TRATADO DE GESTÃO EM SAÚDE DO TRABALHADOR, Editora …sigilo médico, apresenta exames...
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TRATADO DE GESTÃO EM SAÚDE DO TRABALHADOR, Editora Ergo, 2019,
Autor Paulo Roberto Zétola
Capítulo 42
Perícias Medicas Trabalhistas
1. Introdução
2. Reciprocidade – Hamurabi
3. Perícias Médicas Trabalhistas
4. Reclamatória Trabalhista
5. Assistente Técnico do Autor
6. Perito Médico do Juízo
7. Defesa
8. Assistente técnico da ré
9. Dano
10. Nexo causal
11. Capacidade laboral e funcional
12. Responsabilidade Civil
13. Culpa
14. Responsabilidade subjetiva
15. Responsabilidade objetiva
16. Dolo
17. Sigilo
18. Técnica de análise ambiental e cronoanálise do trabalho
19. Perito Médico
20. Evidências
21. Prontuário Médico
22. Confecção de Laudo
23. Elaborar manifestação e ou parecer ao laudo do Perito do Juízo
24. Quesitos complementares
25. Indexação
26. Demandas mais comuns
27. Concausa
28. Conclusão
1. Verdade
A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
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Meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
por que a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
Diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
Carlos Drummond de Andrade
2. Reciprocidade.
A Lei da Reciprocidade é presente em todos os atos humanos.
Posso arriscar: Reciprocidade é a Terceira Lei de Newton do intelecto.
A regra insofismável “Trate os outros como gostaria de ser tratado”, mencionada por Confúcio,
em 500 a.C., é a pedra fundamental da ética.
Quando a regra de ouro supracitada se quebra, os atos do homem tendem a prejudicar outro
homem.
Atos de moralidade inferior, deslealdade, falsidade e hipocrisia são a base oposta da ética.
Cabe ao homem, então, com uso das experiências adquiridas por ele próprio e por outros
homens, evitar o erro.
Não errar significa não prejudicar outro homem. Simples (?).
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Para evitar o erro, o melhor caminho, especialmente para o cientista, é buscar a verdade, com
os pés bem assentados em fortes princípios éticos.
Porém, de acordo com o gênio do poeta, o mundo é feito de meias verdades.
A dialética aposta, também, em um pêndulo incansável, balançando entre teses e antíteses.
Aristóteles diz que a verdade é raciocínio lógico que, embora coerente em seu encadeamento
interno, está fundamentado em ideias apenas prováveis, e por esta razão traz em seu âmago a
possibilidade de ser refutado.
Como, então, saber se a verdade está comigo, mesmo sendo eu um míope? Talvez a resposta
tenha sido dada pelo pai da dialética:
Ao final das Teses contra Feuerbach (1845), Marx escreveu sua célebre frase: "Os filósofos se
limitaram a interpretar o mundo de várias formas; cabe transformá-lo".
Silêncio!
Pare de entender e transforme!
Pare de pensar e aja!
Só entenda depois que fizer.
Só escreva depois de agir.
Poder fazer direito e não fazer ou, pior, fazer errado, é um ato de covardia.
Mas não se esqueça: Faça sem prejudicar outrem e eu iria adiante, tentemos melhorar o
mundo, ao menos um pouquinho, com nossos atos.
Se não conseguirmos mudar o mundo, ao tomar ações de boa índole, pelo menos
conseguiremos melhorar nossas almas, o que é ótimo e grandioso.
De acordo com a Lei da Reciprocidade, se eu tomar alguma ação errada a ponto de causar, ao
outro, algo como infortúnio – [Do lat. Infortuniu] S. m. Infelicidade, desventura, desdita,
desgraça, infortuna] -, eu tenho que indenizar o outro e mais, eu tenho que sofrer, de
preferência, na própria pele, o mesmo que sofreu minha vítima.
Conforme o Código de Hamurabi - lista de leis elaboradas por Hamurabi cerca de 1700 anos
antes de Cristo -: a pena para um crime é, normalmente, idêntica ao dano provocado.
Então, se alguém provoca mal ao outro, provavelmente, mais cedo ou mais tarde, há de sofrer
as consequências dos seus atos, provavelmente nas mesmas medidas em que provocou o
infortúnio, isto dito pelas leis dividas, físicas, psíquicas, e também escrito pelo homem.
3. Perícias Medicas Trabalhistas
Dito o que foi dito, podemos adentrar o mundo das pericias médicas trabalhistas.
Seja bem-vindo!
Se você conhece e respeita os princípios descritos até agora, está apto a fazer parte, de forma
íntima, deste mundo de litígios extremos.
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O ser humano é ser social e litiga o tempo todo, negocia o tempo todo, isto não é,
necessariamente, ruim, é natural e proporciona compartilhamento.
Se dermos uma tez mais suave ao litigio diário, talvez o seu nome seja sedução.
Chamo de litigio extremo quando há processo em Tribunal.
Neste capitulo abordamos especificamente os processos nas Varas da Justiça do Trabalho, os
Processos Trabalhistas.
As Perícias Médicas Trabalhistas acontecem quando o autor da demanda, na Vara do Trabalho,
reclama que sofreu dano, doença, causada pelo trabalho.
Quando isto acontece, o Juízo, que é leigo em matéria de Medicina e especificamente em
Medicina do Trabalho, indica especialistas de sua confiança, no caso, peritos, para orientá-lo,
para verificar se há dano, quantificar o dano, determinar se este foi causado pelo trabalho, se
há culpa, de quem é culpa e se o referido dano provocou sequelas e, se há sequelas,
quantificá-las.
Conforme Dejours, nunca, como nos dias atuais, as carências pelos cuidados médicos foram
tão confundidas com as necessidades sociais da população.
O ser humano vive, portanto, carente de contatos sociais.
“Fructus Laboris gloria”
A escrita supra citada está nos azulejos da catedral de São Francisco de Assis, em Salvador e
traduz a importancia do trabalho na jornada curta, do ser humano, por esta vida.
O maior fruto do trabalho é a glória, esta que foi buscada pelos Deuses do Olimpo e
encontrada por poucos.
O trabalho não apenas dignifica o homem, mas é capaz de trazer a ele o máximo, a verdadeira
glória.
Eu iria mais longe: Só conquista a glória quem trabalha duro e trabalha certo.
Porém, o mundo moderno tem transformado as ferramentas laborais com rapidez
estonteante.
Parece que a ubiquidade proporcionada pela tecnologia midiática moderna ao invés de unir,
separa as pessoas, e estas estão cada vez mais carentes de contato social.
Neste cenário, o homem quer contato, quer fazer parte de um time, quer que seus pares
reconheçam a beleza do seu trabalho, quer ser acolhido.
Este é o mundo perfeito.
O litigio começa com a exclusao social, jamais alguém processaria outro que fosse realmente
parte do seu time.
Certo ou errado – quem sabe qual é a verdade? – o homem, ao ser excluido da sua egregora,
sente-se frustrado, revoltado, infeliz, doente, nem sempre nesta ordem.
Na mesma medida em que os valores éticos baixos são a vitamina da culpa, o sentimento de
exclusão social é o combustível para iniciar um litígio trabalhista.
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A doença, no caso do litígio trabalhista, é sinônimo de dano e infortúnio.
Se o infortunio doença, na atividade laboral, foi provocado por ação e ou omissao de alguém, a
vítima merece indenização.
A partir do momento em que falamos em indenizaçao – leia-$e dinheiro-, os valores éticos e
morais tendem a, infelizmente, mudar, a coisa nao é mais pessoal, torna-se apenas um jogo e
o objetivo não é mais mudar o mundo, não é concertar, mas apenas usufruir o resultado –
financeiro – da vitória.
Visto de forma prática, o Litígio Trabalhista, portanto, é um jogo e, a despeito de todos os
princípios filosóficos abordados, como em todo o jogo, alguém ganha e alguém perde.
Para entrar no jogo tem que respeitar as regras.
O que pretendo, neste capítulo, é tornar as regras do jogo claras, tão claras quanto é a
verdade, não para o poeta, mas para o cientista, de acordo com minha experiência, em
aproximadamente 4000 processos trabalhistas que assisti, sempre como Assistente Técnico da
Ré, nas últimas décadas.
4. Reclamatória
Normalmente os litígios trabalhistas são de empregados contra patrões.
É este tipo de litígio que abordarei, o do empregado que reclama ter sofrido dano, ter ficado
doente, devido ao trabalho.
O empregado é chamado, costumeiramente, de reclamante, autor, a empresa é chamada de
ré, reclamada.
Os processos trabalhistas, frequentemente, referem que parte patronal teria causado danos à
integridade física e ou psíquica do trabalhador, por ação e ou omissão.
O dano à integridade física e ou psíquica, no caso dos Litígios Trabalhistas, é doença e,
portanto, tem diagnóstico.
A primeira ação, na Perícia Médica, é determinar o diagnóstico, histórico, calcado em
evidencias documentais, para depois determinar o diagnostico atual, de acordo com o exame
físico, anamnese, exames complementares, nesta ordem de importância.
A anamnese é menos importante que o exame físico, nas perícias médicas trabalhistas, por
que é subjetiva, envolve sentimentos e impressões pessoais e há ganho$ envolvido$.
Do ponto objetivo, nas Pericias Medicas Trabalhistas, o exame físico é mais fidedigno do que a
estória contada, esta subjetiva, inclui sentimentos e impressões.
O primeiro ato do Litígio, é a reclamatória trabalhista, também conhecida como “inicial”, onde
os advogados do Autor escrevem em um documento o que mostra, na visão do autor, que o
trabalho o teria levado a ficar doente.
Quanto mais específica e detalhada for a reclamatória, mais forte ela tende a ser.
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Há reclamatórias que nem sequer definem o diagnóstico da doença – dano - reclamada,
apenas dizem que o autor ficou doente, normalmente são recheadas de chorumes
desconectados, são apenas uma estória triste.
Estas iniciais normalmente apresentam poucos documentos comprobatórios e são frágeis.
Porém a omissão pode ser ponto estratégico. A inicial pode parecer frágil e o autor pode
apresentar documentos apenas mais tarde, nas perícias e audiências.
Por outro lado, há reclamatórias profundas e bem fundamentadas. A inicial bem
fundamentada inicia com a descrição profunda da atividade laboral que o autor realizou para a
ré, distribuída na linha do tempo de vínculo laboral.
A reclamatória bem escrita refere exatamente quando iniciaram as queixas, apresenta
documentos comprobatórios contemporâneos ao início e evolução da doença reclamada, abre
sigilo médico, apresenta exames complementares, prontuários médicos, atestados médicos,
receitas médicas, ordens de serviço, entre outros.
Mesmo as reclamatórias aparentemente bem fundamentadas devem ser vistas com cuidado,
pois as evidências podem ser produzidas de forma ilícita, no decorrer do tempo.
Por exemplo, uma pessoa de 50 anos de idade ou mais, que foi atleta contumaz, certamente
apresentará alterações várias, em Ressonâncias de aparelho osteomuscular,
independentemente do seu trabalho.
Atualmente a maioria das reclamatórias trabalhistas por doença são relacionadas a doenças
em sistema osteomuscular, mas as causas podem ser muito variadas, como veremos mais
adiante.
Normalmente as reclamatórias pedem indenização por dano material, dano moral, lucros
cessantes, entre outros.
5. Assistente Técnico do Autor
A parte autora, normalmente representada por sindicato de classe ou por algum trabalhador,
pode e deve ser assistida por profissional médico.
O assistente técnico não é o mesmo que perito, pois assiste a apenas uma das partes, porém é
indicado pelo autor, aceito pelo Juízo e tem o direito de examinar o autor, fazer perguntas,
analisar documentos, apresentar Laudo e Impugnação, como se fora perito.
Antes mesmo de o autor apresentar a reclamatória, o ideal, tecnicamente, é que este médico,
que será o assistente técnico da parte autora, escute a estória do autor, examiná-lo, verificar
todos os documentos médicos apresentados por este, verificar se há adequação entre as
queixas e o histórico documental, fazer o diagnóstico nosológico e orientar o advogado do
autor, de modo que a reclamatória fique técnica.
Quando este trabalho é feito de maneira adequada, a defesa tem bastantes dificuldades para
contestar as reclamações da parte autora.
O profissional mais adequado para o trabalho de assistência técnica pericial é o médico
especialista do trabalho, por que este é treinado para fazer diagnóstico nosológico e de nexo
causal.
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A reclamatória normalmente refere que o Autor teve doença, que esta foi causada pelo
trabalho para a ré, que a ré foi omissa e teve culpa na gênese da doença, que o autor sofreu
por causa do infortúnio (danos morais) e que a doença limitou a capacidade laboral do autor
(lucros cessantes). Para cada uma destas queixas há indenizações, cumulativas.
Às vezes pode haver necessidade de assistentes técnicos de outras áreas específicas, para
ajudar o assistente técnico médico especialista do trabalho, como, por exemplo, engenheiros
de segurança do trabalho e médicos de outras especialidades.
6. Perito Médico do Juízo
O Juízo, que é leigo na área médica, normalmente indica perito médico para assisti-lo.
O Juízo na maioria das vezes apresenta quesitos, que devem ser respondidos por perito
médico indicado por ele.
Há casos em que o Juízo indica também engenheiro de segurança do trabalho para
complementar o trabalho do médico, na parte ambiental.
O engenheiro avaliador ambiental só deve ser requisitado pelo perito médico, quando este
achar necessário. Há casos em que não se encontra doença, na diligencia médica, ou em que a
doença diagnosticada não pode ser causada pelo trabalho, por ser degenerativa, inerente ao
envelhecimento, genética, estrutural, nestes casos não há necessidade de verificação
ambiental, pois não há doença ou esta não pode ter nexo com o trabalho.
Quando o médico perito do Juízo entende ser necessária, a avaliação ambiental por que há
indícios de doença, há diagnóstico e pode haver nexo com o trabalho, o próprio médico perito
do Juízo pode e deve fazer a avaliação ambiental. É mais adequada, a avaliação ambiental pelo
médico, pois este detém o diagnóstico nosológico da doença e, quando vai ao posto de
trabalho, sabe exatamente o que está procurando.
Há uma máxima que diz: Quem não sabe o que procura não entende o que encontra.
O diagnóstico da doença reclamada, o possível nexo desta, com o trabalho, e a possível
incapacidade gerada devem ser determinadas pelo médico perito do Juízo, de acordo com as
evidencias históricas documentais e de acordo com o exame médico pericial, a ser realizado no
autor, na diligência médica.
Se o perito médico do Juízo concluir que há infortúnio – dano – e nexo com o trabalho, deverá
informar ao Juízo se há sequelas e quantifica-las.
Com relação à culpa, esta pode ser determinada pelo depoimento do Autor ou na avaliação
ambiental e documental, que deve ser realizada pelo próprio perito médico.
Porém, infelizmente, em alguns casos, em algumas Varas, a avaliação ambiental é realizada
por outros profissionais, que não detém a acurácia do diagnóstico nosológico – considero isto
um erro.
O perito médico do Juízo realizará Laudo, que deve levar em consideração a reclamatória, a
defesa, o que pede o Juízo e nada mais.
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O Perito do Juízo deve tomar cuidado para não escrever menos do que foi solicitado e também
para não escrever mais do que se pede.
Se o Perito do juízo usar “ferramentas” como checks lists sem indexação legal ou acadêmica e
descrever situações que exponham o autor ou o réu, sem necessidade, poderá responder
juridicamente por isto, na justiça cível e ou criminal, pois estará usando de cargo para o qual
foi designado para expor situações prejudiciais a outrem, o que é antiético e criminoso.
Abordarei este assunto com mais detalhes no item 17. Sigilo.
7. Defesa
Depois de apresentada a reclamatória, a ré apresenta a defesa.
A defesa é realizada pelo advogado ou advogados indicados pela ré.
A defesa verificará todas as queixas apresentadas na inicial e verificará a veracidade delas.
O que for incontestável não deve ser contestado, pois a defesa pode ser acusada de agir com
má fé, além do que, abalará sua reputação.
Porém, a defesa pode omitir, o que é diferente de mentir, se os padrões éticos assim
permitirem.
Assim como o reclamante, a ré tem direito de indicar assistente técnico pericial, médico,
engenheiro ou outro.
8. Assistente técnico da ré
O assistente técnico da ré deve analisar a reclamatória, os documentos anexos a ela, o
ambiente de trabalho, o histórico laboral do autor – todas as funções e postos de trabalho
ocupados pelo reclamante e os documentos que a empresa tem e que não estejam sujeitos a
sigilo médico (abordarei mais tarde a questão do sigilo), como atestados médicos, PPP, LTCAT,
PCMSO, PPRA, CAT, investigações de acidentes, entre outros.
O primeiro fato a ser verificado, pelo assistente técnico da ré, é se houve, realmente, dano, de
acordo com o histórico documental e de acordo com os documentos internos da contratante.
Tem que verificar se realmente há indícios históricos de que houve dano, se houve doença
contemporânea ao vínculo laboral.
A principal ferramenta para tanto são os atestados médicos apresentados pelo Autor durante
o seu vínculo.
A empresa pode deter o prontuário médico do Autor, mas o acesso do assistente técnico
pericial a este documento é assunto controverso, do ponto de vista ético.
Há os que entendam que o autor, uma vez abrindo processo por doença, já abriu o sigilo
médico, pois não há ‘’meio sigilo’’, porém há quem entenda que o sigilo é inexpugnável.
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Como nós médicos respondemos a Concelho de Classe, devemos ficar atentos ao que este
determina.
Uma vez verificada a ocorrência do dano, há necessidade de verificar se há adequação
temporal, adequação lesiva, adequação anatômica entre o dano e o trabalho desenvolvido,
pelo Autor, para a ré.
Para fazer isto, além da avaliação documental, histórica, é necessário avaliar o processo de
trabalho na empresa Ré, tem que descrever minuciosamente a tarefa do autor e,
especialmente, o processo produtivo, para verificar se há ou não possibilidade de haver nexo
causal.
Se houver possibilidade de nexo causal, tem que verificar de quem foi, provavelmente, a culpa
pela ocorrência do dano.
Por último, tem que ver se há possibilidade de a doença reclamada ter causado incapacidade
no autor e tentar quantificar esta incapacidade, antes mesmo da diligencia médica.
O trabalho do assistente técnico da ré é privilegiado, nesta faze do início do processo, quando
houve apenas audiências e documentos apresentados na reclamatória, pois ele é quem pode
deter mais informações, antes das diligencias médica e ambiental, por ter acesso à empresa,
ao processo de trabalho e aos documentos internos da ré.
O bom assistente técnico da ré analisa a planta da empresa, de onde vem a água, para onde
vão os dejetos, a energia utilizada, os produtos recebidos e enviados pela empresa, a
localização geográfica, o clima, o tipo da construção, o pé direito, o chão, o posto de trabalho,
o tempo de ciclo de produção, a produtividade total, as pausas, os pesos das ferramentas e
dos materiais produzidos, o número de funcionários, a escolaridade média, as pausas e,
especialmente, nunca esqueça, os dados epidemiológicos, dentre inúmeros outros dados que
abordaremos em tópicos específicos.
Chamo a atenção para os dados epidemiológicos. O assistente técnico da ré tem condições,
através da análise dos atestados médicos, de verificar do que os trabalhadores da empresa
mais adoecem e quais postos são ocupados por estes trabalhadores doentes, de forma a saber
quais são os pontos críticos da empresa.
Jamais estudo ergonômico algum, que é baseado na subjetividade do pesquisador, será capaz
de suplantar a análise epidemiológica, esta que é baseada em doenças, documentadas, fatos
incontestáveis.
Apenas depois de fazer a avaliação epidemiológica, aí sim, com o direcionamento necessário,
pode-se fazer a análise ambiental, para entender o que está provocando as doenças
documentadas.
A análise ambiental deve sempre privilegiar os dados de produtividade, pois arrisco dizer que o
tempo de ciclo e as pausas, se mal dimensionadas, são a principal causa de doenças.
O bom Laudo é descritivo, não faz Juízo, pois quem é preparado para julgar é o excelentíssimo
Juiz.
De posse destes dados o assistente técnico da ré os entrega, sob forma de Laudo, assinado,
para os advogados de defesa e para representante legal da ré, de forma que estes terão ideia
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do risco processual, leia-se, se a ré poderá ter que pagar de indenização e de quanto será esta
indenização.
A defesa, desta forma, ficará mais técnica, fundamentada, verdadeira.
Se o assistente da ré encontrar irregularidades no processo produtivo, este tem obrigação
moral e ética de informar a ré, para que esta tome medidas corretivas.
O assistente técnico não é responsável pela implementação de medidas corretivas, mas tem a
obrigação de informar a empresa e, se tiver expertise suficiente, sugerir as mudanças
necessárias.
Há empresas que não se importam com a verdade, apenas se atém ao risco processual.
Estas empresas tornam o trabalho do seu assistente técnico mais difícil, senão impossível.
Por isso a introdução deste capítulo aborda as duas portas da verdade.
Eu, particularmente, só trabalho para quem busca a verdade, mesmo sabendo o quanto é
difícil encontrá-la.
Eu acredito que a verdade existe e não posso fazer parceria com quem pense diferente,
embora não me sinta preparado para condenar os profissionais que façam as coisas de outra
forma.
O assistente técnico da ré deve colocar em contrato, assinado por ele e por representante
legal da empresa, a necessidade ética de informar ao seu cliente, de forma documental, a
verdade técnica, por ele encontrada.
9. Dano
Para haver processo trabalhista por infortúnio doença, tem que haver dano, atual e ou
histórico.
Se não houver dano, não há pecúlio, a reclamatória é nula.
Os processos trabalhistas ocorrem quando o dano já está estabelecido.
Desta forma, antes de mais nada, há duas perguntas a serem respondidas:
1. Houve dano, concomitante ao vínculo, do autor, com a reclamada?
2. Há dano atual?
O dano histórico, no caso da perícia médica, é comprovado especialmente por documentos –
prontuário médico, exames complementares, atestados médicos, receitas médicas, boletim de
ocorrência – especialmente nos casos de acidentes de trabalho e de trajeto -, CAT, relatórios
de investigação de acidentes, entre outros.
O depoimento do Autor tem que ser visto com certo cuidado, por ser, este, parte interessada,
contudo é importante verificar se a estória contada é compatível com os documentos e com a
história natural da doença.
1. História Natural da Doença.
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“As interações entre o agente, a pessoa susceptível e o meio ambiente que afetam o
processo global e o desenvolvimento da doença, desde as primeiras forças que criam o
estímulo para o processo patológico no meio ambiente, passando pelas respostas do
homem a este estímulo, até às alterações que levam a um defeito, invalidez, recuperação
ou morte.” Leavell e Clark, 1976.”
Os dados testemunhais também têm que ser avaliados com cuidado, pois o Juízo é mais
treinado, normalmente é mais capaz de avaliar se os dados testemunhais são coerentes com a
reclamatória.
Eu já participei de diligencias periciais ambientais onde testemunhas participam, mas
considero isso inadequado, pois o contraditório, no caso, pode tornar-se uma discussão fora
de controle, o que pode obrigar a interromper a diligencia.
O dano deve ser minuciosamente descrito, pelo Perito do Juízo e pelos assistentes técnicos.
Com a descrição minuciosa do dano é possível, quase sempre, fazer diagnóstico, histórico e
atual, é necessário deixar bastante claro o que é histórico e o que é atual, “trocando em
miúdos”: é fundamental delimitar o dano no tempo.
Se, por algum motivo, não for possível fazer o diagnóstico, o perito deve deixar isto bem claro
e justificar, pois, sem diagnóstico, o laudo fica muito frágil.
Quando não for possível determinar o diagnóstico da doença reclamada e ou a ocorrência de
algum fato (acidente, por exemplo), isto deve ficar claro no laudo e, neste caso, a ocorrência
dos fatos deve ser consignada às provas apresentadas nas audiências e às testemunhas.
O dano deve ser quantificado, a gravidade, a duração, as limitações, o sofrimento causado pelo
dano, tudo deve estar bem claro.
Para quantificar o dano causado por acidente ou doença do trabalho, deve ser determinado
qual era o estado de saúde do autor, no momento em que o autor começou a trabalhar para a
ré e deixar bem claro se a doença reclamada já existia, se a gravidade desta doença melhorou
ou piorou durante o vínculo, quando foram os períodos de melhora e de piora, na linha do
tempo.
A localização anatômica do dano é fundamental.
O comportamento da doença no decorrer do tempo tem que ser minuciosamente descrito.
O dano é a parte inicial do processo e, talvez, a parte mais importante dele.
Se não há evidencias de dano, atuais ou históricas, a perícia já tem sua conclusão, pois em não
havendo evidencias históricas e nem atuais de doença, não pode haver nexo, não pode haver
sequelas, não pode haver culpa, não há indenização.
10. Nexo causal
“É o vínculo existente entre a conduta do agente e o resultado por ela produzido; examinar o nexo de causalidade é descobrir quais condutas, positivas ou negativas, deram causa ao resultado previsto em lei. Assim, para se dizer que alguém causou um determinado fato, faz-se necessário estabelecer a ligação entre a sua conduta e o resultado gerado, isto é, verificar se de sua ação ou omissão adveio o resultado. Trata-se
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de pressuposto inafastável, tanto na seara cível quanto na trabalhista. Apresenta dois aspectos: físico (material) e psíquico (moral). Vide relação de causalidade material. Vide relação de causalidade psíquica. ” - Jus Brasil
Para determinar nexo, no caso das doenças do trabalho, devemos ter critérios de adequação.
Cada um dos critérios que cito a seguir são excludentes, ou seja, se não for cumprido, o nexo
deve ser excluído.
a. Critério Cronológico: É o mais importante. A doença ou o acidente tem sua origem em
determinado momento e evolui de maneira que se pode prever. Os documentos
históricos têm que ser compatíveis com a doença reclamada e o exame físico atual tem
que demonstrar as marcas da doença no decorrer do tempo, mesmo que haja cura. A
cronologia da doença tem que ser adequada ao histórico laboral do autor na ré, caso
contrário, não pode haver nexo.
b. Critério topográfico ou anatômico: Também pode ser excludente. O autor pode ter
doença no membro que usava menos, durante o trabalho, o que exclui nexo. O ombro
tem mais de uma dezena de músculos que compõe o manguito rotador, cada um
destes músculos é responsável por movimentos específicos. Os movimentos
necessários para fazer a tarefa, na ré, têm que ser compatíveis com a estrutura
danificada, no manguito, caso contrário não pode haver nexo.
c. Critério de adequação lesiva: O tipo e a gravidade da lesão encontrada têm que ser
adequados com o histórico labora e com o histórico da doença. Uma queda de nível
faz lesão diferente de doença provocada por fadiga, por exemplo. Lesão degenerativa
em coluna é diferente de fratura de vértebra são duas lesões totalmente diferentes, a
fisiopatologia é totalmente diferente.
d. Adequação biomecânica: O tipo de movimento realizado no trabalho deve estar
adequado com o tipo de dano reclamado. O músculo supra espinhoso, no ombro, faz
movimentos totalmente diferentes do músculo redondo menor, na mesma
articulação.
e. Exclusão de outras causas: citando como exemplo as doenças osteomusculares, tem
sempre que excluir moléstias reumáticas, genéticas. No caso de doenças pulmonares,
tem que excluir DPOC de origem endógena. Os exemplos são inúmeros.
f. Epidemiologia, estatística : É o segundo critério mais importante, depois do
cronológico. Eu tenho que medir a incidência e a prevalência da doença reclamada na
população exposta ao suposto risco. Se a incidência e prevalência for estatisticamente
significantemente maior que a população geral, o nexo é mais provável.
g. Lei – 8213, art. 20 – INSS : Listas de doenças ocupacionais. Esta lei lista as possíveis
doenças ocupacionais e a relaciona com determinados riscos e com determinados
segmentos empresariais. É o maior fundamento acadêmico para determinar nexo, pois
é lei, lei brasileira.
h. Intensidade: Verificar se a intensidade dos sintomas é adequada ao dano reclamado.
Este critério é bastante difícil, devido á simulação, que é, infelizmente, frequente, em
diligencias médicas periciais. O perito experiente, na maioria das vezes, percebe a
simulação e faz as manobras semiológicas sem o examinado perceber, de forma que é
possível detectar. Repito, é possível apenas para o perito experiente.
i. Tempo de exposição: Há um tempo de exposição que se espera, de acordo com a
doença que se está verificando. Se for um trauma agudo, o tempo de exposição não
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importa. Porém, no caso de doença provocada por fadiga, há que ter um tempo
mínimo de exposição para que ela se desenvolva. No caso de asma ocupacional, por
exemplo, esta aparece no mesmo momento da exposição.
j. Tempo de latência: O tempo de latência é importante nas pneumoconioses, por
exemplo, exceto por exposição maciça e aguda. Nas doenças infecto contagiosas,
também, há que se verificar o tempo de latência.
k. Condições pregressas: Os exames ocupacionais admissionais e periódicos permitem
avaliar as condições clínicas do autor, antes de adoecer ou quando a doença ainda está
incipiente, o que permite comparar o antes e o depois das queixas.
l. Incapacidade laboral: Quando já está instituída a incapacidade laboral, tem que
verificar qual é o momento em que começou esta incapacidade e a real causa dela.
m. Retirada do risco: Uma vez que se determine e quantifique presença de risco, se o
autor for afastado do risco, a doença tende a melhorar. O exemplo clássico é a asma
ocupacional. Retirado o risco, a doença tem que sarar, caso contrário, não há nexo. Já
no caso, por exemplo, de uma lesão tendínea grave, com ruptura, ou fratura óssea, a
retirada do risco não curará a lesão, necessariamente.
n. Extensão do dano: Deve ser bem-posta a extensão do dano causado e se está
adequado com a exposição laboral.
Todos os conceitos acima dependem de exposição a risco.
Vejamos que, por definição, para haver nexo causal, tem que haver relação entre o agente
produtor do dano e o dano, ou seja, tem que haver risco.
Se não for encontrado risco, no ambiente de trabalho, não pode haver nexo entre a doença e o
trabalho.
Para dar um exemplo singelo, não se pode morrer envenenado sem tomar veneno, simples
assim!
Para determinar nexo, portanto, é fundamental que se faça a avaliação ambiental e se
encontre risco, no ambiente de trabalho.
Há doenças que são inerentes à exposição ao risco, por exemplo, trabalhar com chumbo e ter
saturnismo, trabalhar com sílica e ter silicose, nestes casos é mais simples relacionar o risco
com a doença.
No caso de doenças osteomusculares, por exemplo, a definição de risco é mais difícil, difícil
responder qual é o peso, qual é a frequência, qual é a intensidade e o tipo de movimento
passível de causar doença, salvo casos extremos.
Além do mais, há variações individuais, certas pessoas podem ficar doentes com baixa
exposição ao risco, enquanto outras passam a vida expostas sem adoecer.
A questão referente à quantificação do risco e exposição ao risco é uma das mais importantes
na perícia médica trabalhista e será abordada em tópico específico.
Por enquanto quero deixar claro: Mesmo que haja dano, se não houver exposição a risco, não
pode haver nexo causal, se houver exposição a risco, pode haver nexo causal, mas não
necessariamente.
14
Uma vez que se prove que há dano estabelecido, como saber se alguém o pode ter causado,
como saber se há nexo causal entre o dano, infortúnio, entre a doença e o trabalho
desenvolvido pelo reclamante?
Considero a determinação de nexo o principal desfio da perícia médica trabalhista, bem como
da medicina do trabalho, em geral.
A epidemiologia clínica moderna deixa claro que nunca é possível determinar causa e efeito
entre a doença e o trabalho sem deixar margem de dúvida, ou seja, o perito nunca pode dizer
que há nexo com certeza científica.
Mesmo quando a epidemiologia populacional mostra prevalência e incidência de determinada
doença maior, em determinada população exposta a determinado risco, quando comparada
com a população geral, isto não significa, necessariamente, que o risco provocou a doença em
um único indivíduo desta população.
Por exemplo, podemos ter um grupo de trabalhadores expostos a risco para doença de ombro,
como trabalho com mãos acima do ombro e com vários doentes com tendinite em músculo
supra espinhoso. Porém algum destes indivíduos pode praticar vôlei ou artes marciais e ter se
machucado fora da empresa.
É prudente, portanto, quando escrever o Laudo, para inferir nexo causal, o perito usar termos
como improvável, possível, provável, mas nunca afirmar com certeza absoluta a existência de
nexo causal, pois o laudo pericial torna-se prova e, se inferir certeza onde não há, torna-se um
documento mentiroso.
“Em medicina clínica não é possível provar relações causais sem deixar nenhuma dúvida.” (Robert Fletcher)
Para termos indícios se há ou não nexo causal, antes de mais nada, devemos prestar atenção
no tópico anterior, que é a descrição histórica do dano e nas considerações que fizemos a
respeito da exposição ao risco.
Dada a importância das diversas adequações necessárias para inferir nexo, peço desculpas,
mas repito alguns critérios aos quais se deve atentar:
1. Adequação temporal. Repito, considero a adequação temporal, da doença com o
vínculo laboral entre o autor e a ré, o fator mais importante para determinar ou para
descartar nexo.
Tem que traçar duas linhas do tempo, uma delas contemplando a evolução da doença
e outra contemplando o histórico laboral do autor.
A linha do tempo da doença tem que conter a data de início da patologia, os períodos
de tratamento com a devida descrição das terapêuticas realizadas, os períodos de
atestados médicos, possíveis afastamentos previdenciários, os momentos de
agravamento, melhora e cura da doença, se esta ocorrer.
A linha do tempo do histórico laboral deve conter tudo o que o autor fez, no trabalho
para a ré, desde a sua contratação até a sua demissão, os períodos de trabalho com
restrição, promoções, mudanças de função, histórico de produtividade e os períodos
de afastamento previdenciário.
15
A linha do tempo da doença deve combinar com a linha do tempo da exposição a
riscos. Quando o autor se afastar do risco, a doença deve melhorar, quando retornar
ao risco a doença tende a piorar. Se isto não acontecer, provavelmente não há nexo.
Exemplo 1: O examinado diz que está afastado de quaisquer atividades há 5 anos, porém tem
mãos bastante calejadas e porte físico de atleta. Neste caso a estória contada não tem
adequação com as evidencias de exame físico, o reclamante está mentindo.
Exemplo 2: O autor refere que fez fratura exposta da tíbia em 25 de janeiro de 2018, mas só foi
ao médico em 02 de fevereiro do mesmo ano. Salvo em situações extremas, não é possível
uma pessoa ficar tantos dias com fratura exposta sem ir a um atendimento de emergência.
Exemplo 3: O autor refere que tem lombalgia por carregar peso no trabalho, desligou-se do
emprego há um ano e a dor só piorou, desde então. Desta forma a doença em coluna,
provavelmente, não tem nexo com o trabalho.
A adequação temporal serve para descartar nexo, mas, ainda assim, não serve para determinar
nexo, sem sombra de dúvida.
2. Adequação lesiva. A adequação lesiva leva em consideração a gravidade e a evolução
da doença reclamada, no tempo. Veja que mesmo a adequação lesiva tem que estar
casada com a adequação temporal. A adequação lesiva depende da história natural da
doença reclamada. De acordo com a maneira como ocorreu a lesão, podemos esperar
que tipo de lesão encontraremos, nas evidências históricas e atuais.
Exemplo 1: Se a lesão reclamada causou fratura de vértebra e ruptura de medula em lombar,
esperamos que o autor compareça à diligencia em uma cadeira de rodas, paraplégico.
Exemplo 2: O examinado tem histórico de Tendinopatia de Músculo Supra Espinhoso que
aparece em exames complementares, porém refere dor em todas as manobras semiológicas
de ombro, refere dor á palpação de todos os músculos do manguito rotador, inclusive de
articulação acrômio clavicular, refere que as dores são contínuas e já duram anos, sem
melhora, mesmo com o afastamento das atividades que teriam provocado a doença e, à
inspeção, não se vê hipotrofia muscular. Neste caso não há adequação lesiva entre os achados
nos exames complementares e o exame físico atual, o que mostra ausência de nexo causal.
Exemplo 3: O reclamante refere que tem lombalgia pelo trabalho, mas ao exame não
apresenta histórico de lesão aguda, o exame físico é normal e os exames complementares
mostram artrose, doença degenerativa. Neste caso também não há adequação lesiva.
Exemplo 4: Reclamatória refere doença psíquica, depressão, devido a carga psíquica no
trabalho, porém o autor nunca se expos a substancias químicas capazes de provocar
depressão, seu trabalho tem carga psíquica baixa e há histórico familiar de doença psíquica.
Não há adequação lesiva entre o trabalho e a doença reclamada.
Artigo 19 da Lei 8.213 de 24 de julho de 1991: “acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa..., provocando lesão corporal ou perturbação funcional, de caráter
temporário ou permanente”. ...
16
Também são considerados como acidentes do trabalho: a) o acidente ocorrido no trajeto entre a residência e o local de trabalho do segurado; b) a
doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade; e c) a doença do
trabalho, adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente. Anexo II do
Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto no 3.048, de 6/5/1999. Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na
relação constante do Anexo II resultou de condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência
Social deve equipará-la a acidente do trabalho. Não são consideradas como doença do trabalho a doença degenerativa; a
inerente a grupo etário; a que não produz incapacidade laborativa; a doença endêmica adquirida por segurados habitantes de região onde ela se
desenvolva, salvo se comprovado que resultou de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.”
Conforme o artigo de Lei supra, as lesões degenerativas, inerentes ao envelhecimento, não
podem ter adequação lesiva com atividades laborais.
3. Adequação anatômica. Especialmente nas lesões osteomusculares, a adequação
anatômica é fundamental. A adequação anatômica mais passível de confusão é no
ombro. O ombro é a articulação de maior amplitude de movimentos do corpo humano
e sua mobilidade é estabilizada por mais de uma dezena de músculos, que compõe o
manguito rotador. Cada um destes músculos corresponde a diferentes movimentos. O
Músculo Supra Espinhoso faz movimentos completamente diferentes do Músculo
Redondo Menor.
Exemplo 1: As doenças de articulação acrômio clavicular geralmente estão relacionadas com
variações genéticas e anatômicas, como o acrômio curvo de Bigliani.
Exemplo 2: O autor se queixa de tendinopatia de musculo supra espinhoso e o trabalho dele o
obriga a ficar com as mãos acima dos ombros, porém, durante o exame físico, o perito
encontra lesão em musculo redondo menor, que não é usado para elevar as mãos acima dos
ombros. Não há adequação anatômica, apesar de se tratar da mesma articulação. Neste caso,
o perito tem que avaliar e quantificar o movimento realizado no trabalho (risco), com
manobras semiológicas específicas para cada músculo a ser avaliado.
Vamos relembrar:
Uma vez definido o diagnostico histórico e atual, está definido se há dano ou não e qual é o
dano.
Não haverá dano se não houver evidências de doença, históricas – documentais – e atuais –
exame físico e anamnese.
Se houver doença, há dano.
Se houver dano, o próximo passo é determinar se há nexo causal, entre o dano e o trabalho.
Para haver nexo entre o dano e o trabalho, tem que haver exposição a RISCO, passível de
causar o referido dano.
17
Para haver exposição a risco comprovada, esta tem que ser em dose suficiente, por período de
tempo suficiente, para causar o referido dano.
Se houver exposição a risco e houver doença adequada a este risco, do ponto de vista
temporal, lesivo e anatômico, neste caso, se a dose for suficiente, há nexo causal,
provavelmente.
Na prática de Perícias Trabalhistas os dados documentais são fundamentais para determinar a
evolução histórica, temporal, da doença reclamada e relacionar com o histórico laboral.
A doença tem sua história natural e, conhecendo esta história, o cientista - perito médico
trabalhista -, pode verificar se há adequação temporal entre a evolução da doença e o
histórico laboral da vítima, na linha do tempo.
Se não houver adequação temporal, não pode ter nexo causal, pronto.
Se houver adequação temporal, tem que ver se há adequação lesiva, entre a gravidade da
doença e a exposição ao risco, durante o vínculo laboral e durante cada jornada laboral.
Se houver dano e nexo causal provável, o próximo passo é dimensionar o dano.
Dano, no caso de doença causada pelo trabalho, chama-se incapacidade.
11. Capacidade laboral e funcional
Se não houver dano, não há incapacidade e, se houver dano e não houver nexo, mesmo que
haja incapacidade, esta é irrelevante o ponto de vista indenizatório, exceto por um aspecto: Se
o autor foi demitido quando estava incapaz. Neste caso, ele deverá ser reintegrado e poderá
receber os salários referentes ao tempo em que ficou afastado do trabalho, bem como
indenização por danos morais.
Quando há dano e nexo, o passo definitivo da perícia médica trabalhista é dimensionar a
incapacidade provocada pelo dano.
Para tanto há diversas tabelas, checks lists, chamadas de baremos, usadas para quantificar os
danos corporais.
Um dos baremos mais utilizados para valorar danos corporais, no Brasil, é a tabela da SUSEP.
Este baremo, no entanto, foi idealizado para fins previdenciários e nunca indenizatórios, como
está escrito no corpo do documento que a idealizou. Portanto, a maior parte das valorações de
danos corporais usadas pelos peritos médicos, no Brasil, é facilmente impugnada.
Tabela da SUSEP
"CIRCULAR Nº 029 de 20 de dezembro de 1991 Aprova Normas para o
Seguro de Acidentes Pessoais O Superintendente da Superintendência de
Seguros Privados (SUSEP), na forma do disposto no Art. 36, alínea "c", do
Decreto-lei número 73, de 21 de novembro de 1966. R E S O L V E : 1 -
Aprovar Normas para o Seguro de Acidentes Pessoais, na forma do anexo,
que integra esta Circular....
OBJETO
18
Art. 1º - O seguro tem por objetivo garantir o pagamento de uma indenização
ao segurado ou a seus beneficiários, caso aquele venha a sofrer um acidente
pessoal, observadas as condições contratuais.
§ 1º - Considera-se acidente pessoal o evento com data caracterizada,
exclusiva e diretamente externo, súbito, involuntário e violento, causador de
lesão física que, por si só, e independentemente de toda e qualquer outra
causa, tenha como conseqüência direta a morte ou invalidez permanente
total ou parcial do segurado ou torne necessário o tratamento médico.
...
§ 3º - Não se incluem no conceito de acidente pessoal: I - as doenças
(incluídas as profissionais), quaisquer que sejam suas causas, ainda que
provocadas, desencadeadas ou agravadas, direta ou indiretamente por
acidente, ressalvadas as infecções, estados septicêmicos e embolias,
resultantes de ferimento visível;"
Há outros baremos mais adequados, como a tabela CIF (Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde), idealizada pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
Eu particularmente, acredito que a expertise do perito pode avaliar o quanto mais difícil é,
para o Autor, realizar determinada tarefa, quanto tempo mais ele demoraria para realizar
determinada tarefa, de forma a tentar porcentualizar a incapacidade.
Porém a tarefa de determinar incapacidade não é assim, tão simples e, como tudo o que
envolve a medicina, depende de muitos outros fatores.
Há diversos tipos de incapacidade:
a. Uniprofissional: incapacidade para exercer uma única profissão, como o caso de asma
ocupacional provocada por determinado tipo de aerodispersóide. O trabalhador, no
caso, só não pode exercer a profissão que o exponha a este tipo de aerodispersóide.
b. Multiprofissional: Incapacidade para exercer diversas profissões, caso comum em
doenças osteomusculares, por exemplo, trabalhador que fez lesão em coluna lombar,
teve que fazer artrodese em L4 e L5 e não pode exercer profissão alguma que o
obrigue a mobilizar a coluna lombar com carga, como estivador, pedreiro e
metalúrgico, por exemplo.
c. Omniprofissional: Incapacidade para exercer qualquer tipo de profissão, como no caso
de acidentado com lesão em coluna cervical e tetraplegia, por exemplo.
Apesar de as classificações supra parecerem abrangentes e suficientes, a coisa não é tão
simples: O que dizer de um trabalhador que fez a função de soldador em metalúrgica a vida
toda e, aos 50 anos, tem lesão grave em ombros?
Estará ele disposto, motivado, hábil, a fazer reabilitação profissional?
Provavelmente não.
19
Saibam os colegas que a incapacidade provocada pelo trabalho é a consequência mais
dramática, mais nefasta para o trabalhador, para a empresa (é a indenização mais cara), para a
família do trabalhador, para o país, para todos.
Não vejo algo que provoque mais estigma, na vida, do que a pecha de inválido.
A incapacidade pode ser funcional – inclui todos os aspectos da vida – e profissional – restrita à
atividade no trabalho.
Se profissional, como já disse, a incapacidade pode ser uni profissional – para apenas uma
profissão -, multi profissional – para várias profissões - ou omniporfissional – invalidez.
Se funcional, a incapacidade, para ser classificada, quantificada, deve contemplar a capacidade
do Autor no momento em que foi admitido na ré.
Para uma pessoa que praticava esportes de maneira contumaz, como futebol semiprofissional,
por exemplo, uma sequela leve de entorse de tornozelo pode significar muito, porém
significaria pouco para uma pessoa sedentária.
Uma perda auditiva moderada em agudos significaria pouco para a maioria das pessoas, mas
significaria muito mais para um músico profissional.
Quantificar incapacidade, portanto, é um grande desafio paras as perícias médicas
trabalhistas.
Talvez o melhor caminho, para o perito, seja demonstrar ao Juízo os aspectos supra discutidos,
descrever minuciosamente o dano, descrever minuciosamente a função que o autor costuma
exercer e deixar para o magistrado a inglória tarefa de valorar a incapacidade.
O Livro "Patoloia do Trabalho", do conceituado Autor René Mendes, descreve de maneira
simples e prática, a aplicação da tabela CIF.
" A Classificação Internacional de Funcionalidade, com uma concepção
biopsicossocial, interativa e dinâmica, vem contribuindo para a mudança de
paradigmas e ampliação da abrangência de sua aplicação, ao incluir todos os
indivíduos, com diferentes estados de saúde e não apenas pessoas com deficiência."
René Mendes, Patologia do Trabalho, 3ª edição, editora Atheneu, 2013, vol1, pg 294.
12. Responsabilidade Civil
“A gota d’água é a primeira, não a que faz transbordar. ”
Adentremos agora aos aspectos crus, legais, que tangem a perícia médica.
A gota d’água, que cito acima, é argumento muito usado nos tribunais com relação ao acordo
tácito.
O autor reclama de absurdos aos quais teria sido submetido, que teria sido obrigado a
trabalhar doente, que teria sido ofendido pelo chefe por anos a fio, mas nunca fez nada, com
medo de perder o emprego. Sabemos que as personalidades são muito diferentes, mas só há
20
abusador se houver abusado. Muitas vezes, de maneira tresloucada, alguém se permite ser
abusado.
O trabalhador tem que ser treinado para nunca permitir determinados abusos, nunca se
obrigar a trabalhar doente, nunca permitir ofensas pessoais, denunciar imediatamente quando
alguma coisa destas acontece.
A ideia de responsabilidade civil está relacionada à noção de não prejudicar outro
A origem do instituto da responsabilidade civil parte do Direito Romano, e esta
calcada na concepção de vingança pessoal, sendo uma forma por certo rudimentar,
mas compreensível do ponto de vista humano como lídima reação pessoal contra o
mal sofrido (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2003, p. 11).
Responsabilidade civil é a obrigação de reparar o dano que uma pessoa causa a outra.
Em direito, a teoria da responsabilidade civil procura determinar em que condições uma
pessoa pode ser considerada responsável pelo dano sofrido por outra pessoa e em que medida
está obrigada a repará-lo. A reparação do dano é feita por meio da indenização, que é quase
sempre pecuniária. O dano pode ser à integridade física, à honra ou aos bens de uma pessoa.
No caso do dano doença do trabalho, o risco inerente ao trabalho deve ser controlado e
mitigado pelo empregador, esta é sua responsabilidade. O homem bem equipado foi à Lua e
logo chegará a Marte. Os riscos inerentes a estas jornadas devem ser de conhecimento dos
astronautas, eles devem ser informados do risco que correrão e isto deve estar bem
documentado. Mitigar o risco e informar ao viajante espacial será responsabilidade do dono da
empreitada.
13. Culpa
Caracteriza-se pela violação ou inobservância de uma regra, que produz dano aos direitos de
outros, por negligência, imprudência ou imperícia, ou seja, em razão da falta de cuidado
objetivo, sendo, portanto, um erro não-proposital. Na culpa, o agente não possui a intenção de
prejudicar o outro, ou produzir o resultado. Não há má-fé, apenas falta de cuidado
(imprudência), falta de conhecimento (imperícia), preguiça (negligencia).
O sentimento de culpa é dos que mais incomoda o homem.
Os homens que não sentem culpa são psicopatas.
O sentimento de culpa é o que torna o convívio social possível, caso contrário, se não houvesse
o sentimento de culpa, o mundo seria um local impossível de se viver.
Mesmo que se caracterize acidente de trabalho, se a ré não teve culpa, se a culpa foi do Autor,
provavelmente não haverá indenização.
21
Cito um exemplo: Houve um caso, numa empresa de Logística, onde o operador de
empilhadeira de duas toneladas, tombou com o equipamento e foi vítima de graves lesões nos
membros inferiores, fez várias fraturas, demorou anos para se recuperar e ficou com sequelas
importantes. O caso parecia perdido, para a ré. No momento da diligencia, eu, como assistente
técnico da ré, perguntei se ele havia sido treinado para a tarefa de operador de empilhadeira,
ao que ele respondeu que sim, que já tinha 20 anos de experiência e que ninguém operava
empilhadeira melhor que ele. Então eu perguntei se ele sabia que não poderia estar com a
empilhadeira carregada em uma rampa superior a 30 graus, como foi o caso, no momento do
acidente, ao que ele respondeu que não havia sido este o problema, o problema é que os
freios não haviam funcionado, eu perguntei se os freios falharam antes ou depois dele
adentrar a rampa, ele respondeu que foi depois de adentrar a rampa (ou seja, os freios não
poderiam funcionar, naquela situação) e então eu fiz a pergunta fatal: - Sr., tenho uma dúvida
enorme, que me aflige desde que eu li este processo pela primeira vez. O que o Sr. Estava
fazendo numa rampa de 45 graus, mesmo sabendo que o limite era 30 graus? Ele respondeu
que tinha ido cumprimentar seu cunhado...
Veja que ele confessou que fora treinado e que ninguém havia mandado ele adentrar a rampa,
ele foi por conta e risco. Neste caso houve dano, houve nexo, houve incapacidade, mas não
houve culpa da ré, a culpa foi do autor, que não respeitou as normas de segurança para as
quais fora treinado.
Aos peritos inexperientes fica o recado. O resultado de uma diligencia médica nunca é obvio,
mesmo que assim aparente ser.
Na anamnese pericial, um perito tarimbado pode levar a confissões que jamais ocorreriam em
audiência.
14. Responsabilidade subjetiva
A teoria clássica da responsabilidade civil aponta a culpa como o fundamento da obrigação de
reparar o dano. Conforme aquela teoria (subjetiva), não havendo culpa, não há obrigação de
reparar o dano, o que faz nascer a necessidade de provar-se o nexo entre o dano e a culpa do
agente.
15. Responsabilidade objetiva
O direito, recentemente, passou a desenvolver teorias que preveem o ressarcimento do dano,
em alguns casos, sem a necessidade de provar-se a culpa do agente que o causou. Esta forma
de responsabilidade civil, de que é exemplo o art. 21, XXIII, da constituição federal do Brasil , é
chamada de teoria objetiva da responsabilidade civil ou responsabilidade sem culpa.
Exemplo clássico que podemos seguir, será em um acidente de ônibus, onde o motorista do
veículo será compelido a indenizar dos prejuízos, mesmo que não seja provada a vontade de
praticar aquele ato (dolo) e ou que haja a presença de negligencia, imprudência ou imperícia
(culpa).
22
16. Dolo
Diferencia-se culpa do dolo porque, neste, o agente tem a intenção de praticar o fato e
produzir determinado resultado: existe a má-fé.
O acidente e a doença do trabalho raramente serão causados por dolo do culpado.
Ninguém seria insano o suficiente para projetar um posto de trabalho com a intenção de
machucar outrem, seria?
Falamos sobre danos, nexo e incapacidade.
Porém, para haver indenização, há que haver dolo ou culpa.
Os conceitos de ato inseguro e condição insegura são por demasia simplistas e ultrapassados,
mas, para que haja a necessidade de indenizar, repito, há que haver culpa ou dolo.
A diligencia médica e ambiental nem sempre, mas, muitas vezes, podem determinar de quem
é a culpa pelo infortúnio.
Para haver indenização, tem que ter havido culpa - negligencia, imprudência, imperícia - ou,
pior, dolo - intenção de causar infortúnio.
Se há exposição a risco suficiente para causar doença, então há, no mínimo, culpa, por parte
do empregador, que não mitigou o risco.
17. Sigilo
Você sabe guardar um segredo?
O sigilo médico é diferente do sigilo de um sacerdote durante confissão.
Há fatos em atendimento médico que tem que ser obrigatoriamente divulgados, como no caso
de doenças infectocontagiosas, por exemplo.
Há dois aspectos de sigilo que abordarei agora, referentes à perícia médica.
a. O sigilo médico do autor. Se o autor processa a empresa por motivo clínico, de doença,
não faz sentido manter o sigilo médico. O sigilo médico deve ser expressamente
aberto no momento da audiência inicial, quando é apresentada a reclamatória. O
autor, se a sua reclamatória procede, é o principal interessado na abertura do sigilo
médico.
b. O sigilo com relação aos dados da empresa que serão vistoriados na avaliação
ambiental. Tem que tomar cuidado para não expor a empresa mais do que o Juízo
determina. O próprio Juízo, que é humano e passível de erros, deve tomar cuidado
com o que ele pede para ser pesquisado pelos peritos.
Se forem abertos dados que não tem nada a ver com a demanda, o perito e o próprio Juízo
usarão de suas atribuições de maneira ilícita, usarão de suas atribuições para expor outrem de
maneira indevida. É o mesmo princípio do sigilo médico e pode haver questionamento nas
Varas cível e criminal.
23
“Constituição Federal e Código Penal
Capítulo I (dos direitos e deveres individuais e coletivos), do Titulo II (dos
direitos e garantias fundamentais) da Constituição Federal, inciso X, Artigo
5º:
Art. 5. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à voda, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes
...
X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, das
pessoas, assegurando direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação.”^
“Art. 154 do Código Penal:
Violação do segredo profissional
Art. 154. Revelar a alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em
razão da função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa
produzir dano a outrem: Pena – detenção de 3 (três) meses a um ano, ou
multa”
“Código do Processo Penal, Art. 207:
Art. 207. São proibidas de depor as pessoas que, em razão da função,
ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se,
desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar testemunho.
Por causa dos artigos de lei supra citados e por outros motivos que abordarei ainda neste
capítulo, acho absurdamente inadequada a aplicação de checks lists, com diversas
perguntas e respostas que não tem a ver com a demanda, expondo, criminosamente, a ré
e o autor.
Quando faz isto, o perito do Juízo corre o risco de ser imputado de maneira cível e
criminal.
Além de que, para inferir risco, há necessidade de estudo de caso e controle entre os
expostos e não expostos, randomizado, duplo cego, com significância estatística e suporte
acadêmico. Os diversos checks lists utilizados servem para proporcionar melhorias
ergonômicas e nunca para determinar riscos.
Talvez este tipo de avaliação, ergonômica, sirva para mitigar riscos, se os dados forem
casados com a epidemiologia e a engenharia de produção.
24
18. Técnica de análise ambiental e cronoanálise do trabalho
A análise ambiental deve ser minuciosa e descritiva.
A empresa deve ser descrita a partir da sua localização geográfica, da sua construção, da sua
história, das características arquitetônicas, a linha de montagem (se for o caso) deve ser toda
descrita, as características de fluxo de água, matérias, dejetos, higiene, limpeza, cores,
sinalização, robotização entre inúmeras outras. O posto de trabalho é a conclusão da
avaliação e não o começo dela.
A análise ambiental deve contemplar especialmente a produtividade, por trabalhador.
O número de produtos que cada trabalhador faz por dia deve ser determinado antes de
cronometrar a tarefa.
Ao saber o número de produtos produzidos pelo trabalhador na jornada e cronometrar o
tempo que cada um leva para ser produzido, saberei exatamente os tempos de pausas, saberei
o engajamento na tarefa e, portanto, saberei o quanto o autor é dono do seu tempo.
Conforme a física moderna, temos o espaço e o tempo.
O tempo muitas vezes é medido de forma inadequada nas avaliações ergonômicas, por não
levar em conta a produtividade, outros aspectos epidemiológicos e de engenharia industrial.
Importa muito mais a cadencia de produção (tempo) do que a forma do posto de trabalho
(espaço), excetuando os casos extremos.
A ergonomia tem que estar casada com o restante da avaliação ambiental, sempre com foco
na produtividade.
A avaliação ambiental deve contemplar também outros fatores físicos, químicos e biológicos,
como dose de ruído, aerodispersóides, substancias químicas, óleos, graxas, solventes,
substancias perigosas, explosivos, inflamáveis, rotas de fuga, brigadas de emergência, acesso a
serviços médicos de emergência, entre outros.
É claro que, dentre os aspectos citados, deve haver direcionamento específico voltados à
demanda em questão.
Os postos de trabalho são concebidos para serem perfeitos.
O principal erro dos peritos, ao avaliar a atividade do autor é cronometra-la apenas com
cronômetros.
O posto de trabalho deve ser descrito na íntegra, porém com direcionamento voltado para a
demanda trabalhista.
19. Perito Médico
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Do Lat. Peritu Experiente, experimentado, prático, versátil, sábio, douto, erudito, hábil, fino, destro, sagaz, aquele que é sabedor ou especialista em determinado
assunto, experto, aquele que é nomeado judicialmente para fazer exame e ou vistoria. (Aurélio)
O Perito Médico deve ter expertise no assunto que aborda.
A Medicina Ocupacional é a especialidade privilegiada para determinar nexo causal.
O médico do trabalho experiente pode vir a se tornar bom perito na área trabalhista.
Nem sempre o bom especialista é também bom perito, especialmente se não tiver experiência
na área trabalhista.
Sempre digo que peritos não se formam, peritos nascem peritos e só descobrem que são
peritos depois de adquirir expertise, mas nem todos os que adquirem expertise serão bons
peritos.
Os bons peritos devem gostar de ler, devem ser estudiosos e curiosos, devem saber escrever,
devem ter conhecimento ético e legal, devem ser pessoas idôneas, não devem ter dívidas, não
devem ter comportamento escuso, pois tratarão com litigio e qualquer erro que cometerem,
em sua vida pessoal, pode ser usada contra eles.
O bom perito conhece as regras do jogo e gosta delas, por que as usa com precisão.
Repito, o perito deve ser cidadão, livre para tomar qualquer decisão e bancar sua posição, de
maneira técnica, sem ser influenciado por crenças e ou ideologias que não as cientificamente
comprováveis.
O perito deve conhecer profundamente a demanda antes de proceder a diligencia pericial.
O Perito médico deverá responder aos quesitos das partes e do juízo, desta forma ele deve
conhecer os quesitos antes da diligência, para respondê-los adequadamente.
Se o perito achar que algum quesito vai além do que a demanda solicita, ele não deve
responder ao quesito e justificar.
Qualquer médico pode ser perito uma vez que designado pelo Juízo ou por alguma das partes,
salvo quando houver caso específico de impedimento.
Perito não deve ser indicado quando é parte no caso, testemunha, parente, cônjuge, amigo íntimo, credor, herdeiro, empregador. Se o perito indicado pelo Juízo não quiser aceitar o desafio e não se encaixar em alguma das situações de impedimento, ele pode alegar motivos de foro “íntimo”. Evite alegar motivo financeiro para declinar indicação de Juízo, pois, neste caso, o Juízo pode não aceitar o argumento e o profissional será obrigado a proceder a diligencia. O perito deve se basear sempre em fatos e dados, deve tomar cuidado com o depoimento do
autor, este, por ser parte interessada, pode mentir, simular, exagerar, dissimular.
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O perito deve verificar com cuidado as audiências que houve antes de emitir o laudo.
As matérias de prova documental e testemunhal muitas vezes já foram apresentadas em
audiência e, se o perito "aparecer" com dados que contrariem as provas já apresentadas, ele
pode ser impugnado, pode ser acusado de obstruir a justiça.
20. Evidências
Quando comecei minha carreira como especialista em medicina do trabalho em uma grande
empresa, sofri muito com as primeiras auditorias pelas quais fui submetido, até que um dia
tive uma lição de uma das maiores advogadas que conheci.
Eu apresentava um trabalho do qual tinha muito orgulho, por que era bem-intencionado e
mostrava resultados excelentes, porém estava pouco documentado.
A nobre advogada me disse, sem papas na língua: Dr., não me canse com suas histórias, para
mim só importam os documentos, de boas intenções o inferno está cheio.
Isto foi um marco na minha jornada como médico especialista do trabalho e foi o início da
minha carreira como assistente técnico pericial, há aproximadamente duas décadas.
Hoje coleciono aproximadamente 300000 documentos em meus arquivos, nas nuvens.
Há casos em que há necessidade de apresentar documentos datados de há mais de 10 anos e
ninguém mais os guardou, por imaginar que houve prescrição.
Porém há casos de doenças atuais que começaram há 20 anos, como acontece em algumas
silicoses.
O assistente pericial e o perito do Juízo devem guardar “ad vitalicium” , os documentos em
local seguro, eletrônico, e os dispor, para a empresa, para o Juízo, para o Autor, sempre que
necessário.
Para a empresa evitar a imputação de culpa ou dolo, não basta apenas agir de boa-fé, tem que
provar que as coisas foram feitas dentro da retidão técnica e ética e isto só se faz com
documentos.
À mulher de Cesar não basta ser honesta...
O autor, apesar de provocar a demanda, não tem que provar o que reclama, a ré é quem tem
que provar que não aconteceu o que está sendo requerido, isto se chama "inversão do ônus da
prova".
Todos os que trabalham com direito sabem o quanto é difícil fazer prova negativa, por
exemplo: É fácil provar que eu estava em algum local, em determinado momento, mas pode
ser muito difícil provar que eu não estava neste mesmo local, a não ser que eu prove que
estava em outro local (prova positiva).
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Quando ocorre uma perícia médica para verificar ocorrência de infortúnio e nexo deste com o
trabalho, muitas vezes fatos estes que ocorreram há algum tempo e que estão consumados,
faz-se necessária a avaliação de provas documentais, históricas.
Os documentos mais comuns que devem ser apresentados pela empresa, para provar a
ausência de dolo e ou culpa, são: Análise de acidente, CAT, avaliação de posto de trabalho,
PPRA, PCMSO, ASO, Ficha de treinamento (é um dos documentos mais importantes), ficha de
entrega de EPI, Prontuário Médico.
Os documentos, quando produzidos, devem ser imediatamente digitalizados e guardados “nas
nuvens”, o que é muito fácil, com a tecnologia moderna.
É muito comum “desaparecerem” os documentos justamente de quem está processando a ré,
creiam nas bruxas, neste caso, elas realmente existem.
21. Prontuário Médico
O prontuário médico, eu o considero a principal evidencia, nas demandas trabalhistas,
portanto dedico um tópico específico a ele.
Este tópico serve para os peritos e para os médicos especialistas do trabalho em geral.
Quando nos deparamos com prontuários médicos, nós, peritos e assistentes técnicos, somos
bastante rigorosos na nossa avaliação.
Um prontuário bem escrito mostra capricho, cuidado, atenção e esmero profissional, já o mal
escrito...
Lembremos que grande parte dos processos trabalhistas ocorrem por que o autor não foi bem
conduzido pelo serviço médico ocupacional.
A avaliação médica ocupacional deve ser minuciosa, o prontuário médico deve ser bem escrito
e coerente com o histórico do trabalhador.
O prontuário médico pode ser utilizado como prova, uma vez quebrado o sigilo médico, no
caso de processo por doença do trabalho e, neste caso, pode ser lido pelas mais altas cortes do
país.
O prontuário deve, portanto, ser não só bem escrito, mas muitíssimo bem escrito, legível, com
estilo, sem abreviaturas.
Lembremo-nos, somos médicos, parte da elite intelectual e cultural, espera-se que saibamos
escrever.
Quando há litígio, corremos o risco de o Autor simular doença, no momento da avaliação
pericial.
O momento do exame admissional é o melhor para conhecermos o verdadeiro estado de
saúde do trabalhador e seu histórico, inclusive familiar.
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No exame admissional é rara a simulação, porém temos que tomar cuidado com a
dissimulação, quando o trabalhador esconde doenças visando a contratação.
Quando o exame admissional é bem feito, podemos comparar a saúde atual do trabalhador
com a saúde dele mesmo, quando entrou na empresa e esta é a maneira de quantificar dano,
no caso de infortúnio por doença ocupacional.
Idade, sexo, estado civil, idade dos pais, tamanho da família, posição na ordem do nascimento, morbidade familiar por causas definidas, raça, cultura, religião, lugar de nascimento, grupo étnico, ocupação, renda pessoal, nível de instrução, tipo de zona da residência, hereditariedade, idade materna ao nascer, número de fetos gestados, ocorrências durante o parto, constituição física, resistência individual, estado fisiológico, estado de nutrição, doenças intercorrentes, tipo de comportamento, ocorrências estressantes, doenças sofridas, medicamentos eventualmente consumidos, acidentes sofridos, comportamento alimentar, padrão de sono, atividade física, entre outras, todos estes dados e muitos mais são relevantes, dada a variedade humana e devem estar registrados no prontuário médico de maneira clara e legível. O prontuário médico deve ser coerente, se referir, por exemplo, que o paciente está em
tratamento e está apto, tem que justificar.
Quando o médico escreve no prontuário que há exposição demasiada a determinado risco,
tem que haver evidência de ação extra prontuário, no mínimo a empresa deve ser informada,
caso contrário o médico pode ser considerado conivente com determinada situação irregular.
Erros comuns no preenchimento de prontuário são, por exemplo: 1.repetir muitas vezes o
resultado do mesmo exame sem deixar clara a data em que o exame foi realizado; 2.usar
abreviaturas ininteligíveis, como cx (cirurgia), dx (diagnóstico), rnm (ressonância), us
(ultrassom), ainh (antiinflamatório não hormonal), BCRNF (bulhas cardíacas ritmicas e normo
fonéticas), MV (murmurio vesicular), msd (membro superior direito), qd (quirodáctilo), pd
(pododáctilo), cd (conduta); 3. Escrever em caixa alta, como se estivesse "gritando"; 4.escrever
com se fossem sinais de fumaça, sem sequencia clara; 5.transcrever na íntegra atestados
externos que descrevem função, que impõe restrição, que impõe conduta que nunca será
tomada; 6. não descrever minuciosamente a função exercida pelo trabalhador ou descrevê-la
sem visitar o posto de trabalho.
Para evitar erros, o médico deve visitar o posto de trabalho e descrever o que viu.
O médico não é obrigado a "escrever tudo imediatamente" no prontuário, especialmente
quando a história contada pelo trabalhador parece não fazer sentido e ou envolve terceiros, se
o médico escreve inadequadamente no portuário, o que era "fofoca" pode se tornar verdade
absoluta, inclusive com prova documental.
Pratique anamnese hipocrática e descreva.
Quando abrir CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), o médico deve justificar, no
prontuário médico.
Quando deixar de abrir CAT, o médico também deve justificar a não abertura com evidências
de não ocorrência de acidente.
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O médico do trabalho é soberano para determinar aptidão ao trabalho, nem sempre precisa
justificar com atestados de outros médicos, exames completares, etc.
Basta realizar boa anamnese, bom exame clínico e ser coerente.
Quando há necessidade de remanejamento do trabalhador por motivos clínicos e ou de
reabilitação, tem que ficar clara e registrada a concordância do trabalhador.
Se um trabalhador remanejado por motivo de doença persiste com queixas, tem que justificar
a persistência do remanejamento.
O Histórico referido pelo trabalhador deve ser relatado com parcimônia, se for diferente do
que está no exame físico, isto deve ficar bem claro.
O médico da empresa é privilegiado para avaliar o posto de trabalho e descrever se o que o
trabalhador relata é verdade, isto tem que ser feito o mais rápido possível, de preferência no
mesmo dia em que houver queixa de doença e ou acidente.
Se o médico escreve que o trabalhador "Não está conseguindo fazer tratamento devido às
reuniões depois do turno", que "o chefe não deixa o trabalhador ir à fisioterapia", tem que ter
ação extra prontuário, o trabalhador deve ser liberado para o tratamento ou afastado por
atestado médico até recuperar-se totalmente.
22. Confecção de Laudo
A confecção do laudo pericial é um paradigma para cada perito.
Há alguns aspectos que não podem ser deixados de lado, no Laudo: a. A Regional do Tribunal,
b. A Vara do Trabalho, c. O número da demanda, d. O Autor, e. O Réu, f. O perito que escreve.
Daí em diante, o Laudo deve ser descritivo, claro.
Não há necessidade de definir aspectos conceituais sempre, especialmente os que já estão
descritos pela lei, pois então o Laudo fica prolixo, chato.
A relação com o Juízo deve ser a mais próxima possível, espera-se que os olhos treinados do
perito enxerguem além da visão do Juízo, por possuírem expertise.
O bom laudo é aquele que responde à demanda e aos quesitos com coerência, objetividade,
clareza, fundamentação jurisprudencial e literária.
Infelizmente grande parte dos laudos que tenho visto não são tão claros e, pior, apresentam
contradições dentro do próprio raciocínio técnico e ou com relação aos outros documentos
apresentados nos autos.
O perito deve ler os autos na íntegra, com atenção, antes de confeccionar o laudo, mesmo que
se tratem de milhares de páginas, o que não é incomum.
Nem sempre todos os quesitos podem ser respondidos, nem sempre é possível concluir, mas
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sempre é possível justificar.
Evite as certezas absolutas, especialmente com relação a nexo, use os termos provável,
improvável, possível, pois se algum dos lados apresentar contra argumentação forte, será mais
fácil fugir de impugnação.
Descreva o exame físico sempre de maneira minuciosa e correta, pratique a anamnese e o
exame físico hipocrático, sempre.
O Laudo deve ser limpo claro, evite cores, letras difíceis de entender, use espaçamento
adequado e não use letras pequenas, é muito bom para nós, que temos mais de 40 anos,
conseguir ler um Laudo sem usar óculos.
Certifique-se de que não há erros de grafia, mesmo os mais singelos, pois eles gritam, quando
lemos o Laudo.
Seja coerente, se não for, qualquer um dos lados que se sentir prejudicado poderá impugnar o
Laudo.
Sempre, sempre que possível e que julgar necessário, faça a avaliação ambiental, mesmo que
algum outro indicado pelo juízo já o tenha feito.
Muitas vezes a avaliação ambiental é feita por engenheiro ou por profissionais menos
qualificados e o Laudo Médico é totalmente descasado do Laudo Ambiental (não gosto de
chamar de Laudo Ergonômico, por que a avaliação ambiental deve ser muito mais do que
apenas ergonomia).
Quando não há coerência entre o Laudo Ambiental e o Laudo Médico o resultado é
esquizofrênico, atrapalha os dois lados, muitas vezes o trabalho todo tem que ser repetido.
Não há modelo padrão de Laudo, eu não gosto de software para confeccionar Laudo, pois acho
que isto tira minha liberdade, sinto-me preso em um pequeno espaço e uma vontade enorme
de fugir dele, quando sou obrigado a usar ferramentas engessadas para escrever.
O bom Laudo deve ser claro, conciso, descritivo, fotos podem e devem ser usadas, com
cuidado para não se expor o que não é necessário e, especialmente, o que não é permitido,
como a imagem do trabalhador e o segredo industrial, por exemplo.
Quem ler o Laudo deve se sentir dentro do posto de trabalho do autor e imaginar
perfeitamente a condição física deste.
O Laudo deve ser assinado, sempre, de forma física ou eletrônica.
Infelizmente este escritor não tem a fórmula ideal de confecção do Laudo, apenas diretrizes.
23. Elaborar manifestação e ou parecer ao laudo do Perito do Juízo
O Laudo oficial é escrito pelo Perito do Juízo.
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Os assistentes técnicos podem escrever laudos também, podem inclusive apresentar laudos
antes mesmo do Laudo oficial.
Eu não gosto desta atitude, acho deselegante com o perito oficial, pois este pode se sentir
pressionado.
Prefiro, como assistente técnico, escrever apenas parecer concordando ou não com o Laudo
oficial, depois que este foi elaborado.
O assistente técnico tem, no mínimo, 5 dias, para se manifestar ao Laudo Oficial.
Se o assistente técnico discordar do Laudo oficial, pode solicitar impugnação a este e
apresentar quesitos complementares.
Um dos principais motivos para impugnar um Laudo Médico Oficial, é quando este não é
coerente com o ambiente de trabalho, por que não o avaliou.
Neste caso, o assistente técnico pode apresentar quesitos complementares duas vezes.
Se os quesitos complementares forem voltados para o ambiente de trabalho e este não foi
avaliado pelo perito oficial, o expert indicado pelo Juízo não conseguirá responde-los e o seu
trabalho fica frágil.
Pode-se alegar que o perito do Juízo foi negligente e destituí-lo.
Se isto acontecer mais de uma vez, o perito do Juízo pode não ser mais indicado e perder o
“emprego”, além de passar por constrangimento.
Colegas peritos médicos façam, portanto, a avaliação ambiental, sempre.
“RESOLUÇÃO CFM nº 1.488/1998 (Publicada no D.O.U.,de 06 março 1998, Seção I, pg.150 ) Modificada pela Resolução CFM n. 1.810/2006 Modificada pela Resolução CFM nº 1.940/2010 ... Art. 2º - Para o estabelecimento do nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, além do exame clínico (físico e mental) e os exames complementares, quando necessários, deve o médico considerar: I - a história clínica e ocupacional, decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação de nexo causal; II - o estudo do local de trabalho; III - o estudo da organização do trabalho; IV - os dados epidemiológicos; V - a literatura atualizada; VI - a ocorrência de quadro clínico ou subclínico em trabalhador exposto a condições agressivas; VII - a identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos, estressantes e outros; VIII - o depoimento e a experiência dos trabalhadores; IX - os conhecimentos e as práticas de outras disciplinas e de seus profissionais, sejam ou não da área da saúde.”
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24. Quesitos complementares
Ao apresentar o laudo, provavelmente o perito do Juízo desagrada a uma das partes, às vezes
desagrada as duas partes.
As partes, então, apresentam quesitos complementares.
Sres. Peritos, façam laudos curtos, objetivos, fundamentem apenas o necessário, não mostrem
todo o seu conhecimento no laudo inicial, deixem o melhor para apresentar no momento em
que receberem os quesitos complementares, neste momento sim, sejam contundentes ao
máximo, para não deixar margem alguma para questionamento.
Se agirem desta maneira o processo será ágil, como é interesse de todos, especialmente do
Juízo, que não deseja ficar com a pauta obstruída por laudos inconclusivos e ou pouco
fundamentados.
Quando o perito não consegue fundamentar seus pontos de vista, especialmente nas
respostas complementares, com o tempo ele deixa de ser indicado e sua carreira desmorona.
25. Indexação
A fundamentação dos Laudos deve ser com literatura indexada. Quando há uma lei brasileira que versa sobre o assunto a ser avaliado, como as NRs, artigos
anexos ao INSS, por exemplo, estes são o padrão ouro, se não houver, devemos buscar jurisprudência, artigos na OMS, OIT e nas grandes universidades. Diante da enorme quantidade de “fakes” contidas na internet, temos que tomar muito cuidado com a
fundamentação.
26. Demandas mais comuns
Na minha experiência pessoal, atendi a demandas muito variadas, como doenças
osteomusculares, doenças do ombro, especialmente tendinite de supra espinhoso, doenças de
coluna vertebral, especialmente hérnia de disco, espondilose, espondilolistese, perda auditiva,
doenças psiquiátricas, depressão, alcoolismo, adição, reação aguda ao estresse, artrite
reumatóide, alopécia, colesteatoma, esclerose múlipla, fibromialgia, gota, hérnia inguinal,
prolapso mitral, tromboembolia pulmonar, toxoplasmose, asma ocupacional, silicose,
acidentes típicos, entre muitos outros.
27. Concausa
A definição de concausa passa pelos critérios de Schilling: “Schilling
Na lei 8213 de 91 e o decreto 3048 de 06.05.1999, os seguintes aspectos
conceituais são apresentados:
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Classificação proposta por Schilling, abrangeriam:
Grupo I: Doenças em que o Trabalho é causa necessária, tipificadas pelas “doenças profissionais”, strictu sensu, e pelas intoxicações profissionais
agudas. Grupo II: Doenças em que o Trabalho pode ser um fator de risco,
contributivo, mas não necessário, exemplificadas por todas as doenças “comuns”, mais freqüentes ou mais precoces em determinados grupos
ocupacionais, e que, portanto, o nexo causal é de natureza eminentemente epidemiológica. A Hipertensão Arterial e as Neoplasias Malignas (Cânceres),
em determinados grupos ocupacionais ou profissões constituem exemplo típico.;
Grupo III: Doenças em que o Trabalho é provocador de um distúrbio latente, ou agravador de doença já estabelecida ou pré-existente, ou seja, concausa, tipicadas pelas doenças alérgicas de pele e respiratórias e pelos distúrbios
mentais, em determinados grupos ocupacionais ou profissões.”
De forma simplificada, concausa é quando o trabalho desencadeia doença latente, quando piora doença preexistente ou quando concorre com outros fatores para causar doença que não existia. Quando não há risco, não pode haver nexo e não pode haver concausa. O conceito de concausa é bem descrito pela Classificação de Schilling, porém, para haver concausa, sempre tem que haver risco, qualquer que seja o tipo de concausa, sempre haverá risco envolvido. Alguns peritos do Juízo consideram a concausa menos grave que a causa, há até os que tentam porcentualizar a concausa, porém este raciocínio não é correto. Se há risco é por que ele não foi mitigado, pode-se, então, inferir culpa, à ré. Este raciocínio é complementado por outro fator: se determinado risco causou ou agravou determinada doença, provavelmente o portador desta doença está inapto para exercer a mesma função, definitivamente. A incapacidade laboral é diretamente proporcional à intensidade do risco ambiental provocador de doença, seja por causa ou por concausa. Desta forma, concausa não é menos grave do que a causa, do ponto de vista processual, pois gera 1. culpa, 2. lucros cessantes, 3. danos morais, 4. estabilidade acidentária, entre outros, portanto, indenizações "polpudas". O perito do Juízo deve se atentar que concausa é o mesmo que nexo causal pleno, do ponto de
vista indenizatório.
28. Conclusão
As singelas observações colocadas neste capítulo não pretendem de forma alguma esgotar o
tema referente às perícias médicas trabalhistas, mas apenas clarear aspectos que tangem esta
prática médica.
Erro comum a quem adentra este ramo da medicina é achar que se trata de tarefa simples,
fácil.
Espero que, com os conceitos que discuti acima, tenha ficado claro que a perícia médica
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judicial é extremamente complexa, é uma interface entre a medicina e o direito, o perito
médico deve ter conhecimento aprofundado nas duas áreas, tem que ser estudioso e ter
habilidade para escrever corretamente.
Os bons peritos médicos são desprovidos de ideologias, são pessoas íntegras, de sensibilidade
e conhecimento profundos.