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A Medida Socioeducativa e a viso scio-assistencial: os riscos da revivncia da doutrina da situao irregular sob um novo rtulo. Joo Batista Costa Saraiva1 A idia da descentralizao do atendimento, levando em conta o princpio da especializao e a constante busca da participao da sociedade no atendimento do adolescente autor de ato infracional, foi constitutiva da prpria Doutrina da Proteo Integral. Fundada no princpio da peculiar condio de pessoa em desenvolvimento a Doutrina da Proteo Integral contrape-se vetusta Doutrina da Situao Irregular que norteava o Cdigo de Menores. Este inclua praticamente 70% da populao infanto-juvenil brasileira nesta condio, bastando ver a redao do artigo segundo do revogado Cdigo de Menores 2. Pela ideologia da situao irregular, os menores tornam-se interesse do direito especial quando apresentam uma patologia social, a chamada situao irregular, ou seja quando no se ajustam a estabelecido.1

um padro

Juiz de Direito, Especialista em Direito da Criana e do Adolescente, tem diversas obras publicadas,

sendo a mais recente: Compndio de Direito Penal Juvenil: Adolescente e Ato Infracional, Porto Alegre: Livraria do advogado Ed., 4ed., 2010.2

Cdigo de Menores, Lei 6.697/79, art. 2: Para os efeitos deste Cdigo, considera-se em situao irregular o menor: I- privado de condies essenciais sua subsistncia, sade e instruo obrigatria, ainda que eventualmente, em razo de: a) falta, ao ou omisso dos pais ou responsvel; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsvel para prov-las; II- vtima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsvel; III- em perigo moral, devido a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrrio aos bons costumes; b) explorao de atividade contrria aos bons costumes; IV- privado de representao ou assistncia legal, pela falta eventual dos pais ou responsvel; V- com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptao familiar ou comunitria; VI- autor de infrao penal.

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A declarao de situao irregular tanto poderia derivar de sua conduta pessoal (caso de infraes por ele praticadas ou de desvio de conduta), como da famlia (maus tratos) ou da prpria sociedade (abandono). Haveria uma situao irregular, uma molstia social, sem distinguir, com clareza, situaes decorrentes da conduta do jovem ou daqueles que o cercam. Reforava-se a idia dos grandes institutos para menores (at hoje presentes em alguns setores da cultura nacional), onde misturavam-se infratores e abandonados, vitimizados por abandono e maus tratos com vitimizadores autores de conduta infracional, partindo do pressuposto de que todos estariam na mesma condio: estariam em "situao irregular" 3. Mary Beloff, professora de Direito Penal Juvenil na Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires, resume uma srie de distines entre a Doutrina da Situao Irregular, que presidia o Cdigo de Menores e as legislaes latino-americanas da poca , derrogados pela Conveno das Naes Unidas de Direito da Criana, e a Doutrina da Proteo Integral resultante da nova ordem internacional 4. Do trabalho de Mary Beloff se extrai como caractersticas da Doutrina da Situao Irregular:

a)

as crianas e os jovens aparecem como objetos de proteo, no so reconhecidos como sujeitos de direitos e sim como incapazes. Por isso as leis no so para toda a infncia e adolescncia, mas sim para os menores.

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No contexto latinoamericano, a idia da criminalizao da pobreza se constituiu no norte para a construo do sistema de ateno aos menores, na lgica da Doutrina Tutelar, da situao irregular. Eduardo Galeano, no notvel De Pernas Pro Ar: a Escolado Mundo ao Avesso (LP&M, 1999), refere que no primeiro Congresso Policial Sul-Americano, celebrado em Montevidu em 1979, a polcia colombiana explicou que o aumento crescente da populao com menos de dezoito anos induz estimativa de maior populao POTENCIALMENTE DELINQENTE (Maisculas no original), p. 18. 4 Beloff, Mary. Modelo de la Protecin Integral de los derechos Del nio y de la situacin irregular: um modelo para armar y outro para desarmar. In Justicia y Derechos Del Nio. Santiago de Chile: UNICEF, 1999, pp. 9/21.

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b)

Se utilizam categorias vagas e ambguas, figuras jurdicas de tipo aberto, de difcil apreenso desde a perspectiva do direito, tais como menores em situao de risco ou perigo moral ou material, ou em situao de risco, ou em circunstncias especialmente difceis, enfim estabelece-se o paradigma da ambigidade.

c)

Neste sistema o menor que est em situao irregular; so suas condies pessoais, familiares e sociais que o convertem em um menor em situao irregular e por isso objeto de uma interveno estatal coercitiva, tanto ele como sua famlia.

d)

Estabelece-se uma distino entre as crianas bem nascidas e aqueles em situao irregular, entre criana e menor, de sorte que as eventuais questes relativas quelas sero objeto do Direito de Famlia e destes dos Juizados de Menores.

e)

Surge a idia de que a proteo da lei visa aos menores, consagrando o conceito de que estes so objeto de proteo da norma.

f)

Esta proteo freqentemente viola ou restringe direitos, porque no concebida desde a perspectiva dos direitos fundamentais.

g) h)

Aparece a idia de incapacidade do menor. Decorrente deste conceito de incapacidade, a opinio da criana faz-se irrelevante.

i)

Nesta mesma lgica se afeta a funo jurisdicional, j que o Juiz de Menores deve ocupar-se no somente de questes tipicamente judiciais, mas tambm de suprir as deficincias de falta de polticas pblicas adequadas. Por isso se espera que o Juiz atue como um bom pai de famlia em sua misso de encarregado do patronato do Estado sobre estes menores em situao de risco ou perigo moral ou material. Disso resulta que o Juiz de Menores no est limitado pela lei e tenha faculdades ilimitadas e onipotentes de

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disposio e interveno sobre a famlia e a criana, com amplo poder discricionrio. j) k) H uma centralizao do atendimento. Estabelece-se uma indistino entre crianas e adolescentes que cometem delito com questes relacionadas com as polticas sociais e de assistncia, conhecido como seqestro e judicializao dos problemas sociais. l) Deste modo se instala uma nova categoria, de menor abandonado/delinqente e se inventa a delinqncia juvenil. m) Como conseqncia deste conjunto se desconhece todas as garantias reconhecidas pelos diferentes sistemas jurdicos no Estado de Direito, garantias estas que no so somente para pessoas adultas. n) Principalmente, a medida por excelncia que adotada pelos Juizados de Menores, tanto para os infratores da lei penal quanto para as vtimas ou protegidos, ser a privao de liberdade. Todas estas medidas impostas por tempo indeterminado. o) Consideram-se as crianas e adolescentes como inimputveis penalmente em face dos atos infracionais praticados. Esta ao protetiva resulta que no lhes ser assegurado um processo com todas as garantias que tm os adultos e que a deciso de priv-los de liberdade ou de aplicao de qualquer outra medida, no depender necessariamente do fato cometido, mas sim,

precisamente, da circunstncia de a criana ou adolescente encontrar-se em situao de risco. Neste tempo, de vigncia do Cdigo de Menores, a grande maioria da populao infanto-juvenil recolhida s entidades de internao do sistema FEBEM no Brasil, na ordem de 80%, era formada por crianas e

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adolescente, menores, que no eram autores de fatos definidos como crime na legislao penal brasileira. Estava consagrado um sistema de controle da pobreza, que Emlio Garcia Mendez define como scio-penal, na medida em que se aplicavam sanes de privao de liberdade a situaes no tipificadas como delito, subtraindo-se garantias processuais. Prendiam a vtima. Esta tambm era, por conseqncia, a ordem que imperava nos Juizados de Menores. A criminalizao da pobreza, a judicializao da questo social na rbita do ento Direito do Menor, que orientava os Juizados de Menores da poca, pode ser bem definida a partir da experincia da instalao do Juizado da Infncia e Juventude de Porto Alegre, nos primeiros instantes de vigncia do Estatuto da Criana e do Adolescente, no final de 1990, incio de 1991. Quando o Juiz Marcel Hoppe foi incumbido de instalar o novo Direito da Infncia e da Juventude na Capital do Rio Grande do Sul, construindo um novo Juizado da Infncia e Juventude, encontrou mais de vinte e cinco mil processos em tramitao no Juizado. Realizada uma triagem nos processos, verificados quais efetivamente envolviam questes jurisdicionais, sob a tica do novo direito, os feitos foram reduzidos para pouco mais de trs mil 5. A implantao da nova ordem em substituio ao que havia no Juizado da Infncia e Juventude de Porto Alegre veio a ser mais tarde reconhecida pelo UNICEF, conferindo prmio ao Juiz Marcel Hoppe6.5

Nesta atuao de adequao nova ordem, refere Marcel Hoppe, ilustrando a situao que encontrou, que havia um menino de trs anos internado h mais de seis meses em uma das unidades do sistema FEBEM. Investigada a situao foi constatado que o garoto, morador da periferia, havia ido com a me ao aeroporto ver os avies decolarem e havia se perdido. Desde ento estava recolhido Febem. Em uma busca de quarenta e cinco minutos pela cidade a casa do menino foi localizada e ele restitudo ao lar. Havia uma lgica perversa a presidir o sistema de que a institucionalizao era melhor do que a famlia, quando pobre. 6 Em 1993, Marcel Hoppe foi agraciado com o Prmio Criana e Paz Direitos da Criana, institudo pelo UNICEF, em reconhecimento por seu trabalho junto ao Juizado da Infncia e Juventude de Porto

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Sobre a aplicao da Doutrina da Situao Irregular e a operacionalidade do Cdigo de Menores, aduz Martha de Toledo Machado 7: A implementao desta poltica pblica, entretanto, acabou por gerar, to somente, uma condio de sub-cidadania de expressivo grupo de jovens criados longe de ncleos familiares, nas grandes instituies, que acabaram adultos incapazes do exerccio de suas potencialidades humanas plenas. Alm da tambm indigna e absurda retirada arbitrria de expressivo nmero de crianas de tenra idade da companhia de seus pais para colocao em adoo, sem que houvesse significativa violao dos deveres do ptrio-poder, apenas em funo da carncia econmica das famlias, como referido por Olimpio de S Sotto Maior Neto. Enquanto no Brasil, em 1979, editava-se o Cdigo de Menores, expresso mxima da Doutrina da Situao Irregular e do carter tutelar do Direito de Menores, a ONU estabelecia aquele como o Ano Internacional da Criana. Passavam vinte anos desde o advento da Declarao dos Direitos da Criana, em 1959, cumprindo fazer entre os pases signatrios daquela Carta um balano mundial dos avanos alcanados na efetivao daqueles direitos enunciados. Em face disso, percebendo a necessidade de uma Normativa Internacional com fora cogente, apta a dar efetividade aos direitos preconizados na Declarao dos Direitos da Criana, na ONU, a representao da Polnia props a elaborao de uma Conveno sobre o tema.

Alegre. 7 No artigo resultante da palestra Destituio do Ptrio Poder e Colocao em Lar Substituto Uma Abordagem Crtica, proferida no I Encontro Nacional de Promotores de Justia Curadores de Menores, realizado em So Paulo em agosto de 1989, publicado pelo Ministrio Pblico de So Paulo, apud Martha de Toledo Machado, op. Cit..

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A Conveno das Naes Unidas de Direito da Criana de 1989 tem, pois, uma histria de elaborao de dez anos, com origem em 1979. A Comisso de Direitos Humanos da ONU organizou um grupo de trabalho aberto para estudar a questo. Neste grupo poderiam participar delegados de qualquer pas membro da ONU, alm dos representantes obrigatrios dos 43 Estados integrantes da Comisso, organismos internacionais como o UNICEF, e o grupo ad hoc das organizaes no governamentais. Em 1989, no trigsimo aniversrio da Declarao dos Direitos da Criana, a Assemblia-Geral da Organizao das Naes Unidas, reunida em Nova York, aprovou a Conveno sobre os Direitos da Criana. Desde ento os Direitos da Criana passam a se assentar sobre um documento global, com fora coercitiva para os Estados signatrios, entre os quais o Brasil. A Conveno das Naes Unidas de Direito da Criana, consagrando a Doutrina da Proteo Integral, se constitui no principal documento internacional de Direitos da Criana. No dizer de Antnio Carlos Gomes da Costa, a Conveno Internacional de Direitos da Criana um documento poderoso para modificao das maneiras de entender e agir das pessoas, grupos e comunidades, produzindo mudanas no panorama legal, suscitando o reordenamento das instituies e promovendo a melhoria das formas de ateno direta. Apesar de no ser cronologicamente o primeiro texto, a Conveno da ONU sobre Direitos da Criana contribuiu decisivamente para consolidar um corpo de legislao internacional denominado Doutrina das Naes Unidas de Proteo Integral Criana. Conforme Emlio Garcia Mendez sob esta denominao estar-se- referindo a Conveno das Naes Unidas dos Direitos da Criana, As

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Regras Mnimas das Naes Unidas para Administrao da Justia de Menores, As Regras Mnimas das Naes Unidas para a proteo dos jovens privados de liberdade e as Diretrizes das Naes Unidas para a preveno da delinqncia juvenil. Este corpo de legislao internacional, com fora de lei interna para os pases signatrios, entre os quais o Brasil, modifica total e definitivamente a velha doutrina da situao irregular. A Doutrina da Proteo Integral foi adotada pela Constituio Federal, que a consagra em seu art. 227, tendo sido acolhida pelo plenrio do Congresso Constituinte pela extraordinria votao de 435 votos contra 8. O texto constitucional brasileiro, em vigor desde o histrico outubro de 1988 antecipou-se Conveno, vez que o texto da ONU veio a ser aprovado pela Assemblia-Geral das Naes Unidas em 20 de Novembro de 1989. Na aplicao da Doutrina da Proteo Integral no Brasil, em cotejo com os primados da Doutrina da Situao Irregular que presidiam o velho Cdigo de Menores, o que se constata que o Pas, o Estado e a Sociedade que se encontram em situao irregular. Assim, a Doutrina das Naes Unidas de Proteo Integral Criana, com fora cogente nos Pases signatrios, pode ser afirmada a partir destes quatro documentos: a) Conveno Internacional sobre os Direitos da Criana (20/11/89); b) Regras mnimas das Naes Unidas para a Administrao dos Direitos dos Menores, conhecidas como regras de Beijing (29/11/85); c) Regras das Naes Unidas para a Proteo dos Menores Privados de Liberdade (14/12/90); d) Diretrizes das Naes Unidas para a Preveno da Delinqncia Juvenil, conhecidas como Diretrizes como Diretrizes de Riad (14/12/90). Este conjunto normativo revogou a antiga concepo tutelar, trazendo a criana e o adolescente para uma condio de sujeito de direito, de

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protagonista de sua prpria histria, titular de direitos e obrigaes prprios de sua peculiar condio de pessoa em desenvolvimento, dando um novo contorno ao funcionamento da Justia de Infncia e Juventude, abandonando o conceito de menor, como subcategoria de cidadania. Todo sistema de garantias construdo pelo Direito Penal como fator determinante de um Estado Democrtico de Direito estendido a criana e ao adolescente, em especial quando se lhe atribuda a prtica de uma conduta infracional. Princpios fundamentais, cujos, em nome de uma suposta ao protetiva do Estado eram esquecidos pela Doutrina da Situao Irregular, passam a ser integrantes da rotina do processo envolvendo crianas e adolescentes em conflito com a lei, tais como princpio da reserva legal, do devido processo legal, do pleno e formal conhecimento da acusao, da igualdade na relao processual, da ampla defesa e contraditrio, da defesa tcnica por advogado, da privao de liberdade como excepcional e somente por ordem expressa da autoridade judiciria ou em flagrante, da proteo contra a tortura e tratamento desumano ou degradante, etc. Retomando a anlise de Mary Beloff8 possvel listar as principais caractersticas da Doutrina da Proteo Integral: a) Definem-se os direitos das crianas, estabelecendo-se que, no caso de algum destes direitos vier a ser ameaado ou violado, dever da famlia, da sociedade, de sua comunidade e do Estado restabelecer o exerccio do direito atingido, atravs de mecanismos e procedimentos efetivos e eficazes, tanto administrativos quanto judiciais, se for o caso. b) Desaparecem as ambigidades, as vagas e imprecisas categorias de risco, perigo moral ou material, circunstncias especialmente difceis, situao irregular, etc.8

Beloff, Mary. Op. Cit. PP. 18 e 19.

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c)

Estabelece-se que, quem se encontra em situao irregular, quando o direito da criana se encontra ameaado ou violado, algum ou alguma instituio do mundo adulto (famlia, sociedade, Estado).

d)

Estabelece-se a distino entre as competncias pelas polticas sociais e competncias pelas questes relativas a infrao lei penal. Neste caso estabelecendo-se princpios fundamentais como ampla defesa, reconhecendo que os direitos das crianas e dos adolescentes dependem de um adequado desenvolvimento das polticas sociais.

e)

A poltica pblica de atendimento deve ser concebida e implementada pela sociedade e pelo Estado, fundada na descentralizao e focalizada nos municpios.

f)

abandonado o conceito de menores como sujeitos definidos de maneira negativa, pelo que no tm, no sabem ou no so capazes, e passam a ser definidos de maneira positiva, como sujeitos plenos de direito.

g)

So desjudicializados os conflitos relativos a falta ou carncia de recursos materiais, substituindo o anterior sistema que centrava a ao do Estado pela interveno judicial nestes casos.

h)

A idia de Proteo dos Direitos das Crianas e dos Adolescentes: No se trata, como no modelo anterior, de proteger a pessoa da criana ou do adolescente, do menor, mas sim de garantir os direitos de todas as crianas e adolescentes.

i)

Este conceito de proteo resulta no reconhecimento e promoo de direitos, sem viol-los nem restringi-los.

j)

Tambm por este motivo a proteo no pode significar interveno estatal coercitiva.

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k)

Da idia de universalidade de direitos, se depreende que estas leis, derivadas da nova ordem, so para toda a infncia e adolescncia, no para uma parte. Por isso se diz que com estas leis se recupera a universalidade da categoria infncia, perdida com as primeiras leis para menores.

l)

J no se trata de incapazes, meias-pessoas ou pessoas incompletas, mas sim pessoas completas, cuja particularidade que esto em desenvolvimento. Por isso se reconhecem todos os direitos que tm todas as pessoas, mais um plus de direitos especficos precisamente por reconhecer-se que so pessoas em peculiar condio de desenvolvimento.

m)

Decorre disso, por um imperativo lgico, o direito de a criana ser ouvida e sua palavra e opinio devidamente consideradas.

n)

Recoloca-se o Juiz na sua funo jurisdicional, devendo a Justia de Infncia e Juventude ocupar-se de questes jurisdicionais, seja na rbita infracional (penal) seja na rbita civil (famlia).

o)

O Juiz da Infncia, como qualquer Juiz no exerccio de sua jurisdio, est limitado em sua interveno pelo sistema de garantias.

p)

Na questo do adolescente em conflito com a lei, enquanto autor de uma conduta tipificada como crime ou contraveno, se reconhecem todas as garantias que correspondem aos adultos nos juzos criminais, segundo as constituies e os instrumentos internacionais pertinentes, mais garantias especficas. Destas, a principal de que os adolescentes devem ser julgados por tribunais especficos, com procedimentos prprios e que a responsabilidade do adolescente pelo ato cometido resulte na aplicao de sanes distintas daquelas do sistema de adultos, estabelecendo, deste

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ponto de vista, uma responsabilidade penal juvenil, distinta daquela do adulto. q) Resulta disso o estabelecimento de um rol de medidas aplicveis ao adolescente em conflito com a lei, onde o alternativo, excepcional, ltima soluo e por breve tempo ser a privao de liberdade. Estas medidas se estendem desde a advertncia e admoestao at os regimes de semiliberdade e ou privao de liberdade em instituio especializada, distinta daquela de adultos e por tempo determinado. r) A privao de liberdade ser sempre o ltimo recurso, presidida por princpios como brevidade e excepcionalidade, com perodo determinado de durao e somente aplicvel em caso de um delito grave. A partir destes primados estabelecidos pela nova ordem internacional estabelece-se uma mudana paradigmtica no Direito da Criana. A Constituio Federal de 1988, antecipando-se Conveno das Naes Unidas de Direito da Criana, incorporou ao ordenamento jurdico nacional, em sede de norma constitucional, os princpios fundantes da Doutrina da Proteo Integral, expressos especialmente em seus arts. 227 e 228.

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A ideologia incorporada no texto Constitucional norteou o Estatuto da Criana e do Adolescente, legislao infraconstitucional

regulamentadora dos dispositivos constitucionais que tratam da matria, sendo, em ltima anlise, a verso brasileira do texto da Conveno das Naes Unidas de Direito da Criana. O Princpio da Prioridade Absoluta, erigido como preceito fundante da ordem jurdica, estabelece a primazia deste direito no artigo 227 da Constituio Federal. Tal princpio est reafirmado no art. 4 do Estatuto da Criana e do Adolescente. Neste dispositivo esto lanados os fundamentos do chamado Sistema Primrio de Garantias, estabelecendo as diretrizes para uma Poltica Pblica que priorize crianas e adolescentes, reconhecidos em sua peculiar condio de pessoa em desenvolvimento. fundamental explicitar, para compreenso desta nova ordem resultante do Estatuto da Criana e do Adolescente, que este se estrutura a partir de trs grandes sistemas de garantia, harmnicos entre si: a) o Sistema Primrio, que d conta das Polticas Pblicas de Atendimento a crianas e adolescentes (especialmente os arts. 4 e 86/88) de carter universal, visando a toda a populao infanto-juvenil brasileira, sem quaisquer distines;

b) o Sistema Secundrio que trata das Medidas de Proteo dirigidas a crianas e adolescentes em situao de risco pessoal ou social, no autores de atos infracionais (embora tambm aplicvel a estes, no caso de crianas, com exclusividade, e de adolescentes, supletivamente art. 112, VI, do Estatuto da Criana e do Adolescente), de natureza preventiva, ou seja, crianas e adolescentes enquanto vtimas, enquanto violados em seus direitos fundamentais (especialmente os arts. 98 e 101). As medidas protetivas visam a alcanar crianas e adolescentes enquanto vitimizados.

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c) o Sistema Tercirio, que trata das medidas socioeducativas, aplicveis a adolescentes em conflito com a Lei, autores de atos infracionais, ou seja, quando passam a condio de vitimizadores (especialmente os arts. 103 e 112).

Este trplice sistema, de preveno primria (polticas pblicas), preveno secundria (medidas de proteo) e preveno terciria (medidas socioeducativas), opera de forma harmnica, com acionamento gradual de cada um deles. Quando a criana e o adolescente escapar ao sistema primrio de preveno, aciona-se o sistema secundrio, cujo grande agente operador deve ser o Conselho Tutelar. Estando o adolescente em conflito com a lei, atribuindo-se a ele a prtica de algum ato infracional, o terceiro sistema de preveno, operador das medidas socioeducativas, ser acionado, intervindo aqui o que pode ser chamado genericamente de sistema de Justia (Polcia/Ministrio Pblico/Defensoria/Judicirio/rgos Executores das Medidas Socioeducativas). O acionamento destes sistemas faz-se integrado, interessando ao sistema tercirio de preveno o adolescente na condio de vitimizador. Enquanto vtima, seja da excluso social, seja da negligncia familiar, etc., faz-se sujeito de medida de proteo (do sistema secundrio de preveno, de ntido carter preventivo delinqncia). O Poder Judicirio detm a demanda do Sistema Tercirio de Garantias, na medida que somente ingressam nesses programas

adolescentes submetidos medida socioeducativa, prerrogativa exclusiva do Poder Judicirio em face da atribuio ao adolescente da prtica de um ato definido em lei como crime ou contraveno (Smula 108, do STJ). Assim, como adiante se retoma, uma das notas fundantes da medida socioeducativa seu carter de coercitibilidade, decorrente da imposio

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feita pelo Poder Judicirio em sua deciso em face da atribuio da conduta infratora ao adolescente. Os programas socioeducativos dividem-se em dois grupos: privativos de liberdade e em meio aberto, conforme dispe o art. 112 do Estatuto da Criana e do Adolescente. A lgica que preside o Sistema Socioeducativo, em especial por conta da ausncia de uma normativa que regule o processo de execuo, tem sido a de que as medidas privativas de liberdade so de atribuio do Estado Federado enquanto as medidas de meio aberto, Liberdade Assistida e Prestao de Servios Comunidade so de responsabilidade dos Municpios. A regra, decorrente do princpio da excepcionalidade que preside a imposio de medida de privao de liberdade, de que o adolescente a que se atribua a prtica de um delito receba a imposio de uma medida no-privativa de liberdade, de meio aberto. Prevalece aqui, na esfera juvenil, na lgica de um Direito Penal Mnimo, a nfase s alternativas priso perfeitamente adequados lgica do sistema penal juvenil. Enquanto em relao s medidas socioeducativas que importam em privao de liberdade resta pacificado o entendimento de que a efetivao dos programas de atendimento so de competncia do Executivo das Unidades Federadas, sem prejuzo de parcerias com entidades nogovernamentais, relativamente ao primeiro grupo de medidas noprivativas de liberdade a proposio do Estatuto outra. A competncia pela manuteno dos programas de execuo de medidas socioeducativas em Meio Aberto dos Municpios. Da ser possvel afirmar que, relativamente ao primeiro grupo de medidas, art. 112, incs. I a IV, a plena realizao desses programas est vinculada em direta proporo ao grau de

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comprometimento dos protagonistas do Sistema de Justia Juvenil local com sua efetivao. Pela Municipalizao do atendimento a proposta de que estes programas sejam desenvolvidos pelos Municpios, na forma estabelecida pela proposta de instituio do Sistema Nacional Socioeducativo SINASE, a partir de encaminhamento feito pelo Conselho Nacional de Direitos da Criana e do Adolescente e da Secretaria Nacional de Direitos Humanos. A proposta original de instituio do SINASE elenca como atribuies dos Municpios: I - formular, instituir, coordenar e manter o Sistema Municipal de Atendimento Socioeducativo, respeitadas as diretrizes fixadas pela Unio e o respectivo Estado; II elaborar o Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo, em conformidade com o Plano Nacional e o respectivo Plano Estadual; III - criar e manter programas de atendimento para a execuo das medidas socioeducativas em meio aberto; IV - editar normas complementares para a organizao e funcionamento dos programas do seu Sistema de Atendimento Socioeducativo; V - Cadastrar-se no Sistema Nacional de Informaes sobre o Atendimento Socioeducativo, fornecer regularmente os dados necessrios ao

abastecimento e atualizao do Sistema; e VI financiar, conjuntamente com os demais entes federados, a execuo de programas e aes destinados ao atendimento inicial de adolescente

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apreendido para apurao de ato infracional, bem como aqueles destinados a adolescente a quem foi aplicada medida socioeducativa em meio aberto. O modelo de execuo pelo prprio Poder Judicirio (herdado do antigo regime do Cdigo de Menores) no se sustenta nessa nova ordem. No compete Justia da Infncia a manuteno de programas de atendimento. O papel do Judicirio de julgar e A manuteno de programas de atendimento se constitui em uma anomalia, herana do anterior sistema do Cdigo de Menores, das Instituies Totais e da negao do sistema de atendimento integrado em rede. Corolrio das disposies contidas na proposta de instituio do SINASE, o respectivo programa municipal de atendimento dever estar regularmente inscrito no Conselho Municipal de Direitos da Criana e do Adolescente, independentemente de quem sejam os atores sociais que o executem, supondo a existncia de uma reede de atendimento. Cabe destacar que compete ao Conselho Municipal dos Direitos da Criana e do Adolescente as funes deliberativas e de controle do Sistema Municipal de Atendimento Socioeducativo, nos termos previstos no art. 88, II, do Estatuto da Criana e do Adolescente. O regramento trazido na proposta de instituio do SINASE estabelecia ainda a composio mnima da equipe tcnica do programa de atendimento, com carter interdisciplinar, incluindo pedagogo, psiclogo, assistente social e tcnico em Medicina. Alterado na Cmara adotou a genrica instituio de tcnicos na rea de sade, alm de assistente social.

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Incluem-se na proposta originria de formulao do SINASE, na linha dos diversos programas em funcionamento no Brasil, como por exemplo os programas socioeducativos desenvolvidos nos municpios de Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre, como requisitos obrigatrios para a inscrio de programa de atendimento: A) a exposio das linhas gerais dos mtodos e das tcnicas pedaggicas, com a especificao das atividades de natureza coletiva; B) a indicao da estrutura material, dos recursos humanos e das estratgias de segurana compatveis com as necessidades da respectiva unidade; C) o detalhamento das atribuies e responsabilidades do dirigente, de seus prepostos, dos membros da equipe tcnica e dos demais educadores; D) a previso das condies do exerccio da disciplina e concesso de benefcios e o respectivo procedimento de aplicao; E) a poltica de formao dos recursos humanos; F) a previso das aes de acompanhamento do adolescente aps o cumprimento de medida socioeducativa; G) a indicao da equipe tcnica cuja quantidade e formao devem estar em conformidade com as normas de referncia do sistema, dos conselhos profissionais e com o atendimento socioeducativo a ser realizado. Fica estabelecido ainda que as entidades que ofeream programas de atendimento socioeducativo em meio aberto (como aquelas de

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semiliberdade) devero orientar os adolescentes sobre o acesso aos servios das unidades de sade do SUS. Nos termos da proposta originria de instituio do SINASE, na linha da experincia acumulada nesses vinte anos de vigncia do Estatuto, onde os programas socioeducativos esto em funcionamento, ficou estabelecido que tais programas de atendimento das medidas de prestao de servios comunidade ou de liberdade assistida so responsveis por: a) selecionar e credenciar orientadores, designando-os, caso a caso, para acompanhar e avaliar o cumprimento da medida; b) receber o adolescente e seus pais ou responsvel e orientlos sobre a finalidade da medida e sobre a organizao e funcionamento do programa; c) encaminhar o adolescente para o orientador credenciado; d) supervisionar o desenvolvimento da medida; e) avaliar, com o orientador, a evoluo do cumprimento da medida e, se necessrio, propor autoridade judiciria a substituio ou a extino da medida; f) selecionar e credenciar, entidades assistenciais, hospitais, escolas ou outros estabelecimentos congneres, e os programas comunitrios ou governamentais nos quais os adolescentes devero cumprir a medida socioeducativa de prestao de servios comunidade, de acordo com o perfil do socioeducando e o ambiente no qual a medida ser cumprida. Estas disposies contemplam, em linhas gerais, as diversas experincias em andamento no Brasil para execuo de medidas de meio

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aberto, conforme a realidade local, nos termos das deliberaes dos Conselhos Municipais de Direitos da Criana. A par dessas aes, desde o advento da Lei Orgnica da Assistncia Social (onde no h expressa referncia aos programas socioeducativos), at a instituio do Sistema nico de Assistncia Social - SUAS, h um progressivo movimento visando a apropriar os programas socioeducativos, do sistema tercirio de garantias, destinado a adolescentes autores de ato infracional, rede de assistncia social, atravs de sucessivas Portarias de rgos Governamentais, regulamentando aes da rede de ateno bsica, mdia e alta complexidade (A Resoluo 109, de 11.11.2009, do Conselho Nacional de assistncia Social, institui a Tipificao Nacional de Servios Socioassistenciais). Como h notcia de deciso poltica do Governo Federal em financiar as aes socioeducativas em Municpios com mais de cinqenta mil habitantes, condicionando, porm, este financiamento a que tal servio esta a expresso seja executada nos Centros de Referncia Especializado de Assistncia Social CREAS, inadmitindo outra forma de ao do programa de atendimento, remetendo assim necessidade de uma reviso do programa previamente registrado e aprovado no Conselho Municipal de Direitos, cumpre que se faa algumas reflexes. Em primeiro lugar, embora se afirme que no h imposio deste modelo de atendimento, no resta dvida alguma que, vivendo o Pas uma experincia de absoluta concentrao dos recursos financeiros na Unio, em mais se sessenta por cento da receita tributria, com certeza absoluta a maioria absoluta dos Municpios ir aderir a esta proposta, at mesmo por no dispor de recursos para desenvolver de outro modo.

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Assim, so considerados servios de mdia complexidade aqueles que oferecem atendimentos s famlias e indivduos com seus direitos violados, mas cujos vnculos familiares e comunitrios no foram rompidos. Neste sentido, requerem maior estruturao tcnico-operacional e ateno especializada e mais individualizada, e, ou, acompanhamento sistemtico e monitorado, tais como: Servio de orientao e apoio scio-familiar; Planto Social; Abordagem de Rua; Cuidado no Domiclio; Servio de Habilitao e Reabilitao na comunidade das pessoas com deficincia;

Medidas scio-educativas em meio-aberto (PSC Prestao de Servios Comunidade e LA Liberdade Assistida) 9.

Nos termos da Normativa regulamentadora da Poltica Nacional de Assistncia Social h disposio no sentido de que a proteo especial de mdia complexidade envolve tambm (e no exclusivamente, por isso o negrito) o Centro de Referncia Especializado da Assistncia Social, visando orientao e o convvio scio-familiar e comunitrio. Difere-se da proteo bsica por se tratar de um atendimento dirigido s situaes de violao de direitos 10. (Poltica Nacional de Assistncia Social PNAS/2004 Norma Operacional Bsica NOB/SUAS pag. 38). O Centro de Referncia Especializado de Assistncia Social (CREAS), integrante do Sistema nico de Assistncia Social (SUAS), constitui-se numa unidade pblica estatal, responsvel pela oferta de atenes especializadas de apoio, orientao e acompanhamento a9 10

Poltica Nacional de Assistncia Social PNAS/2004 Norma Operacional Bsica NOB/SUAS pg. 38. Poltica Nacional de Assistncia Social PNAS/2004 Norma Operacional Bsica NOB/SUAS pg. 38.

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indivduos e famlias com um ou mais de seus membros em situao de ameaa ou violao de direitos. Tem como objetivos: A) Fortalecer as redes sociais de apoio da famlia; B) Contribuir no combater a estigmas e preconceitos; C) Assegurar proteo social imediata e atendimento interdisciplinar s pessoas em situao de violncia visando sua integridade fsica, mental e social; D) Prevenir o abandono e a institucionalizao; E) Fortalecer os vnculos familiares e a capacidade protetiva da famlia. Pblico-alvo da atuao do CREAS: Crianas, adolescentes, jovens, mulheres, pessoas idosas, pessoas com deficincia, e suas famlias, que vivenciam situaes de ameaa e violaes de direitos por ocorrncia de abandono, violncia fsica, psicolgica ou sexual, explorao sexual comercial, situao de rua, vivncia de trabalho infantil e outras formas de submisso a situaes que provocam danos e agravos a sua condio de vida e os impedem de usufruir de autonomia e bem-estar. O CREAS deve articular os servios de referncia e contrareferncia com a rede de servios socioassistenciais da proteo social bsica e especial, com as demais polticas pblicas e rgos do Sistema de Garantia de Direitos11. Conforme relato da Assistente Social Viviana Grassi, tomando como exemplo a experincia do Municpio de Santo ngelo no Rio Grande do Sul, o atendimento Proteo Especial, pela Secretaria Municipal de Assistncia Social, no municpio, iniciou no ano de 2005 com a adeso, contemplao e execuo dos Programas de Erradicao do Trabalho Infantil PETI e do Sentinela, destinado ao atendimento de Crianas e Adolescente Vtimas de Violncia, Abuso e Explorao Sexual. Sendo que algumas das aes que compreendem o atendimento, orientao e acompanhamento a indivduos e famlias em situao de ameaa ou violao de direitos, j vinham sendo desenvolvidas pelas entidades que11

WWW.mds,gov.br/programas/proteo-social-especial/centro-de-referencia-especializado assistncia social

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compem a rede de garantia de direitos do municpio. Assim a atuao do CREAS d-se em articulao com a rede. D-se assim reforando a idia que o CREAS no pode ser considerado como espao exclusivo de proteo social, mas deve, interligar seus servios aos demais espaos que realizam a garantia dos direitos das populaes atendidas, estabelecendo um amplo sistema de Proteo Social, onde seja o articulador das aes e no pretenda aambarcar todas as demandas. ... A assistncia Social no pode ter como horizonte somente a execuo das atividades arroladas nos documentos institucionais, sob o risco de limitar suas atividades gesto da pobreza, sob a tica da individualizao das situaes sociais... 12. Nessa linha o pronunciamento do Promotor de Justia Murilo Digicomo, publicado sob forma de artigo a partir de parecer exarado em face de consulta ao Centro de Apoio Operacional do Ministrio Pblico do Estado do Paran, na Revista n 17 do Juizado da Infncia e Juventude do Tribunal de Justia do RS, a pg. 9, Anlise da sistemtica de atendimento adotada pelo Centro de Referncia Especializado de Assistncia Social CREAS, de Ponta Grossa -PR13. Naquele texto destaca: O atendimento de crianas, adolescentes e suas respectivas famlias prestado pelo CREAS ou por qualquer outro servio pblico, portanto, deve primar pela celeridade e pela especializao, no sendo admissvel, por exemplo, que sejam aqueles submetidos mesma estrutura e sistemtica destinada ao atendimento de outras demandas, de modo a aguardar no mesmo local e nas mesmas filas que estas a realizao de exames ou tratamento, mxime por tcnicos que no possuam a qualificao profissional devida.Parmetros para Atuao de Assistentes Sociais e Psiclogos (as) na Poltica de Assistncia Social 2007. pag. 11 13 disponvel no site http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/docs/REVISTA/JIJ+17.PDF12

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Ainda transcrevo daquela manifestao: Os problemas enfrentados por crianas e adolescentes no podem esperar, devendo ser enfrentados e solucionados com o mximo de urgncia possvel, evitando assim o agravamento da situao e dos prejuzos por aqueles suportados, sendo certo que a omisso do Poder Pblico os coloca em grave situao de risco (cfe. art. 98, inc. I, da Lei n 8.069/90), tornando o agente pblico responsvel passvel de punio (cfe. art. 5, c/c os arts. 208 e 216, da Lei n 8.069/90). Se j no bastasse tal constatao, a necessidade de um atendimento diferenciado tambm abrange o espao fsico onde este deve ser prestado, no apenas para tornar o ambiente mais agradvel e propcio ao acolhimento de crianas e adolescentes (estimulando seu retorno, nos casos de exames mltiplos ou de um tratamento prolongado), mas tambm para coloc-los a salvo de situaes potencialmente vexatrias ou constrangedoras, que podem resultar da utilizao do mesmo local destinado ao atendimento de outras demandas. A propsito, o art. 5 da Lei n 8.069/90 estabelece que nenhuma criana ou adolescente ser objeto de qualquer forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso, punido na forma da lei qualquer atentado, por ao ou omisso, aos seus direitos fundamentais, dispondo o art. 18 do mesmo diploma legal que dever de todos velar pela dignidade da criana e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatrio ou constrangedor. O art. 70, tambm da Lei n 8.069/90, por sua vez, reafirma que dever de todos prevenir a ocorrncia de ameaa ou violao dos direitos da criana e do adolescente. Tais normas, no caso em exame, se aplicam com especial intensidade no que diz respeito preservao do direito ao respeito, que, na forma do art. 17 da Lei n 8.069/90, compreende [...] a inviolabilidade

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da integridade fsica, psquica e moral da criana e do adolescente, abrangendo a preservao da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idias e crenas, dos espaos e objetos pessoais.

Alm dessas ponderaes, outro fator a ser considerado o estabelecimento dos meios necessrios realizao das atividades tanto para o exerccio profissional, quanto para as modalidades a serem includas e atendidas. O que se evidencia, no momento o trabalho precarizado, baixos salrios, elevada carga de trabalho, alta rotatividade de profissionais, tanto os tcnicos quanto monitores, auxiliares. Inexistncias de possibilidades institucionais para atender s demandas dos usurios. So alguns dos obstculos vivenciados na busca pela Universalizao das Polticas Sociais, garantia de qualidade e continuidade dos projetos, programas e servios. ... fundamental que os trabalhadores... Tenham clareza das funes e possibilidades... De modo a no atribuir Assistncia Social a inteno e o objetivo hrculeo e inatingvel de responder a todas as situaes de excluso, vulnerabilidade, desigualdade social. 14 Por fim, tomando em conta observaes que me foram feitas pelo sempre atento Defensor Pblico Flvio Frasseto, h que se retomar, na anlise desta questo, o carter de coercitibilidade da medida

socioeducativa. Reala Frasseto que a matriz desta proposta, em termos de documentos, se assenta no documento Poltica Nacional de Assistncia Social - PANAS. Nesse documento 15 se extrai: "O SUAS define e organiza os elementos essenciais e imprescindveis execuo da poltica de assistncia social possibilitando a normatizao dos padres nos servios,14

Parmetros para Atuao de Assistentes Sociais e Psiclogos (as) na Poltica de Assistncia Social

2007. pag. 11.15

Disponvel em http://www.social.rj.gov.br/familiar/pdf/pnas.pdf

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qualidade no atendimento, indicadores de avaliao e resultado, nomenclatura dos servios e da rede socioassistencial e, ainda, os eixos estruturantes e de subsistemas conforme aqui descritos: (....) Direito ao atendimento digno, atencioso e respeitoso, ausente de procedimentos vexatrios e coercitivos;" Pelo que se extrai do PNAS se constata que se faz elemento intrnseco da assistncia social a ausncia de coercitibilidade, ou, como adverte Frasseto, assistncia se oferece, no se impe. Ora, sendo a Medida Socioeducativa, a par de sua pretenso socioeducativa, uma sano, enquanto resposta do Estado ao ato infracional, tem ela carter de coercitibilidade, de imposio 16, havendo de ser cumprida independentemente da vontade do adolescente ao qual foi imposta, independentemente do consentimento do afetado, ao ponto de seu descumprimento reiterado e injustificado autorizar inclusive sua colocao em internao (art. 122, inc. III do Estatuto da Criana e do Adolescente). Dessa forma, como adverte Flvio Frasseto, a prpria PNAS, matriz de tudo, j planta a semente que permite questionar sua prpria pretenso em classificar o atendimento socioeducativo como um servio de assistncia social17. Assim, por derradeiro, a ttulo de reflexo preliminar, se constata que a pretenso em impor um modelo de prestao de servio socioeducativo ancorado com exclusividade nos CREAS, nesse universo sem fim de siglas que compe este sistema, acaba por se tornar o embrio perigoso de uma indesejada revivncia do menorismo, restabelecendo, sob um novo rtulo a antiga frmula da situao irregular, subtraindo dos Conselhos Municipais16

Abordo este tema in Compndio de Direito Penal Juvenil: Adolescente e Ato Infracional, 4 Ed., rev. Atual. Proto Alegre: Ed. Livraria do advogado, 2010, especialmente pgs. 71 a 78, especialmente quando se trata da natureza jurdica da medida socioeducativa. 17 Naquilo que pode ser definido como um certo delrio os registros so no sentido de que o PNAS previu tambm as medidas de internao e semiliberdade nos CREAS, dentro da alta complexidade (junto com abrigos, repblicas, albergues para adultos, etc.). Me adverte Frasseto que felizmente o bom senso imperou e isso simplesmente desapareceu na NOB do SUAS que foi lanada algum tempo depois. Como teria sido compatibilizar ausncia de coercitibilidade com privao de liberdade?

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de Direito espao de deliberao sobre a poltica local de atendimento, revivendo o centralismo de outros tempos, em uma revivncia da velha doutrina, sob uma nova frmula.

* Joo Batista Costa Saraiva, natural de Taquari-RS, Juiz de Direito do Estado do Rio Grande do Sul. Atualmente, titular do Juizado Regional da Infncia e Juventude de Santo ngelo. Foi Juiz da Vara de Execues das Medidas Socioeducativas de Porto Alegre entre 1991 e 1994. Na magistratura desde 1984, foi Promotor de Justia, Pretor e Advogado. Tem diversas publicaes sobre o tema Direitos da Criana e do Adolescente, sendo conferencista conhecido em todo o Brasil nesta especialidade com notrio conhecimento. Desenvolve diversas atividades acadmicas no Direito da Infncia e da Juventude no Brasil, como em outros pases da Amrica Latina, Europa e frica, bem como em aes da UNICEF. professor na rea de Direito da Infncia e Juventude na Escola Superior da Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul, bem como do curso de PsGraduao em direito da Infncia da Escola Superior do Ministrio Pblico do RS. professor universitrio, com atuao na rea de graduao e extenso universitria. especialista em Direito. coordenador da rea de Direitos da Criana e do Adolescente da Escola Nacional da Magistratura..

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