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  • PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ADMINISTRAO PROPAD MESTRADO EM ADMINISTRAO

    DISCIPLINA: Teorias Organizacionais

    PROF(A): Lilian S. Outtes Wanderley, PhD

    ALUNO(A): Rosamaria B. Lucena

    TEORIAS ORGANIZACIONAIS: REFLEXES PS-DISCIPLINA

    INTRODUO

    H um ditado que diz: a primeira impresso que a fica. Em busca de uma

    primeira impresso positiva, candidatos escolhem cuidadosamente o que vestiro numa

    entrevista, hospitais embelezam os sagues de recepo e empresas investem em nomes de

    produtos e slogans que sejam impactantes.

    Infelizmente, quando um estudante de ps-graduao descobre que ir estudar

    Teorias Organizacionais (TO) a reao inicial no costuma ser de alegria. Talvez haja um

    suspiro resignado, uma expresso inquisidora. Normalmente no gostamos da palavra

    teoria: o senso comum atribui a ela pouco valor, afirmando que na prtica, a teoria

    outra. Assim, compreensvel o nimo reduzido.

    Para os egressos da graduao em Administrao, falar em TO pode fazer lembrar

    (talvez sem grande saudade) do incio do curso, quando ento desfilava um conjunto quase

    infindvel de nomes, concepes, esquemas. No ensino fragmentado que existe atualmente h

    pouca integrao entre as disciplinas e, ao final, difcil estabeler conexes no contedo e

    visualizar o todo administrativo (NICOLINI, 2003).

    No curso que fiz (Sistemas de Informao) o cenrio era ainda mais complexo: o

    contedo relacionado Administrao por vezes parecia perdido e inadequado em meio a

    linguagens de programao e modelagem de entidades. Para muitos que pretendiam seguir

    carreira como desenvolvedores ou administradores de bancos de dados, estudar sobre os

    experimentos de Hawthorne ou desvendar os ps de Marketing soava como pura perda de

    tempo.

    Para mim, entretanto, estes eram momentos interessantes: trabalho desde cedo, em

    empresas de porte razovel, sempre em rea-fim (nunca no setor de Tecnologia da

  • Informao). Assim, os meus dilemas dirios tinham mais a ver com as dicotomias de uma

    organizao do que com falhas de hardware ou software. E, vez por outra, as aulas me

    proporcionavam algum insight til.

    Penso que foi assim que gostei de Administrao tanto que agora estou iniciando o

    mestrado na rea. Enxerguei a relevncia do tema para o meu cotidiano, pude utilizar minhas

    experincias como matria-prima e aplicar o conhecimento adquirido. Quando se fala em

    aprendizagem de adultos, estes so requisitos essenciais (KNOWLES, 1984).

    Ento, no primeiro semestre do mestrado, me deparo com a disciplina obrigatria de

    Teorias Organizacionais. Ao longo das prximas pginas segue um relato pessoal sobre a

    experincia deste estudo: sua importncia, as dificuldades vivenciadas e algumas reflexes

    resultantes do aprendizado.

    POR QUE ESTUDAR TEORIAS ORGANIZACIONAIS?

    Se sua reao ao ouvir falar de Teorias Organizacionais foi negativa, saiba que

    estud-las pode ser mais til e interessante do que parece primeira vista. A palavra teoria

    talvez lhe parea distante: voc prefere ir direto ao ponto. Mas a prtica possui teorias

    subjacentes (ou ocultas), mesmo que no perceba. Segue um exemplo, mencionado em Grey

    (2009): um gerente obriga o funcionrio a ficar no trabalho at o ltimo instante (possvel

    teoria: preciso mostrar s pessoas quem manda). Quando se fala de teorias organizacionais,

    a prtica das organizaes foi a matria prima para sua elaborao (CUNLIFFE, 2008).

    Estudar TO ser apresentado a um conjunto de teorias e modelos que tentam

    explicar como as organizaes funcionam e se relacionam com o meio (GREY, 2009).

    Normalmente no pensamos muito sobre elas, a no ser quando temos um problema

    (CUNLIFFE, 2008). Mas, uma vez que estamos rodeados de organizaes (poderamos at

    dizer que estamos imersos), por que no compreend-las, ou mesmo modific-las?

    Longe de apenas pensar em termos de eficincia, eficcia e rentabilidade, o contato

    com as teorias organizacionais podem ampliar a forma como voc enxerga a organizao:

    porque o trabalho feito desta forma? Eficincia por qu? Para quem? A que preo (GREY,

    2009)?

    Retomo o que falei a respeito da minha vivncia nas empresas: os estudos de TO

    proporcionam vrias lentes, teis para enxergar o ambiente ao redor (CUNLIFFE, 2008). No

    h solues mgicas: apenas um conjunto de ferramentas que ajudam a compreender

    situaes complexas, identificar problemas e criar alternativas.

  • Se voc pretende seguir a carreira acadmica, a utilidade da disciplina permanece: as

    universidades (centros de pesquisa, institutos de financiamento, etc) tambm so

    organizaes, sujeitas aos mesmos conflitos e dificuldades de uma empresa tpica. A prpria

    histria da cincia indica que h uma srie de fatores envolvidos nos acontecimentos, alm do

    interesse cientfico (KUHN, 1975).

    Em vez de ouvir novamente sobre as bases e as disfunes da burocracia, voc pode

    acabar descobrindo suas contradies. Ou entender como a preocupao excessiva com os

    meios est relacionada ao Holocausto (GREY, 2009). Longe de ser meramente uma discplina

    de Administrao, o estudo de TO est relacionado a diversas reas do conhecimento.

    Podemos destacar algumas: psicologia, sociologia, economia, dentre outras.

    Uma recomendao: no espere por uma resposta nica ou pela soluo mgica.

    As organizaes so complexas, tais como as pessoas que a compem. Espere, sim, por

    horizontes ampliados e questes difceis, mas de investigao bastante interessante.

    VIVENDO A DISCIPLINA

    Uma observao: originalmente o nome que dei a esta seo foi Sobrevivendo

    disciplina. Depois de refletir um pouco percebi que sobreviver apenas no basta: necessrio

    viver. E explico o porqu.

    Longe de mim sugerir que durante os estudos voc precisa se isolar, esquecer

    famlia, amigos, horas de sono e alimentao decente. Viver a disciplina aqui no tem o

    sentido de fazer dela a sua vida, por mais que isto s vezes seja necessrio. exatamente o

    inverso: significa trazer a sua vida para a disciplina. O aprendizado ser muito mais rico se

    voc conseguir associar suas experincias s teorias, questionando solues simplistas ou

    utpicas, reavaliando opinies e preconceitos.

    No se sinta obrigado a concordar com tudo o que l: o prprio autor, anos depois,

    pode discordar dele mesmo. Por outro lado, obrigue-se a entender a ideia, o que h por trs

    dela, como a biografia do autor influencia em suas ideias, qual o papel do financiador do

    estudo nas concluses... Esta mania de questionamento se torna automtica depois de um

    tempo. H alguns dias ouvia meu irmo comentar sobre um artigo que afirmava a inutilidade

    das campanhas de desarmamento no combate violncia. Meu primeiro pensamento foi:

    quem patrocinou o estudo?.

  • Reserve tempo para leituras: cada texto levar algumas horas para ser lido,

    compreendido e digerido. No se trata apenas de memorizar o contedo, mas absorv-lo,

    posicion-lo num contexto geral, conect-lo a outros autores e correntes de pensamento, s

    suas prprias experincias. Isto no se faz em trinta minutos.

    Se tem dificuldades com ingls, defina rapidamente qual ser sua estratgia. Sugiro

    algumas: obter um bom programa de traduo, solicitar o auxlio de um amigo (ou vrios) que

    tenham facilidade com o idioma ou simplesmente reservar mais tempo para a leitura do

    original.

    O QUE VI E APRENDI

    A carga de leitura de uma disciplina de Teoria Organizacional enorme. H quem

    conte histrias de ter lido cerca de 30 livros em poucos meses, perdido noites de sono

    debruando-se sobre infindveis artigos, etc. No meu caso, foram dois livros: Motta e

    Vasconcelos (2006) e Chris Grey (2009). O primeiro, de Motta e Vasconcelos (2006), j era

    conhecido de alguns, que o utilizaram na graduao. A segunda obra, de Chris Grey (2009),

    era a novidade: um livro pequeno, com capa estranha, com um aspecto quase infantil. No

    contedo, questionamentos, crticas e uma realidade que costuma passar longe dos textos de

    Administrao.

    Alm destes, exploramos artigos seminais da rea: trabalhos de Taylor, Fayol, Mayo,

    Weber, Burns, Lindblom, dentre outros. Ter contato com os escritos originais nos faz lembrar

    da brincadeira de telefone sem-fio: h uma srie de nuances que so perdidas quando

    acessamos a informao atravs dos livros-texto, apenas. Ainda que tenhamos diversas

    crticas aos trabalhos ou simplesmente no concordemos com eles, por razes ligadas

    personalidade ou ao nosso background, conhec-los vlido.

    Mas no s de textos feita uma disciplina: filmes podem trazer aprendizado e

    reflexo. Assisti dois: El Metodo (2005), em sala de aula; Inside Job (2010) e The

    Corporation (2003), em casa. Este ltimo conseguiu abalar meu otimismo (mais sobre isto

    adiante).

    Na ltima semana de aulas a proposta foi diferente: explorar alguns temas

    tranversais. Debatemos sobre Poder, Controle, Identidade e Insegurana, seu inter-

    relacionamento e as implicaes para a Administrao. A organizao se tornou, ento, palco

    de disputas de poder, criadora de instabilidade e cenrio para (re)construo de identidades.

    Embora a busca pelo lucro permanea, deixa de ser o nico enredo da organizao.

  • Durante todo o percurso, os debates em sala de aula foram cruciais: a juno de

    pessoas com diferentes experincias, idades e formaes permitiu a troca de ideias e o

    aprendizado conjunto. Em diversas ocasies o assunto obscuro no papel se tornou claro aps

    as falas, adendos e intervenes dos colegas.

    Todos estes insumos geraram reflexes, insights e aprendizado. Obviamente, no

    sero os mesmos para todos. Escrever estas linhas foi um ato rodeado de incerteza: deveria

    fazer um apanhado de todas as teorias que vi em sala de aula, recheado de citaes? Ou um

    resumo dos tpicos quentes? Quem sabe um dirio de bordo, cronolgico, com os debates

    de cada dia?

    Acabei decidindo utilizar a subjetividade, questionando a mim mesma: Quando

    penso nos temas que abordamos durante a disciplina, o que me vem mente?. Surgiram

    diversas respostas, que condensei em tpicos, descritos abaixo. Longe de representarem tudo

    o que foi debatido ou aprendido, eles constituem aquilo que est vvido em minha memria:

    so o meu legado particular da disciplina de TO.

    Gerencialistas e Crticos

    Identificar quem sou eu foi o primeiro benefcio que a disciplina me trouxe. Os

    estudiosos de TO podem ser divididos em dois grupos: gerencialistas e crticos. Os primeiros

    enxergam a organizao com um nico objetivo: administr-la da forma mais eficiente

    possvel, alinhado com os interesses dos altos escales. O segundo grupo est interessado em

    compreender a organizao, sem o compromisso de maximizao de lucros e recursos, com

    alguma preferncia pelo estudo dos gerenciados (GREY, 2009).

    Dada a minha formao e o tempo de trabalho no mercado, em diversos momentos

    eu me reconheo como gerencialista. Ouo as contestaes ao sistema e penso em como (e

    se) poderia ser diferente. Acredito que, por mais que se possa criticar, ainda h um trabalho a

    ser feito: os resultados importam e penso serem vlidos os esforos para melhor-los. No

    estou s (parece-me at que esta a escolha tpica dos estudantes de exatas): Malanovicz

    (2010) relata a mesma identificao, quando descreve sua vivncia como estudante de TO.

    Lembro da aula em que abordamos uma obra de Ramos (1981): minha reao inicial

    foi um certo choque, seguido de estranheza, e depois reflexo. Depois de ler a descrio das

    diversas formas de controle do indivduo pela organizao, aposto que nunca mais olhar da

    mesma forma para o pacote de benefcios oferecidos por uma empresa. As falas neste dia

    foram crticas ferrenhas ao modelo de obteno de lucro, explorao do trabalhador, etc.

  • Pareciam frases que eu j tinha ouvido nas organizaes em que trabalhei, proferidas por

    pessoas que nunca completavam uma tarefa apropriadamente. Desnecessrio dizer que meu

    lado gerencialista ficou bastante agitado.

    Por outro lado, concordo com Grey (2009), quando ele afirma que a organizao

    muito mais complexa do que enxergam os gerencialistas. No h apenas a busca pelo lucro.

    No basta implantar um novo arranjo organizacional ou um novo software para garantir os

    resultados. No h exatido ou garantias: prometer sucesso e eficincia temerrio. O que

    temos a iluso de controle, nunca o controle total.

    Passar de um paradigma a outro uma mudana radical. Introduzir a pedagogia

    crtica uma iniciativa desafiadora, como relatam Paula e Rodrigues (2006). No estou certa

    de que farei esta transio completamente, mas penso que da aproximao e do dilogo entre

    vises e paradigmas podem surgir ideias diferentes e uma ampliao do que se compreende a

    respeito das organizaes.

    Teoria Clssica e Administrao Cientfica

    Os trabalhos de Taylor, Fayol e Ford j eram meus velhos conhecidos da poca da

    graduao e dos diversos concursos prestados. A novidade foram as consequncias da

    instituio das fbricas e diviso do trabalho, a saber: o estranhamento do indivduo em

    relao ao objeto (no h vnculos fortes entre ele e o fruto de seu esforo), ao consumidor

    (no conhece mais o seu pblico) e aos pares (se antes os colegas de trabalho eram familiares,

    agora as relaes obedecem hierarquias formais). A relao entre o trabalho e a identidade do

    indivduo alterada (MARX, 2004).

    No entanto, cabe ressaltar que a separao entre aquele que planeja e aquele que

    executa, defendida pela Administrao Cientfica, no era de todo negativa: embora

    paternalista, impunha a responsabilidade sobre os resultados para o gerente. Por exemplo: se o

    empregado cumprisse fielmente as ordens mas no atingisse os objetivos, ou se acidentasse, a

    culpa seria imputada a quem desenhou a atividade (GREY, 2009; MOTTA e

    VASCONCELOS, 2006).

    Em relao a esta fidelidade s normas, os estudos de Administrao reconhecem

    que nunca ser absoluta. A minha experincia anterior com TO havia deixado a impresso de

    que os trabalhos da rea tinham como meta o cumprimento rigoroso. Para mim foi uma grata

    surpresa conhecer o fenmeno de dissociao (decoupling): a distino entre as normas e a

    prtica administrativa (MOTTA e VASCONCELOS, 2006).

  • Teoria das Relaes Humanas (TRH): uma nova forma de lucrar

    One best way. Operrio com pouca (ou nenhuma) capacidade de deciso: apenas um

    brao eficiente. Comando centralizado. Dividir para conquistar. E ento, lucro mximo. S

    que a realidade se mostrou bastante diferente: seres humanos esto imersos em grupos, tm

    motivaes, conflitos, vontades. As recompensas financeiras e regulamentos estritos no

    levaram exatamente aos resultados esperados.

    Tais dificuldades levaram ao desenvolvimento da Teoria das Relaes Humanas

    (TRH). Lembro de ter apresentado um seminrio na graduao sobre o tema. poca, depois

    do mecanicismo da Administrao Clssica, para mim foi um alento ver o ser humano

    retratado nos textos. No entanto, nos estudos de TO ficou claro que o olhar sobre o homem

    aqui no despido de altrusmo: apenas a nova forma de obter lucro.

    Uma das crticas TRH justamente a manuteno da viso instrumentalista do

    indivduo, diferindo da Administrao Clssica apenas sob o aspecto da execuo - se esta

    ignora os relacionamentos humanos, aquela utiliza-os para controlar a organizao (MOTTA

    e VASCONCELOS, 2006; GREY, 2009).

    Holocausto e a lenda da Burocracia

    Novamente, tive a oportunidade de desfazer mal-entendidos da graduao: Weber

    no era um defensor da organizao burocrtica pelo contrrio: preocupava-se com a

    proliferao delas e apontava suas contradies. Para citar uma: embora a bucocracia seja

    concebida sobre o pressuposto da racionalidade humana, ela subtrai a capacidade de pensar

    daqueles que pertencem aos escales mais baixos da organizao - h uma racionalidade

    sistmica mas no h racionalidade individual.

    Outro paradoxo da preocupao com os meios, enquanto os fins podem permanecer

    imunes a questionamentos. A burocracia possui racionalidade formal (meios) mas pode

    ignorar a racionalidade substantiva (fins). Neste ponto, Grey (2009) faz uma associao dela

    com Holocausto: este seria uma espcie de obra-prima macabra da burocracia. Sua

    neutralidade, busca pela eficincia e diviso de tarefas poderiam caracteriz-lo como um

    grande feito administrativo. A separao radical entre meios e fins teve consequncias

    nefastas: debruando-se mais tarde sobre o julgamento de um coronel nazista, Hannah Arendt

    (2013) o caracteriza como um zeloso cumpridor de ordens.

  • No entanto, a burocracia no exatamente um vilo a ser combatido. O respeito a

    regras traz benefcios, sendo um deles a diminuio de riscos. O documentrio Inside Job

    (2010), apresenta brilhantemente como a falta de regulamentao da indstria financeira foi

    causadora da crise internacional de 2008. Flexibilizar tem um preo, s vezes alto demais.

    Um ponto interessante da burocracia o estudo das suas disfunes: o modelo

    apresentado por Weber o tipo ideal. Na prtica, a burocracia se transforma uma lenda:

    qualquer empregado sabe que se cumprir apenas o que est nos regulamentos, atendo-se s

    funes descritas em seu contrato de trabalho, a organizao ir parar. A avaliao de

    resultados e mecanismos de recompensa no so impessoais, situaes imprevistas sempre

    acontecero, o fenmeno de dissociao (decoupling) real.

    The Corporation (2003)

    Os livros-texto tradicionais sobre Organizaes deixam de lado uma srie de questes.

    Quando falam de terceirizao como forma de maximizar os lucros, raramente abordam as

    condies de escravido dos trabalhadores nos pases subdesenvolvidos. Quando tratam da

    marketing, no mencionam as tcnicas semelhantes a lavagem cerebral. Falam de manuteno

    da imagem: esquecem a manipulao da informao.

    Todos estes temas, e mais alguns, aparecem neste documentrio de 2003, produzido

    no Canad. The Corporation um filme denso, que toca em questes nevrlgicas das

    corporaes. Para incio de conversa: qual a razo da existncia de uma pessoa jurdica?

    Isentar seus dirigentes de responsabilidade?

    Se as corporaes fossem seres humanos, seriam diagnosticadas como psicopatas:

    esta a premissa do filme. As organizaes danosas no so mas podres: so a regra

    neste meio. Estudos recentes apontam que a frequncia de psicopatas entre os executivos 4

    vezes maior do que na populao em geral (DUTTON, 2012). Suspeita-se que boa parte das

    fraudes cometidas por executivos seja obra de psicopatas.

    O filme constri um cenrio pessimista: o governo seria um mecanismo para exercer

    algum controle sobre estas organizaes, mas seu poder agora limitado, uma vez que as

    corporaes no conhecem fronteiras. A mdia poderia ser um instrumento no combate aos

    abusos, mas a ameaa de cortes de patrocnio cala jornalistas e emissoras. Quem resta? A

    academia? Ora, ela no debate tais assuntos.

    A Teoria da Ecologia Populacional afirma que o ambiente seleciona as organizaes

    (MOTTA e VASCONCELOS, 2006). Mas as grandes corporaes se tornam o prprio

  • ambiente, com influncia para mudar as regras do jogo em seu favor: pressionar governos,

    instituies reguladoras, empresas concorrentes. O poder de atuao contra elas

    drasticamente reduzido.

    Assistir este documentrio me deixou sem nimo para assistir a aula seguinte. Em

    alguma ocasio foi mencionado que a misso da disciplina de TO fazer os alunos retirarem

    os culos cor-de-rosa. Sei que a retirada um processo: para mim seu pice ocorreu aps

    The Corporation. Passei a questionar: por que estudamos?, para quem trabalhamos?,

    o que possvel fazer?. As grandes corporaes so conduzidas revelia do conhecimento

    cientfico. No entanto, todos somos objetos das externalidades: consequncias para um

    terceiro, que estava ausente (e inconsciente) das decises.

    Num trecho do filme abordada a questo do trabalho escravo: uma adolescente

    explorada na Amrica do Sul vai aos EUA para expor publicamente a situao dos

    trabalhadores terceirizados. Quando o problema ganha rosto e voz, algumas providncias so

    tomadas: no a revoluo, mas uma mudana.

    Entretanto, o anonimato e a ignorncia persistem. Lembrei dos estudantes de

    graduao em Administrao, defendendo a busca pelo lucro, pensando em responsabilidade

    social como uma forma de melhorar a imagem da empresa (e cortando os recursos quando h

    crise), desenvolvendo estratgias de marketing sem questionar o produto que vendem.

    Lembrei de mim, inconsciente dos problemas do lixo tecnolgico. Como resolver problemas

    que sequer so enxergados? No possvel solucionar o que no se reconhece.

    Em outro trecho do documentrio, so mostradas algumas das milhares de vtimas do

    Agente Laranja, um composto qumico utilizado pelos EUA para exterminar plantaes no

    Vietn: crianas incapazes de andar, falar, enxergar. Em vez de pensar nos soldados que

    disseminaram o produto, pensei nos cientistas que o desenvolveram: em algum momento

    imaginaram as consequncias de seu trabalho? Foram apenas pagos para mesclar elementos?

    Separaram radicalmente os meios dos fins?

    Bem, a mensagem da ltima seo do filme traz alguma esperana: possvel

    conseguir avanos atuando nas margens. As formas so diversas: educao, legislao,

    regulamentao, divulgao, etc. So mostrados cases de sucesso: a vitria da populao

    de Chochabamba sobre a companhia privatizada de gua; a derrubada da lei que impedia

    agricultores de guardarem sementes na ndia; uma empresa que caminha no rumo da

    sustentabilidade; dentre outros.

  • E ento, h uma fala de Noam Chomski que lembra os estudos da Teoria

    Institucional: as corporaes no esto gravadas em pedra, elas so uma construo social:

    podem ser mudadas.

    Administrao um eterno fracassar

    Em minha experincia profissional pude testemunhar o trabalho de algumas

    consultorias, que traziam frmulas, tcnicas e solues para os problemas da empresa. Na

    primeira vez em que isto aconteceu, me recordo de t-los recebido com interesse e algum

    entusiasmo: no compreendia porque os funcionrios mais antigos no faziam o mesmo.

    Atribu esta postura acomodao que costuma ocorrer aps muitos anos passados no mesmo

    lugar.

    Houve reunies, planejamentos, discusses. S o que no houve foi o resultado

    esperado: inicialmente houve frutos (com vida curta) e depois, novos problemas.

    Desnecessrio dizer que a minha empolgao com a equipe de consultoria seguinte j no foi

    a mesma: me juntei turma dos descrentes.

    Eu atribu o baixo desempenho incompetncia dos consultores. Hoje percebo que o

    problema bem mais complexo: para alm de questes como o correto diagnstico da

    situao, a adequao das tcnicas realidade organizacional, os fatores humanos de

    resistncia e acomodao (dentre outros, inclusive incompetncia), h trs itens que no

    podem ser ignorados a nossa limitada capacidade de deciso, o tempo e as consequncias

    no-intencionais.

    Em relao primeira, antes de TO eu conhecia apenas um modelo para tomada de

    deciso (hoje sei que ele tem nome: racional). Ele consiste em diagnosticar o problema,

    levantar as hipteses de ao, avaliar as alternativas, escolher a melhor dentre elas. o

    processo ideal, adequado em algumas circunstncias. Mas a realidade da maioria das escolhas

    envolve fatores que no esto contemplados neste esquema.

    O ser humano possui uma capacidade limitada de processamento de informaes:

    ento, ns ficamos inclinados simplificao. Uma deciso radical vai levar a consequncias

    inditas, ento a nossa averso natural ao risco tende a nos levar para solues prximas ao

    que j foi implementado, especialmente quando h prejuzos relevantes em jogo. Nunca (ou

    quase nunca) conseguiremos coletar toda a informao relevante para a tomada de deciso.

    Obrigada, Lindblom, por nos lembrar disto.

  • Em vez de prescrever um forma de tomar decises, Lindblom (1959) preferiu

    observar como os gestores pblicos lidam com as escolhas. Ele destacou alguns pontos: a

    mudana incremental a mais comum; facilmente desconsideramos opinies de especialistas

    acadmicos (porque, apesar de especialistas, eles no conhecem a nossa realidade); nenhuma

    poltica (ou ao, em sentido geral) a soluo final para um problema.

    Note que isto no uma defesa do desleixo ou da negligncia: apenas o

    reconhecimento de que, praticamente, no h deciso tima h decises boas (e pssimas

    tambm). Alm disto, uma vez que as organizaes existem no tempo, a soluo de hoje

    poder ser parte do problema de amanh. A tomada de deciso dar origem a consequncias

    inesperadas, que exigiro uma nova escolha, que geraro novas consequncias e assim por

    diante. Somos fadados ao fracasso, hoje ou amanh. A nica certeza a mudana (e a morte

    do indivduo). Na esperana de solues definitivas, compramos a iluso vendida por gurus e

    consultores.

    E o inesperado no ocorre apenas porque o clima ou o ambiente externo

    imprevisvel ou fora de alcance: as pessoas constituem o cerne desta incerteza. Elas no

    podem ser completamente controladas (GREY, 2009): nunca possvel excluir totalmente o

    poder de agir, nem mesmo na burocracia mais estrita (quantos morreram por se recusar a

    tomar parte no regime hitlerista?). Reconhecer que o inesperado no a exceo, e sim a

    regra, alivia boa parte da presso por uma organizao perfeita.

    Outra consequncia a anlise mais criteriosa das propostas de mudana: nos

    tornamos mais cticos quanto solues mgicas e definitivas. Passamos a nos preocupar

    com o ciclo da mudana em seu todo: seus antecedentes e consequentes. Com menos f nas

    tcnicas, podemos contemplar outros ngulos interessantes da organizao.

    Sou especialista em gerenciamento de projetos e uma das crticas literatura desta

    rea a de que ela excessivamente positivista. Em linhas simples: ela afirma que se voc

    cumprir risca tudo o que a tcnica (PMBok) prev, o seu projeto ser bem-sucedido. Se

    ele fracassar, porque voc no cumpriu a tcnica.

    No entanto, em vez da autoiluso de controle, prefervel adotar a postura alerta de

    quem reconhece que, por exemplo, impossvel identificar todos os riscos envolvidos num

    projeto, no importa quantos questionrios sejam aplicados ou quantas sees de

    desenvolvimento participativo sejam promovidas. Sempre haver o inesperado.

  • Teoria Institucional. Ou porque voc no to livre quanto pensa

    Eu no tinha expectativas quanto disciplina de TO, exceto uma: descobrir o que era

    a Teoria Institucional. Explico: num congresso onde apresentei um trabalho tempos atrs,

    houve uma questionamento ao qual eu no soube responder. A professora que conduzia as

    discusses tentou ajudar: talvez a teoria institucional possa explicar.... Eu sorri, afirmei

    positivamente com a cabea e ento parei. Ela queria uma continuao. Eu no tinha o que

    dizer.

    A institucionalizao o processo atravs do qual se constrem as verdades. Sim, a

    verdade pode ser entendida como uma construo. Quando voc nasce, nada entende sobre o

    funcionamento da sociedade: algum lhe diz que no pode brincar com bonecas porque voc

    um menino. Voc aceita. Muito tempo depois, talvez voc entenda as origens daquela

    proibio: ela est mais ligada cultura do que biologia ou a alguma lei incontestvel.

    como ser recm-chegado numa empresa: tudo o que est l inicialmente aceito

    como verdade. Mesmo que no seja aceito, no abertamente contestado. Com o passar do

    tempo, os mecanismos que levaram quela situao vo sendo revelados: aquilo que era

    imutvel se revela como nada mais do que a vontade de um, ou de um grupo (por exemplo).

    A teoria institucional se preocupa com os mecanismos de criao e

    institucionalizao de modelos num determinado setor (MOTTA e VASCONCELOS, 2006).

    Como um modelo se torna institucionalizado e outro, no? O que est por trs da adoo de

    determinadas tcnicas? Quem so os favorecidos pelos modelos institucionalizados?

    No a pura racionalidade que guia as aes da organizao. Aes so tomadas em

    resposta influncia de governos, instituies certificadoras e bancos, num esforo de

    conseguir a legitimao perante o ambiente. As instituies concorrentes tambm podem

    servir de guia, numa reao em cadeia: o mimetismo organizacional, quando uma

    organizao adquire modelos de outras, adaptando-o sua realidade (MOTTA e

    VASCONCELOS, 2006).

    Dzias de livros so produzidos a cada ano inspirados pelo mimetismo

    organizacional: so os ttulos que trazem os segredos de empresas como Apple, IBM,

    Hewlett-Packard, Magazine Luiza, Casas Bahia. o mote de consultores, que prometem

    replicar tcnicas bem-sucedidas anteriormente em um novo cenrio.

    No entanto, esta replicao nunca perfeita. Temos ento algumas consequncias,

    conforme explicam Motta e Vasconcelos (2006): a primeira o decoupling, mencionado

    anteriormente, que reconhece a distncia entre teoria e prtica. Outros so a tolerncia

  • infrao regra (j que elas no so adequadas) e as auditorias e controles que no cumprem

    seu papel (so apenas rituais).

    O estudo de organizaes maior do que a empresa

    Temas marginais sempre me atraram. Enquanto todos gostavam de planejamento de

    redes, eu queria entrevistar usurios. Trabalhar no atendimento de um banco e virar gerente

    era a regra: me mudei para os bastidores. Enxergar a tecnologia como soluo? No, as

    solues esto nas pessoas.

    Estes hbitos pouco ortodoxos de pensar foi transferida para meus interesses de

    pesquisa: em vez de estudar grandes empresas, prefiro micro e pequenas. E por que se limitar

    a empresas? Onde esto as ONGs, as fundaes, os empreendimentos sociais? Por que

    entrevistar os gerentes? E os trabalhadores do cho de fbrica? E os desempregados? E os

    empreendedores que faliram?

    Mesmo assim, os trabalhos que exploramos na disciplina de TO trouxeram surpresas:

    um estudo sobre as consultoras da Natura (VASCONCELOS e VASCONCELOS, 2003),

    quando estudvamos identidade; outro sobre os trabalhadores terceirizados de tribunais de

    justia (COSTA, 2007); um relato sobre os dilemas de um grupo de um programadores

    repentinamente despido de status e reconhecimento (VASCONCELOS e VASCONCELOS,

    2001).

    Ento, para mim ficou claro o quo amplos os estudos organizacionais podem ser.

    Tenho me e tia que poderiam ser sujeitos de pesquisa dos artigos que mencionei (Natura e

    terceirizao). Jamais havia me ocorrido que isto seria possvel. Podemos ir muito alm de

    descobrir estratgias para garantir mais ativos no balano financeiro.

    CONCLUSO

    Depois de algumas noites em claro e muitas xcaras de caf, a disciplina termina. E

    ento voc vai se perguntar se conseguiu fazer tudo o que devia. A resposta , quase

    certamente, no.

    Especialmente para quem iniciou a disciplina sem bagagem prvia, impossvel

    compreender a fundo todas as teorias estudadas, as diversas perspectivas e escolas. Quem j

    passou por TO diversas vezes (na graduao, mestrado e doutorado) relata que as coisas s

    comearam a fazer sentido l pela terceira vez. Mas fuja da pretenso de um entendimento

  • absoluto das organizaes: uma vez que so compostas por pessoas, a complexidade

    inerente e indissocivel.

    A compreenso no envolve apenas memorizar os trabalhos dos autores. Requer

    reflexo, maturidade, tempo. Pode implicar, inclusive, em alteraes na identidade: qualquer

    que seja o nosso papel (consultor, empreendedor, professor), estudar as organizaes tem

    repercusso no modo como nos relacionamos com elas.

    Um exerccio interessante o de procurar lacunas nas pesquisas. No pelo simples fato

    de expandir o que foi feito, sem contestar o que j est estabelecido. Mas sim, para tentar

    trazer para os estudos a multiplicidade de contextos que existem no mundo l fora. Nem

    tudo foi dito ainda.

    Por fim, um desafio: sabe-se que h fome, falta de acesso gua, violaes aos

    direitos humanos, etc. Se compreendemos que o mundo em que vivemos no possvel sem

    as organizaes, questione-se: qual o papel delas nisto? Qual o seu papel?

    REFERNCIAS

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    COSTA, Silvia Generali da. O pai que no o patro: vivncias de sujeitos terceirizados no

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