Texto 8-Helena Machado Et Al. 2011. Bases de Dados Geneticos

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RELATÓRIO BASES DE DADOS GENÉTICOS COM FINS FORENSES: ANÁLISE COMPARATIVA DE LEGISLAÇÃO EUROPEIA 1 Outubro de 2011 1 O presente relatório foi elaborado no quadro do projeto de investigação Base de dados de perfis de DNA com propósitos forenses em Portugal: questões atuais de âmbito ético, prático e político (FCOMP- 01-0124-FEDER-009231), financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e sediado no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Colaboraram na produção deste relatório os seguintes membros da equipa (ordem alfabética): Machado, Helena (Centro de Investigação em Ciências Sociais da Universidade do Minho/Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra); Moniz, Helena (Centro de Direito Biomédico da Universidade de Coimbra); Santos, Filipe (Centro de Investigação em Ciências Sociais da Universidade do Minho/Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra); Silva, Susana (Epidemiologia Clínica, Medicina Preditiva e Saúde Pública, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto).

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bases de dados genéticos

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  • RELATRIO

    BASES DE DADOS GENTICOS COM FINS

    FORENSES: ANLISE COMPARATIVA DE

    LEGISLAO EUROPEIA1

    Outubro de 2011

    1 O presente relatrio foi elaborado no quadro do projeto de investigao Base de dados de perfis de

    DNA com propsitos forenses em Portugal: questes atuais de mbito tico, prtico e poltico (FCOMP-

    01-0124-FEDER-009231), financiado pela Fundao para a Cincia e a Tecnologia e sediado no Centro

    de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Colaboraram na produo deste relatrio os seguintes

    membros da equipa (ordem alfabtica): Machado, Helena (Centro de Investigao em Cincias Sociais da

    Universidade do Minho/Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra); Moniz, Helena (Centro

    de Direito Biomdico da Universidade de Coimbra); Santos, Filipe (Centro de Investigao em Cincias

    Sociais da Universidade do Minho/Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra); Silva,

    Susana (Epidemiologia Clnica, Medicina Preditiva e Sade Pblica, Faculdade de Medicina da

    Universidade do Porto e Instituto de Sade Pblica da Universidade do Porto).

  • ndice

    Introduo ..................................................................................................................................... 1

    Metodologia .................................................................................................................................. 5

    Tipologia: legislao de efeitos restritivos e expansionistas ......................................................... 7

    Restritivos ........................................................................................................................... 8

    Expansionistas................................................................................................................... 12

    Restrio vs. expanso: opes heterogneas ............................................................................. 13

    A eficincia das bases de dados..................................................................................... 15

    Critrios de insero e remoo de amostras .................................................................... 17

    Finalidades das bases de dados de DNA ..................................................................................... 20

    Papel do sistema judicial na construo e usos da base de dados ............................................... 21

    Acesso e partilha de informao ....................................................................................... 24

    Consentimento, coero e proporcionalidade ................................................................... 26

    Particularidades nacionais ........................................................................................................... 29

    Concluso .................................................................................................................................... 31

    Bibliografia ................................................................................................................................. 33

    Legislao ................................................................................................................................... 35

    Repositrios de legislao ........................................................................................................... 36

    ndice de tabelas

    Tabela 1 Critrios de insero e remoo de perfis nos pases restritivos ................................. 8

    Tabela 2 - Critrios de insero e remoo de perfis nos pases expansionistas ......................... 12

    Tabela 3 Dados de populao e eficincia das bases de dados de DNA pases restritivos ... 16

    Tabela 4 - Dados de populao e eficincia das bases de dados de DNA pases expansionistas

    ..................................................................................................................................................... 16

    Tabela 5 - Critrios de insero e remoo de amostras pases restritivos............................... 18

    Tabela 6 Critrios de insero e remoo de amostras pases expansionistas....................... 19

    Tabela 7 - Finalidades declaradas das bases de dados pases restritivos .................................. 20

    Tabela 8 - Finalidades declaradas das bases de dados pases expansionistas .......................... 21

    Tabela 9 - Preponderncia dos agentes do sistema de justia na construo e usos da base de

    dados ........................................................................................................................................... 23

  • Tabela 10 - Necessidade de consentimento, limites e proporcionalidade da recolha de amostra

    pases restritivos .......................................................................................................................... 26

    Tabela 11 - Necessidade de consentimento, limites e proporcionalidade da recolha de amostra

    pases expansionistas ................................................................................................................... 27

  • 1

    Introduo

    Este relatrio apresenta uma anlise comparativa de legislao que regula o

    funcionamento de bases de dados de DNA2

    para fins forenses (investigao criminal e,

    em alguns pases, identificao civil) em 203 pases da Unio Europeia (UE), com base

    em informao publicada online at Dezembro de 2010. O objetivo principal deste

    relatrio no o de proporcionar uma descrio pormenorizada das diferentes

    legislaes, mas antes analisar os principais traos distintivos e salientar tendncias

    gerais ou conjuntos de caractersticas semelhantes da regulao jurdica das bases de

    dados genticas que servem finalidades de investigao criminal e tambm, em alguns

    pases, intuitos de identificao civil.

    Do conjunto de legislao analisada foi possvel apurar uma tipologia de duas

    grandes tendncias, que designamos aqui como expansionista e restritiva, sendo estes

    termos referentes aos seus potenciais efeitos. Os critrios empregues para a elaborao

    desta tipologia centraram-se (1) nas condies previstas nas respetivas legislaes para

    a insero de perfis nas bases de dados forenses e (2) nos prazos e condies para a sua

    reteno e/ou eliminao. As designaes usadas pretendem descrever o que poder ser

    a orientao de evoluo das bases de dados de DNA para fins forenses que marca cada

    conjunto de pases.

    Se uma determinada lei apresenta poucos condicionalismos (por exemplo, sendo

    possvel a incluso do perfil de qualquer indivduo suspeito4 de qualquer ofensa

    punvel) insero de perfis na base de dados de DNA para fins forenses (sejam

    2 Apesar de por vezes se encontrar a traduo, para portugus, de ADN (correspondente a cido desoxi-

    ribonucleico), optamos por usar a sigla DNA, correspondente sua designao em ingls, por ser a

    abreviatura aprovada pela Sociedade Internacional de Bioqumica (Henriques e Sequeiros, 2007). 3 A Esccia faz parte do Reino Unido, mas possui legislao prpria e uma base de dados de perfis de

    DNA separada da base de dados do Reino Unido (Inglaterra e Pas de Gales). Assim, para efeito do

    presente relatrio, a informao relativa Esccia contabilizada como pertencente a um pas,

    diferenciando-a da respeitante ao Reino Unido.

    4 No mbito deste relatrio, independentemente do regime processual penal vigente em cada pas, ser

    utilizado o termo suspeito para designar os indivduos que no foram condenados em sentena

    definitiva em processo penal. Isto porque esta se trata de uma das principais distines em termos de

    critrios de insero e remoo de perfis de DNA de uma base de dados.

  • 2

    suspeitos, arguidos5 ou condenados), estaremos perante um pas que podemos designar

    como tendo uma tendncia expansionista com relao ao desenvolvimento destas bases

    de dados. Pelo contrrio, o termo restritivo designa o grupo de pases cuja legislao

    contm atualmente, vrias condies que restringem e limitam os usos das bases de

    dados de DNA por exemplo, a imposio de limites de pena ou tipos de crime para a

    insero de perfis.

    Atendendo a esta tipologia que diferencia a tendncia expansionista da

    restritiva, admitimos que quanto mais abrangente for o critrio de insero de perfis

    nas bases de dados e mais prolongado for o prazo de reteno dos mesmos, se pode

    verificar uma aposta na expanso da base de dados e, teoricamente, num maior

    contributo para reforar as propaladas vantagens deste tipo de bases de dados no

    combate e preveno do crime (Kazemian et al., 2010; Tseloni e Pease, 2010; Van

    Camp e Dierickx, 2008). Porm, se so impostos limiares que fazem depender a

    insero de um perfil na base de dados, por exemplo, de uma dada durao de sentena

    ou de um tipo de crime, ou quando os prazos temporais para a remoo de perfis so

    mais reduzidos relativamente aos pases de tendncia expansionista, estamos perante

    disposies legais que restringem o mbito da utilizao da base de dados, geralmente

    para se limitar a compresso dos direitos, liberdades e garantias dos cidados.

    A ideia subjacente distino entre expanso e restrio tem que ver com o facto

    de se verificar uma disparidade significativa entre os critrios de insero e remoo de

    perfis dos vrios pases europeus. Num contexto em que o Tratado de Prm e as

    5 Em Portugal, segundo o artigo 1. alnea f do Cdigo de Processo Penal, um suspeito toda a pessoa

    relativamente qual existia indcio de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou que nele

    participou ou se prepara para participar. De acordo com o n. 1 do art. 57 do Cdigo de Processo Penal

    portugus, assume a condio de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusao ou requerida

    instruo num processo penal. Porm, em Portugal, um arguido tambm todo aquele sobre quem

    recaem suspeitas fundamentadas de ter cometido um crime, mesmo que no venha sequer a ser julgado

    ou condenado. De acordo com Helena Moniz, arguidos so pessoas em relao s quais j se iniciou um

    processo de investigao criminal (...) (distinguindo-se assim de meros suspeitos), sabendo que corre um

    processo contra eles e tendo j prestado as primeiras declaraes perante as autoridades (Moniz, 2009:

    5). A principal diferena entre os estatutos de suspeito e de arguido que, enquanto o primeiro pode no

    ter sequer conscincia de que se encontra sob investigao, o segundo tem o direito de tomar

    conhecimento das acusaes contra si, o direito a permanecer em silncio durante um interrogatrio e a

    ter um advogado presente durante as diligncias.

  • 3

    subsequentes decises do Conselho da Unio Europeia 2008/615/JAI e 2008/616/JAI

    apontam para o aprofundamento da cooperao em vrias reas, incluindo em matria

    de bases de dados de DNA, torna-se necessrio questionar qual o ponto de situao

    europeu e que diferentes opes tm sido tomadas na construo, usos e monitorizao

    das bases de dados. A Deciso 2008/615/JAI do Conselho Europeu, tomada durante a

    presidncia alem da UE (Van der Beek, 2008), tendo por objetivo a converso para a

    lei europeia a parte respeitante partilha de informao do Tratado de Prm, o que de

    resto j se encontrava proposto nos princpios bsicos desse mesmo Tratado (Tratado de

    Prm, 2005). Por seu turno, a Deciso 2008/616/JAI vem regulamentar as medidas de

    execuo tcnica e administrativa da Deciso 2008/615/JAI, com particular importncia

    para a definio dos marcadores utilizados nos perfis de DNA vlidos para a consulta

    automatizada, bem como a estrutura e normas tcnicas que devero regular o

    intercmbio de informaes sobre perfis de DNA entre os sistemas de bases de dados de

    DNA de todos os Estados-Membros. Neste sentido, a partir de Agosto de 2011 (data

    limite para a implementao em todos os Estados-Membro das disposies da deciso

    2008/615/JAI), todos os 27 membros da UE devero disponibilizar a reciprocidade de

    acesso automatizado s respetivas bases de dados nacionais no mbito de perfis de

    DNA, de dados dactiloscpicos e de certos dados nacionais do registo de matrcula

    de veculos.

    No que diz respeito aos perfis de DNA, a pesquisa, porm, retorna informaes

    anonimizadas com base num esquema de acerto/no acerto. No caso de uma resposta de

    acerto (ou eventual correspondncia), o pas requerente dever solicitar informaes

    adicionais ao pas requerido, usando para tal os designados pontos de contacto.

    Contudo, neste contexto da criao virtual de uma base de dados de DNA pan-europeia,

    na medida em que cada pas mantm a sua base de dados mas pode efetuar pesquisas

    nas bases de dados de todos os outros pases, h que avaliar as potenciais implicaes

    resultantes da diversidade normativa europeia num cenrio onde a implementao do

    Tratado de Prm pode pressionar alguns pases a baixar os limiares para a recolha e

    reteno de informao gentica (Bunyan, 2010: 8).

    Assim, foi com inteno prospetiva que nos propusemos a analisar as disposies

    normativas em matria da criao e funcionamento das bases de dados de DNA com o

  • 4

    intuito de efetuar uma espcie de estado da arte da legislao existente e acessvel,

    resultando na tipologia atrs referida.

    Todavia, h que marcar um ponto prvio relativamente tipologia proposta, na

    medida em que se trata de uma construo com fins heursticos e analticos. Como tal, a

    legislao de um pas inserido em qualquer dos grupos pode conter uma ou outra

    caracterstica que poderamos considerar pertencer a um outro grupo. De realar ainda a

    existncia de outras dimenses que diferenciam os enquadramentos legislativos

    europeus e que poderiam originar a diviso noutras categorias referimo-nos, por

    exemplo, imposio da condio de o suspeito ter cometido um certo crime, ou este

    ser punido com uma determinada dimenso penal, para que se possa efetuar a recolha de

    amostra biolgica. Ou seja, a ponderao da proporcionalidade entre a invaso da

    integridade fsica e moral do indivduo e a necessidade da mesma para atingir os

    objetivos da justia, em suma, a existncia ou ausncia de condies de carcter

    criminal/penal para se proceder colheita de amostra biolgica.

    Outro aspeto analisado neste relatrio diz respeito s finalidades declaradas das

    bases de dados de DNA. Embora o propsito de identificao criminal esteja no

    fundamento da construo de todas as bases de dados deste tipo, algumas legislaes

    tambm contemplam fins de identificao civil (por exemplo, identificao de

    cadveres e de pessoas desaparecidas) e a possibilidade de os dados serem usados para

    fins estatsticos ou de investigao cientfica. Este relatrio pondera ainda a

    preponderncia do sistema judicial na construo e monitorizao das bases de dados e

    as disposies legislativas relacionadas com o acesso e partilha de informao relativa

    aos perfis de DNA. No que respeita ao acesso, por exemplo, h pases como Blgica,

    Eslovquia ou Espanha, onde explicitado que as autoridades judiciais apenas tm

    acesso a dados de correspondncia (a identificao associada a um perfil de DNA).

    Falamos de perfis de DNA, na medida em que as provises legais, de modo mais ou

    menos explcito, apenas se referem a estes e no s amostras das quais so derivados.

    Conforme apontam Van Camp e Dierickx (2007: 24), embora a maioria dos pases

    europeus possua disposies relativas proteo de dados no que respeita aos perfis de

    DNA na legislao das bases de dados, na maioria dos casos, estas disposies no se

    aplicam s amostras.

  • 5

    Por fim, assinalamos algumas disposies particulares das legislaes por

    exemplo, a incluso de refugiados e aptridas na base de dados de informao gentica

    para fins forenses da Letnia de alguns pases que se distinguem no panorama geral

    das bases de dados de DNA, com o objetivo de ilustrar algumas opes que visam

    preservar direitos e garantir medidas de proteo dos direitos individuais ou que

    apontam para a expanso do mbito e dos fins das bases de dados de perfis de DNA.

    Metodologia

    A metodologia adotada foi a anlise documental, assente na pesquisa e anlise da

    legislao dos vrios pases, bem como na recolha e confrontao de informao em

    artigos cientficos, relatrios, e pesquisas em sites governamentais e de foras policiais.

    No final deste relatrio, para alm da bibliografia que inclui os relatrios e artigos

    referenciados ao longo do texto, encontra-se uma lista de endereos eletrnicos dos

    repositrios de legislao dos pases analisados.

    Com o objetivo de mapear e comparar as legislaes que regulam o

    funcionamento de bases de dados de perfis de DNA com fins forenses em pases da UE,

    foi recolhida pelos autores informao disponvel na Internet entre Outubro e Dezembro

    de 2010.

    Atendendo a que todos os pases analisados possuem repositrios de legislao

    acessveis gratuitamente na Internet,6 procuramos, sempre que possvel, aceder aos

    textos legislativos originais em formato digital. Alguns pases (Alemanha, Estnia,

    Holanda, Letnia, Litunia) disponibilizam verses traduzidas da legislao em ingls,

    o que nos facilitou a sua leitura e interpretao. Nos 6 casos em que a documentao s

    estava disponvel numa lngua que os autores no dominam recorreu-se a um servio de

    traduo automtica disponibilizado na Internet, o Google Tradutor. Reconhecendo as

    6 O repositrio oficial da atividade legislativa portuguesa o stio do Dirio da Repblica Eletrnico

    (www.dre.pt). Podemos encontrar repositrios semelhantes noutros pases da Unio Europeia: Alemanha

    Ministrio Federal da Justia; ustria Sistema de Informao Legal da Federao Austraca; Blgica

    Moniteur Belge; Dinamarca - Retsinformation; Espanha Boletn Oficial del Estado; Finlndia Finlex;

    Frana Legifrance; Holanda - Wetboek online; Luxemburgo - Legilux.

  • 6

    limitaes associadas no garantia da qualidade e fiabilidade das tradues obtidas

    desta forma foram confrontadas as informaes com os dados disponveis em fontes

    secundrias, tais como artigos cientficos, relatrios e pesquisas online nos stios de

    foras policiais e entidades governamentais.

    Esta estratgia tambm foi usada para os 8 casos em que no se encontraram

    documentos legislativos disponveis na Internet, embora no tenha sido possvel obter

    informao suficiente para proporcionar uma comparao eficaz.

    Assim, para efeitos deste relatrio foram excludos os pases em que a informao

    acessvel sobre tal enquadramento legislativo era escassa, isto , ou no tinham

    legislao sobre bases de dados de perfis de DNA data da recolha, ou no foi possvel

    traduzir a legislao, ou a traduo possvel no era satisfatria, nomeadamente: Grcia,

    Chipre, Repblica Checa, Eslovnia, Polnia, Romnia, Malta e Bulgria. Atendendo a

    estes critrios de incluso e excluso, foram selecionados 20 dos 27 pases da UE.

    A anlise das legislaes foi desenvolvida de acordo com 4 dimenses, as quais

    incluem um conjunto de indicadores, escolhidos com o objetivo de realizar uma anlise

    comparativa:

    1 Legislao A regulamentao da base de dados de DNA pode estar consagrada em

    a) legislao autnoma e especfica, b) emendas aos cdigos de processo penal ou

    legislao das foras policiais, c) dispersa por vrios instrumentos legais. A legislao

    pode indicar as finalidades ou usos possveis da base de dados de DNA, distinguindo

    entre a) identificao criminal, b) identificao civil, e c) fins de investigao cientfica.

    Pode tambm estabelecer o grau e o modo como a informao presente na base de dados

    acedida: a) todas as autoridades tm acesso, b) o acesso condicionado sob

    requerimento, ou c) apenas informao acerca de correspondncias comunicada. Pode

    ainda indicar se, e em que medida, os magistrados desempenham um papel relevante na

    construo, gesto e monitorizao da base de dados.

    2 Direitos A recolha de amostras pode depender ou no de consentimento dos

    sujeitos. Quais as condies ou situaes em que necessrio o consentimento? Em que

    circunstncias admitida a recolha coerciva? possvel efetuar recolha de amostras em

    menores e inimputveis? Est determinada a idade mnima do indivduo que alvo de

    colheita de amostra para que seja admitida a insero dessa informao na base de dados?

    3 Recolha de amostra Para fins de investigao criminal, pode ser necessrio

    recolher uma amostra de tecido biolgico de um indivduo. especificado o tipo de

  • 7

    amostra que pode ser recolhido (sangue, bolbos capilares, zaragatoa bucal)? Quem est

    autorizado a fazer colheita de amostra?

    4 Critrios de insero e remoo de perfis e amostras Existem diferentes opes

    consagradas nas diversas legislaes que determinam o mbito e extenso da base de

    dados de DNA por via de critrios como a) tipo de crime cometido, b) durao mxima

    da pena potencial, c) caractersticas do indivduo e probabilidade de reincidncia. Assim,

    quais os indivduos e em que circunstncias so os perfis inseridos na base de dados de

    DNA? Qual o destino das amostras biolgicas recolhidas em suspeitos ou condenados?

    Quais os prazos de reteno dos perfis e conservao de amostras?

    A partir das dimenses de anlise atrs descritas, foi levado a cabo um processo

    de constante anlise e comparao dos materiais disponveis com o objetivo de procurar

    agrupar semelhanas. A dimenso de anlise que mais se salientou foi a referente aos

    critrios de insero e remoo de perfis e amostras. Deste modo, no conjunto de 20

    pases da UE em anlise neste relatrio, foi possvel construir uma tipologia com duas

    tendncias principais quanto aos critrios para incluso e remoo de perfis de DNA das

    bases de dados: os pases com legislao classificada como tendo efeitos

    expansionistas (9 casos) e os pases com legislao considerada como tendo efeitos

    restritivos (11 casos), cujas caractersticas se descrevem de seguida.

    Tipologia: legislao de efeitos restritivos e expansionistas

    A seco que se segue destaca as principais distines entre os critrios de

    insero e remoo de perfis de DNA das respetivas bases de dados nos dois conjuntos

    de pases. Note-se que a aparente dicotomia entre expanso e restrio se refere aos

    potenciais efeitos concretos das disposies legislativas. Conforme ser explorado mais

    adiante noutras seces, estes efeitos refletem-se, por exemplo, ao nvel da proporo da

    populao de cada pas presente na base de dados. Todavia, no so consideradas nesta

    anlise outras variveis que poderiam ser tomadas como relevantes, tais como taxas de

    criminalidade, oramento das foras de segurana, recursos materiais e humanos ao

    servio dos servios forenses, etc. Nem to pouco possvel averiguar das prticas e

    circunstncias concretas da aplicao quotidiana da lei ou do modo como os vrios

    atores humanos e instituies envolvidas desenrolam as suas funes com respeito s

  • 8

    bases de dados de DNA com propsitos forenses. Neste sentido, o exerccio de

    comparabilidade , portanto, limitado quilo que a letra da lei e dos efeitos

    mensurveis a partir dos dados disponveis. importante assinalar a referncias a pases

    restritivos ou expansionistas se trata meramente de um modo mais econmico de dizer

    que se tratam de pases cuja legislao em matrias de base de dados de DNA em vigor

    pode ter efeitos potencialmente restritivos ou expansionistas, com destaque para o

    volume de populao identificada nessas mesmas bases de dados.

    Restritivos

    O grupo que designamos por restritivo composto pelos seguintes pases:

    Alemanha, Blgica, Espanha, Frana, Holanda, Hungria, Irlanda, Itlia, Luxemburgo,

    Portugal e Sucia. Uma vez que a dimenso de anlise determinante para a distino

    assentou nos critrios de insero e remoo de perfis, a tabela 1 sintetiza as disposies

    legislativas dos pases restritivos nessa matria.

    Tabela 1 Critrios de insero e remoo de perfis nos pases restritivos

    Restritivos

    Pases Critrios de insero de perfis Critrios de remoo de perfis

    Alemanha Arguidos acusados e condenados em crime

    grave ou reincidente noutros crimes

    Perfis sujeitos a reviso 10 anos aps insero (adultos) ou 5 (jovens) ou 2 (crianas). A remoo dos perfis de condenados

    depende de deciso judicial

    Blgica Condenados a penas > 5 anos Condenados - 10 anos aps morte; Os perfis da base de dados "criminalstica" so eliminados quando j no so necessrios.

    Espanha Detidos e condenados em crimes graves

    (lista)

    Detidos - eliminao data da prescrio do crime7; Condenados - na data de prescrio do registo criminal (salvo

    ordem judicial em contrrio)

    Frana Suspeitos e condenados por crimes graves

    (lista)

    Condenados - 40 anos aps o trmino da sentena ou aps o indivduo atingir 80 anos; Suspeitos - so removidos quando a reteno deixa de ser considerada necessria pelo procurador

    (ou a pedido do interessado)

    Holanda Suspeitos e condenados em crimes que

    implicam priso preventiva ou por ordem judicial

    Condenados - 30 anos aps a entrada quando o crime punvel com uma sentena > 6 anos; 20 anos quando < 6

    anos; ou 20 anos aps morte do indivduo. O prazo de reteno pode ser alargado por mais 20 ou 30 anos sempre

    que h nova condenao; Suspeitos - eliminados aps ilibao.

    7 O prazo de prescrio do crime aplica-se aos detidos cujo processo judicial no terminou em absolvio

    ou condenao.

  • 9

    Hungria

    Condenados e suspeitos de crime punvel com > 5 anos (ou lista de crimes punveis

    com penas inferiores, tais como trfico de droga)

    Suspeitos - eliminados aps ilibao; Condenados - 20 anos aps cumprimento da sentena

    Irlanda

    Suspeitos, condenados (crimes punveis com penas > 5 anos ou crimes especficos

    punveis com penas inferiores) e ex-condenados

    Os perfis de suspeitos ilibados ou no acusados so eliminados ao 10 anos, ou 5 anos se forem menores.

    Condenados - reteno indefinida.

    Itlia Detidos, presos preventivos e condenados

    por crime doloso

    Detidos e presos preventivos - eliminados aps ilibao; Condenados - 20 anos aps incidente que motivou recolha.

    Nenhum perfil pode ser retido por mais de 40 anos

    Luxemburgo

    Suspeitos de qualquer crime (somente sob ordem do juiz do processo); Condenados -

    so includos se sentenciados a cumprir pena por crimes de uma lista, ou por

    ordem do solicitor ou juiz do processo.

    Suspeitos - aps ilibao, prescrio do crime ou 10 anos aps morte; Condenados - 10 anos aps morte

    Portugal Condenados por crime doloso com pena concreta de priso igual ou superior a 3

    anos por despacho do juiz Condenados - at cancelamento do registo criminal

    Sucia Condenados a penas no monetrias

    superiores a 2 anos Suspeitos - remoo aps ilibao; Condenados - 10 anos

    aps cumprimento da sentena

    A distino entre expansionistas e restritivos no absoluta, podendo haver

    pases que designamos como restritivos que contm disposies que poderiam ser

    consideradas expansionistas. Exemplo disto so os casos da Blgica (art, 5 (5) da lei

    de 22 de Maro de 1999) e Luxemburgo (art. 10 da lei de 25 de Agosto de 2006), cuja

    legislao admite a reteno dos perfis de condenados at 10 anos aps a sua morte.

    Daqui se depreende que, embora se apresentem restries ao crescimento das respetivas

    bases de dados, os perodos de reteno dos perfis a inseridos so to ou mais extensos

    do que alguns pases que designamos como expansionistas. Contudo, os critrios de

    insero da Blgica e Luxemburgo so bastante restritivos quando comparados com os

    de outros pases.

    No conjunto de pases restritivos, para que possam ser recolhidas amostras e se

    proceda insero dos perfis na base de dados, geralmente imposta a condio de

    suspeio ou condenao a uma pena de priso potencial ou efetiva que possa ser

    aplicada ao indivduo ou que este tenha cometido crimes considerados graves, os quais

    podem estar elencados numa lista. Existem 4 casos de pases (Frana, Hungria,

    Luxemburgo e Holanda) que especificam uma lista de crimes e que incluem,

    geralmente, crimes contra pessoas e contra a Humanidade, contra o Estado, terrorismo,

  • 10

    crimes contra menores e trfico de droga.8 No caso da Holanda, a emenda lei de 1 de

    Fevereiro de 2005 apresenta uma lista de crimes para os quais h lugar insero do

    perfil do condenado na base de dados, independentemente da sentena judicial

    atribuda, podendo esta ser inferior aos 4 anos prescritos (Dutch DNA testing (convicted

    persons) Act, 2007).

    Nos casos da Irlanda, Portugal e Sucia a condenao de um indivduo por um

    crime punvel em pena igual ou superior a 5, 3 e 2 anos, respetivamente, pode implicar a

    insero do perfil na base de dados. A situao da Irlanda particular no conjunto dos

    pases analisados, pois ainda se trata de uma proposta de lei. A Irlanda, tal como a

    Hungria, associa a dimenso da pena superior a 5 anos com alguns crimes especficos,

    como os relacionados com estupefacientes, os quais podem justificar a incluso na base

    de dados, ainda que a pena prevista possa ser inferior a 5 anos (Criminal Justice Bill,

    2010).

    8 Embora no haja uma lista universal, as diferenas entre pases so mnimas. Como exemplo destas

    listas, o Cdigo de Processo Penal francs apresenta o seguinte elenco de crimes que implicam insero

    do perfil de suspeitos ou condenados na base de dados:

    1 - Crimes de natureza sexual e delitos de exposio de cariz sexual em pblico (art. 222-32 do

    Cdigo Criminal);

    2 - Crimes contra a humanidade, ofensas intencionais contra a vida humana, tortura e atos de

    barbaridade, atos violentos intencionais, ameaas de violncia contra pessoas, trfico de droga,

    ofensas contra a liberdade humana, trfico de seres humanos, proxenetismo, explorao de

    "pedintes" e exposio de menores, bem como vrias formas de colocao de menores em perigo

    configuradas nos art.s 221-1 a 221-5, 222-1 a 222-18, 222-34 a 222-40, 224-1 a 224-8, 225-4-1 a

    225-4-4, 225-5 a 225-10, 225-12-1 a 225-12-3, 225-12-5 a 225-12-7 e 227-18 a 227-21 do Cdigo

    Criminal;

    3 - Atos que constituem roubo, fraude, destruio, dano e ameaas de ataques a propriedades

    configuradas nos art.s 311-1 a 311-13, 312-1 a 312-9, 313-2 e 322-1 a 322-14 do Cdigo

    criminal;

    4 - Violao dos interesses fundamentais da nao, atos terroristas, falsificao de moeda, e

    associao criminosa estipulada nos art.s 410-1 a 413-12, 421-1 a 421-4, 442-1 a 442-5 e 450-1

    do Cdigo Criminal;

    5 - Ofensas estipuladas pelos artigos L 2353-4 (fabricao de explosivos) e L 2339-1 at ao L

    2339-11 (fabricao e trfico de armas de guerra) do Cdigo da Defesa;

    6 - Ofensas relacionadas com o tratamento ou "lavagem" dos lucros procedentes dos crimes acima

    mencionados de 1 a 5, estipulados nos art.s 321-1 a 321-7 (recetao de bens roubados) e 324-1 a

    324-6 (Lavagem de dinheiro) do Cdigo Criminal.

  • 11

    Outro elemento de destaque na caracterizao dos pases restritivos o destino

    dos perfis de suspeitos ilibados ou no acusados. Na Blgica, Portugal e Irlanda a

    legislao prev a separao de ficheiros consoante o tipo de provenincia dos perfis

    (condenados, suspeitos ou voluntrios), embora a legislao portuguesa no preveja a

    insero de suspeitos ou arguidos em qualquer ficheiro da sua base de dados.

    De facto, a lei portuguesa no inclui qualquer referncia criao de um ficheiro

    para os perfis de suspeitos ou arguidos. Assim, a recolha de uma amostra biolgica num

    indivduo e a sua utilizao em processo judicial depende, ou de pedido do prprio

    arguido, ou de despacho de juiz a partir da constituio como arguido (Lei 5/2008, art.

    8., alnea 1). Apenas aps sentena definitiva (no caso de condenao em pena igual ou

    superior a 3 anos de priso), o juiz poder, ou no, ordenar a insero do perfil na base

    de dados de DNA.

    De acordo com a legislao portuguesa, as amostras e perfis recolhidos no mbito

    de uma investigao ficam guarda do processo. Entretanto, nos termos do n.2 do art.

    25. da Lei 45/2004 de 19 de Agosto (Lei que estabelece o regime jurdico das percias

    mdico-legais e forenses), a amostra fica depositada no servio mdico-legal durante

    o perodo de dois anos, aps o qual o servio mdico-legal pode proceder sua

    destruio, salvo se, entretanto, o tribunal tiver comunicado determinao em

    contrrio. Deste modo, o respetivo perfil s pode ser usados para os fins desse mesmo

    processo ou outros, desde que simultneos ou sucessivos. Assim, ao procurar prevenir a

    submisso a repetidas recolhas uma vez que no h insero direta na base de dados ,

    o legislador obriga o juiz a avaliar a necessidade da recolha de amostras para cada caso

    diferente (Moniz, 2009: 7).

    Na Blgica h uma base de dados criminalstica com o propsito de investigar

    crimes. Esta distingue-se da base de dados de condenados, na medida em que l so

    inseridos os perfis de indivduos que tiveram correspondncia com amostras de cena de

    crime no quadro de processos penais (Lei de 22 de Maro de 1999, art. 1, par. 3). Finda

    a investigao, os perfis e amostras na base de dados criminalstica so destrudos

    quando j no h hiptese de recurso ou contra-anlise. Em caso de condenao num

    crime punvel com uma pena superior a 5 anos, os perfis de DNA transitam da base de

    dados criminalstica para a base de dados de condenados onde so retidos at 10

    anos aps a morte do indivduo. Em Portugal, as amostras e perfis utilizados no mbito

  • 12

    de uma investigao criminal ficam guarda do processo, presumindo-se a sua

    destruio nos termos do art. 25. da Lei 45/2004 ou, caso se cumpram os pressupostos

    estipulados, os perfis de condenados so inseridos na base de dados. Na Holanda,

    Luxemburgo, Sucia e Itlia os perfis e amostras so destrudos aps a ilibao do

    indivduo. Outros pases impem um prazo temporal para a eliminao dos registos de

    suspeitos (Irlanda 10 anos ou, no caso de menores, 5 anos; Espanha na data de

    prescrio do crime, salvo ordem judicial em contrrio). Em Frana, ser um procurador

    a decidir se a reteno continua a ser necessria.

    Expansionistas

    Os pases que designamos como expansionistas so a ustria, Dinamarca,

    Esccia, Eslovquia, Estnia, Finlndia, Letnia, Litunia e Reino Unido (Inglaterra,

    Pas de Gales). Este conjunto de pases, cujos critrios de insero e remoo de perfis

    se encontram sintetizados na tabela 2, distingue-se do conjunto de pases restritivos por

    ter dispositivos legais que proporcionam a eventual rpida expanso do nmero de

    perfis na base de dados de DNA devido escassez de condies, limiares e prazos para

    a insero e reteno de perfis.

    Tabela 2 - Critrios de insero e remoo de perfis nos pases expansionistas

    Expansionistas

    Pases Critrios de insero de perfis Critrios de remoo de perfis

    ustria Suspeitos de crime grave9 e todos os

    condenados 5 anos aps morte do indivduo (os suspeitos ilibados devem

    requerer remoo do perfil)

    Dinamarca Suspeitos e condenados por crime punvel

    com > 1 ano e 6 meses

    Condenados - 2 anos aps morte ou 80 anos de idade; Suspeitos - 10 anos aps ilibao, 70 anos de idade, 2 anos

    aps morte

    Esccia Detidos por qualquer crime Suspeitos - eliminao aps ilibao; Condenados - reteno

    indefinida.

    Eslovquia Suspeitos e condenados por qualquer crime Condenados - 100 anos aps o nascimento do indivduo;

    Suspeitos - remoo aps ilibao

    9 Entende-se por crime grave, conforme definido na seco 16 (2) do Sicherheitspolizeigesetz, qualquer

    ameaa contra um bem legal atravs do cometimento de um crime doloso punvel por lei. Para alm do

    tipo de crime, o perfil de um indivduo pode ser inserido quando a polcia cita a natureza do crime, ou a

    personalidade do respetivo indivduo, como fundamento para expectativas de reincidncia (Prainsack e

    Kitzberger, 2009: 54)

  • 13

    Estnia Suspeitos e condenados Suspeitos e condenados - 10 anos aps morte

    Finlndia Suspeitos em crimes punveis com > 6 meses

    e condenados a penas > 3 anos Suspeitos - 1 ano aps ilibao (por ordem do procurador) ou

    10 anos aps morte; Condenados - 10 anos aps morte

    Letnia Suspeitos e condenados por qualquer crime Condenados - 75 anos; Suspeitos - 10 anos aps deciso se

    ilibados

    Litunia Suspeitos e condenados por crime e detidos

    temporrios 100 anos aps insero ou 10 anos aps morte do suspeito ou

    condenado.

    Reino Unido (Inglaterra, Pas de Gales)

    Detidos por qualquer crime Reteno indefinida

    Com exceo da Dinamarca e Finlndia, onde se configuram limiares de pena

    potencial, assinala-se no grupo de pases expansionistas a possibilidade de submeter a

    colheita de amostra, e subsequente insero do perfil de DNA na base de dados,

    qualquer indivduo suspeito de qualquer crime. Como tal, a descrio dos efeitos

    legislativos deste conjunto de pases poder resumir-se ao predomnio de limiares

    comparativamente baixos para a insero de perfis conjugados com extensos (ou por

    tempo indefinido) prazos para a sua reteno, destacando-se a reduzida ou inexistente

    necessidade de interveno por parte dos tribunais.

    Restrio vs. expanso: opes heterogneas

    No conjunto das legislaes analisadas, em apenas 3 casos prevista a reteno

    indefinida dos perfis de condenados: Inglaterra e Pas de Gales, Esccia e Irlanda. H,

    todavia, 7 pases onde o prazo indicado para a reteno dos perfis de condenados

    equivale, na prtica, a uma reteno indefinida. Nestes casos, a frmula legislativa varia

    pouco, situando-se entre 10 anos aps a morte do indivduo (Blgica, Estnia, Finlndia

    e Luxemburgo), 5 anos aps a morte do indivduo (ustria) ou indexao do prazo

    idade do indivduo, como o caso da Dinamarca (2 anos aps morte ou aos 80 anos de

    idade) e da Eslovquia (100 anos aps o nascimento do indivduo).

    Em 6 pases o prazo de reteno associa-se ao incidente que motivou a recolha de

    amostra e insero do respetivo perfil na base de dados de DNA. O critrio de remoo

    varia entre a associao prescrio do registo criminal (Espanha e Portugal) e a um

  • 14

    perodo de tempo aps o cumprimento da sentena (Hungria 20 anos; Sucia 10

    anos) ou ainda 40 anos aps o incidente que motivou a insero do perfil (Itlia) ou 75

    anos aps a insero (Letnia).

    No que respeita aos critrios de conservao dos perfis de condenados, possvel

    configurar ainda um outro conjunto de pases que se distingue por no impor um prazo

    rgido para a remoo dos perfis, sendo mais difcil sintetizar as opes tomadas. Em

    Frana, os perfis de condenados so removidos 40 anos aps a condenao ou aos 80

    anos de idade; porm, os perfis de adolescentes e crianas so sujeitos a uma avaliao

    da sua utilidade a cada cinco anos, sendo removidos se o magistrado no vir

    necessidade na sua conservao. Na Holanda existem dois prazos, dependendo da

    durao da pena: quando a pena superior a 6 anos de priso, o perfil conservado

    durante 30 anos; se for inferior a 6 anos, ento o perfil conservado durante 20 anos.

    Todavia, a legislao holandesa ressalva a possibilidade de haver lugar a um

    alargamento ou renovao do prazo sempre que se verifique nova condenao (Dutch

    DNA testing (convicted persons) Act, 2007).

    H 2 pases que colocam condies para a remoo dos perfis de suspeitos

    ilibados; por exemplo, na ustria (art. 74 do Sicherheitspolizeigesetz) ou Frana (art.

    706-54 do Code de Procdure Pnale) o suspeito ilibado poder requerer a remoo do

    seu perfil da base de dados, a qual depende de deferimento judicial.

    No caso da Irlanda, a seco 72 da proposta de lei (Forensic Evidence and DNA

    Database System Bill, 2010) estabelece que se no existir procedimento judicial no

    prazo de um ano, o indivduo poder requerer a remoo do seu perfil da base de dados.

    Esta proposta de lei prev ainda um prazo de eliminao por defeito, o qual

    diferenciado para adultos 10 anos aps insero dos perfis, e menores 5 anos aps

    insero dos perfis, desde que no se verifiquem novos procedimentos judiciais; porm,

    todas as amostras devem ser destrudas 3 anos aps insero (Forensic Evidence and

    DNA Database System Bill, 2010).

    A legislao alem parece observar um estrito princpio de proporcionalidade,

    uma vez que no define um prazo especfico para a conservao dos perfis, antes o

    sujeita a uma deciso judicial que, tal como em Frana no caso de adolescentes e

    crianas, deve ocorrer a cada 10 anos no caso de adultos, 5 anos no caso de adolescentes

  • 15

    (14-18) e a cada 2 anos se se tratarem de crianas (at aos 14 anos de idade) (CFRG,

    2011: 80).

    Atendendo a que a construo de bases de dados de DNA ainda um fenmeno

    relativamente recente (a mais antiga a de Inglaterra, criada em 1995), a determinao

    de prazos de reteno que ultrapassam a esperana mdia de vida dos indivduos leva a

    ponderar a utilidade da determinao de prazos to extensos (Nuffield Council on

    Bioethics, 2007: 31). Contudo, s ao cabo de algumas dcadas de funcionamento

    operacional das bases de dados de DNA se poder, eventualmente, avaliar as prticas

    concretas de insero e reteno de perfis nas bases de dados dos vrios pases.

    A eficincia das bases de dados

    Com prazos de reteno dos perfis comparativamente extensos, os pases

    expansionistas revelam indicadores (tabela 3) de uma maior propenso para o

    crescimento e aumento da potencial utilidade10

    das bases de dados de DNA do que nos

    designados pases restritivos (tabela 4).

    A configurao legislativa dos pases expansionistas parece indicar uma opo

    clara pela maximizao das potencialidades das bases de dados, provavelmente assente

    na noo de que os indivduos que cometem pequenos crimes, ou que so identificados

    como meros suspeitos, podero vir a cometer crimes mais graves no futuro, e que a

    expanso das bases de dados no s melhora a eficcia da investigao criminal, mas

    tambm poder desempenhar um papel na preveno do crime (Van Camp e Dierickx,

    2008: 606).

    10 Falamos em potencial utilidade, na medida em que, teoricamente, quantos mais perfis tiver uma base

    de dados de DNA, maior proporo de correspondncias e consequentes vantagens para a investigao

    criminal podero verificar-se. A tabela 3 foi adaptada a partir de um relatrio do DNA Working Group da

    ENFSI (European Network of Forensic Science Institutes) e apresenta um parmetro elaborado por Kees

    Van der Beek que pretende indicar a eficincia da base de dados, resultando da diviso do nmero de

    correspondncias entre indivduos e amostras de cena de crime pelo total de indivduos presentes na base

    de dados.

  • 16

    Tabela 3 Dados de populao e eficincia das bases de dados de DNA pases restritivos

    Pas Populao

    Total indivduos na base de

    dados

    Proporo da

    populao na base de

    dados

    Total amostras cena de crime

    Correspondncias indivduo/amostra

    Data de recolha

    dos dados

    Correspondncias indivduo/amostra

    por indivduo

    Alemanha 81.835.000 711.159 0,87% 184.782 86.422 Jun-11 0,12

    Blgica 10.400.000 21.886 0,21% 24.624 1.708 Jun-11 0,08

    Espanha 44.800.000 157.618 0,35% 54.808 17.391 Jul-11 0,11

    Frana 59.300.000 1.698.127 2,86% 103.792 45.693 Jul-11 0,03

    Holanda 16.100.000 118.936 0,74% 47.113 27.130 Jun-11 0,23

    Hungria 10.200.000 86.969 0,85% 2.333 146 Jun-11 0,002

    Irlanda 4.200.000 n/d n/d n/d n/d n/d n/d

    Itlia 58.000.000 n/d n/d n/d n/d n/d n/d

    Luxemburgo 500.000 852 0,17% 647 172 Jun-11 0,16

    Portugal 10.300.000 n/d n/d n/d n/d n/d n/d

    Sucia 9.000.000 99.443 1,10% 22.370 29.984 Jun-11 0,3

    Fonte: ENFSI (2011)

    Tabela 4 - Dados de populao e eficincia das bases de dados de DNA pases expansionistas

    Pas Populao

    Total indivduos na base de

    dados

    Proporo da

    populao na base de

    dados

    Total amostras cena de crime

    Correspondncias indivduo/amostra

    Data de recolha

    dos dados

    Correspondncias indivduo/amostra

    por indivduo

    ustria 8.100.000 145.527 1,80% 44.831 13.902 Jun-11 0,1

    Dinamarca 5.500.000 73.908 1,34% 40.275 19.579 Sep-11 0,26

    Esccia 5.062.000 236.202 4,67% 9.987 18.410 Jul-08 0,08

    Eslovquia 5.500.000 26.598 0,48% 5.614 2.155 Jun-11 0,08

    Estnia 1.400.000 29.274 2,09% 9.376 2.860 Jul-09 0,1

    Finlndia 5.385.000 111.991 2,08% 12.422 14.032 Jun-11 0,13

    Letnia 2.400.000 36188 1,51% 2026 n/d Jul-11 n/d

    Litunia 3.169.000 51.366 1,62% 4.254 n/d Jun-11 n/d

    Reino Unido (Inglaterra e Pas de Gales)

    53.700.000 5.368.950 10,00% 387.563 1.422.573 Jun-11 0,26

    Fonte: ENFSI (2011)

  • 17

    Como pode ser constatado na tabela 2, so exemplos da orientao expansionista

    o baixo limiar para incluso ou a no remoo dos perfis de suspeitos. Os pases

    restritivos no duvidaro do contributo das bases de dados para a investigao criminal,

    mas no sero to determinados em incluir o mximo de pessoas possvel de forma a

    facilitar a investigao de crimes futuros privilegiando a questo da proteo dos

    direitos individuais e o princpio de proporcionalidade.

    assinalvel que se for calculada a proporo da populao presente na base de

    dados de DNA para os pases para os quais os dados so completos nas tabelas 3 e 4, o

    conjunto dos pases cuja legislao tem efeitos que consideramos expansionistas possui

    6.88% da populao presente na base de dados de DNA, e apenas 1.25% da populao

    no conjunto de pases cuja legislao tem efeitos restritivos. Contudo, a comparao da

    eficincia mdia11 entre estes dois conjuntos de pases no permite afirmar que a

    dimenso de uma base de dados de DNA se encontra associada de modo direto com a

    sua eficincia.

    Critrios de insero e remoo de amostras

    O destino das amostras recolhidas em suspeitos e condenados afigura-se como um

    dos aspetos que consideramos mais relevante na discusso da preservao da

    privacidade gentica. Consideramos aqui trs tipos de amostras: amostras no-

    identificadas recolhidas em cena de crime; amostras de suspeitos; e amostras de

    condenados. A reteno de amostras biolgicas levanta vrios tipos de preocupaes,

    nomeadamente, a possibilidade de divulgao de informao gentica a terceiros (por

    exemplo, bancos, companhias de seguros, potenciais empregadores), a eventualidade de

    se desenvolver pesquisa no domnio da gentica comportamental a fim de encontrar o

    gene criminal, e os riscos de consequncias para os familiares diretos (Van Camp e

    Dierickx, 2008: 607). Assim, em 4 dos pases restritivos a legislao prescreve a

    11 A mdia da eficincia uma mdia aritmtica obtida somando o total de correspondncias

    indivduo/amostra por indivduo e dividindo pelo nmero de pases com dados completos nas tabelas 3 e

    4. Assim, as mdias alcanadas para os pases dos quais se dispe de dados so: Expansionistas (7 pases

    - 0,14) e Restritivos (8 pases - 0,13).

  • 18

    necessidade de destruio das amostras de condenados logo que seja obtido um perfil de

    DNA Alemanha, Blgica, Portugal e Sucia.

    Tabela 5 - Critrios de insero e remoo de amostras pases restritivos

    Restritivos

    Pases Critrios de insero Critrios de remoo

    Alemanha Amostras de cena de crime no identificadas As amostras de cena de crime no identificadas destrudas

    aps 30 anos. Todas as outras amostras so destrudas aps obteno perfil.

    Blgica Amostras de cena de crime (BD criminalstica)

    Condenados - Destruio aps obteno do perfil; Amostras no identificadas - 30 aps insero; As restantes

    amostras so destrudas quando j no h hiptese de recurso ou contra-anlise.

    Espanha Amostras de cena de crime no identificadas;

    A conservao de amostras depende de deciso judicial

    Conservao de todas as amostras at identificao. Quando identificadas, as amostras seguem o destino dos

    perfis.

    Frana Amostras no identificadas (se consideradas relevantes para a investigao). Suspeitos e

    condenados por crimes graves (lista)

    40 anos aps anlise de amostras no identificadas. As amostras de suspeitos e condenados seguem o mesmo

    destino dos perfis.

    Holanda Amostras de cena de crime no identificadas;

    Amostras de suspeitos e condenados

    As amostras no identificadas so removidas ao cabo de 12, 20 ou 80 anos, dependendo da gravidade do crime. As

    amostras de suspeitos e condenados seguem o mesmo destino dos respetivos perfis.

    Hungria Sem restrio Amostras de cena de crime no identificadas so

    eliminadas com a prescrio do crime; Todas as outras amostras seguem o destino dos perfis.

    Irlanda Amostras de cena de crime. Suspeitos e

    condenados por crimes graves (lista) As amostras so destrudas 3 anos aps insero

    Itlia Sem restrio 20 anos aps incidente que levou recolha

    Luxemburgo

    Podem ser inseridas amostras no identificadas por ordem do procurador, juiz do processo, ou polcia judicial agindo sob ordem

    dos magistrados.

    As amostras no identificadas devero ser removidas aps 30 anos da sua entrada. As amostras de suspeitos e condenados seguem o mesmo destino dos perfis.

    Portugal Amostras de cena de crime no identificadas As amostras de voluntrios e condenados so destrudas

    aps obteno do perfil; As amostras de cena de crime no identificadas so destrudas aps 20 anos;

    Sucia Amostras de cena de crime no identificadas As amostras de suspeitos e condenados devero ser

    eliminadas logo que possvel aps obteno do perfil, no mximo 6 meses aps a criao do perfil.

    Com a exceo da Blgica, Frana e Luxemburgo, onde a insero de amostras

    no identificadas pode ser reservada ao critrio de um magistrado, a larga maioria dos

    pases no impe restries insero deste tipo de amostras. J as amostras de

    indivduos suspeitos e condenados so objeto de regulamentaes mais diversas, sendo

    que, com a exceo dos pases j mencionados que procedem destruio das amostras

    aps a obteno do perfil de DNA, no conjunto restritivo as amostras tendem a

    acompanhar o destino dos perfis. Por outras palavras, se o perfil eliminado da base de

    dados, o mesmo dever suceder amostra.

    No caso particular da Itlia, as amostras de suspeitos ilibados ou no acusados

    destrudas aps deciso judicial definitiva. Encontra-se tambm estipulada a destruio

  • 19

    de amostras (e perfis) se obtidos em violao do estipulado pelo art. 9 da Lei 85/2009

    (o qual especifica as circunstncias que implicam a recolha de amostra biolgica e

    anlise do perfil de DNA). igualmente especificado o destino das amostras de pessoas

    desaparecidas, sendo estas destrudas s aps o seu aparecimento, e as amostras de

    cadver ou partes de cadver so destrudas aps a sua identificao. Para todos os

    outros casos (designadamente suspeitos e condenados), o prazo para a remoo de perfis

    e a destruio da respetiva amostra remetido apreciao da Autoridade de Proteo

    de Dados. Contudo, o art. 13. da Lei 85/2009 diz que o prazo de reteno de um perfil

    no ultrapassar 40 anos desde a ltima insero, e as amostras no sero preservadas

    por mais de 20 anos aps a ocorrncia da circunstncia que determinou a recolha.

    Na Eslovquia, a cada 3 anos a Polcia avalia a necessidade de conservar a

    informao, incluindo perfis de DNA. Tal medida pode aplicar-se a indivduos que no

    puderam ser julgados por serem menores ou inimputveis data do crime, ou em

    relao a perfis elaborados a partir de amostras de cena de crime (CFRG, 2011: 139).

    Em Espanha optou-se por uma conexo entre a reteno de amostras e perfis e o

    prazo de prescrio do crime que originou a recolha, sendo os perfis e amostras retidos

    at aquele prazo se cumprir (art. 9 da Lei Orgnica 10/2007).

    Tabela 6 Critrios de insero e remoo de amostras pases expansionistas

    Expansionistas

    Pases Critrios de insero

    Critrios de remoo

    ustria Sem restrio

    As amostras de cena de crime no identificadas destrudas aps soluo do caso. Condenados - 80 anos de idade e 5 aps

    processamento; Menores - 3 anos se no houver novo processo de identificao.

    Dinamarca Sem restrio Seguem o destino dos perfis

    Esccia Sem restrio

    Condenados - reteno indefinida; Suspeitos - eliminao aps ilibao; Amostras no identificadas so retidas at haver

    identificao.

    Eslovquia Amostras de cena de crime no identificadas e de

    condenados

    Destruio de toda a informao no necessria - verificao a cada 3 anos pela Polcia; As amostras de condenados so retidas

    indefinidamente.

    Estnia Sem restrio Amostras no identificadas - 75 anos;

    Finlndia Sem restrio As amostras de suspeitos e condenados seguem o destino dos perfis; Amostras no identificadas so conservadas indefinidamente

    Letnia Sem restrio As amostras seguem o destino dos perfis

    Litunia Amostras de cena de crime no identificadas

    Amostras de suspeitos e condenados so destrudas aps elaborao do perfil. Amostras no identificadas so retidas indefinidamente.

    Reino Unido (Inglaterra, Pas de Gales)

    Sem restrio Reteno indefinida

  • 20

    Tabela 7 - Finalidades declaradas das bases de dados pases restritivos

    Pases Tipo de legislao* Finalidade declarada

    Alemanha Cdigo de Processo Penal (Strafprozessordnung - arts. 81a - 81h) Criminal

    Blgica Lei de 22 de Maro de 1999 (Loi relative la procdure didentification

    par analyse ADN en matre pnale) Criminal

    Espanha Lei 10/2007 de 8 de Outubro (Ley Orgnica 10/2007, de 8 de octubre, reguladora de la

    base de datos policial sobre identificadores obtenidos a partir del ADN) Civil e Criminal

    Frana Cdigo de Processo Penal (Code de Procdure Pnale - arts. 706-54 - 706-56) Criminal

    Holanda Lei de 16 de Setembro de 2004 que regulamenta os testes de DNA de pessoas

    condenadas (Wet van 16 september 2004, houdende regeling van DNA-onderzoek bij veroordeelden (Wet DNA-onderzoek bij veroordeelden)

    Criminal

    Hungria Lei LXXXV de 1999 do Sistema de Registos Criminais Criminal

    Irlanda Proposta de Lei (Criminal Justice (Forensic Evidence and DNA Database System) Bill

    2010) Civil e Criminal

    Itlia Lei 85/2009 de 30 de Junho Civil e Criminal

    Luxemburgo Lei 163 de 25 de Agosto de 2006 (Relative aux procdures didentification par

    empreintes gntiques en matire pnale et portant modification du Code dinstruction criminelle)

    Criminal

    Portugal Lei 5/2008 de 12 de Fevereiro; Deliberao 3191/2008 de 3 de Dezembro; Portaria

    270/2009 Civil e Criminal

    Sucia Cdigo de Processo Judicial (Rttegngsbalken - Cap. 28, seces 12,13); Lei de Dados

    da Polcia (Polisdatalag, 2010:361) Criminal

    *Sempre que possvel, mantiveram-se os ttulos originais da legislao e/ou traduo para portugus ou

    ingls.

    Finalidades das bases de dados de DNA

    Em 10 dos 20 pases da UE analisados aprovou-se legislao especfica para a

    implementao de bases de dados de DNA com finalidades forenses, a saber: Holanda

    1994; Blgica 1999; Dinamarca - 2000; Eslovquia 2002; Letnia 2004;

    Luxemburgo 2006; Espanha 2007; Portugal 2008; Itlia 2009; Irlanda: projeto

    de lei 2010. Dos restantes pases analisados, oito incorporaram emendas nos

    respetivos cdigos de processo penal ou leis da polcia (Alemanha, ustria, Esccia,

    Finlndia, Litunia, Reino Unido [Inglaterra e Pas de Gales], Frana e Hungria), ou

    ento possuem determinaes relevantes para as bases de dados de DNA em vrios

    documentos (Estnia Regulao do Governo da Repblica n. 259 de 14 de Dezembro

    de 2006 e Decreto do Comissrio Nacional de Polcia n. 51 de 10 de Fevereiro de

    2004; Sucia Cdigo de Processo Judicial 1998 e Lei de Dados da Polcia 2010).

  • 21

    Tabela 8 - Finalidades declaradas das bases de dados pases expansionistas

    Pases Tipo de legislao* Finalidade declarada

    ustria Lei da Polcia de Segurana (Sicherheitspolizeigesetz) Criminal

    Dinamarca Lei 434/2000 de 31 de Maio (Lov om oprettelse af et centralt dna-

    profilregister) Criminal

    Esccia Criminal Procedure (Scotland) Act 1995; Criminal Justice Act of Scotland

    (2003) Criminal

    Eslovquia Lei 417/2002 de 21 de Junho (o pouvan analzy deoxyribonukleovej

    kyseliny na identifikciu osb) Civil e Criminal

    Estnia

    Police Act 2006; Imprisonment Act 2006; Personal Data Protection Act 2008; Government of the Republic Act; Government of the Republic

    Regulation No. 259 of 14 December 2006; Decree of the National Police Commissioner No 51 of 10 February 2004

    Civil e Criminal (incluindo refugiados e

    imigrantes ilegais)

    Finlndia Coercive Measures Act - 487/1987; Act on the Processing of Personal Data

    by the Police - 761/2003 Criminal

    Letnia Lei de 17 de Junho de 2004 (Law on Development and Use of the National

    DNA Database) Civil e Criminal

    Litunia Lei das Atividades da Polcia de 17 de Outubro de 2000; o Cdigo de

    Processo Penal e o Despacho n.. 5-V-42 do Comissrio-Geral da Polcia Lituana de 20 de Janeiro de 2011

    Civil e Criminal

    Reino Unido (Inglaterra, Pas de Gales)

    Criminal Justice and Police Act 2001; Police and Criminal Evidence Act, 1984, 1994, 2004; Criminal Justice and Public Order Act 1994

    Criminal

    *Sempre que possvel, mantiveram-se os ttulos originais da legislao e/ou traduo para portugus ou

    ingls.

    Todas as bases de dados de DNA dos 20 pases da UE que foram estudados so

    usadas para fins de investigao criminal. Em 3 dos pases analisados Blgica,

    Luxemburgo, Holanda a lei especifica que a anlise e comparao de DNA se

    destinam exclusivamente identificao direta ou indireta de pessoas envolvidas num

    crime. Nestes pases a legislao no prev o uso da base de dados de DNA para fins de

    identificao civil. Os pases que declaram a identificao civil (de cadveres e pessoas

    desaparecidas) como uma das finalidades da construo de uma base de dados de DNA

    so a Estnia (embora aqui a identificao civil tambm inclua refugiados e imigrantes

    ilegais, cf. art. 13(9)), Eslovquia, Espanha, Irlanda, Itlia, Letnia, Litunia, e

    Portugal.

    Papel do sistema judicial na construo e usos da base de dados

    Os pases onde os magistrados, quer judiciais, quer do Ministrio Pblico,

    assumem papis de maior relevncia na construo isto , decises sobre incluso e

    remoo de perfis, superviso e regulao de acesso informao das bases de dados

    so a Alemanha, Blgica, Espanha, Frana, Holanda, Itlia, Letnia, Luxemburgo e

  • 22

    Portugal. Estes correspondem aos pases que anteriormente designamos como

    pertencentes ao conjunto restritivo, com a exceo da Letnia, que inclumos no

    conjunto expansivo.

    A tabela 7 pretende tambm ilustrar as diferentes opes no que respeita ao nvel

    de acesso informao nas bases de dados. Neste ponto, os casos da ustria e da

    Alemanha so particularmente interessantes, na medida em que tanto a polcia como os

    magistrados tm acesso a toda a informao relevante da base de dados, sendo que

    nestes pases a informao gentica anonimizada para os tcnicos forenses que

    executam as anlises. Isto surge em contraste com uma maioria de pases nos quais as

    foras policiais e magistrados apenas tm acesso a dados de correspondncia (saber se

    um dado perfil se encontra identificado), ou ento, necessrio um pedido formal de

    consulta base de dados. A tabela contm omisses em alguns casos resultantes de

    lacunas e omisses nas disposies legais. Por exemplo, enquanto pases como a Irlanda

    possuem um conjunto pormenorizado de provises referentes aos procedimentos para a

    recolha de amostras (quem est autorizado a fazer, a quem, em que circunstncias,12

    etc.), outros documentos analisados no permitiram um grau de detalhe que

    possibilitasse a identificao objetiva de quem, por exemplo, toma a deciso de levar a

    cabo a recolha de amostra com recurso coero fsica.

    12 Nos termos da 24, a recolha de amostra com recurso a fora razovel [reasonable force] dever ser

    presenciada por um membro da Garda Sochna com patente no inferior ao grau de inspetor, o qual

    dever decidir o nmero de membros cuja presena necessria para a colheita da amostra e prevenir a

    perda, destruio ou contaminao da mesma. Esta seco refere ainda que o procedimento ser objeto de

    gravao vdeo.

  • 23

    Tabela 9 - Preponderncia dos agentes do sistema de justia na construo e usos

    da base de dados

    Polcia Magistrados

    Deciso sobre recolha de amostras

    ustria, Dinamarca, Esccia, Eslovquia, Estnia, Finlndia, Frana, Holanda, Irlanda,

    Itlia,13 Letnia, Litunia, Reino Unido

    Alemanha, Blgica, Frana, Holanda, Irlanda,14 Itlia, Luxemburgo,

    Portugal, Sucia

    Deciso sobre o uso de coero na recolha de amostras

    ustria, Dinamarca, Esccia, Estnia, Finlndia, Irlanda, Litunia, Reino Unido,

    Alemanha, Blgica, Espanha, Frana, Holanda, Letnia, Luxemburgo,

    Portugal

    Responsabilidade pela deciso de insero e remoo de perfis

    ustria, Esccia, Eslovquia, Espanha, Irlanda, Litunia, Reino Unido

    Blgica, Espanha, Frana, Holanda, Irlanda15, Portugal

    Acesso integral base de dados Alemanha, ustria, Esccia, Dinamarca,

    Hungria, Litunia, Reino Unido ustria, Dinamarca, Hungria, Litunia

    Acesso limitado base de dados

    Eslovquia, Espanha, Estnia, Frana, Finlndia, Holanda, Itlia, Letnia, Litunia,

    Portugal, Sucia

    Blgica, Eslovquia, Espanha, Frana, Holanda, Itlia, Letnia, Luxemburgo,

    Portugal

    A tradio dos sistemas inquisitoriais16

    pesa na opo de conferir controlo e poder

    de deciso aos magistrados na construo das bases de dados de DNA, os quais so

    responsveis por ordenar a recolha de amostra, eventualmente sem o consentimento dos

    13 Em casos de flagrante delito.

    14 No caso de menores de 14 anos e outros indivduos abrangidos pelo conceito definido na lei como

    pessoas protegidas, no sendo possvel obter o consentimento por parte dos pais ou tutores legais,

    necessria uma ordem de um tribunal distrital para a recolha de amostra.

    15 Nos termos da 88 da Proposta de Lei, a polcia pode requerer junto de um tribunal distrital a reteno

    de uma amostra ou de um perfil para alm dos limites estabelecidos por defeito para a sua destruio e/ou

    excluso.

    16 Na tradio inquisitorial o juiz tem um papel predominante na conduo do julgamento e na

    apreciao da prova, protagonizando os interrogatrios e decidindo quais so as provas aceites em

    julgamento. A diferena fundamental que enquanto num sistema adversarial h lugar a um confronto

    entre duas verses dos factos com a finalidade de resoluo do litgio, no sistema inquisitorial a funo do

    tribunal apurar a verdade (Crombag, 2003).

  • 24

    indivduos,17

    a insero de perfis ou, como sucede na Alemanha e em Espanha, avaliar a

    necessidade da sua reteno. Portugal configura uma opo legislativa de certo modo

    peculiar ao nvel europeu, na medida em que a insero de perfis de condenados em

    pena de priso efetiva igual ou superior a 3 anos depende de despacho do magistrado

    competente no respetivo processo. Ou seja, mesmo que um indivduo seja condenado

    por um crime grave punvel com uma pena igual ou superior ao limite estipulado, o seu

    perfil de DNA (mesmo que tenha sido previamente obtido e usado como prova) no

    automaticamente includo na base de dados. Esta configurao apenas ligeiramente

    diferente do caso do Luxemburgo, onde, segundo o art. 8 (3) da lei de 25 de Agosto de

    2006, os perfis de condenados so inseridos na base de dados de DNA por deciso do

    Procurador-geral do Estado ou magistrado designado para esse efeito. Contudo, no foi

    possvel averiguar se esta disposio produz os efeitos descritos para o caso de Portugal.

    Acesso e partilha de informao

    Os pases onde o acesso informao da base de dados de DNA carece de

    autorizao, despacho ou requerimento judicial integram, com a exceo da Letnia, o

    grupo que designamos como restritivo - Blgica, Frana, Holanda, Itlia, Letnia,

    Luxemburgo e Portugal. Nos restantes pases analisados, ou a legislao vaga e

    omissa relativamente s restries de acesso, ou as agncias de investigao podem

    efetuar pedidos de informao de modo direto s bases de dados, obtendo dados de

    correspondncia. Isto , se um dado perfil de cena de crime corresponde a um perfil

    existente na base de dados e quais os dados de identificao do indivduo.

    Os privilgios de acesso informao variam entre pases: na Eslovquia,

    Espanha e Itlia as agncias de investigao criminal tm acesso a informao sobre

    eventuais correspondncias; na Frana, Holanda, Letnia, Luxemburgo e Portugal

    necessrio obter autorizao judicial para aceder a informaes da base de dados; na

    Alemanha, ustria, Esccia, Dinamarca, Hungria e Reino Unido a polcia tem acesso

    17 necessria autorizao judicial para efetuar recolha de amostra com recurso coero na Blgica

    (em casos de crimes que prevejam penas superiores a 5 anos de priso), Espanha, Estnia, Frana (s em

    condenados em penas superiores a 10 anos no explcito o uso de fora fsica), Itlia, Letnia e

    Litunia.

  • 25

    base de dados, sem restries aparentes. As restries ao acesso s informaes das

    bases de dados por parte das autoridades de investigao podem funcionar como

    obstculo pesquisa especulativa,18

    a qual possibilita a comparao de um perfil no

    identificado com todos os outros inseridos na base de dados com o intuito de obter uma

    correspondncia que possa conduzir a novas pistas de investigao criminal.

    A questo das pesquisas especulativas pode configurar situaes problemticas,

    particularmente quando h bases de dados onde so retidos os perfis de suspeitos

    ilibados ou no acusados. medida que as bases de dados se expandem e aumentam as

    vias de partilha de informao entre pases, o risco de correspondncias acidentais pode

    tambm aumentar (McCartney et al., 2010: 7).

    Apesar das diferenas legislativas ao nvel das bases de dados de DNA europeias,

    a tendncia dominante para a sua generalizao e para uma partilha de informao mais

    harmonizada tem sido crescentemente incentivada sob o argumento da ameaa comum

    da criminalidade transfronteiria e do terrorismo. Do conjunto de pases cuja

    legislao foi possvel recolher e analisar, apenas a Dinamarca, Itlia, Irlanda e Litunia

    incorporaram referncias explcitas s chamadas decises Prm (2008/615/JAI e

    2008/616/JAI), seja atravs de emendas legislao existente (Dinamarca e Litunia),

    seja como fundamento constante na legislao recente relativa s bases de dados de

    DNA (Itlia e Irlanda).

    Mais recentemente, em Portugal, foi aprovada pela Assembleia da Repblica a

    Resoluo 128/2011.19

    Os objetivos declarados deste acordo so a cooperao com vista

    preveno e combate do crime, em particular o terrorismo. De resto, o prembulo

    18 Outra prtica especulativa designada pela polcia e cientistas forenses no Reino Unido por familial

    searching. Este termo refere-se a uma forma de pesquisa numa base de dados de DNA, assente no

    conhecimento acerca da probabilidade de correspondncias entre marcadores genticos de membros da

    mesma famlia em comparao com indivduos no relacionados entre si. Este tipo de pesquisa levanta

    diversas questes ticas, nomeadamente, relativas privacidade, confidencialidade e proporcionalidade,

    na medida em que pode revelar relaes familiares desconhecidas, levantar suspeio sobre cidados

    inocentes, ou inclusive suscitar asseres acerca de relaes entre criminalidade e laos familiares

    (Williams e Johnson, 2005).

    19 A Resoluo 128/2011 Aprova o Acordo entre a Repblica Portuguesa e os Estados Unidos da

    Amrica para Reforar a Cooperao no Domnio da Preveno e do Combate ao Crime, assinado em

    Lisboa em 30 de Junho de 2009. Disponvel em http://dre.pt/pdf1sdip/2011/10/19900/0464304651.pdf

  • 26

    assinala a inteno de seguir o exemplo do Tratado de Prm relativo intensificao da

    cooperao transfronteiria. Com a exceo dos dados de registo automvel, o acordo

    muito semelhante ao Tratado de Prm, com uma exceo relevante: a alnea 3 do art. 2

    refere que O presente Acordo dever abranger apenas os crimes que constituem uma

    infrao punvel nos termos do direito interno das Partes com pena privativa de

    liberdade de durao mxima superior a um ano ou com uma pena mais grave. Ora, se

    atualmente a legislao portuguesa apenas admite a incluso na base de dados de DNA

    dos perfis de condenados por crimes punveis com pena igual ou superior a 3 anos,

    como interpretar a possibilidade prevista de partilhar perfis de DNA em casos onde a

    pena pode ser inferior ao critrio de insero atualmente previsto?

    Outros pases tm vindo igualmente a realizar acordos com os Estados Unidos da

    Amrica nos mesmos moldes acima descritos, como so os casos da Estnia, Espanha,

    Eslovquia, Litunia, entre outros. Assinale-se que, tal como Portugal, estes acordos de

    cooperao bilateral definem como crime srio passvel de ser objeto de partilha de

    informao, toda a ofensa punvel com pena de priso igual ou superior a um ano.

    Consentimento, coero e proporcionalidade

    As tendncias para a restrio ou expanso das bases de dados tambm se refletem

    nas atitudes legislativas quanto existncia de pressupostos criminais, isto , o sujeito

    estar implicado ou ser suspeito de ter cometido um crime com determinada moldura

    penal, como condio para efetuar a recolha de amostras ou para a possibilidade de

    realizar a recolha com recurso coero.

    Tabela 10 - Necessidade de consentimento, limites e proporcionalidade da recolha

    de amostra pases restritivos

    Pases Consentimento Recolha coerciva Menores Inimputveis

    Alemanha Sim. Com consentimento

    informado, exceto em casos justificados

    Em casos de crimes sexuais, graves e reincidncia - e aps imposio de

    sanes pecunirias e deteno at 6 meses

    Menores (14-17 anos) com

    consentimento do tutor legal

    Sim se houver probabilidade

    de reincidncia

    Blgica Sim. Com consentimento

    informado

    S com ordem judicial e em casos que prevejam pena > 5 anos. No pode ser

    amostra de sangue No ?

    Espanha

    No, mas deve haver informao acerca das

    consequncias da incluso na base de dados

    Sim, sob ordem judicial ? ?

  • 27

    Pases Consentimento Recolha coerciva Menores Inimputveis

    Frana Sim, consentimento

    informado para familiares de pessoas desaparecidas

    Com ordem judicial em condenados > 10 anos (No explcito o uso de

    coero fsica). A recusa por parte de suspeitos dos crimes elencados no art.

    706-55 em submeter-se a recolha de amostra punida com 1 ano de priso e multa de 15.000 e 2 anos de priso e

    multa de 30.000 no caso de condenados nesse tipo de crimes.

    Sim ?

    Holanda

    S "voluntrios". Os suspeitos tm

    oportunidade de ceder amostra voluntariamente. Para tal devero assinar

    um formulrio de consentimento, tendo

    direito assistncia de um advogado.

    Sim, em crimes passveis de priso preventiva

    ? ?

    Hungria ? Sim Sim Sim

    Irlanda No, mas deve haver

    informao acerca das consequncias da recusa.

    Sim (exclui menores e inimputveis) e s pode ser usada a fora para recolha

    de amostras no-ntimas.

    Sim, com condicionantes

    relativas ao processo de

    recolha

    Sim, com condicionantes

    relativas ao processo de

    recolha

    Itlia

    No necessrio em crimes punidos com pena

    superior a 3 anos. A amostra pode ser

    recolhida por despacho do juiz se absolutamente

    necessria para o apuramento da verdade.

    Sim, por ordem de um juiz (ou de um procurador, caso a demora em obter

    ordem de um juiz possa implicar dano irreparvel para a investigao).

    Sim, sob consentimento.

    Sim, sob consentimento.

    Luxemburgo

    Sim, h modalidade de consentimento escrito e

    informado. Para menores de 14 anos, o

    consentimento dever ser dado pelo tutor legal.

    Apenas para suspeito fundamentado de ter cometido crime punvel com pena igual ou superior a 2 anos. Na recolha coerciva realizado o esfregao bucal

    ou recolha de cabelos, no sendo admitida a recolha de sangue.

    Menores de 14 anos com

    consentimento do tutor legal

    Com consentimento do tutor legal

    Portugal

    Sim, consentimento informado para

    voluntrios, familiares de pessoas desaparecidas,

    profissionais.

    Sim, salvaguardando a integridade fsica e a reserva de intimidade

    Sim. Com autorizao

    judicial

    Apenas para indivduos sujeitos a

    medidas de segurana no inferiores a 5

    anos

    Sucia ? ? No Apenas sob suspeita de

    crime

    Tabela 11 - Necessidade de consentimento, limites e proporcionalidade da recolha

    de amostra pases expansionistas

    Pases Consentimento Recolha coerciva Menores Inimputveis

    ustria No Sim, se no representar risco

    para a integridade fsica. Sim Sim

    Dinamarca

    No. necessrio consentimento apenas

    para recolha em voluntrios

    Sim Sim ?

    Esccia No Sim. Admite-se o uso de "fora

    razovel" Menores a partir

    dos 10 anos Sim

    Eslovquia ? ? S em casos de S em casos de

  • 28

    desaparecidos desaparecidos

    Estnia No, mas o indivduo deve ser informado

    Sim, sob ordem judicial Sim ?

    Finlndia ?

    Sim, respeitando o princpio de proporcionalidade, em

    condenados e em crimes punveis com penas > 6 meses.

    Sim. Os perfis de menores de 15 anos no so inseridos na

    base de dados

    Sim, sempre que suspeitos ou

    condenados por crimes

    Letnia Apenas para familiares

    de pessoas desaparecidas

    Sim, por deciso de um juiz de investigao ou, em casos

    urgentes, por um procurador (a ordem dever ser validada por

    um juiz no dia til seguinte)

    Sim Sim

    Litunia

    Necessrio para familiares de pessoas

    desaparecidas e profissionais de justia

    Sim, sob ordem judicial. possvel fazer recolha em

    terceiros no mbito de uma investigao sob ordem de um

    procurador.

    ?

    Sim. Mas no pode ser a polcia a fazer

    a recolha de amostra

    Reino Unido (Inglaterra, Pas de Gales)

    No Sim Menores a partir

    dos 10 anos Sim

    Quanto aos pressupostos criminais da recolha de amostra, so apenas 4 os pases

    que condicionam a recolha coerciva em proporo gravidade do crime. Na Finlndia,

    a recolha coerciva pode ser efetuada em suspeitos de crimes punveis com penas

    superiores a 6 meses de priso, correspondendo ao critrio de insero do perfil na base

    de dados. Na Blgica, a dimenso da pena dever ser superior a 5 anos de priso,

    enquanto no Luxemburgo necessrio que o indivduo seja condenado por crimes

    graves (elencados numa lista) ou suspeito fundamentado de crime punvel com pena

    superior a 2 anos. Na Frana, talvez o pas mais restritivo neste aspeto, a recolha

    coerciva de amostra s poder ser levada a cabo por ordem judicial em condenados em

    penas superiores a 10 anos (art. 706-56 do Code de Procdure Pnale). Uma boa parte

    dos dispositivos legais europeus (Alemanha, Espanha, Estnia, Itlia, Letnia, Litunia

    e Portugal) apenas admite recolha coerciva de amostra se houver uma ordem judicial.

    Em matria de consentimento e proporcionalidade questiona-se ainda a

    possibilidade de recolha de amostras e insero dos perfis de menores e inimputveis

    nas bases de dados de DNA. Na Estnia, Irlanda e Portugal exige-se uma ordem judicial

    para levar a cabo a recolha de amostra em menores de idade, o que assegurar, em

    princpio, a devida proporcionalidade do ato de recolha e os interesses da justia. Na

    Alemanha, Itlia e Luxemburgo prescrita a necessidade de consentimento por parte

    dos tutores legais.

    A idade a partir da qual pode ser feita a recolha de amostra em menores tambm

    revela a diversidade legislativa europeia. Na ustria, embora no se encontre prescrito

  • 29

    um limite, o procedimento tpico da parte da polcia no efetuar recolha em menores

    de 10 anos de idade (Prainsack, 2010: 157). Saliente-se que neste pas os perfis de

    indivduos menores de idade data da recolha so eliminados ao cabo de 3 anos se no

    houver necessidade de nova identificao. No Reino Unido (Inglaterra e Pas de Gales)

    e Esccia, a idade de 10 anos tambm o limite a partir do qual pode ser efetuada a

    colheita de amostra e insero na base de dados (CFRG, 2011: 162). A idade mnima a

    partir da qual possvel efetuar a recolha de amostras difere entre pases: Alemanha

    (14-17 anos); Finlndia (>15 anos); Luxemburgo (>14 anos). Assinale-se que, na

    Finlndia, os perfis de menores de 15 anos podem ser usados para investigao

    criminal, mas no podem ser inseridos na base de dados de DNA (Van Camp e

    Dierickx, 2007: 46).

    No conjunto dos pases europeus analisados, apenas a Blgica explicitamente s

    admite a recolha de amostra e insero de perfis na base de dados de pessoas maiores de

    idade (18 anos) (art. 2 (3) da Lei de 22 de Maro de 1999). Na Eslovquia permite-se a

    recolha de amostra em menores apenas se necessrio em casos de pessoas desaparecidas

    (art. 3(1) da Lei 417/2002).

    Particularidades nacionais

    Aquilo que no contexto deste relatrio designado como particularidades

    nacionais refere-se a disposies em matria de legislao acerca das bases de dados de

    DNA que se destacam no panorama europeu por configurarem opes que visam

    preservar direitos e garantir medidas de proteo dos direitos individuais ou que tendem

    a expandir o mbito das bases de dados. Descrevemos de seguida algumas dessas

    situaes.

    Na Alemanha e na ustria, por exemplo, verificam-se precaues legislativas

    relativamente produo dos perfis de DNA, nomeadamente por via da anonimizao

    das amostras que so enviadas para os laboratrios. Interpretamos esta medida como

    uma salvaguarda contra potenciais distores e efeitos do observador introduzidos por

    via de contaminao cognitiva ou contextual, tal como passvel de suceder nas

    tradicionais disciplinas da cincia forense (dactiloscopia, balstica, etc.) (Broeders,

    2006; Saks e Koehler, 2005).

  • 30

    A Finlndia e Dinamarca equiparam a identificao por DNA a outras medidas de

    identificao, tais como fotografias ou impresses digitais, tornando desta forma

    possvel a recolha de amostras de DNA de indivduos dos quais se suspeite terem

    cometido ofensas sob o efeito de lcool ou drogas (Cap. 5, art. 11 da Coercive

    Measures Act 450/1987).

    A legislao belga contm uma prerrogativa que consideramos exemplar do seu

    carcter restritivo a condio de terem sido encontradas clulas humanas numa cena

    de crime para que se possa ordenar a recolha de amostras em suspeitos (maiores de 18

    anos) no mbito da investigao de um crime (art. 2 (3) da Lei de 22 de Maro de

    1999).

    Tanto a Alemanha como a Frana tm disposies particulares referentes ao

    procedimento em casos de recusa de submisso recolha de amostra. Na Alemanha

    legtimo o uso de fora fsica para a recolha de amostra em casos de condenados por

    crimes sexuais, crimes graves e reincidncia de crimes menores, mas tambm em

    figuras terceiras numa investigao se se esgotarem todos os outros meios de coero.

    Estes outros meios de coero aplicam-se em situaes como a recusa em prestar

    testemunho ou prestar juramento, a qual pode implicar punio pecuniria (no sendo

    especificado o valor) ou deteno coerciva (at 6 meses) se um juiz considerar que a

    investigao do crime o justifica (art. 70 do Strafprozeordnung). J em Frana, as

    disposies legais afiguram-se peculiares no sentido em que admitida a recolha de

    DNA abandonado de indivduos nos quais no seja possvel efetuar recolha direta (por

    exemplo, em caso de recusa de submisso recolha por parte de suspeitos). Neste pas

    existe uma lista de crimes que orienta os critrios de insero na base de dados de DNA;

    caso um indivduo suspeito ou condenado por algum dos crimes elencados se recuse a

    fornecer uma amostra, este punido com 1 ano de priso e multa de 15.000, no caso de

    suspeitos, e 2 anos de priso e multa de 30.000 no caso de condenados nesse

    catlogo de crimes (art. 706-56 do Code de Procdure Pnale).

    No que respeita aos indivduos que podem ser submetidos a recolha e anlise do

    perfil de DNA, destaca-se a legislao da Letnia no artigo 8. da Lei de 9 de Maro

    (acerca do desenvolvimento e uso da base de dados de DNA) dito que sero includos

    na base de dados os perfis de DNA e informaes sobre cidados e no-cidados da

    Letnia condenados noutros Estados, estrangeiros portadores de autorizao de

  • 31

    residncia na Letnia, aptridas e refugiados, conforme os tratados internacionais

    ratificados pela Repblica da Letnia.

    Ainda que a Holanda tenha por base uma legislao que podemos considerar

    restritiva, sucessivas emendas tm revelado uma tendncia expansionista. Um dos

    aspetos a destacar no contedo das emendas a possibilidade, introduzida em 2003, de

    analisar caractersticas fenotpicas a partir de amostras de cena de crime no-

    identificadas (Van der Beek, 2004). Porm, tal s pode ser efetuado em casos

    autorizados pelo Ministro da Justia, nos quais se tenham esgotado todas as outras

    possibilidades de identificar um suspeito, sendo que as informaes recolhidas no so

    armazenadas na base de dados. A justificao para esta alterao legislativa a de que o

    uso deste tipo de anlise quando a grande maioria dos pases europeus as exclui

    especificamente no difere de uma identificao por via de testemunho ocular,

    conforme admitem Kayser e Schneider (2009: 158).

    Concluso

    Parecem configurar-se duas opes distintas que refletem as preocupaes de cada

    pas na busca do equilbrio entre o reforo do poder do Estado, em nome do bem

    coletivo pela luta contra o crime; e a aposta na defesa dos direitos, liberdades e garantias

    dos cidados. A opo entre uma soluo expansionista ou restritiva reflete diferenas

    ideolgicas e polticas, distintas caractersticas do sistema judicial de cada pas

    (adversarial ou inquisitorial), particularidades da organizao das instituies de

    investigao criminal e contextos histricos e culturais de desenvolvimento e aplicao

    de tecnologia, mas que podem no passar de ritmos de desenvolvimento diferenciados

    no sentido da possibilidade de alguns pases terem optado por arrancar com uma

    legislao mais restritiva e, de acordo com a perceo das sensibilidades polticas e das

    eventuais vantagens, poderem eliminar algumas restries. Como constatam Van Camp

    e Dierickx (2008: 606) e Williams e Johnson (2005: 16), at agora nenhum pas

    procurou aumentar as restries colheita de amostras de DNA ou reduziu o mbito da

    sua aplicao desde a implementao dos usos forenses do DNA no respetivo sistema

    de justia criminal.

  • 32

    A tipologia proposta pretende descrever a situao atual das legislaes sobre

    bases de dados de DNA para fins forenses, podendo assistir-se a desenvolvimentos

    futuros quer no sentido expansionista, como aconteceu na Holanda20

    e poder suceder

    no Reino Unido, no sentido restritivo, em virtude da deciso do Tribunal Europeu dos

    Direitos Humanos S. & Marper v. UK21

    (McCartney et al., 2010) que poder levar a

    alteraes no sentido da destruio das amostras biolgicas e eliminao de perfis de

    DNA de suspeitos ilibados ou no acusados de qualquer crime.

    De modo premente, e com a implementao das decises do Conselho da Unio

    Europeia 2008/615/JAI e 2008/616/JAI, particularmente as partes relativas partilha de

    informao das bases de dados de DNA, poder emergir a necessidade de uma maior

    harmonizao ao nvel legislativo nos vrios pases da UE. Isto porque atualmente,

    conforme aponta Moniz (2009: 10), dada a diversidade dos critrios de insero e

    remoo de perfis e de conservao de amostras, torna-se difcil assegurar o

    cumprimento dos princpios de igualdade e de presuno de inocncia no mbito da

    transferncia de informao relativa a perfis de DNA entre Estados-membro.

    20 Na Holanda, por exemplo, Van der Beek (2004) regista a tendncia crescentemente expansionista

    desde a primeira lei de 1994, cuja reviso em 2001 permitiu a recolha e anlise de DNA em crimes que

    implicassem 4 anos de priso, em vez dos 8 anos exigidos pela lei anterior, embora no conjunto dos

    pases da Unio Europeia a Holanda ainda se enquadre no grupo de pases restritivos.

    21 O caso S & Marper v. UK refere-se a uma queixa apresentada ao Tribunal Europeu dos Direitos

    Humanos por parte de dois indivduos (S, uma criana de 11 anos e Marper) contra o Reino Unido.

    Ambos foram detidos em circunstncias no relacionadas em 2001, tendo sido recolhidas as suas

    impresses digitais e amostras de DNA. De ambas as detenes no se seguiu uma acusao, o que

    motivou a formalizao de pedidos junto do chefe da polcia local (Chief Constable) para que os registos

    fossem eliminados. Os pedidos foram negados. Aps recursos da deciso do chefe da polcia junto dos

    tribunais e da House of Lords, foi determinado que, embora os indivduos no tivessem sido acusados de

    qualquer crime, e apesar da possvel quebra de privacidade, a reteno das impresses digitais e perfis de

    DNA foi considerada como sendo benfica para a sociedade (McCartney et al., 2010: 2). A deciso do

    TEDH foi no sentido contrrio, determinando que a reteno de impresses digitais e perfis de DNA de

    indivduos suspeitos, mas no condenados, configura uma interferncia desproporcionada dos direitos

    de privacidade dos indivduos e no p