandes grupos transnacionais para o desenvolvimento de grandes polos
turísticos, especialmente na faixa litorânea da região Nordeste do Brasil. O Programa de Ação
para o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste Brasileiro (Prodetur- NE), implantado no ano
1992, através do Plano Nacional de Turismo (PLANTUR), garantiu a execução do plano através
do suporte financeiro proveniente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Megacomplexos hoteleiros como Marriot, Accord e Holliday Inn se instalaram no país
que passou a experimentar os primeiros impactos desestruturantes do turismo de massa. São
inúmeros os exemplos de comunidades tradicionais que tiveram que deixar suas terras frente à
forte pressão da especulação imobiliária gerada pelos novos empreendimentos turísticos. A alta
competitividade e exigência do mercado internacional, além da falta de apoio do setor público
para capacitar a população local, acabaram impedindo que esta pudesse ser utilizada como mão
Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração,
ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção” (BRASIL, 2000).
27
de obra na maioria dos empreendimentos instalados (BARTHOLO; SANSOLO; BURSZTYN,
2009).
Este modelo de desenvolvimento turístico, que não mantém nenhum tipo de vínculo
com as comunidades existentes continua ativo, não só no Brasil, mas em diversos países do
mundo. Além das grandes redes hoteleiras instaladas, com a diversificação e o barateamento
dos meios de hospedagem através da proliferação dos hostels e a criação de plataformas on-line
como o Airbnb, as viagens se tornaram mais acessíveis para uma população crescente e ávida
pelo consumo. As estratégias de marketing também foram se modificando neste período e,
atualmente, uma simples postagem de determinada localidade pode se tornar viral gerando
consequências inesperadas para o local visitado.
Um exemplo recente pode ser observado no município de Ubatuba, litoral norte do
Estado de São Paulo, onde uma das mais belas paisagens, a Ilha das Couves, se tornou foco de
intensas discussões acerca da superlotação que vem enfrentando durante o verão. Em apenas 3
anos, com a divulgação massiva da ilha nas redes sociais, o número de turistas aumentou
exponencialmente, tornando a atividade caótica e predatória, ao ponto de chamar a atenção
inclusive do Ministério Público Federal que teve de intervir na região (MOTTA, 2018).
As políticas públicas para o fomento do turismo no Brasil costumam ser reduzidas a
meras ações de marketing, prevalecendo uma certa racionalidade hegemônica e utilitarista que
busca resultados econômicos através do aumento no fluxo de visitantes, desconsiderando os
impactos decorrentes e sem envolver as populações locais nas discussões de planejamento e
execução (CORIOLANO, 2009; MENDONÇA, 2009; SAMPAIO, 2008).
Ainda na década de 1990, uma das primeiras iniciativas acadêmicas para se pensar em
um modelo mais sustentável de turismo frente ao modelo vigente ocorreu na Universidade de
São Paulo – USP, em 1997. Capaz de mobilizar pesquisadores e políticas públicas, o primeiro
Encontro Nacional de Turismo de Base Local (ENTBL) contou com a participação de diferentes
pesquisadores das mais diversas áreas (Geografia, Ciências Sociais, Biologia, História) e
regiões do país, em busca de aprofundar o entendimento em torno do turismo e do território, da
prática turística e suas correlações com a cultura (IRVING, 2009). Atualmente, na sua XV
edição, o encontro debateu as mais recentes tendências sobre o turismo de base local, centrado
em uma linguagem puramente acadêmica e buscando contribuir para a produção científica e
elaboração de políticas públicas mais eficazes para o setor com esse enfoque (ENTBL, 2018).
O início do século XXI, mais especificamente o ano de 2003, apresenta dois importantes
acontecimentos para o turismo: a criação do Ministério do Turismo (MTur) e a ocorrência do I
28
Seminário Internacional de Turismo Sustentável com foco na redução da pobreza, realizado em
Fortaleza – CE. As discussões que ocorreram durante o seminário contaram com a participação
não apenas de acadêmicos, mas também das comunidades, trazendo um outro tipo de olhar e
saber para as discussões, fortalecendo ainda mais as articulações entre os diferentes atores
envolvidos.
Com a criação do MTur, em 2003, foi elaborado o primeiro Plano Nacional de Turismo
(2003-2007) que estabeleceu as diretrizes e estratégias para a implementação da Política
Nacional de Turismo. O turismo de base comunitária, pela primeira vez, passou a ser
reconhecido pelo governo federal como um modelo alternativo para o turismo e um possível
indutor do desenvolvimento local (BRASIL, 2010; PINHEIRO, 2014).
No Plano Nacional de Turismo para o quadriênio 2007-2010, a importância do
desenvolvimento local e da inclusão social nos projetos de turismo passou a ser ainda mais
destacada. No início deste período, intensificou-se o diálogo entre o MTur, o governo federal e
o meio acadêmico, resultando no lançamento do primeiro Edital de Chamada Pública de
Projetos de Turismo de Base Comunitária (06/2008), com o objetivo de apoiar e incentivar
iniciativas por todo o território nacional.
Os projetos selecionados poderiam solicitar apoio financeiro em um valor entre R$
100.000,00 e R$150.000,00, com prazo de execução de até 18 meses, devendo contemplar pelo
menos uma das cinco linhas temáticas: qualificação profissional, produção associada ao
turismo, planejamento estratégico e organização comunitária, promoção e comercialização e
fomento às práticas de economia solidária (BRASIL, 2010).
Apesar de não poder ser definido como uma política pública de fato, o edital representou
a primeira forma de apoio do governo federal a esta prática de turismo (BARTHOLO;
SANSOLO; BURSZTYN, 2009). Para a surpresa dos organizadores, mais de 500 propostas
foram recebidas o que forçou os organizadores a ampliarem de 20 para 50 o número de projetos
a serem selecionados (BRASIL, 2010).
Neste mesmo contexto, uma importante contribuição para o debate veio com a
publicação do livro intitulado ‘Turismo de base comunitária: diversidade de olhares e
experiências brasileiras’, lançado no ano de 2008 a pedidos do MTur que, segundo os próprios
autores, buscou contribuir com o tema expondo a existência desta nova forma de se fazer
turismo ao apresentar sua diversidade no território nacional. O livro contou com a participação
dos mais importantes pesquisadores nesta área, apresentando seus olhares e ideias sobre o
29
turismo de base comunitária, especialmente no Brasil (BARTHOLO; SANSOLO;
BURSZTYN, 2009).
Apesar do indício de possível inclusão do TBC na pauta da agenda do governo federal
e consequente construção de um arcabouço legal para estimular as práticas em todo o território
nacional, o TBC acabou perdendo espaço, voltando a ocupar um lugar marginal na agenda do
turismo nacional (BARTHOLO et al., 2016). Dos 50 projetos apoiados pelo MTur no edital de
2008, muitos não foram bem-sucedidos uma vez que muitas das comunidades eram de baixa
renda e não tiveram o apoio necessário para colocar seus produtos no mercado, levando,
inclusive, a uma certa descrença por parte dos comunitários (MIELKE, 2009).
A descontinuidade da política pública brasileira somado ao atual contexto político
resultam em um quadro de extremo cepticismo a respeito da possibilidade de novos fomentos
para o setor. O impeachement da ex-presidente Dilma Roussef, no final do ano de 2015, criou
um novo cenário político no Brasil. Uma agenda conservadora e reacionária passou a dominar
as discussões no congresso nacional com a ajuda da rápida ascensão de partidos conservadores,
trazendo uma série de incertezas e preocupações, especialmente para as populações menos
favorecidas (BRAZ, 2017; ALMEIDA, 2019).
A eleição do presidente Jair Bolsonaro, no fim de 2018, representou um duro golpe para
as comunidades tradicionais, especialmente indígenas e quilombolas, duramente atacados pelo
então presidente, denunciado por incitação de genocídio e de lesa-humanidade (STOCHERO,
2019). Não apenas sem o apoio do governo federal, mas, vendo-se diante de um governo
claramente contrário às minorias e às mulheres, comunidades de todo o país buscam se articular
com outros atores, seja no âmbito local, regional ou nacional na busca pela preservação de suas
culturas e de seus territórios.
Nessa perspectiva, os debates sobre o TBC no país têm sido impulsionados por lideranças
comunitárias, representantes de movimentos sociais, das universidades e de organizações não
governamentais e outros diversos atores que estão construindo, permanentemente, discursos, práticas,
políticas e conexões em rede, para além da lógica hegemônica (MORAES, 2019).
2.3 As redes de TBC
Uma rede social pode ser entendida como um conjunto finito de atores ou nós que
estabelecem entre si vínculos sociais específicos. Cada ator ou nó desta rede pode ser
30
representado por diferentes entidades como empreendedores, comunidades, instituições
públicas e privadas ou até mesmo indivíduos, se considerarmos, por exemplo, uma rede
relacionada ao turismo (BURGOS; MERTENS, 2015a; SCOTT et al., 2008; URANO;
SIQUEIRA; NÓBREGA, 2016).
Apesar da ênfase dada ao protagonismo das comunidades no desenvolvimento do
turismo de base comunitária, a participação de agentes externos ao longo do processo é um
evento bastante comum frente aos desafios encontrados. Estes agentes podem ser de naturezas
distintas sendo as ONGs e as universidades, os agentes mais comuns encontrados em práticas
comunitárias (CORIOLANO, 2009; SANSOLO; BURSTZYN, 2009).
Quanto maior é o número de nós, mais complexa se torna a rede, podendo emergir de
sua estrutura não- linear, diferentes padrões de organização. Dentro de uma rede, os atores
podem desempenhar diferentes papéis, alguns de forma mais ativa, outros de forma mais
passiva, o que influenciará diretamente na forma como o turismo de desenvolverá.
No turismo convencional, as redes costumam ser controladas pelos agentes detentores
do poder (o estado e o mercado) que excluirão os possíveis atores que não apresentam vantagens
competitivas do ponto de vista econômico-financeiro. Diversas comunidades tradicionais se
enquadram nesta perspectiva e, portanto, não são incluídas nestas redes. Nos casos em que
comunidades são inseridas nas redes de turismo convencional, redes estas marcadas por um
padrão de organização verticalizado e com vínculos estritamente comerciais, acabam se
submetendo às relações de poder existentes, desempenhando o papel esperado pelos atores
posicionados em níveis hierárquicos mais elevados (URANO; SIQUEIRA; NÓBREGA, 2016).
Redes sociais construídas a partir de práticas de TBC obedecem a padrões de
organização mais horizontalizados, permitindo que o processo de comunicação se dissemine
por todos os membros da rede. As relações de poder que se estabelecem são distintas daquelas
do turismo convencional e os vínculos que se formam também, baseando-se não em aspectos
puramente comerciais, mas sim em aspectos ligados à solidariedade, equidade e justiça
(URANO; SIQUEIRA; NÓBREGA, 2016)
Resultados mostram que as características das redes de turismo comunitário contribuem
para que as comunidades e seus integrantes desempenhem um papel mais ativo no processo de
planejamento e execução dos projetos de turismo, contribuindo para um maior grau de
engajamento e empoderamento que, por sua vez, aumentará as chances de atingir os objetivos
estabelecidos em coletividade (BURGOS; MERTENS, 2015a; MORAES; IRVING;
MENDONÇA, 2018; SCOTT et al., 2008; URANO; SIQUEIRA; NÓBREGA, 2016).
31
Outra importante contribuição no desenvolvimento destas redes está relacionada ao
modelo de gestão que é normalmente adotado nas práticas de turismo comunitário: a gestão
participativa. Considerado um dos aspectos constituintes do TBC e diferenciadores de outras
práticas de turismo, este modelo de gestão é estimulado e até mesmo fortalecido pelas conexões
e colaborações estabelecidas entre os diferentes atores envolvidos (BURGOS; MERTENS,
2015a; URANO; SIQUEIRA; NÓBREGA, 2016).
A visão de mundo dos distintos agentes que compõe uma rede comunitária é
determinante no sucesso destas iniciativas, como destacam Gallo e Nascimento (2019):
A articulação de diferentes atores que compartilham da mesma visão de
mundo é crucial para um projeto contra hegemônico de construção de uma
agenda de desenvolvimento e de um novo modo de produção e organização
social, mais cooperativo e solidário, capaz de promover a justiça socioambiental (GALLO; NASCIMENTO, 2019, p.32).
Justiça socioambiental, neste contexto, pode ser entendida como um mecanismo de
combate às desigualdades sociais históricas no qual, todos os grupos sociais de um determinado
território devem participar das decisões sobre sua ocupação e uso dos recursos naturais que ali
existem. Para Gallo e Setti (2012), “o conceito [...] refere-se a um processo de empoderamento
e produção de autonomia, equidade e sustentabilidade, especialmente para as populações
excluídas e/ou vulneráveis” (p. 1437).
32
3. METODOLOGIA DE PESQUISA
Este trabalho parte de uma pesquisa de interpretação do turismo como fenômeno social
e da análise, especificamente, da prática de turismo de base comunitária. Com o objetivo de
investigar esse fenômeno, utilizou-se o método qualitativo, de caráter exploratório, ancorado
em um estudo de caso.
3.1 Justificativa para a escolha do método
Entendendo o turismo como um fenômeno contemporâneo complexo, esta pesquisa
procurou explorar uma metodologia capaz de produzir uma maior riqueza de dados com um
aprofundamento analítico diferenciado, permitindo ao pesquisador entender a dinâmica do
TBC, através do ponto de vista dos envolvidos. Por este motivo, a escolha metodológica se deu
pela pesquisa qualitativa, mais adequada para se estudar fenômenos envolvendo indivíduos em
suas intrincadas relações sociais (GODOY, 1995).
A opção pelo método de pesquisa de estudo de caso levou em consideração três
condições, a saber:
a) O tipo de pergunta de pesquisa;
b) O grau de controle que o pesquisador tem sobre eventos comportamentais;
c) O grau de enfoque da pesquisa (eventos contemporâneos ou históricos) (YIN, 2015).
Estas três condições, segundo Yin (2015), podem ser relacionadas aos cinco principais
métodos de pesquisa: (a) experimentos, (b) levantamentos, (c) análise de arquivos, (d) pesquisas
históricas e (e) estudo de caso.
Como a questão a ser respondida por este trabalho representa um tipo de questão mais
explanatória, os métodos de experimento, estudo de caso e pesquisa histórica, seriam as
principais possibilidades para a pesquisa (YIN, 2015). Levando em conta que a parceria a ser
estudada é um acontecimento contemporâneo e que o pesquisador possui acesso a atores de
relevância, descartou-se o método de pesquisa histórica que, em geral, se baseia em
acontecimentos que já ocorreram. Por último, considerando que o pesquisador não pode
manipular comportamentos relevantes, excluiu-se o método da experimentação e adotou-se
assim o estudo de caso.
33
3.2 Critérios para a seleção do caso
Para a seleção do caso a ser estudado, optou-se pela parceria entre o Fórum de
Comunidades Tradicionais e a instituição Fiocruz por diversas razões, dentre elas:
a) Por ser uma parceria inovadora entre um movimento social e uma instituição de
pesquisa em saúde pública;
b) Pelo destaque que a parceria vem obtendo através das conquistas obtidas nos mais de
10 anos de sua existência;
c) No último dia 05/07/2019, Paraty e Ilha Grande receberam o título de Patrimônio
Cultural e Natural Mundial pela Unesco, revelando a importância deste território pela
sua sociobiodiversidade única e a rica interação existente entre o ser humano e o meio
ambiente.
d) Pela grande quantidade de dados disponíveis para a pesquisa;
e) Pela proximidade do autor deste trabalho com o território onde a parceria acontece,
facilitando o contato com os principais atores envolvidos.
3.3 Técnicas para a coleta de dados
Para a coleta dos dados foram adotadas duas técnicas distintas. Primeiramente, recorreu-
se ao método bibliográfico com a realização de uma extensa análise da literatura pertinente
sobre o tema para identificar e comparar diferentes fontes. Neste sentido, foram utilizados
livros, artigos científicos, relatórios, reportagens e sites relevantes ao assunto. Apesar de
questionado por alguns membros da academia, a utilização de fontes publicadas em mídias
(jornais, sites, entre outros), trouxe acesso às informações e fatos de grande relevância para a
pesquisa que seriam de difícil acesso sem sua existência.
A outra técnica envolveu a aplicação de entrevistas presenciais semiestruturadas. A
escolha por este tipo de entrevista buscou dar maior liberdade ao entrevistado para que este
pudesse expor suas percepções e experiências sobre os assuntos tratados.
3.4 Elaboração e execução das entrevistas
A base de dados contou com 15 entrevistas sendo a maioria realizada durante os meses
de julho e agosto de 2019 e duas realizadas em janeiro de 2020. Os entrevistados neste trabalho
apresentavam algum grau de envolvimento com a parceria ou com o território onde a parceria
acontece. A escolha dos primeiros entrevistados ocorreu com base na análise dos documentos
34
e na identificação dos envolvidos no caso analisado. Durante as entrevistas, alguns
entrevistados sugeriram outros atores de relevância que poderiam contribuir sobre o tema e
estes nomes foram registrados para futuras entrevistas.
Todos os entrevistados assinaram um termo de consentimento (Apêndice C) e as
entrevistas foram gravadas para posterior análise. Houve o cuidado de informar os participantes
sobre os objetivos da pesquisa e como os dados seriam utilizados. Para a segurança dos
entrevistados e seguindo o Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos, decidiu-se por
não identificá-los. Para isso, utilizaram-se as seguintes siglas: Entrevistado 1 (E1), Entrevistado
2 (E2), Entrevistado 3 (E3) e assim por diante.
A maior parte das entrevistas foi realizada em campo com comunitários de diferentes
comunidades tradicionais. Algumas dificuldades surgiram ao longo do processo, sendo a mais
comum, a dificuldade para conseguir marcar um encontro presencial para a realização da
entrevista, principalmente devido ao fraco sinal ou à inexistência de sinal de internet no interior
das comunidades, o que dificultou ainda mais o processo.
Optou-se por realizar as entrevistas no interior das comunidades para buscar um maior
aprofundamento na investigação do fenômeno estudado em seu contexto natural (YIN, 2015).
Apenas uma das entrevistas foi realizada à distância, utilizando-se o Skype, e outra que contou
com duas entrevistadas simultaneamente.
A lista com todos os entrevistados/as juntamente com informações relevantes sobre seus
perfis encontra-se na tabela a seguir.
Tabela 1: Perfis dos/das entrevistados/as.
Nome Idade Ocupação Local / Duração da
entrevista
Entrevistado 1 57 anos Quilombola e funcionária do PESM
- Sede do Núcleo
Picinguaba
- 35 minutos
Entrevistado 2 30 anos
Quilombola, monitor ambiental e condutor
de TBC
- Sede do PESM
- 47 minutos
Entrevistado 3
43 anos
Caiçara da Vila de Picinguaba, secretária da Associação de Moradores do Bairro de
Picinguaba e membro do conselho
consultivo do PESM
- Vila de Picinguaba
- 70 minutos
Entrevistado 4
55 anos Caiçara e dona de quiosque
- Vila de
Pincinguaba
- 70 minutos
35
Entrevistado 5 42 anos Diretor de agência de turismo no município
de Ubatuba
- Centro de Ubatuba
- 60 minutos
Entrevistado 6 41 anos Biólogo, escrito, caiçara e articulador do
FCT em Ubatuba
- Centro de Ubatuba
- 60 minutos
Entrevistado 7 42 anos Gestor de uma Unidade de Conservação no
território da Bocaina
- Centro de Ubatuba
- 60 minutos
Entrevistado 8 54 anos Ex-Secretário de meio ambiente do
município de Ubatuba
- Centro de Ubatuba
- 61 minutos
Entrevistado 9 25 anos Quilombola, Bolsista do OTSS e condutor
de TBC
- Quilombo da
Fazenda
- 64 minutos
Entrevistado 10 43 anos Liderança caiçara e membro da Rede
Nhandereko
- Centro de Ubatuba
- 75 minutos
Entrevistado 11 52 anos Professora do Departamento de Administração e Turismo da Universidade
Federal do Rio de Janeiro
- Realizada via
Skype
- 68 minutos
Entrevistado 12 24 anos Caiçara, membro do FCT e guia de turismo
regional
- Comunidade da
Lagoinha
- 58 minutos
Entrevistado 13 25 anos Indígena da Aldeia Boa Vista - Ubatuba
- Aldeia Boa Vista
- 45 minutos
Entrevistado 14 50 anos Monitor Ambiental do PESM há 26 anos
- Núcleo Picinguaba
- 50 minutos
Entrevistado 15 46 anos Funcionário da Secretaria de Turismo de
Ubatuba
- SETUR
- 54 minutos
Fonte: elaborado pelo autor.
Previamente à elaboração das entrevistas, foram elencadas as categorias de análise e, a
partir delas, as perguntas foram sendo elaboradas de acordo com o papel ou o grau de
envolvimento do entrevistado na parceria. Desta forma, diferentes roteiros foram estruturados
(Apêndice A). Mesmo com o roteiro em mãos, as entrevistas não necessariamente seguiram a
ordem das perguntas, uma vez que alguns entrevistados respondiam antecipadamente algumas
perguntas e, em algumas situações, outras perguntas acabaram sendo incluídas conforme novas
informações surgiam durante a conversa.
36
4. APRESENTAÇÃO DO ESTUDO DE CASO: A PARCERIA ENTRE O FÓRUM
DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS E A FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
Esta seção descreve a parceria realizada entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o
Fórum de Comunidades Tradicionais da Bocaina como estudo de caso orientador deste trabalho
aplicado, por meio da análise de documentos e das informações obtidas em campo através das
entrevistas. As falas dos entrevistados se apresentam em destaque com a utilização de aspas
sendo mantidas as marcas de oralidade mesmo estando em desacordo com a norma culta da
língua portuguesa.
4.1 O contexto para a criação do Fórum de Comunidades Tradicionais
O Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT), criado no ano de 2007, de acordo com
os próprios membros, pode ser definido como um movimento social organizado a partir da
convergência de três etnias distintas: comunidades indígenas, quilombolas e caiçaras,
pertencentes ao território conhecido como Mosaico da Bocaina (FCT, 2014). Este território,
localizado na região da Costa Verde (faixa de terra que se estende pelo litoral sul do Rio de
Janeiro até o litoral norte de São Paulo), abriga um dos mais importantes biomas do Brasil, a
Mata Atlântica, considerada atualmente uma área de hotspot, ou seja, uma área prioritária para
a conservação pelo alto grau de endemismo (espécies que só existem naquele bioma) e por já
ter perdido mais de 75% da sua vegetação natural (GALLO; SETTI, 2012).
O mosaico da Bocaina abrange importantes municípios como Angra dos Reis e Paraty,
no litoral do Rio de Janeiro, e o município de Ubatuba, no litoral norte de São Paulo e abarca
64 comunidades tradicionais sendo 48 delas de caiçaras, 8 quilombolas e 8 indígenas, além de
um mosaico composto por 15 diferentes unidades de conservação (SETTI et al., 2016).
A área focada nesta pesquisa pertence ao mosaico da Bocaina e abarca 24 comunidades
tradicionais sendo 12 de caiçaras, 7 de indígenas e 5 de quilombolas5. A região contém 15
5 A população tradicional mais abundante na bocaina é constituída por caiçaras: oriundos da mescla
entre indígenas com colonizadores portugueses e, em menor grau, com escravos africanos, esta cultura
atualmente ocupa a região litorânea dos estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro
e apresentam um modo de vida baseado não apenas na pesca artesanal, mas também na agricultura itinerante, no extrativismo e no artesanato (DIEGUES; ARRUDA, 2001). Os quilombolas, outra
população presente no território estudado, “são descendentes dos escravos negros que sobrevivem em
enclaves comunitários, muitas vezes antigas fazendas deixadas pelos antigos grandes proprietários” (DIEGUES; ARRUDA, 2001, p. 57). Dependendo da região em que vivem, os quilombolas podem
apresentar diferentes hábitos de vida. Na região da Bocaina, alguns quilombos, localizados em zonas
37
unidades de conservação (UC) com restrições de uso público diferenciadas6. Deste total, 5 delas
influenciam diretamente as comunidades da região: a Área de Proteção Ambiental (APA) de
Cairuçu, uma UC Federal de uso sustentável; a Estação Ecológica (ESEC) de Tamoios, também
de nível federal, porém de proteção integral; o Parque Nacional (PARNA) da Serra da Bocaina;
a APA Marinha do Litoral Norte, uma UC Estadual de uso sustentável; e o Parque Estadual da
Serra do Mar (PESM). Estas são as principais UC do território analisado com a presença de
áreas de sobreposição, como pode ser observado na Figura 1 (GALLO; SETTI, 2012).
mais afastadas da zona costeira, garantem sua subsistência principalmente com o extrativismo e a
pequena agricultura. Quilombos mais próximos do mar, realizam também a pesca e coleta de moluscos, não apenas para consumo como também para a venda nos centros urbanos. Devido às restrições impostas
pelos órgãos gestores das unidades de conservação que se sobrepõe a muitos dos territórios tradicionais,
muitos quilombolas e caiçaras acabam indo trabalhar nas cidades seja na construção civil, no setor turístico, como também em casas de veraneio, como caseiros. Por último, encontram-se na Bocaina
algumas comunidades indígenas de origem guarani que realizam a agricultura e eventualmente a caça
para subsistência. A venda do artesanato e do palmito extraído da floresta, muito comum na região, estão entre as principais fontes de renda destas comunidades juntamente com o turismo. 6 As Unidades de Conservação (UC) podem ser divididas em 2 grupos, de acordo com a possibilidade
de uso dos recursos naturais existentes. As UC de Proteção Integral, que permitem apenas o uso indireto
dos recursos naturais, não permitindo, portanto, a coleta ou o consumo dos mesmos e, as UC de Uso Sustentável, que visam conciliar conservação com o uso sustentável dos recursos, permitindo atividades
de coleta e uso de maneira a garantir a perpetuidade dos recursos ali existentes (BRASIL, 2000). Tanto
a Estação Ecológica (ESEC) de Tamoios como o Parque Nacional da Serra da Bocaina (PNSB) e o Parque Estadual da Serra do Mar (PESM) são UC de proteção integral, resultando assim na perda de
direitos por parte das comunidades tradicionais lá existentes.
38
Figura 1: Mosaico da Bocaina e suas Unidades de Conservação.
Fonte: Salvati (2012).
A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais, instituída através do decreto federal 6.040/2007, reconhece povos e comunidades
tradicionais como grupos culturalmente diferenciados, que se reconhecem como tais e que
possuem suas próprias formas de organização social. Tal política prevê fóruns regionais como
instrumento de sua implementação e teve influência direta na consolidação do FCT quando os
diferentes atores das três etnias entenderam ser de extrema importância ocupar os espaços de
tomada de decisão, ao reconhecerem que estavam às margens deste processo, correndo um sério
risco de perderem os seus territórios (GALLO; NASCIMENTO, 2019).
Segundo Gallo e Nascimento (2019),
O FCT é um espaço de fortalecimento e articulação das comunidades
tradicionais indígenas, quilombolas e caiçaras para a defesa do seu território e da sua identidade cultural. Promove soluções tecnológicas e políticas voltadas
39
à educação diferenciada, cultura, pesca, agricultura familiar, agroecologia,
economia solidária e ao turismo de base comunitária, entre outros (p.32).
Sendo uma região tão rica em biodiversidade e com a presença de centenas de praias
pouco exploradas pelo turismo, a região se tornou uma área de relevante importância ambiental,
com a criação das inúmeras unidades de conservação e, ao mesmo tempo, um território muito
requisitado pelo segmento turístico “sol e de praia”. Sem ordenamento territorial e turístico, o
resultado foi a massificação do turismo durante os meses de verão e feriados, além da
especulação imobiliária que, historicamente, expulsou e ainda expulsa inúmeras comunidades
tradicionais de seus territórios originais (MENDONÇA; MORAES; CATARCIONE, 2016).
O movimento crescente por uma reflexão crítica sobre o turismo na Região da Costa
Verde resultou na realização do I Encontro de Turismo de Base Comunitária da Costa Verde,
em 2015, no distrito de Tarituba (Paraty), considerando um marco para a discussão pública
sobre um turismo que se tem e um turismo que se deseja para essa região (MENDONÇA;
MORAES; CATARCIONE, 2016).
4.2 As pressões geradas pela criação das Unidades de Conservação no território da
Bocaina
A criação das primeiras áreas de preservação no Brasil, iniciou-se ainda na década de
1930, com a instituição do Parque Nacional de Itatiaia, em 1937. Baseado no modelo adotado
pelos Estados Unidos, o processo de criação de áreas protegidas no Brasil incorporou a premissa
básica de que a presença humana não deveria ser tolerada nestas áreas, pois a espécie humana
era tida como destruidora da natureza. Esta era a concepção dos primeiros conservacionistas
norte-americanos. Assim, as unidades de conservação deveriam representar ilhas onde a
natureza selvagem poderia florescer e ser apreciada pela população (DIEGUES, 1994). O
grande problema nesta abordagem consiste na profunda diferença que existe entre o contexto
norte americano e o contexto brasileiro.
No Brasil, a presença de populações tradicionais é um fenômeno comum não apenas em
áreas rurais, mas também no interior de biomas complexos como o da Mata Atlântica e da
Floresta Amazônica. Desta maneira, o processo de gestão de um território contendo residentes
deve ser distinto daquele que ocorreu em áreas desabitadas nos Estados Unidos. As autoridades
que estariam por detrás dos projetos de implementação das primeiras UC no Brasil enxergavam
estes residentes como qualquer outro grupo humano, necessariamente gerador de impactos
40
capazes de destruir o meio natural, o que reforçou o caráter antidemocrático no processo de
implementação (DIEGUES, 1994).
Muitas destas populações viviam em certo grau de isolamento, com um considerável
grau de analfabetismo, especialmente da parcela mais idosa da população, com baixa
participação e poder político além de não possuírem os títulos de suas terras. Esse conjunto de
fatores as tornou ainda mais vulneráveis frente ao possível processo de desapropriação de terras
que viria a ocorrer, seja para a criação de áreas protegidas ou para a construção de
empreendimentos como hidrelétricas e mineradoras (DIEGUES, 1994).
O processo que se instalou, em plena ditadura militar, se deu de forma antidemocrática
já que não se preocupou em consultar previamente as comunidades locais, ocorrendo através
de uma abordagem top-down (“de cima para baixo”). Com a sobreposição de territórios oficiais
(UC) e tradicionais, uma série de restrições a estas populações foram impostas. De um dia para
o outro viram-se como clandestinas em suas próprias terras (CALVIMONTES; FERREIRA;
RAIMUNDO, 2016; DIEGUES, 1994; SIMÕES, 2010).
Outro tipo de sobreposição acabou agravando ainda mais a situação das comunidades
tradicionais na região Bocaina, gerando novos problemas relacionados à gestão das áreas
ocupadas. O conflito de poderes resultante da sobreposição de competências entre diferentes
órgãos da administração pública localizados em diferentes esferas (municipal, estadual e
federal) (COSTA, 2015). No município de Ubatuba, por exemplo, 80% do território é ocupado
pelo Parque Estadual da Serra do Mar (PESM) sendo, portanto, administrado por um gestor
designado por órgãos do estado. Apenas 20% do território, que se localiza fora da área do PESM
é, de fato, administrada pelo poder público municipal, eleito pela população (SANSOLO,
2009).
Na entrevista realizada com o entrevistado 8, ex-secretário da pasta de Meio Ambiente
do município de Ubatuba, esse fato foi destacado quando perguntado sobre o papel do
município em assegurar o direito aos territórios pertencentes às populações tradicionais. Para
ele, a presença desta duplicidade de jurisdição acaba “gerando uma situação de descaso do
município que, muitas vezes, acaba se omitindo da gestão de certas comunidades por estarem
em áreas sob jurisdição também do PESM”.
Apesar da relação das comunidades com o PESM ter mudado ao longo das últimas
décadas, quando perguntado sobre o papel dos gestores na preservação dos direitos ligados às
comunidades tradicionais, o entrevistado 8 respondeu: “a relação entre o estado e as
comunidades passou da agressividade à tolerância, nunca ao apoio. O apoio pode existir, talvez
41
no nível local (referindo-se ao gestor da UC), mas ele não é respaldado pelas burocracias
superiores, pelas entidades superiores. E daí acaba havendo um desgaste muito grande pois esse
gestor pode se comprometer a coisas que não conseguirá realizar”.
A criação do Mosaico da Bocaina, que se iniciou entre os anos de 2003 e 2004, foi uma
tentativa de alguns gestores de UC para a construção de consensos e resolução de conflitos
administrativos relacionados, não apenas a problemas de sobreposição entre áreas protegidas
como também entre áreas habitadas por populações tradicionais e áreas destinadas à proteção
integral. A adoção de um modelo de governança híbrida, não foi capaz de cumprir com os
objetivos de funcionar como um instrumento de gestão participativa e integrada neste território
com tamanha complexidade (COSTA, 2015).
É nesse contexto, de insegurança fundiária, que as comunidades do território da Bocaina
vivenciaram a implementação das inúmeras áreas protegidas e ainda sofrem diferentes graus de
impacto, convivendo com inúmeros conflitos fundiários, sociais e ambientais (COSTA, 2015).
As comunidades quilombolas e caiçaras, sem um arcabouço legal para a defesa de seus
territórios, acabaram sofrendo ainda mais com essas imposições, se comparado às populações
indígenas, que mantiveram o direito de preservar o seu modo de vida dentro de seus territórios.
A entrevistada E1, uma das lideranças do Quilombo da Fazenda comentou, durante entrevista,
que ao chegar na região do quilombo, com 6 anos de idade, não haviam estradas, meios de
comunicação, transporte público nem escolas: “não tinha nada, mas nós vivia feliz pois a gente
era livre [...] de repente o meio ambiente era tudo do governo, e a gente não tem mais nada” se
referindo à implementação do Parque (PESM) em 1979. “Eu tava no varal, grávida do meu
filho e com 5 filhos pequenos quando chegaram homens armados da polícia ambiental na minha
porta, juntamente com o gestor na época dizendo, você vai sair daí agora porque essa casa
agora é do governo”. Ao afirmar que não sairia de sua casa, recebeu uma ameaça de prisão e,
no dia seguinte teve sua roça toda cortada. Naquela mesma semana foi obrigada a deixar sua
casa: “me deixaram na rua e passaram com o trator em cima da casa”. Afirmou que, naquele
momento, sua luta havia começado. Essa é uma das incontáveis histórias de abuso contra
comunidades tradicionais espalhadas por todo território nacional7.
7 Em pesquisa realizada pela 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (6CCR/MPF), responsável por coordenar e revisar a atuação ministerial em questões relacionadas a
povos e comunidades tradicionais, entre 01 de janeiro de 2010 e 31 de dezembro de 2019, investigaram-
se 390 casos de violência. De acordo com a pesquisa, a maior parte dos casos, 64%, estão associados à disputa pela terra. O levantamento da 6CCR também revela que a violência contra estas populações vem
aumentando na última década. Disponível em:
42
Apesar dos problemas associados à implementação das unidades de conservação em
território brasileiro, é preciso salientar o importante papel que estas áreas vêm exercendo ao
impedir o avanço de empreendimentos industriais, agrários e/ou turísticos sobre ecossistemas
importantes onde residem inúmeras comunidades tradicionais (SANSOLO, 2009). O próprio
mosaico da Bocaina representa um importante exemplo de preservação do bioma Mata
Atlântica, levando-se em conta que a área preservada está localizada entre três das maiores
regiões metropolitanas do país (São Paulo, Vale do Paraíba e Rio de Janeiro) onde vivem mais
de 20 milhões de pessoas.
As populações tradicionais, antes vistas como um empecilho à preservação dos
ecossistemas, atualmente vem sendo apontadas como organizações potencialmente
conservacionistas. Pesquisas revelam que estas populações, que há séculos residem em meio à
natureza, desenvolveram suas próprias técnicas de convivência harmoniosa com o meio natural
(DIEGUES, 1994; DIEGUES; ARRUDA, 2001; SIMÕES, 2010). Por conseguinte, a existência
de populações tradicionais no interior das UC pode ser considerada compatível com o propósito
de preservação da biodiversidade8.
No Brasil, assim como em diversos países da América Latina, a questão fundiária ainda
está no cerne dos inúmeros conflitos envolvendo comunidades e governos, tornando-se cada
vez mais comum a associação de iniciativas de práticas de TBC às estratégias políticas de
movimentos sociais organizados em busca da preservação dos modos de vida de suas
populações (cultura local) e de seus territórios (MORAES; IRVING; MENDONÇA, 2018). O
Fórum de Comunidades Tradicionais, que nasce a partir do capital humano existente nas
comunidades da Bocaina, representa um desses importantes movimentos sociais em atividade
no Brasil.
4.3 A parceria com a Fiocruz e a criação do Observatório dos Territórios Sustentáveis
e Saudáveis da Bocaina
As diversas comunidades do mosaico da Bocaina que participam do Fórum de
Comunidades Tradicionais buscavam construir parcerias que gerassem resultados mais efetivos
<http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/6CCR_PecaInformacao_ViolenciaMinorias.pdf>. Acesso
em: 5 fev. 2020
8 Diegues e Arruda (2001) realizam uma interessante análise sobre a importância destas populações para
a manutenção da diversidade biológica nas florestas tropicais.
43
na melhoria de vida das comunidades. No ano de 2009, ocorreu a aproximação do movimento
com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), uma das instituições públicas de pesquisa e
desenvolvimento em ciência e tecnologia mais destacadas do mundo. Atuando diretamente na
área da saúde pública, a Fiocruz busca promover a saúde e o desenvolvimento social, gerando
e difundindo conhecimento científico e tecnológico relevantes para a população (FIOCRUZ,
2019).
Edmundo Gallo, um dos pesquisadores titulares da Fiocruz, procurou o FCT buscando
desenvolver projetos que afirmassem o papel estratégico da instituição no auxílio ao
desenvolvimento local. Após identificar, por meio da análise de documentos e reuniões com o
próprio FCT, a necessidade de apoiar a agenda já existente no território, nasceu, no ano de 2009,
a parceria entre o FCT e a Fiocruz (GALLO; SETTI, 2012).
Inicialmente focada na área de saneamento ecológico, duas comunidades caiçaras da
região, praia do Sono e Pouso da Cajaíba, ambas em Paraty, foram escolhidas por representarem
as comunidades mais carentes da região, naquele momento. Após atendê-las, a área de atuação
seria então expandida com o propósito de contemplar o conjunto das comunidades daquele
território.
No ano de 2013, após 4 anos de parceria, estabeleceu-se que era necessário um
planejamento mais estratégico das ações do FCT e, durante este processo, iniciou-se a
construção de um espaço de gestão compartilhada que facilitasse a estruturação dos projetos do
FCT. Por meio de um termo de cooperação com a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA),
nascia o Observatório dos Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS). A
FUNASA, agora parceira no projeto, tornou-se a principal responsável pelo financiamento do
mesmo (GALLO; NASCIMENTO, 2019).
Em junho de 2018, três anos após a publicação da Agenda 2030 pela ONU, a Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz) estabeleceu, durante o seu VIII Congresso Interno, intitulado A Fiocruz
e o futuro do SUS, onze teses que refletem os anseios desta instituição e os possíveis caminhos
para atingir a sua principal meta: contribuir com o bem-estar de todos os cidadãos do país
(FIOCRUZ, 2018).
A tese de número 6 ressalta a importância da Agenda 2030 para a consolidação do papel
da Instituição:
A Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas é a mais abrangente
referência internacional do período contemporâneo para a mobilização de valores, direcionamento de modelos de desenvolvimento inclusivos e
sustentáveis, justiça social e construção de alianças para a realização desse
44
ideário. Constitui-se, portanto, importante marco de referência para a Fiocruz
construir sua nova agenda e perspectivas de médio e longo prazos (FIOCRUZ,
2018, p. 45).
Para a Fiocruz, a Agenda 2030 reflete uma série de valores que integram parte de seus
princípios, e destaca ainda o importante poder integrador da agenda em virtude de seu caráter
transversal, capaz de agregar as dimensões social, ambiental e econômica. Embora reconheça
a agenda como uma referência internacional para o desenvolvimento de projetos pelas nações
participantes, a instituição ressalta a necessidade de se utilizar referenciais teóricos próprios
para o desenvolvimento das agendas nacionais que devem ser coerentes com os contextos locais
(FIOCRUZ, 2018).
As parcerias realizadas com o FCT e a FUNASA para a criação do OTSS representam
a possibilidade de implantação da Agenda 2030 no território da Bocaina, em busca da promoção
de um território mais saudável e mais sustentável. Para tal, em julho de 2016, realizou-se uma
oficina que contou com a participação de integrantes do OTSS, do FCT e da Fiocruz, como
também de uma consultora do Programa das Nações Unidades para o Desenvolvimento
(PNUD), com o objetivo de:
Discutir e definir a “imagem-objetivo” para os próximos 15 anos,
considerando a Agenda 2030 no território; identificar diretrizes para a
elaboração de projetos estratégicos; identificar os atores-chave para a
implementação de projetos estratégicos; e identificar diretrizes para a atuação do OTSS na gestão e implementação de projetos estratégicos (GALLO;
NASCIMENTO, 2019, p. 64-65).
Os resultados obtidos com os trabalhos da oficina permitiram a elaboração de uma
matriz com as estratégias que devem ser utilizadas para que os objetivos almejados para 2030
possam ser atingidos pelas comunidades da Bocaina. O TBC, nesta matriz, representa uma das
estratégias para “assegurar trabalho e renda, com maior participação social, fortalecendo a
educação diferenciada, e garantir a permanência das pessoas em suas comunidades”
(GALLO; NASCIMENTO, 2019, p.66).
4.4 O OTSS e seus princípios
A construção do OTSS configura a busca pelo desenvolvimento de uma agenda
estratégica local focada na sustentabilidade socioambiental, na promoção da saúde, no
45
empoderamento da população e na expansão da autonomia das comunidades do território
(GALLO; SETTI, 2012).
O Observatório dos Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina pode ser
considerado:
Um espaço tecnopolítico para o desenvolvimento de soluções territorializadas,
articuladas a outras escalas (regional, estadual, nacional e global), baseada na ecologia de saberes e que tem potencial para se tornarem estratégias regionais
e alternativas de políticas públicas, visando a garantia dos direitos das
comunidades tradicionais, especialmente os direitos relacionados ao território, à cultura, às atividades tradicionais, à saúde e à qualidade de vida. (GALLO;
NASCIMENTO, 2019, p.27, grifo nosso).
A Ecologia de saberes, conceito criado pelo sociólogo português Boaventura de Sousa
Santos, reconhece a existência de uma pluralidade de conhecimentos que devem ser
considerados e valorizados, partindo-se do princípio de que todos os conhecimentos são
incompletos (SANTOS, 2007). Segundo o autor, o pensamento moderno ocidental concedeu
“à ciência moderna, o monopólio da distinção universal entre o verdadeiro e o falso”,
colocando as formas científicas e não-científicas no centro da disputa epistemológica
(SANTOS, 2007, p. 5). A exclusão de algumas dessas formas de conhecimento como
possibilidades de realidade transformou o conhecimento das populações tradicionais em meras
crenças.
A ecologia de saberes, um dos princípios do OTSS, não pretende negar a ciência
moderna, mas sim considerá-la como mais uma forma de conhecimento relevante para a
sociedade e, ao mesmo tempo, valorizar o conhecimento popular/tradicional/nativo (SANTOS,
2007). A parceria estabelecida entre o FCT e a Fiocruz representa de forma clara esta
proposição: de um lado, o conhecimento popular/tradicional/nativo oriundo das populações
tradicionais que compõe o FCT e do outro, a Fiocruz, com seu viés de pesquisa acadêmica,
ambos interagindo em uma relação simétrica e produtiva (GALLO; NASCIMENTO, 2019).
A valorização do conhecimento tradicional no processo de construção dos projetos,
dentro do OTSS, pode trazer importantes contribuições que estimulem a permanência das
comunidades no seu território. Pode, por exemplo, contribuir com o fortalecimento desse
conhecimento pelas gerações mais jovens que possam estar interessadas em dar continuidade
às práticas culturais que constituem a identidade coletiva de sua comunidade (GALLO;
NASCIMENTO, 2019).
Além disso, pode contribuir diretamente com as práticas de TBC que venham a ocorrer
ou que já ocorrem, pois, valorizando-se o conhecimento tradicional, fortalece-se a identidade
46
das comunidades, garantindo que os turistas interessados em experimentar vivências únicas
com populações tradicionais possam usufruir desses conhecimentos singulares.
O outro princípio adotado na ação do OTSS baseia-se na pedagogia da autonomia,
conceito este estabelecido pelo educador e filósofo brasileiro Paulo Freire que, em seu livro
intitulado “Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa”, defende uma
pedagogia que esteja fundada no respeito, na ética e, principalmente, na autonomia do
educando. Parte do princípio de que cada indivíduo, um sujeito social e histórico,
independentemente de sua classe social, possui conhecimentos que devem ser respeitados e
destaca que o processo pedagógico deve criar as possibilidades para a construção e produção
do saber, desmistificando a ideia de que o educador é o sujeito e o educando é o objeto
(FREIRE, 2003).
A escolha destes dois princípios, a ecologia de saberes e a pedagogia da autonomia
reflete a preocupação existente em assegurar o respeito às comunidades tradicionais e a real
possibilidade de estabelecer um diálogo horizontal entre a ciência moderna e os saberes
tradicionais na construção de novos saberes.
Vagner do Nascimento, coordenador do FCT e coordenador geral do OTSS ressalta:
Somos do movimento social de comunidades tradicionais, que tem seus princípios e formas de se organizar, de se auto identificar e lutar por seus
direitos. A Fiocruz é uma instituição pública, que trabalha focada na saúde e
na pesquisa científica. Então temos diferenças, e nosso desafio é trabalhar
essas diferenças e avançar naquilo que nos une, que é a busca de soluções tecnológicas para o desenvolvimento sustentável territorial, de modo a
possibilitar a permanência das comunidades tradicionais em seus territórios.
Fizemos isso com sabedoria, e o desafio continua (GALLO; NASCIMENTO, 2019, p.16).
A próxima seção explorará as características do modelo de governança, adotado pelo
OTSS, para a construção e implementação da agenda estratégica no território da Bocaina
considerando a complexidade existente na natureza dos agentes envolvidos.
4.5 Governança e gestão do OTSS
O modelo de governança e gestão adotado pelo OTSS é denominado comunicativo-
estratégico:
Comunicativo, por instituir espaços colegiados de gestão autônomos e
articulados onde se tomam as decisões estratégicas baseadas na legitimidade; e estratégico, por implementar mecanismos de alinhamento estratégico,
47
monitoramento do planejamento estratégico e avaliação de efetividade de sua
ação (GALLO; NASCIMENTO, 2019, p. 37).
O processo se dá de maneira participativa, fundado no diálogo e na
intercomunicabilidade entre os diferentes saberes, “assume a prática deliberativa e o
desenvolvimento como processo de ampliação das liberdades e das capacidades individuais e
coletivas, ou seja, deve ser estruturada e operar para promover autonomia e equidade”
(GALLO; NASCIMENTO, 2019, p. 28).
O incentivo à autonomia e a ampliação das liberdades estão profundamente conectadas
com a visão de desenvolvimento do economista Amartya Sen. Para o autor, a questão
relacionada ao desenvolvimento das sociedades está mais associada a aspectos sociais do que
econômicos sendo necessário agir no sentido de expandir as liberdades individuais –
participação política, liberdade de expressão, direito à educação, saúde, habitação e saneamento
– e permitir que que os indivíduos, especialmente os que são privados de tais liberdades, possam
exercer todas as suas potencialidades como construir suas próprias identidades, conduzir suas
próprias escolhas, participar da vida em sociedade, entre outras (SEN, 2018).
A estrutura de governança da parceria sofreu algumas alterações ao longo dos anos com
o intuito de se adequar às demandas que surgiam, conforme o projeto se tornava cada vez mais
complexo. No livro intitulado O Território Pulsa – Territórios sustentáveis e saudáveis da
Bocaina: soluções para a promoção da saúde e do desenvolvimento sustentável
territorializado, são descritos todos os arranjos que já foram adotados até o presente momento
(GALLO; NASCIMENTO, 2019).
O processo de gestão ocorre de modo compartilhado, envolvendo dois tipos de
pesquisadores: os pesquisadores acadêmicos e os pesquisadores comunitários. Apesar de em
menor número, os pesquisadores comunitários, membros das comunidades envolvidas, estão
presentes nos principais espaços de tomada de decisão, representando uma oportunidade única
para o empoderamento dos mesmos dado que, ao participarem diretamente do processo de
gestão, acabam assimilando conhecimentos técnicos relacionados aos procedimentos
administrativos, financeiros e políticos que constituirão ferramentas de grande utilidade para o
fortalecimento de suas lutas políticas (GALLO; NASCIMENTO, 2019).
A estrutura de governança, no início do OTSS, era composta por inúmeras
coordenações, cada uma responsável por um tema a ser trabalhado pela parceria.
Posteriormente, estas coordenações passaram a ser chamadas de núcleos, destacando-se, para
esta pesquisa, o Núcleo de Gestão dos Saberes (NUGES) e o Núcleo de Transição Tecnológica
(NTT).
48
O NUGES ficou responsável pela organização, pela sistematização e difusão dos
saberes acumulados pela parceria. Através do NUGES diferentes experiências de ensino e
aprendizagem são proporcionadas aos comunitários e a outros atores importantes do território,
baseadas na ecologia de saberes e na pedagogia da autonomia. O programa “CASALivre-
comunidades autônomas e Saberes Livres: Programa de Formação para Territórios Sustentáveis
e Saudáveis da Bocaina” é um exemplo de experiência proporcionada pelo NUGES que busca
sistematizar todas atividades de formação do OTSS (GALLO; NASCIMENTO, 2019).
O NTT, por sua vez, é o núcleo responsável por apoiar a implantação de tecnologias
ecossanitárias, as práticas de agroecologia e do turismo de base comunitária, tudo isto através
da implantação de uma incubadora denominada ‘Incubadora de Tecnologias Sociais’ que será
melhor descrita na próxima seção (GALLO; NASCIMENTO, 2019).
4.6 A criação da incubadora de tecnologias sociais e o nascimento da Rede
Nhandereko de Turismo de Base Comunitária
O território da Bocaina, com toda a sua riqueza sociocultural proveniente das diferentes
origens de seus diferentes povos (quilombolas, caiçaras e indígenas), paulatinamente, vem
‘perdendo’ parte da sua tradição perante a racionalidade dominante que “colonizou em diversos
graus a organização da produção e do consumo nas comunidades tradicionais, levando à
diminuição da utilização de seus conhecimentos e práticas tradicionais” (GALLO;
NASCIMENTO, 2019, p. 145).
Neste cenário, o OTSS se associou ao FCT buscando “gerar conhecimento crítico e
tecnologias inovadoras” através da construção da Incubadora de Tecnologias Sociais (ITS) sob
a alçada do NTT. A incubadora atua como uma pesquisa-ação, implementando ações baseadas
na ecologia de saberes e na reflexão crítica, através de metodologias participativas que
propiciam um diálogo horizontal entre os diferentes conhecimentos adotados e que incluem os
diversos sujeitos do território (GALLO; NASCIMENTO, 2019).
A partir do resgate dos saberes e das tecnologias tradicionais, associando-os ao
conhecimento e tecnologias científicos, a ITS tem como missão promover esta transição
tecnológica e:
Atua para articular, qualificar e consolidar os empreendimentos comunitários,
assim como as iniciativas coletivas e familiares, desenvolvendo ações que dinamizam a organização comunitária nos focos de ação do Núcleo de
Transição Tecnológica do OTSS (NTT/OTSS): agroecologia, turismo de base
49
comunitária e saneamento ecológico (GALLO; NASCIMENTO, 2019, p.
149).
O turismo de base comunitária, portanto, destaca-se como um dos focos de atuação do
OTSS nas comunidades tradicionais da Bocaina através da ITS. A demanda para o
desenvolvimento de iniciativas de TBC no território vem crescendo nos últimos anos com um
maior número de comunidades mostrando interesse. A partir do II Encontro Nacional da Rede
Turisol em 2015, o FCT atuou no desenvolvimento de um projeto que articulasse melhor a
operacionalização das práticas de TBC já existentes. A Rede Nhandereko (o nosso jeito de ser,
na língua guarani) de Turismo de Base Comunitária, representa o fruto deste trabalho. Criada
para fortalecer as práticas que já ocorrem no território, a rede tem como principal objetivo:
Promover e consolidar o turismo de base comunitária, aprimorando serviços
e fomentando uma nova lógica turística que possibilite, ao mesmo tempo,
geração de renda, respeito ao modo de vida, ao meio ambiente e a
consolidação da luta em defesa do território tradicional (OTSS, 2019).
Até o presente momento, a rede conta com a participação de mais de 15 comunidades
pertencentes aos municípios de Paraty, Angra dos Reis e Ubatuba. A sua presença neste
território propicia o compartilhamento de experiências entre as três diferentes etnias na
construção das iniciativas de TBC, além de fortalecer o processo de comercialização destas
iniciativas, um dos grandes desafios já identificados.
Dentre seus valores, destacam-se:
1. O protagonismo das comunidades tradicionais;
2. O resgate e a valorização das práticas e manifestações culturais tradicionais;
3. A utilização do turismo como instrumento para o fortalecimento comunitário e
associativo;
4. Proporcionar aos turistas contatos culturais autênticos e vivências que lhes permitam
dar valor e importância as contribuições das comunidades à sociedade e a natureza;
5. O estabelecimento de acordos baseados na distribuição equilibrada de custos entre
produtos, serviços e roteiros;
6. Promover participação, equidade e solidariedade;
7. Promover auto-gestão, a autonomia e o respeito aos acordos;
8. Promover a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais
(Fonte:guia de bolso da Rede Nhandereko de Turismo de Base Comunitária).
50
No ano de 2017, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio), responsável pela gestão das unidades de conservação de nível federal, lançou um
edital com o objetivo de elaborar, implementar e até mesmo promover iniciativas de TBC em
UC Federais que tivessem o potencial para gerar expertise para a instituição replicá-la em outras
UC. O Edital intitulado Chamada de Propostas para Fortalecimento de Iniciativas de Turismo
de Base Comunitária, fora lançado pouco tempo após a publicação do caderno Turismo de Base
comunitária: princípios e diretrizes que teve como objetivo estabelecer um marco legal para a
atividade dentro das Unidades de Conservação (UC) Federais.
Neste contexto de crescente interesse pelo TBC, o Fórum de Comunidades Tradicionais,
em parceria com a APA Cairuçu, localizada no município de Paraty, apresentaram a sua
proposta ao edital do ICMBio, dado que parte do território da Bocaina está localizado no interior
de uma UC federal, o Parque Nacional da Bocaina. A proposta, que visava o fortalecimento da
Rede Nhandereko, acabou sendo uma das quatro propostas selecionadas pelo ICMBio.
Com o valor de R$ 40.000, oriundos do PNUD, os organizadores da Rede fizeram a
impressão de um guia de bolso com as comunidades que naquele momento faziam parte da
rede. Neste guia, destacado na Figura 2 abaixo, o turista é capaz de visualizar a localização da
comunidade de interesse, bem como os principais atrativos turísticos que são oferecidos.
Através de um número de telefone ou de um e-mail, o turista pode acessar diretamente o
comunitário responsável pelo agendamento das visitas.
51
Figura 2: Guia de bolso representando as comunidades participante da Rede Nhandereko.
Fonte: Fórum de Comunidades Tradicionais (2015).
Além do guia de bolso, o FCT, juntamente com o OTSS, utilizou parte da verba do edital
para organizar uma série de encontros entre diferentes comunidades das três etnias
denominados ‘partilhas de vivência de TBC’. Estas partilhas buscam reunir as diferentes
comunidades para vivenciar um roteiro de TBC organizado pela comunidade receptora.
52
5. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Esta seção examinará os resultados obtidos com as entrevistas e com a análise dos
documentos, relacionando-os com o objetivo deste trabalho aplicado que é: analisar as
estratégias desenvolvidas pela parceria entre o Fórum de Comunidades Tradicionais e a
Fiocruz, para promover as iniciativas de TBC nas comunidades tradicionais do território da
Bocaina.
Analisando-se as entrevistas realizadas, puderam ser encontrados 7 grandes grupos de
conversa que mostram a importância da parceria no território: (i), o entendimento sobre a
importância do TBC para as comunidades; (ii), a necessidade de recursos e infraestrutura para
o desenvolvimento do TBC.; (iii), a geração de emprego e renda através do TBC; (iv), o papel
da Rede Nhandereko; (v), a relação da Rede Nhandereko com as agências e operadoras de
turismo da região; (vi) a relação entre a agroecologia, o saneamento ecológico e a educação
diferenciada com o TBC e (vii), a importância da presença do FCT para as lutas comunitárias.
5.1 Entendimento do que é o Turismo de Base Comunitária
As entrevistas em campo evidenciaram a existência de um entendimento bastante
alinhado do que tem sido compreendido como turismo de base comunitária. Com a criação do
OTSS, através da parceria com a Fiocruz, o TBC, um dos temas demandados pelo território,
tornou-se ainda mais relevante para o futuro das comunidades nos últimos anos.
Apesar das diferentes definições apresentadas pela literatura, chamou a atenção o
destaque dado, por todos os entrevistados comunitários, ao protagonismo das comunidades no
processo de construção dos projetos de TBC. Esse princípio é recorrente na literatura e visto
como primordial para que uma iniciativa possa ser denominada de base comunitária e venha a
ser exitosa.
O entrevistado 13, indígena da Aldeia Boa Vista, afirmou que o TBC é “o turismo feito
pela comunidade”. Essa fala se repetiu em outras entrevistas com comunitários pertencentes às
outras etnias. O entrevistado 10, reforça esta visão afirmando que: “o TBC nasce de dentro pra
fora e não de fora pra dentro”. Para a entrevistada 1, o TBC representa uma prática
extremamente valiosa para sua comunidade, o quilombo da Fazenda em Ubatuba: “a principal
fonte de renda hoje, pro Quilombo, é o turismo. A gente quer ter um turismo bacana um turismo
especial, sem alta e nem baixa, um turismo onde somos protagonistas”.
53
A percepção do turismo comunitário como uma forma de se fazer turismo de maneira
distinta da convencional, se mostra presente nas falas dos comunitários da região, em parte pois,
há décadas, algumas destas comunidades convivem com o turismo de massa durante a alta
temporada e feriados e os impactos, sejam eles positivos ou negativos, já são do conhecimento
de todos. Para a entrevistada 4, moradora da Vila de Picinguaba, o turismo que ocorre na Vila
e na Ilha das Couves, “não tem nada de base comunitária, o turismo pra ser de base é uma rede
que vai ser dividida pra todos. A gente aqui recebe mais um grupo de turistas, explorando nosso
lugar, que paga e depois vai embora, mas a comunidade como um todo não é contemplada”. A
fala desta entrevistada revela a preocupação com a distribuição da renda arrecadada com o
turismo que, para alguns autores e para os idealizadores da Rede Nhandereko, representa um
ponto importante do TBC. A equidade na distribuição dos benefícios será um grande desafio
para as comunidades que, há anos, estabeleceram uma relação menos igualitária com a renda
advinda do turismo existente.
Para o entrevistado 9, um dos envolvidos no projeto de TBC do Quilombo da Fazenda,
o TBC não serviria apenas para atrair grupos e recursos para a comunidade, mas também para
ajudar na formação dos moradores, através de cursos de capacitação e para mostrar aos
visitantes o que é um quilombo: “TBC é passar a história da comunidade, não é só servir um
almoço, fazer uma trilha e acabou. É mostrar as dificuldades que um comunitário passa que é
diferente da pessoa da cidade”. E ainda complementou, enfatizando a importância do TBC para
trazer um novo olhar para o visitante: “recebemos até filho de juiz, advogado, estudantes de
faculdade e a galera sai daqui com outra mente, desconstruída”.
Para a entrevistada 12, caiçara da comunidade da Lagoinha, “o TBC é uma ferramenta
fundamental para proteção do nosso território e da nossa cultura. Eu acredito que esse roteiro
(se referindo ao roteiro de TBC que está sendo implementado na sua comunidade), vai também
organizar o turismo que tá vindo pra cá”. A comunidade da Lagoinha, localizada na parte sul
de Ubatuba, faz parte de uma das mais famosas trilhas do município, a trilha das sete praias,
muito procurada pelos turistas durante o verão. Por esse motivo, os impactos negativos na
comunidade são significativos e vem se intensificando ano após ano. O entrevistado 13 reforça
esta visão do TBC como uma ferramenta para organizar o turismo já existente, “um turismo
que dever ser feito sem agressão pois o nosso olhar lá dentro é diferente do turista que vem de
fora”.
A experiência de vivenciar o turismo comunitário como uma possibilidade de terem
suas vozes ouvidas e suas histórias conhecidas por aqueles que tem o poder de influenciar
54
diretamente as suas vidas é uma oportunidade única para estas comunidades que, há muitas
décadas, reivindicam maior visibilidade e espaço no turismo da região. A Rede Nhandereko
revela um novo mapa do turismo no estado do Rio de Janeiro, que coloca em relevo a memória
e o patrimônio de indígenas, caiçaras e quilombolas. (MENDONCA; SANTOS; MORAES,
2019)
5.2 A necessidade de recursos e infraestrutura para o desenvolvimento do TBC
Nas entrevistas com os comunitários explorou-se quais seriam as principais
necessidades e dificuldades das comunidades em relação ao TBC. A infraestrutura e o
acesso às comunidades foram citados em todas as entrevistas. A necessidade de capacitação
dos comunitários e a falta de união entre eles também apareceram, porém em menor
proporção.
Com um dos maiores índices pluviométricos do país e com muitas vias ainda por
asfaltar, trechos das estradas que dão acesso a algumas das comunidades nestes municípios
podem ficar intransitáveis, como é o caso da aldeia Boa Vista no município de Ubatuba, o
que acaba obrigando o visitante a caminhar até o seu destino. Vans e ônibus têm ainda mais
dificuldades para acessá-las, o que pode resultar no cancelamento de visitações, como
relatou o entrevistado 13.
A infraestrutura para o recebimento dos visitantes também foi mencionada nas
entrevistas realizadas. Pousadas domiciliares, além de cozinhas e restaurantes mais
apropriados para o recebimento dos turistas, são demandas frequentes para o fortalecimento
das iniciativas, considerando que a culinária típica das três etnias é um dos principais
atrativos para o TBC.
O restaurante comunitário do Quilombo do Campinho da Independência (Figura 3),
em Paraty, foi citado por mais de um comunitário como uma referência para outras
comunidades: “a gente sempre pensa naquilo (se referindo à cozinha do Campinho), é
referência pra gente, foi aonde que deu a alavanca pra eles lá”, afirmou o entrevistado 9.
Este quilombo é visto como um exemplo de sucesso nas práticas de TBC na região por
estar mais bem consolidado do ponto de vista de gestão, organização, visibilidade e
reconhecimento pelo poder público (BRASIL, 2010).
Esse sucesso, em parte, se deve ao fato de que o Quilombo tem submetido muitos
projetos a editais públicos e com isso conseguiu angariar recursos para sua construção. O
55
restaurante comunitário é resultado de uma iniciativa do Governo Federal, no ano de 2005,
de apoiar comunidades quilombolas com recursos da Petrobrás.
Figura 3: Restaurante do Quilombo do Campinho.
Fonte: fotografia tirada em campo, pelo autor.
As verbas para as ações do OTSS, provenientes da FUNASA, não são suficientes
para atender todos os projetos em andamento e, diante disso, os editais públicos têm sido
fundamentais para a obtenção de recursos que atendam às necessidades financeiras dos
projetos desenvolvidos pela parceria. Apesar da parceria com a Fiocruz ter garantido maior
visibilidade ao FCT, o que, em tese, facilitaria a angariação de verbas através de editais
públicos, a preocupação atual do coordenador da Rede é de que esses editais se tornem
cada vez mais raros, diante do atual cenário político, dificultando assim a arrecadação de
recursos para a realização dos programas.
Se os recursos não entrarem no território via editais, outras fontes deverão ser
procuradas para dar fôlego às comunidades. Na área do saneamento ecológico, a agenda
mais antiga do OTSS, outros parceiros já disponibilizaram recursos, como o poder público
local (prefeitura de Paraty). As prefeituras podem ser atores importantes e necessários, não
apenas para os investimentos obrigatórios, como na infraestrutura de acesso às
comunidades, mas como um stakeholder interessado na divulgação do TBC para o
mercado.
De acordo com o entrevistado 15, funcionário da Secretaria de Turismo do
muncípio de Ubatuba, apesar do baixo orçamento que a secretaria recebe, apenas R$
56
647.000,00 no ano de 2019, parcerias com outras instituições devem ser prioridade para
alavancar projetos que interessem ao município.
Segundo os entrevistados 2, 3, 9 e 12, a prefeitura de Ubatuba nunca ofereceu o
apoio necessário às suas respectivas comunidades. Por outro lado, apesar dos escassos
recursos do município, os investimentos realizados na cidade para a atração do turismo
convencional ocorrem todos os anos, meses antes do início da temporada. Aos poucos, a
especulação imobiliária gerada por este turismo, vem descaracterizando a cidade de
Ubatuba que vê sua orla cada vez mais ocupada por grandes casas de veraneio e
condomínios fechados, com a proliferação de subempregos na área do setor turístico
(BARBOSA; FORMAGIO; BARBOSA, 2010). Comunidades caiçaras são invadidas por
turistas que se aproveitam dos baixos custos dos imóveis e da falta de escritura para adquirir
as casas da população local, como vem ocorrendo na Vila de Picinguaba, já há alguns anos.
O turismo, dessa forma, tem provocado o deslocamento do caiçara que passa a se instalar
em locais mais distantes da praia, provocando uma desestruturação das formas de cultura
caiçara da comunidade como um todo.
As entrevistadas 3 e 4 destacaram, durante a entrevista, que as relações sociais na
sua comunidade deterioraram rapidamente com a chegada do turismo de massa apesar da
melhora econômica na vida dos moradores. Revelaram uma preocupação com o aumento
do número de imóveis nas mãos de turistas: “a maior parte dos restaurantes e das pousadas
aqui pertencem a pessoas que vieram de fora” e, na alta temporada, muitas das casas
compradas por turistas acabam sendo alugadas via Airbnb, dificultando a implementação
de uma iniciativa de TBC na Vila.
Um turismo mais sustentável se mostra cada vez mais imprescindível para a
sobrevivência da atividade no longo prazo e, por este motivo, os municípios da região focal
desta pesquisa deveriam observar atentamente para os aspectos positivos que um turismo
de maior qualidade traria para o território, incluindo-se as práticas de TBC que podem
garantir a permanência das populações tradicionais no seu território.
5.3 A geração de empregos e renda no território
Apesar da geração de empregos e renda não serem os principais objetivos nas práticas
de TBC, existe um consenso de que a renda, neste território, é muito importante para que os
comunitários possam permanecer em suas comunidades.
57
Esta questão vem se tornando cada vez mais relevante diante da situação de crescente
violência, especialmente nos municípios de Paraty e Angra dos Reis, no estado do Rio de
Janeiro. A produção de artesanato realizada pelos indígenas da aldeia Sapukai, na região sul de
Angra dos Reis, acaba sendo comercializada nas ruas da cidade de Paraty, onde o fluxo de
turistas é intenso. As mulheres e crianças da aldeia são as responsáveis pela venda do artesanato,
o que significa que devem se deslocar até Paraty, correndo uma série de riscos nestes trajetos
de ida e volta da aldeia. Segundo relato da entrevistada 11, pesquisadora e professora da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, que já esteve na aldeia Sapukai como
pesquisadora, o TBC é visto como um importante meio para a proteção das mulheres e crianças
que poderiam assim permanecer na aldeia vendendo ali o artesanato produzido.
Na entrevista realizada com o entrevistado 13, constatou-se que a situação em Ubatuba
é semelhante. A principal fonte de renda da Aldeia Boa Vista provém da venda de artesanato e
dos palmitos pupunha e juçara, cultivados na própria aldeia. O principal ponto de venda é o
centro da cidade de Ubatuba. Os deslocamentos, assim como em Paraty, são realizados
principalmente pelas mulheres que costumam chegar no começo da tarde e retornam à aldeia
no último ônibus, que sai da cidade às 23:40 da noite, retornando por volta de uma hora da
manhã, contou o entrevistado. O TBC, para ele, representa uma possibilidade de permanência
da população na sua aldeia.
No Quilombo da Fazenda, em Ubatuba, o entrevistado 9 reforçou a importância do TBC
para a permanência dos moradores no quilombo: “a gente precisa fazer um trabalho mais
aprimorado pra que a gente consiga tirar daqui mesmo a nossa própria renda e não precisar ir
pra outro lugar”. Muitos de seus familiares acabaram indo morar no centro de Ubatuba para
trabalhar no comércio, ou no turismo, porém, segundo ele, prefeririam estar morando no
Quilombo, mais próximos de seus familiares.
Essa situação se repete em outras comunidades da região, onde moradores se deslocam
para os centros urbanos de Ubatuba, Paraty e Angra dos Reis para trabalhar, muitas vezes em
subempregos. O fortalecimento dos empreendimentos comunitários na Bocaina, através da
criação da Incubadora de Tecnologias Sociais pelo OTSS, poderá contribuir para a permanência
dos comunitários em seus locais de origem. Mas, para isso, devem receber um fluxo de turistas,
ao longo de todo o ano, que possibilite gerar a renda necessária para todos os envolvidos e que,
ao mesmo tempo, respeite o modo de vida local, o que revela o grau do desafio que a Rede e as
comunidades participantes terão nos próximos anos.
58
5.4 As partilhas de vivência de TBC e o papel da Rede Nhandereko
De acordo com o entrevistado 10, caiçara e membro da Rede Nhandereko, a ideia por
trás das partilhas de TBC é a de reunir comunidades das três etnias para vivenciar um roteiro
de TBC organizado pela comunidade receptora. As comunidades escolhidas para as partilhas
foram aquelas que estavam em um estágio mais avançado em relação ao TBC: Quilombo do
Campinho, comunidades caiçaras de Trindade, de São Gonçalo e da Praia do Sono.
Para cada um dos encontros, que ocorrem desde o ano de 2016, é escolhido um tema
que seja prioritário para ser discutido naquele momento, segundo os organizadores da partilha.
Na primeira partilha, ocorrida no Quilombo do Campinho, no município de Paraty,
estabeleceram-se os princípios comuns do TBC na comunidade através do compartilhamento
das ideias acerca do TBC entre os participantes presentes (FCT, 2016a).
Na segunda partilha, realizada em outubro de 2017, na comunidade caiçara de Trindade,
foram definidos os princípios, conceitos e diretrizes da futura Rede Nhandereko. Os membros
do FCT e do OTSS vivenciaram um roteiro de turismo de base comunitária disponibilizado
pelos próprios comunitários da Trindade. A vivência envolveu ainda caiçaras, indígenas e
quilombolas de outras comunidades de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba9.
Na oficina seguinte, realizada na comunidade de São Gonçalo, além da vivência, o grupo
que estava presente discutiu qual seria o modelo de negócios mais adequado à criação de uma
central única de comercialização da Rede, considerando para isso aspectos relacionados à
governança local, como à democracia interna, à comunicação e à participação.
O entrevistado 10 explicou que esta central única para comercialização dos roteiros de
TBC envolverá a criação de um site que deve conter um portfólio online dos produtos e serviços
oferecidos pelas comunidades que estão mais adiantadas no processo. O site deverá ser lançado
ainda no final de 2020. A ideia é que o turista interessado seja capaz de montar o seu roteiro, a
partir desta central que contará com um funcionário/a responsável pelo contato com as
comunidades de interesse.
Na partilha realizada na praia do Sono, em Paraty, sob o título “Empreendedorismo
Comunitário – ideias para desenvolver negócios locais”, as mais de 50 lideranças e juventudes
9 Matéria disponível em: <https://envolverde.cartacapital.com.br/nhandereko-o-turismo-de-base-
comunitaria-do-forum-de-comunidades-tradicionais/>. Acesso em: 28 jul. 2019.
59
caiçaras discutiram aspectos ligado à comercialização dos roteiros como a precificação e as
formas para se cobrar pelos serviços e produtos do TBC10.
Até o presente momento, a Rede Nhandereko vem priorizando as comunidades mais
bem estruturadas para o TBC, oferecendo a elas assessoria técnica para o desenvolvimento de
plano de negócios comunitários, plano de sustentabilidade, plano de viabilidade, entre outros.
A ideia, segundo o entrevistado 10, é que estas comunidades sejam capazes de bancar a
estruturação da central única para a comercialização dos roteiros.
Essa troca de experiências entre comunidades vem chamando a atenção de outras
comunidades e a demanda vem aumentando ano após ano. Com isto, o FCT, que sempre esteve
mais presente no município de Paraty, vem intensificando suas ações no município de Ubatuba,
onde a procura também vem aumentando. Comunidades como Prumirim, Picinguaba,
Ubatumirim e Caçandoca estão iniciando suas práticas de TBC e a ideia, segundo os
coordenadores da rede, é iniciar novas partilhas de vivência com estas comunidades para que
seja realizado um nivelamento dos conceitos, princípios e capacitação para as práticas de TBC
em todo o território.
No início deste ano, as 12 comunidades que atualmente compõe o coletivo de trabalho
da Rede Nhandereko, se reuniram no quilombo da Fazenda, em Ubatuba, com o intuito de
qualificar os roteiros de TBC e dar mais um passo rumo à construção da central de
comercialização. Com o apoio da ONG Capina (Cooperação e Apoio a Projetos de Inspiração
Alternativa), que atua como uma consultoria focada em apoiar os empreendimentos da
economia dos setores populares11, foi construído um formulário para ser aplicado em uma
pesquisa de mercado que será conduzida pelos próprios comunitários com setores estratégicos
da região, dentre eles, agências, escolas, universidades, secretarias de turismo, turistas entre
outros12.
Partilhas de vivência, oficinas e outros encontros, retratam o processo de construção da
Rede Nhandereko que está em andamento. Para a entrevistada 11, pesquisadora e professora da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, convidada pelo FCT a participar das vivências
que discutiram o TBC, as partilhas são de extrema importância, pois permitem, em um primeiro
10 Matéria disponível em: <https://www.preservareresistir.org/single-post/comunidade-caicara-sono-
recebe-partilha-rede-nhandereko-tbc>. Acesso em: 10 ago. 2019. 11 A ONG Capina considera a “economia dos setores populares” como toda e qualquer atividade
econômica de resistência à falta dos meios de sustentação da vida. Disponível em:
<https://www.capina.org.br/institucional>. 12 Matéria disponível em: <https://www.otss.org.br/post/rede-nhandereko-caminha-na-construcao-da-
central-de-turismo-de-base-comunitaria-tbc>. Acesso em: 5 fev. 2020.
60
momento, que as comunidades pensem nos atrativos que possuem e que gostariam de mostrar
aos visitantes. Permitem também que os visitados pratiquem o ato de receber e que, após a
visita, sejam avaliados pelos visitantes, gerando um importante feedback, que pode ser utilizado
para futuras melhorias.
As partilhas de TBC propiciam uma profunda troca de saberes entre as três etnias e
garantem a oportunidade para que possam construir juntas o futuro da Rede. Participando do
processo de organização e execução das partilhas, o E10 destaca: “o processo de vivências de
TBC vem trazendo inspiração para as comunidades que estão ainda na fase inicial do processo
e isso é muito importante para nós”. Ao conhecer um empreendimento comunitário durante
uma partilha, outros comunitários estão se inspirando e buscando realizar algo parecido na sua
comunidade.
No presente momento, a Rede Nhandereko, ainda em fase de construção, configura uma
rede constituída por comunidades pertencentes às três etnias que reconhecem sua origem
vinculada ao FCT e apoiam as lutas pela preservação e garantia de permanência no território,
porém, ainda busca a melhor maneira de atuação. Sem um papel ainda claramente definido, a
rede procura ser algo a mais do que as redes de TBC existentes através de um modelo de
negócios comunitário que as diferencie de uma agência de turismo.
O processo de construção da Rede que está em andamento se assemelha àquilo que
Irving (2009) chamou de “laboratório de construção de novas realidades e transformação
social, [...], se for interpretado como alternativa ética, duradoura e humanizante” (p.119). As
possibilidades para se pensar em novos modelos de organização estão em aberto.
A observação de experiências que estão em andamento em outras partes do país e nos
países vizinhos é uma estratégia interessante, assim como a economia solidária e popular, já
realidade em outras iniciativas e um dos objetivos a ser alcançado pela Agenda Territórios
Sustentáveis e Saudáveis do OTSS, que representa uma possibilidade para a Rede Nhandereko,
porém, depende de um processo de transição tecnológica que demandará tempo e esforço, além
do apoio de parceiros e parceiras.
A concepção de uma central única para a comercialização dos roteiros de TBC deverá
agilizar a montagem dos roteiros pelos visitantes, além de garantir maior eficiência na
comercialização. Pretendem, desta maneira, suplantar uma das mais comuns dificuldades
apresentadas por iniciativas de TBC que é: a dificuldade para a comercialização do produto
turístico.
61
A maior parte dos turistas que procura experiências de turismo comunitário, organizam
suas viagens por conta própria, sem utilizar o serviço de agências ou operadoras. Optam pelos
sites de busca como o Google e outras mídias como Facebook e Instagram para se informarem
(SANCHO; MALTA, 2015). Esse é um caminho que talvez a Rede Nhandereko terá de seguir
já que, até o momento, conta apenas com um site, ainda em fase de construção.
Considero importante a atuação da Rede em diversas frentes, realizando parcerias com
agências e operadoras, bem como investindo na divulgação via plataformas online mas, sem
deixar de se atentar para as potencialidade e restrições de cada comunidade. Deve-se ter em
mente que o TBC não representa uma alternativa turística para substituir o turismo de massa e
sim uma outra forma de se fazer turismo. Garantir a sustentabilidade dos projetos de TBC é
fundamental para não comprometer a qualidade de vida dessas populações.
5.5 A relação da Rede Nhandereko com as agências e operadoras de turismo
A entrevistado 14, caiçara da comunidade da Lagoinha e, o entrevistado 6, caiçara do
Camburi, ambos membros do FCT, criticam a forma como as operadoras e agências de turismo
da região lidam com as iniciativas de TBC no município de Ubatuba. “Da mesma forma que o
capitalismo se apropria do termo Eco, o trade turístico se apropria do termo TBC. Muita gente
do município se apropria do termo TBC sem compreender e sem aceitar o que é TBC. Não
aceitam o protagonismo das comunidades”, afirmou a entrevistada 12, ao se referir às muitas
agências e operadoras que não estão de acordo com a presença de um guia comunitário ao
realizarem uma visita a uma comunidade tradicional. Tal fato foi corroborado pelo entrevistado
9, coordenador do TBC na comunidade. O quilombola faz uma forte crítica aos guias de fora
que falam sobre a história do Quilombo. O lugar de fala, segundo ele, deve ser daquele que
pertence ao local e, por esse motivo, qualquer grupo que queira visitar o quilombo deve
contratar um guia da comunidade. Para o entrevistado 6, a apropriação do nome é bastante
comum pois muitas agências chamam de TBC uma simples visita a determinada comunidade
quando, na prática, estão distantes daquilo que venha a ser um verdadeiro turismo comunitário.
Para o diretor de uma das mais conceituadas agências do município de Ubatuba, o
entrevistado 5, o turismo comunitário deve ser incentivado na região, pois existe um público
interessado, porém, reclama da falta de profissionalismo que, segundo ele, é muito comum nas
comunidades de Ubatuba e Paraty, municípios em que opera. O entrevistado defende que o
turismo, seja qual for sua modalidade, é uma atividade comercial que exige qualidade: “não é
porque você é um TBC que você pode se ausentar disso. Não é aceitável, no mundo de hoje,
62
que você demore uma semana pra responder um e-mail, você perde o cliente. Parece até que
existe esse censo de que ‘ah é assim mesmo’”.
Outro ponto interessante levantado pelo E5, é que a alta temporada não é a melhor época
para os seus negócios. Existe uma grande mudança no perfil do turista da alta para a baixa
temporada, a ponto de a empresa não operar do dia 25/12 ao dia 10/01: “o verão atrapalha a
gente, não é o cara de chinelo na praia a nossa prioridade”. O mesmo ocorre com a visitação no
Parque Estadual da Serra do Mar e outras UC da região. Segundo o entrevistado 14, monitor
ambiental do Núcleo Picinguaba do PESM, a visitação ao Parque também é mais intensa
durante a baixa temporada quando universidades e escolas interessadas procuram o parque para
os agendamentos.
Neste sentido, cabe pensar a respeito de como a sazonalidade do turismo na região
poderá impactar as iniciativas de TBC. Conforme o E5, o público da baixa estação, que procura
pelos roteiros de sua agência, está mais interessado em conhecer a vida nas comunidades. Para
as comunidades que vivem mais afastadas das praias e acabam não recebendo o mesmo fluxo
de turistas que as outras comunidades, esta informação é crucial pois possibilita que a Rede
Nhandereko possa desenvolver parcerias com as agências que atendem a estes públicos.
Cientes desta realidade, os coordenadores da Rede pretendem realizar, ainda em 2020,
um Famtour13, com o intuito de alinhar a atuação das operadoras e agências da região.
Juntamente ao famtour, pretendem também elaborar um seminário para promover o TBC e
consolidar parcerias que respeitem as comunidades. De acordo com o entrevistado 10, seria
“um evento de nivelamento regional para realmente conectar os povos tradicionais nas
atividades, valorizando-os economicamente”. O membro da Rede afirma ainda que, apesar do
contexto favorável, será um grande desafio ‘amarrar’ com as comunidades que constituem a
rede a realizarem uma cobrança justa evitando que ocorram negociações paralelas em busca do
fechamento de negócios através do barateando dos serviços. O desafio é ainda maior
considerando que a autonomia de cada comunidade deverá ser sempre respeitada ao longo do
processo.
13 Famtour, oriundo do nome em inglês, familiarization tour, é o nome dado ao tour de familiarização a um determinado sítio turístico para que as agências de viagem possam conhecer os atrativos turísticos
e com isso facilitar a sua venda.
63
5.6 A atuação da parceria no território: a relação da agroecologia, do saneamento
ecológico e da educação diferenciada com o TBC
A presença do FCT, e sua parceria com a Fiocruz, trouxe um novo modo de olhar para
o território. Pensar o desenvolvimento territorial de forma sistêmica, a partir da própria
comunidade, configura o modo de atuação do OTSS no território da Bocaina. O TBC, neste
contexto, é visto como parte integrante da agenda estratégica e está diretamente relacionado aos
três pilares centrais da agenda no território: o meio ambiente (com adoção e expansão da
agroecologia), a saúde (com a implementação do saneamento ecológico) e a educação (com a
adoção da educação diferenciada). Conforme o entrevistado 10, o turismo de base comunitária
representa, para estas comunidades, não apenas uma importante ferramenta de luta, de
resistência, de permanência no território e de geração de renda, mas também a possibilidade de
fortalecer outras ações estratégicas como a agroecologia, a educação diferenciada além de
contribuir com o saneamento ecológico.
A agroecologia14 representa uma importante prática dentro da agenda estratégica para
o território da Bocaina. O foco na promoção da transição agroecológica visa a implementação
de sistemas agroflorestais, reflorestamento, além do manejo agroecológico da palmeira juçara
e de produtos para o artesanato dentro das comunidades. O tema, segundo os membros da
Fiocruz, é fundamental para lidar com a questão da fome e também da posse de terra15.
Apesar das restrições determinadas pelo poder púbico da implementação das unidades
de conservação, a agroecologia representa uma importante ferramenta capaz de viabilizar a
produção de alimentos mais saudáveis, atuando desta maneira na promoção da saúde no
território e também fora do território caso esses alimentos acabem sendo comercializados. Este
é o caso da polpa da palmeira juçara que, quase extinta pela extração do seu palmito na Mata
Atlântica, hoje é comercializada e consumida como o açaí.
Na região da Bocaina, a agroecologia está se fortalecendo nas comunidades caiçaras,
indígenas e caiçaras, seja através de agroflorestas, de viveiros de ervas medicinais, entre outros.
14 A agroecologia representa um modo de produção que se contrapõe ao modelo industrial de agricultura baseado nas monoculturas e no uso de insumos químicos como fertilizantes e agrotóxicos. Baseia-se em
modelos ecológicos fundamentados na diversidade natural dos ecossistemas onde natureza e ser humano
constituem relações de maneira integrada. A agroecologia alia produtividade à conservação da
biodiversidade através de uma agricultura que busca o equilíbrio natural entre os componentes bióticos e abióticos dos ecossistemas, não necessitando assim da utilização de agroquímicos. Tem como
premissas ser viável economicamente, ser socialmente justa e culturalmente compatível (CALDART,
2016). 15 Matéria disponível em: <https://portal.fiocruz.br/noticia/agroecologia-em-evidencia-na-fiocruz>.
Acesso em: 15 ago. 2019.
64
Para o entrevistado 2, “a agroecologia é uma maneira de manter a nossa terra viva e pra gente
é uma ferramenta de luta para manter nosso território”. “Devemos cuidar da nossa Mãe, que é
a terra, e a agroecologia é um jeito de cuidar”, comentou o entrevistado 13.
A agroecologia praticada nas comunidades, acaba se tornando mais um atrativo turístico
para o TBC. Isto vem possibilitando que os visitantes interessados possam conhecer, através de
práticas e oficinas, o sistema produtivo adotado pela comunidade. Estas experiências são muito
enriquecedoras, pois possibilitam a troca de saberes entre comunitários e visitantes. Além de
promover a saúde no território, através da produção de alimentos mais saudáveis e de um maior
cuidado com a terra, enriquece a diversidade dos produtos turísticos ofertados pelas
comunidades que adotam as práticas de TBC.
Outro tema chave para o OTSS, o saneamento básico representa um dos principais
indicadores de qualidade de vida de uma população e sua falta está diretamente relacionada a
elevados níveis de mortalidade infantil por doenças parasitárias e infecciosas, principalmente
em países pobres (PRÜSS et al., 2002). No Brasil, a falta de saneamento básico ainda representa
uma das principais causas de mortalidade infantil dado que mais de 100 milhões de brasileiros
ainda não possui acesso à coleta de esgoto (AMORIM; NEDER, 2019).
Em comunidades litorâneas do Brasil, é comum a contaminação de corpos d´água por
resíduos domésticos que acabam contaminando as praias, tornando-as impróprias para o banho.
A situação se agrava ainda mais no período da alta estação (verão e feriados) com a chegada
dos turistas e o aumento na geração de resíduos humanos.
O saneamento ecológico16, foi então escolhido como o foco de ação inicial para a
abertura da parceria entre a Fiocruz e o FCT. A consolidação, bem como a disseminação desta
tecnologia depende de alguns fatores, dentre eles da elaboração de políticas públicas que as
incorpore no seu planejamento. Por esse motivo, o OTSS participa de importantes espaços de
tomada de decisão como a Comissão de Saneamento do município de Paraty, bem como do
Comitê de Bacia Hidrográfica da Baía de Ilha Grande. A Prefeitura de Paraty aderiu a esta causa
assinando um convênio formal com a Fiocruz para a implementação de saneamento nas
comunidades rurais do município, dentre elas as comunidades tradicionais, além de criar um
16 O saneamento ecológico, diferentemente do saneamento tradicional, funciona de maneira cíclica e
fechada, onde os resíduos humanos (fezes e urina) são tratados pela degradação microbiana da matéria
orgânica e convertidos em nutrientes para o crescimento de plantas. A água, que entra no sistema contaminada, acaba evaporando para a atmosfera através da absorção feita pelas bananeiras que estão
livres de organismos patogênicos (FIGUEIREDO et al., 2019).
65
núcleo para discutir o saneamento no município, em que o saneamento ecológico é parte
importante da agenda (GALLO; NASCIMENTO, 2019).
Com a implantação do OTSS, definiu-se que o projeto piloto ocorreria dentro da
comunidade do Sono, em Paraty. A primeira fossa ecológica foi construída, em 2015, na escola
Martim de Sá, utilizando conceitos relacionados à permacultura, bioconstrução e outros saberes
procurando considerar o contexto dos povos tradicionais da região (GALLO; NASCIMENTO,
2019). A adoção de bacias de evapotranspiração (BETs)17 com a utilização de bananeiras, muito
comuns na região, mostrou-se a escolha mais adequada para o local (Figura 4). Foram
construídos 11 módulos com a participação de mão de obra local para promover uma real
apropriação dos conceitos a partir da prática e também reforçar o protagonismo da comunidade
durante todo o processo (PIUBEL et al., 2018).
Figura 4: bacia de evapotranspiração construída na comunidade do Sono. 18.
Com a construção das bacias de evapotranspiração, espera-se que haja uma profunda
melhora na qualidade de vida das comunidades, que agora passam a tratar seu esgoto, reduzindo
os casos de contaminação. A presença das BETs, trouxe a oportunidade de apresentá-las como
17 Popularmente conhecida como fossa de bananeiras, as BETs são utilizadas para o tratamento das águas negras, aquelas que carregam as fezes e urina humanas. Os resíduos humanos são transformados
em nutrientes que são utilizados pelas bananeiras. A água, por sua vez, acaba evaporando para a
atmosfera através da absorção feita pelas bananeiras). 18 Disponível em: <https://www.preservareresistir.org/single-post/2016/10/26/Tecnologia-social-e-
sustent%C3%A1vel-saiba-mais-sobre-a-obra-do-Saneamento-Ecol%C3%B3gico-da-praia-do-Sono>.
66
mais um atrativo turístico da comunidade. A visita a uma BET se tornou parte do roteiro de
turismo de base nas comunidades, que já adotaram tais sistemas. Além de fortalecer o TBC, a
melhoria na qualidade das águas proporcionada pelo tratamento do esgoto contribui também
para o turismo já que, muitas vezes, condições impróprias para o banho acabam afugentando
muitos turistas.
A educação diferenciada, outro tema chave para o OTSS, representa para o FCT uma
das mais importantes bandeiras de luta, sendo considerada um dos elementos imprescindíveis
para garantir a autonomia e a sustentabilidade das comunidades tradicionais. O OTSS
reconhece a necessidade de uma educação diferenciada no território perante duas grandes
exclusões a que as comunidades estão sujeitas, “a primeira delas, mais urgente, é a simples
impossibilidade de acesso à educação escolar. A segunda exclusão, mais profunda, é a negação
dos saberes e valores tradicionais pelo modelo político-pedagógico das escolas existentes
nesses territórios” (GALLO; NASCIMENTO, 2019, p. 256).
Quando perguntado sobre a implementação da educação diferenciada no território, o
entrevistado 10 afirmou: “não deixam de aprender o que está no livro mas tem um aprendizado
a partir de sua vivência valorizando o que tem localmente. São coisas que ficam à margem no
dia a dia se a escola não leva o jovem pra conhecer. E tem ainda uma questão: dependendo do
professor que vem, faz falas que diminuem tudo o que a gente tá construindo” Como exemplo
de fala, o E10 citou o exemplo de professores da rede convencional que já menosprezaram as
atividades tradicionais: “vai ser pescador igual o seu pai?”.
Buscando implementar esta agenda no território, inúmeros encontros entre caiçaras,
quilombolas e indígenas passaram a ocorrer a partir de 2013, com a criação do OTSS, para que
se estabelecessem os pontos em comum para um projeto de educação diferenciada que fizesse
sentido a cada uma das três etnias. Para isto, importantes centros de pesquisa, como a
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Pontifícia Universidade Católica (PUC-
Rio), também participaram (GALLO; NASCIMENTO, 2019).
Em 2015, formalizou-se o “Coletivo de Apoio à Educação Diferenciada” com a meta de
implementar uma educação que respeitasse a diversidade cultural presente no município de
Paraty. A expansão gradual do ensino nas escolas do campo, aquelas que atendem as
comunidades mais distantes dos centros urbanos, representou uma das frentes de atuação do
coletivo que apresentou um projeto piloto com o objetivo de implementar o ensino fundamental
II, baseado numa educação diferenciada, em duas comunidades caiçaras: comunidade da praia
67
do Sono e comunidade do Pouso da Cajaíba, ambas localizadas na península da Juatinga, no
município de Paraty.
Foram realizados inúmeros encontros e reuniões envolvendo as comunidades e os
professores locais para a definição da proposta curricular. Para as práticas de turismo na região,
elaborou-se um projeto próprio de natureza interdisciplinar denominado “Guia Turístico” em
que os alunos (entre 6° e 9° ano) participaram de atividades no campo para levantar os principais
atrativos turísticos da região para, em seguida, elaborar informações textuais para a composição
do guia. Para a elaboração dos mapas e trilhas para os pontos de visitação, foram realizadas
oficinas de fotografia e cartografia social, com os alunos voltando a campo para fotografar os
principais elementos da paisagem e da cultura presentes na sua comunidade. Com a ajuda dos
professores, elaboraram, de forma crítica e participativa, mapas do território que ocupam
(BARROS; RODRIGUES, 2019).
A cartografia social, desenvolvida na Amazônia Legal ainda na década de 1990, tornou-
se um instrumento de defesa dos direitos que passou a fazer parte da realidade de muitas
localidades envolvendo populações tradicionais (extrativistas, ribeirinhos, quilombolas,
agricultores familiares, caiçaras) devido às ameaças decorrentes de grandes projetos como
usinas hidrelétricas e de mineração além da grilagem de terras, da especulação imobiliária, entre
outros. A cartografia social pode, portanto, propiciar o empoderamento do conhecimento
territorial destas comunidades já que busca representar a identidade do grupo social através da
valorização do conhecimento tradicional e cultural no processo de mapeamento dos seus
territórios (NETO; DA SILVA; DA COSTA, 2016).
A proposta de se trabalhar a cartografia social com os alunos do ensino fundamental II
nas duas comunidades caiçaras, segundo uma das professoras, surgiu com o objetivo de
impulsionar o desenvolvimento do TBC pois, há anos, estas comunidades sofrem com os
impactos negativos gerados pelo turismo de massa que ocorre durante a alta temporada e
feriados. No processo de elaboração do conteúdo relacionado ao tema do turismo, o
protagonismo construído com as crianças ajudou a estimular a afirmação das suas identidades
além de aumentar a autoestima dos estudantes, contribuindo para uma possível participação nos
projetos da comunidade (BARROS; RODRIGUES, 2019).
A pesquisa realizada por Barros e Rodrigues (2019) nas duas comunidades procurou
compreender as principais diferenças entre a educação escolar diferenciada e o modelo de
educação convencional, buscando entender quais eram os principais elementos presentes na
proposta pedagógica das duas escolas caiçaras que poderiam estimular o desenvolvimento do
68
TBC. Para os autores, diversas características presentes na concepção de iniciativas de TBC
estariam sendo trabalhadas nas escolas caiçaras dentre elas: a interculturalidade, a valorização
dos aspectos culturais e históricos, além do protagonismo comunitário (BARROS;
RODRIGUES, 2019).
As primeiras turmas dos dois colégios a receberem o modelo de educação diferenciada
acabaram se formando no ano de 2019 e, naquele mesmo ano, o município de Paraty assinou o
decreto n°103/2019, no dia 13 de dezembro de 2019, criando a categoria “Escola do Campo”
no sistema municipal de ensino, regulamentando a educação diferenciada para as comunidades
caiçaras e quilombolas de Paraty.
A região da Bocaina apresenta uma grande diversificação de produtos turísticos com
suas florestas úmidas, mangues, restingas, cachoeiras, trilhas, praias e suas dezenas de
comunidades caiçaras, quilombolas e indígenas, cada uma com seus repertórios socioculturais
únicos. A agroecologia, o saneamento ecológico e a educação diferenciada acabam agregando
ainda mais ao território, permitindo que grupos de visitantes interessados possam passar alguns
dias na região, visitando diferentes comunidades e conhecendo suas singularidades.
O turismo de base comunitária, neste sentido, pode ser incorporado na confluência dos
três pilares centrais, como representado na figura 5. Da mesma maneira, as ações nas áreas de
educação diferenciada, saneamento ecológico e agroecologia acabam fortalecendo o TBC,
podendo considerar que essas dimensões são interdependentes para o alcance da
sustentabilidade. As comunidades interessadas no turismo de base comunitária podem
implementar sistemas de saneamento ecológico para melhorar as condições sanitárias e/ou
implementar sistemas agrícolas sustentáveis para aumentar a oferta atrativos turísticos.
Figura 5: diagrama representando a relação do TBC com os três pilares centrais do OTSS.
Fonte: elaborado pelo autor.
69
5.7 A importância do Fórum de Comunidades Tradicionais para as comunidades no
atual contexto político brasileiro: a agenda política e a ocupação de espaços como
estratégia de luta
As estruturas de governança baseadas em redes e parcerias contribuem para a criação
de elementos importantes para o desenvolvimento do TBC (BEZERRA; CHAGAS; LOPES,
2008). O modelo de governança adotado pela parceria com a Fiocruz, através do OTSS,
associado ao modo de atuação do FCT e da criação de parcerias estratégicas com ONGs e outras
instituições, acabou criando as condições necessárias para que esses elementos se
desenvolvessem ao longo dos anos: um capital social consolidado e em expansão, com maior
consciência política, mais participativo, mais colaborativo e com maior coesão social.
Fortalecendo-se o capital social, criam-se condições para que as comunidades sejam capazes
de responder às pressões do mercado, sempre presentes neste território tão rico e disputado.
Um caso de significativa importância para o território da Bocaina e que demostra o
importante papel da parceria, ocorreu recentemente no município de Ubatuba, envolvendo um
importante atrativo turístico: a Ilha das Couves. Localizada próximo à Vila de Picinguaba,
região norte do litoral de Ubatuba, a ilha se tornou uma das principais atrações turísticas do
município, o que acabou gerando uma série de consequências negativas que levaram até à
intervenção do Ministério Público Federal de Caraguatatuba, município vizinho.
O MPF então sugeriu três diferentes cenários para o futuro da ilha: cenário 1. a ilha
permaneceria sob gestão da comunidade que, para isso teria de desenvolver um plano de TBC;
cenário 2. a ilha seria cedida para a gestão do município; cenário 3. a ilha seria concedida para
uma parceria público-privada (PPP). Os moradores, então, preocupados diante da possibilidade
de perderem o usufruto da ilha, iniciaram a organização de um grupo de trabalho (GT) no
primeiro semestre de 2019, intitulado “GT TBC Picinguaba/ Ilha das Couves”, que tinha como
objetivo planejar de maneira coletiva o plano de ordenamento e gestão do turismo na ilha. O
GT envolveu membros das três associações presentes na vila caiçara19, além do Fórum de
Comunidades Tradicionais em parceria com a Rede Nhandereko (BERNARDES, 2020).
Na visita à vila caiçara de Picinguaba, a entrevista realizada com as duas moradoras,
entrevistadas 3 e 4, ocorreu em julho de 2019, quando os moradores começavam a organizar o
19 São elas: a Associação de Moradores do Bairro de Picinguaba (AMBP) e as duas associações de barqueiros da vila (Associação de Barqueiros e Pescadores da Comunidade Tradicional da Picinguaba
– ABPP e a Associação de Barqueiros e Pescadores Tradicionais da Picinguaba – ABPTP).
70
GT. Além de ressaltarem os problemas envolvendo o tecido social da comunidade, que,
segundo elas havia se deteriorado com o turismo de massa, destacaram que as famílias
envolvidas com o transporte dos turistas para a ilha foram capazes de se apropriar da maior
parte da renda que entrava na comunidade. Para a E4, quando perguntada qual seria a principal
dificuldade para a elaboração do plano de TBC, respondeu que o empoderamento da
comunidade era o fator chave, destacando a desunião entre os integrantes das três associações.
Ambas deixaram claro que achavam muito difícil que o plano saísse do papel: “ eu acho
um pouco difícil rolar o turismo de base comunitária na ilha” disse a entrevistada 4. O atrito
existente entre os moradores da vila é conhecido na região e foi citado em outras entrevistas
realizadas para este trabalho.
Apesar das inúmeras dificuldades existentes e o curto prazo dado pelo MPF, no final do
ano de 2019, os comunitários da Vila de Picinguaba apresentaram uma proposta de Termo de
Autorização de Uso Sustentável (TAUS)20 ao MPF com os passos a serem seguidos para
gerirem a ilha, não apenas cumprindo as condicionantes estabelecidas pelo MPF, mas também
implementando outras ações relacionadas ao TBC.
A comunidade celebrou o lançamento da Portaria Normativa21 da Fundação Florestal22
que regulamentou a visitação e o uso público da ilha por parte de um projeto de TBC
desenvolvido pela própria comunidade de Picinguaba (BERNARDES, 2020).
Após um novo contato realizado com a E3, em janeiro de 2020, pouco tempo após o
lançamento da portaria que regulamentou o TBC na ilha, quando perguntada sobre quais foram
os principais elementos que garantiram o sucesso da comunidade, ela destacou o papel que o
FCT e a Rede Nhandereko tiveram ao longo do processo, enfatizando que esses atores haviam
sido fundamentais no processo de construção de um diálogo para o alinhamento dos interesses
entre a grande diversidade de atores envolvidos.
20 Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS) é um dispositivo concedido pela Secretaria do
Patrimônio da União (SPU) para “disciplinar a utilização e o aproveitamento dos imóveis da União em
favor das comunidades tradicionais, com o objetivo de possibilitar a ordenação do uso racional e sustentável dos recursos naturais disponíveis na orla marítima e fluvial, voltados à subsistência dessa
população, mediante a outorga do TAUS, a ser conferida em caráter transitório e precário pelos
Superintendentes do Patrimônio da União” (BRASIL, 2010). 21 Portaria Normativa FF/DE n°315/2019, disponível em: <https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/fundacaoflorestal/2019/12/portaria-normativa-ff-
de-315-2019/ >. 22 A Fundação Florestal é o órgão estadual (SP) responsável pela gestão das 94 Unidades de Conservação de proteção integral e de uso sustentável do estado de São Paulo. Dentre elas a APA marinha do Litoral
Norte, onde se encontra a Ilha das Couves.
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Outro ponto chave para o fortalecimento das iniciativas de TBC no território da Bocaina
tem relação direta com a participação de comunitários das três etnias nos processos de partilha
de TBC, o que tem garantido um maior contato entre as etnias e o reconhecimento de que muitas
das lutas são comuns, dentre elas a luta pelo respeito e pelo reconhecimento do território em
que vivem. O laço social acabou se estendendo pelo território, bem como o sentimento de
pertencimento e de inclusão.
As entrevistas confirmaram que, apesar do contexto político ser extremamente
desfavorável para as comunidades tradicionais, há um sentimento de maior segurança com a
ação que o FCT, juntamente com a Fiocruz, vem realizando há mais de uma década. Para o
entrevistado 2, morador do Quilombo da Fazenda, o FCT foi, e é essencial pois, “o fórum coloca
na cabeça da galera a importância de lutar pelo território”. Para o entrevistado 13 da Aldeia Boa
Vista, o FCT foi um divisor de águas para a aldeia: “hoje com o FCT a gente tem voz né,
fortalecendo muito pra nós, hoje nós estamos fortalecidos!”.
Com a atual conjuntura política, tanto na esfera federal quanto na esfera estadual, mais
especificamente nos estados de São Paulo e Rio de janeiro e, diante da possível perda de
direitos, as comunidades tradicionais entendem ser essencial intensificar ainda mais o processo
de luta através do turismo de base comunitária. “Eu vi o TBC como a maior ferramenta de luta
que a gente tem. Tem até aquela fala do coiso (se referindo ao presidente Bolsonaro) –‘Preto
não serve nem pra trabalhar, não sei nem pra que preto quer terra’ - é pra isso que a gente quer,
pra manter a nossa cultura!”, afirmou o E9. A preocupação com o atual contexto da política
brasileira também foi enfatizada na fala do E6: “hoje em dia, num momento de pressão é um
momento de fazer muita rede colaborativa, muita parceria com quem quer nos apoiar”.
Ocupar espaços de relevância e aprofundar as relações de parceria mostraram-se ações
estratégicas acertadas por parte do FCT, que tem ampliado a sua representatividade no território
e garantido o fortalecimento das lutas defendidas. Para a pesquisadora E11, o TBC é uma peça
chave para ampliar as conquistas da parceria: “o turismo de base coloca eles em evidência pois
de alguma forma estão mascarados nesse território. A maioria dos visitantes não sabe que tem
indígena nessa região. As pessoas não sabem que tem Quilombo! O guia (se referindo ao guia
de bolso da Rede Nhandereko) deu uma visibilidade pra eles, o que é fundamental para a luta
que defendem”.
Está em construção uma agenda política que se mostra capaz de influenciar a criação de
políticas públicas na esfera dos municípios. Como destacou o E6, um dos representantes do
FCT no município de Ubatuba: “o Fórum é propositivo e não só espera do setor público mas
72
busca a construção juntamente dele”. Desde sua concepção, o FCT busca ocupar espaços de
relevância para a luta do movimento que está em andamento:
O FCT surgiu então de um consenso entre essas comunidades, as quais
reconheceram que estavam sendo colocadas à margem do processo de tomada
de decisão e que era importante ocupar esses espaços, lutando para fazer valer os direitos ao território. Uma luta contra uma visão preconceituosa que se tem
desses grupos étnicos. Por isso, caiçaras, indígenas e quilombolas se juntaram
em torno do objetivo desse movimento: fortalecer a luta pela permanência no
território (GALLO; NASCIMENTO, 2019, p. 26).
Principalmente no município de Paraty, onde o FCT atua há mais tempo, algumas
conquistas já foram legitimadas pelo poder público, como o decreto n°103/2019 que
regulamenta a educação diferenciada nas comunidades caiçaras e quilombolas do município,
demonstrando a significância do movimento para a luta destas populações.
Em entrevista realizada com o E7, gestor de uma unidade de conservação no território
da Bocaina, perguntou-se sobre o apoio dado pela UC às iniciativas de TBC. O gestor afirmou
que, quando procurado para ajudar determinada comunidade na sua capacitação, por exemplo,
oferece o apoio necessário. Quando perguntado sobre a sua relação com o FCT, afirmou que
possui um bom diálogo com a organização. Relatou que o FCT começou a participar das
reuniões do conselho gestor da UC para dar apoio às comunidades e que, atualmente, trabalham
juntos através de reuniões e pautas. Enfatizou que determinadas pautas devem ser trabalhadas
conjuntamente por não serem pautas do atual governo, como meio ambiente, conservação e luta
social. Expressou respeitar o trabalho que o FCT realiza e revelou ainda que gostaria que o
tivessem ainda mais integrantes para poder abraçar todo o território.
Esta fala do gestor demostra, de um lado, a necessidade do FCT perante as demandas
que existem por parte das comunidades, quando afirma a insuficiência de capital humano e, do
outro lado, o respeito que o FCT vem ganhando no território. Respaldado por uma instituição
renomada como a Fiocruz, a organização ganha ainda mais prestígio para poder assumir um
papel de maior influência entre os atores que compõe a intrincada rede de interesses da região,
podendo assim auxiliar na proposição de políticas públicas municipais em prol das populações
tradicionais.
A atuação do FCT junto às unidades de conservação, que compõe o território da
Bocaina, tem trazido importantes avanços na questão que envolve o relacionamento das
comunidades com as mesmas, especialmente as UC de Proteção Integral, responsáveis por
inúmeros conflitos nas décadas passadas. Cada vez mais a relação tem mudado, de acordo com
o gestor. Tal afirmação pode ser corroborada com a fala da entrevistada 1, moradora do
73
Quilombo da Fazenda, que afirmou: “a atual gestora chegou para somar, ela é parceira, a gente
tem um diálogo limpo e aberto, ela abraçou a comunidade, o TBC”. No entanto, esta visão não
é unanimidade na região pois cada comunidade, com sua própria história, possui sua própria
relação com o atual gestor.
Além da participação nas reuniões de conselhos gestores, o FCT vem participando em
diversas outras frentes nos três municípios em que atua. Um exemplo disto apareceu na fala da
entrevistada 12, quando destacou a importância do FCT para a sua formação como guia de
turismo. A entrevistada teve a oportunidade de conhecer pessoalmente alguns membros do FCT
quando realizava o curso para a formação de guias regionais de turismo que ocorre anualmente
no município. “No meio do curso, assistimos uma palestra dada por três integrantes do FCT
que vieram apresentar pra gente o FCT e divulgar o turismo de base comunitária no território.
Destacaram as diferenças com o turismo convencional e a importância do TBC na luta pela
permanência das comunidades no território”. A partir de então, começou a se envolver cada vez
mais com as causas defendidas pelo FCT, que, conta a entrevistada, faziam todo o sentido para
ela naquele momento de sua vida. Atualmente, se sentindo muito mais empoderada, ela
conseguiu uma vaga na Universidade Federal de Viçosa onde iniciará seus estudos em
Geografia. Afirmou que seu principal objetivo é o de aumentar o seu repertório para fortalecer
a luta em seu território de origem.
74
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em uma região tão valorizada, contendo um dos últimos grandes redutos de Mata
Atlântica do país, lar de centenas de espécies endêmicas e de culturas singulares, a região da
Bocaina tem papel fundamental para a preservação de todo esse patrimônio cultural e biológico
que ainda é, em grande parte, desconhecido, e que possui um valor inestimável para o ser
humano, diante da crise climática que ameaça sua espécie.
Local de violentas disputas de terra e alvo de um turismo predatório e excludente, a
presença das comunidades tradicionais, em parte, garantiu que a floresta permanecesse em pé.
Sua existência, que ainda está ameaçada, depende da titulação de suas terras, além do respeito
e do reconhecimento pelo poder público.
Este trabalho buscou, através de um estudo de caso, lançar luz sobre a parceria entre um
movimento social, o Fórum de Comunidades Tradicionais, com uma instituição de pesquisa
pública federal, a Fundação Oswaldo Cruz, através da criação de um espaço tecnopolítico de
geração de conhecimento crítico, o Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da
Bocaina (OTSS), baseado em uma agenda territorializada por meio de um processo de
governança e de gestão alicerçados no princípio da Ecologia dos Saberes, que reconhece todas
as formas de conhecimento e garante um diálogo horizontalizado entre pesquisadores
comunitários e acadêmicos. De fundamental importância para legitimar o trabalho que vem
sendo realizado, esse intercâmbio entre saberes tem possibilitado que as vozes das comunidades
que vivem no território da Bocaina sejam, de fato, ouvidas e que as verdadeiras necessidades e
demandas do território estejam sendo entendidas e atendidas.
Em um território hipercomplexo do ponto de vista da governança ambiental, com
sobreposições de territórios oficiais (unidades de conservação) e tradicionais (comunidades),
de competências entre distintos órgãos da administração pública, permeado por conflitos
fundiários, sociais, ambientais, e frente a um governo que flerta com o fascismo, comunidades
caiçaras, quilombolas e indígenas veem o turismo de base comunitária como uma prática social
importante não apenas pela renda que pode ser gerada, mas também para a manutenção de seus
modos de vida tradicionais e para fortalecer a luta na defesa de seus territórios.
O turismo comunitário na região da Bocaina se apresenta como uma proposta alternativa
e de contestação ao turismo de massa, não como um substituto a ele, mas sim como uma nova
maneira de se fazer turismo. Mais do que uma atividade, representa uma prática social devido
a sua natureza multidimensional e complexa, que tem o potencial de influenciar diretamente o
75
modo de vida e trabalho das populações visitadas. Por este motivo, o TBC neste território, deve
ser levado a sério por todos os envolvidos, uma vez que lida diretamente com a sobrevivência
destas populações.
A escolha pela construção de uma rede de TBC visa consolidar e organizar as práticas
de TBC, a partir de uma nova lógica de turismo que garanta, além da geração de renda, o
respeito pelo modo de vida das populações tradicionais. Inúmeros são os desafios que a Rede
Nhandereko de Turismo de Base Comunitária está enfrentando e irá enfrentar em um futuro
próximo para a implementação e sustentabilidade das práticas de TBC. Colocar as comunidades
em evidência, definir o melhor modelo de negócios comunitários, facilitar os meios de
comercialização são alguns destes desafios que estão sendo considerados no momento.
Também dar maior visibilidade à diversidade de iniciativas existentes no território da Bocaina,
identificando as necessidades essenciais e entendendo as problemáticas envolvidas, a Rede
juntamente ao FCT, estarão mais aptos a propor políticas públicas específicas para as práticas
de TBC nos municípios em que atuam.
Com o intuito de encontrar turistas que buscam por práticas mais autênticas, pesquisas
de demanda direcionada ao perfil dos turistas devem ser mais exploradas pela Rede Nhandereko
para que possam ser rastreados. No entanto, caberá aos integrantes da Rede e comunidades
associadas estabelecer uma clara definição de quais serão os benefícios esperados com estas
práticas, pois, logo que os meios de divulgação estiverem ativos, corre-se o risco de alcançar
uma demanda superior à capacidade de recepção dessas comunidades, gerando assim uma série
de impactos não previstos.
No sentido de facilitar a comercialização das práticas de TBC, outro grande desafio
apontado pela literatura sobre o tema constitui na Rede estar construindo uma central única de
comercialização dos roteiros turísticos, que deverá ser lançada ainda no final de 2020. A
preocupação sobre qual será o modelo de negócios mais apropriado para o seu funcionamento
foi apontada nas entrevistas como um ponto bastante sensível para o sucesso da Rede. A
parceria realizada com a ONG Capina, através de oficinas práticas em torno de processos de
cooperação e apoio a empreendimentos sociais, permitirão a escolha do formato jurídico, de
gestão e de governança desta central de comercialização.
Em relação a restrita capacidade de gestão e de planejamento em práticas de TBC, uma
deficiência apontada em muitos estudos sobre o tema, as comunidades da Bocaina estão
recebendo capacitação através da articulação estabelecida entre as comunidades participantes
da Rede Nhandereko e a intensa troca de saberes nas partilhas de vivência, além das inúmeras
76
reuniões de planejamento envolvendo o OTSS com todo o seu conhecimento sobre gestão e
governança e a participação de técnicos especialistas de parceiros como universidades e ONGs,
dispostos a contribuir.
É importante considerar que a formação de recursos humanos, além de ser um processo
lento, envolve muito investimento e o aporte financeiro proveniente da parceria com a Fiocruz,
via Funasa, não está sendo suficiente para contemplar todos os projetos que estão em execução.
Por isso, a busca por novos parceiros e por novos editais parecem ser estratégias necessárias
para dar continuidade aos programas. A falta de recursos também acaba se tornando um
obstáculo para que algumas comunidades possam suprir a baixa qualidade de alguns produtos
ofertados e consigam melhorar a infraestrutura para o recebimento dos visitantes, como a
construção de cozinhas e restaurantes ou até mesmo de pousadas domiciliares.
Esta parceria firmada entre um movimento social e uma instituição pública de pesquisa
deve se tornar um marco de referência para outras iniciativas que buscam objetivos
semelhantes. Territórios ricos em comunidades tradicionais e que procuram desenvolver redes
de TBC, podem utilizar elementos adotados pela parceria, considerando, é claro, suas
particularidades, para a construção de práticas emancipatórias focadas no empoderamento dos
indivíduos.
Retornando à pergunta de pesquisa orientadora deste trabalho, através da análise
realizada das estratégias utilizadas pela parceria entre o Fórum e a Fiocruz, por meio do OTSS,
para a promoção do turismo de base comunitária nas comunidades tradicionais da Bocaina,
revelou-se uma forte preocupação no fortalecimento do capital social e humano existente
mediante o respeito à história e aos conhecimentos tradicionais além da ocupação de espaços
de relevância para dar maior visibilidade a essas populações; adotou-se a construção de uma
rede de TBC baseado em um processo de troca de experiências e saberes entre as etnias
presentes no território para o alinhamento dos conceitos, princípios e expectativas que nortearão
a sua atuação na região. Este processo vem colaborando com a emancipação e com um maior
protagonismo dos comunitários. As entrevistas também revelaram que a parceria está sendo
capaz fortalecer os vínculos entre as comunidades na medida em que o sentimento de
pertencimento das três etnias é reforçado não apenas dentro de suas próprias culturas locais,
mas também, entre elas, promovendo relações interétnicas.
O sentimento de pertencimento associado à emancipação e ao protagonismo dos
comunitários é um ponto chave para que as iniciativas de TBC possam, futuramente, trazer os
benefícios esperados pelas populações da Bocaina, na medida em que, do outro lado, a ameaça
77
de um turismo excludente que coloca em risco a coesão social e cultural das populações
tradicionais continuará existindo.
É importante ressaltar, ainda, que esta pesquisa foi realizada em pleno processo de
construção da Rede, não sendo possível conhecer o modelo de negócios que será adotado e nem
analisar o seu funcionamento no território da Bocaina. Esta pode ser uma investigação para
pesquisas futuras, assim como, sobre as possíveis mudanças na forma como agências e
operadoras da região se relacionam com as comunidades, após os encontros que serão
realizados em 2020 no sentido de alinhar a atuação destas empresas no território. Outra possível
linha de investigação que poderá ser explorada diz respeito à forma como a Rede, o OTSS e as
comunidades envolvidas irão avaliar as práticas de TBC para diagnosticar o grau de
sustentabilidades das iniciativas.
Por fim, este trabalho conclui que a busca pela sustentabilidade do turismo de base
comunitária no território da Bocaina, representa uma tarefa que dependerá de múltiplos atores,
através das parcerias e redes que estão sendo criadas, para que as reflexões e ações sejam
capazes de incorporar definitivamente as populações tradicionais no mapa turístico da costa
verde, beneficiando o território visitado, garantindo a conservação do meio natural e
fortalecendo e valorizando a cultura local.
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90
APÊNDICES
APÊNDICE A – Roteiro de perguntas orientadoras para as entrevistas com os
comunitários
Nome:
Trabalho/Cargo:
Idade:
1. Você trabalha com turismo? De que maneira?
2. Você exerce alguma outra atividade remunerada? Quando (alta e baixa temporada)?
3. É filiado a alguma instituição? Quais?
4. Qual a importância do turismo para a sua comunidade?
5. Quais são os principais impactos do turismo na sua comunidade? (positivamente e
negativamente)?
6. Se for de Picingiuaba: você participa do GT da Ilha das Couves? Qual é a idéia, montar um
TBC? Quais são as principais dificuldades que vocês encontram hoje na elaboração do plano de
gestão para a Ilha?
7. Você já ouviu falar em Turismo de Base Comunitária (TBC)? O que você entende sobre esse
modelo de turismo?
8. Existe alguma iniciativa de TBC na sua comunidade? Como se deu esta iniciativa?
9. Quais são os atrativos turísticos (socioambientais) que pretendem mostrar?
10. Como você acha que o TBC pode contribuir para a melhoria da vida dos moradores?
Em primeiro lugar: Em segundo lugar:
Em terceiro lugar:
11. Na sua opinião quais são (foram) as principais dificuldades para o desenvolvimento do TBC na
sua comunidade?
12. Qual o papel que o Fórum tem ou teve na comunidade?
13. Dentre as operadoras que operam na comunidade existem muitas diferenças em relação aos
valores pagos e o respeito que com a comunidade? Poderia dar exemplos?
14. O que, na sua opinião, teria que ser melhorado na sua comunidade para receber melhor os
turistas? (Hospedaria, transporte, estrada, coleta de lixo, esgotamento sanitário, atrativos turísticos...).
15. Qual a importância da agroecologia e do saneamento ecológico para a comunidade?
91
APÊNDICE B – Roteiro de perguntas orientadoras para as entrevistas com os
comunitários
Trabalho/Cargo:
Nome da Operadora:
Idade:
Escolaridade:
Local de nascimento:
1. Você participa de alguma associação? Qual?
2. Você possui operadora? Qual?
3. Sua agência opera em outros municípios? Quais?
4. Quais os veículos de divulgação que possui?
5. Qual a importância das unidades de conservação (PESM, Ilha Anchieta e APAMLN) em
Ubatuba para o turismo? Por quê?
6. Você acha importante que os guias e monitores ambientais sejam caiçaras e/ou residentes de
comunidades tradicionais? Por quê?
7. Para você, o turismo que existe hoje nos parques de Ubatuba traz que tipos de impactos
socioambientais?
8. Diante deste canário, qual a importância do ecoturismo para a região de Ubatuba?
9. A comunidade do Sertão da Fazenda oferece um programa de TBC. O que você acha deste
modelo de turismo no contexto da região? Um roteiro de visita a uma comunidade pode ser considerado
um roteiro TBC?
10. Na sua agência, além dos passeios tradicionais do ecoturismo, vocês oferecem roteiros de TBC?
Se sim, quais?
11. Qual é a demanda por estes roteiros em comparação com os roteiros de ecoturismo tradicionais?
Se a resposta for “baixa”: por que você acha que é baixa?
12. Como a operadora realiza a divisão dos recursos financeiros arrecadados com as comunidades
visitadas?
13. Levando em conta o contexto local - tipo de UC (de proteção integral), o tipo de turista que o
município atrai (turista de massa) e a grande sazonalidade da atividade turística - você considera o TBC
um modelo viável de turismo em Ubatuba?
14. Na sua opinião, quais são os principais problemas encontrados, relacionados à recepção dos
turistas, nas visitas às comunidades? (Esperar falarem e depois pedir para elencar!)
92
APÊNDICE C – Termo de consentimento livre e esclarecido utilizado nas entrevistas
Declaro, por meio deste termo, que concordei em ser entrevistado(a) referente à pesquisa
intitulada “Turismo de Base Comunitária no território da bocaina – Brasil: tecendo parcerias e
redes em busca da sustentabilidade”, desenvolvida por Nick Kantorowicz Buck.
Afirmo que aceitei participar por minha própria vontade, sem receber qualquer incentivo
financeiro ou ter qualquer ônus e com a finalidade exclusiva de colaborar para o sucesso da
pesquisa. Fui informado(a) dos objetivos estritamente acadêmicos do estudo, que, em linhas
gerais é analisar as alternativas para o uso público no interior do Núcleo Picinguaba do PESM
que possam fomentar diferentes formas de turismo, garantindo a conservação e preservação
dos recursos naturais além de possibilitar maior participação comunitária nas atividades
turísticas do território.
Minha colaboração se fará de forma anônima, por meio de entrevista semi-estruturada. O
acesso e a análise dos dados coletados se farão apenas pelo(a) pesquisador e/ou seu orientador.
Fui ainda informado(a) de que posso me retirar desse(a) estudo / pesquisa / programa a qualquer
momento, sem prejuízo para meu acompanhamento ou sofrer quaisquer sanções ou
constrangimentos.
Ubatuba, ____ de _________________ de _____
Assinatura do(a) participante: ______________________________
Assinatura do(a) pesquisador(a): ____________________________