THE LOST EXPERIENCE- ESTRATÉGIAS DE IMERSÃO EM JOGOS DE REALIDADE ALTERNADA
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SO CARLOS - UFSCARDEPARTAMENTO DE ARTES E COMUNICAO DAC
PROGRAMA DE PS-GRADUAO E IMAGEM E SOM - PPGIS
THE LOST EXPERIENCE:ESTRATGIAS DE IMERSOEM JOGOS DE REALIDADE ALTERNADA
Dario de Souza Mesquita Jnior
So Carlos2012
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THE LOST EXPERIENCE:ESTRATGIAS DE IMERSOEM JOGOS DE REALIDADE ALTERNADA
Dario de Souza Mesquita Jnior
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Imagem e Som, na linha de pesquisaNarrativa Audiovisual, da Universidade Federal de SoCarlos, para obteno do ttulo de Mestre em Imagem eSom.
Orientador:Prof. Dr. Joo Carlos Massarolo
So Carlos2012
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Ficha catalogrfica elaborada pelo DePT daBiblioteca Comunitria da UFSCar
M582LeMesquita Jnior, Dario de Souza.
The Lost Experience : estratgias de imerso em jogos derealidade alternada / Dario de Souza Mesquita Jnior. -- SoCarlos : UFSCar, 2012.
138 f.
Dissertao (Mestrado) -- Universidade Federal de SoCarlos, 2012.
1. Jogos. 2. Ambientes virtuais compartilhados. 3.Transmdia. 4. Televiso - seriados. I. Ttulo.
CDD: 794 (20a)
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeo a Fundao de Amparo a Pesquisa do Estado de So Paulo
FAPESP pelo apoio financeiro que viabilizou o desenvolvimento desta pesquisa.
Ao meu orientador, prof. Dr. Joo Carlos Massarolo, pela amizade, confiana e troca
de conhecimento que foram essenciais para esses trs anos de trabalho intenso na pesquisa e
nos projetos do Grupo de Estudos em Mdias Interativas GEMInIS.
Aos membros da banca de qualificao, prof. Dr. Arthur Autran e prof. Dr. Hermes
Hildebrand, pelas crticas e comentrios que contriburam a enriquecer a pesquisa; e aos
membros da banca examinadora, prof. Dr. Hermes Hildebrand e prof. Dr. Rogrio Tavares,
por terem aceitado o convite de participar da avaliao deste trabalho.
Aos professores e a secretaria do Programa de Ps-Graduao em Imagem e Som,
pelas discusses empreendidas e pelo trabalho junto ao programa de mestrado.
Aos revisores, William Pianco e Francisco Trento, pelo tempo dedicado e pacincia
em revisar este trabalho, contribuindo em melhor-lo e manifestando opinies sobre seu
desenvolvimento.
Aos membros e amigos do GEMInIS, Mara Gregolin, Jnatas Kerr, Roger
Mestriner, Glauco Madeira de Toledo, Claudio Ferraraz, Pedro Dolosic, Andr Emilio,
Gilberto Junior (Giba), Gabriel Correia, Francisco Trento, Paulo Hecht, Rubens Torres,
Nayady Oliveira, Paula Ribeiro, Letcia Ferreira, Dbora Caroline, companheiros de
inusitados debates e nerdices aladas.
A todos os amigos que fiz durante este perodo em So Carlos, em especial a
Fernanda Duarte, Rodrigo Rezende, Filipe Brito, Hugo Reis, Jos Eduardo Bozicanin, Laila
Rotter Schmidt, Josette Monzani, Ana Cludia Niedhardt Capella, Pedro Varoni, LuisYasouka (Nanuke), Cristina Couto, Maria Ins Diuzeide, Milton Biscaro, Jlio Bazanni,
Thiago Pinto, Juliana Panini, Isabella Bellinger, Mirian Ou.
Aos amigos piauienses que me apoiaram durante esta jornada, Patrcia Vaz, Eduardo
Dhuba Affonso, Marco Aurlio, Edson Costa, Paulo Fernando Lopes, Rafael Machado,
Graciette Barcela, Thiago Meneses, Tahiana Meneses, Maria Ceclia Machado.
For fim, agradeo aos meus pais, Dario de Souza Mesquita e Francisca Costa
Mesquita, assim como a minha irm, Caroline Costa Mesquita, pelo apoio e confianaincondicional nestes anos.
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RESUMO
Dentre as atuais formas miditicas, o alternate reality games(ARG), ou jogo de realidade alternada, sedestaca por proporcionar uma experincia ldica com fortes qualidades imersivas. Configurando seumundo ficcional em sintonia com a realidade cotidiana, o ARG busca borrar as fronteiras entre afico e a no-fico, a fim de intensificar a experincia vivenciada pelo pblico. Nesta pesquisa soanalisadas as estratgias de imerso dos jogos de realidade alternada a partir de um estudo de The LostExperience (LTE), com o objetivo de compreender como ocorre o processo de imerso no mundoficcional criado pelo ARG. Assim, so pesquisadas as principais caractersticas que constituem osjogos de realidade alternada, partindo de seus principais preceitos estabelecidos de modo a tornaracessvel um mundo ficcional conectado o cotidiano de seus jogadores atravs da interface dos meios
de comunicao. Neste processo, o conceito de imerso problematizado, a fim de compreender aextenso que esse termo adquire diante de algumas perspectivas que denotem sua natureza. Vises queconduzem a um denominador comum que liga a noo de imerso ao prazer de estar envolvidosensorialmente, cognitivamente e emocionalmente com estmulos externos, que como respostaconduzem a aes sobre o ambiente vivenciado. As anlises das estratgias de imerso em The LostExperienceauxiliam na compreenso de como ele configura seu mundo ficcional em contato com arealidade cotidiana, a fim de criar zonas imersivas que possibilitam a interao dos jogadores com oselementos de seu universo.
Palavras-chave:jogo de realidade alternada; imerso; transmdia; seriado televisivo.
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ABSTRACT
Among the current media forms, the alternate reality games (ARG) is in the spotlights due itscapability of giving a ludic experience with strong immersive qualities. Setting its fictional world insync with everyday reality, the ARG seeks to smear the border between fiction and non-fiction, inorder to intensify the experience of the audience. This research analyzes the immersion strategies ofalternate reality games based on the study of The Lost Experience (LTE), with the purpose ofunderstanding how the immersion process on the fictional world created by ARGS occurs. Therefore,the main characteristics of alternate reality games are studied, from its main principles established inorder to make accessible the fictional world connected to the everyday life of the players, trough theinterface of the media. In this process, the concept of immersion is problematized, in order to
understand the extension this term receives in front of some perspectives that denote its nature.Visions that lead to a common denominator that connects the notion of immersion with the pleasure ofbeing involved in a sensorial, cognitive and emotional degree towards external stimuli, that as ananswer leads an action over the experienced environment. The analysis of the immersion strategies inThe Lost Experiencehelps in the comprehension of how it sets up its fictional world in touch witheveryday life, with the goal of creating immersive zones that allows the interaction of players with theelements of its universe.
Palavras-chave: alternate reality game; imersion; transmdia; television series.
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LISTA DE ABREVIATURAS
ARG Alternate Reality Game
D.H.A.R.M.A Department of Heuristics And Research on Material Applications
GPS Global Positioning System
LARP Pervasive Live-Action Role Playing
MMORPGMassive Multiplayer Online Role-Playing Game
PDA Personal Digital Assistants
RPG Role-Playing Game
TLE The Lost Experience
TINAG This Is Not A Game (Isto no um jogo)
VUP Viewer/User/Player
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LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1 Reproduo de um perfil online de usurio do Nike+ .......................................... 31
Figura 2 Reproduo do aplicativo Foursquare para smartphones ..................................... 32
Figura 3 Canal Flow: A1 (objetivos claros), A2 (feedback), A3 (engajamento), A4 (desafio)............................................................................................................................................ 54
Figura 4 flOw (2006), na verso para PC........................................................................... 55
Figura 6 - Panorama de 1809 da cidade de Thun, na Sua. Autoria de Marquard Wocher, apintura circular tem 7,5 x 38,3 metros .................................................................................. 60
Figura 5 Triunfo da Divina Providncia (1633-1639), de Pietro da Cortona, Afresco emteto do Palazzo Barberini - Roma......................................................................................... 60
Figura 7 Reproduo da verso de Tetris para MS-DOS (1996)......................................... 62
Figura 8 Seo de compra de passagens do web siteda empresa Ocenanic Airlines, com oaviso de que todos os vos foram cancelados (em virtude da tragdia do vo 815)............... 73
Figura 9 - Pgina interna do websiteda Fundao Hanso ..................................................... 82
Figura 11 - Escritor Gary Troup, em entrevista divulgada pela internet ................................ 83
Figura 10 - Reproduo da capa da edio norte-americana de Bad Twin............................. 83
Figura 13 Reproduo do jogo de memria escondido na thehansofoundation.org querevelou o significado da sigla Dharma.................................................................................. 84
Figura 12 - Reproduo da nota ofocial da Fundao Hanson divulgada em jornais ............. 84
Figura 14 Rachel Blake em seu primeiro vdeo-blog. Fonte............................................... 85
Figura 15 Hierglifo encontrado no parque Greenwich em Londres .................................. 86
Figura 16 - As barras de chocolate Apollo............................................................................ 88
Figura 17 Pgina inicial do websiteWhereIsAlvar.com, com as imagens enviadas pelopblico................................................................................................................................. 88
Figura 18 Reproduo da carta de Alvar Hanso ao final do ARG ...................................... 90
Figura 19 - Imagem de uma embalagem caseiro da barra de chocolate Apollo...................... 94
Figura 20 - Reproduo do blog de Rachel Blake - http://www.rachelblake.com - Como
mostra como a pgina se apresentava quando acessada ( esquerda), e quando uma senha erausada para revelevar um blog secreto ( direita) .................................................................. 96
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Figura 21 - Anncio das barras de chocolate Apollo na Lost Magazine Vol. 1, n. 6 - julho de2006..................................................................................................................................... 97
Figura 22 - Pgina de insero de cdigos no www.sublymonal.com .................................. 100
Figura 23 - Documento encontrando durante The Lost Experienceque revelava um contratocomercial entre a Jeep e a Fundao Hanson ...................................................................... 101
Figura 24 - Imagem da pgina de vdeo onlinecom apario de Rachel Blake na Comic ConSan Diego2006, gravado por algum da plteia ................................................................. 103
Figura 25 - Contato telefnico da Fundao Hanso fornecido ao final do comercial televisivo.......................................................................................................................................... 105
Figura 26 - Mapa indicando a ltima apario pblica de Alvar Hanson no ano de 2002.... 108
Figura 27 - Processo de manipulao de uma imagem encontrada no websiteda FundaoHanson. Quando ampliada uma rea da imagem, abaixo do olho esquerdo, se percebe amensagem save me (salve-me)........................................................................................ 112
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SUMRIO
INTRODUO ................................................................................................................... 11
CAPTULO 1 JOGO DE REALIDADE ALTERNADA: RECONSTRUO DOCRCULO MGICO ........................................................................................................... 14
1.1 ALTERNANDO ENTRE REALIDADES ................................................................................15
1.2 EXPERINCIAS LDICAS CONTEMPORNEAS..............................................................27
1.2.1 GAMIFICAO DO COTIDIANO ..................................................................................31
1.2.2 ATIVANDO FORMAS DE JOGABILIDADE NO COTIDIANO ......................................35
1.3 O CONCEITO DE JOGO NOS JOGOS DE REALIDADE ALTERNADA...............................41
1.3.1 O LDICO E A ZONA IMERSIVA..................................................................................47
CAPTULO 2 IMERSO EM REALIDADES ALTERNADAS ....................................... 50
2.1 IMAGINAO E PRAZER....................................................................................................52
2.2 MEIOS DE IMERSO EM REALIDADES FICCIONAIS .....................................................59
2.2.1 FORMAS DE IMERSO.................................................................................................64
2.2.2 PROCESSOS DE CONSTRUO ATIVA DA CRENA...............................................66
2.3 NA FRONTEIRA DAS REALIDADES ..................................................................................69
CAPTULO 3 IMERSO EM REALIDADES ALTERNADAS: ANLISE DE THE LOSTEXPERIENCE ..................................................................................................................... 77
3.1 DESCRIO DE THE LOST EXPERIENCE.........................................................................79
3.1.1 - 1 ATO (FUNDAO HANSO, PERSEPHONE & BAD TWIN):.................................82
3.1.2 - 2 ATO (AS AVENTURAS DE RACHEL BLAKE) ......................................................85
3.1.3 - 3 ATO (HANSOEXPOSED.COM E A CAA AOS HIERGLIFOS)..........................86
3.1.4 - 4 ATO (BARRA DE CHOCOLATE APOLLO E WHEREISALVAR.COM)................87
3.1.5 - 5 ATO (PUNIO E CONCLUSO)...........................................................................89
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3.2 ESTRUTURANDO A PARTICIPAO COMO UMA VISITA EM REALIDADESALTERNADAS............................................................................................................................90
3.2.1 ABSTRAES DO MUNDO FICCIONAL.....................................................................92
3.2.2 PROPRIEDADES DE SEMELHANA ...........................................................................95
3.2.3 PARATEXTUALIDADE .................................................................................................98
3.2.4 HIPERTEXTUALIDADE.................................................................................................99
3.2.5 METATEXTUALIDADE ..............................................................................................102
3.2.6 ALUSES CATALTICAS ............................................................................................104
3.3 DANDO FORMA AO SUSPENSE........................................................................................105
3.4 ESTRUTURAR A PARTICIPAO COLETIVA COM PAPEIS EM JOGOS DEREALIDADE ALTERNADA.....................................................................................................109
CAPTULO 4 CONSIDERAES FINAIS .................................................................... 114
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................ 119
REFERNCIAS FILMOGRFICAS ................................................................................. 126
REFERNCIAS LUDOGRFICAS .................................................................................. 126
REFERNCIAS SITIOGRFICAS ................................................................................... 126
GLOSSRIO ..................................................................................................................... 128
ANEXO ............................................................................................................................. 132
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INTRODUO
Os alternate reality games (ARG), ou jogos de realidade alternada, surgiram nos
ltimos anos com a proposta de criar uma experincia de ldica com fortes qualidades
imersivas. Em que o mundo ficcional do jogo no est mais restrito a um ambiente a parte da
vida comum dos jogadores, mas interage diretamente com a realidade cotidiana, assumindo os
meios de comunicao e espaos fsicos como espaos de acontecimentos.
Um jogo sem regras claras e objetivos especficos, que transcorre por tempo
indeterminado e desenvolvido atravs do uso coordenado de mltiplas de mdias (internet,
televiso, mobile, etc.) em associao a aes em ambientes fsicos, de forma a manter uma
unidade narrativa coerente e relacionada realidade dos jogadores, numa combinao de
elementos ficcionais e no-ficcionais. O que configura uma estrutura que corrobora para a
criao de um universo ficcional que se desdobra pelo dia-a-dia de seus participantes, como
uma segunda camada da realidade cotidiana, dotada de desafios que comumente pedem por
uma ao colaborativa dos jogadores para solucion-los. Caractersticas que do fortes
contornos imersivos a experincia do ARG, reconfigurando o entendimento clssico que se
tem dos jogos como uma experincia com espao, tempo e regras especficas e limitadas. O
que amplia as possibilidades de envolvimento social, emocional e cognitivo dos jogadores,
intensificando a imerso no mundo ficcional presenciado.
Por tais qualidades, o ARG vem sendo utilizando estrategicamente no entretenimento
como um meio de envolver o pblico diretamente com o universo ficcional. Com essa
finalidade, os produtores do seriado televisivo estadunidense Lost criaram The Lost
Experience (TLE), um jogo de realidade alternada voltado a expandir a participao do
pblico no universo da srie, que agora passaria a explorar intersees de seu mundo ficcionalcom a realidade dos espectadores atravs de uma experincia ldica e imersiva.
Com o propsito de compreender como se configuram tais caractersticas nos jogos
de realidade alternada, esta pesquisa se prope a analisar as estratgias de imerso utilizadas
na formulao de The Lost Experience, um jogo de realidade alternada que estabelece um
mundo ficcional que se alterna com o cotidiano atravs do uso coordenado de diversas mdias,
que criam pontos de contrato entre as realidades, elaborando assim, zonas imersivas onde o
pblico interage diretamente com o universo de TLE.
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No primeiro captulo realizado um estudo sobre os aspectos que constituem os
jogos de realidade alternada, elencando seus principais elementos e traando suas origens e
influncias. Noes essas que elaboram seus principais preceitos em configurar um mundo
ficcional acoplado ao mundo dos participantes pela interface cotidiana dos meios de
comunicao. Assim, no h um limite pr-determinado para essa construo ldica, ela pode
ocorrer na internet, pelo telefone, pela televiso, ou ser vivenciada em espaos pblicos.
Dando incio uma cadeia de eventos que exigem o trabalho colaborativo de vrias pessoas.
Caractersticas que pedem igualmente uma discusso sobre o conceito de jogo no ARG, j que
ele rompe com a ideia tradicional do crculo mgico, que separa a atividade do jogo da vida
comum dos jogadores, e atravs disso potencializar sua natureza como uma experincia ldica
e imersivva.No segundo captulo traado um percurso terico sobre a noo de imerso, a fim
de compreender a extenso que esse conceito tem diante de algumas perspectivas que
denotem sua natureza, desde as relacionadas ao envolvimento com experincias da nossa vida
diria, a vivncia de mundos ficcionais. Abordagens que conduzem a um denominador
comum que liga a noo de imerso ao prazer de estar envolvido sensorialmente,
cognitivamente e emocionalmente com estmulos externos, que como resposta conduzem a
aes sobre o ambiente vivenciado. Com essa leitura, abordamos especialmente a imerso emmundos ficcionais atravs das mdias, passando por perspectivas tericas que abordem
diversas caractersticas dessa experincia. Caminho este que nos levar a uma viso da
imerso onde as fronteiras entre o mundo ficcional e cotidiano se encontram, em que barreiras
criativas so permeadas pelo pblico a fim que ele tenha uma experincia mais ativa nos
mundos ficcionais, que se alternam com a sua realidade atravs do uso coordenado de mdias.
Uma perspectiva que explorada pelo seriadoLostatravs do jogo de realidade alternada The
Lost Experience, uma obra articulada entre mltiplas plataformas de mdias, que coloca opblico no centro dos acontecimentos de seu universo, mantido em contato direto com a
realidade cotidiana.
No terceiro captulo so analisados os principais pontos em torno de The Lost
Experience, descrevendo os cinco meses que abrangeram a cadeia de acontecimentos do
ARG, divididos em cinco atos que abordam diferentes momentos da trama. Por seguinte
estudamos as estratgias de imerso presentes no ARG, em que primeiro vamos explorar
elementos que ajudam TLE a configurar seu mundo ficcional em sintonia com a realidade de
seus jogadores, permitindo que se criem zonas imersivas para interao do pblico. Em
seguida vamos estudar alguns aspectos narrativos do jogo de realidade alternada que
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exploraram a propriedade temporal da imerso atravs do suspense. Por fim, sero abordadas
estratgias que auxiliam na estruturao da participao coletiva dos participantes, atendendo
assim a diversidade de habilidades e preferncias de experincia presentes na comunidade de
jogadores.
Ao final, so feitas consideraes finais a respeito do percurso da pesquisa, que
busca de compreender que estratgias de imerso existentes nos ARGs contribuem para o
envolvimento do sujeito na experincia ldica formulada por eles. Assim, questes so
retomadas e outras levantadas, ajudando a delinear caractersticas que constituem o jogo de
realidade alternada como uma obra privilegia uma forma artstica da imerso. Tambm
apontada a necessidade de um estudo de recepo que explore a imerso em ambientes
criados colaborativamente, assim como de pesquisar questes que envolvam a uma dimensoespacial do processo de imerso atravs de experincias situadas em espaos fsicos.
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CAPTULO 1 JOGO DE REALIDADE ALTERNADA: RECONSTRUO DO
CRCULO MGICO
Uma das principais caractersticas do alternate reality game (ARG), ou jogo de
realidade alternada1
O entendimento dessas e outras caractersticas pertinentes ao jogo de realidade
alternada ocorrero atravs de uma anlise do estudo de caso do jogo The Beast(2001), um dos
primeiros e mais influentes ARGs, que estabeleceu as caractersticas dos jogos de realidade
alternada. Criando, em especial, o conceito de design This is Not a Game TINAG que
pretende reduzir as evidncias do jogo como uma experincia ficcional, e pr em discusso seu
prprio statuscomo jogo.
, o modo como ele transforma as mdias, atravs da experincia ldica, em
pontos de entrada para uma narrativa fragmentada, acessada mediante desafios que pedem uma
ao colaborativa para serem solucionados. Essa experincia caracterizada por reconfigurar
noes espaciais e temporais convencionalmente associadas aos jogos tradicionais. O ARG
ocorre em qualquer ambiente e a qualquer momento, desde que esse seja reconfigurado pelas
mdias para fundar uma realidade ficcional persistente que se articula ao cotidiano de seusjogadores.
No decorrer dessa anlise, observado que o ARG se insere num cenrio maior, onde
novos modelos de jogos buscam permear as fronteiras entre o ldico e a realidade cotidiana.
Algo que se comunga a diversas atividades em que a mecnica do jogo posta a dialogar com
o atual contexto social e miditico em rede, reconfigurando zonas no espao cotidiano como
um amploplayground, tanto para fins de entretenimento como educativos. Diante dessa viso
geral, possvel indicar com mais clareza a mecnica que determina o funcionamento dos
jogos de realidade alternada, e sua capacidade de ativar formas de jogabilidade em objetos dodia-a-dia.
Pelo fato do ARG apresentar caractersticas to ambguas, ele desafia o conceito
clssico de jogo como uma atividade pertencente ao circulo mgico, com espao e tempo
delineados em um sistema de regras especfico e estvel. A ideia de crculo mgico provm
originalmente dos estudos clssicos de Huizinga (2004, p. 12) sobre o jogo, que distingue o
jogo da vida comum, o delimitando tanto espacialmente quanto temporalmente, pois ele possui
1Utiliza-se a traduojogos de realidade alternadapara o termo alternate reality games porque se entende quetais experincias ldicas no tm a inteno de criar realidades alternativas, constituindo um mundo alternativo aparte do cotidiano, mas sim realidades ficcionais que se alternam e interagem com o cotidiano.
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um caminho e um sentido prprios, conforme ele explica ao associar o espao de jogo a um
lugar de acontecimentos sagrados. Torna-se necessrio, ento, rever este conceito para
compreender como os ARGs se posicionam diante dele como um jogo que se foca
especialmente na natureza imersiva do ldico.
1.1 ALTERNANDO ENTRE REALIDADES
Para explicar o que seria um jogo de realidade alternada, podemos partir
primeiramente de um filme que permite entender algumas das caractersticas gerais a respeitodesse tipo de atividade ldica. Vidas em Jogo(Estados Unidos, The Game, 1997), dirigido por
David Fincher e estrelado por Michael Douglas e Sean Penn, apontado por alguns como uma
das principais obras ficcionais que influenciaram no incio desse sculo uma nova forma de
contar histrias interativas atravs dos meios de comunicao. (ALEXANDER, 2006).
Na trama somos apresentados a Nicholas Van Orton (Michael Douglas), um banqueiro
milionrio de temperamento difcil no dia do seu 48 aniversrio, a mesma idade na qual seu pai
cometeu suicdio, trauma que ainda o persegue e se intensifica com a chegada da data.Percebendo que cada vez mais Nicholas se aprofunda na rotina e no humor ranzinza, seu irmo
Conrad (Sean Penn) d a ele como presente de aniversrio um carto que lhe permite acesso a
uma forma de entretenimento diferente, um jogo capaz de mudar o modo como ele v a vida,
organizado pela empresa Servios de Recreao do Consumidor.
A partir do momento em que a personagem aceita entrar na experincia, sua vida aos
poucos virada de ponta-cabea. Ele descobre que sua residncia est sendo monitorada por
microcmeras escondidas, e mesmo com todo o sistema de segurana, ela invadida pordesconhecidos que deixam recados relacionados ao jogo. Na rua, ele passar a ser perseguido por
estranhos sem algum motivo aparente. Em uma dessas perseguies, ele se envolve com uma
garonete que posteriormente revela-se envolvida no jogo, lanando mais dvidas sobre os
limites da experincia. A certa altura, descobre-se que a companhia prestadora do servio na
verdade seria uma empresa fantasma e qualquer pessoa pode estar envolvida com no jogo. O
protagonista passa a sentir como se estivesse perdendo o controle de sua vida. Sua realidade
transformada ao ponto de ficar paranoico e no saber mais se o que ele est encarando seria
mesmo um jogo, ou uma grande conspirao armada para lhe matar e tomar sua fortuna.
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Nicholas se v envolvido em um jogo de vida ou morte, sem regras ou objetivos
claros, com desafios que surgem sem avisos, onde cada passo seu conhecido e vigiado. Um
cenrio que absorve o espectador numa onda de incertezas, lanando-o (tal como o
protagonista) por caminhos que conduzem para um mundo estranho, onde a leitura sobre a
realidade se mostra distorcida pelas incertezas entre a fico e a no-fico. Mesmo ao final do
filme, quando as pontas so amarradas e o conflito cessa, resta ainda ao pblico a dvida se,
aps os crditos finais, o personagem ir entrar ou no em outra espiral do desconhecido.
A sensao explorada pelo filme , em grande medida, a que os jogos de realidade
alternada pretendem passar: pr na vida comum de seus jogadores uma nova camada de
realidade que o transporte para facetas desconhecidas de um mundo que brinca com as
fronteiras entre a fico e a no-fico; onde realidades se alternam atravs de desafios emistrios. E Vidas em Jogo capaz de ilustrar em pouco mais de duas horas de durao alguns
dos principais elementos presentes na experincia do jogo de realidade alternada: a ausncia de
regras ou objetivos claros, levando o sujeito a se focar no desenvolvimento experincia
vivenciada; uma narrativa construda a partir da interao em tempo real com o jogador,
constituindo uma narrativa emergente2
De modo geral, um alternate reality game um jogo colaborativo que tem como
suporte diversas plataformas miditicas do dia-a-dia dos jogadores (GPS, telefonia mvel,
internet, etc.) e espaos fsicos para criao de um universo ficcional mimeticamente acoplado
ao cotidiano, acrescentando a ele uma qualidade de alternncia com a realidade cotidiana
atravs das mdias. Alm disso, uma atividade onde importante que os participantestrabalhem em comunidade para desvendarem as engrenagens de uma histria fragmentada, para
ento se ter a compreenso completa da trama. So jogos com histrias que se estabelecem tal
como uma extenso do prprio mundo cotidiano, interligadas num processo interativo entre os
participantes e os desafios levados pelos meios de comunicao - tornando assim, todo o
processo ldico numa situao imersiva baseada no uso coerente da narrativa com as redes de
comunicao e o dia-a-dia de seus jogadores (MCGONIGAL, 2003). Ivan Askwith elenca as
seguintes caractersticas comuns aos ARGs:
, que nasce da ao do sujeito sobre os elementos
interativos da histria, desdobrando-a por diversos caminhos possveis e desconhecidos;
ausncia de limites temporais e espaciais para que ele possa acontecer; e uma ambiguidadeimplantada na experincia, como se houvesse uma segunda camada ficcional sob a realidade
cotidiana, criando uma dicotomia do que seria ou no parte do jogo.
2Tomamos o conceito de emergncia como um conjunto simples de regras aplicadas a um conjunto limitado deobjetos em um sistema, que conduz a resultados imprevisveis (SALEN; ZIMMERMAN, 2003, p. 159).
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Histrias interativas que se desdobram atravs de plataformas miditicas eespaos fsicos; oferece uma experincia narrativa dispersa e interativa; osparticipantes precisam reconstruir elementos da narrativa fragmentada; os
ARGS recusam a se reconhecerem como jogos; requer que os participantesresolvam desafios difceis ou puzzles para poderem progredir; encoraja ouexige a formao de comunidades colaborativas entre os jogadores3
.(ASKWITH, 2007, p.2).
Um exemplo bem sucedido dos ARGs o jogo The Beast, que foi proposto como parte
do mundo ficcional do filme A.I. Inteligncia Artificial (Estados Unidos, A.I. Artificial
Intelligence, 2001), dirigido por Steven Spielberg. O jogo surgiu sem avisos, partindo da
curiosidade do pblico sobre as pistas deixadas nos materiais promocionais do filme, comocartazes e trailers. Por dois meses o jogo no tinha um nome oficial 4
The Beast foi um dos primeiros do gnero, realizado entre abril e julho de 2001,
produzido por Sean Stewart (escritor), Elan Lee (diretor e produtor) e Pete Fenlon (gerente de
contedo), sobre a superviso de Jordan Weisman, ento diretor de criao da Diviso de
Entretenimento da Microsoft, que assinou um contrato de exclusividade com a Warner Bros
para o desenvolvimento de uma franquia de games do filmeA.I.. a partir de The Beastque
surgem as caractersticas clssicas de um ARG elencadas anteriormente (especialmente quando
se trata de no reconhec-lo como um jogo) que se resumiu no lema This is Not a Game, uma
cartilha de designque marcou sua produo, como ser refletido mais adiante.
e sua existncia sequer era
confirmada pela produo do filme.
A ideia inicial dos produtores da Microsoft GamesStudioera um grande projeto em
que iria desenvolver junto ao filme uma forma de propriedade intelectual, como um mundo
prprio que seria criado inicialmente pelo ARG, que ento serviria para contextualizar uma
srie de jogos que a Microsoft pretendia lanar para computador e para o seu recm lanado
console, o Xbox. Esses jogos seriam apenas divulgados aps o lanamento do filme,
preservando, dessa maneira, os segredos que envolviam a produo cinematogrfica. Assim,
The Beastfoi uma forma encontrada pelos produtores dos gamespara atrair jogadores para os
ttulos que seriam desenvolvidos posteriormente, diante da dificuldade de realizar uma
adaptao atrativa do universo apresentado pelo filme para videogames, que, na viso da equipe
3Interactive stories that unfold across media platforms and real-life spaces; offer an interactive, dispersed narrativeexperience; require participants to reconstruct elements of a fragmented narrative; refuse to acknowledge themselves as
games; have no clear rules or guidelines for participants, require participants to solve difficult challenges or puzzles toprogress; e encourage or require the formation of collaborative player communities.4O nome The Beast surgiu a partir de uma piada interna dos realizadores devido ao nmero de documentoscriados para o jogo, que contabilizava 666 arquivos, o nmero da besta.
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Microsoft Games Studio, era tomada demasiadamente por um clima melanclico e ps-
apocalptico, especialmente em suas cenas finais (MCGONIGAL, 2006).
Porm, logo aps os resultados da fraca receptividade de A.I.em sua estria (julho de
2001), aMicrosoftcancelou sem qualquer alarde todo o projeto inicial dos games,assim como
The Beastfoi encerrado no mesmo perodo, primariamente planejado para durar at dezembro,
quando enfim seriam lanados os videogames baseados no universo do filme. Apesar do
rompimento do plano original, isso no evitou que o ARG ento criado ganhasse destaque como
um projeto bem sucedido. Como coloca McGonigal (2006), ele no foi pensado primariamente
como uma campanha promocional do filme, como muitos imaginaram na poca, mas como um
designde arqueologia coletiva de um mundo futurista atravs de artefatos digitais. Sean Stewart
explica em entrevista a autora:
Ns criamos todas as evidncias miditicas que poderiam existir caso ahistria de Spielberg tivesse realmente acontecido, e ento a quebramos emmilhares de pequenas peas e os enterramos em meio a 70 bilhes de pedaosde contedo online que no tinham nada a ver com A.I. 5
(MCGONIGAL,2006, p. 269).
Dessa forma, o jogo comeou sem avisos por meio dos crditos da equipe de produo
presentes em trailers e cartazes do filme, onde aparecia a estranha funo de Sentient Machine
Therapist (Terapeuta de Mquinas Sensveis), creditada a uma desconhecida Jeanine Salla.
Quando o nome era pesquisado na internet, ele levava a uma rede de sites ambientados no ano
de 2142 que tratavam a respeito dos problemas tcnicos, sociais, filosficos e sentimentais da
inteligncia artificial.
Sob esse pano de fundo futurstico, havia a misteriosa morte de Evan Chan, amigo de
Jeanine Salla. Fato que se desmembrava em diversos quebra-cabeas, passando por websites, e-
mails e ligaes gravadas, numa trama conspiratria que demandou quatro meses de dedicao
dos cerca 7.480 membros do principal grupo de jogadores, conhecidos como Cloudmakers.
Durante esse perodo os participantes utilizaram diversas ferramentas e conhecimentos
possveis para avanarem na histria, abrangendo desde noes bsicas para soluo depuzzles
habilidade com cdigos de programao e hacker, alm de conhecer um pouco sobre
literatura, histria e arte.
5We created all of the media evidence that would exist if Spielbergs story really happened, and then webroke it into thousands of tiny pieces and buried them among the 70 billion pieces of online content that hadnothing to do with A.I..
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Diante das habilidades diversas que podem ser solicitadas aos jogadores, um ARG no
um jogo simples destinado a um indivduo restritamente, mas a um grupo com diversas
especialidades que deve trabalhar conjuntamente. Desta forma, o objetivo no construir uma
atividade competitiva, mas um exerccio de inteligncia colaborativa.
Sob o controle do desencadear dos eventos, temos no ARG a presena do mestre de
jogo na figura oculta dos Puppet masters(mestres dos fantoches), uma equipe que trabalha nas
estratgias do jogo, desde detalhes narrativos elaborao de quebra-cabeas e o
monitoramente das aes dos participantes. Diferentemente de outros mestres de jogo, como os
deRole-Playing Game6
Essa estrutura hierrquica de comando acaba por criar a regra mxima no ARG: siga
as pistas deixadas pelos puppet masters ou fique fora do jogo. Ao contrrio de outras formasldicas em que as regras so preestabelecidas e conhecidas entre os jogadores, aqui elas podem
ser alteradas vontade pelos produtores. Elas dependem variavelmente da forma como os
participantes do ARG respondem ao andamento dos enigmas, mas o poder final de deciso
sobre as regras sempre decai sobre ospuppet masters.
(RPG), onde um dos jogadores presentes assume o papel de mediador
da atividade ldica, o Puppet masterno algum presente que interage diretamente com os
jogadores, que organiza e d certa liberdade de decises, mas algum que fica por trs dascortinas puxando as cordas, num acordo em que ambas as partes mantm uma distncia
funcional durante o jogo. Os designersconcordam em no serem ostensivamente autoritrios,
dando liberdade de ao aos jogadores. E, por sua vez, os jogadores concordam em no revelar
ou contatar diretamente os designers. Isto, segundo McGonigal (2007), o metaconsenso sobre
a gameplay(jogabilidade) do jogo de realidade alternada.
Apesar de todo poder estar fora do alcance dos jogadores, eles nunca podem ser
subestimados pelos produtores. Afinal, o que existe uma corrida contra o tempo dos puppet
masters, com o objetivo de sempre estarem frente de seus fantoches, pois essa a dinmica dedisputa que mantm o desafio interessante para ambas as partes. Com a inteno de um ARG
no apontar um vencedor entre os participantes, o prazer de jog-lo vem da recompensa em
solucionar conjuntamente os quebra-cabeas.
Por um determinado ponto de vista, os produtores tambm so como jogadores nessa
experincia. Isso fica claro quando resgatamos o depoimento de Elan Lee, que participou da
6Jogo em que os participantes interpretam personagens em uma histria construda colaborativamente, seguindoum sistema de regras predefinido, mediado por dados que fornecem pontos de atributos aos personagens. No
RPG, os jogadores so guiados por um mestre do jogo, que fornece o cenrio narrativo e as opes de aes aserem tomadas na experincia, assim como tambm julgar essas aes de acordo com as regras. Entretanto, omestre de jogo tem a liberdade de no seguir completamente o sistema de regras, deixando o jogo mais livre efludo (MCGONIGAL, 2007).
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Como comenta Martin (et al., 2006, p. 6), os jogos de realidade alternada tomam a
substncia da vida cotidiana e a tece em narrativas que colocam camadas adicionais de
significao e interao no mundo real8
A partir dos modos de brincar/interpretar elaborados por Shecner (2002), McGonigal
(2006) fala que os alternate reality gamesno seriam uma forma tradicional de faz de conta
(make believe), que cuidadosamente mantm uma separao entre o que real e o que fingido,
e sim um modo de jogo de ativao da crena (make belief), em que os limites entre a
brincadeira e a realidade so intencionalmente nebulosos. Ou seja, para a autora, existe umaatividade constante no apenas por parte das representaes do jogo, mas tambm dos prprios
jogadores para ativar essa crena sobre a vivncia da experincia ldica. dessa tenso entre o
real e o encenado que surge o que McGonigal (2006) classifica como efeito Pinquio, para
expressar o desejo que a mmesis
. Esta camada adicional o que Christy Dena (2007)
aponta como a principal esttica do design de realidades alternadas, que busca reduzir as
evidncias que poderiam caracterizar como uma historia ficcional, a fim de criar uma coerncia
verdica para que os fatos sejam tratados como acontecimentos reais.
9
Murray (2003) segue um mesmo caminho de interpretao, ao falar que o
envolvimento de algum com um mundo imaginrio no deveria ser encarado como umasuspenso intencional da descrena, uma formulao que segundo a autora muito passiva
mesmo para as mdias tracionais. Para ela, quando ingressamos numa realidade ficcional,
fazemos mais do que suspender nosso censo crtico, trabalhamos nossa faculdade criativa.
Como Murray (2003, p. 111) coloca: Por causa do nosso desejo de vivenciar a imerso,
concentramos nossa ateno no mundo que nos envolve e usamos nossa inteligncia mais para
reforar do que para questionar a veracidade da experincia.
construda nos jogos de realidade alternada tem em se tornar
parte da realidade cotidiana de seus participantes.
Tal caracterstica dos jogos de realidade alternada pode ser expressa na sua estruturaemergente, capaz de se autossustentar diante dos acontecimentos imprevistos ou mesmo falhas
que podem ser incorporadas diegeticamente ao jogo, ou ignoradas pelos jogadores para no
atrapalhar o desenvolvimento da experincia a exemplo de como ocorreu em The Beast,
quando os Cloudmakersesbarraram num equvoco dos realizadores ao descobrirem que o nome
do proprietrio de um dos domnios do jogo era Doug Zartman, executivo da Microsoft. Em
8Alternate Reality Games take the substance of everyday life and weave it into narratives that layer additionalmeaning, depth, and interaction upon the real world.9Mimesis (palavra grega que significa imitao) um termo amplamente usado para abordar a imitao oureproduo da natureza por meios artsticos. Nos estudos da esttica, o conceito de mimesis tem se tornadocentral para pensar a essncia da expresso artstica, e as maneiras como vivenciamos e respondemos a trabalhosartsticos (PUETZ, 2004).
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poucas horas a comunidade j discutia o envolvimento da empresa com o ARG, mas eles
prprios decidiram no se aprofundar nessa questo a fim de no desviar a ateno do jogo,
rompendo com seu nico limite, que no caso seria a cortina figurativa que os separa dos
envolvidos com a realizao de The Beast. Uma metfora que remete cortina que escondia a
verdadeira identidade doMgico de Oz, um ilusionista que se passava por bruxo na obra The
Wonderful Wizard of Oz(1900) do escritor Lyman Frank Baum.
Mas a falha acabou sendo incorporada diegeticamente histria, e isso foi aproveitado
pelospuppet mastersao criarem e disseminarem uma falsa mensagem de e-mail do executivo
para a comunidade, que dariam novas informaes para o desencadeamento do jogo. Os
realizadores esperavam que o correio eletrnico fosse hackeado pelos jogadores, mas para
surpresa deles, a conta de e-mail no sofreu nenhum ataque. O produtor Elan Lee(MCGONIGAL, 2006, p. 336) comenta que essa atitude deu a entender que para os prprios
jogadores, eles [...] foram longe demais, acidentalmente fizeram algo real10
Esse mesmo comportamento aconteceu durante um evento ao vivo de The Beast, como
Elan Lee relata:
, e recuaram da
falha.
Pensamos, j que queramos que este jogo fosse real, deveramos ter umevento ao vivo, mas esquecemos de algo essencial a respeito das regras davida: no h um interruptor para deslig-la. Ao final da noite, nossos atoresforam para casa, e um de nossos jogadores decidiu seguir um deles. O jogadorno estava fazendo nada de errado, ele estava fazendo tudo corretamente! Elefez exatamente o que o encorajamos a fazer []. Por fim, o ator teve quequebrar o personagem e dizer: Olhe, me desculpe, mas eu sou um ator. Porfavor, no me siga. 11
(MCGONIGAL, 2006, p. 337).
O fato nunca foi relatado pelo jogador envolvido, o que demonstra o cuidado que ele
teve em no expor para outros jogadores algo que rompia com a experincia ldica. Em outra
ocasio, a prpria comunidade conseguiu burlar os puppet mastersaps uma falha inesperada.
O fato ocorreu em um evento ao vivo, ocorrido simultaneamente em trs cidades (Chicago, Los
Angeles e Nova Iorque), quando um dos atores da primeira cidade esqueceu-se de deixar um
quebra-cabea contendo pistas importantes para uma senha fragmentada entre as trs
10[] had gone too far, accidentally done something real.11We thought, since we wanted this game to be real, we should have a live event, but we forgot something
crucial about the rules of life: there is no off switch. At the end of the night, our actors had to go home, and oneof our players decided to follow the actor home. The player was doing nothing wrong; he was doing everythingright! He did exactly what we had encouraged him to do, and wed totally failed to plan for that.Ultimately, the actor had to break character and say: Look, Im sorry, Im an actor, please don't follow me.
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localidades. Quando a equipe de Chicago descobriu que eles no tinham o pedao da senha, eles
no esperaram que os realizadores corrigissem o erro e criaram eles mesmos um programa de
computador para descobrir a combinao correta (MCGONIGAL, 2006).
Como pode ser visto, existe nos participantes um papel importante na manuteno da
prpria estrutura da experincia, desde o acordo simblico entre eles e os mestres do jogo, ao
modo como a experincia ldica se incorpora organicamente ao cotidiano no qual ele transcorre
para, assim, ele se manter coerente e conciso o suficiente para o envolvimento dos jogadores.
Todas essas caractersticas acabam por desembocar na frase que marcou The Beast, se
tornando-se o principal mantra dos ARGs: This is Not a Game- TINAG (Isto No um Jogo).
Os dizeres surgiram para surpresa de todos no dia 7 de junho de 2001, embutido em meio aos
crditos finais de um trailer de A.I. transmitido na televiso norte americana, piscando entrealguns frames em letras vermelhas. Muito se especulou entre os participantes sobre a frase: se
ela seria ou no uma pista disfarada num irnico anagrama, ou apenas uma forma de
provocao para que os jogadores tomassem conscincia, a partir de suas discusses, sobre a
experincia que eles tinham, passando a encar-la como um rompimento de seu entendimento
tradicional do que constitua um jogo.
A resposta para essas questes veio apenas em maro de 2002, durante a fala de Elan
Lee (MCGONIGAL, 2006) na Game Developers Conference (GDC), quando ele finalmenteconceituou sua ideia de game design para jogos de realidade alternada, ancorada em trs
princpios: 1 No diga a ningum, o jogo no deve ser anunciado, mas sim mantido em
segredo, para que ele incentive e desperte um maior interesse dos jogadores em saber mais
sobre os mistrios do jogo, dando-lhes o sentimento de estarem lidando com algo especial, que
apenas eles foram capazes de perceber, e que assim sintam prazer em compartilhar isso com
outras pessoas; 2 No construa um espao para o jogo, nesse ponto Lee enfatiza o no
confinamento espacial do jogo, pois ele pode transpor qualquer territrio fsico ou virtual; 3 No construa um Jogo, um ARG deve ser projetado de forma que no possa ter instrues
claras, nem mesmo objetivos especficos, assim como a prpria realidade no tem suas regras
devidamente esclarecidas.
Sobre essa concepo de game design, McGonigal faz o seguinte comentrio:
Esta mensagem se tornou, desde ento, o mantra para ambos os jogadores edesenvolvedores do entretenimento imersivo. Para o TINAG, um jogo agora
significa negar explicitamente e ocultar obscuramente sua natureza como jogo,uma tarefa que tem se tornado cada vez mais difcil conforme surgem
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jogadores imersivos mais esclarecidos sobre as tcnicas TINAG.12
(MCGONIGAL, 2003, p. 4).
Porm, no podemos tomar tal mantra como uma cartilha a ser seguida, um esquema
pronto que deve reger qualquer ARG. Especialmente quando na prtica ele no seguido.
Como exemplo, temos ARGs como o Perplex City13
Para contextualizar a histria, foi criada toda a infraestrutura de mdia comum aos
ARGs (website, e-mail, ligaes gravadas, etc.), com o diferencial de que nele havia um sistema
de compra de cartas contendo ospuzzlesreferentes aos mistrios da trama, e uma recompensa
em dinheiro para quem conseguisse encontrar o artefato perdido. Perplex City, no caso, se
propunha a um modelo de negcio sustentvel, algo fora do modelo clssico criado pelo The
Beast.
, que aconteceu entre 2005 e 2007,
produzido pela empresa britnicaMind Candy, especializada em jogos de quebra-cabeas. A
trama se desenvolvia em torno da busca doReceda Cube, artefato sagrado enterrado em algum
lugar na Terra, pertencente aos cidados de Perplex City, uma cidade fictcia de outra dimenso,
com ligaes em diversas partes do globo e com caractersticas culturais prprias, voltada
intelectualmente para soluo depuzzles.
Outro exemplo interessante Eagle Eye Free Fall14, de 2008, realizado como
material promocional para o filme Controle Absoluto (Estados Unidos, Eagle Eye, 2008),
dirigido por D.J. Caruso e produzido por Steven Spielberg. Nesse jogo, basta o jogador fornecer
seu nmero de celular na pgina eletrnica do ARG, que logo aps ele receber ligaes dando
as instrues, uma curta experincia de aproximadamente 10 minutos frente ao computador15
Experincias mais instigantes podem ser encontradas em casos como o de World
Without Oil (WWO)
. A
inteno levar ao pblico um pouco da experincia vivida pelos personagens principais do
filme, que tem suas vidas vigiadas por um estranho que se comunica com eles pelo celular.
16
12This message has since become the mantra for both players and developers of immersive entertainment. ToTING a game now means to explicitly deny and purposefully obscure its nature as a game, a task that hasbecome increasingly difficult as immersive players grow more savvy about TING techniques. (MCGONIGAL,2003, p. 4).
, realizado em 2007 durante 32 semanas, que combina elementos do ARGcom serious game, gnero geralmente voltado para temas educativos, cientficos ou polticos.
Ele foi uma produo independente apresentada pelo Independent Television Service (ITVS)
com financiamento da Corporation for Public Broadcasting.
13Cf. http://perplexcity.com/14Cf. http://www.eagleeyefreefall.com/15Cf. http://www.youtube.com/watch?v=KHoXiqBthzU16Cf. http://www.worldwithoutoil.org/
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Sua premissa partia em convidar os jogadores a se imaginarem num mundo onde os
recursos petrolferos fossem escassos, trabalhando em grupo para o gerenciamento de seus
recursos e compartilhando suas experincias pessoais atravs de vdeos, imagens e textos
postados na website do jogo ou em redes sociais. Assim, era construdo um cenrio fictcio
dessa realidade ps-apocalptica a partir dos relatos dos jogadores, acompanhado por amplo
debate sobre questes polticas, tecnolgicas e ambientais.
Diante deste cenrio de diversificao do formato, pode-se entender que o jogo de
realidade alternada como inicialmente ficou conhecido em 2001 j no o nico modelo a ser
seguido. O ARG tem uma estrutura mais flexvel, trabalhando com vrios temas e formatos,
podendo ser mais simples e rpido. Uns no precisam necessariamente se negar como jogos, e
outros no se focam na soluo depuzzlesou na formao de comunidades colaborativas.Essa renovao do formato pode ser interpretada por fatores mercadolgicos, no qual o
excesso de puzzles, a exemplos de como foi The Beast, acaba por afastar um pblico mais
amplo, atraindo apenas um determinado nicho de jogadores dedicados, chamados de hardcores,
comumente associados a um perfil de participantes mais voltados para soluo de problemas
complexos.
Casos como Eagle Eye Free Fall e World Without Oil fogem desse padro e se
focam mais na vivncia da experincia, sem o obstculo constante de quebra-cabeas parapoder participar do jogo, abarcando jogadores mais casuais e diversificados. Como o
cofundador da Mind Candy, Dan Hon (GOOL, 2010), reclamou durante sua fala no painel
Everything We Know About Transmedia Is Wrong!, na conferncia PICNIC 201017
, os ARGs
no conseguiram se tornar populares at hoje por perderem seu tempo com coisas que ningum
quer ver ou fazer. Ele provoca os puppet masters pedindo para que eles parem de usar
criptografia epuzzlessem sentindo, pois a
[...] audincia no estpida. Se voc coloca uma obra de fico em
frente deles, eles vo entender do que se trata e no precisamos fingir
que isto no uma droga de jogo. O nmero de pessoas interessadas
em criptografia matemtica nfimo; em vez disso, vamos fazer coisas
que entretenham as pessoas.18
(GOOL, 2010, s/p.).
17Cf. http://www.picnicnetwork.org/18Your audience is not stupid. If you put a work of fiction in front of them, they will understand what it is andwe do not have to pretend that it is not a fucking game. The number of people who are interested inmathematical cryptography is very very small; instead, lets make stuff that just entertains people.
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Levar ao p da letra a ideia de TINAG no seria a principal questo dos ARGs, como
muitos pensaram nos seus primeiros anos. Mas sim considerar o discurso que essa frase trs
embutida ao negar sua prpria natureza ldica. Em entrevista pesquisadora Jane McGonigal
(2006), Elan Lee esclareceu melhor as origens do termo, suas intenes e sentimentos por trs
dele. Segundo ele, a expresso veio tona durante um telefonema de cinco minutos com um
executivo da Warner, que cobrava com urgncia as mensagens secretas que deveriam ser
colocadas nos trailers promocionais deA.I.para televiso. Ento eu disse a primeira coisa que
veio em mente, o que eu estava sentindo naquele momento, declara Lee (McGonigal, 2006, p.
355). Esse anseio que ele carregava na ocasio foi descrito como um sentimento de frustrao
diante das dificuldades e da sensao de descolamento que a equipe passava dentro da
infraestrutura tradicional de produo de jogosMicrosoft.The Beast estava sendo gerenciado dentro de uma das maiores firmas coorporativas
de videogames do mundo. Segundo Lee (MCGONIGAL, 2006), era algo totalmente
deslocado do seu sistema de produo de games, em que os produtos tinham etapas bsicas de
game designque iam desde a programao, planejamento grfico de interface, implementao
do jogo, fase de teste com jogadores, ao desenho da embalagem. E o ARG fugia desse modelo
padro, se tornando um paradigma para a empresa, que tentava encar-lo como um game
qualquer a ser produzido. Isto criava conflitos de entendimento de produo entre a equipe deThe Beaste aMicrosoft, pois, Elan Lee e seu grupo entendiam que estavam fazendo algo que
ia alm de um simples jogo digital, ou qualquer coisa feita anteriormente pela indstria de
games. E foi dessa experincia que nasceu os trs preceitos que regem a filosofia TINAG,
assinalados anteriormente.
A partir dessa declarao, pode-se ler This is Not a Game como um termo mais
amplo, que vai alm de um entendimento tcnico de produo do ARG. Nele estaria um dos
primeiros questionamentos sobre o prprio statusdas experincias ldicas contemporneas,desprovidas de fronteiras visveis de acontecimento, algo caro conceituao tradicional de
jogo. E como ser visto a seguir, o jogo de realidade alternada no est sozinho diante desse
campo de novas formas de entretenimento, pois ele habita um cenrio circundado por outros
modelos de jogos que borram as fronteiras entre o ldico e a realidade, que interagem junto ao
atual contexto social e miditico em rede, reconfigurando o cotidiano comum de seus
participantes em umplayground.
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1.2 EXPERINCIAS LDICAS CONTEMPORNEAS
visvel a forma como os meios de comunicao digitais veem transformando os
modos de produo, difuso e consumo dos produtos miditicos. Enquanto que de um lado
existem os conglomerados de entretenimento do mercado de comunicao, do outro as novas
tecnologias reduziram os custos de produo e distribuio, expandiram o raio de ao dos
canais de distribuio disponveis aos consumidores arquivar e comentar contedos, apropriar-
se deles e coloc-los em circulao em novas [...] formas. (JENKINS, 2008, p. 43-44).
Por trs desse fenmeno, a tecnologia digital e mvel encontra-se amplamente
difundida e estabelecida na sociedade contempornea, atuando de forma integrada aocotidiano na descentralizao de produo e compartilhamento em massa de informao.
Tendo como consequncia direta uma grande demanda de dados e estmulos em meio a um
cenrio social ligado intimamente com as tecnologias digitais de informao e comunicao,
que cruzam os mais variados espaos sociais19
perceptvel que sempre houve uma articulao entre os meios de comunicao e os
modos de produo social do espao e as prticas de consumo (ANDRADE, 2011). Osurgimento da escrita, por exemplo, permitiu inicialmente uma dilatao das palavras no
tempo, algo que foi intensificado com a expanso da mdia impressa na Idade Mdia, onde o
homem passou a estender seu discurso pelo espao, propagando informaes e influenciando
processos sociais em diversos lugares. E assim esse sistema informacional foi se estruturando
para uma forma mais complexa com as mdias massivas (cinema, televiso, rdio), que
efetivaram a presena dos meios de comunicao na sociedade contempornea, chegando s
mdias digitais e mveis, que fragmentaram e potencializaram os sentidos de produo e
consumo de informaes, modificando o olhar do sujeito sobre seu espao social e a produo
dele.
: trabalho, escola, famlia, lazer etc., tornando-
os fortemente transmutveis entre si (LEMOS, 2002).
Como os pesquisadores Whlberg e Sjberg (2009) comentam ao tratar da percepo
da realidade atravs da comunicao, e como isso influncia nas aes dos sujeitos e na
economia, antigamente nossas principais fontes de informaes vinham oralmente pelas
prprias pessoas que circundavam nosso ambiente. Hoje, o sistema de comunicao energizou
19Espao social um conceito da sociologia que coloca a noo de espao em funo da ao social, como umreflexo e condio gerada pelas relaes sociais estabelecidas, sendo que todo sistema de relaes se inscrevenum espao em que se associam estreitamente o lugar, o social e o cultural. (FERNANDES, 1992, p. 62).
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esse fluxo de informaes, especialmente com o surgimento das mdias digitais, que agem
como uma rede descentralizada de dados, influenciando o modo como o pblico percebe sua
realidade cotidiana. Pois, atravs dessas mdias, o mundo perceptual no apenas gerado pela
realidade objetiva do ambiente que o sujeito est inserido, mas tambm um resultado da
realidade simblicaque os meios de comunicao constroem20
Assim, a realidade cotidiana passa a ser percebida de forma mais fragmentada
atravs das vrias janelas e trilhas miditicas. Este um cenrio transpassado por diversos
discursos e contedos que convergem na rede de comunicao digital, onde se exige do
pblico a iniciativa de procurar pontos de ligao e novas informaes nesse ambiente
disperso, gerando, por seguinte, outros discursos e contedos (JENKINS, 2008).
.
Segundo Johnson (2005), tal ambiente complexo de informao demanda umahabilidade cognitiva apta para soluo de problemas, que saiba conectar conhecimentos e
reinterpretar outros, na velocidade imediatista que a rede miditica atual exige. Diante desse
cenrio, que exigem novas aes/conexes a cada momento, o autor fala que a chave para o seu
entendimento no estaria mais nas escolas, nem na sabedoria familiar. A soluo estaria
apreendida nas prprias mdias e seu ecossistema de linguagens (narrativas seriadas, jogos,
internet, etc.), pois, todas essas foras, juntas, criam um ambiente propcio a otimizar aptides
em resoluo de problemas (JOHNSON, 2005, p. 119).E como Johnson expe em seus argumentos, as formas ldicas e narrativas do
entretenimento contemporneo ganharam maior importncia e complexidade para atender ao
perfil de um espectador/usurio ativo na construo cognitiva das atuais mdias, para assim,
reconfigurar e compreender a percepo contempornea do cotidiano.
Portanto, os atuais meios de comunicao povoam um grande sistema de
entretenimento hipermiditico interligado a servio de um pblico participativo, conectado por
redes comunicacionais. Um ambiente integrado, intercambiado por diversas trilhas onde aconstruo de sentido, nas obras ficcionais, ganha novas camadas de compreenso pela
construo narrativa e ldica, instigando e realimentando o imaginrio do pblico por novas
formas de leitura e pela participao ativa na construo da obra. Tomando a experincia
ficcional como um ato complexo e modulvel, permitindo que o espectador se atente a outros
20Estamos aqui nos restringindo a um ponto de viso dessas transformaes contemporneas atravs das mdias,mas reconhecemos que outros fatores contribuem para constituir esse cenrio, desde elementos econmicos,polticos, sociais e culturais. Entretanto, adentrar por esses temas abre outros debates que escapam ao recortedesta pesquisa, que pretende contextualizar o atual cenrio miditico e seu pblico.
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significados e assim retrabalhe-os conjuntamente pela socialidade21
nesse cenrio de complexidades que novas experincias ldicas potencializam e
reconfiguram a noo de jogo ao expandirem seus limiares temporais, espaciais e participativos
dentro de qualquer cenrio possvel jogos que atuam desde um simples playground a uma
vasta arquitetura urbana, utilizando-se das mais diversas plataformas miditicas.
em rede. Seja pelo
trabalho cognitivo da inteligncia colaborativa, ou pelo anarquismo esttico da remixagem
digital de contedos.
Assim, a mecnica desses tipos de jogos bastante diversa diante das suas
possibilidades de design. Eles podem envolver apenas um jogador munido com um aparelho
celular com geolocalizao ou envolver uma equipe de jogadores munidos de todo leque de
tecnologias mveis disponveis. Podendo ser uma atividade de curta durao de uma nicatarefa, ou ser algo que envolva um conjunto de desafios que podem tomar meses de
engajamento no jogo, tornando persistente a experincia.
Markus Montola (et al., 2009) descreve as experincias ldicas contemporneas como
um nova forma curiosa de cultura, que se origina da interseo de fenmenos como a cultura
urbana, comunicao em rede, realidade ficcional, e artes performticas, combinando vrias
coisas de diversos contextos para produzir novas experincias de jogo22
Segundo Montola (idem), esses jogos teriam implicitamente e explicitamente
inspirao de ideias provindas de experincias ldicas anteriores, a partir da literatura, cinema,
brincadeiras infantis, atividades recreativas em universidades, mundos virtuais persistentes,
aes performticas pblicas, dentre outras. Como um dos exemplos, podemos citar o jogo The
Killer, famoso nos campi universitrios norte-americanos nas dcadas de 1970 e 1980. O jogoconsiste em ser uma caada humana de faz de conta, em que os participantes alternam entre os
papeis de caador e vtima (sendo que esta desconhece a identidade de seu assassino) e ambos
podem transformar metaforicamente qualquer objeto comum em uma arma (por exemplo,
vinagre como veneno, mquinas fotogrficas com snipers, bananas como pistolas, etc.), alm de
. Contextos estes que
ampliam o que antes era apenas visto como brincadeiras em espaos pblicos, que sepotencializam com as novas tecnologias e ganham lugar numa sociedade cada vez familiarizada
com o ldico em seu cotidiano.
21 A socialidade , para M. Maffesoli, um conjunto de prticas quotidianas que escapam ao controle social(hedonismo, tribalismo, presentesmo) e que constituem o substrato de toda vida em sociedade, no s dasociedade contempornea, mas de toda forma social. [...] A socialidade , assim, a multiplicidade de experincias
coletivas baseadas, no na homogeneizao ou na institucionalizao e racionalizao da vida, mas no ambienteimaginrio, passional, ertico e violento do dia a dia, do quotidiano dos homens sem qualidade.22phenomena such as city culture, mobile technology, network communication, reality fiction, and performingarts, combining bits and pieces from various contexts to produce new play experiences.
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usar aliados para obter informaes sobre o seu oponente. O foco no apenas voltado para o
ato do assassinato, mas tambm no suspense que pode ser criado entre os participantes em
especial pelo caador que tem a possibilidade de atormentar sua vtima no decorrer de sua vida
diria. A partida pode transcorrer por semanas at que o jogador consiga seu objetivo,
obedecendo a determinadas regras, como no envolver vtimas inocentes em suas aes.
The Killer, por seguinte, inspirado no filme italianoA Dcima Vtima(Itlia-Frana,
La decima vittima, 1965), deElio Petri, uma adaptao do conto The Seventh Victim (1953), de
Robert Sheckley, que retrata uma sociedade onde a violncia foi institucionalizada e
espetacularizada em um jogo de caa humana, onde se premia aqueles que sobrevivem at a
dcima rodada da caada. Originalmente, todas as regras de The Killer eram transmitidas de
forma oral pelos universitrios, mas logo ento elas foram copiladas em 1981 pela editoraespecializada em livros de RPG Steve Jackson Games, na publicao Killer: The Game of
Assassination.
Montola (et al., 2009) ainda aponta outros casos influentes como as festas de caa ao
tesouro promovidas pela alta sociedade nova-iorquina em meados do sculo XX. Eventos
popularizados pela socialite Elsa Maxwell na dcada de 1920, que serviram como referncia
para uma cadeia de produes ficcionais realizadas nos anos seguintes. Elas vo desde filmes
como O fim de Sheila (Estados Unidos, The Last of Sheila, 1973), do diretor Herbert Ross;seguido por uma srie de quatro jogos promovidos por Don Luskin e seus amigos na dcada de
197023, o qual inspirou os realizadores do filmeLoucos em plena Madrugada(Estados Unidos,
Midnight Madness, 1980), dirigido por Michael Nankin e David Wechter, e produzido pela
Walt Disney obra que por fim serviu como exemplo para Joe Belfiore elaborar sua
comunidade de caa ao tesouro24
Outra prtica que vem se difundindo nos ltimos anos busca aplicar estratgias de
game designem campos da vida cotidiana, a fim de torn-la mais prazerosa e recompensadora
no decorrer de atividades dirias. Um processo estratgico conhecido popularmente como
gamificao(gamification).
, The Game, em eventos ainda hoje regulares, onde so
formadas equipes que rodam diversas localidades em suas vans munidas com todo o aparato
tcnico preciso para resoluo dos quebra-cabeas projetados.
23The Game (1973), Game 2 (1975), Game 3:7878 (1978), and Game 4 (1979). (MONTOLA et al., 2009).24 Montola (et. al., 2009) destaca que muitos de seus integrantes eram funcionrios da Microsoft, que, porcoincidncia, foi uma das principais responsveis pela popularidade dos ARGs no incio dos anos 2000 com opioneiro The Beast, que analisaremos no segundo captulo desta pesquisa.
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1.2.1 GAMIFICAO DO COTIDIANO
Essa atual vertente de aplicao dos jogos vem ganhando espao em diversos setores,
envolvendo desde atividades mais simples a projetos complexos em ambientes empresariais.
Dentre alguns exemplos menores de sua aplicabilidade, temos o Nike+(Figura 1), sistema de
monitoramente de corridas atravs de smartphone equipados com tecnologia de geolocalizao,
que atribui pontos de evoluo ao desempenho fsico do sujeito e estabelece metas a serem
alcanadas, transportando todos seus dados para uma rede social onde as pessoas compartilham
seus resultados e competem por melhores pontuaes.
Figura 1 Reproduo de um perfil online de usurio do Nike+Fonte: http://migre.me/7rPA8
O mesmo tambm vem sendo incorporado ao ensino em escolas; a exemplo daLearn
to Quest, inaugurada em 2009 na cidade de Nova Iorque, com o financiamento da Fundao
MacArthur e a Fundao Bill e Melinda Gates, atendendo estudantes entre seis e doze anos. Sua
grade curricular semelhante ao de muitas escolas (matemtica, geografia, cincias, histria,
etc.), mas o modo como elas so apreendidas um pouco diferente. No caso, os alunos so
engajados em atividades ldicas que envolvem a resoluo de tarefas como uma questde jogo
(algumas delas secretas, espalhadas pela biblioteca), estas, por seguinte, do acesso a outras
tarefas maiores e visam dar pontos de experincia quando solucionadas, aumentando, assim, o
nvel dos alunos.
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Nesse sistema educacional, quando uma quest no bem sucedida, isso no fica
registrado como um desempenho negativo no histrico escolar. O aluno tem apenas que
procurar novas tarefas para aumentar seus pontos de experincia na disciplina, que ficam
registrados no banco de dados online da instituio. Assim, h um enfoque maior nos resultados
positivos da aprendizagem em detrimento ao desempenho dela. Segundo Mcgonigal (2011, p.
120), essa a primeira escola baseada em games no mundo, e seus fundadores anseiam para
que ela sirva de modelo para s escolas de todo o mundo.
Figura 2 Reproduo do aplicativo Foursquare para smartphonesFonte: http://migre.me/7rPA8
J em outro campo, as empresas passam a adotar estratgias de pontuao visando
engajar mais seus clientes. Pelo aplicativo de rede social FourSquare(Figura 2), por exemplo,
disponvel para smartphones, os usurios fazem check-ins em diversas localidades: em sua
residncia, no trabalho, em lojas, bares, praas, etc. A cada registro realizado, a pessoa ganha
pontos e pode opinar sobre o lugar onde est, usando texto e imagens, tornando pblica sua
localizao. medida que o sujeito vai ganhando mais pontos e indo a lugares mais
diferenciados, ele obtm recompensas, chamadas de badges, creditadas por certas aes, como,
por exemplo, fazer dois check-insno mesmo dia em localidades muito distantes entre si, ou por
est num lugar onde vrias pessoas realizaram check-inna mesma ocasio. Dentre as badges
mais famosas est a deprefeito (o que representa ser a pessoa que mais frequenta o lugar), algo
que pode proporcionar regalias caso o ambiente seja um estabelecimento comercial cadastrado
no FourSquare (como descontos especiais para compras e brindes de produtos). A empresa
tambm pode se utilizar de outras tticas, como promoes relmpagos disponveis apenas para
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clientes que faam check-inna rede social, da mesma forma ela tambm pode utiliz-lo como
um novo canal de relacionamento com os clientes (FAGUNDES, 2010).
Seguindo a mesma tendncia, algumas empresas tambm vm adotando a gamificao
para aumentar a produtividade no ambiente de trabalho. Ferramentas como videogames e redes
sociais privadas so usadas como plataformas para armazenamento e contabilizao da
pontuao/desempenho dos funcionrios, oferecendo trofus virtuais pelas atividades bem
empreendidas os chamados achievements(conquistas), obtidos ao se fechar um bom negcio
ou ao entregar trabalhos dentro do prazo, por exemplo. Criando, assim, aes para recompensar
comportamentos desejados pela companhia; contudo, tomando o devido cuidado para que o
sistema no crie uma competio predatria, mas, sim, amigvel entre os funcionrios.
Multinacionais comoDeloitte Touche Tohmatsu, do ramo de consultoria econmica, ea IBM (International Business Machines), da rea de tecnologia da informao, j adotam tais
tticas no ambiente de trabalho, alm de aplic-las tambm para ao treinamento de novos
funcionrios. A Gartner, firma de consultoria e pesquisa no campo de tecnologia da
informao, estima que at 2014 cerca de 70% das grandes corporaes adotem tcnicas de
gamificao em ao menos um processo de negcios (SILVERMAN, 2011).
Em contraponto a essa assimilao das estratgias de jogos em diversas atividades,
pesquisadores da rea de games, como Ian Bogost (2011) contestam fortemente a gamificao,taxando-a energicamente como bullshit. Algo que ele argumenta no texto Gamification is
Bullshit, publicado em seu website:
Em seu breve tratado On Bullshit, o filsofo Harry Frankfurt nos ofereceuma til teoria sobre a bobagem, a besteira, ou no bom ingls: bullshit. Nsnormalmente pensamos no bullshit como um sinnimo embora um poucovulgar para mentira ou engano. Mas Frankfurt argumenta que bullshit nadatem a ver com a verdade.
Ao invs disso, bullshit usado para esconder, para impressionar ou paracoagir. Ao contrrio dos mentirosos, bullshitters no tem utilidade algumapara a verdade. Tudo o que importa para eles esconder sua ignorncia ouusar em benefcio prprio.Gamification bullshit.No estou sendo arrogante ou provocativo. Estou falando filosoficamente.(BOGOST, 2011, s/p.).
Para ele, gamificao mais uma moda criada por consultores e marqueteiros para
lucrar em cima da popularizao dos videogames, utilizando-se de propriedades como pontos enveis para elaborar primariamente interatividades com as pessoas. E com isso embutir uma
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E como indica a pesquisadora de mdias interativas Lian Amaris (2011), muitas
consideraes ainda devem ser feitas, no apenas numa abordagem terica a respeito do
ldico, mas tambm sobre seu uso poltico e ideolgico inserido no atual contexto de mdias.
Seria uma forma de sair do olhar simplista da gamificao de que os jogos podem
salvar/otimizar o mundo, como McGonigal (2011) sugere, sem levar em considerao uma
gama de fatores envolvidos que ficam contidos sob a superfcie de uma abordagem de pontos e
recompensas. Especialmente, como aponta a autora, sobre o consumismo que a gamificao
defende em alguns contextos de seu uso.
1.2.2 ATIVANDO FORMAS DE JOGABILIDADE NO COTIDIANO
Para classificar a natureza de todas essas formas de jogo citadas anteriormente,
utilizam-se os mais diversos termos dependendo da gameplaye tecnologias aplicadas. Dentre os
vrios nomes, podemos citar: big games, jogos de realidade aumentada, crossmedia games,
jogos locativos, jogos pervasivos, jogos urbanos, mobile games, supergames, transreality
games, jogos ubquos, jogos imersivos, jogos de realidade alternada, etc.Frente s diversas classificaes voltadas para se pensar toda essa gama de jogos,
Montola (et al., 2009) opta por adotar o termo jogos pervasivos, para designar inclusive os
ARGs, conceituando-os como atividades ldicas que borram e permeiam as fronteiras do
crculo mgico, o limite contratual de ao perante a vida normal dos jogadores. A ideia de
crculo mgico provm originalmente dos estudos clssicos de Huizinga (2004, p. 12) sobre o
ldico, que distingue o jogo da vida comum, delimitando-o tanto espacialmente quanto
temporalmente, pois ele possui um caminho e um sentido prprios, conforme ele explica aoassociar o espao de jogo a um lugar de acontecimentos sagrados:
Todo jogo se processa e existe no interior de um campo previamentedelimitado, de maneira material ou imaginria, deliberada ou espontnea. Talcomo no h diferena entre o jogo e o culto, do mesmo modo o lugarsagrado no pode ser formalmente distinguido do terreno de jogo. A arena, amesa de jogo, o crculo mgico, o templo, o palco, a tela, o campo de tnis, otribunal etc., tm todos a forma e a funo de terrenos de jogo, isto , lugares
proibidos, isolados, fechados, sagrados, em cujo interior se respeitamdeterminadas regras. Todos eles so mundos temporrios dentro do mundo
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habitual, dedicados prtica de uma atividade espacial. (HUIZINGA, 2004, p.13).
Montola (et al., 2009), a partir de uma releitura do termo elaborado por Salen e
Zimmerman (2004), no interpreta o crculo mgico unicamente como um espao fsico de
acontecimentos delineados por regras. Tal interpretao se prope a entend-lo como uma
membrana invisvel e transitria, uma construo imaginria, um contrato esboado pelos
participantes do jogo para ingressarem na ritualista ldica. Porm, nos jogos pervasivos essa
fronteira contratual bastante malevel para possibilitar a expanso da atividade ldica por trs
dimenses:espacial, incorporando jogabilidade aos espaos fsicos cotidianos; temporal, sem
um tempo determinado de acontecimento, podendo se estender durante a rotina diria dos
jogadores; e social, envolvendo vrias pessoas, estando elas cientes que esto jogando ou no,
j que a experincia ldica pode transcorrer alheia aos olhos de passantes.
De tal modo, o entendimento comum do jogo nessas experincias retrabalhado num
nvel de metacomunicao26
A partir desses princpios, Montola (et al., 2009) elenca quatro principais gneros de
jogos pervasivos, de acordo com suas caractersticas e propriedades que os definem na suas
intenes de romper o crculo mgico. Eles so: Caa ao Tesouro em que os jogadores
buscam certos objetos num espao ilimitado de jogo;Jogos de Assassinato um faz-de-conta
de caada humana, sem limites de tempo e espao, podendo transcorrer por semanas at que o
jogador consiga assassinar sua vtima seguindo determinadas regras; Pervasive Live-Action
Role Playing (LARP) jogo de interpretao de personagens utilizando-se de ambientes
pblicos sem delimitao de espao e tempo, fazendo uso das tcnicas do live-action role-playing;Alternate Reality Game(ARG) jogos colaborativos, desenvolvidos por uma narrativa
fragmentada acessvel atravs de puzzles, que se propaga pelo mundo real, como explicado
anteriormente.
em espaos pblicos. Ou seja, os sinais e regras comuns para
indicar intenes ldicas so retrabalhados, convencionados entre os participantes, e assim
incorporados de forma orgnica realidade ordinria do ambiente. Ou mesmo busca subverter a
metacomunicao, tornando as aes do jogo quase invisvel para pessoas fora da atividade.
Nota-se no decorrer da obra de Montola (et al., 2009), que o autor sustenta um foco de
anlise mais voltado para questes culturais e de aplicaes prticas de designpara jogos que
26WATZLAWICK (et al., 2007, p. 36) explica por analogia que metacomunicao acontece quando deixamosde usar a comunicao para comunicar mas a empregamos para comunicar sobre comunicao, comoinevitavelmente acontece na pesquisa de comunicao, ento recorremos a conceitualizaes que no so parteda comunicao, mas sobre esta.
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irrompem as tradicionais dimenses temporais, espaciais e sociais do crculo mgico.
Entretanto, sua ateno bastante generalizada sem grande aprofundamento crtico em algumas
questes, especialmente as ligadas escolha de sua nomenclatura pervasivo diante da nuvem
de termos expostas pelo prprio. Ou mesmo quanto s especificidades dos alternate reality
games, tratados nos mesmos parmetros das questes trabalhadas por ele para dar conta de
jogos de assassino e caa ao tesouro, por exemplo, quando que por trs do discurso dos ARGs
h temas mais complexos na construo de uma imerso num mundo ficcional aliado a
realidade cotidiana.
Por outro vis de anlise, em contraponto ou mesmo em complemento as colocaes
de Montola, a pesquisadora e game designerJane McGonigal (2006) recorre a uma linha mais
tecnolgica que cultural nas suas leituras sobre esse formato de jogos de estrutura mais ampla.Para a autora, a origem deles est na fuso entre a computao ubqua e o design experimental
de games, que desafiam e expandem a noo de onde, quando e com quem jogamos,
reconfigurando, assim, os limites tcnicos, formais e sociais do jogo com a vida cotidiana.
Nesse aspecto, a autora recorre como ponto de origem, aos princpios da computao
ubqua, tambm conhecida como computao pervasiva, campo de pesquisa fundado por Mark
Weiser (1991) que envolve a integrao de funcionalidades das redes digitais nos objetos do
dia-a-dia e em ambientes fsicos de forma orgnica, da mesma forma, por exemplo, como aeletricidade se tornou presente no cotidiano humano. Nesse contexto, a autora faz uma distino
do uso dos termos ubquo e pervasivo para justificar sua escolha terminolgica. Ela
argumenta que apesar de as cincias da computao tratarem ambas as nomenclaturas como
sinnimas, elas tm significados com implicaes conceituais distintas quando aplicados para
anlise crtica em jogos.
Pois, o pervasivo se trata de algo que se permeia no ambiente, sugerindo a existncia
de uma borda que vai se alastrando. Enquanto que o ubquo se refere a algo que est semprepresente em todos os lugares, tornando a ideia de uma fronteira algo irrelevante. Partindo dessas
diferenas, McGonigal argumenta que pode ser apontada a existncia de projetos distintos entre
as duas terminologias, um que busca criar persistncia, infraestrutura de jogo sempre pronta27
(MCGONIGAL, 2006, p. 48), e outro que quer construir maior mobilidade, infraestrutura
intermitente, enfatizando o envolvimento, frequente perturbao e transio para o gameplay28
27 [] strive to create persistent, always already gaming infrastructures [].
(idem).
28[...]projects that aim to construct more mobile, intermittent infrastructures, emphasizing the active, andfrequently disruptive, transition to gameplay [].
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A partir dessas consideraes principais, a autora elenca trs categorias de design e
esttica de jogos que podem ocorrer em qualquer ambiente ou contexto. Tais classes so apenas
uma sistematizao das principais caractersticas encontradas nessas experincias ldicas, sendo
elas, complementares entre si, e no sistemas fixos e fechados, como frmulas prontas para
aplicao direta para o projeto de jogos. As categorias so: Jogos de Computao Ubqua
(UbiComp Games), Jogos Pervasivos e Jogos Ubquos.
A primeira forma de jogo trata daqueles que tm seus propsitos ligados filosofia da
computao ubqua de aplicar tecnologia em rede digital em qualquer espao ou circunstncia,
utilizando-se de uma interface ldica para tal finalidade; colonizando digitalmente ambientes de
forma quase imperceptvel por trs do jogo ou da brincadeira. So projetos com fins
essencialmente tecnolgicos, no estando vinculado a finalidades ldicas e geralmente ligados aexperimentaes universitrias e coorporativas. Como a autora explica, os jogos de computao
ubqua pretendem avanar no campo social e organizacional, demonstrando ao pblico os
potenciais benefcios das tecnologias da ubicomp29
Podemos citar jogos como: CatchBob!
(MCGONIGAL, 2006, p. 92).30, com times de trs pessoas distribudas por