Tese sobre ambientalização curricular
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Universidade Federal de So Carlos Programa de Ps-Graduao em Educao
A ambientalizao da formao do arquiteto: o caso do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Escola de
Engenharia de So Carlos (CAU, EESC-USP)
Alessandra Pavesi
So Carlos 2007
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Alessandra Pavesi
A ambientalizao da formao do arquiteto: o caso do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de So
Carlos (CAU, EESC-USP)
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal de So Carlos, como parte dos requisitos para a obteno do ttulo de doutora em Educao.
Orientadora: Profa. Dra. Denise de Freitas
So Carlos 2007
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Ficha catalogrfica elaborada pelo DePT da Biblioteca Comunitria/UFSCar
P337af
Pavesi, Alessandra. A ambientalizao da formao do arquiteto : o caso do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de So Carlos (CAU, EESC-USP) / Alessandra Pavesi. -- So Carlos : UFSCar, 2007. 199 f. Tese (Doutorado) -- Universidade Federal de So Carlos, 2007. 1. Currculos. 2. Meio ambiente. 3. Arquitetura. I. Ttulo. CDD: 375 (20a)
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BANCA EXAMINADORA
ProF Dtt Denise de Freitas
ProF Dtt Maria Ins Petrucci Rosa
Prof Dr. Manoel Antonio Lopes Rodrigues Alves
Prof Dr. Amadeu Jos Montagnini Logarezzi
ProF Dtt Hayde Torres de Oliveira
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Os meus agradecimentos:
Ao CNPq, que financiou esta pesquisa.
s professoras e aos professores do Programa de Ps-graduao em Educao da UFSCar,
que acolheram o meu projeto de pesquisa e me apoiaram em seu desenvolvimento; entre elas,
um agradecimento especial para a minha orientadora, Profa. Dra. Denise de Freitas.
Aos professores e professoras do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia
de So Carlos por sua ateno e disponibilidade, sem as quais no teria sido possvel realizar
este trabalho. Um agradecimento especial vai aos professores Manoel Rodrigues Alves, David
Sperling e Ton Marar por seus esclarecimentos e sugestes.
minha famlia, s amigas e aos amigos que de uma maneira ou de outra estiveram comigo,
ocasionalmente ou constantemente, nestes quatro anos de trabalho.
A Tiago, meu filho querido, Matteo, Gabriella e pequena Valentina dedico esta tese.
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As rvores so amigas dos seres humanos, smbolo de toda criao orgnica; uma rvore uma imagem de uma criao completa. Um espetculo maravilhoso que se nos apresenta no arabesco mais fantstico e ainda assim perfeitamente ordenado; um jogo de ramos matematicamente organizado e multiplicado, a cada primavera, por uma mo que traz vida nova. Folhas com nervuras lindamente desenhadas. Uma proteo sobre ns entre a terra e o cu. Um anteparo amigvel perto de nossos olhos. Uma prazerosa medida interposta entre nossos coraes e olhos e as geometrias eventuais de nossas duras construes. Um precioso instrumento nas mos do planejador da cidade. A expresso mais concentrada das foras da natureza. A presena da natureza na cidade, envolvendo nossos afazeres e prazeres. rvores so companheiras milenares dos seres humanos.
Le Corbusier
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Resumo Esta pesquisa teve como foco a ambientalizao do currculo de cursos de graduao e, como propsito principal, a estruturao de um percurso terico-metodolgico de investigao que permita analisar elementos constitutivos de processos de ambientalizao curricular. Este percurso tem em seu mago a interpretao das concepes epistemolgicas gerais de um grupo de professores do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de So Carlos (CAU, EESC-USP): suas opinies, argumentaes, experincias/prticas, dilemas, etc. sobre o problema da ambientalizao ou incorporao da dimenso ambiental no processo de formao do arquiteto e no currculo. Sem perder de vista o debate mais amplo sobre a ambientalizao da educao superior, definida com base em conferncias internacionais, polticas brasileiras e discursos e pesquisas acadmicas, a discusso dos constructos dos professores se apoiou nas reflexes de autores que se aprofundaram em questes prprias do campo do currculo e do ensino da arquitetura. Da anlise dos resultados, emerge um quadro de elementos e condies que atestam a natureza complexa e problemtica da ambientalizao curricular, a qual, longe de restringir-se insero de temas e contedos ambientais, demanda a tomada de decises e aes que afetam o currculo sob os aspectos de suas funes sociais e culturais, da organizao de seus contedos, das prticas que organiza e dos procedimentos de sua construo/inovao, podendo provocar mudanas profundas na trama social e na dinmica das escolas/cursos. Palavras-chave: currculo, ambiente, arquitetura.
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Abstract
This research focused on the process of greening undergraduate curricula. It aimed to construct a theoretical and methodological procedure to investigate the components of such processes. The procedure used is based on an interpretation of the epistemological positions of a group of teachers responsible for the Architecture and Urbanism course of the Engineering School of So Carlos (EESC-USP, SP, Brazil): their values, experiences and practices, and the problems they have encountered in including environmental subjects in the curriculum. Within the wider debate on the greening of higher education, whose repercussions are manifested in Brazilian policies as well as academic discourse and research, the present analysis of the participating teachers concepts was based on writings by specialists in educating architects and constructing optimized curricula. The results reveal the complex, problematic nature of greening curricula, a process requiring more than the inclusion of environmental themes and content. Decisions and initiatives profoundly affecting curricula will also be necessary, entailing changes in their structuring and content organization and, therefore, in the dynamics of educational institutions, the courses offered by them, and the social web of which they are a part.
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SUMRIO
INTRODUO ...................................................................................................................................... 9
1. A ESTRUTURAO DE UM PERCURSO TERICO-METODOLGICO PARA A ANLISE DE ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DE PROCESSOS DE AMBIENTALIZAO CURRICULAR ..................................................................................................................................... 14
1.1 A ambientalizao da educao superior ........................................................................................ 14 1.1.a A ambientalizao da educao superior em conferncias mundiais....................................... 14 1.1.b A ambientalizao da educao superior nas polticas brasileiras........................................... 21 1.1.c Limites e perspectivas para a ambientalizao da educao superior...................................... 26
1.2 Trajetos pelo campo do currculo: encontro com possveis perspectivas tericas para interpretar e implementar a ambientalizao curricular nos cursos de Ensino Superior ........................................... 39
1.2.a O currculo como projeto de seleo e organizao de elementos da cultura .......................... 40 1.2.b Os determinantes ideolgicos e culturais da compreenso/configurao do currculo e de sua ambientalizao ................................................................................................................................ 46 1.2.c O currculo como conjunto de espaos de participao e formao ........................................ 52 1.2.d A caracterizao de um estudo ambientalizado como sntese de compreenses e proposies sobre o currculo ............................................................................................................................... 55
1.3 A construo de um traado metodolgico de investigao para individualizar processos de ambientalizao curricular .................................................................................................................... 61
1.3.a Dos atributos do currculo ambientalizado aos procedimentos de sua construo: rumo ao currculo deliberativo ........................................................................................................................ 62 1.3.b O traado metodolgico da pesquisa em sinergia com o procedimento deliberativo de construo do currculo..................................................................................................................... 68
2. A INDIVIDUALIZAO DE PROCESSOS DE AMBIENTALIZAO CURRICULAR DO CAU ...................................................................................................................................................... 78
2.1 A questo ambiental nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino da Arquitetura/Urbanismo ......................................................................................................................... 78
2.2 Gnese, dinmica e identidade do Curso de Arquitetura e Urbanismo (CAU) da EESC-USP....... 86
2.3 Processos de ambientalizao no CAU......................................................................................... 105 2.3.a A questo ambiental na origem das responsabilidades e competncias do arquiteto............. 105 2.3.b. A questo ambiental no CAU ............................................................................................... 118
3. PERSPECTIVAS PARA A AMBIENTALIZAO DO CAU..................................................... 132
3.1 Necessidades para a ambientalizao do CAU ............................................................................. 132 3.1.a As necessidades paradigmticas ............................................................................................ 132 3.1.b As necessidades estruturais.................................................................................................... 146 3.2.c As necessidades metodolgicas ............................................................................................. 149
3.2 Os fatores que dificultam o processo de ambientalizao do Curso ............................................. 151 3.2.a A falta de disponibilidade dos docentes para repensar o currculo e o ensino ....................... 151 3.2.b A falta de um vnculo forte entre pesquisa e ensino e de articulao entre reas de ensino .. 153
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3.2.c A fragilidade da poltica de extenso universitria em sua articulao com o ensino ........... 154 3.2.d As inclinaes polticas dos professores................................................................................ 156 3.2.e As relaes sociedade-natureza em paradigmas arquitetnicos: vises em confronto .......... 159 3.2.f A falta de uma noo operacional de sustentabilidade ........................................................... 165
3.3 Os fatores que podem favorecer o processo de ambientalizao do CAU.................................... 167 3.3.a A contribuio dos alunos...................................................................................................... 167 3.3.b As relaes e trocas entre departamentos e instituies......................................................... 168
4. CONSIDERAES FINAIS.......................................................................................................... 172
5. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS............................................................................................ 179
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Introduo
Em 1998, depois de defender minha dissertao de mestrado na rea de engenharia
ambiental, fui contratada por uma universidade particular para ministrar aulas de projeto
urbano e paisagismo no curso de arquitetura, juntamente com outros dois professores: um
arquiteto e uma urbanista. Por acreditar que muitos dos problemas ambientais que
comprometem a qualidade de vida nas cidades brasileiras poderiam ser prevenidos se
arquitetos e urbanistas, ao longo de sua formao, estudassem os possveis impactos da
urbanizao sobre a base de recursos naturais e procurassem ajustar suas intervenes
capacidade de suporte do ambiente, ficamos de acordo que, em virtude da minha formao em
ecologia, me ocuparia em organizar e discutir com os alunos (do segundo ano) conceitos
ambientais e ecolgicos, que seriam integrados ao contedo da disciplina e aos projetos de
reas livres (no construdas) urbanas a serem produzidos ao longo do ano.
em torno desse ncleo que, pelo menos inicialmente, se desenvolveu nossa
colaborao, que no foi isenta de momentos de tenso: em uma das assessorias assim eram
chamadas as aulas dedicadas ao acompanhamento dos projetos os alunos vieram a queixar-
se da dificuldade de conciliar os pontos de vista e as exigncias de ns trs professores. A
questo era quais deveriam privilegiar.
Na poca, o que mais me preocupou foram os possveis efeitos sobre a aprendizagem
dos alunos das inevitveis contradies de um discurso escrito a seis mos, precariamente
sistematizado e muitas vezes improvisado a partir de problemas concretos, que surgiam nas
prticas de campo e de projeto. Hoje, contudo, posso enxergar naquele desabafo a antecipao
de uma questo crucial que se apresenta ao arquiteto, assim como a todos os profissionais que,
em sua prtica, intervm direta ou indiretamente sobre o territrio, com a responsabilidade de
fazer opes que resultem de um compromisso entre os interesses dos clientes e aqueles da
sociedade em geral.
Para Bezerra e Ribas,
As questes levantadas pelo movimento ambientalista na dcada 1980 e fortalecidas no conceito de sustentabilidade da dcada seguinte atribuem gesto do espao urbano uma outra dimenso que no exclusivamente de ordenamento fsico do territrio e de acesso a terra e servios urbanos para todos, mas apresenta com muita clareza a idia de gesto pblica do espao enquanto mediao de interesses comuns, isto : necessidade de interdependncia e solidariedade entre o uso dos recursos comuns e
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administrao dos interesses individuais e corporativos (informao pessoal)1.
A responsabilidade profissional particularmente premente em um contexto em que
costumam prevalecer os interesses privados sobre o interesse pblico, nas decises que dizem
respeito alocao e ao uso do solo urbano, e no qual at mesmo a urgncia de problemas
sociais, como o da habitao popular, tem levado, de maneira geral, a uma flexibilizao dos
regulamentos e das exigncias urbansticas (menor tamanho de lote, maior taxa de ocupao
do solo, dentre outros ndices), custa de recursos e habitats naturais (ULTRAMARI, 1998).
Vista dessa perspectiva, a preocupao com a preservao do ambiente agregaria maior
complexidade prtica de projeto que teria de ser concebido a partir de reflexes que
transcendem as dimenses da tica e da esttica convencionais, bem como da funcionalidade
aqui entendida como adequao de um determinado projeto aos usos previstos e que
podem entrar em conflito com regulamentos e ndices prescritos, com modelos de desenho
urbano consagrados pela literatura e com padres de urbanizao que j se naturalizaram.
Contudo, os alunos tendiam a adotar os valores mnimos recomendados pela legislao
(contedo priorizado por meus colegas), interpretando-os como valores absolutos, sem
questionar a lgica subjacente ou refletir sobre os efeitos ambientais que aquela poderia gerar
em diversas escalas e prazos.
Para ressaltar a importncia dessa reflexo, pode ser til tomar como exemplo o
procedimento corrente de inverso e loteamento de reas rurais, para a implantao tanto de
conjuntos habitacionais para a classe de baixa renda, como de condomnios exclusivos, pois
pelo menos um semestre devia ser dedicado ao projeto desses bairros residenciais. Existe um
farto corpo de leis que dispem sobre o parcelamento do solo nos stios destinados a esse uso,
com a finalidade de racionalizar sua ocupao, tendo em vista a qualidade de vida dos
moradores ou, quanto menos, necessidades consideradas bsicas e a exigncia de se
preservar a vegetao nativa e os corpos de gua. Embora esses conjuntos de diretrizes
apresentem certa coerncia interna, escamoteiam uma questo fundamental: a expanso
horizontal acelerada da cidade, favorecida por esse padro de ocupao do solo, cria uma
srie de problemas, cujo equacionamento implica um nus considervel para os contribuintes
e a populao. De fato, se por um lado lhe corresponde o abandono dos centros urbanos, com
a conseqente subutilizao de sua infra-estrutura, por outro cabe administrao municipal
estender a rede dos servios pblicos, no raro atravs de imensos vazios urbanos (que ficam 1 RIBAS, O.; BEZERRA, M.C. A construo da sustentabilidade das cidades brasileiras. Mensagem recebida por [email protected] em 14 nov.2005.
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espera de valorizao, tornando-se objeto da especulao imobiliria)2. Alm disso, o
distanciamento entre os setores em que a cidade moderna encontra-se fragmentada cada um
com uma funo especfica: de moradia, trabalho, consumo, lazer, etc. obriga
intensificao do uso do carro particular, especialmente onde o transporte pblico precrio
(situao comum nas cidades brasileiras). Esto dados os fatores da equao que resulta no
aumento do consumo de combustveis fsseis e nos impactos locais e globais correlatos, tais
como a poluio atmosfrica e as ilhas de calor urbanas, o aquecimento global, o
desmatamento e a perda de solo frtil (que poderia ser destinado agricultura), o problema
das enchentes ocasionado pelo asfaltamento e pela impermeabilizao do solo, etc.
Seria redundante enumerar aqui os problemas scio-ambientais urbanos, que, a partir da
dcada de 70, com a Conferncia de Vancouver sobre os Assentamentos Urbanos (Habitat I),
tornaram-se objeto de uma extensa literatura. Trata-se de problemas cuja natureza complexa e
contingente se deve multiplicidade dos fatores e agentes envolvidos em sua dinmica. Como
abord-los de maneira sistemtica, isto , integrando a viso analtico-crtica com a
propositiva, para que os alunos pudessem converter nossas reflexes em critrios de projeto,
no espao de uma disciplina anual, ministrada em aulas semanais?
Meu embarao possivelmente agravou-se, quando passei a lecionar Estudos Ambientais
em outra sede da mesma universidade. Essa disciplina foi criada quando os cursos de
arquitetura tiveram de adequar-se s Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino de
Graduao em Arquitetura e Urbanismo (BRASIL, 1994) que estabelecem, entre as reas
correspondentes aos conhecimentos de fundamentao, a de Estudos Ambientais. A criao
de uma disciplina homnima foi a soluo encontrada em diversas instituies de ensino
superior para incorporar contedos ambientais ao currculo, sem intervir radicalmente na
estrutura do curso e, dado que no se coloca qualquer exigncia de precedncia entre os
campos de conhecimento, a disciplina de Estudos Ambientais foi relegada ao ltimo ano e,
no raro, associada ao contedo da disciplina de Saneamento.
Nessas circunstncias, se de um lado achava-me aliviada da urgncia do projeto e,
portanto, livre para mover-me entre diversas escalas de abordagem ao ambiente, de outro no
havia como avaliar o resultado concreto de nossas discusses e, nas raras ocasies em que tive
a oportunidade de examinar os projetos desenvolvidos pelos alunos em outras disciplinas,
observei que seu impacto ficou muito aqum das minhas expectativas. Amadureci, dessa 2 Foladori adota o crescimento descontrolado das cidades (urban sprawl) como exemplo de uma situao em que o critrio da rentabilidade individual (no caso, o valor produzido pelas empresas ralacionadas construo civil) se contrape quele da produtividade social, isto , o gasto econmico que a sociedade como um todo deve realizar para cumprir com seus objetivos.
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forma, uma sensao de isolamento, reforada pelas condies logsticas de trabalho: nem
sequer cheguei a conhecer todos os meus colegas, que encontrava esporadicamente, nas
reunies anuais do corpo decente com a coordenadora do curso (para uma rpida consulta a
respeito da distribuio da carga horria), ou na sala dos professores, cuja aparncia, por sinal,
lembrava muito mais a sala de espera de um terminal rodovirio, do que um local que se
destine ao convvio social. Todos ns, efetivamente, transitvamos entre instituies e locais
de trabalho diferentes, permanentemente pressionados por agendas particulares, que no
contemplavam janelas para um trabalho que se pudesse definir colaborativo.
Considero esta experincia o meu exrdio tanto no ensino, como na pesquisa em
educao ambiental, no tanto porque em minha atividade docente tratasse de contedos
ecolgicos, mas, sobretudo, porque as dvidas e dificuldades que vivenciei relacionam-se
com uma questo importantes para quem atua como professor/a e pesquisador/a da rea, que
diz respeito s oportunidades e restries postas por certas concepes de educao e
currculo para a ambientalizao da formao profissional, isto , para a formao de
profissionais comprometidos com a conservao do meio ambiente ou com a busca
permanente das melhores relaes possveis entre sociedade e natureza (JUNYENT et al.,
2003, p. 21).
Essa questo nos remete, por sua vez, s possibilidades de articulao das
cincias/disciplinas (seus objetos, teorias e mtodos) com o campo ambiental, funo de
produo e reproduo cultural da educao superior, aos procedimentos e sujeitos da criao,
seleo e organizao do saber acadmico, etc. Considero que esses aspectos podem ser
reconduzidos a uma discusso sobre currculo e por isto que decidi eleg-lo como eixo
central desta minha investigao.
Entre as diversas concepes de currculo, busquei a formulao que me permitisse
dirigir a ateno aos determinantes culturais, antes que aos resultados que se espera de sua
atuao. De fato, no pretendia confeccionar uma lista exaustiva de conhecimentos que o
arquiteto deveria dominar para projetar de maneira ecologicamente responsvel, mas antes
considerar as vozes que se confrontam na produo, seleo e organizao desses
conhecimentos, na arena cultural e poltica da escola, por entender que esse seria o primeiro
passo para identificar tendncias mais concretas e favorecer um processo deliberativo de
ambientalizao da formao profissional. De fato, um dos pressupostos deste trabalho que
esse processo deva contemplar as perspectivas dos docentes, j que, em ltima anlise,
qualquer inovao depende de um compromisso pessoal e que existem diferenas individuais
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associadas s mudanas que a adoo de uma determinada inovao requer (e causa) nas
prticas de ensino (KEMMIS e ROBOTTOM, 1981).
Ao mesmo tempo, minha discusso sobre o currculo e os procedimentos de sua
reformulao insere-se no debate mais amplo sobre a ambientalizao da educao superior
que, a partir dos anos 80, deu origem a um movimento para a sua institucionalizao e que,
desde ento, vem envolvendo a comunidade acadmica em eventos e redes, em parceria com
os rgos governamentais. Sem perder de vista este horizonte, a investigao enfoca o Curso
de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de So Carlos (CAU, EESC-USP), com
os objetivos de: 1) estruturar um percurso terico-metodolgico de investigao que permita
analisar elementos constitutivos de processos de ambientalizao curricular; 2) analisar, com
base nesse percurso, como vem se configurando o processo de ambientalizao do CAU; 3)
formular orientaes para o desenvolvimento futuro desse processo, bem como auxiliar a
elaborao de quadros tericos que permitam analisar e subsidiar a ambientalizao curricular
em cursos de ensino superior. Esses trs objetivos se constituem nos principais eixos em torno
dos quais os resultados desta investigao esto organizados na estrutura da tese.
A primeira seo, organizada em torno do primeiro objetivo, consiste em trs
momentos: 1.1) a compreenso da ambientalizao da educao superior em seu
desenvolvimento histrico: suas significaes, possibilidades e limites; 1.2) a construo de
ferramentas terico-metodolgicas para interpretar e implementar processos de
ambientalizao curricular; 1.3) a construo de um traado metodolgico de pesquisa para
individualizar processos de ambientalizao curricular.
A segunda seo, cujo foco o segundo objetivo, consiste justamente na
individualizao de processos de ambientalizao do CAU e compreende: 2.1) a anlise das
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino de Arquitetura e Urbanismo; 2.2) a
caracterizao do CAU em sua gnese, dinmica e identidade; 2.3) a avaliao do currculo
do CAU em relao s responsabilidades e competncias para a ambientalizao da formao
profissional do arquiteto.
A terceira seo, que se desenvolve em torno do terceiro objetivo, compreende: 3.1) as
necessidades para a ambientalizao do CAU; e 3.2) os fatores que podem dificultar e aqueles
que podem favorecer a ambientalizao do CAU.
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1. A estruturao de um percurso terico-metodolgico para a anlise de elementos
constitutivos de processos de ambientalizao curricular
1.1 A ambientalizao da educao superior
Nesta sub-seo, com base nas conferncias internacionais, nas polticas educacionais
nacionais e nos discursos e pesquisas acadmicas, procura-se definir a ambientalizao da
educao superior e interpretar suas possibilidades e limites para a transformao da
universidade e da sociedade.
1.1.a A ambientalizao da educao superior em conferncias mundiais
O processo de ambientalizao da educao superior se entrelaa com aquele mais
amplo de institucionalizao da Educao Ambiental (EA), que tem seu marco inicial na
Declarao de Estocolmo, resultado da Primeira Conferncia Mundial sobre o Ambiente
Humano, promovida pela Organizao das Naes Unidas, em 1972. De fato, pelo menos em
um primeiro momento, as diretrizes oficiais de ambientalizao dos estudos superiores
corresponderiam s recomendaes contidas na Declarao, focada em uma educao voltada
para a conservao da natureza e na perpetuao da base de recursos ambientais. Com a
premissa de que ignorncia e indiferena podem provocar danos irreversveis para o
ambiente do qual dependem a sobrevivncia e o bem-estar dos seres humanos (UNEP,
1972), o princpio 19 afirma a importncia da EA, dirigida a jovens e adultos, para constituir
as bases de uma opinio pblica bem informada e de uma conduta dos indivduos, das
empresas e das comunidades, inspirada na responsabilidade pela proteo do ambiente.
Em conseqncia da Conferncia de Estocolmo, a UNESCO e o PNUMA (Programa
das Naes Unidas para o Meio Ambiente) criam o Programa Internacional de Educao
Ambiental (PIEA), com o objetivo de identificar projetos em andamento, bem como
necessidades e prioridades dos Estados participantes. Para isso, promove-se, em 1975, um
primeiro seminrio internacional em Belgrado, do qual participaram 96 representantes de 65
pases e organizaes.
A Carta de Belgrado reitera as preocupaes contidas na Declarao de Estocolmo,
apelando para um compromisso entre crescimento econmico e proteo ambiental, com base
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na reduo dos impactos ambientais e na concepo de novas tecnologias. No cenrio
idealizado, a educao teria um papel fundamental.
Gaudiano (2001) detecta na retrica da Carta a presena de uma concepo teleolgica e
voluntarista da educao, como se por si s bastasse para mudar o estado das coisas. Presume-
se, em outros termos, que exista um procedimento universal, lgico e eficiente para a
definio e a organizao da mudana, que transcende a estrutura moral e poltica
institucional. Esta concepo de educao procede, segundo Moreira (1992), da teoria
sociolgica funcionalista, cuja pretenso :
[...] ajustar o indivduo sociedade, garantir a manuteno da ordem social e a ocorrncia de mudanas apenas dentro de limites pr-estabelecidos. [...] A sociedade concebida como um todo relativamente homogneo e integrado. Os conflitos que conturbam a ordem social so considerados como de importncia secundria e como passveis de serem administrados dentro de limites definidos (p. 16).
O tecnicismo representaria o tributrio natural da teoria funcionalista no campo da
educao e do currculo. Assim denominada por derivar seus mtodos dos modelos
tecnolgicos industriais, essa vertente educacional promove, de fato, a eficincia, a ordem, a
estabilidade e a homogeneidade (ibid.), e inspira fortemente as inovaes no campo
educacional dos anos 80, especialmente nos EUA; o caso da abordagem RDDA (Research,
Development, Diffusion, Adoption), que coloca grande nfase nos materiais curriculares
desenvolvidos por especialistas vinculados a agncias centrais, enquanto os grupos a que se
destinam os pacotes so tratados como consumidores passivos (ROBOTTOM, 1987).
O tecnicismo exerceu grande influncia tambm na maneira de se pensar a EA naquele
momento. O resultado foi a difuso entre os educadores de uma concepo, amplamente
divulgada pelo internacional Journal of Environmental Education (ROBOTTOM, ibid.), que
tem como foco a compreenso dos componentes biticos e abiticos do meio ambiente e os
mtodos para investig-los emprestados das cincias naturais, e que alimenta a crena de que
existe uma lgica de soluo dos problemas, orientada pelos dogmas da racionalidade
instrumental, da fragmentao, da especializao, do pensamento finalista, da erradicao de
valores e do suporte financeiro e administrativo em larga escala (ROBOTTOM, 1983).
Segundo Gaudiano (2001), essa concepo de educao caracterizou o PIEA ao longo de sua
existncia, o que determinou a precria inscrio das culturas populares em seu discurso
pedaggico.
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Entre 1976 e 1977 promovem-se reunies regionais preparatrias para a Conferncia
Intergovernamental de Educao Ambiental de Tbilisi, antiga URSS. Na reunio dos
representantes e observadores dos pases da Amrica Latina, que teve lugar em Bogot,
Gaudiano (2001) observa um redimensionamento do papel da EA acompanhado por uma
mudana de seu foco. De fato, a EA passa a ser considerada condio necessria para o
estabelecimento de estruturas participativas de planejamento e gesto.
A Declarao de Tbilisi (UNESCO, 1977) marca um notvel avano nesta direo,
preconizando que a orientao e o ritmo de desenvolvimento deveriam ser definidos de modo
endgeno, por cada sociedade, em funo de suas necessidades, dos objetivos scio-
econmicos e das particularidades de seu meio ambiente. Este ltimo conceito, antes restrito
aos aspectos fsicos e biolgicos, ampliado para compreender tambm os aspectos scio-
econmicos e culturais. Prope-se uma Educao Ambiental que se embrenhe no currculo
escolar, para possibilitar a percepo do meio ambiente em sua complexidade, e que seja
aberta s necessidades da comunidade, cujos problemas no podem ser equacionados apenas
pela aquisio de conhecimentos e tcnicas, mas, sobretudo, pela consolidao de prticas
comunitrias de carter permanente.
A Declarao de Tbilisi se refere ao papel das universidades, indicando possveis
estratgias de ao em matria de formao de especialistas, cooperao internacional e
regional, acesso informao e produo de materiais para a educao tcnica e vocacional e
do pblico em geral.
A dcada de 90 marca a dissociao do movimento para a ambientalizao do ensino
superior daquele mais amplo, voltado para a insero da temtica e da educao ambiental na
educao escolar em geral: Talloires (Frana) sedia o encontro de 22 reitores e representantes
de universidades, para discutir sobre sua possvel contribuio para a gesto ambiental e o
desenvolvimento sustentvel. O conceito de sustentabilidade passa a ocupar uma posio
proeminente na agenda global e nas polticas pblicas voltadas educao particularmente
depois da publicao, em 1987, do Relatrio da Comisso Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, Nosso Futuro Comum (tambm conhecido como Relatrio
Brundtland).
A Declarao que resulta do encontro de reitores3 define aes a serem empreendidas
no mbito acadmico para construir um futuro eqitativo e sustentvel para a humanidade em
harmonia com a natureza, entre elas: a) orientar o ensino e a pesquisa para a sustentabilidade;
3 Em 2000 contavam-se 275 signatrios (WRIGHT, 2002).
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b) educar para a formao de cidados ambientalmente responsveis, estabelecendo
programas de especializao em gesto ambiental e desenvolvimento econmico sustentvel;
c) criar programas de capacitao do corpo docente para prover os estudantes da graduao e
ps-graduao de uma cultura ambiental bsica (Environmental Literacy); d) adotar prticas
voltadas conservao de recursos, reciclagem e reduo de resduos; e) incentivar governos,
fundaes e indstrias a oferecer apoio para a pesquisa interdisciplinar; f) promover a
interdisciplinaridade nos currculos, nas iniciativas de pesquisa e nas atividades de extenso
(ULSF, 1990).
Em 1992, realiza-se a Conferncia das Naes Unidas sobre Ambiente e
Desenvolvimento (Rio de Janeiro), um dos eventos de maior repercusso pblica da dcada.
O Relatrio da Conferncia (NAES UNIDAS, 1992a) coloca o acento no desenvolvimento
e na adaptao, difuso e transferncia de tecnologias inovadoras (princpio 9), ou ainda na
constituio de um sistema econmico aberto que, levando o crescimento econmico a
todas as naes, contribuiria para o enfrentamento dos problemas de degradao ambiental
(princpio 12). O Relatrio seria posteriormente re-elaborado, resultando na Agenda 21
plano de 300 pginas para redirecionar o desenvolvimento para a sustentabilidade no sculo
XXI.
O captulo 36 prov um guarda-chuva para todas as aes relacionadas educao para
o desenvolvimento sustentvel; leva em considerao a educao escolar em todos os nveis,
desde o bsico ao superior, bem como a educao no-escolar, abordando trs reas
programticas: reorientar a educao para o desenvolvimento sustentvel; aumentar a
conscincia pblica e promover o treinamento (NAES UNIDAS, 1992b).
Entre as aes propostas, prev a reviso curricular, para garantir a abordagem
multidisciplinar de temas relacionados a ambiente e desenvolvimento, e seus aspectos e
relaes scio-culturais e demogrficos. Reconhece tambm que deveria ser dado o devido
respeito s necessidades definidas pelas comunidades e aos diversos sistemas de
conhecimento, que incluem a cincia e as sensibilidades culturais e sociais, embora reafirme
a posio hegemnica da primeira, ao defender que o amadurecimento da conscincia
ecolgica depende da produo de materiais educacionais de todos os tipos e para todas as
audincias e que esta deveria ser baseada na melhor informao cientfica disponvel,
incluindo as cincias naturais, do comportamento e sociais. Alm disso, ao pressupor que
ainda existe uma considervel lacuna em termos de conscincia das inter-relaes entre
atividades humanas e meio ambiente, devida informao insuficiente e imperfeita e que
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as naes em via de desenvolvimento so as que mais carecem de especializao e
tecnologia relevantes, o captulo 36 exibe o mesmo carter tecnocrtico dos planos de
desenvolvimento e educao elaborados pelas Naes Unidas.
Assim como a Declarao de Tbilisi, o captulo 36 da Agenda 21 reserva um tpico
educao superior, recomendando que as naes dem suporte s universidades, incentivando
a criao de cursos interdisciplinares para todos os estudantes, bem como o estabelecimento
de parcerias com o setor econmico e com outras naes para a troca de tecnologias e
conhecimentos. O texto atribui ainda s universidade a funo potencial de centros de
excelncia em pesquisa interdisciplinar e educao em cincias ambientais e de
desenvolvimento, direito e gerenciamento de problemas ambientais especficos.
O treinamento, sempre segundo a Agenda 21, deveria ter seu foco na formao
profissional, preenchendo lacunas de conhecimento terico e prtico, para possibilitar que os
indivduos, ao mesmo tempo em que satisfazem aos requisitos postos pelo mercado de
trabalho, adotem meios de vida sustentveis. Para isso, solicitam-se as associaes
profissionais nacionais a desenvolver e rever seus cdigos de tica, para reforar seu
compromisso com a proteo ambiental.
A Conferncia de 1992 tornou-se tambm o palco de um conflito histrico entre
Governos e sociedade civil, representada pelas Organizaes no Governamentais, em torno
do significado e das prticas associadas ao conceito de sustentabilidade. O Tratado das ONGs,
resultado do Frum Global da Eco 92 evento que se realizou paralelamente conferncia
oficial subverte o discurso oficial, propondo uma viso crtica das estratgias propostas para
resolver a crise scio-ambiental. Assim como a Agenda 21, o Tratado cobre um amplo
espectro de setores, entre os quais a educao, mediante o Tratado de Educao Ambiental
para Sociedades Sustentveis e Responsabilidade Global.
Esse tratado identifica no modelo de civilizao dominante a causa principal da
pobreza, da degradao humana e ambiental e da violncia. Reconhecendo a responsabilidade
de todos os indivduos na construo de seu prprio futuro, incita as comunidades do mundo a
desenhar e implementar suas prprias alternativas s polticas existentes. Estas alternativas
incluem a abolio daqueles programas de desenvolvimento, ajuste e reforma econmica que
mantm o modelo de crescimento existente, com seus efeitos devastadores sobre o ambiente.
Entre seus princpios, recomenda que as questes globais crticas, suas causas e inter-
relaes sejam tratadas em uma perspectiva sistmica e em seu contexto social e histrico,
que sejam valorizadas diferentes formas de conhecimento e que esse seja articulado a valores,
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aptides, atitudes e aes.
Em seu plano de aes prev que os princpios do tratado sejam trabalhados a partir
das realidades locais, estabelecendo as devidas conexes com a realidade planetria,
objetivando a conscientizao para a transformao, e que se busquem alternativas de
produo autogestionria e apropriadas econmica e ecologicamente, que contribuam para
uma melhoria da qualidade de vida.
A Jornada Internacional de Educao Ambiental, no curso do Frum Global, foi aberta
por Paulo Freire, o que para Loureiro (2004) diz muito sobre a orientao pedaggica do
Tratado seu compromisso com uma educao popular e libertadora, e seu afinamento com
uma viso de educao como processo dialgico. No que diz respeito educao superior, as
organizaes que assinam o Tratado se propem a mobilizar instituies formais e no
formais para o apoio ao ensino, pesquisa e extenso em educao ambiental e a criao, em
cada universidade, de centros interdisciplinares para o meio ambiente.
Em 1993, Kyoto a sede da IX Mesa-redonda da Associao Internacional das
Universidades, sobre o papel e a contribuio nica que a universidade poderia oferecer para
o equacionamento dos problemas da sociedade global. Nessa ocasio, so feitas diversas
recomendaes para transformar a atitude passiva que as universidades haviam mantido at
ento em uma postura mais enrgica e influente, entre as quais: defender seu compromisso
institucional com o desenvolvimento sustentvel em seus princpios e prticas; promover
prticas de consumo sustentvel em suas operaes; formar professores que ofeream
conhecimentos bsicos em matria de meio ambiente; utilizar os recursos intelectuais para
fundar programas de EA; apoiar programas de pesquisa interdisciplinares e em colaborao;
enfatizar a obrigao tica da comunidade acadmica, para compreender e derrotar as foras
que convergem para a degradao ambiental, as disparidades Norte-Sul e as desigualdades
inter-geracionais; formar redes de especialistas em meio ambiente para disseminar o
conhecimento e colaborar em projetos ambientais; promover a mobilidade de docentes e
estudantes para o livre intercmbio de conhecimentos; instituir parcerias com todos os setores
da sociedade para a transferncia de tecnologias inovadoras e apropriadas
(INTERNATIONAL ASSOCIATION OF UNIVERSITIES, 1993).
Pode-se afirmar que, enquanto os primeiros vinte anos desde a Conferncia de
Estocolmo se caracterizam pelas intervenes da Organizao das Naes Unidas, que
contriburam para criar um clima de consenso pelo menos quanto necessidade da insero
da EA nas instituies de ensino superior, nos anos subseqentes se destacam as iniciativas
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discretas e os projetos piloto de instituies e organizaes de educao superior: criam-se, de
fato, diversos programas e associaes internacionais que congregam universidades
empenhadas na ambientalizao de seus programas de ensino, na promoo e coordenao de
projetos de pesquisa multidisciplinares e colaborativos e na difuso de seus resultados como
subsdio de polticas pblicas. o caso do programa Copernicus de cooperao
interuniversitria sobre o ambiente, institudo pela Associao de Universidades Europias
(CRE-COPERNICUS, 1993); da GHESP (Global Higher Education for Sustainability
Partnership), constituda por quatro organizaes (a Associao Internacional de
Universidades IAU; a Associao de Lderes para um Futuro Sustentvel ULSF; o
Campus-Copernicus; e a UNESCO), que combina esforos para incitar as instituies de
educao superior a redirecionar suas atividades para a sustentabilidade, conforme recomenda
a Agenda 21; a Organizao Internacional de Universidades para o Desenvolvimento
Sustentvel e o Meio Ambiente (OIUDSMA), composta por 20 universidades principalmente
ibero-americanas; e a Association for the Advancement of Sustainability in Higher Education
(AASHE) que, fundada em 2005, congrega colleges e universidades dos Estados Unidos e
Canad, com a misso de promover a sustentabilidade em todas as instncias da educao
superior desde as polticas pblicas at a ambientalizao curricular mediante a educao,
a comunicao, a pesquisa e a formao profissional.
Da mesma forma que a OIUDSMA, a Rede ACES (Ambientalizao Curricular dos
Estudos Superiores) congrega universidades europias (5) e latino-americanas (6). Entre
essas, algumas so brasileiras: a Universidade Federal de So Carlos (UFSCar), a
Universidade Estadual Paulista (UNESP, campus de Rio Claro) e a Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP). Entre os objetivos da Rede, destaca-se a formulao de metodologias
de anlise para avaliar o grau de ambientalizao curricular dos estudos superiores a partir de
um trabalho participativo e interdisciplinar que envolveu, ao longo de 2 anos, os professores
das diversas universidades (JUNYENT et al., 2003). As mesmas universidades brasileiras se
encontram representadas tambm na Rede Universitria de Programas de Educao
Ambiental (RUPEA), que se desenvolveu a partir da parceria entre trs instituies de
educao superior brasileiras a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), a
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e a Universidade de So Paulo (USP)
em um contexto histrico caracterizado pela inexistncia de canais e instrumentos de
intercmbio e divulgao das experincias de ambientalizao da Educao Superior no Brasil
(OLIVEIRA et al., 2006).
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Numerosos tambm so os encontros (que resultam em declaraes de compromisso,
diretrizes e recomendaes) e os seminrios globais e regionais, que se seguem a essas
alianas e parcerias (LEAL FILHO, 2000; FOUTO, 2002; WRIGHT, 2002), alm de outras
iniciativas para a apresentao/divulgao das experincias de ambientalizao empreendidas
nas universidades signatrias, entre as quais a publicao semestral do International Journal
of Sustainability in Higher Education pela editora Emerald em conjunto com a ULSF, que
compreende, alm de ensaios, relatos de prticas de ambientalizao da administrao/gesto
dos campi universitrios e/ou dos programas de ensino e pesquisa de cursos e universidades
do mundo todo.
guisa de sntese, podemos apontar duas direes nas quais a relao entre a educao
superior e a questo ambiental, da forma em que se configura nos documentos oficiais, vem
progredindo desde a Declarao de Estocolmo.
Se at a dcada de 70 prevalecia a viso de que a universidade disporia dos meios para
suprir s lacunas de conhecimentos e informao supostamente responsveis pela degradao
ambiental e o esgotamento dos recursos naturais, gradualmente se incorporou ao debate
internacional a idia de que, para realizar sua funo social, deveria antes empreender um
processo de construo de uma cultura institucional da sustentabilidade. A partir da dcada de
90, as declaraes e os acordos internacionais comeam, de fato, a clamar por intervenes na
gesto do espao fsico e na organizao acadmica das instituies de educao superior,
propondo metas concretas para a sua ambientalizao que vo desde a adoo de prticas
voltadas conservao de recursos e reduo de resduos em suas operaes, at a
capacitao do corpo docente e a criao de oportunidades para a prtica da
interdisciplinaridade nas atividades de ensino, pesquisa e extenso. Alm disto, se assiste a
um deslocamento do foco do discurso oficial sobre educao e ambiente, o qual deixa de ser
representado apenas em seus componentes naturais, para ser enquadrado em uma perspectiva
social e poltica que revela a diversidade de interesses e projetos sociais que orbitam em
torno desse conceito e da noo de sustentabilidade, diante dos quais espera-se que a
universidade se posicione.
1.1.b A ambientalizao da educao superior nas polticas brasileiras
O atraso no aparecimento das primeiras agncias de EA nos rgos governamentais da
Amrica Latina atribudo crise econmica dos anos 80 (GAUDIANO, 2001) e ao
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problema difuso e persistente da desarticulao das polticas pblicas que se referem aos
diversos setores e sistemas da sociedade, levantado tambm em ocasio da I Conferncia
Nacional de Educao Ambiental (1997).
No Brasil, embora a Poltica Nacional de Meio Ambiente (PNMA) tenha sido
promulgada em 1981 e inclua entre seus instrumentos a Educao Ambiental em todos os
nveis de ensino, inclusive a educao da comunidade, objetivando capacit-la para a
participao ativa do meio ambiente (BRASIL, 1981), as primeiras aes normativas que
tm como objeto a implementao da EA no sistema de ensino remontam ao incio da dcada
de 90 com a Portaria n 2.421/92, que institui em carter permanente um Grupo de Trabalho
de EA4 com o objetivo de definir, com as Secretarias Estaduais de Educao, metas e
estratgias para a implantao da EA no pas e elaborar propostas de atuao do MEC na rea
da educao formal e no-formal.
Na dcada de 90, as polticas de EA ganhariam um novo impulso, devido
consolidao de Estados democrticos, retomada do crescimento econmico e
informatizao, que favoreceu a comunicao em escala global e a organizao dos
educadores ambientais em redes, entre as quais a Rede Brasileira de Educao Ambiental
(REBEA), a Rede Paulista de Educao Ambiental (REPEA), a Rede de Educao Ambiental
da Regio Sul (REASul), a Rede Pantanal de Educao Ambiental (Rede Aguap) e a Rede
Acreana de Educao Ambiental (RAEA), com o propsito de divulgar e ampliar as
experincias locais, possibilitar o intercmbio e pressionar por polticas pblicas no campo da
EA.
Em 1994, o ento Ministrio do Meio Ambiente, dos Recursos Hdricos e da Amaznia
Legal e o Ministrio da Educao e do Desporto, com as parcerias do Ministrio da Cultura e
do Ministrio da Cincia e Tecnologia, criam o Programa Nacional de Educao Ambiental
(ProNEA). Executado pela Coordenao de Educao Ambiental (COEA) do MEC e pela
Diviso de Educao Ambiental do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renovveis (IBAMA), o ProNEA lanaria as bases para a discusso da Poltica
Nacional de Educao Ambiental.
A I Conferncia Nacional de Educao Ambiental (1997), anteriormente mencionada,
resultou na "Declarao de Braslia para Educao Ambiental". Nela, se organizam em cinco
grandes temas um diagnstico da situao da EA no pas e um conjunto de recomendaes
para melhor-la: 1) a EA e as vertentes do DS; 2) EA formal: papel e desafios; 3) EA no 4 O Grupo de Trabalho seria transformado em Coordenao de Educao Ambiental (COEA), pela Portaria n 773 de 10/05/1993.
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processo de gesto ambiental (metodologia e capacitao); 4) a EA e as polticas pblicas; 5)
EA, tica e formao da cidadania: educao, comunicao e informao da sociedade
(DECLARAO, 1997).
A Comisso de Redao interpreta os conflitos e antagonismos que decorrem da
apropriao social do conceito de sustentabilidade como problema para a compreenso de um
modelo de desenvolvimento que se prope como alternativo ao modelo atual insustentvel.
Depois de responsabilizar as universidades por seu descompromisso com a divulgao da
Agenda 21 e a elaborao das Agendas locais, recomenda que o setor acadmico se empenhe,
institucionalmente, quanto a seu papel de gerar conhecimentos que permitam dirimir dvidas
sobre as diferentes concepes de sustentabilidade; fundamentar as prticas de educao que
lhes correspondem; criar metodologias e material didtico, alm de realizar pesquisas sobre
tecnologias alternativas para o desenvolvimento sustentvel.
Com relao ao segundo tema, da EA formal, a Declarao atenta para a necessidade
de articulao de uma poltica para a EA com todas as polticas pblicas para a educao: Lei
de Diretrizes Bsicas; Parmetros e Diretrizes Curriculares Nacionais; Plano Nacional de
Educao; etc. e para a insero da EA no currculo em todos os nveis de ensino, a partir da
compreenso de que a EA no deveria tornar-se uma disciplina a mais no currculo, mas
permear todas as aes do conhecimento e ser trabalhada em uma perspectiva interdisciplinar.
A Lei 9.795/99, que regulamenta o inciso VI do pargrafo 1o do artigo 225 da
Constituio Federal e , por sua vez, regulamentada pelo Decreto 4.281/02, institui a Poltica
Nacional de Educao Ambiental PNEA (BRASIL, 1999), a qual define a EA como os
processos por meio dos quais o indivduo e a coletividade constroem valores sociais,
conhecimentos, habilidades, atitudes e competncias voltadas para a conservao do meio
ambiente, bem de uso comum do povo, essencial sadia qualidade de vida e sua
sustentabilidade (Art.1o). A PNEA vem a coroar os esforos realizados at ento para
incorporar e promover a EA em todos os nveis de ensino, desde a educao bsica at a
educao superior (cursos seqenciais, de graduao licenciaturas e bacharelados -, de ps-
graduao especializaes, mestrados e doutorados e de extenso). No artigo 10, de fato, a
Lei determina que a EA seja desenvolvida como uma prtica educativa integrada, contnua e
permanente em todos os nveis e modalidades do ensino formal; que no seja implantada
como disciplina especfica (com exceo dos casos em que se tratem seus aspectos
metodolgicos em cursos de ps-graduao e extenso); e que nos cursos de
formao/especializao tcnico-profissional, em todos os nveis, se incorporem contedos
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concernentes tica ambiental das respectivas atividades profissionais.
A exigncia de que a EA se constitua em um processo integrado reforada pelo artigo
4, que estabelece seus princpios bsicos: I o enfoque humanista, holstico, democrtico e
participativo; II a concepo do meio ambiente em sua totalidade, considerando a
interdependncia entre o meio natural, o scio-econmico e o cultural, sob o enfoque da
sustentabilidade; o pluralismo de idias e concepes pedaggicas, na perspectiva da inter,
multi e transdisciplinaridade; III a vinculao entre a tica, a educao, o trabalho e as
prticas sociais; a garantia de continuidade e permanncia do processo educativo; VII a
abordagem articulada das questes ambientais locais, regionais, nacionais e globais; VIII o
reconhecimento e o respeito pluralidade e diversidade individual e cultural. Tambm o
artigo 5, que define os objetivos da EA, preconiza o desenvolvimento de uma compreenso
integrada do meio ambiente em suas mltiplas e complexas relaes, envolvendo aspectos
ecolgicos, psicolgicos, legais, polticos, sociais, econmicos, cientficos, culturais e ticos;
e o fortalecimento de uma conscincia crtica sobre a problemtica scio-ambiental.
No Art.14o, a Lei encarrega um rgo gestor da coordenao da PNEA, o qual tem entre
suas atribuies a definio de diretrizes para a implementao da EA. Essas devero
contemplar princpios, estratgias e instrumentos para a incorporao da dimenso ambiental
na formao, especializao e atualizao dos profissionais de todas as reas, bem como de
contedos pertinentes tica ambiental nas diversas atividades profissionais, como previsto
pela PNEA respectivamente no Art.8o, Inciso II e no Art.10, Pargrafo 3o. Da mesma forma,
as diretrizes devero avanar propostas para a implementao da PNEA com relao s aes
de estudo, pesquisa e experimentao voltadas difuso de conhecimentos, tecnologias e
informaes sobre a questo ambiental, ao desenvolvimento de instrumentos e metodologias
para a incorporao da dimenso ambiental em todos os nveis de ensino e busca de
alternativas curriculares e metodolgicas de capacitao na rea ambiental (Art.8, Pargrafo
3o). Espera-se que a Coordenao-Geral de Educao Ambiental (CGEA/SECAD/MEC), que
integra, juntamente com a Diretoria de Educao Ambiental (DEA/MMA), o referido rgo
Gestor da PNEA, elabore uma proposta de diretrizes curriculares nacionais para a educao
ambiental para encaminhar ao Conselho Nacional de Educao (CNE), etapa sem a qual o
efetivo cumprimento da lei seguir sendo protelado.
A EA vem configurando-se como campo no apenas de polticas pblicas, mas tambm
de pesquisa e prticas pedaggicas que se distinguem por seus diferentes pressupostos
epistemolgicos e ideolgicos, a ponto que, segundo Layrargues (2004), parece no ser mais
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possvel afirmar simplesmente que se faz Educao Ambiental. O Brasil, ele justifica,
abriga uma rica discusso sobre as especificidades da Educao na construo da
sustentabilidade (p. 8). Para ele, dois movimentos simultneos, de refinamento conceitual,
fruto do amadurecimento terico do campo e de demarcao de fronteiras identitrias,
resignificaram o fazer educativo voltado questo ambiental, convencionalmente intitulado
de Educao Ambiental.
Pode-se afirmar tambm que a esfera da poltica e da prtica tendem a se interpenetrar
graas aos mecanismos criados para permitir a participao da sociedade civil (representada
pelas Organizaes No Governamentais) e dos educadores ambientais na discusso sobre os
rumos da EA no pas. O prprio ProNEA, em sua ltima verso (BRASIL, 2005), passou por
uma consulta pblica coordenada pelo rgo Gestor da PNEA (dirigido pelo Ministrio do
Meio Ambiente e pelo Ministrio da Educao, com o apoio de seu Comit Assessor
composto pela Diviso de EA do MMA e pela Coordenao Geral de EA do MEC) que
mobilizou as Comisses Interinstitucionais Estaduais de Educao Ambiental (CIEAs), em
via de criao/consolidao, e as redes de educao ambiental. Seus promotores entendem, de
fato, que seu estado de permanente construo, em consonncia com o delineamento das
bases tericas e metodolgicas da EA no Brasil, demande uma estratgia de planejamento
incremental e articulada, que permita re-visitar com freqncia seus objetivos e estratgias,
para seu constante aprimoramento por meio dos re-direcionamentos democraticamente
pactuados entre todos os parceiros envolvidos.
A prtica participativa da formulao das polticas pblicas no campo da EA vem
permitindo que seus contedos se destaquem por uma viso integrada e crtica da realidade
scio-ambiental. A ttulo de exemplo, pode-se apontar o alinhamento do ProNEA com o
Tratado de Educao Ambiental para Sociedades Sustentveis e Responsabilidade Global,
antes que com a Agenda 21.
Para concluir esse breve relato sobre a institucionalizao da educao ambiental no
Brasil, vale a pena destacar alguns momentos que podem nos ajudar a compreender as
dificuldades que se enfrentam atualmente para inserir a educao ambiental nas instituies
de educao superior, dificuldades e problemas que sero abordados mais detidamente no
prximo tpico.
Observa-se, antes de tudo que, embora a educao ambiental tenha feito seu
aparecimento no cenrio poltico a partir da dcada de 80, somente na dcada de 90 que se
tornou objeto de polticas pblicas no campo da educao. Segundo Loureiro (2004), esse
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atraso foi responsvel pela difuso de vises e prticas conservadoras e pragmticas de
educao ambiental, fundamentadas em uma concepo abstrata do ser humano, que
esvaziaria a educao de seu contedo transformador da sociedade e da civilizao. Esse
sentido da educao ambiental seria recobrado na dcada de 90, em parte pelo impulso
catalisador da Conferncia das Naes Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento de 1992 (e
do Frum das ONGs, que se realizou paralelamente conferncia oficial), mas sobretudo
graas mobilizao dos educadores ambientais e da sociedade civil organizada, inclusive em
torno do compromisso com a educao popular, que em um contexto de democratizao das
instituies sociais, conquistou poder decisrio junto s instncias de formulao e execuo
das polticas pblicas no campo educacional.
Por outro lado, embora a Poltica Nacional de Educao Ambiental preveja a insero
da educao ambiental em todos os nveis de ensino e a incorporao da dimenso ambiental
na formao, especializao e atualizao dos profissionais de todas as reas, ainda no se
dispe de diretrizes e, sobretudo, de programas de incentivo e recursos para a sua
implementao nas instituies de educao superior, evidncia que vem a corroborar a
hiptese de Loureiro (2004) quanto precariedade com que a educao ambiental ainda se
constitui como poltica pblica, especialmente no setor da educao, condio que, em ltima
anlise, estaria prejudicando sua insero, de maneira orgnica e transversal, no conjunto de
aes que podem garantir a justia social e a sustentabilidade.
1.1.c Limites e perspectivas para a ambientalizao da educao superior
Um estudo retrospectivo sobre a insero da questo ambiental na universidade nos leva
de volta aos anos 50, dcada na qual Leis e DAmato (1996) constatam a penetrao da
preocupao ecolgica na comunidade acadmica, associada formulao do conceito de
ecossistema e ao surgimento das primeiras entidades de proteo da natureza, na Europa e nos
Estados Unidos.
Para Sachs (1991), existiria uma consonncia histrica entre ecologia e ecologismo,
cincia e poltica, ocasionada pelo leit motiv da proeminncia do todo sobre as partes. De
fato, a aspirao totalidade caracteriza tanto a ecologia desde suas origens romnticas5 at
5 Em 1885, Friedrich Junge, em seu compndio para uso escolar intitulado a lagoa como comunidade de vida anuncia pragmaticamente o modelo de percepo que entende promover: a natureza em sua multiplicidade e complexidade se compe de conjuntos integrados. Essa percepo derivaria, segundo Sachs (1991), de um esquema mental tpico da tradio romntica, que resulta de dois axiomas: o lugar cria a comunidade e a comunidade sustenta os indivduos.
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a expurgao dessa mesma herana operada por Tansley na dcada de 306 quanto o
movimento ambientalista, que identifica seu adversrio poltico na intensificao unilateral
da produtividade alheia aos custos ambientais e sociais:
Desde que o segredo do sucesso das instituies modernas reside na persecuo de uma meta especfica da forma mais eficiente possvel, elas se mostram estruturalmente indiferentes aos efeitos secundrios. O protesto se dirigiu contra esse defeito estrutural do mundo moderno, reivindicando, portanto, em primeira instncia, ateno para o conjunto. No era de surpreender que protesto e cincia solidarizassem na ecologia. (SACHS, 1991).
O conbio entre ambientalismo e ecologia/comunidade acadmica se renova e estreita
na medida em que a poltica convencional torna-se ineficaz no enfrentamento de problemas e
riscos ambientais que j excedem os antigos limites espaciais e temporais7, cedendo o lugar
poltica do conhecimento, movimento que, inevitavelmente, acresce a importncia e a funo
daqueles que o produzem, divulgam e interpretam:
Os riscos que se geram no nvel mais avanado do desenvolvimento das foras produtivas [...] se estabelecem no saber (cientfico ou anti-cientfico) e no saber podem ser transformados, ampliados ou reduzidos, dramatizados ou minimizados, razo pela qual esto abertos em especial medida aos processos sociais de definio. Com isso, os meios e as posies da definio do risco se convertem em posies scio-polticas chave (BECK, 1998, p. 28).
Nessa corrente, as associaes ambientalistas brasileiras, anteriormente movidas pelo
trabalho voluntrio devotado principalmente denncia da degradao ambiental, sofrem um
processo de institucionalizao e profissionalizao que, na busca de alternativas viveis de
conservao, recuperao e gesto ambiental, as leva a intercambiar influncias com atores
sujeitos a dinmicas mais profissionalizadas, entre os quais a comunidade cientfica (VIOLA
e LEIS, 1995). Segundo Ferreira (2002), a multiplicao das ONGs nacionais e transnacionais
que passaram a dividir responsabilidades com governos, universidades e centros de pesquisa,
representaria um aspecto dessa transio e a conseqncia dos esforos globais para a
definio de um pacto social pela recuperao e conservao ambientais.
6 Para Sachs (1991), Tansley aplanou a estrada para converter a ecologia em cincia que indaga o ecossistema, conceito que re-interpretaria a compreenso global em uma perspectiva mecanicista. 7 Segundo Beck (1998), uma razo fundamental da ineficincia da poltica do meio ambiente pode residir no fato de que intervem justamente l onde o processo produtivo se completa, antes que em seu princpio, isto , na escolha das tecnologias, dos stios industriais, das matrias primas e dos ingredientes, das fontes de energia e dos produtos.
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A demanda que se coloca para a comunidade cientfica pela definio dos riscos scio-
ambientais e a formulao de propostas concretas para seu equacionamento abriria para a
universidade novos campos de investigao. Inicialmente, essa demanda se objetiva na
instituio dos primeiros programas de ps-graduao em Ecologia (na Universidade Federal
do Rio Grande do Sul UFRGS, 1972; na Universidade do Amazonas, de Braslia, Campinas,
So Carlos, e no Instituto de Pesquisas Espaciais de So Jos dos Campos, 1976)
(MINISTRIO DA EDUCAO). Progressivamente, porm, o foco descola-se de uma
verso estritamente cientfica, filiada s cincias naturais ou exatas, o que permite uma
ressignificao do ambiental, enquadrando-o como uma problemtica contempornea,
formulada a partir de um debate inter e multidisciplinar, centrada na discusso das relaes
entre sociedade e natureza (CARVALHO, 2001, p. 166). Segundo a autora, a ps-graduao
representaria a porta de entrada da questo ambiental nessa concepo mais abrangente
na universidade, atravs do acolhimento de teses e/ou dissertaes em programas j existentes
e da oferta de novos cursos, lato e stricto sensu. Contudo, ainda se detecta, nesse ambiente,
uma forte resistncia do ncleo duro das cincias em dialogar com uma nova produo
intelectual de forte matriz interdisciplinar qual se assiste a partir dos anos 80 (FERREIRA,
2006).
Para Viola e Leis (1995), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia (SBPC)
atuou como catalisadora dessa produo, que adquiriu, inclusive, uma dimenso poltica, na
medida em que a comunidade acadmica comeou a posicionar-se diante de programas
estatais que envolviam o meio ambiente.
No mesmo perodo, a Secretria Especial de Meio ambiente (SEMA) e a Secretaria de
Meio Ambiente do Estado de So Paulo promovem, respectivamente, os Seminrios
Nacionais (Braslia, 1986; Belm, 1987; Cuiab, 1989; Florianpolis, 1990) e os Simpsios
Estaduais (1989, 1990 e 1991) sobre Universidade e Meio Ambiente, ao longo dos quais se
procurou delinear um primeiro quadro das experincias e perspectivas de ambientalizao das
atividades acadmicas e dos currculos das diversas carreiras.
Na avaliao dos trs primeiros seminrios nacionais, Moraes (1990) aponta que,
enquanto o 1o Seminrio Nacional marcado por uma viso acrtica do papel da universidade
e de sua participao histrica das opes nacionais de desenvolvimento, os dois seminrios
posteriores se caracterizariam, ao contrrio, por uma anlise da estrutura e da dinmica
institucional que questiona o corporativismo, a chamada departamentalizao, o privilgio
concedido aos aspectos tcnicos e operacionais na formao profissional, o pragmatismo
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alienado e a teorizao estril.
As intervenes dos participantes, tanto dos Seminrios Nacionais como dos Simpsios
Estaduais, ao mesmo tempo em que permitem diagnosticar que a universidade brasileira
encontrava-se, no limiar da dcada de 90, desaparelhada para dar conta da complexidade da
questo ambiental, mostram que existia, mesmo ento, uma pluralidade de perspectivas para a
ambientalizao dos programas de pesquisa e dos currculos dos cursos de graduao.
Os representantes de algumas escolas chegam, por exemplo, a proclamar uma afinidade
histrica entre a prpria especialidade e a questo ambiental. o caso do professor Gian
Carlo Gasperini, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP:
A problemtica ambiental sempre foi parte preponderante do pensamento do arquiteto, do planejador urbano. No se pode conceber atuar nas cidades, atuar no planejamento urbano, atuar na arquitetura, atuar na paisagem, sem o conhecimento profundo da realidade ambiental. Isso vem a colocar o arquiteto de uma certa forma na vanguarda, com relao a uma tomada de posio relativa a essa problemtica surgida agora. (SIMPSIO ESTADUAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1989, p. 58).
Outros desconfiam dessa afinidade natural, questionando suas bases. O professor Gil
Sodero de Toledo, do depto. de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias
Humanas da USP, desmistifica a idia de que para os gegrafos, a questo ambiental, a EA e
a elaborao dos respectivos discursos, strictu sensu, so to antigos como a prpria rea
cientfica e, freqentemente, confundem-se com ela, lanando um alerta para a possibilidade
de manipulao ideolgica oferecida por uma perspectiva a-histrica, parcial e fragmentada
que rege determinadas abordagens ao ambiente e problemtica ambiental:
A Geografia levou 200 anos para descobrir que era manipulada, que seus professores fazem aquilo que Ives Lacoste chama o discurso da geografia dos professores, que exatamente eu falar de tudo o que est acontecendo, sem falar de nada do que est acontecendo, atravs de uma abstrao de escala, abstrao de hierarquias, abstrao de natureza. [...] Estava ontem com o livro do Vignot debaixo do brao e, de repente, voc percebe todo um discurso ecolgico que no v a sociedade: no existe a sociedade. Se a gente olhar tambm para os balanos, os fluxos, de repente no existe o Homem, no existe gente, no existe sociedade: no existe modo de produo capitalista, no existe a empresa tal, aquela indstria tal (SIMPSIO ESTADUAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1990, p. 155).
Quando Gil S. de Toledo fala em balanos e fluxos, se refere a uma ordem de
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conceitos e teorias que vem fornecendo uma base epistemolgica para uma interveno
ecocrtica voltada otimizao dos meios de explorao das funes da natureza, permitindo
elevar a lgica de produo capitalista a um novo patamar de eficincia (SACHS, 1991).
De maneira anloga, a abordagem interdisciplinar de pesquisa e ensino sobre o
ambiente, que promete resgatar a unidade do conhecimento minada pela hiper-especializao,
pelo corporativismo cientfico e pela prpria organizao compartimentada da universidade e
do currculo, tende a fornecer uma base metodolgica para a aplicao tcnica das cincias na
correo dos efeitos secundrios da industrializao e para o desenvolvimento de
competncias centradas exclusivamente na vida produtiva. Para Leff (2003), que radicaliza a
crtica contra essa concepo de interdisciplinaridade, ela representaria, juntamente com a
teoria de sistemas, a nova ferramenta de um saber totalitrio que reluta em compreender o
lugar de exterioridade que o saber ambiental ocupa na esfera do conhecimento cientfico:
Entre as malhas da teoria de sistemas e dos mtodos interdisciplinares, escorre a onda ontolgica do real e as significaes atribudas realidade que escapam aos paradigmas formais do conhecimento, assim como os saberes que no esto na mesma freqncia das cincias e, portanto, no se integram em um mesmo sistema de conhecimento. As teorias e disciplinas cientficas constituem paradigmas que erguem barreiras epistemolgicas para a reintegrao dos saberes que orbitam em seus espaos de externalidade (LEFF, 2003, p. 27).
Segundo Gil S. de Toledo e Antnio Carlos Robert de Moraes (tambm professor do
depto. de Geografia da USP que discursou no mesmo Simpsio Estadual sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento de 1990), ao enunciar possveis contedos (ementas) e
abordagens metodolgicas de disciplinas/cursos de EA, sem antes esclarecer a natureza do
compromisso social e da postura tica, isto , do conjunto de valores e princpios que
norteiam a ao, renova-se o risco de que o tratamento da problemtica ambiental seja
balizado por categorias qumico-biolgico-tcnicas e que o ser humano se situe nessa
abordagem apenas como fator de alterao do equilbrio do meio, entre outras variveis
naturais.
Os resultados da pesquisa de Tozzoni-Reis (2001) demonstram que esse risco j se
constitui em tendncia: ao analisar as formulaes tericas que fundamentam a formao dos
educadores ambientais nos cursos de graduao, a autora conclui, de fato, que
Muitas das atividades de Educao Ambiental nas universidades tm se caracterizado por transitar, do ponto de vista dos fundamentos terico-metodolgicos, entre as concepes [...] racionais e naturais.
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Essa prtica educativa, em geral centrada na transmisso/aquisio dos conhecimentos sobre o ambiente, especialmente sobre os problemas de esgotamento de recursos (racional), aponta alternativas romantizadas (naturais) de forte apelo emocional para a organizao da vida individual no que diz respeito relao dos indivduos com o ambiente em que vivem. Observa-se ainda que, nessas atividades, as abordagens natural e racional tm pontos em comum: ambas conferem problemtica ambiental uma abordagem catastrfica apocalptica, como tambm desconsideram a influncia concreta dos aspectos scio-histricos desses problemas (p. 40).
As crticas tendncia naturalista e racionalista colocam em destaque seu carter
alienante: segundo Moraes (SIMPSIO ESTADUAL SOBRE MEIO AMBIENTE E
DESENVOLVIMENTO, 1990), consistiriam, de fato, daqueles discursos e daquelas anlises
que, por um lado, ao falar de ao antrpica em lugar de sociedade, concebem a relao ser
humano-ambiente sem a mediao das relaes sociais; por outro compreendem a cincia
como autnoma em relao sociedade que a gerou, e a tcnica como algo acima dos
conflitos e das disputas: como se as solues tcnicas no envolvessem decises polticas,
interesses, projetos e perspectivas conflitantes.
O professor Daniel Joseph Hogan, do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da
Unicamp, reitera, no Simpsio Estadual sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1989,
que a questo ambiental encerra, ao contrrio, profundas contradies sociais e polticas e
que, portanto, no se trata apenas de diagnosticar um problema e encomendar uma soluo
tcnica aos engenheiros: propostas e programas atuados para mitigar e reverter os processos
de degradao ambiental tocam, necessariamente, a organizao social, pressupondo
determinados modelos de sociedade. Para o professor, est claro que as anlises e prescries
para qualquer interveno, quando no acompanhadas pela anlise sociolgica, so fadadas ao
fracasso; a questo ambiental, por sua vez, destinada a jogar um papel importante na
resoluo da crise terica em que a Sociologia contempornea se encontra. De fato, ao mesmo
tempo em que expe as falhas das teorias atuais, impe uma varivel nova para a sua
reformulao.
O problema ambiental , portanto, um problema social, de natureza cognitiva,
econmica, poltica e ideolgica, e sua superao no pode ser pensada somente em termos de
mudana de atitudes, demonstrao de idias, esclarecimentos conceituais, formao de
habilidades ou modificao de sensibilidades, aspectos que, em sua concepo, deveriam
inscrever-se em um projeto mais profundo de transformao cultural:
De nada vale que tentamos dotar o homem de conhecimentos positivos sobre a dinmica da natureza e das rupturas que nossos modelos de
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interao produtiva com ela provocam, se no formularmos, como assunto central, a considerao dos limites culturais desse sujeito provocador do dano ambiental. [...], a educao ambiental h de colocar-se como superao de limites culturais e deve dirigir-se concretamente considerao das formas culturais de perpetuao da idia dicotmica e redutora da natureza ao entorno exterior, que persiste hoje na sociedade ocidental com rosto prprio em vrios terrenos, [...] (DELGADO, 2003, p. 16-17).
Com base nos depoimentos anteriores, um desses terrenos seria a prpria universidade
principal estrutura de produo e reproduo do conhecimento por suas inadequaes e
insuficincias que derivariam de seu comprometimento com o atual sistema de produo
econmica: sua organizao compartimentada que no favorece o dilogo entre
cincias/disciplinas, sua conivncia com uma postura de simplificao/reduo da
representao do mundo natural e sua presuno de que o conhecimento cientfico
inquestionvel.
Segundo Moraes (1990) somente a partir dos ltimos anos da dcada de 80 que essas
inadequaes e a prpria dimenso poltica do uso do trabalho universitrio ganhariam
relevncia para a comunidade acadmica, deflagrando uma fase de reflexividade na qual,
parafraseando Beck (1998), a universidade se confrontaria consigo mesma, revelando-se ao
mesmo tempo produto e produtora da realidade e dos problemas que se encarregou de analisar
e dominar.
Para Fuchs (2004), esse momento assumiria os contornos de uma crise tica, cuja
superao dependeria da capacidade de avaliar o conhecimento cientfico com base em sua
verdade prtica, isto , com base nos efeitos que produz(iria) nas relaes humanas e entre
os seres humanos e a natureza. A expresso verdade prtica no deve ser entendida, aqui,
em sua acepo funcionalista e pragmtica, mas justamente em sua dimenso tica associada
aos direitos humanos fundamentais, preservao da natureza e ao bem estar geral. Para ele,
o fato de que a cincia moderna contribua para os problemas scio-ambientais globais no
significa que devamos abrir mo dela ou da tecnologia, mas que precisamos de uma cincia
crtica, que se reconhea imbuda nas relaes sociais; que busque a mudana das relaes
sociais; desafie e questione as categorias naturais dominantes, passando a consider-las em
sua historicidade e mutabilidade; avalie a dimenso ideolgica das teorias cientficas; produza
conhecimento tendo em vista a felicidade, a autodeterminao, a liberdade do ser humano e a
sustentabilidade ambiental e social; e, por fim, que se preocupe em antecipar futuros
possveis.
Caberia, portanto, universidade, como principal rgo executor das polticas
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cientficas, a misso de esclarecer os fundamentos tericos de uma nova civilizao, isto , de
uma maneira alternativa de pensar o mundo, a relao entre as pessoas e entre sociedade e
natureza (TOLEDO, 2000), e, mais concretamente, os fundamentos de uma nova
racionalidade produtiva que implique a internalizao daqueles aspectos e processos de ordem
tanto fsica como social que foram excludos pela racionalidade econmica dominante (LEFF,
2002).
Esse desafio demanda mais que a colaborao de diferentes especialidades na anlise do
ambiente como objeto emprico ou na busca de solues para problemas especficos: requer
necessariamente a transformao dos paradigmas cientficos e das disciplinas tradicionais, a
produo de novos conhecimentos, o dilogo, a hibridizao e integrao de saberes, no
apenas daqueles codificados das cincias, mas tambm dos saberes organizados pela cultura.
O rompimento das barreiras, erguidas pelos paradigmas cientficos, para a reintegrao dos
saberes e a conseqente re-organizao do conhecimento ocorreriam no mbito de sua
transferncia para os subsistemas sociais externos quele da cincia/universidade,
notadamente o cultural, o econmico e o do ordenamento poltico, que uma das condies
chave para que a universidade preencha seu carter pblico (SILVA, 2005):
No processo de transferncia para a sociedade, o conhecimento se reorganiza, determinando fuses e desmembramentos de contedos que abrem novos desafios em suas reas de origem. Quando a assimetria entre a organizao acadmica e aquela exigida para o uso do conhecimento se amplia, os paradigmas se tornam instveis e entram em crise (p. 105).
A resoluo dessa crise exigiria, segundo o autor, a criao de espaos acadmicos e
institucionais voltados pesquisa transdisciplinar8. Essa romperia os circuitos fechados de
comunicao cientfica, restrita aos pares da mesma rea, e desestabilizaria os dogmas de um
purismo acadmico que cerceia as perspectivas de utilizao social do conhecimento.
O rompimento com uma atitude de combate aos sintomas, isto , aos efeitos secundrios
da industrializao (que, alm de no aclarar as causas profundas dos problemas scio-
ambientais, realimenta a lgica de sua produo) e o desenvolvimento de perspectivas tericas
e metodolgicas que iluminem a fonte dos problemas e sua soluo nos marcos da sociedade
moderna coloca as universidades diante da necessidade de questionar e redefinir sua misso
social. Por outro lado, a construo, preconizada pela Poltica Nacional de Educao 8 A noo de transdisciplinaridade empregada por Silva (2005) provm da formulao de Fuchs (2004), para o qual consistiria em uma forma especfica de auto-organizao do conhecimento ou ainda em um subsistema especfico das cincias/disciplinas que busca estabelecer conexes com outros subsistemas externos ao domnio cientfico.
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Ambiental, de valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competncias voltadas
para a conservao do meio ambiente (BRASIL, 1999) dever passar necessariamente pela
renovao tanto dos pressupostos epistemolgicos e metodolgicos/pedaggicos/didticos
que regem as atividades acadmicas (ensino, pesquisa e gesto), como da organizao e da
dinmica das IES, como indicam as concluses dos seminrios nacionais e estaduais sobre
universidade e meio ambiente, as investigaes sobre a EA nas universidades
(SORRENTINO, 1995; TOZZONI-REIS, 2001) e o mapeamento de EA nas instituies de
educao superior (RUPEA, 2005).
Uma tarefa dessa envergadura exigiria, por sua vez, a formulao de estratgias e
instrumentos adequados para sua realizao, e a necessidade de seu enquadramento nas atuais
polticas pblicas sobre a educao superior, como ocorreu no caso do Sistema Nacional de
Avaliao da Educao Superior (Sinaes)9 que prev, entre as dimenses da avaliao
externa, a responsabilidade social da instituio, considerada especialmente no que se refere
sua contribuio em relao incluso social, ao desenvolvimento econmico e social,
defesa do meio ambiente, da memria cultural, da produo artstica e do patrimnio cultural
(MEC/CONAES/INEP, 2006, p. 41). No tocante ao meio ambiente, a responsabilidade social
da IES ser avaliada com base em: 1) aes e programas que concretizem e integrem as
diretrizes curriculares com as polticas relacionadas com a preservao do meio ambiente,
estimulando parcerias e transferncia de conhecimentos; 2) experincias de produo e
transferncia de conhecimentos, tecnologias e dispositivos decorrentes das atividades
cientficas, tcnicas e culturais que sirvam para a preservao e melhoria do meio ambiente no
mbito local e regional, em espaos rurais e/ou urbanos.
Os relatrios dos Grupos de Trabalho sobre a EA no contexto do ensino universitrio,
realizados no mbito do IV e do V Frum Brasileiro de EA (organizados pela Rede Brasileira
de EA REBEA respectivamente em 1997 e 2004) reiteram os problemas associados
incorporao da EA nas instituies de educao superior, dando continuidade ao debate
deflagrado pelos seminrios nacionais e estaduais sobre universidade e meio ambiente em
torno das dificuldades, contradies e perspectivas para a ambientalizao, propondo
possveis sadas. Uma dessas consistiria na institucionalizao de uma estrutura
organizacional para a gesto ambiental aberta, integrada com as atividades de ensino,
pesquisa e extenso, e capaz de propiciar a convergncia de profissionais das diferentes reas
do conhecimento e de todos os setores da comunidade acadmica. Esse caminho vem sendo
9 Lei n 10.861, de 14 de abril de 2004
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trilhado por instituies de diversos pases, como, por exemplo, a Universidade Tcnica de
Catalunha (FERRER-BALAS, 2002); a Universidade Nacional de Costa Rica (DAZ et al.,
2003); e a Universidade Federal de So Carlos (FREITAS e OLIVEIRA, 2002)10. Nessas
instituies, entende-se a ambientalizao como um processo gradual, desenvolvido dentro de
um plano estratgico que interessa s diversas esferas de atividade acadmica em suas
interaes recprocas, e pressupe-se que a ambientalizao da formao profissional e,
portanto, do currculo deva inserir-se em um amplo quadro de aes, como defendemos
tambm em Pavesi et al. (2006).
O Mapeamento da Educao Ambiental em Instituies Brasileiras de Educao
Superior: elementos para discusso sobre polticas pblicas, conduzido pela Rede
Universitria de Programas de Educao Ambiental RUPEA (criada em 2001) com o apoio
da Coordenao Geral de Educao Ambiental do Ministrio da Educao, configura um
quadro das iniciativas (polticas, programas, projetos e outras atividades) e das dificuldades
para a implementao da EA nas instituies de educao superior brasileiras. A pesquisa
resulta da convergncia das demandas pela elaborao de diretrizes para a implementao da
PNEA e por estratgias de consolidao da EA no mbito universitrio, justificativa que lhe
confere um carter proposicional.
De um confronto com a literatura (BARLETT e CHASE, 2004; VELAZQUEZ et al.,
2005; MOORE, 2005), verifica-se que a maioria dos obstculos descritos pelos informantes
da pesquisa mencionada11 so encontrados tambm em instituies de educao superior de
outros pases. Entre as barreiras que impediriam a penetrao da EA e da sustentabilidade nas
universidades, acusa-se: a falta de conscincia/interesse/envolvimento da comunidade; a
estrutura organizacional em unidades estanques; a falta de apoio financeiro e institucional; o
despreparo dos docentes e dos funcionrios em geral; falta de tempo, de acesso a dados e
informaes e de espaos de formao; resistncias de diversas ordens contra a mudana
(entre as quais uma mentalidade orientada pelos benefcios imediatos e pela competitividade);
falta de regulaes ou de transparncia em sua definio; falta de pesquisas de natureza
interdisciplinar; falta de indicadores de avaliao; falta de polticas institucionais; impreciso
dos fundamentos terico/conceituais/metodolgicos para prticas administrativas e
10 Numerosas tambm as associaes de instituies de ensino superior que tm entre seus compromissos a incorporao da dimenso ambiental nas polticas internas das IES e a transversalidade da EA no ensino, pesquisa, extenso e gesto, entre as quais a South Carolina Sustainable Universities Iniciatives (JERMAN et al., 2004) e, no Brasil, a Teia Universitria, rede de Instituies de Ensino Superior do Estado de Esprito Santo. 11 Responderam ao questionrio enviado pela RUPEA representantes de grupos de EA que desenvolvem atividades de estudo, pesquisa, extenso e gesto ambiental em 14 instituies pblicas e 8 instituies privadas, distribudas entre 11 estados brasileiros (OLIVEIRA et al., 2006).
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educacionais orientadas para a sustentabilidade; falta de espaos e estruturas para o
desenvolvimento de projetos e outras atividades de EA; inadequao do espao fsico
(RUPEA, 2005).
Inversamente, confia-se que os problemas levantados seriam em certa medida
contrabalanados pela formulao de polticas pblicas e institucionais que incentivem a
incorporao da EA nos currculos de todos os cursos e nas atividades acadmicas em geral;
pela ampliao de recursos financeiros para a implementao de programas, projetos e outras
atividades de EA (que abarquem todas as instncias: ensino, pesquisa, extenso e gesto), e
tambm para a formao de pessoal; pela criao de parcerias intra e interinstitucionais (entre
IES e outras instituies sociais) que visem articulaes polticas e intercmbios, com a
aposta de que t