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PROGRAMA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM
DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
CONSTRUÇÃO COLABORATIVA DO CONHECIMENTO:
SABERES, PRÁTICAS DE DUAS REDES DE PESQUISA
MULTIRREFERENCIAIS
MARISE OLIVEIRA SANCHES
Salvador
2016
MARISE OLIVEIRA SANCHES
CONSTRUÇÃO COLABORATIVA DO CONHECIMENTO:
SABERES, PRÁTICAS DE DUAS REDES DE PESQUISA
MULTIRREFERENCIAIS
Tese apresentada ao Programa de Pesquisa e Pós-
graduação em Difusão do Conhecimento, Universidade
Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do
grau de doutor em Difusão do Conhecimento.
Orientador: Prof. Dr. Eduardo David de Oliveira
Co-Orientadora: Profa. Dra. Leliana Sousa
Salvador
2016
SIBI/UFBA/Faculdade de Educação – Biblioteca Anísio Teixeira Sanches, Marise Oliveira. Construção colaborativa do conhecimento : saberes, práticas de duas redes de pesquisa multirreferenciais / Marise Oliveira Sanches. – 2016. 265 f. : il. Orientador: Prof.º Dr.º Eduardo David de Oliveira. Coorientadora: Prof.ª Dr.ª Leliana Santos de Sousa. Tese (doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento) – Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação, Salvador, 2016. 1. Abordagem interdisciplinar do conhecimento na educação. 2. Complexidade (Filosofia). 3. Cognição - Análise. 4. Construção do Conhecimento. 5. Cooperação Intelectual. 6. Modelagem. 7. Mosaico. I. Oliveira, Eduardo David de. II. Sousa, Leliana Santos de. III. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação. Programa de Doutorado Multi- institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento. IV. Título. CDD 378.007 – 23. ed.
MARISE OLIVEIRA SANCHES
CONSTRUÇÃO COLABORATIVA DO CONHECIMENTO: SABERES,
PRÁTICAS DE DUAS REDES DE PESQUISA MULTIRREFERENCIAIS
Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de doutor em Difusão do
Conhecimento, ao Programa de Pesquisa e Pós-graduação em Difusão do Conhecimento, da
Universidade Federal da Bahia,
Aprovada em 21 de janeiro de 2016.
Banca Examinadora
Eduardo David de Oliveira - Orientador _______________________________________
Universidade Federal do Ceará, UFC, Brasil
Universidade Federal da Bahia
Leliana Santos de Sousa - Co-Orientadora _____________________________________
Doutorado em Ciências da Educação. Université Paris 8 - Vincennes-Saint-Denis, PARIS
8, França.
Universidade do Estado da Bahia-UNEB
Dante Augusto Galeffi _____________________________________________________
Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia, Brasil
Universidade Federal da Bahia
Edemilson Jorge Ramos Brandão ____________________________________________
Doutor em Ciências da Educação pela Universidade Pontifícia Salesiana, Itália
Universidade de Passo Fundo
Francisco Antonio Pereira Fialho _____________________________________________
Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC,
Brasil.
Universidade Federal de Santa Catarina
Teresinha Fróes Burnham __________________________________________________
Doutora em Filosofia pela University of Southampton, Inglaterra
Universidade Federal da Bahia
Dedico esta tese aos meus adorados/adoráveis pais,
Chrispim pela sua ligação com o conhecimento do
ocultismo oriental, meditações, respirações especiais, meu
Guru; e Angelita pela inspiração da vida no amor divino e
suas leis imutáveis, ambos desejosos do meu crescimento:
espiritual, intelectual, humano.
AGRADECIMENTOS
O “caminho do conhecimento”, que escolhi como ponte de ligação espiritual com a força
cósmica conhecida como Deus, não é um processo fácil de ser encarado. Com ele um “mar
revolto” de emoções e pensamentos anda sempre muito próximo da “razão” e nos deixa,
muitas vezes, rodando num carrossel interminável de conceitos que vão e voltam num
processo de “morte e vida”; “altos e baixos”; pois para alcançar o “conhecimento” nossa
mente funciona como um processo ainda pouco conhecido. Palavras como ética, justiça,
poder, pululam em minha mente, cobram respostas, mas academicamente se transformam em
conceitos, que nem sempre são representativos para os seres humanos. Infelizmente!
Neste caminho/processo estive muito só, mas não solitária! Dividi com minha família, muitos
amigos e amigas, minhas angústias, minhas crises existenciais e até de trabalho. Por isto,
preciso agradecer muito!
E inicio agradecendo de coração aos meus filhos Bruno e Rafael; minhas noras Eny e
Raphaela; meu netinho e minhas netinhas: Mikael, Brenda e Laura, por compreenderem e
respeitarem minha escolha e também minha ausência física, pois espiritualmente sempre
estive com eles. Depois ao meu irmão e irmãs, Márcia, Márcio e Marze, que me deram
suporte estrutural para que este trabalho fosse possível. As minhas queridas: Ana Lúcia e
Zoraida (primas), Valda (tia) e Luciana (sobrinha), que acreditaram, mais que todos, antes de
tudo no meu potencial, e posteriormente no potencial do trabalho e incentivaram com palavras
de força, apoio e carinho, para que ele se concretizasse.
Agradeço a minha especial amiga, irmã, Eliane Neves, que como um anjo assumiu a
transcrição das entrevistas, transcrevendo a maioria delas. Além disso, me deu suporte com
um espaço especial para me isolar e conseguir produzir, e ainda, ofereceu seu ombro nos
meus momentos de crise existencial e, muitas vezes, refletiu comigo a estrutura do texto. A
outra amiga especial e colega de doutorado, Bárbara Dultra, que além de me incentivar muito,
refletir sobre conceitos e teorias, me ajudou a manter o equilíbrio, com sua medicina
alternativa e terapia holística. Aos amigos e amigas, Ronaldo Santos, Jorge Luis, Cândida e
Elizabeth, que me ajudaram muito a não deixar “a peteca cair”, como diz o dito popular, me
fazendo rir e relaxar.
Aos meus entrevistados, professores e professoras: Albérico Freitas Neto; Cláudio Xavier;
Cristiane Andrade de Oliveira (Kithi); Elisangela Silva; Fulvia Rocha; Hernane Pereira; Isabel
Moraes; Jailton Reis; Jamile Borges; José Carlos Oliveira de Jesus; José Luis Michinel;
Leliana Santos de Souza; Lucimar Silva; Marcelo Matos; Maria Lídia Mattos; Maria Luiza
Seixas; Marilene Lobo; Patrícia Magris; Ramone Moraes; Roberta Cunha; Roberto Sidnei
Macedo; Roselí Sá; Shirlene Santana. Silvio José Conceição; Teresinha Carvalho e Vera Lúcia
Fartes; agradeço pelo apoio, afeto e acolhimento, bem como a generosidade da
disponibilidade do seu tempo e suas memórias para a (re)criação da história da REDPECT e
da RICS. Sem eles não seria possível esta história ser tão expressiva.
Agradeço muito a Teresinha Fróes Burnham, minha grande Mestra Sábia e amiga especial, que com
suas “dicas espontâneas” me fez enxergar a articulação de teoria e prática, e a compreender a diferença
entre cotidiano e senso comum. E mais que isso, me apresentou Castoriadis, possibilitando que
enxergasse o que era ser autônoma e compreendesse o cunho político do “imaginário social”.
A todos os professores e professoras da minha banca de qualificação: Francisco Fialho, Dante Galeffi,
Teresinha Fróes Burnham, Leliana Sousa e Eduardo Oliveira, agradeço todas as detalhadas
contribuições, pois me ajudaram muito na revisão dos quatro primeiros capítulos, e me fizeram ver
que além de trabalhar com um mosaico vivo, estava também trabalhando com o complexo dos
complexos; e que construir conhecimento é muito mais do que o que diz a teoria do conhecimento.
A Eduardo Oliveira meu orientador, agradeço muito por ter sido o meu grande contraponto
durante o processo de orientação, me fazendo enxergar o que não deveria ser o meu texto e
como deveria dialogar com ele. Agradeço muito também a minha co-orientadora Leliana
Sousa, que praticando a escuta sensível, soube me tranquilizar durante minhas catarses, me fazer
acreditar que eu era capaz de me autorizar, refletir e escrever minha tese, apenas dando apoio, dicas
teóricas, afeto.
Agradeço especial e principalmente ao grande amigo Paul Burnham, que com sua sabedoria, num bate
papo informal, me provocou para a primeira reflexão que originou o objeto de investigação deste
trabalho. Este foi o marco inicial, a mola propulsora que desencadeou todo este estudo/processo.
Agradeço muito aos amigos do CAOS/REDPECT, que debateram, discutiram e trocaram comigo
saberes, práticas acadêmicas, ou do senso comum, os quais foram fundamentais para o
aprofundamento teórico-prático desta pesquisa.
Finalmente, agradeço ao PPGE em Difusão do Conhecimento, Hélio e Bia, que auxiliaram com o
apoio estrutural, administrativo, durante este processo de doutoramento.
Mas quando tudo está explicado, quando o ser está pleno,
quando a razão dissipou as lendas e os sonhos, então o
inexplicável se manifesta, como um resíduo poético; é um
resíduo que não existe, pois só a sua inexistência lhe
permite escapar ao ciclo das explicações objetivas.
Entretanto, ele faz sinal a Genet, manifesta aos seus olhos
esse sentido obscuro que permanece quando o ser já
esmagou os vencidos da história, essa vitória inexistente
do vencido, que obceca sem trégua os vencedores.
Jean-Paul Sartre (2002, p. 263)
RESUMO
Esta tese tem como foco o processo de Construção Colaborativa do Conhecimento, na
perspectiva multirreferencial / complexa. Propõe-se a fundamentar e analisar esta Construção
como saberes, práticas plurais de duas redes de pesquisa: a Rede Cooperativa de Pesquisa e
Intervenção sobre (In)formação, Currículo e Trabalho - REDPECT e a Rede Interativa de
Pesquisa e Pós-Graduação em Conhecimento e Sociedade - RICS, ambas criadas a partir de
iniciativas de pesquisadores da Universidade Federal da Bahia - UFBA. Propõe-se, ainda,
responder à questão: Como a construção colaborativa do conhecimento, em tais Redes,
contribui para a construção e difusão do conhecimento acadêmico científico de seus autores-
pesquisadores? O lastro para este estudo é o aprofundamento teórico do conceito de
Construção Colaborativa do Conhecimento construído em 2011, na investigação dissertativa:
“Construção Colaborativa do Curso de Formação de Gestores do Conhecimento através da
EAD – CFGC”, defendida na Faculdade de Educação da UFBA, na qual foi identificado que,
no viés proposto, este ainda carece de teorização. Pretende-se, portanto, a título de
fundamentação teórica, não só o aprofundamento mencionado, como também uma
argumentação dialógica, desenvolvida a partir de conceitos principais: (1) Colaboração; (2)
Complexidade e Multirreferencialidade; e (3) Conhecimento e Cognição, articulados com os
conceitos secundários emergentes no processo do estudo. A busca de respostas para as
questões de pesquisa realiza-se através do Método/Modelagem em Mosaico Memorial, um
desenho que consiste em apresentar como esses saberes, práticas se constituem. Aqui se
aprofundam técnicas e procedimentos de análise, que orientam a pesquisa de tessitura em
mosaico, numa abordagem Quanti-Qualitativa / Participativa, com características de
Etnopesquisa, através do Método de Análise Contrastiva. As informações levantadas no
campo empírico, em documentos das Redes investigadas e entrevistas a alguns de seus
membros, possibilita o alcance dos objetivos traçados, explicitando ainda a importância do
processo de construção colaborativa do conhecimento para a (in)formação de analistas
cognitivos e outros pesquisadores, fundamentado como uma modelagem cognitiva em
mosaico, complexa e multirreferencial.
Palavras-chave: Construção Colaborativa do Conhecimento. Complexidade.
Multirreferencialidade. Análise Contrastiva. Modelagem em Mosaico.
ABSTRACT
The focus of this thesis is the process of Collaborative Knowledge Construction within a
multireferential / complex perspective. The basis for the analysis of this construction was a
plurality of knowledge practices in two research networks: the Cooperative Research and
Intervention in (In)formation, Curriculum, and Work Network - REDPECT and the Interactive
Network of Research and Post-graduate Studies in Knowledge and Society - RICS, both
created from researcher initiatives at the Federal University of Bahia - UFBA. How the
collaborative construction of knowledge in such networks contributes to the construction and
dissemination of scientific academic knowledge of its author-researchers was of central
interest. The underlying thread to this study is a deepening of the theoretical understanding of
the concept “Collaborative Knowledge Construction”. This concept was central to the
research dissertation: "Collaborative Construction on the Training Course for Knowledge
Managers in Distance Learning - CFGC", defended in 2011 at the Faculty of Education,
Federal University of Bahia, and was found to require greater theoretical underpinning. The
deepening of these theoretical grounds is reached through dialogical argumentation during the
study, and the key concepts: (1) collaboration; (2) complexity and multireferentiality; and (3)
knowledge and cognition, together with secondary concepts raised in the process. The search
for answers to the research questions in the Study takes place through the Method / Modeling
of Mosaic Memorial. This research design shows how these forms of knowledge practices are
constituted, and enriches the techniques and analytic procedures that guide the weaving of the
research into a Quanti-Qualitative / Participatory approach, with characteristics of Ethno
research through the Contrastive Analysis Method. The information gathered during the
fieldwork in documents from the networks researched and interviews with some of their
members, achieved the Study objectives as well as clarifying the importance of the
collaborative process in building knowledge for the (in) formation of cognitive analysts and
other researchers; so establishing a cognitive modeling mosaic, both complex and
multireferential
Keywords: Collaborative Knowledge Construction. Complexity. Multireferentiality.
Contrastive Analysis. Method Modeling of Mosaic.
RESUMEN
Esta tesis enfoca el proceso de Construcción Colaborativa del Conocimiento, en la perspectiva
multi-referencial compleja. Se propone fundamentar y analizar esta construcción en los
saberes, prácticas plurales de dos redes de investigación: La Red Cooperativa de
Investigación e Intervención sobre (In)formación, Currículo y Trabajo – REDPECT, por su
nombre en portugués – y la Red Interactiva de Investigación y Post-Graduación en
Conocimiento y Sociedad - RICS, por su nombre en portugués; ambas criadas por la
iniciativas de investigadores de la Universidad Federal de la Bahia - UFBA. Se propone,
también, responder a la pregunta: ¿Cómo la construcción colaborativa del conocimiento, en
estas Redes, contribuye con la construcción y difusión del conocimiento académico científico
de sus autores-investigadores? El fundamento de este estudio es la profundización teórica del
concepto de Construcción Colaborativa del Conocimiento construido en 2011, en la
investigación de Disertación: “Construção Colaborativa do Curso de Formação de Gestores
do Conhecimento através da EAD – CFGC”, defendida en la Facultad de Educación de la
UFBA, en la cual fue identificado que, en la perspectiva propuesta, este concepto aún carecía
de teorización. Se pretende, consecuentemente, a título de fundamentación teórica, no solo la
profundización teórica mencionada, sino también una argumentación dialógica, desarrollada a
partir de los siguientes conceptos principales: (1) Colaboración; (2) Complejidad y Multi-
referencialidad; y (3) Conocimiento y Cognición, articulados con los conceptos secundarios
emergentes en el proceso del estudio. La búsqueda de respuestas a la pregunta de
investigación se realiza por medio del Método/Modelaje en Mosaico Memorial, un diseño que
consiste en presentar como esos saberes, prácticas se constituyen. Aquí se profundiza en
técnicas y procedimientos de análisis, que orientan la investigación de “tesitura” en mosaico,
en un abordaje Cuanti-Cualitativo / Participativo, con características de Etno-investigación,
por medio del Método de Análisis Contrastivo. Las informaciones levantadas en el campo
empírico, en documentos de las Redes investigadas y entrevistas a algunos de sus miembros,
posibilita alcanzar los objetivos trazados, explicitando también la importancia del proceso de
construcción colaborativa del conocimiento para la (in)formación de analistas cognitivos y
otros investigadores, fundamentado como un modelaje cognitivo en mosaico, compleja y
multi-referencial.
Palabras clave: Construcción Colaborativa del Conocimiento. Complejidad.
Multireferencialidad. Análisis Contrastiva. Modelaje en Mosaico.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 Objetivos Específicos .........................................................................................36
Quadro 2 Mapa Conceitual ................................................................................................87
Quadro 3 Semestres e Disciplinas cursadas no DMMDC .................................................97
Quadro 4 Máximas sobre Aprendizagem Tradicional e Colaborativa .............................106
Quadro 5 Matriz de Mapa de Citações – MC ...................................................................116
Quadro 6 Mapa de Citações “Construção do Conhecimento” .........................................117
Quadro 7 Matriz de Análise – MA ...................................................................................121
Quadro 8 Plano de Projeto de Tese ..................................................................................170
Quadro 9 Dados Estatísticos - Horas / Entrevistas - Período: MAR a AGO/2015 ..........172
Quadro 10 Perguntas Norteadoras das Entrevistas ............................................................175
Quadro 11 Categorias de Análise .......................................................................................176
Quadro 12 Análise de Discurso: O processo ......................................................................181
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AnCo Análise Cognitiva
ANPED Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
AD Análise do Discurso
AVA Ambiente Virtual de Aprendizagem ou Ambientes Virtuais de
Aprendizagem.
CAOS Conhecimento: Análise Cognitiva, Ontologia e Socialização
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CFGC Curso de Formação de Gestores do Conhecimento.
CID Ciências da Informação e Desenvolvimento Regional.
CVA Comunidade Virtual de Aprendizagem ou Comunidades Virtuais de
Aprendizagem
DMMDC Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão do
Conhecimento
EaD Educação à Distância.
EAUFBA Escola de Administração da UFBA
FACED Faculdade de Educação
FAPESB Fundação de Apoio a Pesquisa do Estado da Bahia
GC Gestão do Conhecimento.
GCCB Projeto de Gestão do Conhecimento no Cenário Brasileiro: espaço de
produção do conhecimento e (in)formação de gestores.
ICI Instituto de Ciências da Informação
ISBN International Standard Book Number
ISSN International Standard Serial Number
ISSUED Data de publicação do trabalho
LNCC
MA
Laboratório Nacional de Computação Científica
Matriz de Análise ou Matrizes de Análise
MAC Método de Análise Contrastiva
MC Mapa de Citações
MOODLE Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment
NEPEC Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Currículo, Trabalho e
Construção do Conhecimento
OCR Reunião de Orientação Coletiva
PPG Programa de Pós-Graduação
PPGE Programa de Pós-Graduação em Educação
REDPECT Rede Cooperativa de Pesquisa e Intervenção sobre (In)formação,
Currículo e Trabalho
RH Recursos Humanos
RI Repositório da UFBA
RICS Rede Interativa de Pesquisa e Pós-Graduação em Conhecimento e
Sociedade
SAEB Sistema de Avaliação da Educação Básica
TIC Tecnologia da Informação e da Comunicação
UFBA Universidade Federal da Bahia
UNEB Universidade do Estado da Bahia
URI Identificador Uniforme de Recursos
SUMÁRIO
1 TESSELA: INTRODUÇÃO 19
1.1 PASSOS PARA A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE CONSTRUÇÃO
COLABORATIVA
20
1.2 RESULTADOS DA CONSTRUÇÃO COLABORATIVA 23
1.3 CONSTRUÇÃO COLABORATIVA DO CONHECIMENTO: O CONCEITO 25
1.4 O CERNE DA QUESTÃO 26
1.4.1 O Problema e a Problemática 27
1.5 JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA 32
1.5.1 Pressupostos 34
1.6 OBJETIVOS / RESULTADOS PRETENDIDOS 35
1.6.1 Objetivo Geral 35
1.6.2 Objetivos Específicos 36
1.7 A ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS/TESSELAS DO MOSAICO 37
2 TESSELA: O INDIVIDUAL, O COLETIVO, UM SABER EM
MOSAICO
39
2.1 PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE O JÁ VIVIDO 41
2.2 APRENDENDO A SER FORMADORA E NOVOS CAMINHOS SE
ABRINDO
43
2.3 DA VIDA ACADÊMICA - PASSADO E PRESENTE 45
2.4 UMA REDE DE PESQUISA MULTIRREFERENCIAL – IMPRESSÕES
INDIVIDUAIS
51
2.4.1 O Mosaico Colaborativo – Um Saber da REDPECT 53
2.4.2 REDPECT e a pesquisa Acadêmico-científica 56
2.4.3 A Iniciação Científica – Elemento de base do Mosaico 58
2.4.4 A Dominação de uma Multinacional: Um Adendo ao Mosaico 61
2.4.5 A rede e o Mosaico Político 63
2.5 O MOSAICO DA CONSTRUÇÃO COLABORATIVA – ARTICULANDO
PRÁTICAS DA REDPECT COM RESULTADOS DO CFGC
68
3 TESSELA: CONSTRUÇÃO COLABORATIVA - REFLEXÕES
TEÓRICO-EPISTEMOLÓGICAS
70
3.1 CONSTRUÇÃO COLABORATIVA DO CONHECIMENTO: UM
CONCEITO EM (TRANS)FORMAÇÃO
71
3.2 MOSAICO: UM CAMINHO EPISTEMO-TEÓRICO-METODOLÓGICO 74
3.2.1 Mosaico: Arte Musiva 75
3.2.2 Mosaico: Metáfora ou Metodologia? 79
3.2.3 Problematizando a Complexidade Humana 80
3.2.4 Construção colaborativa na perspectiva de Complexidade Humana 82
3.3 MOSAICO EPISTEMO-TEÓRICO: CARTOGRAFIA DOS
REFERENCIAIS DO ESTUDO
85
3.3.1 Processo de Construção Colaborativa do Conhecimento 86
3.3.2 Construção Colaborativa: Eixo Epistemológico 90
3.4 CONCEPÇÃO DE CONSTRUÇÃO COLABORATIVA: CONTRIBUIÇÕES
DO DMMDC
96
4 TESSELA: LOGIA DO MÉTODO 98
4.1 LACUNAS E CONTROVÉRSIAS DO TEMA 99
4.2 MODELAGEM EM MOSAICO MEMORIAL: O MÉTODO 108
4.2.1 Demarcando as questões de pesquisa 110
4.2.2 Os Objetivos traçados e o Objeto da Investigação 110
4.2.2.1 Objetivos específicos e Escopo 111
4.2.3 A Pesquisa e sua Abordagem 112
4.2.4 Sistematizando as Análises conforme o MAC 113
4.3 OS CORPORA DE ANÁLISE DO MOSAICO 115
4.3.1 Corpus Teórico 115
4.3.2 Corpus Empírico/Analítico 120
4.3.2.1 Mosaico: Novas Definições 122
5 TESSELA: CONSTRUÇÃO COLABORATIVA DO
CONHECIMENTO: COMO UMA TRAJETÓRIA SE TRANSFORMA
EM HISTÓRIA E A HISTÓRIA É UMA TRA(NS)JETÓRIA
130
5.1 CONSTRUÇÃO COLABORATIVA DO CONHECIMENTO: A ORIGEM
DO PROCESSO NAS / DAS REDES REDPECT E RICS
133
5.2 PRIMEIROS GRUPOS: ENSAIOS PARA AS REDES DE PESQUISA 142
5.2.1 “Grupo de Estudos Currículo, Essência e Contexto” e o “NEPEC” 144
6 TESSELA: ANÁLISES DOS CONSTRUTOS: MOSAICOS DA
REDPECT E DA RICS
169
6.1 ANÁLISE CONTRASTIVA: O MÉTODO / SISTEMA DE ANÁLISE 173
6.1.1 Processo de Análise – Escrutínio 178
6.1.1.1 Exploração Inicial 178
6.1.1.2 Análise Detalhada 184
6.2 TEMPO-ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO DAS REDES DE PESQUISA:
MEMÓRIAS DE SABERES, PRÁTICAS VIVIDAS
186
6.2.1 REDPECT: A Transição / As Memórias 187
6.2.2 RICS: Rede onde o Mosaico DMMDC se concretiza 232
7 TESSELA: CONSIDERAÇÕES (IN)CONCLUSIVAS 249
7.1 TRA(NS)JETÓRIA COGNITIVA: RESULTADOS 250
7.2 DMMDC: O GRANDE MOSAICO 256
7.3 PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO:
TRANSCENDÊNCIA
258
REFERÊNCIAS 260
REFERÊNCIAS VIDEOGRÁFICAS 266
APÊNDICES 267
APÊNDICE A – Disciplinas cursadas no DMMDC 268
APÊNDICE B – Mapa de Referências 269
APÊNDICE C – Mapa de Citações “Construção do Conhecimento” 276
APÊNDICE D – Matriz de Análise - MA 277
APÊNDICE E – Linha do Tempo das Redes de Pesquisa 278
APÊNDICE F – Investigação Mosaico no Scielo 282
APÊNDICE G – Roteiro para as Entrevistas 283
19
1 TESSELA: INTRODUÇÃO
Toda tese de alguma maneira é uma história. Revela quase sempre um caminho
metodológico, acadêmico, percursos vividos. Esta também é uma tese que conta parte de uma
história, porque tem características de memorial do caminho investigativo de duas redes de
pesquisa e seus integrantes, aqui denominados autores-pesquisadores. Mas, toma o cunho de
uma etnopesquisa ao relatar experiências de vida, experienciações do meu caminho
acadêmico-científico. Em sentido inverso, pois acontece da prática, da vida profissional,
cotidiana, para a academia. Um retorno.
Resolvi trazer, a título de contextualização da Construção Colaborativa do
Conhecimento, na perspectiva multirreferencial complexa, os resultados alcançados na minha
dissertação de mestrado, já que na proposta inicial, o projeto de doutorado versava sobre um
estudo experiencial em processo, durante o acontecer do Curso de Especialização em
(In)formação de Gestores do Conhecimento1.
Este projeto apresentava como relevância acadêmico-científica a continuidade,
aprofundamento e difusão do “Método de Análise Contrastiva”. Método pouco conhecido nos
meios acadêmicos, criado efetivamente no doutorado de Fróes Burnham2, o que permitiria
identificar qualitativamente as evidências empíricas do processo de aprendizagem construído
colaborativamente, a partir do estudo da vivência dos sujeitos participes da experiência; e
ofereceria referências de análise relacionadas às interpretações, percepções, críticas e
sugestões sobre esse mesmo processo, explicitando a potencialidade do aprofundamento do
estudo construído.
Inicio, portanto, esta tese, objetivando apresentar os achados que evidenciaram os
resultados alcançados naquela pesquisa, tendo como suporte teórico o eixo epistemológico da
construção colaborativa do conhecimento, multirreferencialidade e complexidade, como
perspectiva.
1 Objeto/tema daquela pesquisa de mestrado que, por questões operacionais, ou falta delas, ainda está por
acontecer. 2 Nome como é conhecida nos meios acadêmicos a Profa. Dra. Teresinha Fróes Burnham, Professora
Associada da UFBA, desde 1992 até a atualidade.
20
1.1 PASSOS PARA A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE CONSTRUÇÃO
COLABORATIVA3
O processo metodológico desenvolvido na investigação dissertativa: Construção
Colaborativa do Curso de Formação de Gestores do Conhecimento através da EAD - CFGC,
buscou recuperar o acervo de conhecimento que estava disponível nos registros de chats, nos
Ambientes Virtuais de Aprendizagem – AVA, Moodle “das disciplinas EDC 704 (2006.2)4 e
EDC A27 (2007.1)5”, oferecidas pelo PPGE-FACED/UFBA
6. Estes chats, realizados ao
longo do processo de construção colaborativa do CFGC, foram descritos como: “uma
dinâmica que, inicialmente configurou-se como caótica – um grande volume de dados,
ordenados de modo sequencial linear, cronológico”, a serem “sistematicamente
transformados em informação e estas, posteriormente, (re)construídas para revelar o
conhecimento ali acervado” (p. 45). O objetivo geral, mas amplo a alcançar, foi definido
naquele estudo para “detectar, no processo de desenvolvimento do CFGC, que propõe a EaD
como modalidade de formação, se foi possível à construção colaborativa do conhecimento,
através do intercâmbio de ‘saberes’ e ‘práticas’” (p. 46).
O objeto daquela investigação foi “a análise do processo de construção colaborativa
do conhecimento no desenvolvimento do CFGC”, “a partir dos objetivos traçados, em
contraste com os achados no campo empírico e na literatura estudada” (p. 47). E, os
resultados alcançados estavam diretamente ligados a esses objetivos: geral e específicos,
mesmo por que as categorias de análise foram elaboradas a partir de elementos desses
objetivos.
Os resultados mais amplos são apresentados como os que fizeram com que o objetivo
geral fosse alcançado, conforme explicitado na referida dissertação:
Pode-se afirmar que este objetivo foi alcançado, pois em diversos fragmentos dos
diálogos analisados efetivamente detectou-se o processo de construção
colaborativa, inclusive explicitado em falas dos próprios sujeitos-construtores. Esta
3 Parte desse texto tem origem na minha dissertação de mestrado: “Construção Colaborativa do Curso de
Formação de Gestores do Conhecimento através da EAD – CFGC” (2011), e, para não tornar o texto cansativo
com citações da própria autora, resolvi apresentar todas as citações curtas entre aspas em estilo:“Itálico”.
Entretanto, para evitar repetição da fonte dessas citações mantive a indicação da página nas longas e o mesmo
tipo de letra escolhido para este procedimento. Isto se repete ao longo de todo o texto. 4 EDC-704 - TEE - Educação a Distância e Difusão do Conhecimento.
5 EDC-A27 – Educação a Distância
6 PPGE-FACED/UFBA – Programa de Pós-graduação em Educação - Faculdade de Educação/Universidade
Federal da Bahia.
21
necessidade de construir colaborativamente foi parte evidente do processo de
produção do CFGC e enfatizada como uma estratégia pedagógica para motivar os
futuros cursistas a compartilhar, construir e difundir conhecimento, instituindo
assim uma cultura de GC. (p. 127)
Já os resultados ligados aos objetivos específicos abaixo citados, foram elaborados
segundo as perguntas de investigação e deram continuidade “à linha de raciocínio do objeto
[...] pesquisado, bem como detalha[ra]m o passo a passo para atingir os resultados
pretendidos”:
1. Identificar, nos registros de interação dos sujeitos participantes, aqueles que
evidenciam lógicas do processo de construção do curso;
2. Explicitar matrizes teóricas e/ou entendimentos dos sujeitos participantes sobre
“saberes” e “práticas” intercambiados neste processo de construção, voltadas
para a construção da modelagem dos módulos.
3. Destacar, nos registros das interações entre os sujeitos, a troca de informações,
a negociação de significados e os fluxos comunicacionais centrados nos
conteúdos. (p. 47)
E, foram também apresentados nos resultados, a partir de uma analogia do que foi alcançado
nas categorias de análise, por categoria/objetivo específico. Na oportunidade, foi detectada
uma implicação e o ibricamento entre o discurso dos “sujeitos-construtores do CFGC”,
conforme identificado na dissertação, os conceitos trabalhados no estudo e as categorias de
análise, conforme as perguntas de investigação:
1) Que registros evidenciam lógicas do processo de construção do curso nos
aspectos colaborativos e/ou cooperativos a partir da interação dos sujeitos
participantes?
2) Que evidências tornam possível identificar, nesses registros, matrizes teóricas
e/ou entendimentos dos sujeitos participantes sobre “saberes” e “práticas”,
intercambiados no processo de construção do CFGC, voltados para a
construção da modelagem dos módulos?
3) Que registros encontrados no AVA Moodle evidenciam, nas interações entre os
sujeitos: (a) a troca de informações; (b) negociação de significados; (c) fluxos
comunicacionais centrados no conteúdo? (p. 46)
Dentre os resultados encontrados sobre a “construção colaborativa e cooperativa”, o
compartilhamento de “saberes e práticas”, a “troca de informações”, “negociação de
significados” e “fluxos comunicacionais relativos aos conteúdos”. Foi possível identificar as
trocas significativas na prática e na modelagem dos módulos, evidenciadas nos intercâmbios
de interação daqueles “sujeitos-construtores”, no AVA Moodle, e o mais interessante que de
maneira peculiar. Isto por que, apresentava um “fluxo dinâmico muito parecido com o
movimento entre o caos e a ordem, no acontecer da própria construção do curso” (p. 127).
As “evidências”,
22
[...] foram encontradas na análise à medida que os conceitos do mapa conceitual
eram reconhecidos nos registros/fragmentos de diálogo. Manifestaram-se nas
concordâncias e discordâncias na própria construção, metaforicamente: tempestade
e calmaria, de um ambiente complexo, multirreferencial, no qual os sujeitos
expressaram diversas visões de mundo, diferentes referenciais e experiências de
formação, bem como vivências cotidianas que potencializavam a criatividade, a
aprendizagem e criavam uma nova cultura, a de GC. (p. 127)
Em resposta a confusão que ainda se faz com referência ao conceito de cooperação e
colaboração, a dinâmica da interação dos sujeitos analisados trouxe como resultado que a
primeira versão do CFGC “foi uma construção cooperativa, com traços colaborativos” e a
“segunda versão uma construção coletiva colaborativa com momentos de cooperação”, isto
por que,
[...] nos discursos dos sujeitos-construtores do CFGC existia certa continuidade,
como um caminhar passo a passo, onde os alunos da primeira disciplina (2006.2)
focaram mais na estrutura e forma da proposta do curso em construção e os da
segunda (2007.1), por sua vez, focaram mais em conteúdos e atividades / processos.
Pode-se dizer também que na primeira versão construída o conteúdo foi produzido
individualmente e discutido coletivamente, já na segunda as alterações e mudanças
no conteúdo produzido em 2006.2 foram feitas colaborativamente e discutidas num
ambiente cooperativo/colaborativo de aprendizagem. (p. 128)
A análise dos chats foi feita “em profundidade”, quando estes apresentavam
evidências que justificavam esse aprofundamento. Quando suas interações mostravam
características das “categorias de análise” nos diálogos, ou quando emergiam “conceitos
pertinentes ao mapa conceitual” do estudo. Além disso, as contribuições do imbricamento
que evidenciavam a multirreferencialidade e a complexidade de uma construção colaborativa
foram buscadas na sua base epistemológica. Como também multirreferencias, diversificação
de áreas do conhecimento, profissionais, senso comum, entre outras. De maneira geral, foi
percebido que,
[...] na análise dos chats [...] há uma implicação, interdependência entre as
categorias de análise, bem como a contribuição de diferentes visões de mundo e
sistemas de referência. Muitos dos fragmentos/diálogos trazidos como evidência de
uma categoria também, de alguma maneira, estão ligados a outra, ou outras e
revelam a multiplicidade de formações acadêmicas, experiências profissionais,
vivências do cotidiano dos participantes. Nesse imbricamento configuram-se a
complexidade e a multirreferencialidade do processo de construção coletiva
colaborativa e/ou cooperativa do CFGC. (p. 129)
Muitas características foram encontradas sobre o recurso “chat” -, recurso este tão
utilizado na atualidade nas redes sociais -; uma delas, considerada no estudo como uma
característica “marcante” diz respeito “a possibilidade de devaneio dos participantes,
principalmente num grupo multirreferencial”. Como solução para esta questão, o estudo
apresentou o papel da “mediação”, recurso pedagógico da EaD, com o potencial de
23
“objetivar as questões colocadas em paralelo, muitas vezes sem uma conexão com o tema
que está sendo construído”. Uma metáfora foi levantada para a compreensão da mediação:
Uma boa metáfora para representar o papel da mediação é a atuação de um
“maestro” com sua orquestra. São muitos os instrumentos e cada um entra no seu
tempo; no caso dos chats, são muitas ideias e todas elas podem ser potencialmente
importantes para a construção, então todas devem ser analisadas e discutidas, mas
sem mediação o caos não andaria de braços dados com a ordem. A mediação
organiza e motiva para que se dê sentido ao que está sendo discutido. (p. 129)
E o “chat” foi definido como:
[...] um recurso pedagógico que amplia as possibilidades de
aprendizagem/construção do conhecimento, a partir do compartilhamento de:
ideias, conceitos, dúvidas e pressupostos, pode-se dizer que neste contexto a
aprendizagem foi a condição para a difusão do conhecimento construído. Indo um
pouco mais além, esta difusão é o elemento básico para o desenvolvimento de uma
cultura de GC, cultura esta que é o objetivo do CFGC. Portanto, para o estudo da
construção colaborativa do conhecimento, a análise dos chats possibilitou alcançar
os objetivos específicos pretendidos [...]. (p. 129)
Desta maneira, ficou explícita a importância do compartilhamento de “ideias,
conceitos, dúvidas e pressupostos”, nas interações da construção do CFGC, o que não tirou o
mérito do compartilhar saberes para a difusão do conhecimento, e, da difusão, como elemento
básico para a formação de uma cultura de GC, tão desejada e pesquisada pela Rede
Cooperativa de Pesquisa e Intervenção sobre (In)formação, Currículo e Trabalho - REDPECT
naquela época, visando organizar para preservar, e compartilhar para disseminar os
conhecimentos construídos, portanto publicizar o conhecimento para torná-lo um bem
público.
1.2 RESULTADOS DA CONSTRUÇÃO COLABORATIVA
As análises na dissertação foram detalhadas individualmente, segundo os objetivos
específicos, por exemplo, alguns fragmentos de chats apresentaram situações, nas quais foram
encontrados resultados significativos na análise da lógica de construção do curso em relação
ao primeiro objetivo específico, e, assim aconteceu também relativamente ao segundo e
terceiro objetivos específicos, a partir dos quais se analisava a modelagem dos módulos,
especificamente ‘saberes’ e ‘práticas’ intercambiados no processo de construção do curso e
as matrizes teóricas envolvidas; e ainda, os resultados, que destacavam os registros das
24
interações entre os sujeitos, centrados nos conteúdos dos módulos e as negociações de
significados feitas respectivamente.
Dentre esses resultados, selecionei alguns como fundamentais para o aprofundamento
do estudo da construção colaborativa do conhecimento:
A participação efetiva de todos, discutindo, sugerindo, buscando recursos ideais e
aprovando as ideias apresentadas na construção cooperativa/colaborativa;
Um brainstorming constante, uma verdadeira tempestade de ideias que surgem e vão
sendo colocadas espontaneamente sem restrições;
A mediação que passa de pessoa para pessoa, à medida dos saberes de cada um, ao
mesmo tempo em que organiza e dá sentido ao conhecimento construído, pois são
muitas ideias colocadas e todas elas podem ser potencialmente importantes para a
construção;
A potencialidade de mudanças constantes nas práticas pedagógicas, a partir do aporte
desta construção, onde cada um dos sujeitos-produtores traz uma sugestão de solução
para a aprendizagem e aprofundamento do estudo;
Novas descobertas, a medida que esta construção potencializa a problematização dos
temas e facilita a emergência de decisões, achados e também a implicação/imbricação
dos temas e conceitos em estudo;
A solicitação de feedback7, quando do trabalho cooperativo, quando uns cooperam
com os outros, auxiliando as pessoas a se posicionarem e a entenderem o objetivo da
construção colaborativa, trazido para a discussão no coletivo;
O respeito pela opinião e necessidade do outro, a partir de sugestões, acordos
evidentes, monitoração e orientação da construção feita em conjunto;
O compartilhamento - base para a aprendizagem - de ideias sobre um mesmo tema, ou
tema diverso articulado com este mesmo, visto como uma característica marcante do
aspecto colaborativo contribui para desenvolver a opinião e a criatividade do grupo,
potencializando a construção do conhecimento;
O cuidado com a interpretação e a compreensão, por potencializar a criatividade e a
aprendizagem, e facilitar o compartilhamento;
7 Em português a palavra feedback significa “opinião”.
25
A atenção no foco de um trabalho colaborativo, como possível num ambiente aberto
de visada multirreferencial, portanto com sua essência dinâmica e mutável,
fundamentado com a visão de Doll (1997, p. 30), desenvolvimento e orientação, o
rumo, não a centralização, elementos que potencializam o processo de transformação,
principal característica num sistema de currículo aberto;
O intercâmbio de saberes, evidências das matrizes teóricas em discussão, e práticas
ligadas à experiência dos envolvidos em discussões coletivas;
A continuidade e as rupturas que acompanham a dinâmica, o fluxo dos diálogos,
levanta uma questão mais complexa: a cisão da dicotomia “sujeito/objeto”,
subjetividade e objetividade, para essa construção que se baseia na intersubjetividade
dos sujeitos participantes;
O cuidado com a tradução das linguagens de uma área do conhecimento para outra,
para “construir sem destruir”, o que se está discutindo.
Apresentada a síntese dos resultados das análises e sua importância, achei significativo
trazer também as considerações finais daquele estudo, por encaminharem o objeto e os
pressupostos desta investigação/tese.
1.3 CONSTRUÇÃO COLABORATIVA DO CONHECIMENTO: O CONCEITO
O estudo do CFGC significou muito para minha (in)formação e me fez refletir sobre a
importância da construção colaborativa do conhecimento para a intersubjetividade da
existência dos sujeitos “num ambiente de visada multirreferencial”. Considerando que a
problemática desse nosso mundo globalizado, plural, complexo, não facilita a “cada área
isoladamente” (in)formar “competências e habilidades” para a sobrevivência desses sujeitos.
Assim, acreditando que, esses sujeitos “necessitam experimentar o convívio com outras
áreas, com multirreferências, para construir sua (in)formação”, foi que me conscientizei da
necessidade de compreender o que vinha a ser construção coletiva colaborativa do
conhecimento.
26
Então, todas essas reflexões, os diálogos com os autores sobre os conceitos estudados
e os resultados alcançados na dissertação me levaram a definir a “construção
coletiva/colaborativa” como:
Um processo inteligente, complexo, de aprendizagem, no qual tudo é não-estático,
auto-organizável, sempre em construção, que aceita a diversidade e a pluralidade
cultural como possibilidades e as transforma em saberes e práticas multirreferenciais,
compartilhadamente, e as socializa para a difusão de reconstruções de conhecimentos
anteriores ou de novos conhecimentos construídos.
Naquela época declarei que, foi “a própria incompletude, característica da
construção colaborativa” que me provocou para aquele “trabalho e motivou a busca de
significados para este construir autônomo repleto de possibilidades de (in)formação”. O que
continua acontecendo até o presente momento. Portanto, acredito ser indispensável que o
conceito de construção coletiva/colaborativa do conhecimento seja problematizado,
discutido e referenciado como uma necessidade desse nosso “mundo multirreferencial e
complexo”.
Estas considerações que finalizaram minha dissertação finalizam igualmente a
contextualização do meu objeto de investigação encaminhando-o para a apresentação da
problemática e do problema, ou argumento de investigação, proposto para esta pesquisa.
1.4 O CERNE DA QUESTÃO
A proposta de um estudo experiencial em processo, conforme explicitado no projeto
inicial desta tese, evidenciava a problemática de trabalhar no acontecer de um curso de pós-
graduação para instituições educativas, o “Curso de Especialização em (In)formação de
Gestores do Conhecimento”, e os desafios que este demandaria. Dentre eles estavam:
o pressuposto de ser uma proposta inovadora, mesmo porque esta não seria uma
formação comum, tinha notícias na época de apenas três cursos de Mestrado e um
curso de Especialização, em Gestão do Conhecimento a nível nacional, localizados no
sul do país;
o público, por si só extremamente crítico, político e analítico;
27
a utilização da plataforma Moodle, pois era um curso na modalidade de Educação à
Distância - EaD, em Ambiente Virtual de Aprendizagem;
as muitas dúvidas, tensões e novos desafios, que esses sujeitos certamente teriam
diante de conceitos e tecnologias relativamente novos.
Acontece porém, que face à impossibilidade de oferta do CFGC foi necessária a
mudança do objeto de investigação deste projeto, de um estudo experiencial em processo
durante o acontecer daquele curso, para a fundamentação e análise do processo de
“Construção Colaborativa do Conhecimento”, como um saber em rede, um mosaico
“epistemo-teórico-metodológico” de duas redes de pesquisa de visada multirreferencial
complexa, a REDPECT e a Rede Interativa de Pesquisa e Pós-Graduação em Conhecimento e
Sociedade – RICS. Saber este, que vem sendo construído/instituído em conjunto, com seus
membros e outros colaboradores de instituições parceiras, inclusive em sistema de
intercâmbio internacional. Isto ampliou e complexificou muito esta investigação.
A pergunta e o problema definidos para a investigação também se transformaram
diante destas mudanças. Antes buscava resposta, a partir dos elementos do curso acima
mencionados, de “Como ‘validar’ a construção colaborativa do conhecimento, segundo a
perspectiva multirreferencial, no processo do curso de especialização em (in)formação de
gestores do conhecimento em instituições educativas”.
1.4.1 O Problema e a Problemática
Com a modificação e ampliação do objeto, este estudo passa a buscar responder:
Como a construção colaborativa do conhecimento, segundo uma rede de pesquisa
multirreferencial, contribui para a construção e difusão do conhecimento acadêmico
científico dos autores-pesquisadores da REDPECT e da RICS?
Apesar dessa mudança de escopo, a proposta de um estudo experiencial em processo
continua sendo válida, pois como relatado inicialmente tem características de autobiografia,
da minha experienciação, do meu caminho acadêmico-científico, um retorno ao conhecimento
institucionalizado, com essas/nessas redes de pesquisa. Para além disso, características de
biografia do caminho investigativo de Fróes Burnham e parceiros que, como pioneiros em
pesquisa na FACED/UFBA, criaram um lastro epistemológico-metodológico da cognição,
baseado numa visada multirreferencial complexa de construção colaborativa do
28
conhecimento, para (in)formação de novos pesquisadores, desde a iniciação científica e até o
pós-doc. E que também, vêm lutando há muitos anos pela difusão e socialização do
conhecimento e a transformação do conhecimento em um bem público.
Este estudo parte do pressuposto de que este saber em rede, este mosaico “epistemo-
teórico-metodológico” vem sendo construído na REDPECT, a partir das investigações de
diversos pesquisadores. Esta rede de pesquisa se origina8 no primeiro grupo de pesquisa da
FACED/UFBA, fundado por Fróes Burnham em parceria com outros professores, o Núcleo
de Ensino, Pesquisa e Extensão em Currículo, Trabalho e Construção do Conhecimento –
NEPEC. Embora, embrionariamente, este saber já viesse sendo praticado no grupo de estudos
“Currículo, Essência e Contexto”9.
Até então não existiam grupos de pesquisa na FACED, o NEPEC foi o pioneiro, mas
desde os trabalhos desse grupo de estudos sobre Currículo, o construir colaborativamente já
era uma práxis dos seus integrantes. Portanto, a REDPECT tem sua origem neste Núcleo de
Pesquisa, e também vem construindo conhecimento colaborativamente através desse saber em
mosaico, de maneira mais ampliada, pois com o passar do tempo outros temas vão sendo
investigados, conhecimentos transformados, e o caminho investigativo se torna
multirreferencial/complexo.
Nestes três espaços-tempos, desde 1980 até 2003, foram formados com as mesmas
características três grupos de pesquisa. O primeiro, essa linha de pesquisa de Currículo que se
transformou em Núcleo de pesquisa; o segundo espaço-tempo, por sua vez se transformou em
uma rede de pesquisa, a partir do doutorado de Fróes Burnham, a REDPECT. Então, em
2003, outra rede de pesquisa foi formada no terceiro espaço-tempo. Desta vez em paralelo
com a REDPECT, a RICS, mas com um diferencial, para além de todas as características de
rede, multirreferencial/complexa como a REDPECT, ela se torna uma rede multi-
institucional10
.
Este saber em mosaico se concretiza/institucionaliza com a implantação do mosaico
mais significativo dessas pesquisas em rede, o Programa de Pós-graduação em Difusão do
Conhecimento, que tem como primeiro projeto o Doutorado Multi-institucional e
8 Segundo Fróes Burnham (2015), em entrevista realizada em 18/03/2015, para este estudo.
9 Grupo de estudos formado por professores da FACED, de maneira espontânea/individual. Na década de 80,
ainda não institucionalizado chamava-se “Currículo, Essência e Contexto”, posteriormente passou a se chamar
“Currículo, Ciência e Tecnologia”, e, na década de 90 institucionalizou-se como NEPEC. 10
O histórico desses grupos será mais detalhado no Capítulo 5 desta tese, quando da apresentação, em seção
específica, do contexto histórico das redes de pesquisa em análise.
29
Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento – DMMDC. Este doutorado se desenvolveu
no caminhar dessa pesquisadora master, em seus objetos de pesquisa e também em objetos de
pesquisa de muitos autores-pesquisadores da REDPECT e da RICS. Sua idealização, em
processo de construção colaborativa do conhecimento, foi realizada em parceria com
pesquisadores de seis outras instituições.
Nas investigações da REDPECT e da RICS11
, trabalhos de iniciação científica,
pesquisa e suas (in)formações, foram construídos colaborativamente pelos autores-
pesquisadores12
, a partir dos temas:
Formação de professores;
Currículo, Construção do Conhecimento e Trabalho;
Reestruturação produtiva e a formação do trabalhador face as grandes transformações
relacionadas com o desenvolvimento das TIC13
e a intensificação do movimento de
globalização econômica e suas repercussões no mundo do trabalho – programa de
pesquisa sobre demandas e impactos da globalização e das TIC na formação do
trabalhador;
Cultura;
O engodo dos discursos acadêmico-científicos em torno da sociedade da informação e
do conhecimento;
Espaços Multirreferenciais de Aprendizagem e Sociedade da Aprendizagem;
Info-educação e Educação à Distância;
Saúde e Educação;
Gestão do Conhecimento;
Educação e Trabalho;
Conhecimento como bem público, entendendo mais profundamente os processos de
produção, organização, difusão e transformação do conhecimento;
Análise Cognitiva.
11
Redes de pesquisa ligadas à FACED/UFBA, coordenadas por Fróes Burnham à época. 12
Pesquisadores, orientandos em iniciação científica, mestrandos, doutorandos, pós-doutorandos e visitantes. 13
Tecnologias de Informação e Comunicação.
30
Este último a obra maior, o mosaico em (in)formação, que busca se instituir como
campo, mas que ainda está em processo de investigação, em terreno ainda pantanoso -, como
diz Fróes Burnham em suas aulas da disciplina Análise Cognitiva – AnCo, do DMMDC -, por
estar em pleno processo de investigação/escrutínio. A AnCo tem como base epistemológica
estes e outros temas/mosaicos, mas se coloca cientificamente como um sistema aberto a novas
descobertas/contribuições.
Através da investigação de todos esses temas/projetos, pesquisas e suas (in)formações,
foram gerados inúmeros trabalhos acadêmicos: monografias, dissertações de mestrado, teses
de doutorado, pós-doutorados, orientados/(in)formados em processo de construção
colaborativa do conhecimento. Isto com a pretensão/sonho de que estas produções não apenas
fossem consideradas saberes, práticas, de cunho científico, mas para que se desdobrassem em
bem público, criados e (re)criados na sociedade do conhecimento, da aprendizagem e do
senso-comum.
A história e a fundamentação desse saber em mosaico serão feitas de maneira fluida
nos capítulos deste texto, até por que sua modelagem é composta pelos elementos que
constituem estas redes de pesquisa, seus integrantes e a construção colaborativa de suas
produções, sejam: projetos, artigos, capítulos de livro, livros, monografias, dissertações, teses
e projetos de pós-doc, os quais fazem parte do corpus empírico/analítico deste estudo.
Por todo o exposto enfatizo que, fundamentar esse saber em mosaico, no período que
delimita o objeto desta investigação -, de 1997 a 2007 -, envolve um trabalho intenso de
escrutínio de documentos destas redes de pesquisa e testemunhos dos pesquisadores. Este
último elemento será tratado no capítulo que detalha a investigação e os métodos
investigativos, mas, além disso, é preciso aprofundar as reflexões sobre alguns desafios:
1º. O processo de construção colaborativa do conhecimento, numa rede de pesquisa
multirreferencial complexa, pode se caracterizar em muitas contendas, pois os temas
multifacetados que são discutidos envolvem multirreferências e disputas de poder e
áreas do conhecimento;
2º. A emergência de continuidade e rupturas que acompanham a dinâmica dessa
construção no fluxo das discussões pode trazer a tona a questão complexa da dicotomia
“sujeito/objeto”, subjetividade e objetividade, pois esta é sem dúvida uma construção
baseada na intersubjetividade, portanto questões de relacionamento interpessoal podem
31
emergir no processo de análise e escuta dos testemunhos e demandar um estudo mais
profundo sobre dinâmica de grupo;
3º. A busca das bases teórico-epistemológicas que sustentam as construções do
conhecimento na rede pode apresentar uma perspectiva filosófica diversificada e de
fundamentação complexa, que este estudo não consiga dar conta no prazo estipulado
para sua defesa;
4º. A busca de evidências de compartilhamento nas construções da REDPECT e da RICS,
base para a aprendizagem e uma característica marcante da construção colaborativa do
conhecimento, que acontece a partir da interdependência de opinião e criatividade dos
participantes e também da análise de documentos e testemunhos de participantes. Isto
pode gerar uma dinâmica que não facilite a descoberta do construir colaborativamente.
Posso dizer hoje, pelos resultados da pesquisa anterior que, no desenrolar de um
processo de construção colaborativa, numa perspectiva complexa/multirreferencial, os
sujeitos participantes das discussões sentem necessidade de conduzir a discussão para áreas
onde se sentem mais seguros, confortáveis, esquecendo muitas vezes que existe um tema a ser
explorado, discutido, à luz de diversas visões de mundo para a efetiva aprendizagem, e ainda,
para que o processo cognoscitivo se concretize.
Acredito que, a pergunta que provocou este estudo pode dar abertura para várias
possibilidades de resposta e tornar exequível esta investigação, tanto para o tempo/recursos
disponíveis, quanto por se tratar de elementos, fenômenos, fatos e dúvidas relacionadas ao:
passado de duas redes de pesquisa e ao futuro pela institucionalização desse saber em
mosaico, que pode ser o elemento potencial para a efetivação do sonho de tornar o
conhecimento um bem público; e ainda, do ponto de vista de acesso aos dados quantitativos, à
facilidade de acesso às informações qualitativas, por ser membro das redes de pesquisa, onde
estas estão acervadas, em dois espaços-tempos:
1º. passado, pois para a efetivação dessa proposta pressuponho um estudo
epistemietimológico das palavras e conceitos ligados ao tema construção colaborativa
do conhecimento, baseado no eixo epistemológico da multirreferencialidade e da
complexidade, aprofundando assim a pesquisa concluída. Inclusive por que, foi a
partir dessa experienciação na REDPECT, das interações e discussões nesta rede de
pesquisa, que se tornou possível a construção daquela investigação.
32
2º. futuro, pois objetiva uma análise crítica do processo de construção colaborativa do
conhecimento, tema pouco explorado na literatura, pouco teorizado; e, além disso, em
duas redes de pesquisa de visada multirreferencial, um complexo que pode trazer
novas contribuições e provocar novos estudos e investigações do tema.
Para dar continuidade a este caminho investigativo, todos esses elementos tratados,
que compõem e problematizam a questão provocativa deste mote, me levaram a refletir sobre
novas questões, por exemplo: Como justificar esse estudo? Qual sua relevância para minha
vida? Qual sua relevância para a Academia? De que maneira poderá contribuir com a
ciência e a sociedade?
1.5 JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA
A importância dessa pesquisa/estudo da construção colaborativa do conhecimento,
especialmente por ser em processo, se justifica em três principais dimensões que relevam
significações nos âmbitos individual, acadêmico-científico e empírico-social:
1º. individual, a partir da minha implicação pessoal com o estudo e com a participação
nestas redes de pesquisa multirreferenciais complexas, que me proporcionam
(in)formar, (re)formar, construir, (re)construir conhecimentos que entreteçam
significações científicas, socialmente relevantes e que tragam sentidos impregnados
das experiências do senso comum, nas interações com os participantes destas redes;
2º. acadêmico cientifico:
a. ao apresentar uma compreensão da dinâmica do construir conhecimento
colaborativamente, que tem como lógica um processo não linear, que se
(re)organiza, à proporção que as peças se encaixam para articular e dar sentido:
(1) às diferentes teorias entre si; (2) dentro dessas teorias, aos diferentes autores
entre si; (3) às diferenças entre a teoria e a experiência, nas práticas das redes; e
(4) as tensões do processo dessa construção/(in)formação nestas redes de pesquisa
multirreferenciais;
b. porque as questões que problematizam esta pesquisa dão lastro para a ampliação
do tema e a abertura para novas investigações, a partir do aprofundamento teórico
com os autores que desenvolvem os temas Construção Colaborativa do
33
Conhecimento, na perspectiva da Complexidade e da Multirreferencialidade,
integrando referenciais das esferas epistemológicas, informacionais e cognitivas
destes conceitos;
c. por dar continuidade, ampliação, aprofundamento e difusão ao Método de Análise
Contrastiva, utilizado naquela pesquisa e em muitas outras realizadas na
REDPECT. Este método, pouco conhecido nos meios acadêmicos, permitirá
identificar qualitativamente as evidências empíricas do processo de aprendizagem
construído colaborativamente, o contraste dos diferentes processos
experienciados, das teorias e das práticas vividas. Além disso, a vivência dos
sujeitos partícipes dessa experiência e da criadora do método, Fróes Burnham, a
partir de testemunhos em entrevistas. Isto oferecerá futuramente referências de
análise relacionadas às interpretações, percepções, críticas e sugestões sobre esse
processo e o contraste das análises, tanto no campo empírico quanto nos
referenciais teóricos levantados na literatura, conforme detalho no capítulo
destinado a metodologia;
3º. empírico-social, com os resultados apresentados na pesquisa, os quais podem:
contribuir com os interessados em estudos da dinâmica do processo de construção
colaborativa do conhecimento em suas vidas profissionais; e a reverberação da
dimensão político-social envolvida no processo de construção do conhecimento, no
antigo sonho de tornar o conhecimento um bem público.
Sintetizando posso dizer que, como a REDPECT e a RICS se propõem (in)formar
pesquisadores, construir colaborativamente conhecimento, difundi-lo e socializá-lo, este
certamente é um estudo relevante -, em face da multiplicidade de elementos a serem
trabalhados/analisados durante esse processo -, aos resultados esperados e as contribuições
que pretendo disseminar na academia e em outros espaços de aprendizagem.
Postas as dimensões que justificam este estudo e sua relevância, apresento os
pressupostos que me encaminharam para a escolha do seu objeto e de sua base teórico-
espistemológica, o conceito de construção colaborativa do conhecimento construído, à medida
que objetivo seus principais elementos formadores, com o intuito de construir um caminho
lógico que vai conduzir o texto para seu objeto e seus objetivos: geral e específicos, conforme
apresentado na subseção a seguir.
34
1.5.1 Pressupostos
A construção colaborativa, na perspectiva da multirreferencialidade e da
complexidade, pressupõe um processo:
1) inteligente, complexo, de aprendizagem, no qual tudo é não estático, auto-organizável,
sempre em construção;
2) aberto à diversidade e pluralidade cultural como possibilidades e as transforma em
saberes e práticas multirreferenciais;
3) que compartilha, socializa e difunde os novos conhecimentos construídos e/ou
transformados.
As questões norteadoras desta investigação, de certa maneira também aprofundam as
perguntas abordadas na investigação que antecede esta, muito embora sejam coerentes com a
pergunta elaborada nesta tese, e ainda configuram a lógica do estudo experiencial em
processo de construção colaborativa do conhecimento. A análise deste processo de construção
desenvolvido na REDPECT e na RICS envolve os sujeitos participantes, numa abordagem de
pesquisa quanti-qualitativa. Nesta perspectiva, foram definidas as seguintes perguntas para
nortear este estudo experiencial:
1) Que evidências indicam o processo de construção colaborativa do conhecimento na
REDPECT e na RICS?
2) Que bases teórico-epistemológicas sustentam as construções colaborativas do
conhecimento na REDPECT e na RICS?
3) Que evidencias podem demonstrar o compartilhamento dessas construções
colaborativas na REDPECT e na RICS?
Definidas a justificativa, a relevância, os pressupostos desta investigação e suas
questões norteadoras, apresento na próxima seção seus objetivos, ou resultados que pretendo
alcançar com esse processo e as contribuições que trará para a academia, os pesquisadores
interessados no tema, incluindo projetos de trabalho das redes de pesquisa em análise, o
campo empírico-social e principalmente o doutorado em difusão do conhecimento, por sua
proposta/pretensão/desafio de contribuir de modo explícito e sistematizado com o propósito
de tornar o conhecimento um bem público.
35
1.6 OBJETIVOS / RESULTADOS PRETENDIDOS
Inicialmente, provocada pelo objeto desta investigação não pensei que seria tão difícil
definir/traçar o que efetivamente gostaria de alcançar com este estudo. Foram diversas
tentativas até conseguir fazê-lo, mas depois de muito refletir e traçar objetivos que foram se
modificando a medida de cada versão da tese, cheguei à conclusão de que para compreender a
construção colaborativa do conhecimento, na perspectiva de um ambiente
multirreferencial/complexo, precisava aprofundar o conceito construído, conforme
anteriormente mencionado.
Num segundo momento, atendendo ao checklist14
elaborado para controlar as
modificações que ia fazendo ao longo da construção deste texto, decidi que os objetivos
deveriam além de estarem relacionados às perguntas de investigação, indicar os resultados
que pretendia alcançar com a pesquisa, tanto no nível macro – objetivo geral – quanto ao nível
de detalhe – objetivos específicos. E ainda que, estes objetivos conduziriam a pesquisa para
responder a questão elaborada, ou seja, revelariam como esta construção de conhecimento de
maneira colaborativa, em redes complexas/multirreferenciais, contribuía para a “construção e
difusão do conhecimento acadêmico científico” dos autores-pesquisadores das redes em
análise. Após todo esse processo o objetivo geral foi finalmente definido.
1.6.1 Objetivo Geral
O objetivo geral então, ao final da análise do campo empírico deveria: “Compreender
processos de construção colaborativa e difusão do conhecimento em duas redes de pesquisa
multirreferenciais, que se propõem (in)formar pesquisadores e analistas cognitivos,
fundamentando esta construção como uma modelagem cognitiva em mosaico, complexa e
multirreferencial”.
Estava então sacramentada a questão do que gostaria de alcançar de maneira macro,
vasta. Mas, precisava refletir o que fazer, que caminhos tomar/seguir para atingir este alvo tão
amplo e complexo, já que os objetivos específicos deveriam dar continuidade à linha de
raciocínio do objeto pesquisado e apresentar os resultados pretendidos. Resolvi então,
14
Uma checklist pode ser utilizada para diversas atividades de gestão. Segundo o site
http://www.significados.com.br/checklist/, esta “[...] palavra é a junção de check (verificar) e list (lista).” Este
portal define que checklist “[...] é um instrumento de controle, composto por um conjunto de condutas, nomes,
itens ou tarefas que devem ser lembradas e/ou seguidas”.
36
desmembrar as questões contidas neste objetivo geral, segundo as perguntas de investigação,
para construir os objetivos específicos, que por sua vez permitiriam antever as categorias de
análise do campo empírico, que são demarcadas na Tessela 4 deste texto. Este processo
permitiu estabelecer os objetivos específicos, conforme detalho na próxima sub-seção.
1.6.2 Objetivos Específicos
Seguindo essa linha de raciocínio, as questões norteadoras se (trans)formaram em
caminhos, trajetos, para alcançar o alvo/desafio, o objetivo geral, conforme apresentado no
Quadro 1 abaixo. Cada pergunta se converte em uma afirmativa mais ampliada, que compõe
um objetivo específico, conforme pode ser visto a seguir:
Quadro 1 – Objetivos Específicos
Fonte: Quadro elaborado para apresentação dos Objetivos Específicos e ilustrar seu
processo de construção.
Dessa forma, foram definidos os objetivos e os resultados que pretendo alcançar com
esta tese. Seguindo então o curso do texto, apresento na próxima seção a organização do
trabalho, ou capítulos, que o compõe.
37
1.7 A ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS/TESSELAS DO MOSAICO
Considerando que este é um estudo que busca compreender e difundir um saber em
mosaico, multirreferencial/complexo, o processo de construção do conhecimento,
coletivo/colaborativo, construí o texto dividido em sete tesselas/capítulos deste mosaico.
Na primeira delas, a Tessela 1: Introdução, apresento o cenário, iniciando pelos
objetivos e achados na dissertação de mestrado; o conceito de “construção colaborativa do
conhecimento” construído e a pretensão de sua ampliação a partir desta investigação. Além
disto, apresento também o objeto, sua problematização, as questões norteadoras desta
investigação, e os objetivos a serem alcançados/resultados pretendidos.
No segundo capítulo, Tessela 2: O Individual, o Coletivo um Saber em Mosaico,
descrevo minha experiência, como um mosaico memorial, que expõe sobre minha história de
vida: impressões vividas, no individual, no coletivo, na sociedade; minha experienciação na
vida profissional, nas redes de pesquisa, na academia; e minhas impressões sobre este saber
em mosaico multirreferencial/complexo, construído em processo, em rede de colaboração e a
(in)formação de pesquisadores proposta pela REDPECT.
A terceira tessela, a Tessela 3: Construção Colaborativa / Reflexões Teórico-
Epistemológicas, é na qual apresento a fundamentação teórica desta pesquisa, iniciando pelo
conceito de construção colaborativa do conhecimento e as reflexões para sua
(trans)formação. Num segundo momento, reflito sobre o significado do mosaico, sua história,
segundo a arte musiva, conforme aqui utilizada, ou seja como uma modelagem não como
modelo, mas como moldagem, construção artística. Apresento em terceiro momento a
cartografia dos referenciais teóricos deste estudo, desde seu eixo epistemológico, composto
pelos temas Multirreferencialidade e Complexidade, até a fundamentação dialógica: (1) dos
conceitos principais deste mapa, Conhecimento, Cognição, Aprendizagem/Construção
colaborativa; e (2) a articulação destes conceitos, com os conceitos secundários/correlatos ao
processo desta construção: Mediação, Colaboração e Cooperação; Compreensão e
Interpretação; Compartilhamento e Difusão do Conhecimento; Inteligência Coletiva e
Pluralidade Cultural; Poder; Dinâmica de Grupo. Concluo esta tessela, com a apresentação de
mapa das disciplinas cursadas no doutorado, a título de ilustração das áreas investigadas que
antecedem a conclusão desta tese.
38
O capítulo, a Tessela 4: Logia do Método, apresenta na parte inicial, a dinâmica
metodológica desta investigação, tomando como ponto de partida as lacunas do tema
construção colaborativa encontradas no mestrado, e em continuidade, as questões, objeto,
objetivos e a abordagem desta pesquisa; num segundo momento expõe a sistematização das
análises conforme o Método de Análise Contrastiva, aprofundando a dinâmica do estudo a
partir do CFGC, finalizando com os corpora de análise deste mosaico metodológico.
O quinto Capítulo, a Tessela 5: Construção Colaborativa do Conhecimento: Como
uma Trajetória se transforma em História e a História é Uma Tra(ns)jetória, apresenta o
marco inicial da história da REDPECT e da RICS, a origem da Construção Colaborativa do
Conhecimento. Além disso, apresenta os primeiros grupos, que antecederam os estudos sobre
as TIC e as redes de pesquisa: o “Grupo de Estudos Currículo e Contexto” e o “NEPEC”. A
história é narrada a partir de entrevistas feitas aos autores-pesquisadores desses grupos, e o
“mosaico vivo”, é modelado de maneira progressiva, como uma linha do tempo, apresentando
o percurso destes pesquisadores, suas trajetórias acadêmicas, suas histórias de vida, de
(in)formação, de (trans)formação, suas “Tra(ns)jetórias”.
Na Tessela 6, o sexto capítulo, Análises dos Construtos: Mosaicos da REDPECT e
da RICS, é aquele que costura as análises das entrevistas dos autores-pesquisadores da
REDPECT e da RICS, por categoria de análise, aos conceitos do mapa conceitual desta
investigação e também aos emergentes nessas análises. Essas categorias refletem o que se
buscou alcançar com os objetivos traçados. O texto inicia com as especificidades do Método
de Análise Contrastiva e a apresentação do sistema de análise, só depois apresenta as histórias
da rede e seus integrantes, no período de 1997 até 2007, com a aprovação do DMMDC.
O texto finaliza no sétimo Capítulo, Tessela 7: Considerações (In)conclusivas, com a
apresentação dos resultados alcançados com as análises, e suas contribuições para a ampliação
do conceito de construção colaborativa do conhecimento, construído; do DMMDC como um
grande Mosaico; finalizando com algumas considerações, ditas finais, do processo
transcendente de construção do conhecimento vivido com a tese.
Com esta descrição do conteúdo que compõe os capítulos/tesselas desta tese, encerro a
primeira tessela deste mosaico multirreferencial/complexo, e encaminho o texto para o
segundo capítulo, a Tessela 2: O individual, o Coletivo um Saber em Mosaico.
39
2 TESSELA: O INDIVIDUAL, O COLETIVO, UM SABER EM
MOSAICO
A decisão de contar a minha história de vida nesta tese se justifica na deliberação de
utilizar como um dos elementos do mosaico-metodológico a etnopesquisa. Então, nesta
tessela, faço um relato/memorial da experienciação no/do meu caminho acadêmico-científico.
Partindo do individual para o particular, da minha história, até as produções/construções
de/em duas redes de pesquisa, de maneira coletiva/colaborativa.
Macedo (2004, p. 110), refletindo sobre seus primeiros contatos com a
etnometodologia e a compreensão dos etnométodos, diz que:
Foi pela voz de Aaron Cicourel, na primavera de 1987, durante um curso sobre
etnometodologia e sociolinguística [...], que tomei conhecimento do pensamento de
Garfinkel. Meu interesse se intensificou a partir da afirmação forte de que “o ator
social não é um idiota cultural”. [...] Cansava-me, já naquela época, digerir modelos
e elaborações sempre reivindicando para si o conhecimento absoluto do real sem
sujeito.
Esta descoberta abria nova perspectiva para os estudos do autor, como ele próprio
afirma ao dizer que sua “intuição indicava que imbricada àquela afirmação emergia uma
fecunda elaboração teórica em relação [...] à condução do sujeito social para as discussões que
situam o homem em sociedade”. (MACEDO, 2004, p. 110) Na visão de Macedo, mesmo a
perspectiva mais crítica permanecia “fiel” as “grandes teorias”, e, o “ator social, em geral, não
tinha voz nem vez diante de posturas teóricas que se queriam quase sempre narcísicos faróis
do mundo”.
Sem dúvida esta realidade dos bastidores da academia assusta os autores, ou melhor,
os condiciona a interpretar segundo um modelo institucionalizado, o que engessa sua
criatividade e os saltos qualitativos que eles poderiam, ou gostariam, de dar em suas
pesquisas, muitas vezes são fadados a ficar apenas no desejo, no pensamento. Porém, para a
compreensão da visão do outro, os seres sociais, humanos, precisam interpretar, o que não é
fácil ou simples. Acredito que esta talvez possa ser a chave para o pensamento crítico,
autônomo.
40
Diz Macedo (2004, p. 10) que,
Os trabalhos de base empírica tinham, em geral, a tarefa de achar no empírico
justificativas para as teorias cultuadas, os sujeitos falavam pela boca das elaborações
teóricas. As entrevistas abertas, de inspiração fenomenológica, as narrativas e
biografias, funcionavam, em última análise, como legitimadoras de alguma corrente
de pensamento.
Esta é a interpretação do autor, mas, a partir do momento que é parte do outro e
precisa ser compartilhada para ser compreendida, significada, interpretação e compreensão se
misturam num emaranhado de sentidos e significados, e, para dar ordem ao caos e a
informação ser transformada em novo conhecimento, ou em conhecimento (re)significado,
pode ser possível que a interação social faça com que um saber levantado por um autor se
manifeste no coletivo.
De qualquer maneira, a perspectiva de interpretação neste estudo, conforme
apresentada na introdução deste texto, é necessária e fundamental, tanto para a vida
acadêmica, quanto para a cotidiana, a vida prática. Macedo (2004, p. 113), citando H. Meham
(1982) reflete sobre o conceito de prática em etnometodologia afirmando que,
H. Meham (1982) nos diz que as origens do conceito de “prática” em
etnometodologia são obscuras, isto é não estabelecidas. Meham tenta uma analogia
com o conceito de práxis em Marx, entretanto, coloca suas diversidades quando,
segundo ele, em Marx, práxis é uma linha de conduta guiada por uma reflexão
consciente e orientada para um objeto político. A partir do raciocínio de Meham, [...]
a atividade orientada e que compreende a ligação entre reflexão e ação, entre o
pensamento e o ato é certamente uma característica da noção de prática de
interações, do método dos membros e dos procedimentos interpretativos. (grifo
nosso)
Isto fundamenta não só a questão da interpretação como vital para as investigações
fenomenológicas, como também a prática de interações comum numa construção colaborativa
do conhecimento. Além disso, levanta a questão do embricamento desses elementos que
compõem este estudo do saber cotidiano de uma rede de pesquisa multirreferencial complexa.
Reforçando a questão do “saber cotidiano”, Macedo (2004, p. 113), argui que,
Propondo o estudo do saber cotidiano e rejeitando os preconceitos analíticos da
superioridade do saber das ciências humanas sobre aqueles do senso comum, a obra
de Garfinkel resulta num programa de estudos que tem por centro de interesse a
constituição imanente do saber. Há uma insistência para que a análise da ação não se
dê independentemente das práticas e dos contextos das atividades sociais que os
produzem e os mantêm.
Diante dessa perspectiva, de “que a análise da ação não se dê independente das
práticas e dos contextos das atividades sociais que os produzem”, e da questão da origem do
41
conceito de “prática” ainda ser nebulosa na etnometodologia, como coloca o autor, resolvi
apresentar minha história de vida, meu saber construído no cotidiano, na REDPECT e no
senso comum. Tendo como objetivo trazer o leitor, de alguma maneira, para o espaço de onde
falo -, antes mesmo de ter fundamentado teoricamente este trabalho -, para a leitura e
compreensão de como interpreto e analiso as informações da minha própria vida, pois de
certa forma será semelhante a que utilizarei na análise das informações levantadas no campo
empírico. Para além disso, explicitar minha implicação, meu embricamento, com o objeto em
investigação, conforme propõe a etnopesquisa.
2.1 PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE O JÁ VIVIDO15
A narrativa é história. O escolher momentos e neles vislumbrar justificativas e
representações é estabelecer um sentido para uma memória construída. Então, nessa busca de
sentidos, inicio algumas considerações sobre a memória do vivido como mulher, profissional,
aprendiz de pesquisadora, pesquisadora e cidadã.
De certo que há uma dificuldade nesta narrativa, no que diz respeito à delimitação das
fronteiras entre a narrativa autobiográfica e a escolha de determinados momentos que
intencionalmente justificam as escolhas do presente.
Minha formação sócio-cultural se deu, inicialmente, num lar de classe média baixa na
cidade de Salvador, com todos os desejos e medos daqueles que viveram o Brasil nos anos
sessenta e setenta da ditadura militar. Os fragmentos de memória da escola primária, ainda em
escola confessional católica, se fazem plenos de hinos religiosos, formação de filas separadas
em grupos de meninos e meninas, uniformes, muita obediência e disciplina.
Sem muitos exemplos no seio familiar e nos grupos societários com os quais convivi,
o modelo de bem-estar a se conquistar na vida residia no “se formar” na Escola Normal,
casar, ser mãe e dona de casa. Parte desse movimento se realizou até os idos de 1976, mas
algo de novo ocorreu a partir da formação iniciada em Secretariado Executivo.
Durante anos, procurei seguir os ditames considerados normais para as mulheres na
sociedade brasileira. Entretanto, a retomada de estudos, sobretudo, o ensino superior e as
15
Parte desse texto se origina no Memorial que apresentei para a seleção do doutorado em 2010.2.
42
experiências adquiridas no estágio supervisionado, obrigatório naquela época, fizeram com
que novos olhares e experiências se dessem.
Na década de oitenta, já formada, e trabalhando numa multinacional, muitas
experiências e aprendizados ocorreram. Isso foi um fator decisivo para a mudança de ótica
sobre muita coisa na vida. De fato, o trabalho, a riqueza do trabalhar não só as questões
profissionais como também as possibilidades críticas provenientes do relacionamento dos
seres humanos com a prática e o aprender a pensar, exercitando o “ser” - ou o estar sendo -
profissional de uma multinacional foram experiências enriquecedoras, gratificantes, sem
contar com a aprendizagem advinda dessa vivência.
Naquele momento histórico não era comum que as mulheres estivessem efetivamente
atuando no mercado de trabalho formal na sociedade baiana, imaginem uma mulher, casada,
que viajava por todo o Brasil, dando suporte técnico, secretarial e administrativo em outras
filiais. Isto sem contar com os 7 (sete) cursos de capacitação profissional e eletivos, anuais e
necessários para uma boa pontuação no programa de avaliação daquela corporação. As
pressões eram muito fortes, tanto por parte do eixo familiar, como da sociedade. Na realidade
só no ambiente de trabalho, onde compartilhava com outras mulheres independentes e homens
que, por contingência do convívio com outra visão de mundo, podiam compreender as colegas
de trabalho e até desejar que suas mulheres se comportassem da mesma forma.
Embora os meios de comunicação nos anos oitenta veiculassem a figura da mulher
executiva, liberada, intelectual, produtiva, a realidade do julgamento da sociedade era
negativo. Isso poderia estar sendo discutido nos meios acadêmicos ou nos espaços dos
movimentos sociais, mas na vida cotidiana preconceitos e discriminações aconteciam.
Apesar de toda essa problemática, espaços foram conquistados no ambiente de
trabalho que possibilitaram um constante processo de formação continuada, embora naquele
tempo essa expressão nem fosse mencionada. Enquanto inúmeros profissionais brasileiros não
tinham ainda os primeiros contatos com a informática e as telecomunicações, naquela
empresa as capacitações, os treinamentos, os benefícios e a cultura organizacional
diferenciada, onde os profissionais eram considerados como patrimônios da organização,
esses recursos eram oferecidos aos seus funcionários. Nesse momento, tive condições de me
aprofundar em cursos de inovação tecnológica, linguagens telemáticas, psicologia e gestão, de
recursos humanos e de projetos.
43
As propostas de formação abriram para o interesse de determinadas áreas do
conhecimento que estariam presentes em minha trajetória de vida acadêmica e profissional
futura.
2.2 APRENDENDO A SER FORMADORA E NOVOS CAMINHOS SE
ABRINDO
A trajetória na empresa privada também possibilitou para a procura de cursos de pós-
graduação lato sensu, pois naquele momento, também se iniciou em mim um desejo pela vida
da docência acadêmica. Entretanto por força de lógicas do mercado de trabalho e de outras
contingências da vida o desejo teve de ser adiado. O adiamento não me manteve distante das
relações de ensino e aprendizagem, agora em outros espaços.
Com o Curso de Formação em Consultoria Organizacional, tive condições de
estabelecer outros focos para minhas atividades profissionais e intelectuais. Ainda no Brasil
nos inícios dos anos noventa a palavra coach16
era completamente desconhecida nos meios
gerenciais e educacionais, e a consultoria organizacional me permitiu desenvolver esse
aspecto profissional nos ambientes em formação pelas tecnologias digitais e culturas
administrativas.
O termo inglês coach tem origem no mundo dos esportes e designa o papel de
preparador, o “técnico", como conhecemos. Exercer este papel requer o compromisso de
apoiar pessoas/profissionais a realizar metas, isto é fundamental na medida em que o coach
atua no campo do desempenho - resultado e realização pessoal - e influencia no
desenvolvimento de padrões éticos, comportamentais e de excelência. Para facilitar a
compreensão mutua desses valores e a troca rica de experiências, torna-se necessário que a
relação entre cliente e coach seja de muita confiança, portanto, este profissional incentiva a
prática do “feedback”. Essa prática, além de abrir um espaço para a confiança mutua,
proporciona a analise crítica da situação experienciada, abrindo espaço também para novas
perspectivas que ampliam a consciência do cliente e o fortalecimento da sua autoestima.
16
Traduzindo para o português: “treinador”.
44
Isto estabelece uma relação “ganha” a “ganha”, para os profissionais/clientes que
ganham valorização pessoal e desenvolvimento profissional, e, para as organizações o de uma
rede de formação contínua, comprometida com os resultados. Não mais estando nos quadros
da multinacional mencionada, esse período permitiu estabelecer trabalhos fixos e pontuais
com empresas e organizações de forte presença no cenário nacional e regional, como o SESI,
COELBA, INCRA, SERCOSE, Fundação Garcia D’Ávila, FABAC, FORTBRASIL, ATIVA,
SOSVida17
.
As maiores demandas das empresas e organizações eram para a realização de cursos
de capacitação em formatos de oficinas (workshop) para os diversos segmentos de
colaboradores. As demandas exigiam modelagens pedagógicas que me fizeram ter aquela
aproximação tão desejada com o universo educacional.
Com isso, pude trabalhar dimensões e conceitos tão preciosos sobre a educação e a
importância do ato de ensinar. O que decidi fazer na perspectiva de aprendiz, “reconstruindo
os caminhos” de minha própria curiosidade, como bem diz Paulo Freire sobre o aprendizado
do professor aprendiz,
O aprendizado do ensinante ao ensinar se verifica à medida em que o ensinante,
humilde, aberto, se ache permanentemente disponível a repensar o pensado, rever-se
em suas posições; em que procura envolver-se com a curiosidade dos alunos e dos
diferentes caminhos e veredas, que ela os faz percorrer. Alguns desses caminhos e
algumas dessas veredas, que a curiosidade às vezes quase virgem dos alunos
percorre, estão grávidas de sugestões, de perguntas que não foram percebidas antes
pelo ensinante. Mas agora, ao ensinar, não como um burocrata da mente, mas
reconstruindo os caminhos de sua curiosidade – razão por que seu corpo consciente,
sensível, emocionado, se abre às adivinhações dos alunos, à sua ingenuidade e à sua
criatividade – o ensinante que assim atua tem, no seu ensinar, um momento rico de
seu aprender. (FREIRE, 2001, p. 259)
Na nossa vida sempre estamos trabalhando com escolhas, dicotomizando e escolhendo
entre isso e aquilo, aquilo e isso, e, no meio acadêmico não poderia ser diferente. Escolhemos
qual o curso que queremos fazer; qual o tema, ou temas, que desejamos aprofundar nossas
pesquisas; que autores serão lidos. Enfim, estamo-nos (in)formando a partir de escolhas,
decisões, que vão efetivamente estabelecendo um caminhar analítico de ser ou não ser, de
estar ou não estar, no mundo. E, na perspectiva de Freire, o “[...] ensinante aprende primeiro
17
Serviço Social da Indústria, Departamento Regional da Bahia - SESI DR-BA; Companhia de Eletricidade do
Estado da Bahia – COELBA; Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA - SR BA.; Sercose
Corretora de Seguros; Fundação Garcia D’Ávila (Equipe de Apoio do Parque Garcia D’Ávila, patrimônio
histórico-cultural da Bahia); Faculdade Baiana de Ciências – FABAC, Equipe da FORTBRASIL (empresa de
factoring), Ativa (Empresa de Recursos Humanos) e SOSVida (Saúde).
45
a ensinar mas aprende a ensinar ao ensinar algo que é reaprendido por estar sendo ensinado”.
(FREIRE, 2001, p. 259)
É com esta visão que interajo com meus alunos. Uma escolha às vezes difícil, por
utilizar em minhas aulas a construção colaborativa do conhecimento, a perspectiva crítica,
autônoma. O que provoca inicialmente neles uma espécie de competição, até o momento que
compreendem a crítica como processo de feedback e não de avaliação simplesmente. E ainda
que, a avaliação é processual e não um castigo, como muitos veem no senso comum.
Com o pensamento ainda inebriado com estas sabias palavras de Freire. Imaginando o
acolhimento que elas representam para os alunos, me coloco neste papel/espaço no qual sou
também aluna e exponho minhas próprias impressões sobre a vida acadêmica. Como se pode
ver na próxima seção.
2.3 DA VIDA ACADÊMICA - PASSADO E PRESENTE
Na academia somos seres vagantes, iluminados, ou não, por novas ideias e ideais, em
eterna incompletude, eterna busca de perguntas e respostas quase nunca fechadas, completas
e/ou respondidas. Perguntas estas que nos levam a respostas evasivas, as quais, por sua vez,
nos remetem a novas perguntas, numa espiral enlouquecedora de conceitos e teorias
inacabadas e ricas de novas possibilidades, elementos, fenômenos, significados e
significantes.
Nesta busca de saberes que nos (in)formam e mantém viva nossa curiosidade
científica, vamos produzindo/construindo conhecimento, estabelecendo parâmetros
cognitivos, produzindo novos conceitos, que pensamos onipotentemente serem nossos, mas
que no fundo sabemos serem eles formados por vários discursos de outros sujeitos na busca
de produzir novos conhecimentos também incompletos nessa espiral infinita de aprendizagem
e (trans)formação humanas.
Como não poderia deixar de “ser”, voltamos ao humano, ou melhor, ao “ser do
humano” na busca de transmutar, o que remonta às histórias de outros seres humanos que
trouxeram ferramentas e tecnologias desde os mais longínquos sítios da vida humana para o
cotidiano do ser pragmático do “bicho homem”. Então, retomei a caminhada nessa espiral que
46
me atraia como um imã, à minha própria história, ao meu caminhar acadêmico na sua
cientificidade transformadora e me perguntei na época: Por que não tentar agora o
doutorado?
Essa minha história, que teve um começo onde, na maioria dos percursos acadêmicos
de outras pessoas seria o fim, o fechamento, de um processo de aprendizagem, de graduação
ou de pós-graduação, mas que para mim foi o início. A partir desse “beco”, desse afunilar do
momento da decisão, da dicotomia do “fazer” ou “não fazer” doutorado, me veio outra
questão: Para quem está fazendo Mestrado, o que significa fazer o doutorado?
Mais uma vez cheguei num momento de escolha, de uma nova escolha, e decidi fazer
o doutorado. Mas esta decisão me levou a um novo por que e a retomar do ponto onde tudo
começou na minha história acadêmica, um novo momento de êxtase, um passo na espiral de
aprendizagem, da (in)formação, e com este trabalho, pressupus responder a essa questão,
partindo dessa minha história.
Esta decisão de retomar minha história tem sua razão de ser, pois foi um caminhar
produtivo de construção de conhecimento até a decisão de fazer o Mestrado e a escolha do
tema a ser pesquisado.
Naquele momento, decidindo por continuar na trilha da (in)formação acadêmica, ao
escolher fazer a seleção 2010, para o Doutorado em Difusão do Conhecimento, escolhi
também que queria continuar aprofundando minha pesquisa do mesmo tema: a construção
colaborativa do conhecimento, numa perspectiva multirreferencial/complexa. Portanto, com
prazer fiz um breve histórico dos meus primeiros passos na academia, para elucidar o meu
percurso até o objeto proposto. Objeto este que -, embora não tenha permanecido, conforme
explicitado na tessela anterior a esta -, de certa forma, tinha ligação com o meu objeto de
Mestrado, pois o Curso de pós-graduação lato sensu, (In)formação de Gestores do
Conhecimento de Instituições Educativas, foi o produto final que teve origem na construção
colaborativa do conhecimento que analisei criticamente naquela dissertação.
O start, o ponto de partida, para transdução do meu caminhar acadêmico se deu a
partir do convite da REDPECT, em dezembro de 2006, para realizar um trabalho
organizacional naquela rede de pesquisa. Este foi um convite desafiante que se configurou
numa oportunidade de executar, pela primeira vez, um trabalho de consultoria numa
instituição/organização universitária, de nível federal, por três motivos: 1) por se tratar de um
trabalho inovador; 2) por retornar à UFBA, instituição através da qual me graduei e que vi a
47
possibilidade de retribuir essa graduação gratuita; 3) pela perspectiva de realizar o sonho de
fazer o Mestrado, alimentado há alguns anos.
O trabalho basicamente consistia em: construir rotinas, normas, protocolos e outros
procedimentos, visando associar à cultura de pesquisa, ali instalada, matrizes de gestão
organizacional contemporânea, com ênfase na gestão da informação/conhecimento. Essas
atividades foram executadas juntamente com os membros da REDPECT, durante três meses.
Nesse espaço/tempo, engajei-me num dos grupos temáticos da Rede, o de Ciência da
Informação e Desenvolvimento Regional (CID)18
, dando suporte aos pesquisadores, bolsistas
de Iniciação Científica, estagiários, bem como apoiei, na medida das necessidades, os outros
quatro grupos temáticos.
Em paralelo às demandas organizacionais, foram surgindo oportunidades de participar
mais diretamente da produção acadêmica da REDPECT e como Bolsista de Apoio Técnico 2
(AT2), através da FAPESB19
, no Projeto de Gestão do Conhecimento no Cenário Brasileiro:
espaço de produção do conhecimento e (in)formação de gestores – GCCB, ingressei ainda
embrionariamente no mundo da pesquisa. Então, no período de julho de 2007 a agosto de
2008, dei suporte técnico aos pesquisadores da rede para a efetivação das
Atividades/Objetivos Específicos traçados pelo perfil da bolsa.
Sem perceber, fui cumprindo as três motivações maiores para aceitar o convite de
(re)organizar a REDPECT. O trabalho inovador foi fluindo, fui conhecendo aos poucos os
elementos que constituíam aquela rede de pesquisa, as linhas de pensamento dos
pesquisadores, além de me sentir gratificada por estar de alguma forma colaborando com a
instituição que me proporcionou um espaço gratuito de (in)formação.
Na época esta experiência foi aguçando o desejo de aprofundar minha formação
acadêmica; e, sabendo da ligação entre o projeto GCCB e os cursos que eram oferecidos no
PPGE-FACED, em 2007.1, resolvi prestar seleção para aluna especial. Aprovada, me
matriculei na disciplina EDC-A27 Educação a Distância (EAD).
Foi quando estabeleci o primeiro contato prático com a “construção colaborativa do
conhecimento” e a primeira versão do mencionado curso, então intitulado: Curso de
Formação de Gestores do Conhecimento - CFGC (1ª. versão, construída coletivamente no
18
O CID na época era considerado um sub-grupo da REDPECT, mas a partir de 2009, com a mudança de
coordenação e paradigmas passou a ser considerada uma linha de pesquisa da REDPECT. 19
Fundação de Apoio a Pesquisa do Estado da Bahia.
48
semestre 2006.2, na disciplina EDC-704 – EAD e Difusão do Conhecimento). Finalmente,
pensava, retomei o meu sonho de fazer o Mestrado.
Os alunos-professores produtores da disciplina EDC-A27 EAD, tinham como objetivo
desconstruir, para reconstruir, o CFGC, que na sua proposta inicial foi estruturado em três
módulos. Participei com os colegas de turma, organizados em grupos, da análise crítica e da
reformulação do curso. Construímos um novo espaço no AVA20
/Moodle/UFBA, um fórum de
interação e planejamos a produção da segunda versão desse curso.
A partir deste ponto surgiram as primeiras questões que originaram a minha pesquisa.
Em 2007.2, esse processo de reconstrução teve sua continuidade na disciplina: EDC-A69
Currículo e Educação a Distância, quando foi construída a estrutura do CFGC. A experiência
desse processo complexo proporcionou uma significativa aprendizagem coletiva, e deixou
também uma série de interrogações sobre um construir tenso, cheio de idas e voltas e sempre
inacabado, que me provocaram para a problematização do meu Anteprojeto de Mestrado.
Não imaginava na época, que a partir dessa rica experiência estava
referenciando/problematizando questões que me motivaram para a elaboração de um conceito
de construção colaborativa do conhecimento e um objeto de investigação para uma tese de
doutorado, como veio a acontecer.
A realidade naquele momento era que, o curso foi se desenvolvendo/evoluindo ainda
em mais duas outras versões, nas CVA21
, assim como aconteceu nas três disciplinas citadas
anteriormente (em 2006.2, 2007.1 e 2007.2), e também em duas disciplinas oferecidas pelo
DMMDC: EDC A94 – Info-educação e Educação a Distância (2009.1) e EDC A93 GC e
Aprendizagem Colaborativa (2009.2). Nestas duas últimas, foram produzidas a quarta e
quinta versões do curso de especialização, respectivamente. Tive a oportunidade de participar
dessa construção na última dessas duas disciplinas.
Além de todas as versões citadas neste projeto, foi ainda destas construções que: se
originou a primeira proposta do Mestrado em Difusão do Conhecimento; dois artigos; um
capítulo de livro e duas apresentações em eventos científicos, sendo que uma delas foi feita
por mim no KM Brasil 2009 – Knowledge Management Brasil: 8º Congresso Brasileiro de
Gestão do Conhecimento.
20
Ambiente Virtual de Aprendizagem, ou Ambientes Virtuais de Aprendizagem. 21
Comunidades Virtuais de Aprendizagem, ou Comunidade Virtual de Aprendizagem.
49
Chegou finalmente a seleção para o Doutorado e fiz minha escolha propondo um
estudo experiencial em processo, durante o acontecer daquele curso de especialização, o que
pressupunha ser uma proposta inovadora, não só pela formação incomum, pois se tinha
notícias na época de apenas três cursos de Mestrado e um curso de Especialização em GC a
nível nacional, localizados no sul do país, como também por que os conceitos de gestão eram
mais trabalhados nas ciências administrativas, como abordei mais especificamente no subitem
Problema do meu projeto para a seleção de doutorado.
Selecionada, iniciei meu processo de doutoramento em 2011. Atualmente estou
cursando meu último ano no Doutorado em Difusão do Conhecimento, vinculada a Linha de
Pesquisa 1 - Construção do Conhecimento: Cognição, Linguagens e Informação, que tem
como objeto “a geração do conhecimento, sua relação com diferentes linguagens e processos
cognitivos e informacionais”, e ainda,
[...] que visa desenvolver estudos relativos à análise cognitiva e à modelagem do
conhecimento, buscando aprofundar as relações entre criatividade, construção de
conhecimento, linguagens que permitem a comunicação deste conhecimento,
codificação deste como informação e aprendizagem. (DMMDC, 2006, s.p.)22
Como se pode ver através desta, que é uma das três linhas de pesquisa do DMMDC, o
curso é um complexo que tem como objetivo maior “instituir e consolidar a área
interdisciplinar de pesquisa em análise cognitiva relacionada aos processos de criação,
organização, gestão e, especialmente, difusão do conhecimento”. (APCN, 2007, p. 1)23
Neste processo/estudo, pude exercitar o aprendizado do “Analista Cognitivo”,
formação proposta por este doutorado, pesquisando a Análise Cognitiva – AnCo, juntamente
com a linha de pesquisa CAOS24
, da REDPECT/UFBA a qual estou vinculada.
A AnCo, na perspectiva que pesquisamos, busca tornar o conhecimento um bem
público, ponto de partida da investigação para o entendimento dos processos de produção,
organização, difusão e transformação do conhecimento. O CAOS hoje procura contribuir para
consolidar, instituir, a Análise Cognitiva como um campo do conhecimento, investigando os
referenciais da cognição, da produção e difusão do conhecimento, através do mapeamento e
estudo dos clássicos e pesquisas sobre a frequência do termo e as áreas que o utilizam.
22
Disponível em: http://www.difusao.dmmdc.ufba.br/node/84. 23
Disponível na APCN CAPES – Caracterização do Curso, aprovada em 30/07/2007, pela CAPES. As APCN
definitivas datam de 02/09/2007. 24
Conhecimento: Análise Cognitiva, Ontologia e Socialização – CAOS, Linha de Pesquisa da REDPECT.
50
Portanto, uma ampla investigação na busca de superar a segregação sócio-cognitiva de
grandes faixas carentes da população.
Em paralelo aos estudos na linha de pesquisa CAOS estou envolvida em atividades
outras na academia, como esta pesquisa de doutorado, que está voltada para o tema:
construção colaborativa do conhecimento, numa perspectiva multirreferencial, complexa.
Minha investigação tem como objeto a compreensão e difusão do processo de construção
colaborativa do conhecimento em duas redes de pesquisa a REDPECT e a RICS -, das quais
se origina o DMMDC -, que se propõem (in)formar pesquisadores e analistas cognitivos;
respectivamente, fundamentando esta construção como uma modelagem cognitiva em
mosaico, complexa e multirreferencial, que acredito facilitadora para a transformação do
conhecimento em bem público.
Para esta investigação/análise, será utilizado o Método de Análise Contrastiva - MAC,
o qual promove meios de analisar detalhadamente as informações, de maneira horizontal,
vertical e transversal, reconstituindo, escrutinando e sistematizando as informações. Este
sistema analítico foi criado por Fróes Burnham25
, em seu Doutorado, e é o método de análise
comumente empregado pelos integrantes da REDPECT nas suas investigações de Iniciação
Científica, Mestrado, Doutorado e Pós-doutorado.
Sintetizando, nesta narrativa apresentei o meu caminho de (in)formação de uma
professora que luta pelo pensamento crítico dos seus alunos; uma pesquisadora que busca
compreender a complexidade dos fenômenos e a articulação dos conceitos com a vida humana
-, o científico e o epistêmico; uma doutoranda que busca, através do estudo da construção
colaborativa do conhecimento, não só humanizar as relações, mas e/também encontrar um
caminho para tornar o conhecimento um bem público.
Concluo esta narrativa, apresentando como ilustração da minha vida prática, ou seja, a
práxis pedagógica das aulas de gestão e técnicas secretariais, na Escola de Administração da
UFBA – EAUFBA, como Professora Substituta e orientadora de Iniciação Científica, para
alunos de graduação. Esta sem dúvida foi a oportunidade esperada de retribuição à instituição
que me (in)forma e “reforma”, como diz Freire. A contribuição com os iniciados na vida
acadêmica e o retorno às origens, à área de administração, após longa viagem sobre diversas
áreas do conhecimento. Talvez um exercício de “disjunção”, como diz Morin, para a 25
Professora da UFBA, orientadora dos programas de pós-graduação em Difusão do Conhecimento (DMMDC)
e em Educação (PPGE) na UFBA, pesquisadora da REDPECT, na linha de pesquisa CAOS, Pós-doutora em
Sociologia e Política do Currículo, na University of London, Doutora em Fiolosofia pela University of
Southampton, Mestre em Educação pela UFBA, e Licenciada em História Natural pela UCSAL.
51
(re)ligação dos saberes, mas com certeza um exercício diário da construção colaborativa,
processo utilizado nas aulas que ministro.
Finalizado esse exercício de (re)ativação de memórias para contar minha história de
vida, resolvi aprofundar na próxima seção, um pouco mais da minha relação com a
REDPECT, a partir das minhas percepções individuais de questões que envolvem o cotidiano
desta rede, deste “espaço multirreferencial complexo de aprendizagem”.
2.4 UMA REDE DE PESQUISA MULTIRREFERENCIAL – IMPRESSÕES
INDIVIDUAIS
Descobri, a partir de um discurso de Fróes Burnham em sala de aula que esta tese
quase que em sua integralidade se institui como uma extensa pesquisa, desde o início do
processo de aprendizagem, pois meu retono a academia, conforme mencionado na introdução
deste projeto, após anos de experiências profissionais no mundo empresarial (me graduei em
1978 e retornei em 2006), me obrigou a investigar exaustivamente na literatura, em
periódicos, em documentos, arquivos, os saberes que me eram apresentados na REDPECT.
Muito desse material pesquisado/estudado inclusive eram para mim novos,
desconhecidos, devido minha formação em Secretariado Executivo, tanto em nível do
científico, pois fiz curso técnico (na época equivalente), quanto a nível universitário.
O tema da aula ministrada por Fróes Burnham a qual me refiro, versava sobre
“Experiência fílmica e práticas educativas pedagógicas” – estava como estagiária do mestrado
em educação, participando na sua disciplina de graduação: EDC 271 – Iniciação ao trabalho
acadêmico, em 2010.2 -, no discurso mencionado ela dizia que os filmes são como
“documentos que tem marcas textuais de ficção e estrutura”, e ainda que:
O cinema ao mesmo tempo em que lhe dá [o lúdico], cria uma epistefilia, ou seja, a
vontade de saber cada vez mais, o prazer de ter acesso àquela realidade, o mergulho
diegético (a ficção, a estrutura dramática), à vontade e o prazer de se perder naquilo
que se vê, se relacionando com a própria história de vida. (FRÓES BURNHAM,
2010, s.p.)26
26
Referência não publicada, pois faz parte dos meus apontamentos/registros no referido estágio.
52
Esta citação reflete exatamente como me sentia na REDPECT, trabalhava em tempo
integral, oito, dez horas, e até mais tempo, quando estávamos construindo projetos e
relatórios. Chegamos várias vezes a permanecer na faculdade trabalhando durante toda a
noite, inclusive, após a implantação do DMMDC, dando suporte a coordenação do doutorado.
Repetimos esta situação para cumprir o prazo do sistema de “Coleta CAPES”. Entretanto, isto
não se caracterizava como uma carga cansativa, pois aproveitava cada minuto, pesquisando
todo o material novo e desafiador que me chegava às mãos.
Estar na rede, observando, enfrentando novas demandas, novos saberes, práticas, era
como assistir e ao mesmo tempo participar de um filme, “ficção e estrutura”, como ela dizia
na aula; “a vontade de saber cada vez mais”, participar do “prazer de ter acesso àquela
realidade”, após tantos anos de distância, vivendo a realidade dura da vida prática, do
conhecimento muito operacional, de gestão e do senso comum. Então, tudo era novo,
inovador, revigorante, exercitar o “estar” estudante, pesquisadora, o intelecto, me embriagava,
me fazia mergulhar “na vontade e [no] prazer de me perder” no que observava, participava,
Realmente, apesar de não ser um filme, ao fazer parte da dinâmica, do cotidiano da
REDPECT, uma rede de pesquisa não simplificadora, ao contrário, complexa,
multirreferencial, me perdia no que ouvia, via, experienciava, investigava, estudava, para
compreender. Isto me levava a relacionar a rede com minha “própria história de vida”, o que
me ia (re)formando, (in)formando, (trans)formando. Isto acontecia principalmente após o caos
que todas as questões, reflexões provocavam. Conforme exposto na aula, sobre “ficção” e
“estrutura”: “como aproximação e um afastamento do mundo real, ida e volta, então acontece
a formação”. (FRÓES BURNHAM, 2010)27
Foi essa busca incessante de (in)formação que me levou ao mestrado e logo após ao
doutorado, a ideia de dar continuidade a minha formação acadêmica, mudando totalmente de
área do conhecimento e profissional, uma louca experiência, que muitas vezes me fez sentir
perdida, insegura, as vezes até incompetente.
Horas em que tive vontade de abandonar tudo, desistir. Entretanto, alguma coisa maior
que minha vontade me impelia a continuar, e, uma delas se revelou na “ideia de formação”
apresentada por Fróes Burnham naquela aula, qual seja: “tornar-se o que é, do acumulo de
experiência e o processo de se conhecer, como ser no mundo, sabendo-se que [nesse
processo] vai se formando”, e ainda que, “toda experiência que lhe faz se perder e se achar,
27
Idem nota anterior, número 25.
53
forma”. Isto me deu forças para continuar. Foi através desta experiência que descobri a
modelagem de produção em mosaico criada pela REDPECT.
Exponho então na próxima subseção, a título de ilustração, uma primeira
aproximação/evidência das produções da rede, uma coletânea de textos de autores-
pesquisadores da REDPECT, os quais compõem um livro. Esta ilustração está fundamentada
com a apresentação do livro por Xavier & Matos (2012, p. 9-18), integrantes da rede. Um
exemplo prático de uma construção colaborativa do conhecimento, modelada em mosaico.
2.4.1 O Mosaico Colaborativo – Um Saber da REDPECT
A produção do grupo CAOS/REDPECT acontece a partir de uma “proposta de
(co)participação e (co)autoria”. (XAVIER e MATOS, 2012, p. 9). Segundo eles (2012, p. 10),
“[...] cada texto” do mencionado livro, “se apresenta como um espaço de aprendizagem na
medida em que se produziu colaborativamente conhecimento, a partir de
informações/experiências particulares”, que se revelaram “coletivas, [...] como se construíram
autorias/autorizações, buscando oferecer múltiplas possibilidades significativas de tratar com
o conjunto de temáticas” abordadas.
Neste livro são apresentados trabalhos de diferentes áreas do conhecimento. Xavier e
Mattos (2012) elencam estas áreas dizendo que estão “envolvidas/comprometidas com a
educação contemporânea nas quais estão implicadas questões/desafios como”:
[...] a Análise Cognitiva como um novo campo de conhecimento
inter/transdisciplinar;
[...] a responsabilidade deste campo em relação ao desenvolvimento de processos de
trabalho com o conhecimento visando a torná-lo um bem acessível a todas as
camadas da população;
[...] a relevância do compromisso com a transformação do conhecimento produzido
por comunidades específicas em conhecimento público, inclusive passando pelo
estado intermediário de conhecimento escolar;
[...] o papel da educação, especialmente pública, para o acesso a esse conhecimento;
[...] a questão da permanência de populações de baixa renda na escola;
[...] a construção curricular referenciada e também inter/disciplinar;
[...] a relação ensino/aprendizagem baseada na autonomia e na construção
colaborativa do conhecimento;
[...] a (in)formação do cidadão trabalhador na sociedade da informação, do
conhecimento e da aprendizagem;
[...] A legitimação de saberes produzidos por diferentes comunidades;
[...] A gestão do conhecimento como atividade humana comprometida com o
desenvolvimento de comunidades, organizações/instituições e indivíduos sociais,
articulando as áreas de Ciência da Informação e Educação, procurando contribuir
com a instituição do campo da Info-Educação... (XAVIER e MATOS, 2012, p. 10)
54
Análise Cognitiva, Educação, Currículo, Construção Colaborativa do Conhecimento,
Interdisciplinaridade, Ensino/Aprendizagem, (In)formação, Conhecimento, Gestão do
Conhecimento, Info-Educação, portanto, inúmeros temas que envolvem e se implicam com
diversas áreas do conhecimento, porém que se concretizam a partir de um trabalho, que se
propõe coletivo/colaborativo, a medida que seus autores constroem em grupo, em rede de
pesquisa e discutem/refletem com os integrantes desta rede.
Não só estas questões estão implicadas e se explicitam nos textos, mas também são
bases epistemológicas para construção de conhecimento, pois segundo Xavier e Mattos (2012,
p. 10), os textos objetivam,
[...] contemplar diálogos possíveis entre diversas compreensões epistemológicas
estruturadas numa tríade – Currículo, Educação a Distância e Gestão/Difusão do
Conhecimento (G/DC) – constituindo-se assim como um exercício de Análise
Cognitiva em Espaços Multirreferenciais de Aprendizagem, pois a perspectiva dos
pesquisadores se alicerça no compromisso não só de disseminar entre pares, mas
também divulgar para um público mais ampliado saberes construídos ao longo das
investigações que realizaram conjuntamente.
Além disto, a construção coletiva/colaborativa de textos no CAOS/REDPECT dá
continuidade a um caminho epistemológico, multirreferencial, que se constrói a medida das
pesquisas da REDPECT, desde a década de 70, quando ainda se buscava nos estudos sobre
currículo respostas para publicizar e valorizar o conhecimento construído no senso comum,
em comunidades, em experienciações, em histórias da vida cotidiana, das mais diversas.
Então, quando Xavier e Mattos (2012, p. 11), dizem que a
[...] publicação do livro Análise Cognitiva e espaços multirreferenciais de
aprendizagem, [...] seja vista, por um lado, como uma tecnologia de mediação que
facilita a socialização do que vimos produzindo ao longo desses mais de 20 anos.
Por outro lado, que ela possa ocupar o lugar de uma maquinaria de interação/inter-
relação, capaz de potencializar o pensamento multirreferencial sobre as
questões/desafios aqui apresentados, desdobrando-se em reflexividade no e com o
fazer cotidiano da (in)formação-pesquisa nos mais diversos espaços considerados
como locus social de produção de conhecimento/aprendizagem [...]
Pode-se interpretar que em potência, as discussões e reflexões dos redpectianos se
caracterizam num saber em processo, que se constrói coletiva/colaborativamente e que, mais
que ideologicamente, concretiza o caminho metodológico da análise contrastiva de recortes -,
de maneira horizontal, vertical e transversal -, das relações entre conceitos ontológicos,
emergentes e suas articulações para construção, difusão e disseminação das (in)formações
transformadas em conhecimento. Mosaicos, de saberes diversos. Considera-se aqui esta
constatação como evidência da busca dos autores-pesquisadores da REDPECT, para
55
compreender e trazer a tona este saber que desemboca nos últimos trabalhos desta rede de
pesquisa, a AnCo.
Assim como a metodologia de pesquisa utilizada pelos autores-pesquisadores da
REDPECT, sejam eles de Iniciação Científica, Mestrandos e/ou Doutorandos, a “composição”
(XAVIER e MATTOS, 2012, p. 11), do mencionado livro é considerada pelos autores como
“[...] um mosaico, formado por [...] tesselas maiores [...]” e “[...] menores.”, estas últimas que
“[...] procuram mostrar o processo da Análise Cognitiva em ação – no modo como se constrói
cada texto a partir da análise de uma determinada literatura [...]”, experiências vividas,
trabalho no campo empírico, e/ou a utilização dos dois, procura-se então:
[...] tra(ns)duzir o que já está publicado em termos de produção acadêmica ou o que
se vem construindo no cotidiano do espaço (in)formativo da pesquisa. [...] analisam-
se significados e sentidos, (re)arranjam-se conteúdos, translocam-se posições,
(re)escrevem-se casos, com visadas outras, diferentes daquelas originalmente
apreendidas/apropriadas, de modo a aproximá-los dos sistemas de referência com
que se vem – a um só tempo -, labutando/brincando.
Uma labuta/brincadeira séria de pesquisa, mas de um prazer incomensurável para cada
autor-pesquisador, quando sente que conseguiu construir conhecimento, um conceito, em
linguagem do senso comum: “descobriu a pólvora”, exercitando sua autoria/autonomia,
naturais nesta (in)formação. E se surpreende ao perceber que precisa dividir o mérito com os
colegas e autores, com os quais dialogou e a ética assim o exige. Entretanto, esta constatação
não é decepcionante, pois como se utiliza a perspectiva de uma visada multirreferencial, todas
as ideias e saberes trazidos pelos integrantes do grupo são muito importantes e válidos, e, de
nenhuma forma desvaloriza o indivíduo, pois este também se sente e/ou, principalmente, se
permite ser autor.
A maneira como é apresentada a AnCo no livro, é a de pesquisadores na busca de
consolidá-la, instituí-la, como um novo campo do conhecimento. Xavier e Mattos (2012, p.
11) dizem sobre esta proposta que:
Os capítulos referentes a Análise Cognitiva [...], têm como propósito trazer à
discussão a pesquisa que se vem realizando sobre as origens e expansão deste novo
campo do conhecimento, procurando estabelecer algumas bases iniciais para
subsidiar a construção – que se sabe gradual e lenta – de seu estatuto epistemológico
[...].
O capítulo do livro que aborda a pesquisa multirreferencial, a educação e a
socialização do conhecimento, “[...] desdobra-se no aprofundamento da epistemologia
multirreferencial, movimento atual que busca superar as limitações [...]” das investigações
56
“[...] consideradas [...] convencionais” de “[...] visão fragmentária, geralmente circunscrita a
um domínio unidisciplinar, dos fenômenos educacionais/educativos [...].” Xavier e Mattos
(2012, p. 11)
Pode-se dizer então que, este saber em mosaico, a forma de fazer pesquisa acadêmico-
científica da REDPECT, aprofunda a questão da transversalidade, através da análise
contrastiva, ao utilizar a base teórico-espistemológica da multirreferencialidade,
complexidade, preenchendo assim as lacunas deixadas pelo isolamento das disciplinas. A
fragmentação unidisciplinar a que se referem os autores.
2.4.2 REDPECT e a pesquisa Acadêmico-científica
O saber em mosaico, não é uma prática consciente para todos os autores-
pesquisadores na REDPECT, só aqueles que aprofundaram mais o estudo do Método de
Análise Contrastiva, a emergência da AnCo na tese de Fróes Burnham e os conceitos de
difusão do conhecimento e da própria AnCo - fundamentados na caracterização da proposta
do DMMDC, as suas bases epistemológicas -, possuem um pouco mais desse conhecimento.
Embora, como diz Fróes Burnham nas aulas de AnCo, “os caminhos trilhados ainda são
caminhos muito pantanosos”, para a instituição da AnCo como um campo do conhecimento.
Isto envolve outras áreas/epistemologias, mas eles trazem à tona uma maneira diferenciada de
busca, de mineração, não de dados simplesmente, mas informações, inclusive as mais
subjetivas. Mas, questiono: Como analisar e trazer à tona informações que são tão
subjetivas?
Esta é uma das questões que norteiam os estudos da REDPECT na atualidade.
Através do MAC, os autores-pesquisadores buscam encontrar como os conceitos se
relacionam, como se articulam, para a construção de conhecimento. E mais, não só a
construção de conhecimento, mas a transformação de conhecimentos/conceitos que emergem
na busca dessa construção, a partir do contraste entre o que é investigado e o
levantamento/estudo da literatura.
Na REDPECT cada autor-pesquisador se apaixona por um tema, e, não só se apaixona,
é provocado pelos temas/objetos que circulam nessa rede de pesquisa. Por exemplo, eu fui
provocada pela ”construção colaborativa do conhecimento", outros são provocados pela
“multirreferencialidade”, pela “interdisciplinaridade”, pela “genética”, pela “robótica
educativa”, pelos “jogos eletrônicos”, pela “educação à distância”, e por ai vai. Só que essa
57
paixão não é uma coisa só nossa, essa paixão é algo provocado pelo saber da mediação, dos
professores-orientadores -, também autores-pesquisadores -, da REDPECT. Este saber instiga
o caminhar de cada um, dia a dia, a cada encontro nas reuniões do grupo de pesquisa, a cada
discussão em rede. E o mais importante, é que seja qual for a opinião, feedback ou descoberta,
é tratada com o mesmo respeito por todos, indistintamente.
Quando algumas pessoas dizem que a REDPECT pulsa, o meu orientador -, enquanto
professor-orientador, integrante da rede -, é uma dessas pessoas, e penso que quando se fala
em pulsar, se fala da existência de uma corrente invisível que percorre essa rede, como se
fosse “sangue correndo nas veias” de quem nela convive. Uma rede viva, de emoções, de
sensações, de subjetividades, intersubjetividades, experiências, práticas, de um caminhar vivo,
até de disputas de poder/território, mas sem certezas absolutas ou verdades concretas.
Na realidade, acredito que existe outro elemento deste saber em rede, representado por
este pulsar que é o “expandir” e o “encolher” da rede, a efemeridade das “entradas” e “saídas”
dos autores-pesquisadores, ao seguir seu próprio caminho acadêmico-científico. Ao irem à
busca de concretizar suas escolhas de temas/objetos, ou ao darem continuidade a estes em
outros “espaços de aprendizagem”.
Na minha percepção, os autores-pesquisadores desta rede de pesquisa vivem em busca
de uma coisa maior que apenas “explicar” a construção do conhecimento. Para eles o
importante não é o explicar, é o saber, é o buscar compreender, é o articular os conceitos, a
teoria com fenômenos do senso comum. O que acredito se constitui numa corrente
filosófica/epistemológica. E, a partir das inter-trans-subjetividades destes sujeitos, da
compreensão, da interpretação, da auto-organização, do compartilhamento, da mediação, do
que se investiga/constrói em processo de colaboração. Analisando e observando essa rede
durante esses nove anos (desde 2006.2), eu vejo que, existe esse saber que busca a
compreensão e não a explicação, dos fenômenos discutidos em rede, e que este facilita o
trabalho destes autores-pesquisadores desde a Iniciação Científica até o Pós-doc.
Essa paixão pelo conhecer, pelo investigar, próprias da curiosidade dos seres humanos
em busca de transformações/mudanças/soluções, a questão do afeto embutida no acolhimento
aos visitantes, quando provocadas por este saber da/em rede -, seja pelo respeito acadêmico-
científico, ou institucional; pela necessidade de fundamentação teórica das suas
pesquisas/investigações; pela simples busca do próprio saber; pela necessidade de
reconhecimento/aceitação; ou até, pelo contraponto aos temas que pesquisam -, o retorno
relatado informalmente por integrantes da rede e visitantes é positivo.
58
A satisfação de pessoas que experienciaram participar das reuniões/discussões da rede,
e a manifestação do desejo de continuar participando e a falta que sentiram quando não
puderam mais fazê-lo, me fizeram crer não só que a experiência foi positiva como também
satisfatória e prazerosa28
.
As discussões nas reuniões da REDPECT são muito enriquecidas no discurso dos
professores-orientadores e dos autores-pesquisadores. A partir da provocação, que lembra a
parturição socrática (ARAÚJO, 2012, p. 8), na qual “o mestre extrai, com as questões bem
postas, bem conduzidas, o que foi esquecido quando a alma se tornou prisioneira do corpo”,
sem alusões de cunho religioso. Este é o método socrático da interrogação, também conhecido
como maiêutica. Sem perceberem, os pesquisadores vão sendo conduzidos à reflexão, pela
mediação, pelo compartilhamento, por novos saberes, práticas, à auto-organização e a
compreensão destes, para encontrarem respostas às suas questões de pesquisa, de
investigação.
2.4.3 A Iniciação Científica – Elemento de base do Mosaico
Estamos falando de uma rede de pesquisa que, utilizou como recurso pedagógico a
educação à distância, processos de iniciação a pesquisa, a análise contrastiva. Recursos
pedagógicos da construção colaborativa, da parição das ideias, da discussão de conceitos
clássicos e também contemporâneos, da cartografia dos pensamentos de diversos autores. A
“encruzilhada de diversas epistemologias”, como disse meu orientador, o Prof. Eduardo
Oliveira no meu processo de orientação.
Estamos falando de uma rede que, usou um caminho alternativo para enfrentar o
neoliberalismo. Que através da transversalidade, buscou na autonomia, na autoria, na
produção do conhecimento de maneira colaborativa, multirreferencial/complexa, desmistificar
a estratégia do capitalismo para manipulação dos saberes, práticas. Lutando contra a
territorialidade, a apropriação indébita dos construtos de outras comunidades, na sua busca de
tratar o conhecimento como um bem público, de respeitar esse conhecimento
tradicional/ancestral, de buscar nesses saberes a articulação de conceitos que, na época, eram
considerados unicamente científicos, universais, uma verdade absoluta.
28
Embora não tenha como formalizar essa afirmação, porque a estou baseando apenas em comentários de
visitantes às reuniões da rede, pretendo fundamentá-la com as entrevistas aos autores-pesquisadores, que fazem
parte da “Tessela 5 Construção Colaborativa do Conhecimento: Como uma Trajetória se transforma em história
e a história é uma Tra(ns)jetória”, na qual serão apresentadas as análises.
59
E, as redes, em seu caminho, se pensarmos nas características de suas estratégias,
buscou espaços, soluções alternativas, tecnologias, infraestrutura para as pesquisas,
investigações, desde o NEPEC e até a bem pouco tempo/estudos atrás, enfrentando de
maneira estratégica as limitações impostas pelo neoliberalismo. O verticalismo ainda existe, o
horizontalismo ainda existe, mas a transversalidade - concretizada no Método de Análise
Contrastiva - busca dar conta da separação das áreas de conhecimento e suas epistemologias -
separadas pela disciplinaridade.
As redes e seus autores-pesquisadores, considerando cada conhecimento, cada área,
como muito importante para a vida dos seres humanos, não apenas a formação, mas sim a
(in)formação29
destes seres, profissionais, acadêmicos, cientistas, buscou contrastar os
conceitos de cada área. Fazendo uma análise não só vertical e horizontal, mas também
transversal nas suas investigações, fez com que essas áreas conversassem, seus conceitos
fossem articulados e refletidos como muito importantes para (in)formação desses autores-
pesquisadores, não só de doutorado, de pós-doc e de mestrado, mas também, e
principalmente, os de iniciação científica, criando um saber diferenciado, político-crítico-
analítico, a inteligência coletiva dos seus integrantes.
Diz Fróes Burnham (2009)30
que, “[...] mais do que modelar o conhecimento, é fazer
com que as áreas se conversem, para tornar o conhecimento compreensível. Eu descobri o
nível de detalhe que eu contrastava a literatura, na verdade o que estávamos fazendo era
análise cognitiva”.
Isto porque, era uma (in)formação que levava a formação de uma escola, de um saber,
que eu defendo hoje, como, existente e atuante numa REDPECT que eu conheci, atuante hoje
nas discussões do CAOS, em todos os projetos que passaram pela rede durante esse período.
Isto por que, as discussões eram ricas, diversificadas, multirreferenciais, aceitava a
complexidade de todos os temas e buscava compreensão dessa complexidade.
Talvez, Morin seja considerado como um contrabandista dos saberes, mas ele, na sua
trajetória, busca essa união das disciplinas, uma prática dessas redes nas suas
produções/construções colaborativas. Uma experiência reconhecidamente rica por visitantes e
autores-pesquisadores das redes, como se pretende ilustrar na tessela dos
29
Perspectiva da REDPECT que será detalhada na Tessela 5, quando da apresentação do histórico destas redes
de pesquisa. 30
Em 05/06/2009, no seminário semestral de planejamento da REDPECT (registro/anotações que fiz durante o
evento).
60
levantamentos/análises de informações. Nas discussões em rede, cada fala, cada discurso,
cada opinião, cada sugestão era ouvida, mesmo as mais simples. As pessoas se sentiam
valorizadas, reconhecidas.
Então, quando eu cheguei à rede, me sentindo solta no mundo, e comecei a participar
dessas discussões passei a me sentir fazendo parte finalmente de uma tribo, e, quando falo
tribo, vou aos meus antepassados índios que me inspiram tanto. A generosidade, humildade,
bondade, hospitalidade, que dedicaram a todos os povos estrangeiros que aqui aportaram -
apesar de chegarem na condição de colonizadores. Vieram, colonizaram, trouxeram suas
culturas, e hoje, nós temos um povo rico de cultura diversificada. Não foi só a globalização
que fez isso, todo esse processo de colonização levou o brasileiro a ser como é hoje, ele não é
assim à toa. Pagou um preço elevado, mas é hoje um povo, de maneira geral, solidário,
hospitaleiro, de energia leve, alegre, criativo. Isto remete a questão do ser humano no mundo,
construindo com o mundo e sendo construído por ele, na visão de Maturana e Varela (2007, p.
10).
Nossa trajetória de vida nos faz construir nosso conhecimento do mundo - mas este
também constrói seu próprio conhecimento a nosso respeito. Mesmo que de
imediato não o percebamos, somos sempre influenciados e modificados pelo que
vemos e sentimos. Quando damos um passeio pela praia, por exemplo, ao fim do
trajeto estaremos diferentes do que estávamos antes. Por sua vez, a praia também
nos percebe. Estará diferente depois da nossa passagem: terá registrado nossas
pegadas na areia - ou terá de lidar também com o lixo com o qual porventura a
tenhamos poluído.
Pensar neste ser humano e ou/no mundo, também nos remete a pensar na filosofia, que
reflete/problematiza os problemas do mundo e o reflexo destes na vida dos seres humanos. E,
quando cheguei à rede, trazendo uma bagagem de uma experiência de dezoito anos numa
multinacional, reconhecida no mundo empresarial como uma instituição de sucesso31
,
decepcionada, manipulada por todo um sistema capitalista, frio, desumano, fiquei encantada.
Não só com o acolhimento que fui recebida, como também com o leque de possibilidades que
se abriu para minha formação.
31
A multinacional a que me refiro, foi a pioneira na invenção e comercialização das TIC e, por muitas décadas,
considerada a primeira no ranking desse segmento de mercado. Porém, sempre pensando na acumulação de
bens, de capital, se perdeu no calculo das consequências da utilização dos programas de qualidade total e
também de reengenharia, alimentados pelo neoliberalismo. Teve tantos prejuízos financeiros que demorou a se
reerguer, assim como aconteceu com tantas outras corporações que utilizaram esses programas.
61
2.4.4 A Dominação de uma Multinacional: Um Adendo ao Mosaico
Na MatriX32
, existia o engodo de que as pessoas eram seu patrimônio mais importante.
Nós colaboradores acreditávamos completamente nisso. Mas, no livro “O Poder das
Organizações: A dominação das multinacionais sobre os indivíduos”, Pagès et al (1987),
apresentam um estudo que contraditoriamente confirma isso e ao mesmo tempo diz
exatamente o contrário, testemunhado pelos colaboradores entrevistados por eles.33
Os autores apresentam a multinacional como uma organização hipermoderna, que
“[...] troca [...] um sistema inconsciente do tipo paternal por um sistema maternal”. Assim
como nós nos considerávamos na MatriX, uma família de uma mãe viúva e brincávamos
muito com esta afirmativa, confirmando o que está posto naquele estudo. Era uma
manipulação consciente/inconscientemente aceita. “A organização”, dizem eles,
[...] está associada a uma imagem inconsciente feminina. O motor de sua dominação
psicológica é a oferta retirada do amor, bem mais que a coerção, a interdição, a
castração, diriam os psicanalistas. A liberdade de movimentação do homem da
organização, sua iniciativa, provém do fato de que ele transcendeu o temor do pai,
do chefe e da ameaça de castração que ele representa. Mas ele só pode ser livre ao
abrigo da organização, aderindo às suas regras e à sua filosofia. Sua liberdade tem
por contrapartida e por condição uma regressão mais profunda, uma dependência em
relação à organização mãe; uma demanda de amor insatisfeito pela mãe e um medo
de perder seu amor, constantemente cultivado pela organização. (PAGÈS et al,
1987, p. 37)
O programa de pessoal da MatriX naquela época era considerado pelos seus
colaboradores como um dos programas, ou sistemas, de maior sucesso nos meios
empresariais. Tinha plano de carreira, avaliação periódica com metas determinadas,
premiações, eventos culturais e festas com presentes para a família, viagens com estadia paga
em hotéis cinco estrelas, sete cursos de capacitação anuais a escolha do cursista etc.
As pessoas se consideravam felizes, plenas, valorizadas, mas contraditoriamente
prisioneiras. Vestíamos a camisa, caso nos encontrássemos num aeroporto, num avião, nos
reconhecíamos por causa do padrão, sim, existia um padrão. Os narizes em pé, como se fala
no senso comum, trajes tradicionais, postura ereta, orgulhosos, especiais, iluminados.
Considerávamos-nos os mais inteligentes, os mais preparados, para enfrentar o mundo
corporativo com estratégias outras, diversificadas e muito mais elaboradas. Comprazíamos-
nos no sucesso, que hoje sei, não era nosso.
32
Nome que estou intitulando a referida multinacional por questões éticas. 33
No texto esses pesquisadores batizam a multinacional como TLTX.
62
Sobre essas questões, os autores trazem as mediações utilizadas pelas multinacionais
para a dominação dos seus colaboradores, tanto de ordem interna como externa.
Exemplificando: num processo interno o sujeito se coloca na posição de “eu passo por isso”,
mas em compensação “eu tenho isso e aquilo”. Mas, acreditam os autores que, “[...] ainda
mais importante que as mediações internas a cada instância sejam as mediações entre as
instâncias”:
[...] A possibilidade de ter iniciativas no trabalho faz aceitar a dureza. [...] a adesão
aos “grandes princípios” faz aceitar a ideologia da empresa. [...] o prazer que se tem
pelo trabalho, do qual se aprende a não abdicar. Inversamente, o salário, as alegrias
do poder que cada um à sua maneira desfruta, de uma forma ou de outra, a seu nível,
amenizam as dúvidas, os escrúpulos morais que possam nascer; fazem com que
suportem os conflitos inerentes ao sistema psicológico, a angústia permanente, o
vazio interior, a pobreza da vida particular e das relações pessoais. (PAGÈS et al,
1987, p. 29)
Todo esse processo de maneira geral se dá inconscientemente. Só depois, do meu
desligamento da MatriX e da leitura desse estudo, percebi que estava sendo extremamente
manipulada, que minha vida pessoal era também manipulada por esse esquema, e essa
estratégia estava embutida no neocapitalismo. Metaforicamente éramos “massa de manobra”
vivendo numa gaiola de ouro. Nós MatriXistas, nos reconhecíamos, nos identificávamos,
aquela era a nossa identidade, achávamos que tínhamos a MatriX no sangue, pensávamos que
corria nas nossas veias o MatriXêmes. Isto está interpretado por Pagès et al (1987, p. 146),
como “A escravidão da droga”: “[...] um corpo estranho que se mistura no seu organismo, a
ponto de ter sobre ele efeitos maiores que escapam ao seu controle. É um corpo estranho que
se tornou parte integrante do seu organismo e que o controla”.
Sintetizando este sistema, Pagès et al (1987), dizem tratar-se de uma “[...] organização
sistêmica”,
[...] em que os diversos tipos de mediação se relacionam mutuamente, vêm tapar os
buracos sufocando as contradições nascentes. Porque sua lógica é comum, trata-se
de um sistema coerente, orientado para a subordinação, para o enquadramento do
indivíduo no seio de uma ordem global econômico-ideológica-psicológica definida
centralizadamente. (PAGÈS et al, 1987, p. 29)
Na época eu não pensava em política, nem queria lidar com questões políticas. Minha
visão de política estava restrita a impressão de que não passava de politicagem. Eu tinha
sofrido uma lavagem cerebral, era grave e eu não sabia. A minha família se queixava da falta
da mãe, da falta da esposa, da família, da filha, da falta da..., qualquer título familiar que
existisse, porque antes de tudo vinha a MatriX e o meu trabalho.
63
2.4.5 A rede e o Mosaico Político
Vejo hoje, que essa manipulação tinha um nome, era o neocapitalismo mascarado de
neoliberalismo, e, mesmo considerando que na academia existem outras questões que eu
crítico, porque acredito que afasta o ser humano da sua essência, mesmo assim, foi o espaço
que me despertou para a política. Não uma política num viés marxista como apregoada hoje,
mas sim com sua essência da definição da questão do trabalho. Isto porque, acredito que o
trabalho é muito importante para o ser humano. O trabalho em Marx, mas o enfrentamento ao
Neoliberalismo da REDPECT, que vem da trajetória de anarquista de Fróes Burnham e se
concretiza no seu Método de Análise Contrastiva, com a transversalidade. Uma estratégia
utilizada como ponto de fuga da horizontalidade e da verticalidade.
Este caminho epistemológico-político considerados aqui a partir dos estudos de
currículo, se ampliam no NEPEC e tomam outros rumos com a criação da REDPECT. Isto
acontece no ponto que a discussão das ciências sociais e humanas necessitava conversar com
as ciências exatas para a difusão do conhecimento, então surge a RICS34
. Essas questões
ligadas à matemática, à modelagem do conhecimento, às TIC, buscando um caminho mais
complexo para difundir o conhecimento e torná-lo um bem público. Então, foram retomadas
as reflexões teóricas sobre a AnCo, iniciadas na tese de Fróes Burnham.
A RICS, uma rede criada por outra rede, mas com outros pensadores, com outras
linhas de pesquisa e instituições. Autores-pesquisadores de outras áreas do conhecimento,
como a matemática, a física, a química etc. Esta foi à maneira escolhida para fazer essas
pessoas refletirem juntas, a articulação entre ciências humanas e ciências exatas, com o
objetivo de que as humanas entendessem as exatas e vice versa. Uma tarefa difícil ainda
embrionária até hoje. Uma buscando compreensão na/da outra. As pessoas das ciências
humanas resistem às exatas, as pessoas das exatas resistem às humanas, mas já há uma
compreensão, uma articulação entre elas de alguma forma.
A complexidade que vemos nas ciências humanas não é a complexidade que as
pessoas da área de exatas vêm, mas também não é a complexidade que as pessoas da área de
saúde vêm, então são visões diversificadas de mundo. Multirreferenciais e Multirreferentes,
não apenas referências diversas, mas multifacetas de um mesmo ser complexo humano, que
precisa se reconhecer humano, para perceber que a lógica da produção não é a mais adequada
34
Surge da articulação dos integrantes da REDPECT e dos pesquisadores das instituições parceiras, como
uma rede de passagem para o DMMDC. História que será mais aprofundada na Tessela 5, reservada para as
análises.
64
para sua vida. Entretanto, esta lógica possui elementos que são importantes, que precisam ser
refletidos, a solução não é só isolar a área, ou recortá-la e retirá-la das nossas vidas, mas sim,
pensar no que essa área contribui para a vida humana; como vamos utilizar esse conhecimento
para a nossa vida. E aí a filosofia entra com uma questão fantástica, que une todas as áreas.
Vamos analisar criticamente, filosofar, questionar, parir ideias, discutir em grupo, e as
investigações em rede colaborativa fazem isso. O acolhimento, o respeito, seja a que área for,
seja a que título tenha. Isto, como afirmo anteriormente, é uma prática da REDPECT.
Somos seres complexos, e, na nossa complexidade vivemos plenamente, ou não. Se
pensarmos na área científica, a área de saúde, por exemplo, que, nas suas experiências isolam
recortes de uma situação que também não dão conta. Isto porque, se eu tenho um grupo de
pesquisa no Brasil que está investigando uma questão que é um recorte de um tema, e tem
outro grupo de pesquisa, que está na França, pesquisando a mesma coisa, mas em outro
recorte e não conversa com o grupo Brasileiro. Então, vamos aos Estados Unidos, ou Canadá,
que também tem um grupo de cientistas pesquisando sobre o mesmo tema e faz outro recorte
e não conversa nem com o grupo Francês, nem com o Brasileiro. Se eles unissem esses
recortes de investigação, ampliariam o campo investigado, potencializando as possibilidades
de solução/conclusão de/sobre grandes problemas da humanidade.
Nós Brasileiros, buscamos fundamentar nossos conhecimentos nos Europeus, mas os
Europeus buscaram nos gregos, assim como os gregos buscaram nos Africanos. Então, os
Gregos buscaram nos Africanos e trouxeram para o mundo europeu, e, o europeu difundiu
esses conhecimentos. Vamos hipoteticamente desconsiderar tudo isso agora e vamos partir do
zero, da tabula rasa, o ser humano não tem nada, não conhece nada e vamos começar tudo de
novo, vamos eclodir esses conhecimentos, acreditando que nada podemos extrair deles. Mas,
isto não seria verdadeiro, porque todo esse conhecimento que foi construído, desde a era A.C,
se transformou, transmutou.
O mundo seguiu junto, chegamos às grandes metrópoles em toda sua complexidade, às
grandes civilizações, invenções, soluções tecnológicas, mas paradoxalmente, na atualidade,
ainda existem índios na Amazônia que vivem sem nada disso e são felizes. Então, pergunta-
se: Por que não tornar o conhecimento um bem público? Por que privatizar conhecimento?
Por que nós temos precisamos patentear o conhecimento?
Refletindo do geral para o particular, quando eu faço, quando eu crio, quando eu
invento algo, eu tenho que patentear, ele tem que ser minha propriedade e o outro tem que
pagar pelo seu uso. Então, vem um sujeito do Japão, se apropria dos conhecimentos ancestrais
65
dos indígenas da Amazônia, levam para o seu país e registram e os patenteiam como se
fossem seus. Qual é o resultado disso? A partir disso, impunemente, eles são legalmente
proprietários de conhecimentos que não foram eles que construíram, que eram originalmente
um conhecimento de um povo específico, muitas vezes passado de “pai para filho”, portanto
um conhecimento ancestral que não foi valorizado pelos cientistas Brasileiros. Estes, muito
preocupados com a lógica da produção de conhecimento, com a quantidade e não com a
qualidade. Portanto, é preciso repensar essa lógica, refletir e destituí-la.
A quantidade em detrimento da qualidade, da distância “ótima” que a academia
mantém desses saberes ancestrais, iluminada pela postura de superioridade diante de
conhecimentos construídos de maneira diferente, se concretiza também numa distância do ser
humano no mundo e suas necessidades, básicas ou não. E o que é pior, formando novos
acadêmicos com essa lógica, o que a perpetua.
Precisamos rever esses conceitos, que essa lógica impõe. Dizer não para a construção
de teses e dissertações que ficam nas prateleiras das bibliotecas, sem difundir esses
conhecimentos, sem publicizá-los. Pressupõe-se que estes trabalhos tenham sido construídos,
segundo observação empírica de fatos e fenômenos que envolvem os seres humanos e os
atingem direta ou indiretamente, e tragam em seu bojo sugestões de soluções. Portanto, se
todos tivessem acesso livre às informações científicas, estudos, intervenções, conhecimentos,
certamente situações em que a crença ingênua, permissiva, submissa, de pessoas que ficam
distantes dos grandes centros e grandes corporações não aconteceria. Certamente não seriam
incautas vitimas da esperteza de quem detém, prioriza a informação como elemento de
exercício de poder, de fama, de fortuna. As diferenças certamente diminuiriam, quiça
acabariam.
Então, a ingenuidade de comunidades ancestrais não justificam situações de
desapropriação, ou apropriação indébita, perversa, de saberes, propriedades etc. Mas, como
fazer isso? Presumo que, algumas soluções podem ser viáveis se: (1) abordarmos estas
questões com toda uma reflexão lógica, crítica, desde os primeiros anos de escola, em:
espaços de aprendizagem diferenciados, com acolhimento, respeito pelo outro e suas
diferenças; (2) a academia se colocar mais próxima das comunidades e seus problemas,
exercitando a aprendizagem em conjunto, o aprender-com, construindo conhecimento de
maneira colaborativa, ouvindo os atores dessa trama/mundo contemporâneo, crianças, velhos,
jovens, e discutindo saberes, práticas coletivamente.
66
Como solução para estas questões a REDPECT optou por (in)formar acadêmicos,
desde a iniciação científica. Fazê-los refletir, exercendo a pedagogia de Paulo Freire, de
professores aprendizes com seus alunos. Então, todos na rede exerciam esta prática, sem
diferenças. Embora, isto não queira dizer que não existiam conflitos, eles existiam tanto
internos quanto externos. Os externos ligados ao estado, à política, manipulada pelo
capitalismo há muito tempo. Os internos como num processo grupal, ou dinâmica de grupo. O
grupo tinha seus conflitos, ninguém negava conflitos, acreditando que o conflito potencializa
o crescimento.
Então, existiam os aspectos que representavam esse processo grupal, como existe em
qualquer grupo. E as diferenças de pensamento, como qualquer grupo multirreferencial. Cada
um defendia sua área, como aprendeu a fazer desde a escola primária, a partir da manipulação
existente há muito tempo. Primeiro na escola exército, depois na escola qualidade total, o erro
zero. Pergunta-se: “Como fazer com que essas pessoas que vinham sendo formadas nessas
escolas, com essas características, pudessem pensar diferente?”
A competitividade acirrada, - “eu tenho que ser melhor do que o outro” -, imagine
então que, se ponha todas essas pessoas de várias áreas conversando e discutindo, só pode
haver conflito. Porém, um conflito que pode ser trabalhado com processos grupais, com
dinâmicas de grupo, coletivamente, para um objetivo comum. E vinha sendo trabalhado de
alguma forma, por que a rede funcionava com uma lógica de construção colaborativa do
conhecimento, orientação coletiva, durante pelo menos duas vezes por mês.
A rede planejava a sua agenda a cada início de semestre da UFBA, segundo a seguinte
estrutura:
1ª semana de cada mês – Reuniões de Cenário: socialização dos trabalhos que
cada grupo temático estava desenvolvendo;
2a e 4
a semanas de cada mês – Reuniões de Ensaio:
o 1º Horário (14 as 16:00h.) – discussão interna de cada grupo temático;
o 2º Horário (16 as 18h.) – reunião de Orientação Coletiva – OCR –os autores-
pesquisadores apresentavam suas pesquisas em andamento: monografias,
dissertações, teses, pós-doutorados e os trabalhos/projetos dos bolsistas
(Iniciação Científica);
67
3a semana de cada mês – Reuniões de Ópera: um convidado externo
apresentava trabalho/palestra com temas correlatos, ou não, aos trabalhos da
REDPECT;
5a semana – nos mês de cinco semanas – Reuniões de Bastidores: o grupo
discutia questões administrativas, institucionais, políticas da rede.
Nessa rede, rica de saberes, práticas, eu sentia uma energia que surgia nas nossas
discussões, como um pulsar pelo saber, um frisson para construir conhecimento e todos
colaboravam, contribuíam com suas reflexões, para que o colega, no momento que tivesse que
enfrentar sua banca de avaliação, pudesse enfrentar tranquilo, por que já tinha enfrentado o
crivo do seu próprio grupo nestas orientações coletivas. Recebíamos convidados para refletir
com eles questões de outras áreas, as quais muitas das vezes não eram diretamente ligadas
com nossos próprios trabalhos, mas o enriqueciam muito com o compartilhamento de
saberes. Então, era muito bom trabalhar e participar dessas discussões, era incrível quanto isto
ampliava o horizonte, o intelecto de todos.
Hoje compreendo que, embora parecesse que trabalhávamos com áreas diversificadas,
divergentes, na realidade essas áreas eram o lastro através do qual se trabalhava com a AnCo,
buscando estabelecer diálogos com/entre pesquisadores destas, para socialização do
conhecimento. Alimentando o sonho de (trans)formá-lo em “bem público”, “bem comum”,
como “comunhão” de ideias e ideais.
Essa dinâmica motivou esse trabalho, os conflitos o provocaram; as relações de poder
o afetaram, mas o afeto no sentido do verbo e não do adjetivo.
Elementos dos resultados da anteriormente mencionada dissertação de mestrado,
demonstraram a necessidade de aprofundamento dos estudos da construção colaborativa do
conhecimento, na perspectiva dos estudos da REDPECT e da RICS, por isto resolvi
apresentar suas principais características, como encaminhamento para a Tessela 3 desta tese,
que articula conceitos emergentes naquela dissertação com as lacunas do conhecimento
encontradas, abrindo assim um novo mosaico.
68
2.5 O MOSAICO DA CONSTRUÇÃO COLABORATIVA – ARTICULANDO
PRÁTICAS DA REDPECT COM RESULTADOS DO CFGC
Embora os resultados encontrados na dissertação de mestrado que originou este
estudo, digam respeito à análise dos chats do CFGC, conforme apresentado no Capítulo 1,
estes podem ser também considerados potenciais características do processo de construção
colaborativa. Exponho aqui algumas características das reuniões de OCR da REDPECT, que
confirmam resultados do CFGC:
1. Há efetiva participação de todos os envolvidos nessas reuniões discutindo, sugerindo,
ao orientando que está apresentando seu projeto/pesquisa, possibilidades de
articulação de conceitos, saberes, práticas que ampliem seu estudo;
2. A mediação passa de pessoa para pessoa à medida dos saberes de cada um dos
participantes: autores-pesquisadores do conhecimento em construção;
visitantes/colaboradores e também aprendizes que aprofundam temas
multirreferencialmente. Um processo complexo de compartilhamento desses saberes,
através de sugestões (brainstorming) espontâneas, sem críticas negativas.
3. A potencial problematização do tema em estudo que pode levar os orientados a novas
descobertas, e também, à emergência de decisões e achados, a partir da reflexão sobre
a implicação/imbricação do objeto/tema em discussão, com as questões de pesquisa
formuladas;
4. A disponibilidade dos autores-pesquisadores para o compartilhamento de ideias sobre
um mesmo tema, embora investiguem outros. Esse compartilhamento pode ser uma
das evidências da construção colaborativa do conhecimento, isto por que, apesar de ser
um trabalho autoral, autônomo, tem nesse compartilhamento a possibilidade de
(re)organização das peças para articulação dos temas/conceitos em estudo;
5. Embora o ambiente seja de visada multirreferencial/complexa, existe a possibilidade
de manter o foco no tema, através do respeito ao feedback (comentários) dos presentes
às reuniões, ou à distância via rede, e também à necessidade do orientando que está
expondo seu trabalho;
6. A mediação do professor-orientador é utilizada estrategicamente, conduzindo os
participantes a refletirem, dada a grande quantidade de ideias que surgem/emergem
69
nessas discussões e que podem ser, ou não, potencialmente importantes para a
construção do conhecimento. Então, por ser esta uma construção baseada na
intersubjetividade dos autores-pesquisadores, uma questão complexa, este professor-
orientador guia os autores-pesquisadores através de um “movimento de continuidade e
rupturas”, na busca de superar a cisão da dicotomia “sujeito/objeto”, subjetividade e
objetividade, que emerge nessas discussões;
7. Objetivando este espaço de orientação como um espaço multirreferencial de
aprendizagem, os orientadores conduzem o compartilhamento de saberes para a
aprendizagem. Nesta perspectiva, a criatividade, a aprendizagem e o
compartilhamento fluem motivados pela inter-intra-transubjetividades dos autores-
pesquisadores;
Com estas considerações, finaliza-se a segunda tessela deste mosaico, encaminhando o
texto para a Tessela 3 que, expõe a fundamentação teórica desta investigação. Os conceitos
que compõem seu eixo epistemológico -, a multirreferencialidade e a complexidade -, e os
conceitos secundários que compõem a cartografia do “processo de construção colaborativa do
conhecimento”.
A perspectiva utilizada para as reflexões teóricas estão baseadas em “saberes,
práticas”, um caminho que nasce na REDPECT (em 2002), no evento “I Colóquio
Internacional Saberes, Práticas: Construção de saberes, construção de práticas de
(in)formação profissional na sociedade do conhecimento”, e que vem acontecendo
periodicamente, a cada dois anos. Inclusive a ideia de construir a RICS surge no “II Colóquio
Internacional Saberes, Práticas: Difusão do Conhecimento Científico e Tecnológico na
Sociedade da Aprendizagem” (2005).
70
3 TESSELA: CONSTRUÇÃO COLABORATIVA - REFLEXÕES
TEÓRICO-EPISTEMOLÓGICAS
Retomando o que exponho nas tesselas anteriores, esta tese tem como tema a
Construção Colaborativa do Conhecimento, na perspectiva multirreferencial / complexa. Seu
objeto propõe fundamentar e analisar esta construção como um saber que se desenvolve nas
investigações de duas redes de pesquisa de visada multirreferencial complexa - REDPECT e
RICS - para responder a questão: Como a construção colaborativa do conhecimento, segundo
uma rede de pesquisa multirreferencial, contribui para a construção e difusão do
conhecimento acadêmico científico dos autores pesquisadores?
O Lastro para este estudo é o aprofundamento teórico dos temas: Construção
Colaborativa e Cognição e os eixos epistemológicos da Multirreferencialidade e da
Complexidade, a partir do conceito de Construção Colaborativa do Conhecimento
construído35. Isto se justifica na descoberta de que, a construção colaborativa, no viés proposto
na referida pesquisa, ainda carece de teorização, conforme indicaram os resultados baseados
nos diálogos e reflexões com os diversos autores consultados naquela análise.
A pretensão desta investigação a titulo de fundamentação teórica é: não só o
aprofundamento do mencionado conceito, como também o aprofundamento da
fundamentação dialógica desenvolvida, através dos conceitos de:
(1) Colaboração: no Humano e no Sistema de Informações;
(2) Complexidade e Multirreferencialidade: nas Ciências Humanas e Sociais;
(3) Cognição.
Espero com isto alcançar os objetivos traçados, os quais traduzirão os achados da
análise contrastiva, das informações levantadas nas produções -, construídas
colaborativamente -, nas redes de pesquisa selecionadas para a investigação. E ainda,
compreender e difundir o processo de construção colaborativa do conhecimento dessas redes,
que se propõem (in)formar pesquisadores e analistas cognitivos, fundamentando esta
construção como uma modelagem cognitiva em mosaico, complexa e multirreferencial.
35
Sanches (2011).
71
Tomo então como base inicial deste Mosaico Teórico-epistemológico, o conceito
construído naquela dissertação.
3.1 CONSTRUÇÃO COLABORATIVA DO CONHECIMENTO: UM
CONCEITO EM (TRANS)FORMAÇÃO36
A investigação da literatura pertinente à “Construção Coletiva Colaborativa do
Conhecimento”, desenvolvido em pesquisa anterior a esta tese, evidenciou que é um tema
ainda pouco explorado, pelo menos no viés proposto: uma “perspectiva complexa de um
ambiente multirreferencial”. Ficou claro naquele estudo que esta é ainda uma questão que
carece de reflexões teóricas outras para sua fundamentação. Apesar disto, a reflexão dialógica
com os autores consultados naquela análise, que estudam e/ou abordam o assunto sobre
diversos aspectos/dimensões considerados/as relevantes, permitiram a autora
construir/fundamentar o seguinte conceito37
:
Construção coletiva/colaborativa é um processo inteligente, complexo, de
aprendizagem, no qual tudo é não-estático, auto-organizável, sempre em
construção, que aceita a diversidade e a pluralidade cultural como possibilidades e
as transforma em saberes e práticas, multirreferenciais, compartilhadamente e as
socializa para a difusão dos novos conhecimentos construídos. (SANCHES, 2011, p.
44)
Esta construção foi possível através dos diálogos com os autores: Comasseto (2006);
Dias (2000, 2004); Maçada e Tijiboy (1998); Knihs e Araújo Jr. (2007); Piaget (1973); Mason
(1998) e Okada (2003); Núcleo Minerva, Centro de Competência Nónio Século XXI da
Universidade de Évora (2000), Hetkowski (2007), Fróes Burnham et al (2007).
Elenca-se aqui, de maneira sintética, os elementos inerentes à aprendizagem
colaborativa, na perspectiva de “elemento de ligação entre o conceito de construção
colaborativa e a construção do conhecimento”38
, levantados e problematizados para a
fundamentação deste conceito:
36
Partes deste texto foram construídas tanto na elaboração do projeto de pesquisa desta tese, quanto em Artigo,
apresentado pela autora como atividade de avaliação da disciplina: EDC A87 – Sistemas Complexos, ao PPG-
DMMDC/UFBA, professor: Garcia Vivas, no semestre 2012.1. 37
Conceito que retomo nesta tessela para dar um encaminhamento lógico ao texto. 38
Sanches (2011, p. 40).
72
Estratégia educativa utilizando tecnologias em processo de colaboração, mediado por
um ambiente de aprendizagem - ação coletiva dos sujeitos - num espaço que se
pressupõe cooperativo. Aprendizagem e colaboração se misturam e o ambiente
colaborativo/cooperativo é considerado o ambiente da aprendizagem. Um complexo,
no qual os conceitos estão implicados e imbricados, transformando as TIC em recursos
para práticas pedagógicas;
Ambientes on-line na Web - não só como tecnologia e plataforma para a transmissão e
o acesso à informação -, mas e/sobretudo como meio para a construção das interações
nas CVA, que flexibilizam a (in)formação dos sujeitos, a partir do desenvolvimento de
dimensões como o envolvimento, partilha e construção colaborativa do conhecimento;
Processo de conhecimento em permanente construção, a partir de ambientes
educacionais - ricos, motivadores, interativos, colaborativos, cooperativos e de
comunicação síncrona e assíncrona rápida, de custo relativamente baixo - relacionado
com o uso da internet, que revoluciona os conceitos de tempo e espaço na
comunicação, no acesso à informação, na produção e na construção do conhecimento;
Desafio ampliado para os sujeitos-produtores, pelos diversos aspectos fundamentais
para o desenvolvimento das aprendizagens online, consideradas flexíveis e
distribuídas na Web: simular a diversidade de contextos de construção do
conhecimento; confrontar e partilhar as múltiplas interpretações dentro da CVA;
reorientar as aprendizagens a partir dos contextos de atividades; ampliar esta atividade
problematizante à conversação e resolução de problemas nos espaços profissionais do
mundo real;
Projeção da sala de aula na dimensão virtual transpondo o tempo, o lugar físico, a
unidimensionalidade da representação e a ordem social, através de modelos
colaborativos de aprendizagem, os quais possibilitam: múltiplas comunicações;
múltiplos sentidos destas comunicações; representação distribuída de conhecimento e
de contextualização das aprendizagens na rede;
Cooperação considerada como auxiliar no processo de desenvolvimento de objetivos
comuns, com outras ações conjuntas, e também com um sentido de “fazer junto”,
trabalhar em conjunto com interação, sem uma figura hierarquicamente superior no
grupo - colaboração como co-laborar, ou co-trabalhar, trabalhar junto;
73
Cooperação construída pela reciprocidade, e não pela coerção - entendida no sentido
de se operar em conjunto, a partir de uma série de operações encadeadas logicamente;
Colaboração através de um ambiente que facilita o desenvolvimento do trabalho
cooperativo, no qual pode surgir a interação necessária para um trabalho colaborativo;
Os papéis de professor, de aluno e do ambiente se transformam: o professor estimula,
compartilha informações iniciais na formação da comunidade on-line e orienta, mas
em menor proporção; o aluno, com a participação social, manda e responde mensagens
aos colegas; o ambiente de comunidade de aprendizes on-line,
cooperativo/colaborativo propicia: muita interação, construção de pesquisas,
descobertas de novos desafios, soluções, conteúdo fluido, dinamismo, bons
relacionamentos e proximidade;
Desloca-se: a concepção centrada no professor, para a centrada no aluno; o modelo
orientado para a transmissão, para o orientado pelo processo de construção – o
conhecimento é contextualizado numa dimensão social de partilha e colaboração entre
pares;
Estes novos alunos e professores (sujeitos de um ambiente plural de aprendizagem)
promovem aprendizagem flexível e colaborativa, a partir do comprometimento e
iniciativa individuais com a exploração da multidimensionalidade das representações
nas redes de conhecimento. Um estilo ativo de aprendente, que se manifesta na
passagem do individual para o cooperativo e na implicação dos outros membros da
comunidade na construção do conhecimento e na partilha das representações. Este é
princípio fundamental para a formação das redes de ideias interrelacionadas,
estratégias e teorias, essenciais para o processo de análise crítica, avaliação do
conhecimento e a síntese criativa do novo conhecimento;
Aprendizagem colaborativa como um conjunto de métodos e técnicas de
aprendizagem para utilização em grupos estruturados, assim como de estratégias de
desenvolvimento de competências mistas (aprendizagem e desenvolvimento pessoal e
social). Cada membro do grupo é responsável, quer pela sua aprendizagem quer pela
aprendizagem dos restantes elementos, portanto conhecimento como um constructo
social;
Construção colaborativa considerada como um processo de construção do
conhecimento que, a partir da sua dinâmica desencadeia princípios de inteligência
74
coletiva, nos quais é possível a tomada de consciência quando aliada a um processo
coletivo, dinâmico e responsável;
Sociedade da Aprendizagem como possibilidade de evolução da sociedade da
informação e da sociedade do conhecimento, pois os seres sociais estão
constantemente em processo de aprendizagem, onde tudo é não-estático e está sempre
em construção – inteligência distribuída por toda parte, nenhum indivíduo, área,
corporações ou corpo social é detentor exclusivo do saber – os aprendentes possuem
um papel mais ativo no seu aprendizado individual e coletivo, aceitam a diversidade, a
pluralidade cultural, as identidades sociais, o que possibilita que se reúnam para a
construção e difusão de novos conhecimentos.
Todos estes elementos, que fizeram possível a construção do mencionado conceito de
construção coletiva/colaborativa, analisados à luz daquele estudo e do artigo mencionado39,
evidenciaram o potencial de ampliação deste conceito como uma rede
complexa/multirreferencial de intercâmbio de “saberes, práticas”. Pressuposto este, que
pretendo legitimar neste estudo.
Para a realização dessa pretensão, será necessário retomar/fundamentar teoricamente,
algumas questões/conceitos que fazem parte do caminho investigativo da REDPECT, da
RICS, e de seus participantes. A começar pela prática do “Mosaico”, que é herança das
experienciações de Fróes Burnham, e que também pode ser traduzida como a “inteligência
coletiva” destes grupos. Um conceito que será abordado no decorrer desta fundamentação.
3.2 MOSAICO: UM CAMINHO EPISTEMO-TEÓRICO-METODOLÓGICO
Intitular o “Mosaico”, como um caminho epistemológico-metodológico foi necessário
para a compreensão desta herança, que é cultural na REDPECT e na RICS. De maneira
implícita os autores-pesquisadores destas redes a utilizam em seus debates e discussões, o que
vem formando a “inteligência coletiva” destes grupos. Então, nesta perspectiva o “mosaico” é
produto do construto das investigações e debates destes sujeitos.
39
Vide nota de rodapé no 36 deste capítulo.
75
O Mosaico seria então o resultado das construções coletivas colaborativas da
REDPECT e da RICS. Entretanto, este “mosaico” é formado por mosaicos menores que
compõem esses saberes, práticas. Esta questão torna mais complexa a fundamentação teórica
deste estudo.
Abstraindo do espaço rede de pesquisa e transportando esta questão para o ser
humano: (1) refletindo hipoteticamente sobre o pensamento como uma das tesselas do
mosaico de construção de conhecimento; (2) considerando que este vem se formando desde as
primeiras relações da criança com o mundo, a partir das informações que vai colecionando
mentalmente ainda bebê; (3) de relação em relação, com coisas, objetos, pessoas, as conexões
e interações vão (trans)formando/(trans)mutando informação em pensamento, aprendizado em
aprendizagem, reflexão crítica em conhecimento.
A partir desta perspectiva, este não é um mosaico artístico, uma peça imóvel que se
admira numa exposição, num museu, numa parede, num vaso etc., mas o fluxo do processo de
construção deste, representado aqui pela cognição destes autores-pesquisadores das/nas redes
de pesquisa. Entretanto, para fazê-lo compreensível e me apropriar dos seus elementos
(trans)duzidos, (trans)formados, resolvi conhecer/apresentar um pouco da história dos
mosaicos e como eles se constroem.
3.2.1 Mosaico: Arte Musiva
A definição de Mosaico, em sentido figurativo no IDicionário Aulete40
, é: “Qualquer
objeto de natureza abstrata ou intelectual - como uma teoria, um poema etc. - formado a partir
da combinação de vários elementos distintos e que preexistem ao todo”.
Pesquisando a história do mosaico e sua origem, descobri que muitas são as fontes,
entretanto, cada uma delas dá uma definição e fala de uma região de origem. Portanto há
lacunas nestas informações que não esclarecem de fato em que região/época este se origina.
Segundo Wikipedia,
Mosaico ou arte musiva é palavra de origem alemã, embora a técnica seja
antiquíssima. É um embutido de pequenas peças (tesselas) de pedra ou de outros
materiais como (plástico, areia, papel ou conchas), formando determinado mosaico.
O objetivo do desenho é preencher algum tipo de plano, como pisos e paredes.
(WIKIPEDIA, s.d, s.p.)
40
<http://www.aulete.com.br/mosaico#ixzz3bepTHVX1>. Link para acesso a fonte do significado de Mosaico.
Acesso em: 18 jan.2015.
76
As tesselas são o ponto em comum destas informações. Estas tesselas consistem em
pequenas partículas que embutidas, formam os desenhos ou pinturas que os artistas utilizam
como representação de uma ideia criativa, um pensamento, uma história. Sobre estas
pequenas peças expõe Illustratus (2010, s.p.), que os arquitetos utilizam mosaicos para
embelezar “fachadas inteiras”, ou “criam pequenos” valorizando espaços insignificantes a
primeira vista. Diz ainda que o “[...] revestimento realizado em edifícios, colocando lado a
lado pastilhas moduladas, pode ser considerado um mosaico, mas apenas se define como
mosaico se as pastilhas forem de dimensão reduzida”. Portanto, estas pequenas peças
justificam as tesselas como uma das características principais dos mosaicos.
Esta característica do mosaico lembra que, do conjunto de pequenas peças podem ser
criadas, ou construídas, imagens que retratam uma época, ou a marca registrada de um artista
que escolheu este tipo de obra para manifestação de suas ideias criativas.
Ainda buscando informações sobre o termo mosaico, trago a do site Infoescola (s.d.,
s.p.), que o apresenta como sendo uma
[...] expressão artística na qual [...] o artista, organiza pequenas peças coloridas e as
colam sobre uma superfície, formando imagens. As peças a serem utilizadas em um
mosaico podem ser pequenos fragmentos de pedras, como mármore, granito,
pedaços de vidro, seixos, pedras semipreciosas e outros materiais, sobre qualquer
superfície, seja ela fixa ou transportável. O termo mosaico é originário de
“mosaicon”, que significa musa. Essa forma de arte já existe há milênios, pois do
Oriente os sumérios, por volta de sete mil anos atrás, já revestiam pilastras com
cones de argilas coloridas e fixadas em massa, formando uma decoração geométrica.
Os gregos e os romanos também utilizavam a técnica do mosaico no auge de suas
culturas para decorarem os pisos e as paredes das construções.
Então, seja como peça de decoração ou de revestimento de paredes, colunas, os
mosaicos são utilizados pelos artistas como forma de expressão, desde quando o
[...] Cristianismo passa a ser oficialmente a religião do Império Romano, a arte que
vinha sendo produzida, desde que os cristãos eram intolerados e perseguidos pelos
romanos, uma arte de pinturas em paredes e tetos das catacumbas, os novos
mausoléus e templos passam a ser decorados por mosaicos, abordando os temas de
histórias do Antigo e Novo Testamento. Neste período a técnica se desenvolve, os
artistas se tornam mais hábeis, e a qualidade das obras aumentam devido o
desenvolvimento da técnica, sendo a expressão máxima na arte bizantina do período
romântico. Os sarcófagos decorados pelos fiéis chegavam a sofisticação de
possuírem relevos em seus mosaicos. (INFOESCOLA, s.d., s.p.)
O site “The Mosaics Yone Lins” fala sobre a história do mosaico e sua origem. Que o
“[...] mosaico tem momentos fragmentados da sua origem até os dias de hoje”, para algumas
fontes o termo “[...] ‘mosaicon’ [...] significa ‘musa’”, e que, sua tradução quer dizer
77
“‘paciência das musas’". E ainda que, essa “[...] arte teve origem nas antigas civilizações
como o Egito e a Mesopotâmia”.
A história da “arte musiva”, segundo Yone Lins (s.d., s.p.) iniciou no
[...] séc.VIII A.C., quando os gregos utilizavam pedras cortadas em cubos para
pisos, refinando a técnica no séc.V A.C.
Na Grécia foi encontrado um dos documentos mais antigos relativo à arte do
mosaico (meados do século III A.C).
Num fragmento de papiro descreve-se o método para execução de um pavimento
numa sala de banhos.
E ainda que, na “época romana, a arte do mosaico espalha-se pelos templos, teatros,
estabelecimentos públicos, lojas, mercados, etc.”. Este site apresenta a linha do tempo da
história do mosaico, do século “XVI ao século XIX”:
A partir do séc XIV, o mosaico fica subordinado à pintura, perdendo sua
autonomia artística. Alguns pintores importantes preparam cartões para
mosaicos, na Basílica de São Pedro, Giotto assina um dos mais célebres.
No século XV, na Florença dos Médicis, o mosaico retoma força.
Em Veneza forma-se uma nova escola de mosaico.
No período seiscentista, Roma voltou a assumir a hegemonia enquanto centro
produtor de mosaico e na formação de especialistas. Este impulso deve-se em
grande parte à decoração com mosaico da Basílica de São Pedro.
Em setecentos, os mosaicos começam a valorizar-se devido a sua durabilidade.
Observa-se uma predileção por mosaicos de grande formato, realizados com
pasta vítrea, os temas eram reproduções de obras pictóricas.
No início do século XIX na França em pleno Neoclassicismo, foi inaugurada
uma escola imperial de mosaicos, onde a atividade principal era a imitação e
restauração de obras antigas.
Em 1900 surge Antoni Gaudí arquiteto magnífico que optou por revestir suas
obras com cerâmicas e azulejos quebrados, seu grande parceiro foi o arquiteto
Josep Maria Jujol, que é quem assina a maioria dos principais desenhos
utilizados nos mosaicos.
O “Mosaico” e a “Pintura”, durante certo tempo da história,
[...] tiveram um relacionamento muito próximo, também difícil e não privado de
contradições. Por um longo tempo efetivamente o mosaico ressentiu-se do poder da
pintura e se moveu desesperadamente na tentativa impossível de imitá-la. Para
traduzir uma opera pictórica em mosaico se deve levar em conta as diversidades das
duas técnicas: enquanto o mosaico produz uma superfície irregular e sobretudo
descontínua do que deseja representar, a pintura é contínua e fluída. (YONE LINS,
s.d, s.p)
Esta parte da história contada por Yone Lins traduz o mosaico como uma técnica,
entretanto neste estudo o mosaico é um caminho teórico, epistemológico, metodológico e
político, utilizado por duas redes de pesquisa, para construção de conhecimento, em processo
colaborativo.
78
Em se tratando dos debates/discussões/construções em redes de pesquisa
multirreferenciais/complexas, uma das técnicas de construção de mosaicos apresentada por
Illustratus. (2010, s.p.), pode ser utilizada como metáfora destas atividades das redes, no
tocante aos diferentes graus de sensibilidade, os quais podem ser comparados aos diferentes
graus de subjetividades e intersubjetividades dos autores-pesquisadores. Nessa passagem, diz
o blog que:
Observando as grandes superfícies de mosaico da antiguidade, se pode afirmar que
os artistas trabalhavam em grupo e que eles possuíam diferentes graus de
sensibilidade e de preparação artística e manual. Os detalhes mais precisos dos
rostos, dos vultos dos animais e das roupas, vinham sempre aficados à mesma
pessoa, já qualificada. As partes gerais e as partes ornamentais eram aficadas aos
ajudantes. (ILLUSTRATUS, 2010, s.p.)
Esses “[...] detalhes mais precisos [...]” citados, podem ser os níveis de qualificação,
ou construção de conhecimentos teóricos sobre o tema em estudo por esses autores, quando da
fundamentação de questões inerentes à pesquisa em desenvolvimento. A contribuição de cada
um nessa construção colaborativa. E, “[...] as partes gerais e ornamentais [...]”, consideradas
aqui como superficiais, ou externas, fica a cargo dos pesquisadores iniciantes, de maneira
implícita, pois não se distribui tarefas hierarquicamente, mas sim cada um se compromete
naturalmente por uma área que se acredite capaz de construir. Portanto, cada um dá sua
colaboração para a construção de cada mosaico/obra construído/a, ou “[...] obra musiva
construída [...]” a várias mãos/pensamentos/reflexões. Embora, afirme Illustratus (2010, s.p.)
que:
A melhor obra musiva é aquela que o artista executa diretamente no local
empregando o “método direto” que leva em conta uma infinidade de fatores entre os
quais: a distância do ponto de observação; a variação da luz real durante os diversos
momentos do dia ou, eventualmente, o tipo de luz artificial; os materiais de que se
constituem as pastilhas. (ILLUSTRATUS, 2010, s.p.)
Ainda considerando a REDPECT e, metaforicamente, a construção colaborativa do
conhecimento como uma “obra musiva”, é possível pensar aqui que, o trabalhar “[...]
diretamente no local empregando o ‘método direto’ que leva em conta uma infinidade de
fatores entre os quais: a distância do ponto de observação [...]”, conforme descreve o blog,
seria o local o espaço de encontro/discussão dos sujeitos autores-pesquisadores da REDPECT
e da RICS, presencial ou à distância, já que interagem em redes, em AVA, seja de maneira
online ou offline. Mas que, assim como os artesãos do mosaico, levam em conta “[...] uma
infinidade de fatores [...]” em suas pesquisas, trabalhadas também cooperativamente. Isto
porque, a partir do conceito de construção colaborativa edificado os trabalhos individuais de
79
pesquisa são considerados cooperativos. Serão colaborativos quando os autores os trouxerem
para discussão nas OCR.
Além disso, esses construtos também são das redes/dos grupos, já que
institucionalmente são considerados como produção dos grupos para a UFBA. Essas
características remetem esta ‘obra musiva’ à complexidade e multirreferencialidade, tanto das
redes investigadas quanto dos eixos epistemológicos deste estudo.
Retomando a questão da “[...] infinidade de fatores [...]” a serem considerados para
uma melhor “obra musiva”, remonto às questões de: método e técnicas de pesquisa, sua
abordagem e o caminho metodológico trilhado para alcançar os objetivos traçados e os
resultados encontrados neste caminhar. Enfim, a metodologia da pesquisa. Estes elementos
serão detalhados na Tessela 4, reservada para o desenvolvimento desta metodologia.
A partir de todo o exposto surge uma questão: Utilizo o mosaico como uma metáfora
para fundamentar/compreender o processo de construção colaborativa do conhecimento, ou
como uma metodologia?
3.2.2 Mosaico: Metáfora ou Metodologia?
Como dito anteriormente, esta dúvida tem sua origem no método de
investigação/debates do grupo de pesquisa REDPECT. Este grupo, vinculado aos PPG em
Difusão do Conhecimento e PPGE da FACED, ambos da UFBA, constrói conhecimento
colaborativamente, como num “mosaico”. Suas obras, discussões, análises, mesmo as mais
elementares - de iniciação científica -, são de fundamental importância para dar significado
aos saberes e práticas construídos. E também, para (re)significá-los transformando-os em
novos conhecimentos, que por sua vez são potências para a construção de outros mais novos
conhecimentos. Um processo cíclico, constante, infinito, incompleto, cheio de idas e voltas
constantes, como na espiral do conhecimento.
Resolvi então considerar que, a primeira dimensão do mosaico, composta pelos
autores-pesquisadores dessas discussões/reflexões, forma o grupo, a rede de pesquisa, os
artesãos da “obra musiva”, em processo de construção coletiva/colaborativa.
Além disso, como essas discussões se dão num ambiente de visada multirreferencial,
complexa, com participantes de diversificadas áreas de conhecimento, como: física, química,
biologia, educação, matemática, direito, administração, filosofia, psicologia, medicina etc.,
80
muitos temas, conceitos, autores, e teorias transitam e dialogam com seus autores-
pesquisadores. (In)formando, (re)formando, (trans)formando saberes, práticas em
inteligência coletiva, a construção do conhecimento desta rede de pesquisa. Portanto, estes
conteúdos abordados, discutidos, construídos de maneira coletiva/colaborativa, formam a
segunda dimensão da “obra musiva”, as “tesselas”, as pequeninas peças que a REDPECT
utiliza para montar o mosaico da construção do conhecimento.
Depois destas reflexões, considerando as duas primeiras dimensões do mosaico como:
as redes de pesquisa, os conceitos, áreas do conhecimento e sua base epistemológica,
respectivamente; compreendi que a terceira dimensão só poderia ser a própria complexidade
humana dos autores-pesquisadores. Complexidade esta objetivada como veículo, o motor para
reflexões e construção de conhecimento. O “material”, que (in)forma e (re)forma
conhecimentos construídos, em suas andanças acadêmicas, nas diversas áreas e dimensões
que estes transitam.
Porém, esta dimensão baseada na complexidade humana, por não ser apenas uma
superfície, uma base material concreta, na qual são “embutidas” as tesselas para a formação
do mosaico, envolve um grande desafio. O de compreender as diferenças e lidar com elas. Por
isto, achei por bem refletir sobre a complexidade humana e sua problemática.
3.2.3 Problematizando a Complexidade Humana
O ser humano a princípio utilizou a tecnologia, então apenas “ferramenta”, como
extensão do próprio corpo, como se seu corpo tivesse crescido a partir dela. Isto,
consequentemente expandiu, ampliou também sua visão de mundo. Até então não lhe passava
pela cabeça que o mundo também se modificava na mesma medida que ele, ou com ele. As
tecnologias dia a dia iam tomando conta daquele mundo, até que começaram a substituir o
próprio homem na operacionalização de diversas atividades.
Neste caminhar o homem e a máquina foram se confundindo e o homem foi se
distanciando da sua essência humana. Com a produção em larga escala de diversos
equipamentos, a obsolescência cresceu também na mesma proporção, surgindo à geração
descartável. Embora essa prática tenha sido utilizada como estratégia do mundo dos negócios
para aumentar o consumo e a produção, o reflexo se fez notar na própria vida das pessoas, que
passaram a ser consideradas também como os objetos, descartáveis. As famílias se desfaziam
81
e os casamentos não duravam. Os seres se tornavam máquinas no apelo sexual do mundo
publicitário. O reflexo disto: um “corpo sem alma”.
O ser humano visto como um carro de último modelo, inclusive com computador de
bordo. A mente considerada computador, a inteligência artificial dominando em diversos
setores. O ser humano já então se comportando como produto de consumo e não apenas
consumidor. A realidade dos espertos, não o ganha a ganha, como na época do escambo, mas
o ganha perde, predador. O homem predador de si mesmo e dos outros homens.
A vida humana se perdendo, enquanto se ilude o homem com essa barganha com
tecnologias inventadas por ele próprio, paradoxalmente para uma vida mais prática, “para a
qualidade de vida”.
Pessoas vivendo mais, entretanto a custas de diversos medicamentos e tecnologias. O
trabalho cada vez mais exigindo o uso de novas ferramentas, o stress imperando nas grandes
cidades, ditas civilizadas. Mas até quando? O planeta saqueado, poluído, sofrendo,
independente da sua mais requintada tecnologia, como aconteceu no Japão. Vivemos num
planeta água e ela respondeu a altura, e que altura, o tsunami lavou o Japão como numa
gigantesca faxina, levou almas humanas, suas moradias, sua cidade, suas tecnologias.
Indivíduos que se preocupam com a natureza e suas necessidades falam deste evento
como “um grito de alerta do planeta”, mas outros continuam predadores. Sem se darem conta
do fato de que esta é a resposta do planeta que está se fazendo sentir em doses homeopáticas,
de catástrofe em catástrofe, lentamente, mas o homem o afastou de si mesmo, da sua origem
natural, da sua essência, sua alma.
Um filósofo que acredita no espírito diria: “da sua alquimia”. Eu digo da sua ligação
direta com a terra, com a natureza. Criaturas humanas vivendo da guerra, do vicio da guerra,
empresários vivendo da/para a morte, da venda de equipamentos bélicos da mais alta
tecnologia de matar. As crianças utilizando jogos digitais de terceira e quarta geração
tecnológica, nos quais a morte, a violência, é entretenimento. Então, pergunto: Onde será que
vão parar esses futuros homens?
Os valores éticos são uma piada para os jovens, um “mico” como eles dizem, que
“ficam” em encontros casuais, em vez de amar; que idolatram histórias de amor de mutantes e
vampiros. Aonde chegarão? Como viverão, quando o planeta sangra nos garimpos e os rios
morrem alimentados pelos produtos químicos, esgotos, dejetos das mais sofisticadas
tecnologias industriais?
82
O homem se perde e se acha em seu próprio mundo, em nome de uma civilização
predadora, antiética. Da floresta de concreto que não alimenta de ar os pulmões doentes pela
poluição, mas mata, degrada, pune os perdidos no asfalto.
Pergunto então: Quem é realmente este ser que anda canta, sorri, chora, ama, odeia,
venera, mata, acolhe, trabalha, aprende, apreende, produz, brinca? Que mistérios envolvem
este pensar abstrato de um sistema ainda pouco conhecido, mas tão pesquisado pelos
cientistas? Onde estão as certezas tão proclamadas pela mecânica, pela física, quando as
dúvidas imperam neste mundo caótico, que deveria acolhê-lo, mas que muitas vezes lhe é
hostil e frio?
Sobre a gestação do ser humano no mundo, o astrofísico Canadense Hubert Reeves em
diálogo com Morin e Monique Mournier-Kuhn (MORIN & LE MOIGNE, 2000, p. 142), diz
que,
[...]. Desde o início do universo, a matéria se organiza. Ela o faz associando
entidades simples para fazer entidades cada vez mais complexas e cada vez mais
performáticas. Passa-se sucessivamente do nível das “partículas elementares”
(quarks, elétrons, fótons) ao nível dos núcleons, depois aos núcleos, depois aos
átomos, depois às moléculas, simples e cada vez mais complexas (biomoléculas), a
seguir às células, depois aos organismos pluricelulares, escalando progressivamente
até o cume da árvore darwiniana. Sobre o nosso planeta, o “fruto” mais avançado
desta gestação cósmica é o ser humano capaz de tomar consciência de sua própria
existência, capaz de conhecer o universo que o engendrou...
Acontece, porém, que existem muitas dúvidas e incertezas neste mundo que parece tão
perfeito quando se tem contato com as belezas dos fractais. O caos da vida na natureza não é o
mesmo do trânsito, da atuação dos políticos ou das organizações, sejam elas quais forem.
Inclusive as das grandes cidades que alimentam a violência, a discórdia, a falta de ética e de
solidariedade humanas.
Pretender que este ser, movido por um sistema tão complexo de redes neurais e
sanguíneas, possa compartilhar conhecimento numa construção colaborativa, sem que este
fenômeno seja no mínimo considerado como um sistema complexo: de teias políticas; redes
de comunicação/informação, mediadas por esta ou aquela tecnologia; é pedir muito ao sistema
“humano”.
3.2.4 Construção Colaborativa na perspectiva de Complexidade Humana
A competição, a concorrência, que os grandes complexos corporativos e/ou
institucionais do mundo capitalista impõem a este ser, que busca evolução, crescimento,
83
através dos meios midiáticos, televisivos, WEB, internet e outras tecnologias -, invenções dele
mesmo, paradoxalmente perdido que se sente achado -, o acompanham em todas as dimensões
da sua vida: física, psíquica, orgânica, sentimental e espiritual.
Imaginar que este ser, que viaja entre ordem e desordem, evolui na transcendência do
caos e constrói conhecimento na fronteira entre cognição e experiência, pudesse estar isento
da influência de todos esses elementos no seu desempenho normal de ser humano seria
acreditar no improvável.
Na concepção de Morin (2007, p. 63), a “[...] complexidade da relação
ordem/desordem/organização surge, [...] quando se constata empiricamente que fenômenos
desordenados são necessários em certas condições, em certos casos para a produção de
fenômenos organizados, os quais contribuem para o crescimento da ordem”.
Numa Construção Colaborativa do Conhecimento, principalmente quando à distância,
mediada por um AVA, elementos de alta complexidade acompanham os sujeitos construtores
deste conhecimento caótico. A auto-organização é possível e o contexto pode proporcionar
momentos de intensa criatividade, mas e, sobretudo, intensa competitividade e acirrados
conflitos multi-referentes.
Estes sujeitos prenhes de informações, das mais diversas áreas do conhecimento,
bombardeados pela mídia, engessados por um conhecimento disciplinar desde a mais tenra
infância, se veem perdidos muitas vezes num oceano das mais desencontradas informações.
O cenário deste mundo externo, seu mundo, seu contexto, seus anseios, os acompanha
para este mundo virtual, que também é real, concreto e ao mesmo tempo abstrato volátil. Um
paradoxo que os segue onde quer que estejam como se tivessem na mente inúmeras
interrogações, um monstro matemático, um fractal, seus cérebros cobrando padrões de
perfeição, mas suas vidas se apresentando não tão perfeitas assim.
Como seres em permanente construção, são também seres em permanentes dúvidas, na
busca de “verdades” que não existem, que só se concretizam no laboratório da vida, na
natureza.
Seus pensamentos, caleidoscópios de luzes e cores, estão presentes quando eles
participam coletivamente de uma construção colaborativa. A política como um espectro
social, os acompanha, pois têm de compartilhar seus saberes com outros sujeitos, que trazem
uma bagagem de outros contextos, culturas e cenários das mais diversas paisagens, sombrias
ou luminosas, negativas ou positivas. Questiono então:
84
Como compartilhar conhecimento neste cenário complexo?
Como construir colaborativamente se suas certezas, as mais das vezes, se encontram
acorrentadas aos aspectos unidimensionais das informações disciplinares?
Como propor a estes sujeitos uma nova perspectiva de construir colaborativamente o
conhecimento com seu próprio mundo, um mundo que interage com ele e constrói em
conjunto, quando desde criança, ele presenciou a pseudolegitimidade da depredação
deste mesmo mundo, por sujeitos da sua mais elevada confiança: parentes, amigos,
colegas, irmãos, seres humanos como ele?
Como fazê-los compreender que, nesta construção a mediação do outro não diminui,
ou invalida seus saberes, mas sim os complementa, os amplia, os potencializa para a
busca de novos achados, quando toda sua formação foi baseada na prática competitiva
desigual, desleal, “do levar vantagem” em detrimento do outro, sua vida, sua
formação, seu potencial de produção e até sua própria sobrevivência?
Como apaziguar a sua insegurança, quando seu parceiro de construção traz uma
questão de outra área do conhecimento, a qual ele não domina, mas que é fundamental
para sedimentar/fundamentar conceitos da sua própria, despertando medos e anseios
de perda de poder, sentimentos de invasão do seu espaço, seu domínio?
Como um acadêmico que se coloca no mundo como “iluminado”, pode aceitar
pacificamente que um sujeito, ainda um iniciante no meio científico, sem a sua
experiência de pesquisador emérito, com conclusões simples, pragmáticas, possa
apresentar soluções para questões que vêm pesquisando, às vezes há muitos anos?
Sobre tal complexidade, limitada pela fragmentação do homem e do conhecimento
disciplinar construído, dizem Morin & Le Moigne (2000, p. 173) que,
É preciso retornar ao objeto considerado na sua globalidade e na sua
multidimensionalidade. Retomemos o conceito “homem” (muito frequentemente
reduzido à ideia de indivíduo). É um conceito trinitário. Ele comporta a dimensão
social, a dimensão biológica e a dimensão psicológica. Esses três caracteres são
consubstanciais, e, apesar de tudo, temos a tendência de querer isolá-los.
Nesta perspectiva, todos esses aspectos complexos acompanham o processo
cognoscitivo desses sujeitos construtores, que se dizem colaborativos. Mas que na realidade,
muitas vezes, essas características são interpretadas como ameaças e consequentemente
provocam conflitos, tanto internos, quanto externos. Isto se reflete na saúde do próprio
85
ambiente que compartilham, considerando a perspectiva de “interação entre sujeito e mundo”,
“mundo e sujeito”.
Muitas vezes esses elementos causam paralisação no processo, ou muita perda de
tempo em discussões que se arrastam e prejudicam o convívio, carregam o ambiente de
eletricidade negativa para o desempenho de todo o grupo, e ainda, pode engessar todo o
processo.
Um dos problemas mais graves nesses embates é o medo dos “erros”, de se exporem
perante os colegas, ou até mesmo de utilizá-los como “oportunidades”, “lacunas” a serem
trabalhadas/preenchidas em prol da própria construção e do sucesso do projeto
coletivo/colaborativo. Estes medos nada mais são que reflexos de uma formação que busca a
“verdade” e está alicerçada na busca da “certeza” e na competição do “vencedor” contra o
“perdedor”.
Por todo o exposto, considero aqui para uma primeira abordagem de ampliação do
conceito, a “construção colaborativa do conhecimento” como “um sistema complexo,
dinâmico, uma rede de relacionamentos de dimensões: objetivas, subjetivas e inter-trans-
subjetivas, que envolve os sujeitos construtores”. Principalmente, e, sobretudo, quando numa
visada multirreferencial de mundo.
3.3 MOSAICO EPISTEMO-TEÓRICO: CARTOGRAFIA DOS REFERENCIAIS
DO ESTUDO
Conforme explicitado anteriormente, as bases iniciais para o referencial teórico deste
estudo partem do embasamento teórico do CFGC, o qual se alicerçou no diálogo com os
autores que estudam os temas e sub-temas gestão do conhecimento, caos e ordem e educação
à distância.
Embora os conceitos deste mapa referencial não sejam totalmente os mesmos, parte
deles está implícita no processo de construção colaborativa analisado, e o eixo epistemológico
desta cartografia reflete também o ambiente no qual o processo de construção colaborativa
acontece. Desta vez em outros espaços de produção/aprendizagem, as redes de pesquisa que
ora se analisa, a REDPECT e a RICS. Principalmente por que o eixo epistemológico
86
considerado como lastro desta investigação é o mesmo daquele estudo anterior, o da
multirreferencialidade e da complexidade.
Naquela oportunidade, a fundamentação teórica foi construída de forma dialógica, a
partir de um mapa conceitual que apresentava as concepções básicas que nortearam o
entendimento da construção do referencial de análise. O que efetivamente também acontece
nesta pesquisa.
E ainda, na medida do possível, os diálogos com autores como Ardoino, Freire, Fróes
Burnham, Macedo, Morin, Piaget, cujos pensamentos foram considerados como “lastro para a
construção gradual dos referenciais teóricos” daquele estudo, serão aqui utilizados como
bases iniciais desta investigação. Isto porque, esta pretende ampliar e potencializar essas bases
como mosaicos construídos a partir do entrelaçamento/(inter)relação dos conceitos principais
entre si e com os secundários, e a articulação destes com os eixos epistemológicos.
Espero que esta dinâmica facilite a análise crítica dos registros levantados nos projetos
selecionados para análise, assim como aconteceu na pesquisa concluída. Todavia, alguns
conceitos que emergiram nas análises daquela pesquisa, foram considerados aqui como
conceitos emergentes para uma reflexão/análise mais profunda, buscando o significado da
presença destes no processo de construção colaborativa do conhecimento. As próximas seções
apresentam os principais elementos que compõe a cartografia que proponho analisar.
3.3.1 Processo de Construção Colaborativa do Conhecimento
Atendendo o que foi planejado, a fundamentação teórica foi construída de maneira
dialógica, a partir do mapa conceitual apresentado no Quadro 2 abaixo. Este quadro traz os
conceitos principais e secundários que compõem o Processo de Construção Colaborativa do
Conhecimento, numa perspectiva multirreferencial/complexa. Portanto, um processo de
construção do conhecimento num Ambiente Complexo Multirreferencial. Esta é a cartografia
que embasará teoricamente e orientará a construção dos referenciais de análise deste estudo.
87
Quadro 2 – Mapa Conceitual
Fonte: Mapa construído para a apresentação do referencial teórico desta tese.
O conceito foco desta cartografia é a construção colaborativa do conhecimento. Este
conceito traz em seu bojo outros conceitos que se entrelaçam e se articulam, como:
Conhecimento, Cognição, Aprendizagem Colaborativa e a própria Construção Colaborativa,
já que este último faz parte da pretensão de ampliação do conceito construído no estudo do
CFGC. A fundamentação desta construção está alicerçada nos conceitos e autores
apresentados no início deste capítulo.
Além disto, como a perspectiva epistemológica na qual estão baseados estes conceitos
foco é a multirreferencial/complexa, os conceitos de multirreferencialidade e complexidade
também compõem a cartografia dos principais conceitos que se articulam numa construção
colaborativa do conhecimento.
Os conceitos secundários deste mapa estão implicados/imbricados com estes conceitos
principais que compõem o lastro teórico do processo de construção do conhecimento, através
88
da Mediação que acontece de maneira aleatória, embora coordenada, numa encruzilhada de
epistemologias.
Pensar em encruzilhada me remeteu a uma das cartas do tarô mitológico grego. Então,
me aproprio do significado da carta do Mago (um dos arcanos maiores), para expor as
possibilidades de escolha que uma encruzilhada pode apresentar. Os arcanos maiores no tarô
descrevem a viagem arquetípica, da vida e significa no tarô que: “[...] não obstante os detalhes
específicos que uma vida possa ter, longa ou curta, banal ou dramática, boa ou má, certos
estágios do desenvolvimento psicológico serão atravessados por todos nós indistintamente.”
(SHERMAN-BURKE, 1988, p. 15)
O tarô aqui é utilizado como uma metáfora para fundamentar esta encruzilhada de
epistemologias, com as quais os autores-pesquisadores da REDPECT e RICS se deparam num
ambiente complexo/multirreferencial. A confusão que este ambiente plural provoca e os
diversos caminhos, bases teóricas, que têm a escolher para seguir com suas pesquisas,
individuais e/ou coletivas. Principalmente quando coletivas, porque une a complexidade
humana, a pluralidade cultural, a diversidade de contextos, multireferências, diversas visões
de mundo etc. “A nível psicológico”, o Mago
[...] representa o guia. Significa que em algum ponto dentro de nós, não obstante o
quanto estejamos perdidos ou confusos, sempre vai existir um vislumbre das
profundezas do inconsciente para indicar-nos que direção deveremos tomar e que
escolhas poderemos fazer. (SHERMAN-BURKE, 1988, p. 25)
Assim sendo, trabalhar no coletivo pode facilitar as escolhas dos autores-
pesquisadores numa construção colaborativa.
Retomando a Mediação, como um dos caminhos da encruzilhada epistemológica que,
em redes de pesquisa, se articula a partir dos conceitos de Cooperação e Colaboração, com os
conceitos secundários que, por sua vez, também se articulam com sub-conceitos que emergem
neste processo cooperativo/colaborativo, perfazendo uma dinâmica complexa, qual seja:
o a Compreensão e a Interpretação, que em via de mão dupla potencializam a
aprendizagem e a criatividade;
a Compreensão potencializa os temas pesquisados, através de: leituras dialógicas
individuais/coletivas dos clássicos; a construção de mapas de citações dos autores
destes clássicos, teorias e conceitos; e a construção de estudos
cooperativos/individuais que são apresentados e discutidos no coletivo;
89
a construção colaborativa que, partindo dos construtos cooperativos, os quais
facilitam a Interpretação do objeto que se investiga, potencializando também a
aprendizagem e a criatividade;
o a Auto-organização de Saberes, Práticas, construtos em redes de pesquisa
colaborativa – os mosaicos – que em três tempos-espaços, possibilitam a Pluralidade
Cultural, potencializam a Inteligência Coletiva dos grupos de pesquisa e predispõem a
Aprendizagem;
o todo esse processo que se propõe cíclico, fluido, possibilitado pela Mediação, se
concretiza no Compartilhamento, na disseminação/difusão do conhecimento, que se
busca tornar um bem público.
Somam-se a estes conceitos secundários outros tantos emergentes, os quais também se
fazem presentes num trabalho em processo de construção coletiva/colaborativa, como: a
Afetividade, a Autonomia, a Dinâmica de Grupo, o Poder e a Política. Estes conceitos,
embora circulares, externos ao processo, podem determinar resultados, consequências, ruídos
e distorções no construto, no mosaico. Mosaico este que será apresentado/instituído após
discussões, análises críticas, reflexões teóricas.
Estes conceitos emergentes serão fundamentados fluidamente na análise das
informações levantadas no campo empírico, desde que se façam presentes também nesta
investigação, ou seja, que de maneira recorrente, ou não, emirjam nos recortes analisados,
como ocorreu no estudo antecedente mencionado. Entretanto, caso não se façam presentes nas
análises, serão fundamentados a medida da necessidade de ampliação do conceito de
construção colaborativa do conhecimento em (trans)formação/ampliação.
Todos estes temas, principais e secundários, embora possam aparentar um processo
simples na representação gráfica escolhida, formam uma teia/rede, de referenciais teóricos,
mosaicos epistemológicos-teóricos-metodológicos e também políticos, de: conceitos, saberes,
práticas, compartilhados, mediados, interpretados, auto-organizados, compreendidos e
difundidos, ou não. E, a partir deste ser ou não ser, podemos dizer que esta é uma rede
implicada/imbricada, que constitui o processo de construção do conhecimento de maneira
cooperativa/colaborativa. Processo este, que me proponho apresentar como
complexo/multirreferencial, partindo do seu epistemológico.
90
3.3.2 Construção Colaborativa: Eixo Epistemológico
Inicio as reflexões sobre o eixo epistemológico desta tese, considerando inicialmente a
complexidade, ou não, do pensamento a partir de um dialogo com Morin (2007), no qual ele
diz que,
A antiga patologia do pensamento dava uma vida independente aos mitos e aos
deuses que criava. A patologia moderna da mente está na hipersimplificação que não
deixa ver a complexidade do real. A [...] da ideia está no idealismo, onde a ideia
oculta a realidade que ela tem por missão traduzir e assumir como a única real. A
doença da teoria está no doutrinarismo e no dogmatismo, que fecham a teoria nela
mesma e a enrijecem. A patologia da razão é a racionalização que encerra o real
num sistema de ideias coerente, mas parcial e unilateral, e que não sabe que uma
parte do real é irracionalizável, nem que a racionalidade tem por missão dialogar
com o irracionalizável. (p. 15)
Considerando esta reflexão de Morin, podemos dizer então que cada linha de
pensamento tenta levar seu público para o tema que domina e se fechar nele mesmo, não se
importando com a “complexidade do real”, a face oculta do ideal, o enrijecimento teórico,
nem o desvelar do racional através do diálogo com o que não é racional, sua incompletude.
Quando deixamos de discutir amplamente temas que vão contra estas teorias/pensamentos, os
consideramos como sistemas fechados, completos. A consequência disto é que deixamos de
estabelecer um dialogo com o impensável e isto pode mutilar a complexidade do
conhecimento em questão.
Morin (2007, p. 15), com esta reflexão propõe “[...] sensibilizar para as enormes
carências de nosso pensamento, e compreender que um pensamento mutilador conduz
necessariamente a ações mutilantes.” Por isto, é preciso “[...] tomar consciência da patologia
contemporânea do pensamento.” Diz ainda o autor que,
[...] o pensamento simplificador é incapaz de conceber a conjunção do uno e do
múltiplo (unitat multiplex). Ou ele unifica abstratamente ao anular a diversidade, ou,
ao contrário, justapõe a diversidade ao conceber a unidade.
Assim, chega-se a inteligência cega. (p. 12).
Considerar a cegueira da inteligência pode ser inconcebível quando se pensa nas
consequências disto para a humanidade, o planeta e a inter-dependência destes. Morin
corrobora com esta preocupação ao arguir que, a
[...] inteligência cega destrói os conjuntos e as totalidades, isola todos os seus
objetos do seu meio ambiente. [...] não pode conceber o elo inseparável entre o
observador e a coisa observada. As realidades-chaves são desintegradas. [...] passam
por entre as fendas que separam as disciplinas. As disciplinas das ciências humanas
não têm mais necessidade da noção de homem. E os pedantes cegos concluem então
que o homem não tem existência, a não ser ilusória. (MORIN, 2007, p. 12).
91
Os resultados disto são certamente nefastos para a sociedade. Ela se torna
simplificadora e deixa de considerar a complexidade do mundo com o qual interage e constrói
conhecimento, desta maneira, fragmentado e ilusório. Refletindo sobre o ser humano e a
sociedade expõe Morin (2007) que,
[...] A incapacidade de conceber a complexidade da realidade antropossocial, em
sua microdimensão (o ser individual) e em sua macrodimensão (o conjunto da
humanidade planetária), conduz a infinitas tragédias e nos conduz à tragédia
suprema. Dizem-nos que a política “deve” ser simplificadora e maniqueísta. [...]
Mas a estratégia política requer conhecimento complexo, porque ela se constrói na
ação com e contra o incerto, o acaso, o jogo múltiplo das interações e retroações. (p.
13)
Questões sócio-políticas importantes e necessárias para a qualidade de vida deste ser
social, que precisa ser político para sua própria sobrevivência, estão imbricadas nesta cegueira
da inteligência. A redução do mundo em dois aspectos únicos, contrários, positivo ou
negativo, proposta pelo maniqueísmo41, significam a simplificação de uma sociedade que
precisa se reconhecer plural para uma ação política que contemple todos os aspectos dessa
diversidade/complexidade, tanto no humano quanto no social.
Isto me conduziu a pensar a questão dos desafios do analista cognitivo e sua projeção
no mundo, conforme as considerações de Galeffi (2011, s.p.), na apresentação do livro
mosaico: “Epistemologia, construção e Difusão do conhecimento”:
O analista cognitivo se encontra diante dos desafios da complexidade, das
multiplicidades, das diferenciações e individuações rizomáticas no campo coletivo e
nas oscilações do mundo das trocas e produções de mais valia. [...] se projeta em um
campo de possibilidades que requisitam múltiplas habilidades e competências.
Esta sem dúvida não é uma realidade apenas do analista cognitivo, mas também do
homem contemporâneo e os desafios do seu mundo. Viver coletivamente é uma necessidade
que se concretiza cotidianamente. Múltiplas habilidades e competências são exigências não só
aos profissionais na atualidade, mas também aos pais para orientar e acompanhar os filhos
neste complexo mundo globalizado, multicultural; aos professores para orientar e aprender
junto com seus alunos, cada vez mais inteligentes, complexos, informatizados, politizados etc.
Para se construir conhecimento neste mundo complexo, multirreferencial, multirreferente é
preciso se conscientizar de que,
41
(ma.ni.que.ís.mo). sm. 1. Fil. Doutrina do persa Mani ou Manes (séc. III) segundo a qual o mundo foi criado
e é dominado por dois princípios antagônicos, o bem absoluto, que é representado por Deus, e o mal absoluto,
representado pelo Diabo. 2. Forma de julgamento ou de avaliação que reduz uma questão a dois aspectos opostos
e incompatíveis. Disponível em: Read more:< http://www.aulete.com.br/maniqueísmo#ixzz3e5bm4vTR>.
92
Qualquer conhecimento opera por seleção de dados significativos e rejeição de
dados não significativos: separa (distingue ou disjunta) e une (associa, identifica);
hierarquiza (o principal, o secundário) e centraliza (em função de um núcleo de
noções-chaves); estas operações, que se utilizam da lógica, são de fato comandadas
por princípios “supralógicos” de organização do pensamento ou paradigmas,
princípios ocultos que governam nossa visão das coisas e do mundo sem que
tenhamos consciência disso. (MORIN, 2007, p. 10).
É a partir desta lógica que a complexidade foi assumida como um dos eixos
epistemológico da construção colaborativa do conhecimento. Ela propõe uma dinâmica de
análise similar à proposta na metodologia deste estudo, ou seja, as informações significativas
serão selecionadas e organizadas em matrizes para as análises, as não significativas rejeitadas,
tudo isso em função da cartografia teórica proposta e das questões/objetivos a serem
respondidos/alcançados. Estes elementos finais podem ser considerados aqui como este
“núcleo de noções-chaves” que Morin apresenta.
Esta lógica fica mais clara na concepção de complexidade que este autor apresenta a
partir da sua resposta à questão: “Como o senhor definiria a complexidade?”. Pergunta feita
pela jornalista Djénane Kareh Tager, no livro “Meu Caminho: Entrevistas com DJénane
Kareh Tager”:
Eu diria, inicialmente, que complexo é tudo aquilo que não pode se reduzir a uma
explicação clara, a uma ideia simples e, muito menos, a uma lei simples. Mas isso,
evidentemente, não é suficiente. Vou referir-me à origem latina da palavra:
complexus significa “o que é tecido em conjunto”. O conhecimento complexo
procura situar seu objeto na rede à qual ele se encontra conectado. De maneira
inversa, o conhecimento simplificador visa a conhecer isolando seu objeto,
ignorando [...] o que o liga a seu contexto e, mais amplamente, a um processo ou a
uma organização global. O conhecimento complexo objetiva reconhecer o que liga
ou religa o objeto a seu contexto, o processo ou a uma organização em que ele se
inscreve. Na verdade, um conhecimento é mais rico, mais pertinente a partir do
momento em que o religamos a um fato, um elemento, uma informação, um dado,
de seu contexto. (MORIN, 2010, s.p.)42
Após um exemplo prático como confirmação da sua resposta, Morin conclui a
pergunta com uma citação do grande matemático Pascal, em corroboração as suas
considerações e também como uma homenagem a uma colocação, que a seu ver, seria
merecida: “E como todas as coisas são causadoras, ajudadas e ajudantes, mediatas e
imediatas, e todas se mantêm por um laço natural e insensível que liga as mais afastadas e as
mais diferentes, tenho como impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, bem como
conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes.”
42
Não foi possível citar a página, pois só consegui uma cópia digitalizada do livro “Meu Caminho: Entrevistas
com DJénane Kareh Tager”, na qual os números das páginas foram cortadas.
93
Desta maneira, o “isolamento do objeto” de seu contexto pode fazer com que o
conhecimento perca sua pertinência, ou se transforme em outro objeto ou conhecimento
diferente do que se busca ou que se quer construir. Contextualizar, portanto, é uma maneira de
compreender o objeto em toda sua complexidade e também as características da rede de
referências a qual este está conectado.
A definição para a complexidade, que Morin (2007) apresenta no seu livro
“Introdução ao pensamento complexo” é mais detalhada e complexa que a resposta à questão
da entrevistadora Djénane Kareh Tager. Além disso, ele a complementa com uma
preocupação quanto à cegueira que poderia ser provocada, caso as operações de organização
do conhecimento isolassem outros aspectos importantes do “tecido” (complexus) em conjunto,
como se pode ver abaixo:
A um primeiro olhar, a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido junto)
de constituintes heterogêneas inseparavelmente associadas: ela coloca o paradoxo do
uno e do múltiplo. Num segundo momento, a complexidade é efetivamente o tecido
de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que
constituem nosso mundo fenomênico. Mas então a complexidade se apresenta com
os traços inquietantes do emaranhado, do inextricável, da desordem, da
ambiguidade, da incerteza... Por isso o conhecimento necessita ordenar os
fenômenos rechaçando a desordem, afastar o incerto, isto é, selecionar os elementos
da ordem e da certeza, precisar, clarificar, distinguir, hierarquizar... Mas tais
operações, necessárias à inteligibilidade, correm o risco de provocar a cegueira se
elas eliminam os outros aspectos do complexus [...] (p. 13-14).
Nessa perspectiva, é que a complexidade se concretiza como um dos eixos
epistemológicos do processo de construção colaborativa do conhecimento como um mosaico,
de “constituintes heterogêneas”, “o paradoxo” do individual e do coletivo, “o tecido junto”, a
modelagem/moldagem de “ações, interações, retroações, determinações, acasos”, a ordem, a
desordem, a auto-organização, a transformação das tesselas/partes unidas do
mosaico/construto, sempre em construção, sempre inacabado.
Todos esses elementos que constituem a construção colaborativa do conhecimento,
como um processo complexo também a constituem como multirreferencial, a outra
perspectiva do eixo epistemológico deste estudo. Ademais adota Ardoino (1998) inteiramente
que,
[...] a hipótese da complexidade, até mesmo da hipercomplexidade, da realidade a
respeito da qual nos questionamos, a abordagem multirreferencial propõe-se a uma
leitura plural de seus objetos (práticos ou teóricos), sob diferentes pontos de vista,
que implicam tanto visões específicas quanto linguagens apropriadas às descrições
exigidas, em função de sistemas de referências distintos, considerados, reconhecidos
explicitamente como não-redutíveis uns aos outros, ou seja, heterogêneos. (p. 24)
94
Com esta leitura plural da realidade complexa, os autores-pesquisadores da REDPECT
e da RICS interagem construindo conhecimento colaborativamente, numa linguagem que,
embora possa parecer singular, serve para
[...] elaborar, trocar, transmitir, expressar, traduzir, mobilizar afetos, ideias, opiniões,
crenças. [...] linguagens muito diferentes umas das outras, pelos modelos que
implicam, até mesmo em razão de suas visões de mundo subjacentes, que coexistem
e se justapõem através de tudo o que nos parece mais banal aceitar como óbvio.
(ARDOINO, 1998, p. 25)
Este é um lastro que certamente potencializa a aprendizagem, a criatividade, a
inteligência coletiva, a construção de projetos individuais e coletivos. Com referência a
projetos institucionalizados Ardoino (1998) argui que, “[...] Na prática o projeto é pensado ora
em termos de intenções, ora em termo de programas.” Ele alerta para o cuidado que se deve
ter com o senso comum, os projetos “receitas”, para que os sujeitos dessas interações se
reconheçam neles. Embora acredite ser importante enfatizar que, os autores-pesquisadores das
redes de pesquisa em análise nesta tese, buscam dialogar com o senso comum e construir
conhecimento em conjunto, articulando conceitos, teorias com os fenômenos deste senso
comum. Isto não quer dizer que não seja importante, “[...] trabalhar com suficiente exigência
essas produções de linguagens, ao mesmo tempo, material e ferramenta dos procedimentos
aplicados [...]”, mesmo porque o contrário disto seria
[...] aceitar que se produza alienação, comprometendo pesadamente, desse modo, as
decisões que devem sempre ser tomadas no plano da ação. É bem por isso que se
torna preferível demarcar, escolher, distinguir, reconhecer, diferenciar os sentidos
mais diversos que podem revestir os termos empregados, em função das psicologias
e das posições sociais dos interlocutores, dos diferentes parceiros, de acordo com as
conjunturas mais amplas nas quais se inscrevem as situações. (ARDOINO, 1998, p.
26)
Segundo a pesquisa anterior, a compreensão dos discursos de Morin e Ardoino sobre a
complexidade e a multirreferencialidade “ajudou a encaminhar uma análise que se
comprometeu a acompanhar o processo da construção colaborativa, na dinâmica do seu fluxo,
de modo a não perder a riqueza das interações e garantir a integridade dos discursos dos
sujeitos-construtores do conhecimento.” Facilitou também o contraste do discurso destes com
os dos alunos-construtores -, como denominados os sujeitos naquela investigação -, aceitando
a exigência posta quanto à hipercomplexidade do fenômeno pesquisado e a leitura mais aberta
de seus objetos, heterogêneos/não-redutíveis uns aos outros, conforme perspectiva da
abordagem multirreferencial.
95
Retomo também um dialogo com Fróes Burnham (1998), baseado em Ardoino (1989,
1992), para esta interpretação hermenêutica do objeto em estudo, das diversas linguagens
acima mencionadas, no qual ela diz que a análise de fenômenos segundo a
multirreferencialidade é
[...] uma perspectiva de apreensão da realidade através da observação, da
investigação, da escuta, do entendimento, da descrição, por óticas e sistemas de
referência diferentes, aceitos “como definitivamente irredutíveis uns aos outros e
traduzidos por linguagens distintas, supondo como exigência a capacidade do
pesquisador de ser poliglota” e, acrescentamos, de ter uma postura aberta, [...]. Esta
perspectiva, [...] “encaminha a si mesma (como implicação) uma visão de mundo
propriamente cultural” e requer uma “compreensão hermenêutica da situação” em
que os sujeitos aí implicados “interagem intersubjetivamente”. (p. 45).
A intersubjetividade pressupõe a interação de subjetividades, neste estudo exponho
sobre a dos autores-pesquisadores que coletivamente constroem conhecimento de maneira
colaborativa. Mas para isto, estes sujeitos precisam além da compreensão dessas diferentes
linguagens, ter também essa “postura aberta”, conforme recomenda Fróes Burnham. Esta
questão nos remete aos sistemas abertos e a sua interpretação por Doll (1997):
[...] os sistemas abertos exigem disrupções, erros e perturbações – isso é a “confusão
caótica” a ser transformada. O sistema opera através de dissipação, interação e
feedback “positivo” que amplifica [...]. Os objetivos do currículo aqui não precisam
ser nem exatos nem preestabelecidos: eles devem ser gerais e generativos,
permitindo e encorajando as transformações criadoras e interativas. (p. 30)
Embora, Doll reflita sobre os sistemas abertos fundamentando currículos, tema que
não está em discussão nesta tese, mas que também não está distante do nosso objeto. Desde
que, o processo de construção colaborativa do conhecimento potencializa a: aprendizagem,
criatividade, interpretação e compreensão etc., para (in)formação dos autores-pesquisadores.
Portanto, resolvi utilizar para fundamentar esta questão.
Para, além disto, a prática de feedback vem sendo citada nesta tese fluidamente nos
capítulos 1 e 2, como uma técnica que traz ganhos nas relações intra(trans)subjetivas dos
autores-pesquisadores e também na minha história de vida profissional, no exercício da
confiança mutua com os clientes e analise crítica da situação experienciada; na práxis da
construção colaborativa do conhecimento em sala de aula, incentivando a perspectiva crítica,
a autonomia para os meus alunos; no respeito as opiniões em reuniões de orientação coletiva
das redes de pesquisa; na possibilidade de manter o foco no tema através do respeito ao
feedback (comentários) dos presentes às reuniões, numa construção colaborativa.
96
Nessas bases, assim como aconteceu na pesquisa construída anteriormente, resolvi
trazer “como aporte para o entendimento da complexidade deste estudo” os conceitos de caos
e ordem, para fundamentar os conceitos secundários e emergentes do processo de construção
colaborativa do conhecimento, incluindo o de inter(trans)subjetividade. Entretanto, como
anteriormente informado, a fundamentação teórica destes será feita nas Tesselas 4 e 5, Logia
do Método e Análises Críticas dos Construtos Mosaicos das duas redes de pesquisa,
respectivamente. À medida que se faça necessário fundamentá-los na metodologia, ou quando
estes emergirem nas análises do objeto em questão, tornando imperativa a revisão do que até
então foi construído.
Neste capítulo/tessela portanto, a cartografia dos referencias teóricos se resumiram à
fundamentação dos seus eixos epistemológicos, assumidos na perspectiva da
multirreferencialidade e da complexidade, no humano e no social. Assim sendo, a próxima
seção apresenta as contribuições que as disciplinas cursadas no DMMDC trouxeram para a
concepção do conceito de construção colaborativa em (trans)formação.
3.4 CONCEPÇÃO DE CONSTRUÇÃO COLABORATIVA: CONTRIBUIÇÕES
DO DMMDC
O tema “construção colaborativa do conhecimento” vem sendo trabalhado por mim
desde o mestrado e me acompanhou durante este doutorado, em todas as disciplinas cursadas.
E, como esta investigação pretende: (1) ampliar/(trans)formar o conceito construído na
pesquisa de mestrado; (2) apresentar os referenciais teóricos e das análises construídos; e
ainda, (3) apresentar um feedback ao PPG em Difusão do Conhecimento quanto as
contribuições que as disciplinas ofereceram para estas construções; esta análise se configura
num subsídio importante para a reformulação do currículo do DMMDC (em pleno processo
de avaliação) e também como uma significativa contribuição com os pesquisadores
interessados no tema.
Então, esta seção apresenta as disciplinas cursadas no DMMDC, conforme listadas no
Quadro 3 abaixo (e também, de maneira mais ampliada no Apêndice F, p. 282). Estas
disciplinas trouxeram significativas contribuições para o estudo/análise do conceito de
97
construção colaborativa do conhecimento, desde a prática em sala de aula, observando a
atuação de dois ou mais professores trabalhando de maneira solidária/colaborativa, como
também com os conceitos tratados que deram base de sustentação teórica para meu processo
de construção do conhecimento. Isto fez possível a construção desta tese.
Quadro 3 – Semestres e Disciplinas cursadas no DMMDC
SEMESTRE PERÍODO DISCIPLINAS CURSADAS
NATUREZA
DA
DISCIPLINA
PROFESSORES
2011.1 14/03 a
17/07/2011
EDC A85 - Epistemologia e
Construção do Conhecimento OB
Eduardo Oliveira, Francisca
de Paula e Alfredo Matta
EDC B14 - Seminário de Tese AT Hernane Pereira e Roberto
Ponczek
EDC C42 - TE – Análises
Cognitivas OP
Teresinha Fróes e José Luis
Michinel
2011.2 15/08 a
15/12/2011
EDC A86 - Metodologia de Análise
dos Processos Cognitivos OB
Dante Galeffi e Wilson
Nascimento Santos
EDC A89 - Processo de Construção
do Conhecimento DL
Felix Diaz, Lúcia Leiro e
Suely Messeder
EDC E30 - TE - Análise Cognitiva
II OP
Teresinha Fróes, Leliana
Sousa e Rosangela Costa
Araújo
EDC C50 - TE - Filosofia
contemporânea: a perspectiva
latino-americana e africana
OP Eduardo Oliveira e
Rosangela Costa Araújo
2012.1 05/03 a
07/07/2012
EDC A87 - Sistemas Complexos OB José Garcia Vivas Miranda
EDC B11 - Pesquisa Orientada OP Todos os Professores, Dante
Galeffi
EDC B15 - Estagio docente OP* Teresinha Fróes e Maria Inês
2012.2 13/08 a
10/12/2012
EDC A88 - Sistema de
Representação do Conhecimento OB Hernane Borges Pereira
EDC B14 - Seminário de Tese AT Roberto Ponczek, Hernane
Pereira
EDC B15 - Estagio docente OP* Teresinha Fróes e Maria Inês
Marques
LEGENDA: OB – Obrigatória / OP – Optativa / AT – Atividade Obrigatória / DL – Obrigatória de linha
OP* - Obrigatória para todos os bolsistas da CAPES
Fonte: Quadro elaborado para apresentação das disciplinas cursadas no DMMDC.
A apresentação desse quadro de disciplinas cursadas no DMMDC, conclui a Tessela 3
e encaminha o texto para a Tessela 4: Logia do Método, a qual apresenta a Metodologia
desta investigação, sua dinâmica, Método e os Corpora de Análise.
98
4 TESSELA: LOGIA DO MÉTODO
Neste quarto capítulo/tessela do mosaico metodológico, apresento o caminho do
processo de investigação desenvolvido neste estudo. Aqui descrevo a dinâmica da coleta de
dados do acervo documental disponível nos registros de produção da REDPECT e da RICS e
nas entrevistas feitas a membros dessas redes de pesquisa, bem como:
a sistematização para transformar esses dados em informações;
a ordenação dessas informações de modo sequencial linear, cronológico;
e sua posterior (re)construção para revelar o conhecimento construído
colaborativamente pelos integrantes dessas redes.
Esta metodologia se origina na dissertação de mestrado e se amplia nesta tese, desde a
denominação dos sujeitos, membros desses grupos de pesquisa como “autores-
pesquisadores”, antes, no mestrado -, “sujeitos-construtores, sujeitos-aprendizes, sujeitos-
produtores” -, que constroem conhecimento colaborativamente, de maneira presencial, nas
reuniões ordinárias ou extraordinárias dessas redes e/ou à distância, em Comunidades Virtuais
de Aprendizagem - CVA, no Moodle/UFBA ou em provedores gratuitos.
A construção colaborativa do conhecimento, na perspectiva proposta neste trabalho,
mediada por discussões e debates em redes de pesquisa multirreferenciais complexas, ainda é
tema carente de investigação, de métodos mais robustos de pesquisa. Isto ficou explícito nas
lacunas do conhecimento encontradas no referido mestrado, embora muito se tenha falado a
respeito em estudos da educação à distância, mediados por AVA.
Resolvi então, antes de adentrar efetivamente na metodologia propriamente dita, a
Modelagem do Mosaico Metodológico, apresentar a “logia do método” com uma reflexão
teórica sobre as lacunas do conhecimento encontradas na literatura e a confusão existente nos
meios acadêmicos sobre os conceitos de “cooperação” e “colaboração”. Esta decisão se
justifica no desejo genuíno de concretizar o que se propõe este estudo: compreender a
complexidade dos processos de “construção colaborativa do conhecimento”, para ampliação
do conceito construído e sua difusão.
99
4.1 LACUNAS E CONTROVÉRSIAS DO TEMA
Os resultados do levantamento da literatura feito no mestrado não apresentaram
“referências específicas” sobre o tema “Construção Colaborativa”, apesar do escrutínio
realizado via internet: “no Google, no Google Acadêmico, no Scielo Brasil, no Portal da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES”, muito embora, as
possibilidades tenham sido amplas na busca dos temas: “construção colaborativa; construção
coletiva; construção em rede; construção colaborativa como estratégia da GC; construção
cooperativa, construção colaborativa do conhecimento”.
Na referida dissertação, ainda como pressuposto, um dos “pontos fortes” colocados como
característica da construção colaborativa era o “despertar da consciência para a apropriação de
conceitos pertinentes ao tema, a valorização das descobertas, através do dialogo entre as
percepções do sujeito com as contribuições de autores que tratam desse tema”, mesmo assim as
buscas não foram muito frutíferas, foram encontradas evidências43 como:
1) construção colaborativa de cursos para engenheiros civis, abordando a
construção estrutural física; 2) construção coletiva na perspectiva de sites abertos
onde as pessoas postam textos e trocam informações, como a ferramenta WIKI; 3)
educação na cibercultura (construção colaborativa); 4) planejamento de cursos
baseados em abordagens colaborativas em EaD; 5) sites de escrita colaborativa,
onde pesquisadores de linguística trocam informações; 6) pesquisa e
desenvolvimento de ferramentas / softwares para a construção colaborativa.
Na realidade, na perspectiva que se buscava, as “lacunas” do conhecimento não foram
inteiradas na exploração da literatura. O que foi encontrado se referia a “softwares de interação,
oriundos da área de ciência da informação, cursos de administração, sites e ambientes virtuais
de informação/interação e pesquisa”. Na “área de educação” à época apenas algumas
referências foram encontradas. Ficou evidente também que há uma “confusão” na interpretação
dos conceitos de “colaboração” e “cooperação”, no que tange “ao desenvolvimento de
habilidades de relacionamento em grupo numa construção colaborativa”. Habilidades essas
definidas como:
1) se relacionar com os componentes do grupo; 2) ter explícita a importância do
bom relacionamento; 3) conseguir explicitar qualquer sentimento contrário com
tranquilidade, com liberdade de opinião, tendo a certeza que o grupo ouvirá e
colaborará; que tudo pode ser explicitado e debatido pelo grupo presencialmente
ou à distância.
43
Estes resultados e os abaixo citados nesta página estão disponíveis na mencionada dissertação, em Sanches
(2011, p. 40-41).
100
Essa confusão entre cooperação e colaboração, foi argumento para refletir sobre o
conceito de “construção colaborativa do conhecimento” construído, através do dialogo com os
autores44
que contribuíram para a definição deste. À época, a mencionada confusão conceitual
emergiu dos diálogos com os autores que investigam estes temas, à medida que fui fazendo o
levantamento da literatura. Mas, como esta confusão foi explicitada neste estudo em uma das
entrevistas feitas com um dos autores-pesquisadores45
, eu achei pertinente retomar aquela
fundamentação destes conceitos, e ampliá-la a partir do material tratado, reescrevendo e
consultando novos autores.
Inicio então a investigação a partir das diferenças entre cooperar e colaborar na
definição de Knihs e Araújo Jr. (2007, p. 5):
Cooperar – “[...] trabalho em comum, auxiliar no processo de um objetivo comum
juntamente com outras ações conjuntas, tendo um propósito comum”;
Colaborar – [...] tem um sentido de “fazer junto”, de trabalhar em conjunto com
interação, não tendo uma figura hierarquizada no grupo.
Dizem eles ainda, que é possível “analisar a palavra colaboração como co-laborar, ou
seja, co-trabalhar, trabalhar junto”. (p. 4) Embora na perspectiva Piagetiana colaboração tenha
um sentido aparentemente contrário a estas definições de Knihs e Araújo, isto porque
colaboração para eles se assemelha muito a definição de cooperação de Piaget, que argui no
livro “Piaget ou a Inteligência em Evolução” que a
[...] cooperação, com efeito, é um método característico da sociedade que se constrói
pela reciprocidade dos trabalhadores e a implica, ou seja, é precisamente uma norma
racional e moral indispensável para a formação das personalidades, ao passo que a
coerção fundada apenas sobre a autoridade dos mais velhos ou do costume, nada
mais é que a cristalização da sociedade já construída e enquanto tal personalidade
não tem justamente nada de oposto às realidades sociais, pois constitui, ao contrário,
o produto por excelência da cooperação. (MONTANGERO & MAURICE-
NAVILLE, 1998, p. 141)
Em “Estudos Sociológicos” (1973), Piaget confirma essa inversão entre colaboração e
cooperação afirmando que:
“[...] colaboração resume-se à reunião das ações que são realizadas isoladamente pelos
parceiros, mesmo quando o fazem na direção de um objetivo". (p. 81).
44
Apresentados na “Tessela 3 Construção Colaborativa - Reflexões Teórico-Epistemológicas” desta tese. 45
Esta confirmação está disponível na análise da entrevista de Silva (2015), nas páginas 215-216, Tessela 5.
CONFIRMAR APÓS FINAL DA REVISÃO
101
“cooperar na ação é operar em comum, isto é, ajustar por meio de novas operações
(qualitativas ou métricas) de correspondência, reciprocidade ou complementaridade, as
operações executadas por cada um dos parceiros.” (p.105)
No levantamento da literatura que abordava a cooperação e a colaboração foram
encontrados outros autores, que interpretam estes conceitos a partir da perspectiva Piagetiana,
e confirmam esta troca de significado. Um exemplo disso é COSTA & FRANCO (2006), que
definem cooperação em Piaget como sendo “construída pela reciprocidade, e não pela
coerção”, e ainda que “é entendida no sentido de se operar em conjunto, a partir de uma série
de operações encadeadas logicamente”. (PIAGET, 1973, apud46
MEHLECKE & TAROUCO,
2003)47
Interessante observar também que a exceção de Piaget, que estuda a construção do
conhecimento e a aprendizagem, os autores que tratam de cooperação e colaboração buscam
esses conceitos para os estudos de conteúdo e forma de AVA. Portanto, embora a busca se
assemelhe ao levantar a questão da aprendizagem, são autores da área de computação e EaD.
Encontrei em COGO (2006), Enfermeira e Mestre em Educação, algumas reflexões
importantes sobre a visão Piagetiana desses conceitos, para o “ensino de enfermagem em
ambiente virtual”.
A autora diz que
[...] o desdobramento dos conceitos de cooperação e de colaboração merece uma
investigação mais minuciosa e elaborada. Existem, com frequência, divergências
conceituais no meio acadêmico entre cooperar e colaborar. No entender de alguns
autores, entre estes pode-se citar Campos48
, a cooperação é um nível intermediário
de compartilhamento das atividades em comunidades virtuais, com discussão
temática e estabelecimento de normas de trabalho coletivo no intuito de realizar uma
tarefa. A colaboração compreenderia a construção de conhecimentos com objetivos
estabelecidos e compartilhados com os participantes desta comunidade virtual,
sendo superior o nível de relação social. (p. 681)
Neste ponto Cogo (2006), estabelece uma comparação entre o que outros autores
pesquisados por ela apresentam sobre esses conceitos e o que Piaget por sua vez apresenta,
dizendo que: “[...] cooperação e colaboração são apresentadas por Piaget de forma inversa,
46
Todas as citações de outros autores foram também escrutinadas, portanto foram colocados nas referências
desta tese. Embora, tenham sido citadas como no primeiro texto encontrado. 47
Referência citada por Costa & Franco: “MEHLECKE, Q. T. C.; TAROUCO, L. M. R. Ambiente de Suporte
para Educação a Distância: a mediação para aprendizagem cooperativa. In: RENOTE: Revista Novas
Tecnologias na Educação, Porto Alegre, v. 1, n. 1, fev. 2003”. 48
Referência citada pela autora: “Campos M. Comunidades em rede: da publicação à construção de
conhecimentos. In: Maraschin C, Freitas LBL, Carvalho DC. Psicologia & Educação. Porto Alegre (RS):
Editora da UFRGS; 2003”.
102
sendo a cooperação o grau mais elevado de socialização”. E acrescenta: “na perspectiva de
Piaget, a construção do conhecimento somente ocorrerá se os alunos cooperarem. A
colaboração refere-se à troca de informações entre os sujeitos envolvidos no processo de
aprendizagem, com a conotação de ato solidário”.
A partir disso fica confirmado que realmente existe uma inversão e, como sempre
faço, começo a me inquirir, problematizando a questão. Por que essa inversão? Será uma
questão de interpretação? Ou quem sabe talvez problemas na tradução? Será que a confusão
existente entre cooperação e colaboração não vem dessa inversão? Por que as pessoas
confundem tanto esses conceitos? Será que é por conta da imbricação entre eles?
Continuei dialogando com os autores sobre especificamente as diferenças entre estes
conceitos e encontrei uma informação importante: “[...] é possível surgir a colaboração
através de um ambiente cujo trabalho se dê de forma cooperativa [...]”, e mais importante
ainda é que, um “[...] ambiente cooperativo torna-se um ambiente onde pode surgir a
interação necessária para um trabalho colaborativo [...]”. (KNIHS e ARAÚJO Jr., 2007, p. 5).
Fui buscar então a definição de “ambiente cooperativo” em Mason (1998)49
, traduzida
e sintetizada por Okada (2003), como um
[...] ambiente cujo objetivo é trabalho colaborativo e participação online. Existe
muita interação entre os participantes através de comunicação online, construção de
pesquisas, descobertas de novos desafios e soluções. O conteúdo do curso é fluido e
dinâmico e determinado pelos indivíduos do grupo. O suporte e orientação existem,
mas neste caso é menor. É um curso também diferente do presencial por possibilitar
a construção de comunidades de aprendizes. É importante que todos tenham um
bom relacionamento e proximidade. (MASON, 1998, apud OKADA, 2003, p. 276)
Partindo dessa lógica, a confusão que existe entre cooperação e colaboração pode estar
centrada na interpretação de cooperação dos autores das Ciências da Informação, para
elaboração de AVA, um “ambiente virtual de cooperação”. E em Piaget como uma “[...] norma
racional e moral indispensável para a formação das personalidades [...]”, e também como “[...]
o grau mais elevado de socialização [...]”, como citado anteriormente. Portanto uma questão
que está ligada ao desenvolvimento do sistema intelectual do ser humano, ou seja, o processo
de amadurecimento desse sistema, mas em interação com o meio em que atua. Isto porque
está relacionado com o nível mental de operação do indivíduo e a ação social entre
indivíduos.
49
Referência citada: “MASON, R. (1998) Models of Online Courses - The Open University - Institute of
Educational Technology. Disponível em: http://www.aln.org/alnweb/magazine/vol2_issue2/Masonfinal.htm”.
103
Abro este espaço para enfatizar o que diz Okada, a importância do “bom
relacionamento e proximidade” de todos, o que acredito ser possível a partir da internalização
dos princípios de colaboração, que neste processo de construção de conhecimento também
potencializa a inteligência coletiva do grupo, conforme explicita o mapa conceitual desse
processo/estudo. Chamo a atenção também para a colaboração colocada como princípio,
portanto comum aos seres humanos, questão que será esclarecida no decorrer do texto.
Retomando o cerne da questão -, ou seja, as diferenças entre colaborar e cooperar -,
percebi claramente nesses diálogos que existe uma questão pedagógica implícita nessa busca
de definir esses conceitos. E também que, esses autores buscam dar conta dessa questão que
tem a haver com a pedagogia, através da “epistemologia da genética” de Piaget.
Investigando esse ponto em Piaget, Cogo argui que a
[...] epistemologia genética pode ser compreendida como uma teoria processual, a
qual concebe a construção do conhecimento na ação do sujeito. O conhecimento, no
entendimento de Jean Piaget, não está pré-determinado nas estruturas internas do
sujeito, nem nas características do objeto, mas sim na interação que ocorre entre o
sujeito e o objeto. (PIAGET, 1973, apud COGO, 2006, p. 681)
Cogo (2006) confirma a preocupação “política e intelectual pelas ações educativas na
virada do século XIX para o XX” de Piaget, que embora Biólogo por formação, refletiu sobre
a cristalização provocada pela “pedagogia tradicional” buscando mudanças. Diz ela ainda que
“[...] Piaget contribuiu com as fundamentações psicológica e epistemológica necessárias para
dar sustentação às propostas da pedagogia ativa”.
Diante deste contexto, pensando a EaD como instrumento pedagógico que potencializa
os AVA para a formação de CVA, fui buscar dialogar com Dias (2004, p. 8) para essa
fundamentação na sua afirmação: “Os processos e estratégias colaborativas integram uma
abordagem educacional na qual os alunos são encorajados a trabalhar em conjunto na
construção das aprendizagens e desenvolvimento do conhecimento”. Há então aí uma
mudança, uma transformação nos papéis do aluno e do professor.
O “[...] professor estimula e compartilha informações iniciais, na formação da
comunidade online, mas muito se faz por parte do aluno, com a participação social, mandando
e respondendo mensagens aos colegas, [...] criando um ambiente de comunidade, [...],
online”. (KNIHS e ARAÚJO JR., 2007, p. 6).
Sobre estes papéis Dias (2004), explicita que a “[...] aprendizagem colaborativa é
baseada num modelo orientado para o aluno e o grupo, promovendo a sua participação
104
dinâmica nas actividades e na definição dos objectivos comuns do grupo”. (p. 8). Diz ainda
que, nesta abordagem “[...], o papel tradicional do professor desloca-se para novos espaços de
acção e desenvolvimento da relação entre o professor e o aluno no processo de ensino-
aprendizagem [...]”. É portanto, um “[...] professor investido das funções de facilitador,
acompanhante e tutor das actividades do aluno”. Dias (2000, p. 147-148)
Quanto a questão de como se processou essa mudança, Dias (2000), esclarece que se
[...] operou a partir da deslocação das concepções centradas no professor para as
concepções centradas no aluno, do modelo centrado na transmissão para o modelo
orientado pelo processo de construção, no qual o conhecimento está
contextualmente situado e a formação da significação é revestida de uma dimensão
social na partilha e colaboração entre pares. (p. 147-148)
Neste sentido, considerando a “dimensão social”, que Dias (2000) levanta ao falar da
aprendizagem colaborativa, mais uma vez percebo que na visão de Piaget esta dimensão
social está ligada a cooperação e não a colaboração. Muito embora ele relacione de maneira
estreita estes conceitos ao afirmar, como citado acima, que “colaboração refere-se à troca de
informações entre os sujeitos envolvidos no processo de aprendizagem”, o que interpreto
como socialização do conhecimento construído. Além disso aparece também nesta fala de
Dias, a questão da “pedagogia tradicional”, o “modelo centrado na transmissão”, sendo
deslocado desse modelo para o “orientado pelo processo de construção” de conhecimento,
através da socialização. Esta (trans)formação desejada/trabalhada por Piaget é práxis na
REDPECT e na RICS, embora de maneira implícita nos seus registros.
Ainda falando sobre a aprendizagem colaborativa e este novo “aluno” e novo
“professor”, sujeitos de um ambiente plural, no qual segundo Dias (2000), a aprendizagem
[...] flexível e colaborativa promove um estilo activo de aprendente através da
responsabilização e iniciativa individual na exploração da multidimensionalidade
das representações nas redes de conhecimento; um estilo que se manifesta
principalmente na passagem do individual para o cooperativo e na implicação dos
outros membros da comunidade na construção do conhecimento através da partilha
das representações. (p. 161)
Neste ponto faço um parêntese para refletir sobre essa passagem do individual para o
cooperativo, ou seja, na minha percepção a cooperação aqui tem a haver com um trabalho que
embora feito individualmente seja cooperativo. Isto se justifica nesta partilha deste trabalho
individual no coletivo, para o crivo de todos, (trans)formando esta cooperação em
colaboração. Retorno a essa questão nas análises das entrevistas, na Tessela 5, quando alguns
105
entrevistados mencionam essa “partilha”, que vem do (com)partilhar no cotidiano da
REDPECT.
Dias (2000, p. 161) fala que o “[...] princípio da partilha é fundamental para a
formação das redes de ideias interrelacionadas, estratégias e teorias [...]”. Esta é uma questão
importantíssima para o processo de construção colaborativa do conhecimento, por que é
através dessas “redes de ideias interrelacionadas” que o grupo incorpora ao seu cotidiano
princípios de autonomia, de autoria, de análise crítica do conhecimento construído, de respeito
ao outro e suas diferenças, exercitando efetivamente o “ser” colaborativo e a práxis do
trabalho em rede.
O conceito de aprendizagem colaborativa para o Núcleo Minerva, Centro de
Competência Nónio Século XXI da Universidade de Évora, em Portugal, é definido como
[...] um conjunto de métodos e técnicas de aprendizagem para utilização em grupos
estruturados, assim como de estratégias de desenvolvimento de competências mistas
(aprendizagem e desenvolvimento pessoal e social), onde cada membro do grupo é
responsável, quer pela sua aprendizagem quer pela aprendizagem dos restantes
elementos. (2000, s.p.)
Nesta definição o Núcleo Minerva, assim como Piaget, aborda a questão social, só que
a partir da colaboração e não da cooperação. Eles destacam a “[...] participação activa e a
interacção, tanto dos alunos como dos professores [...]” na aprendizagem colaborativa e “o
conhecimento”
[...] como um constructo social e, por isso, o processo educativo é favorecido pela
participação social em ambientes que propiciem a interacção, a colaboração e a
avaliação. Pretende-se que os ambientes de aprendizagem colaborativos sejam ricos
em possibilidades e propiciem o crescimento do grupo. (s.p.)
Vejo nesta definição do Núcleo Minerva um elo com os estudos de Piaget, quando eles
apresentam o conhecimento como um construto social, ou seja, a socialização como potência
do processo educativo. Eles não fazem uma comparação entre cooperação e colaboração
entretanto apresentam um mapa para classificar as máximas50
, ou características, que
diferenciam a aprendizagem tradicional -, que tanto Piaget lutou para modificar -, e a da
aprendizagem colaborativa, resultado dessa modificação. Intitulei este mapa como Quadro 4
- Máximas sobre aprendizagem tradicional e colaborativa, e o apresento abaixo como
ilustração dessas questões:
50
Embora “máximas” seja um termo pouco utilizado no Brasil, resolvi mantê-lo como no texto original.
106
Quadro 4: Máximas sobre Aprendizagem Tradicional e Colaborativa
Máximas sobre
Aprendizagem Tradicional Aprendizagem Colaborativa
Sala de aula Ambiente de aprendizagem
Professor – autoridade Professor – orientador
Centrada no Professor Centrada no Aluno
Aluno - "Uma garrafa a encher" Aluno - "Uma lâmpada a iluminar"
Reactiva, passiva Proactiva, investigativa
Ênfase no produto Ênfase no processo
Aprendizagem em solidão Aprendizagem em grupo
Memorização Transformação
Fonte: Núcleo Minerva, Centro de Competência Nónio Séc. XXI, da Univers. de
Évora (2000, s.p.).
Essa “máxima da aprendizagem colaborativa” apresentada pelo Núcleo Minerva,
como processo de construção colaborativa do conhecimento, em Hetkowski (2007), posso
dizer que cada “[...] movimento dinâmica desencadeia princípios de Inteligência Coletiva
[...]”,
[...] onde os sujeitos constroem laços sociais, os quais estão fundados sobre links
territoriais, nem sobre relações institucionais, tampouco sobre as relações de poder,
mas a partir do compartilhamento de saberes, de aprendizagens, de processos
dialógicos e comunicativos abertos e recíprocos. A tomada de consciência é possível
quando aliada a um processo coletivo, dinâmico e responsável. (s.p.).
Segundo a autora, neste processo “está a gênese da inteligência coletiva em que cada
participante transforma-se em imigrante da subjetividade, desenvolvendo habilidades para
lidar com a imprevisibilidade, [...] através da mobilização ética e cooperativa”
(HETKOWSKI, 2007, s.p.). Interessante observar que em Hetkowski a cooperação é
considerada como mobilização política, à medida que envolve a ética e a criatividade, ou a
“habilidade para lidar” com situações imprevisíveis.
Ainda considerando a questão político-social, numa visão ampliada de todos estes
conceitos e autores da construção coletiva colaborativa, Fróes Burnham et al (2007) nos
107
remetem à “Sociedade da Aprendizagem”, como uma perspectiva de enriquecimento da
“sociedade da informação e da sociedade do conhecimento”,
Hoje, evidencia-se cada vez mais que a “Sociedade da Aprendizagem” pode passar a
ser uma perspectiva de evolução da sociedade da informação e da sociedade do
conhecimento, pois os seres sociais estariam se pondo constantemente em processo
de aprendizagem, onde tudo é não-estático e está sempre em construção.
Quem participa e está atento a este movimento, percebe que a inteligência está
distribuída por toda parte. Nenhum indivíduo, área, corporações ou corpo social é
detentora exclusiva do saber. Assim, reconhecer e aceitar a diversidade e a
pluralidade cultural, aceitando as identidades sociais fazem com que aprendentes
possam se reunir para a construção e difusão de novos conhecimentos. Ou seja, os
aprendentes possuem um papel mais ativo no seu aprendizado individual e coletivo.
(FRÓES BURNHAM et al, 2007, p. 4)
Nessa perspectiva mais ampliada, na qual surgem a “Sociedade da Aprendizagem” e
os diversos espaços de construção do conhecimento/troca de saberes, ou “Espaços de
Aprendizagem”, plurais, múltiplos, multirreferentes, Fróes Burnham (2000) diz que, quando
[...] buscamos identificar e compreender os diferentes espaços multirreferenciais de
aprendizagem desta nossa sociedade e a partir daí construir esquemas teórico-
práticos de referência, desafiamos formas hegemônicas de lidar com a informação e
o conhecimento de tratar a formação de indivíduos e de coletivos sociais. Assim,
explicitar os espaços multirreferenciais de aprendizagem como loci sócio-culturais
onde as interações se processam no sentido da construção de indivíduos e coletivos
sociais – que tem na produção material e imaterial lastros para tecer a autoria de suas
produções e tem autonomia coletiva para compreender o significado de sua
participação na constituição de sua participação na construção social de si mesmos,
do conhecimento e da sociedade – é um propósito a ser alcançado para ajudar a
edificar uma sociedade mais digna e solidária. (p. 303-305)
Acredito ser importante enfatizar ainda que, discutir e ampliar o estudo dessas
diferenças, entre conceitos chaves para a compreensão da construção colaborativa do
conhecimento, possibilitou não só o esclarecimento de questões específicas sobre os conceitos
de cooperação e colaboração, como também perceber que essas questões são mais
aprofundadas nas Ciências da Informação para fundamentar os AVA, e o trabalho
cooperativo/colaborativo em redes de estudos, pesquisas, sociais etc. À medida que estes
ambientes necessitam ser estruturados como atrativos do seu público alvo e também que
facilitem a navegação para a interação e compartilhamento de saberes, atingindo assim o seu
objetivo meio, ou seja, potencializar a construção do conhecimento.
Por estas reflexões e a certeza da necessidade de ampliação do tema/objeto -,
construção colaborativa do conhecimento -, encaminho o mosaico metodológico, seus
métodos e práticas. Encerro então as lacunas do conhecimento, sintetizando, a Metodologia
nesta tese como uma busca de respostas às questões de pesquisa através do
108
Método/Modelagem51
em Mosaico Memorial, um desenho que consiste em apresentar como
esse saber em “Mosaico”, se constituiu.
4.2 MODELAGEM EM MOSAICO MEMORIAL: O MÉTODO
Aqui se aprofunda o método, técnicas e procedimentos de análise, utilizados na
pesquisa do Mestrado, com uma tessitura em mosaico, numa pesquisa de abordagem Quanti-
Qualitativa/Participativa/Exploratória, com características de Etnopesquisa, inspiração na
Análise do Discurso e a utilização do Método de Análise Contrastiva, como caminho de
investigação.
Na abertura do semestre 2015.1 do DMMDC, Fróes Burnham fala em sua palestra52
que o Grupo de Pesquisa CAOS53
assumiu o desafio de “trabalhar na produção desse
“mosaico epistemológico, teórico, metodológico”, enfatizando o “lastro e perspectiva
política” deste, para a “(re)significação de uma grande multiplicidade de produções
parcelarias e uma enorme dispersão semântica, como também geográfica e de suas fontes, da
expressão ‘análise cognitiva’”.
Deste modo, a construção de um método de investigação, como um Mosaico
Epistemo-Teórico-Metodológico, de lastro e perspectiva multirreferencial-política (FRÓES
BURNHAM, 2015, s.p.), pode se configurar numa contribuição com as pesquisas do
CAOS/REDPECT/DMMDC, grupos dos quais sou integrante.
Neste estudo, este mosaico é composto por elementos de outros métodos aqui
considerados como “tesselas” do mosaico, são eles:
(1) as características da Etnopesquisa (experienciação), à medida que me coloco no texto
contando minha história nessas redes de pesquisa e apresento as narrativas críticas dos
autores-pesquisadores sobre as redes de pesquisa investigadas, conseguidas através de
entrevistas;
51
Importante frisar que, Modelagem aqui não é considerada na perspectiva de repetição de modelos, mas sim
na da arte que transforma artesanalmente matéria prima, como por exemplo, a argila, em obra de arte. Portanto,
metaforicamente modelagem na ótica da construção, de moldagem. 52
Análise Cognitiva e Espaços Multirreferenciais de Aprendizagem, slide 43. 53
Grupo que faz parte da REDPECT, onde nasceu o DMMDC em conjunto com outros grupos de outras
instituições.
109
(2) a inspiração na abordagem inicial da Análise do Discurso para a seleção dos recortes
selecionados nos principais projetos dessas redes;
(3) a ampliação da utilização do Método de Análise-Contrastiva – MAC (FRÓES
BURNHAM, 2002), método empregado pelos autores-pesquisadores da REDPECT
em suas produções acadêmicas, que analisa os recortes escolhidos de maneira
horizontal, vertical e transversal, articulando conceitos e discursos para dar sentido ao
processo de construção colaborativa do conhecimento.
Acredito ser necessário registrar também que, além da coleta de informações no
acervo documental da REDPECT, da RICS e nas entrevistas, - que serão apresentadas não só
como ilustração da história dessas duas redes, como também das inter-transubjetividades,
relações/interações dos sujeitos autores-pesquisadores participes dessas -, foram também
tomados como fonte os registros dos encontros semanais do grupo de pesquisa para reflexão,
nos diferentes momentos de orientação coletiva, nos seminários de apresentação de projetos
de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doc em andamento e/ou concluídos. Tais
registros foram feitos por mim a cada encontro e muito contribuíram para a exploração do
objeto.
Foram muito significativos também/inclusive os encontros informais com parceiros do
grupo, colegas e também outras interlocuções com professores do DMMDC, da FACED e
com meus alunos, nos processos experienciados em sala de aula como Professora Substituta
da Escola de Administração da UFBA – EAUFBA.
Naquela oportunidade, utilizei a construção colaborativa do conhecimento como
recurso pedagógico54
, de maneira semi-presencial, presencial e à distância, através da
plataforma Moodle/UFBA, e o AVA como “Espaço Multirreferencial de Aprendizagem -
EMA”, um dos temas pesquisados e discutidos na REDPECT, durante o período em estudo.
Voltando especificamente à metodologia, para apresentar o gradual desdobramento
das ações metodológicas até chegar à organização do sistema de categorias que foram
utilizadas nesta investigação, resolvi iniciar retomando as questões de pesquisa. Estas
questões orientaram a análise e o contraste entre o que foi sendo levantando no campo
empírico e o mapa de referências levantado na literatura sobre o tema.
54
Conforme (in)formação em sala de aula, nos estágios de Mestrado e Doutorado com Fróes Burnham,
semestres: 2009.2, 2010.1 e 2010.2 (Mestrado); 2012.1 e 2012.2 (Doutorado).
110
4.2.1 Demarcando as Questões de Pesquisa
Refletindo sobre qual o melhor foco para a coleta de dados/levantamento de
informações que poderia escolher para as análises neste estudo, considerando sua temática,
várias questões surgiram. Mas, como este é um estudo exploratório, no sentido das redes e
que também buscou aprofundar as perguntas abordadas no mestrado, relativas à construção do
conhecimento, proponho dar conta de responder a questão norteadora desta tese e para tal,
necessário foi defini-las de acordo com os objetivos específicos traçados, conforme segue:
1) Que evidências indicam o processo de construção colaborativa do conhecimento na
REDPECT e na RICS?
2) Que bases, teórico-epistemológicas, sustentam as construções colaborativas do
conhecimento na REDPECT e na RICS?
3) Que evidencias podem demonstrar o compartilhamento dessas construções
colaborativas na REDPECT e na RICS?
Diante do que se propõe analisar, segundo estas questões/caminhos e considerando
que os objetivos específicos:
detalham/ampliam o objetivo geral que se deseja alcançar;
estão relacionados às perguntas de investigação;
indicam os resultados pretendidos;
e procuram esmiuçar seu escopo;
as análises a serem realizadas se configuram como uma maneira de organizar e transformar
dados em informações. Então, para conseguir concretizar esse intento foi necessário tomar
como base os objetivos traçados. Nesta lógica, apresento os objetivos - geral e específicos - na
próxima seção.
4.2.2 Os Objetivos traçados e o Objeto da Investigação
O foco investigativo, ou objetivo geral, foi definido como: “Compreender e difundir o
processo de construção colaborativa do conhecimento em duas redes de pesquisa
multirreferenciais, que se propõem (in)formar pesquisadores e analistas cognitivos,
fundamentando esta construção como uma modelagem cognitiva em mosaico, complexa e
multirreferencial”.
111
Esperando que, ao final deste trabalho investigativo, este objetivo permita alcançar o
resultado mais amplo da pesquisa, então, detalhei as questões a serem trabalhadas na análise
das informações levantadas, numa configuração que as categoriza para o levantamento dos
recortes a serem analisados, a partir dos objetivos específicos traçados retomados na próxima
subseção. Este detalhamento apresenta o passo a passo, o caminho da investigação e dá
“continuidade à linha de raciocínio do objeto a ser pesquisado”, conforme a metodologia
original.
4.2.2.1 Objetivos Específicos e Escopo
1) Identificar o processo de construção colaborativa do conhecimento evidenciado nas
produções dos autores-pesquisadores, desde a iniciação científica e até o pós-doc, nas
duas redes de pesquisa das quais são participes, a REDPECT e a RICS;
2) Buscar as bases teóricas que sustentam as principais construções colaborativas do
conhecimento desenvolvidas na REDPECT e na RICS;
3) Identificar nas duas redes de pesquisa, a REDPECT e a RICS, evidências que
demonstrem o compartilhamento e a difusão do conhecimento construído neste
processo colaborativo.
Para que este detalhamento fosse possível, foram levantados os dados/informações que
perfazem o período de 1997 a 2007, nos principais projetos de pesquisa destas duas redes de
pesquisa, tendo em vista o objeto de investigação desta tese, conforme explicitado no
Capítulo/Tessela 1, ou seja: “a fundamentação e análise da Construção Colaborativa do
Conhecimento, como um ‘saber’ destas duas redes de visada multirreferencial complexa”.
Este objeto se materializa “mediante a prospecção” nas justificativas traçadas em
quatro projetos principais, com a busca das visões filosóficas, bases epistemológicas, das
redes pesquisadas, como também, nos seus referenciais teóricos e como ambos se articulam
para construir conhecimento colaborativamente.
Além disto, os referidos projetos, acervados nestas duas redes, geraram construções
outras dos autores-pesquisadores destas, que serão citadas no decorrer dessa investigação, isto
porque “foram a base” de sustentação, molas propulsoras para que trabalhos como:
monografias, dissertações, teses de doutorado e pós-doutorado, artigos, capítulos de livro e
intertextos, fossem produzidos no período traçado. Embora, a princípio, estes trabalhos não
112
sejam objetos de análise, são ilustrações das produções/construções/contribuições com a
academia e outros trabalhados originados destes projetos, - até em países estrangeiros, como
comprovaram as primeiras buscas - dessas duas redes, e ainda, justificaram as pesquisas
desenvolvidas ao longo de dez anos nesses quatro principais projetos.
A fundamentação e análise desse processo de construção aqui proposto, na perspectiva
das questões de pesquisa e objetivos - geral e específicos -, estão metodologicamente
orientadas de acordo com a abordagem de pesquisa escolhida que explicito adiante, para dar
sustentação a esta metodologia e à dinâmica do caminho, passos, metodológicos explicitados
no item a seguir.
4.2.3 A Pesquisa e sua Abordagem
O Método/Modelagem em Mosaico Memorial, proposto nesta investigação está
baseado, numa abordagem macro, na pesquisa quanti-qualitativa, de inspiração
fenomenológica. Entretanto, sua especificidade baseada no mosaico metodológico se
configura em: características da Etnopesquisa Crítica e Multirreferencial (MACEDO, 1998,
2002, 2004), “tomando, em especial/profundidade, o Método de Análise Contrastiva – MAC
(FRÓES BURNHAM, 2002) como ‘caminho’”.
Importante frisar que, a modelagem proposta, como explicado na Nota de Rodapé
número 54, tem a haver com a (trans)formação de conhecimento, de saberes, a moldagem, na
visão de construir conhecimento. No caso do mosaico com a modelagem das tesselas -, que
podem ser também recortes de dados/informações levantadas, produções das redes
investigadas, entrevistas -, essas pequenas peças, que são de fato material/matéria prima que
possibilita a moldagem/modelagem, ou até mesmo tessitura, desse mosaico metodológico.
No campo empírico o levantamento de dados/informações, foi realizado no acervo das
duas redes de pesquisa mencionadas, “com base nas questões/objetivos”, conforme
anteriormente mencionado, e serão contrastados “com os referenciais selecionados da análise
da literatura pertinente”. Além disso, “Inspirada”55
na “Análise do Discurso”, estou
analisando as informações que estão sendo levantadas: (1) nos projetos das redes de pesquisa
“para compreender como” as justificativas e o referencial teórico dos projetos, se articulam
com as “matrizes teóricas” mapeadas nesta investigação para produzirem “sentido”; (2) e 55
Justifico essa inspiração na “Tessela 5 - Análises críticas dos construtos mosaicos da REDPECT e da RICS”,
Sub-seção 6.1.1.1, da página 179 a 184, com a teorização dos aspectos da “Análise de Discurso” utilizados nas
análises das entrevistas. VERIFICAR APÓS FINALIZAÇÃO DA REVISÃO
113
nas entrevistas, a partir dos recortes que trouxeram evidências das categorias de análise, com
o mesmo procedimento/objetivo. Indo além, busco “registrar o caminho” trilhado “entre
Teoria, Consulta ao Corpus e Análise, num processo cíclico ao longo de todo o trabalho”.
Esta metodologia/processo pretende concretizar a intencionalidade de ampliar o
método, que aqui se transformou em mosaico. Portanto, assim como na análise do discurso,
“dos princípios da não transparência dos sujeitos e dos discursos”, esta análise trabalha com o
que “está ‘por trás’ dos enunciados e busca nos conceitos” estudados, na relação dialógica
com os autores investigados, “a relação entre o ‘dito’ e o ‘não dito’, [...] problematizando o
corpus, para distinguir onde e como ‘descrição’ e ‘interpretação’ se relacionam, e qual o
sentido que se pode traduzir desse ou daquele discurso/diálogo”.
Seguindo essa “inspiração”, num primeiro momento foram escolhidos e sistematizados
- de acordo com o MAC - recortes que de alguma maneira respondiam as questões de
pesquisa apresentadas, “segundo o conjunto de categorias construído à medida que aspectos
significativos” se sobressaiam: nos documentos analisados e nas entrevistas realizadas.
Detalho essa sistematização no próximo subitem.
4.2.4 Sistematizando as Análises conforme o MAC
Objetivando facilitar a compreensão do MAC, inicio esta subseção resumindo o que
vem a ser esse método, para retomar em seguida à sistematização das análises propriamente
ditas.
A análise Contrastiva é um método de construção do conhecimento que viabiliza aos
autores-pesquisadores, ou Analistas Cognitivos, um caminho para a compreensão dessa
construção. No primeiro momento, através de matrizes de análise – instrumento analítico de
construção de conhecimento -, estes analistas categorizam recortes de conhecimentos
produzidos em textos, imagens, filmes, sites; e também os produzidos na dimensão empírica,
documentos, entrevistas etc.; e categorizam o objeto a ser analisado, em quantas categorias
forem necessárias para responder aos objetivos específicos do estudo.
Nesta metodologia, utilizo representativamente a modelagem/montagem de um
mosaico que, só se fará clara após a elaboração da cartografia horizontal, vertical e
transversal, segundo o MAC, através:
114
dos registros dialógicos dos discursos dos autores consultados, sobre os conceitos que
emergem neste complexo, e imbricado “mosaico” -, utilizando o instrumento de
registro Mapa de Citações - MC (APÊNDICE C, p. 276), no qual esses registros são
organizados;
e das evidencias empírico-analíticas, na busca de “sistematizar os discursos em
categorias” organizadas na mencionada Matriz de Análise – MA (APÊNDICE D, p.
277).
Retomando a sistematização das análises, no segundo momento, portanto, esses
recortes/análises “trechos selecionados de cada fonte de informação, são sistematizados na
MA, para posteriormente “serem reconstruídos” no formato de “texto discursivo”; e as
citações dos conceitos principais e secundários no MC o que irá permitir, segundo o MAC,
que sejam realizadas:
1) “uma análise horizontal de cada fonte de informação” – pelo modo como o mapa foi
configurado, objetivando conseguir uma “visão de conjunto” de cada fonte
bibliográfica no MC; e de cada documento/projeto investigado e entrevistas realizadas,
nos recortes/discursos sistematizados por categoria na respectiva MA;
2) “uma análise vertical de cada categoria” - retomando o conjunto das fontes
analisadas, com o intuito de obter “uma visão de conjunto de cada uma dessas
categorias”;
3) “uma análise transversal da articulação entre as duas análises anteriores” – a fim de
elaborar/organizar “uma síntese estruturada dos resultados”.
A organização em MC e MA dos recortes definidos sistematicamente para análise –
“visando aplicá-los segundo a abordagem metodológica escolhida, atingir os objetivos
traçados e responder as questões de pesquisa definidas” -, são partes integrantes dos
“corpora de análise”, teórico e/ou empírico, como estão apresentados na próxima seção.
115
4.3 OS CORPORA DE ANÁLISE DO MOSAICO
Esta tessela do mosaico Epistemo-Teórico-Metodológico, a Metodologia, está
estruturada em dois corpora: um corpus empírico e um corpus teórico. Estes corpora foram
construídos/elaborados para a “análise dos registros” nos projetos investigados e entrevistas,
a “análise da literatura” levantada, a partir do referencial do MAC, Fróes Burnham (2002) e
de Benetti (2008), sem “predominância ou antecedência sobre o outro”. O trabalho inicial
com a literatura não se caracteriza como predominância visto que, esta escolha está baseada
no marco inicial sobre o eixo epistemológico, a base de sustentação deste estudo, e os
conceitos principais que o norteiam.
Diz Benetti (2008, slide 32)56
que, a “regra básica na construção de um corpus é:
selecionar preliminarmente; analisar essa variedade; ampliar o corpus de dados até que não se
descubra mais variedade (este é o ponto de saturação do tamanho, e onde o corpus termina)”.
É nesta perspectiva que estão sendo construídos os corpora teórico e empírico.
4.3.1 Corpus Teórico
Para o desenvolvimento da análise crítica do processo de construção colaborativa do
conhecimento, configurada nesta tese como um dos elementos principais do saber em
mosaico “epistemo-teórico-metodológico” das redes de pesquisa investigadas, e, também,
para mostrar “as bases acadêmico-científicas” dessa análise, necessário se fez sintetizar a
dinâmica da prospecção realizada na literatura pertinente. O texto a seguir descreve os passos
realizados para a construção deste corpus teórico, a indicação dos “achados da literatura” e
como estes se organizam para a concretização desse processo:
1) Levantamento de fontes fundamentais para a sustentação do estudo, registradas em
Mapa de Citações – MC, conforme ilustrado no Quadro 5 abaixo. Esta é uma
técnica57
para levantamento da literatura, construída e utilizada amplamente na
REDPECT, para a organização de recortes de textos que serão transformados em
citações à medida que se busca informações pertinentes ao objeto pesquisado.
56
Essa é uma das REFERÊNCIAS VIDEOGRÁFICAS citadas nesse estudo. 57
Esta técnica foi utilizada por Fróes Burnham em sua tese de doutorado (no período de 1976 a 1982), para
levantamento de fontes teóricas e fundamentais para aquele estudo e difundida por ela para (in)formação dos
autores-pesquisadores da REDPECT.
116
Quadro 5 – Matriz de Mapa de Citações - MC
MAPEAMENTO SOBRE CRIATIVIDADE - CONTEXTO TEÓRICO
BIBLIOGRAFIA
DESCRITORES
INTENCIONALID.
(VONTADE) NECESSIDADE HISTORI[CI]DADE CIÊNCIA ESTÉTICA
PLENITUDE DE
CONHECIMENTO
1 DAMÁSIO,
Antonio. O
mistério da
consciência:
do corpo e
das emoções
ao
conheciment
o de si. São
Paulo:
Companhia
das Letras,
2000.
"A criatividade
requer uma memória
fecunda para fatos e
habilidades, uma
sofisticada memória
operacional,
excelente capacidade
de raciocínio,
linguagem. Mas a
consciência está
sempre presente no
processo da
criatividade, não só
porque sua luz é
indispensável, mas
porque a natureza de
suas revelações guia
o processo da
criação, de um modo
ou de outro, com
maior ou menor
intensidade (p. 398)".
2 OSTROWER
, Fayga.
Criatividade
e processos
de criação. Petrópolis:
Vozes, 1987.
Fonte: Acervo da REDPECT - Matriz de Instrumento de Registros - Mapa de Citações
- MC58
O quadro acima apresenta a Matriz deste MC utilizado na rede como instrumento de
registros teóricos. Mas, como na REDPECT nada é estático, tudo se (re)cria,
(trans)forma, (re)nova, essa Matriz vem sofrendo modificações ao longo do tempo e
das necessidades dos autores-pesquisadores, dos analistas cognitivos. Um exemplo
disto é um MC que fiz e apresento: um recorte como ilustração no Quadro 6 abaixo; e
mais detalhadamente no APÊNDICE C (p. 276). Comparando os dois mapas podem
58
Esta Matriz do Mapa de Citações não está completa, faltaram ainda os Descritores: Romper Regras; Risco;
Diferença; Mudanças Bioquímicas; Mudança Cognitiva; Problema; Ideia; Pressão “Exterior” sobre o Organismo;
Potencial Criador; Possibilidade de Criação (instrumentos); Inovação x Repetição (Teste = Experimentar várias
vezes até funcionar); Insight; Atitude (Ação); Estranhamento; Convenção (Desequilíbrio) Estranhamento
(Acomodação-Ação); Medo (Condição); Abertura para ser “Afetado”.
117
ser verificadas algumas pequenas modificações, embora na essência/especificidade ele
continue tendo a mesma aplicação.
A principal diferença está no termo “Descritores”, que no mosaico metodológico
chamo de “Categorias”. Como “descritor” para as Ciências da Informação representa
uma “ideia significativa” e nesta técnica a proposta não é só encontra uma ideia
significativa, mas sim fragmentar, (des)construir, como base para o que se quer
analisar, resolvi então utilizar o termo “categoria”. Portanto, utilizo diversas categorias
para esta fragmentação, que por sua vez vão potencializar a desejada (re)construção.
Quadro 6 – Mapa de Citações “Construção do Conhecimento”.
Referência Tipo de
Ref.
Categorias de Análise
Cognição Conhecimento
MATURANA,
Humberto R.; VARELA,
Francisco J. A árvore do
conhecimento: as bases
biológicas da
compreensão humana.
São Paulo: Palas Athena,
2001. 288 p. 6ª. Ed.
Set/2007.
Livro
Prefácio: Humberto
Mariotti
[... ]: a vida é um processo de
conhecimento; assim, se o objetivo
é compreendê-la, é necessário
entender como os seres vivos
conhecem o mundo. Eis o que
Humberto Maturana e Francisco
Varela chamam de biologia da
cognição. (p. 7).
[...] Desde o Renascimento, o
conhecimento em suas diversas
formas tem sido visto como a
representação fiel de uma
realidade independente do
conhecedor. Ou seja, as produções
artísticas e os saberes não eram
considerados construções da
mente humana. [...]. (p. 7).
MATURANA,
Humberto R.; VARELA,
Francisco J. A árvore do
conhecimento: as bases
biológicas da
compreensão humana.
São Paulo: Palas Athena,
2001. 288 p. 6ª. Ed.
Set/2007.
Livro
Capítulo I:
“Conhecer
o
conhecer”
Maturana
[...] toda experiência cognitiva
inclui aquele que conhece de um
modo pessoal, enraizado em sua
estrutura biológica, motivo pelo
qual toda experiência de certeza é
um fenômeno individual cego em
relação ao ato cognitivo do outro,
numa solidão que [...] só é
transcendida no mundo que
criamos junto com ele. (p. 22).
[...] A reflexão é um processo de
conhecer como conhecemos, um
ato de voltar a nós mesmos, a
única oportunidade que temos de
descobrir nossas cegueiras e
reconhecer que as certezas e os
conhecimentos dos outros são, [...]
tão tênues quanto os nossos. (p.
30).
Fonte: MC construído para o levantamento dos registros teóricos desta investigação.
No MC apresentado parcialmente como exemplo de técnica no referido Apêndice C,
organizei trechos recortados do livro “A árvore do conhecimento: As bases biológicas
da compreensão humana”, de Maturana & Varela (2007), indicando:
1º. a referência completa da fonte em análise;
118
2º. o tipo de produção, se é livro, capítulo de livro, artigo etc.; e ainda, se for o caso,
em que local foi encontrado o recorte: introdução, prefácio, capítulo, contra capa
ou orelha;
3º. com que categoria de análise este ou aquele recorte dialoga: Cognição,
Conhecimento, Ética, Autonomia, Subjetividade, Percepção, Linguagem e
Explicação.
Interessante observar inicialmente que nesse MC, no Prefácio do livro, Mariotti fala
sobre Cognição, Conhecimento, Ética, Autonomia, Subjetividade, mas não diz nada
sobre Percepção, Linguagem e Explicação. Em contra partida, no Capítulo 1 do livro
Maturana fala sobre Cognição, Conhecimento, Percepção, Linguagem, Explicação,
mas nada diz sobre Ética, Autonomia e Subjetividade. Esta observação é apenas um
exemplo simples de análise, de algo que está visível assim que se observa o mapa, que
demonstra as diferentes visões que existem sobre um mesmo objeto.
Outra observação importante tem a haver com a estrutura do mapa e a viabilização das
análises. O uso de cores diferentes nas colunas de categorias é uma estratégia de
designer, um recurso gráfico, para visualização rápida de cada Autor, Recorte e
Categoria. Então,
na “análise horizontal” você tem o que cada autor fala nas diversas categorias
e as cores dessas categorias são diferentes;
na “análise vertical”, você tem o que diversos autores falam sobre uma
categoria por vez, e cada categoria tem apenas uma cor.
Em síntese, esta técnica faz uma cartografia dos conceitos achados nos diálogos com
os autores pesquisados em formato diferenciado da de “fichamento”, que usualmente é
feito para obras individuais e não permite o contraste entre diferentes fontes de
informação. O “mapão”, como carinhosamente chamamos na REDPECT, não se
diferencia apenas pelo registro/análise de diferentes fontes organizadas num só espaço,
mas também pela possibilidade de ter à mão “comentários” e “ideias” que surgem
durante o processo de registro/análise. Com isto, abaixo do próprio trecho recortado
pode-se ter uma compreensão crítica deste, baseada ou não em outros autores, e as
ideias que surgiram durante a leitura reflexiva;
119
2) Leitura reflexiva de fontes selecionadas sobre os eixos epistemológicos da
Multirreferencialidade e Complexidade e conceitos outros que emergiram dessas
leituras e foram considerados relevantes para a pesquisa59
.
Um exemplo disto é a prospecção na literatura referente aos conceitos de: Mosaico,
Conhecimento, Cognição, Aprendizagem/Construção colaborativa do
Conhecimento60
; ´
3) Sistematização, em Mapa de Referências (APÊNDICE B, p. 269)), das fontes
selecionadas/consultadas, de acordo com o MAC e outros processos de investigação
da REDPECT. Como poderá ser visto no mencionado apêndice, o referido mapa foi
organizando segundo os conceitos principais, secundários e emergentes, e também
sobre a metodologia da pesquisa:
Conceitos Principais:
o Conceitos Foco: Conhecimento, Aprendizagem / Construção Colaborativa
do Conhecimento e Cognição;
o Eixos Epistemológicos: Multirreferencialidade e Complexidade;
Conceitos Secundários no processo de Construção Colaborativa do
Conhecimento:
o Mediação, Colaboração e Cooperação; Compreensão e Interpretação;
Compartilhamento e Difusão do Conhecimento; Inteligência Coletiva e
Pluralidade Cultural;
Conceitos emergentes no processo de Construção Colaborativa:
o Afetividade, Autonomia, Dinâmica de Grupo e Poder.
Metodologia de Pesquisa
59
Este levantamento teve início desde os cursos realizados no PPGE/FACED/UFBA (2007 e 2008), antes
mesmo do mestrado, se ampliou como autora-pesquisadora da REDPECT (desde 2007), na
elaboração/desenvolvimento de projetos de pesquisa, como mestranda em educação (2009-2011), doutoranda em
difusão do conhecimento (2011 até a atualidade) e nas reuniões e discussões da linha de pesquisa da REDPECT,
o grupo CAOS. 60
Para, além disso, a prospecção de conceitos de temas correlatos, tais como Compreensão e Interpretação;
Compartilhamento e Difusão do Conhecimento; Inteligência Coletiva e Pluralidade Cultural; Mediação; Poder;
Dinâmica de Grupo; todos estes também estudados no grupo de pesquisa.
120
4) Elaboração das Matrizes de Análise - MA (Quadro 7, apresentado em seção especial
na próxima página, devido seu tamanho, e também no APÊNDICE D, p. 277)61
, nas
quais foram incluídos os “achados” das fontes teóricas investigadas de maneira
dialógica com os autores consultados, referentes aos eixos epistemológicos, conceitos
principais e secundários do mapa conceitual deste estudo em processo, para:
a realização da análise vertical do que cada autor/texto ofereceu no dialogo;
e a realização da análise horizontal, verificando o que é trabalhado em cada
categoria, por cada autor/texto;
5) Construção do Mapa Conceitual (CAPÍTULO 3), e a redação preliminar do texto para
a qualificação do projeto;
6) Inclusão no corpus de outros referenciais que emergiram no levantamento de fontes
teóricas à proporção que o corpus empírico/analítico estava sendo construído.
Definido e apresentado o Corpus Teórico, o próximo sub-item apresenta outra
“tessela” do Mosaico Metodológico, o Corpus Empírico/Analítico.
4.3.2 Corpus Empírico/Analítico
Embora na dissertação de mestrado tenha intitulado esse Corpus apenas como: Corpus
Empírico; passei a intitulá-lo nesta tese como Corpus Empírico/Analítico. É “empírico” à
medida que apresento o locus de investigação, e, é “analítico” quando me proponho a realizar
uma análise mais ampla, fluida, viva, no decorrer do texto, contando duas histórias, uma “de
vida” e outra de “trajetória acadêmico-científica”. Isto vai acontecendo, fluindo, vou
refletindo, escrevendo e analisando em sequência, sem me ater apenas às análises das
categorias indicadas nas MA. Por isto, resolvi iniciar a apresentação da dimensão empírica
refletindo um pouco mais sobre o Mosaico, já que este foi o caminho escolhido para a
construção desta metodologia.
61
A MA apresentada está sem a coluna de “Observações”, na qual são registrados “comentários”, “ideias” e
“diálogos” com os autores investigados, por conta do espaço disponível para sua ilustração.
121
Quadro 7 – Matriz de Análise - MA
MATRIZ DE ANÁLISE - PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO NA REDPECT E NA RICS
Entrevistado
Sua história na rede? Quais suas impressões sobre Construir
Conhecimento?
Quais bases,
teórico-
epistemológicas,
vocês acham
que sustentam
esse processo de
construção
colaborativa na
rede?
Como acontecia o
compartilhamento
e a difusão dessas
construções de
conhecimento da
rede?
Qual sua
compreensão
sobre o
mosaico
epistemo-
teórico-
metodológico
da rede?
Ano de
ingresso Grupo
Bolsista ou
Voluntário(a) Motivação Contribuições
de maneira
Colaborativa na rede em rede
sem
distinção
de Título
Acadêmico
1 2 3
4 5
6 7
8
9 10
11 12
13
14 15
16 17
18 19
20
21 22
23 24
25
26
Fonte: Matriz de Análise construída para as análises da dimensão empírica.
122
A princípio, quando estava ainda conjecturando sobre a melhor maneira de abordar o
mosaico como uma metodologia, pensei em colocar as redes como os elementos que
compunham o mosaico, mas com a evolução do dialogo com o texto descobri que as redes são
espaços-tempos de interação, virtuais ou não, nos quais os sujeitos (inter)agem para
discussões e construções coletivas colaborativas. Portanto, não eram “fins”, mas “meios” do
emaranhado complexo da comunicação inter(trans)subjetiva desses sujeitos participes das/nas
redes, não poderiam então ser tesselas do mosaico, mas sim elementos de ligação/articulação
entre elas. Mesmo assim, a dúvida persistia e me perguntava: Quais serão os elementos, as
tesselas, do Mosaico?
Na realidade ainda estava em pleno processo de (des)construção, tanto interna quanto
externa, esta última se refletindo na anterior. Então resolvi fazer uma retrospectiva do
caminho até aqui percorrido com o Mosaico, com o intuito de me situar, para posteriormente
situar o corpus empírico. Foi mais um momento de “patinação”, como disse na banca de
qualificação da minha tese, o professor Dante Galeffi, ou de “andar num terreno pantanoso”,
como fala Fróes Burnham nas reuniões do CAOS sobre a AnCo.
4.3.2.1 Mosaico: Novas Definições
Analisando o mapa conceitual, na realidade a representação gráfica do “Processo de
Construção Colaborativa do Conhecimento”, (pre)ocupada com “conteúdo” e “forma” e a
configuração do Mosaico, novas definições para o mosaico surgiram. Então, pensei: os
elementos do Mosaico são:
1º Mosaico. Os autores-pesquisadores das redes;
2º Mosaico. Temas, conceitos, produções das redes;
3º Mosaico. O método de análise, a “Análise Contrastiva”.
Parei no 3º Mosaico, pois me dei conta que a “Construção Colaborativa é o Mosaico”,
se nós pensarmos que o termo mosaico artístico é o resultado final de uma obra. Portanto,
teria que fazer uma pesquisa mais substancial para a compreensão dos elementos que
compunham os mosaicos. Para tanto busquei na internet:
O que é o Mosaico?
Qual sua história?
123
Como se faz um Mosaico?
Qual sua importância numa perspectiva epistemológico-teórico-metodológica?
Após essa reflexão, tive a certeza que só assim poderia utilizar o “Mosaico” como um
caminho, o fazer, os elementos constitutivos desse caminho, para a “construção colaborativa
do conhecimento”. Iniciei então um escrutínio sobre o termo na internet, a título de pesquisa
léxico-histórica do mosaico e suas aplicações, como apresentado a seguir:
1º. História do Mosaico;
2º. Arte e Mosaico;
3º. No Scielo;
4º. Periódicos da CAPES.
Seguindo esta lógica, os achados na Internet, em sua maioria mostraram que o termo
“Mosaico” é utilizado para caracterizar uma “coleção de algo”, ou de “alguma coisa”. Quase
sempre como: uma metáfora; como um caminho; como um vírus.
Foram encontrados no Scielo 479 (quatrocentos e setenta e nove) artigos e nos
periódicos da CAPES 3.176 (três mil cento e setenta e seis), embora 1.536 (um mil
quinhentos e trinta e seis) fossem apenas revisões entre os pares, ou seja, revisões entre
autores/produções da mesma área de conhecimento, indexados por filtro de relevância
“autoria”. Na realidade os resultados mais significativos foram encontrados no Scielo - nos
periódicos da CAPES não consegui o mesmo retorno ao termo que consegui no Scielo
(APÊNDICE F, p. 282)62
:
Mosaico como vírus transmitido por uma espécie de mosca e cigarra aos vegetais;
Mosaico terapêutico (oficina);
Mosaico patogênico;
Mosaico como opiniões;
Hanseníase (polineuropatia em mosaico);
Subteste Mosaico, do WAIS para estudo de homicidas;
62
No “Apêndice F – Investigação: Mosaico no Scielo” (p. 282), apresento apenas um recorte da cartografia
para ilustração dessa investigação, isto porque, tanto pela extensão das informações como pela grande
quantidade de páginas, e ainda por ser esta uma pesquisa meio e não específica para o objeto em estudo, não
justificava sua apresentação completa nos Apêndices. VERIFICAR PÁGINA APÓS FINALIZAÇÃO DA
REVISÃO
124
Mosaico de diferentes Cristológias – estudo, expectativa Messiânica;
Mosaico e etnia, exemplo: “Ser judia é ser mosaico”;
Mosaico de configurações socioeducacionais;
Mosaico de avaliação literária – novelas – na França;
Camara Mosaico CCD de 67 megapixeres (equipamento);
Padrão de alternação em mosaico em TCAR do tórax;
Essas descobertas não evidenciaram o mosaico como um caminho, segundo minha
proposta de caminho metodológico, mas sempre como uma metáfora que indicava a
complexidade da representação de estudos que envolviam vários temas/áreas: peste na
agricultura; terapia alternativa na psiquiatria; doenças congênitas na medicina; patologias na
psiquiatria; doenças polineurológicas na neurologia; testes psicológicos na psicologia; estudos
religiosos na teologia; estudos étnicos na antropologia; estudos sociológicos e educacionais na
sociologia e na educação; avaliação literária específica na literatura; tecnologias videográficas
nos estudos das tecnologias; e exames médicos na medicina etc.
Então, para construção do Capítulo 3, resolvi retomar os achados das duas primeiras
reflexões: (1º) História do Mosaico e (2º) Arte e Mosaico; e, a partir das minhas próprias
reflexões sobre a história e arte do mosaico, construir/modelar este caminho, na perspectiva
indicada anteriormente, como um moleiro ao trabalhar com a modelagem em cerâmica, com
as memórias das minhas experiências nas redes de pesquisa e as narrativas dos outros autores-
pesquisadores.
O resultado disto foi que o mosaico foi fundamentado no Capítulo 3 com os diversos
significados encontrados, dentre eles como a “musa”, traduzida como “paciência das
musas”63
. Meu interesse por este significado do mosaico está centrado na questão da
“paciência” em trabalhar com pequeninas peças de diversos materiais, tamanhos e formatos
para, com persistência reproduzir ou criar uma imagem.
No caso do “mosaico metodológico” isto se traduz no trabalhar com paciência, indo e
voltando, na espiral do conhecimento, (des)construindo e (re)construindo. Além disso, dentre
outras características, as fontes consultadas diziam que, “o mosaico produz uma superfície
irregular e, sobretudo descontínua do que deseja representar”. Como esta modelagem/estudo,
63
As frases citadas nesta página são parte das citações de Yone Lins, referenciadas nas páginas 76 a 77 deste
estudo.
125
seguindo saberes, práticas da REDPECT e da RICS, de pesquisa em rede, as fontes de
investigação são as mais diversas, como: blogs, repositórios, Wikipédia, acervos de
universidades, bibliotecas, acervos videográficos, grupos de estudo, enfim o que a internet e
outras fontes, como revistas, jornais, além das formais da academia: livros e produções
científicas, podem proporcionar, fui colecionando e refletindo sobre tudo que encontrei sobre
mosaico. Portanto, foi um trabalho feito com muita paciência e persistência.
Seguindo esta lógica da arte musiva e suas características, o mosaico metodológico
proposto nesse estudo, pode mesmo ser representado pela “superfície irregular” definida para
um mosaico, através da pluralidade de indivíduos e credos, ou a partir da
multirreferencialidade de diversas visões de mundo que se investiga e se complementam nas
discussões e debates em/na rede. Através da “interação” e “mediação” dos autores-
pesquisadores que, de maneira irregular, ou seja, sem regras preestabelecidas, são acervadas
por cada um desses sujeitos, para a construção e difusão do conhecimento construído
cooperativa/colaborativamente.
Partindo dessas premissas, o corpus empírico/analítico, uma das tesselas desse
mosaico, foi construído de maneira similar ao corpus teórico, embora assumisse
“especificidades próprias do tratamento de informações” levantadas no campo empírico,
como se detalha nas etapas/passos dessa construção, a dinâmica da prospecção das
informações do campo empírico:
1) inicialmente foi identificada a diversidade das informações acervadas em cópias dos
backups da REDPECT, referentes a tipos de produção/construção: programas e
projetos de pesquisa; monografias, dissertações e teses, as quais indicaram serem
multirreferenciais/complexas: uma multiplicidade de autores, fontes, temas, conceitos
de diversas áreas de conhecimento, métodos diversos de abordagem, um desafio para a
articulação destes com este estudo;
2) o resultado dessa exploração inicial foi organizado em arquivos e pastas eletrônicas,
que indicam o tipo de produção/construção, para melhor seleção do/dos mais
relevante/s para a análise; e também para “facilitar a recuperação das informações,
quando da transferência das mesmas para as MA” 64
;
3) posteriormente foi feito um levantamento da produção da REDPECT, acervada no
Repositório – RI, da UFBA, buscando monografias, dissertações, teses de doutorado,
64
Matriz de Análise. Vide Apêndice D (p. 277). VERIFICAR APÓS FINAL DA REVISÃO
126
pós-doutorado, artigos etc., a partir das/dos orientadores/as até 2007, limite final do
período em investigação: Fróes Burnham, Vera Fartes, Luis Michinel, Eliane Sousa.
Esta produção foi arquivada também em pastas eletrônicas e mapeada, em planilha
intitulada: “Mapa de Produção das Redes de Pesquisa – Dados Estatísticos”,
considerando os seguintes itens: Ano de publicação ou submissão; Data de adesão
avaliação e ISSUED (Data de publicação do trabalho); Tipo de Produção; Título;
Palavras-chave; Autor(es); Orientador(a); Co-orientador(a); Editor;
Visualizações/Downloads (quantidade); Ranking de visita por país; Ranking de visita
por cidade; Rede de Pesquisa; Veículo de publicação; e Registros de URI, ISSN,
ISBN. Este mapa forneceu os dados estatísticos da produção dessas redes no período
investigado;
4) foi feita uma análise preliminar desta produção por tipo e período, e como não foram
encontradas produções no período delimitado para o estudo, o levantamento passou a
ser feito nos Currículos Lattes dos orientadore(as) citados(as), a partir das referências
e datas de defesa, ou conclusão, dos textos/pesquisas e suas referências foram
organizadas em um documento intitulado: “Linha do Tempo das Redes de Pesquisa
(APÊNDICE E, p. 278), o qual foi dividido em seções por data de início e conclusão
dos projetos acervados;
5) o resultado desta busca, indicou quatro projetos principais da REDPECT, e um da
RICS, os quais foram determinados como os mais significativos para responder às
questões de pesquisa, são eles:
REDPECT:
1997-2003 - Programa de Pesquisa: Impactos/Demandas da Globalização e das TICs
na (In)formação do Cidadão Trabalhador;
1998-2002 - Projeto: Espaços de Aprendizagem na Sociedade da (In)formação;
2002-2006 - Projeto: Modelos e Estratégias de e-Learning no Ensino Superior;
2003-2007 - Projeto: Gestão do Conhecimento no Nordeste Brasileiro: Espaço de
Produção do Conhecimento e de (In)formação de Gestores;
RICS:
2003-Atualidade - Programa de Pós-graduação em Difusão do Conhecimento:
DMMDC;
127
2005-Atualidade65
- Projeto: Rede Interativa de Pesquisa e Pós-Graduação em
Conhecimento e Sociedade - RICS.
2003 a 2006 – Construção do DMMDC;
2007 – Credenciado pela CAPES e implementado na UFBA.
A seleção definitiva destes cinco projetos está justificada na busca de fundamentar o
processo de construção colaborativa do conhecimento como elemento essencial para as
produções dos autores-pesquisadores nas redes pesquisadas. Estas produções, construídas
colaborativamente na rede e em rede, concretizadas nos artigos, livros e capítulos de livros,
resenhas, intertextos, monografias, dissertações e teses, de doutorado e pós-doutorado, desses
autores-pesquisadores, tem um elo com estes projetos durante seus períodos de vigência, ou
seja, são projetos guarda-chuva que acolhem temas que, articulados à sua base teórica, dão
continuidade ao objeto que estes exploram, apresentando visões diferenciadas/articuladas do
mesmo tema, mesmo que de áreas de conhecimento diferentes.
Posso dizer então que, essas produções construídas em processo colaborativo são
pesquisas menores que ampliam a pesquisa master. Portanto, os projetos selecionados foram
considerados aqui como muito importantes para “representarem” o campo empírico deste
estudo, e, com a “preparação e a construção propriamente dita deste corpus”
empírico/analítico, “integrada ao processo de análise detalhada”, os próximos passos para
dar conta do mosaico metodológico, em sua dimensão empírica são:
6) a coleta das informações nos projetos, a partir do sistema de categorias definido
através das questões de pesquisa - consideradas aqui como “bases para a construção
das três categorias de análise”:
1º. evidências que indicam o processo de construção colaborativa do conhecimento
na REDPECT e na RICS;
2º. bases teórico-epistemológicas que sustentam as construções colaborativas do
conhecimento na REDPECT e na RICS;
3º. evidencias que podem demonstrar o compartilhamento das construções
colaborativas na REDPECT e na RICS;
65
Existem controvérsias quanto ao período de término da RICS, algumas pessoas acreditam que ela acabou na
implantação do doutorado, outras que ela existe até a atualidade. Este “mistério” é desvelado na Tessela 6
Análises dos Construtos: Mosaicos da REDPECT e da RICS, com as análises das entrevistas.
128
7) a “análise preliminar das informações”:
que compõem as “justificativas”, as “relevâncias” e o” referencial teórico”
dos cinco projetos selecionados e da indicação das produções oriundas destes;
que compõem as “entrevistas” realizadas com os autores-pesquisadores,
participes das duas redes em análise;
a serem contrastados com os “referenciais teóricos traçados para este estudo”;
8) organizar “o conjunto original de informações”, os recortes obtidos nessas coletas de
informações e organizados nas MA, por categoria, para identificar as evidências
encontradas de modo que:
1º. “o texto editado” forme uma sequencia segundo a lógica dessas categorias;
2º. o “fluxo original de informações” seja “segmentado em fluxos parciais”, se
necessário e se transforme num subconjunto coerente para a análise;
3º. no decorrer da análise seja possível verificar a necessidade de acréscimo de
subcategorias, para facilitar as análises;
4º. se torne possível analisar essas evidências conforme o explicitado anteriormente,
na página 111, no sub-item “Sistematizando as Análises conforme o MAC”:
Análise Horizontal – do conjunto dos registros/recortes organizados
sistematicamente nas MA, em todas as categorias de análise, por projeto
ou por entrevista;
Análise Vertical – do conjunto dos registros/recortes dos cinco projetos e
das vinte e seis entrevistas organizados sistematicamente nas MA, por
categoria de análise;
Análise Transversal – da articulação entre as duas analises anteriores, para
elaboração de uma síntese estruturada dos resultados obtidos.
Para além de apresentar o método utilizado na REDPECT para a coleta, o escrutínio e a
análise de informações, contribuindo com a compreensão do que esses saberes construídos em
rede podem oferecer, este estudo pretende com esse mosaico metodológico, contribuir também
com o aprofundamento dos referenciais teórico-metodológicos de um tema complexo,
multirreferencial, como a construção colaborativa do conhecimento, para futuros projetos de
pesquisa e também com os subsídios de uma análise mais articulada, através das evidências
129
teórico-empíricas-analíticas que serão apresentadas no próximo Capítulo/Tessela 5 – Construção
Colaborativa do Conhecimento: Como uma trajetória se transforma em história e a história
é uma tra(ns)jetória.
130
5 CONSTRUÇÃO COLABORATIVA DO CONHECIMENTO:
COMO UMA TRAJETÓRIA SE TRANSFORMA EM HISTÓRIA E
A HISTÓRIA É UMA TRA(NS)JETÓRIA66
Construção colaborativa do conhecimento: Técnica, Método ou Prática? Esta dúvida
surge a partir do domínio da Psicologia Social sobre a AnCo, porque esta ainda não se
instituiu como um novo campo do conhecimento. Com uma estrutura conceitual e processos
cognitivos organizados, aceitos e legitimados por uma comunidade acadêmico-científica
também organizada em torno desse conhecimento mais amplo, complexo. Então, como definir
tudo isso, se a (in)formação ainda está em construção? O Analista Cognitivo também faz
parte deste novo campo, em processo de (in)formação que vem se desenvolvendo, em termos
de um Programa de Doutorado, ao longo de apenas oito anos. Como ter certezas, ou dar
certezas, comprovar verdades, se hoje negamos que a ciência é uma verdade absoluta?
Iniciei esta tese com a certeza de que a REDPECT tinha construído uma nova
episteme. Num primeiro momento, essa nova episteme era a construção colaborativa do
conhecimento; num segundo, incoerentemente, no mesmo texto, era a AnCo e a construção
colaborativa passava a ser um mosaico. Depois ainda a concebi como elemento dessa nova
episteme. Tudo isso refletia não só as minhas dúvidas individuais, mas e/também as dúvidas
da comunidade da difusão do conhecimento, dos Analistas Cognitivos, que estão buscando
instituir esse novo campo do saber, do conhecimento, a AnCo.
Senti, ao longo do desenvolvimento da minha (in)formação como Analista Cognitiva,
na turma de 2011 do DMMDC, após esses oito anos de implementação desse doutorado, as
interrogações presentes nos pensamentos desses doutorandos. Isto na minha visão é eco,
reflexo, do pensamento de professores e de um tema, metaforicamente, engatinhando a se
instituir como campo. A AnCo, aqui objetivada não mais como domínio de uma única
ciência, mas epistemologicamente como mediadora numa encruzilhada de várias ciências, que
66
Para facilitar a visualização das falas dos autores-pesquisadores, distinguindo-as das citações das fontes
bibliográficas, resolvi apresentá-las em fonte “calibri”, com um ponto a mais que as mencionadas citações e em
estilo itálico. Então as citações foram apresentadas em pit 10, estilo normal e as entrevistas em pit 11, estilo
itálico. Além disso, os autores-pesquisadores são apresentados no início de suas falas com o nome completo e o
nome que assina suas publicações, e no decorrer da entrevista só pelo sobrenome e ano que foi feita a entrevista.
131
precisam se relacionar de maneira horizontal, vertical e transversal, para a inteireza da
complexidade do ser humano.
A situação se apresentava para mim na época como estar perdida entre autores,
conceitos, disciplinas, professores etc., caminhando entre colegas também perdidos. Naquele
momento de reflexão, ainda no início dos estudos do meu projeto de doutorado, encaminhava
meus pensamentos para a problemática da “construção colaborativa do conhecimento”, tema
que me motivou, provocou desde o mestrado, e me faltava o ar quando me questionava: O que
fazer? Qual a melhor escolha? Que caminho seguir? Onde seria melhor focar?
Estava numa encruzilhada, em busca de conhecer, ou reconhecer, meu próprio
caminho, entre tantos que me provocavam, seduziam. A única certeza que tinha era de que
“tinha uma tese a defender”. Mas, qual? As questões vinham a minha mente em profusão:
Será que a “construção colaborativa do conhecimento” tem algo a ser defendido? Respondia:
“Sou mico de circo se não tiver”67; e todas as descobertas que fiz, ou melhor, que os meus
colegas, amigos, professores, autores, me provocaram a refletir, não têm valor nenhum?
Mesmo assim, ainda tinha dúvidas quanto ao melhor objeto e esta é uma prática
constante na minha vida. Como um ser complexo, sempre busco muitas possibilidades, abro
muitas frentes e depois fico confusa para escolher o caminho a seguir.
Fui amadurecendo o tema nas disciplinas, discutindo com colegas e professores sobre
ele. Na realidade o processo de doutoramento foi amadurecendo minhas ideias, mas durante
muito tempo a única certeza neste “mar de dúvidas”, metaforicamente falando, era que, a
partir da instituição da AnCo como campo do conhecimento mais amplo, mosaico composto
pela articulação das grandes áreas68 do conhecimento, essa nova episteme se concretizaria.
Isto depois de anos de estudos, produções, construídas colaborativamente em redes de
pesquisa, neste caso a REDPECT e a RICS.
Complementando a problemática, outras dúvidas surgiram a partir dos significados
que busquei sobre episteme. Mas, continuei me perguntando: porque tantas dúvidas? Talvez
por que pensasse no mundo contemporâneo como em construção, reflexo dos pensamentos
pós-modernos, no qual tudo pode “ser” ou “não ser”, num eterno devir. Mas, continuei meus
questionamentos, considerando o termo episteme na Grécia de Platão, um saber pleno de
verdade, certeza e validade: Na perspectiva da linguagem isto não é tão antigo?
67
Adágio popular que me veio à cabeça para confirmação da minha dúvida. 68
Ciências Exatas e da Terra; Ciências Biológicas; Engenharias; Ciências da Saúde; Ciências Agrárias;
Ciências Sociais; Ciências Humanas; Linguística, Letras e Artes.
132
Sim, mas a certeza da dúvida e o aceite da incompletude do “ser sendo”, estão na
contemporaneidade, nos tempos pós-modernos. Marcus Túlio (2012, p. 66-67), em sua tese
citando Galeffi, diz que:
Galleffi (2003, p.109) traz, por meio de sua concepção de fenomenologia e
hermenêutica, os elementos da polilógica que passaremos a observar. A evidência da
polilógica começa pela referência do caminho investigativo. Esse caminho é
caracterizado por um caminho-sendo (em curso); a ênfase não está em investigações
passadas, mas na instantaneidade do movimento que impulsiona para um tempo de
ser-sendo. Nessa perspectiva, o ser-sendo não busca resultados findos, mas a
percepção de indicadores dos processos vividos ao longo da ação do viver a
investigação. O tempo emerge nessa relação com um caráter relativo; o afastamento
de resultados quantificáveis converge para um tempo próprio, um tempo do ser, o
tempo do ato de investigar. A polilógica vai se constituindo nas itinerâncias do ser-
sendo, no seu exercício fenomenológico-hermenêutico, do seu trânsito perpétuo
entre a consciência e as interpretações.
Nessa perspectiva nas minhas “intinerâncias de ser-sendo”, transitando entre
“consciências e interpretações”, continuei minha viagem nesse mar de dúvidas, inclusive
sobre as singularidades da minha turma no doutorado.
A turma de 2011 do DMMDC, minha própria turma, portanto, na minha
experiênciação neste doutorado, me passou a sensação de “rebeldes sem causa”, mas
imediatamente pensei: há uma causa na alteridade, a de tornar o conhecimento um bem
público, difundi-lo, disseminá-lo. Esta não é a missão maior dos estudiosos da difusão do
conhecimento? Entretanto, volto a refletir e penso que, o que de fato existe ainda é a
intencionalidade, pois os caminhos são multirreferenciais, multirreferenciados, complexos,
tão complexos quanto os seres humanos e este é sem dúvida um grande desafio. Fazer
ciências que até então se consideravam domínios de conhecimentos, saberes, se
interrelacionarem em prol de uma visão mais ampla de mundo não é tarefa fácil.
Transitar entre domínios de saber e dizer que eles não existem, ou que suas fronteiras
não deveriam existir é complicado, põe por terra anos de dominação e poder, “detenção” do
saber, conforme argui Foucault sobre o “balizamento dos mecanismos de poder no interior
dos próprios discursos científicos”:
[...] a qual regra somos obrigados a obedecer, em uma certa época, quando se quer
ter um discurso científico sobre a vida, sobre a história natural, sobre a economia
política? A que se deve obedecer, a que coação estamos submetidos, como, de um
discurso a outro, de um modelo a outro, se produzem efeitos de poder? Então, é toda
essa ligação do saber e do poder, mas tomando como ponto central os mecanismos
de poder [...]. (FOUCAULT, 1977, p. 226-227)
133
Então, reflito que, para a compreensão de fenômenos científicos, que antes deveriam
ser explicados, comprovados, experimentados, independentemente das subjetividades, e inter-
trans-subjetividades, dos sujeitos envolvidos -, pelo contrário, com uma distância ótima do
seu objeto -, necessário se faz conhecer sua história. É a partir desse pressuposto que busquei
e trago aqui a história das redes de pesquisa, multirreferenciais, complexas, REDPECT e
RICS, que tiveram sua origem a partir do Grupo de Estudo Currículo Essência e Contexto e
do Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Currículo, Trabalho e Construção do
Conhecimento – NEPEC.
Este é o marco inicial da história da REDPECT e da RICS. A partir deste ponto, tudo é
história: de vida, institucional, de sonhos, devaneios, devir. Na próxima seção, numa dinâmica
densa, polilógica, na qual se articulam conceitos, significados, significantes, análise,
contraste, transversalidade, política, amor, sonhos etc.
O mosaico vivo tomará forma de maneira progressiva, como uma linha do tempo,
apresentará o percurso dos autores-pesquisadores, suas trajetórias acadêmicas e suas histórias
de vida, de (in)formação, de (trans)formação, suas Tra(ns)jetórias, iniciando pela a origem do
processo de construção colaborativa do conhecimento.
5.1 CONSTRUÇÃO COLABORATIVA DO CONHECIMENTO: A ORIGEM DO
PROCESSO NAS / DAS REDES REDPECT E RICS
Nesta sub-seção apresento a origem da construção colaborativa do conhecimento, a
pedra fundamental do mosaico epistemo-teórico-metodológico e político das redes de
pesquisa aqui estudadas.
Desde a minha entrada na REDPECT fui identificando que os modos de trabalhar o /
com o conhecimento eram sempre coletivos: através de reuniões, oficinas, orientações em
grupo de graduando(a)s, mestrando(a)s e doutorando(a)s etc.; em todas essas atividades cada
(sub)projeto era estudado, (re)planejado, realizado com todos os respectivos participantes,
independente de seu nível de formação ou titulação. E todos os (sub)projetos eram
socializados em reuniões gerais, nas quais todos os participantes da Rede eram instigados a
discutir e intervir com críticas e propostas de (re)encaminhamento.
134
Buscando o porquê desses modos, fui encontrando informações sobre a sua instituição
como uma forma diferenciada daquelas outras em uso na FACED, desde que começou a
funcionar o grupo de pesquisa sob a coordenação de Fróes Burnham.
A partir da entrevista com ela69, descobri que a origem da construção colaborativa do
conhecimento, na perspectiva adotada nestas redes de pesquisa, está ligada a uma escola
primária que existiu há muitos anos atrás, dirigida pela Professora Edith Alves da Silva. Uma
escola diferente diante das escolas similares da época. Nesta entrevista, Fróes Burnham, filha
daquela diretora, relatou que esse marco aconteceu ainda em sua infância:
[...] isso está lá na minha infância. [...] Eu venho de uma família que sempre teve muita preocupação com o social, e minha mãe era aquela pessoa que fazia trabalho comunitário. [...] participei da escola primária multisseriada onde minha mãe era professora e foi lá que eu fui alfabetizada, mas eu não me lembro, porque [...] era muito criança nessa época [...]. Mas, a partir dos [...] meus seis, sete anos, minha mãe largou tudo e foi morar numa comunidade, e foi Diretora dessa escola da comunidade. [...] Como [ela] era muito religiosa, uma católica muito vinculada a igreja, o trabalho dela tinha sempre muita relação com a igreja católica.
Embora naquela comunidade não tivesse uma igreja [católica] -, foi uma luta da comunidade pra construir a igreja -, e como tinha muito protestante, como se chamava na época. [...] quatro ou cinco denominações, e era uma guerra, porque a construção da igreja virou um objeto de poder. E, então ela abriu a escola pra todas as atividades religiosas da igreja [...] católica, as outras igrejas não chegavam perto. Não sei se porque não pediam ou se porque ela vetava.
Aqui faço uma pausa na história de Fróes Burnham, para refletir sobre este poder
produzido no cotidiano, na visão de Foucault (1977, p. 229), que diz sobre isto:
Há efeitos de verdade que uma sociedade como a sociedade ocidental, e hoje se pode
dizer a sociedade mundial, produz a cada instante. Produz-se verdade. Essas
produções de verdades não podem ser dissociadas do poder e dos mecanismos de
poder, ao mesmo tempo porque esses mecanismos de poder tornam possíveis,
induzem essas produções de verdades, e porque essas produções de verdade, têm
elas próprias, efeitos de poder que nos unem, nos atam. São essas relações
verdade/poder, saber/poder [...] essa camada de [...] relação, que é difícil apreender
[...].
Embora naquela época esses efeitos de verdade não fossem refletidos/criticados
politicamente, eles já existiam nas relações cotidianas da escola. Neste caso essas relações de
poder se concretizavam na luta religiosa, mesmo que com cunho social. Os efeitos de poder
uniam, atavam aquela comunidade no sentido religioso-político-social. Mas, conforme o
relato de Fróes Burnham, a
69
Entrevista realizada em 18 de março de 2015.
135
[...] realidade era que, o grande compromisso dela era fazer com que todas aquelas crianças fossem, não só alfabetizadas, mas efetivamente tivessem um contato maior com o conhecimento e com o desenvolvimento deles como crianças.
Continuando a história, Fróes Burnham (2015) fala sobre o que tornava aquela Escola
num espaço diferenciando e como já naquela época a construção colaborativa do
conhecimento era utilizada, no caso, como um recurso pedagógico, mas que antes de tudo era
um processo de construção de conhecimento social e coletivo, no qual a comunidade do em
torno compartilhava.
[...] como nós ficávamos perto da base área, ela conseguia com o comandante [...] que sargentos da base, que eram responsáveis pela preparação física dos soldados, fossem pra escola fazer trabalhos de educação física [...]. Atrás da escola tinha uma grande área de barro, ela conseguiu fazer campo de futebol, e naquela época que não se ouvia falar em quadra poliesportiva, o pessoal jogava vôlei e jogava futebol no mesmo espaço, nessa mesma quadra.
As atividades dos alunos não se limitavam ao esporte, mas também a arte.
A gente tinha trabalhos manuais e no final de cada semestre uma exposição lindíssima com bordado, [...] pintura, [...] esculturas em gesso, esculturas em madeira, trabalhos com contas e miçangas e tal, [...] flores artificiais. E era interessante porque ela tinha uma capacidade de articulação muito grande [...]. Por exemplo, se houvesse na comunidade alguém que soubesse fazer labirinto. Eu me lembro que tinha uma menina chamada Enaura na escola, que a mãe dela costurava labirinto, eles vinham de Alagoas, e [...] essa senhora [...] ia para escola para mostrar como fazia labirinto às meninas (naquela época os meninos não se interessavam por isso), [...] ou pelo menos existia o interdito social do homem fazer bordado. As meninas que se interessavam aprendiam alguns pontos de labirinto; a pessoa que sabia fazer flores artificiais ela trazia, a pessoa que sabia fazer bolo ela trazia, e assim por diante. Era oficinas o tempo inteiro.
A escola não funcionava apenas como escola, ou seja, apenas como espaço de
aprendizagem dos alunos, mas também como um espaço de interação/colaboração de toda a
comunidade. Isto provavelmente valorizou saberes daquela comunidade e a autoestima das
pessoas, artesãos, que vinham ensinar às crianças algo que poderia inclusive no futuro se tornar
um ofício. Além disso, a diretora era uma visionária, pensava à frente da sua época quando lhes
proporcionava a oportunidade de participar de inúmeras atividades extracurriculares que se
somavam às disciplinas ministradas incluindo o esporte e a educação física.
As atividades continuavam aos sábados, conforme narra Fróes Burnham:
[...] como a maioria das professoras morava em Salvador, e o tempo de locomoção entre aquela comunidade e Salvador era entre 45, 50 minutos de ônibus, nos sábados só ia metade dos professores, a outra metade ficava
136
em casa, e todos [...] se reuniam somente de manhã, a escola toda. [Então,] nesses sábados de manhã a gente tinha audição de poesia, audição de música, pequenos esquetes de teatro, fazia[mos] bordado, [...] grupinhos de bordado, artesanato, assim por diante. Isso fazia com que a gente se sentisse muito integrada na comunidade, e que essa interação acontecesse naturalmente.
Aqui faço uma pausa para a minha admiração durante a entrevista: “Que coisa
maravilhosa! Então, já naquela época ela era uma professora como um Paulo Freire da vida”.
Mais adiante, no decorrer da entrevista, Fróes Burnham reconhece isso.
Além das atividades de troca de saberes e práticas da comunidade entra a arte, não
mais como apenas atividade, mas também como entretenimento e como parte do processo de
aprendizagem. Aqui percebi que a multirreferencialidade estava presente naquela Escola. Isto
porque muitos eram os temas abordados, articulados, de maneira prática. Até este ponto a
história fala de Educação, Arte, e também Política, que aparece na narrativa a partir da questão
social, da busca por fazer com que todas as crianças fossem matriculadas na escola:
Uma das coisas que me lembro é que, a maioria dos alunos dessa escola eram muito pobres, mas pobres mesmo de não ter o que comer, e as mães não queriam levar os alunos, não queriam matricular, porque os meninos não tinham sapato, não tinham alpercata, não tinham roupa etc. [...] E aí o que é que ela fazia? Combinava com as mães -, cansei de ir com minha mãe visitar a casa pra convencer a família a matricular o menino na escola – [...] ela fazia [...] arrecadação de roupas usadas, de sapatos usados [...] (ela sempre teve muito amigo, muita amiga, muita relação) -, então ela fazia coleta para levar para escola e distribuir.
A partir disto surge a Ética, representada pela solidariedade e respeito ao outro e suas
necessidades mais básicas. Sem alarde, de maneira implícita, todos exercitaram a ética, na
prática da vida cotidiana daquela escola.
A merenda era coletiva, ninguém sabia o que o outro levava pra merendar, [...] naquela época não tinha merenda escolar, então cada um levava sua merenda. [...] O que é que ela fazia? Toda criança que chegava com a merenda ia para o fundo da escola, tinha uma mesa grande, e colocava sua merenda lá. Então ela via quantas crianças estavam na sala, o que é que aquilo ali dava e complementava [com] banana, manga, mamão etc. [que ela] trazia, [...] dividia aquilo, e todo mundo merendava, e todo mundo ficava feliz da vida. [...] porque não tinha essa coisa de fulano trouxe isso, sicrano trouxe aquilo.
A ética não se resumia a divisão do lanche, mas também à mediação da aprendizagem.
A professora criou um método de monitoração a partir do nível de cada aluno e também do
conhecimento compartilhado, uma das características da construção colaborativa do
conhecimento. Então,
137
[...] ela fazia [com] que [...] os melhores alunos sentassem com os que tinham mais dificuldade pra ensinar, e isso ela aprendeu na escola multisseriada. [...] Teve épocas de minha mãe trabalhar em escola multisseriada no interior, com 50, 60 aluno, numa sala só, ela sozinha como professora, e conseguia fazer o pessoal do 5º ano trabalhar com o pessoal do 3º. Bem, com isso o que é que acontecia? A gente estudava sempre em grupo.
Esta inspiração na escola multisseriada, a qual sem dúvida representa um grande
desafio, já que abriga crianças de diferentes níveis de conhecimento e idades em uma única
turma. Esta é uma dura realidade ainda no Brasil de hoje. Isto acontece em escolas rurais, a
Revista Educação (2011, s.p.)70, em reportagem de E.F. & Rubem Barros, diz que “[...] as
classes com alunos de diversas idades em localidades isoladas representam um dos maiores
desafios pedagógicos da educação brasileira.” Sem dúvida uma “realidade complexa”, como
os autores intitulam a reportagem. Isto confirma este desafio.
O mais grave é que, a reportagem informa ainda que “[...] as turmas multisseriadas,
[...] não são avaliadas pela Prova Brasil e/ou pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica
(SAEB)”. Isto hoje! Imagine como não era há tantos anos atrás! Apesar das dificuldades que
este tipo de escola representa para os professores, esse conhecimento a Professora Edith
trouxe para esta escola onde foi diretora, e eu o percebo como um trabalho colaborativo.
Embora este não fosse reconhecido como tal na época, questionei a Fróes Burnham na
entrevista: Já era um trabalho coletivo/colaborativo? Ela confirmou, dizendo que:
[...] as vezes estava em casa e os colegas da sala vinham pra estudar juntos, por que: era a casa onde tinha mais livro, [...] mais papel, essas coisas assim. E tudo isso ela fazia, por causa do compromisso com a igreja, e porque também eu acho que ela era uma educadora nata, nata quer dizer, a vida a levou a construir esses processos.
Mas isto não ficou só na experiência da infância para Fróes Burnham, como ela
mesma reconhece na entrevista. Continuou acontecendo até a universidade, quando a maioria
das colegas tinha feito apenas “[...] o curso pedagógico, não tinham feito curso científico” e
[...] tinham a maior dificuldade pra entender mineralogia e cristalografia, porque precisava de química, precisava de física, e tal, e, a maioria delas ia lá pra casa, ou [...] chegava mais cedo na faculdade para [...] estudar. [...] eu e mais uns dois ou três que fizeram científico, ajudávamos a essas que tinham feito pedagógico.
Esse conhecimento construído na infância, do trabalhar com o outro e construir
colaborativamente, diz Fróes Burnham que “[...] isso sempre pautou minha vida. A vida
70
Versão online, disponível em: <http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/163/artigo234869-1.asp>.
138
inteira, eu sempre achei que a gente só pode aprender com o outro”. Então, exemplificando
essa máxima ela conta uma nova experiência já como professora:
[...] eu [estava] no 2º ano de faculdade quando [...] comecei a ensinar, [...] lembro que eu tinha que falar sobre meristema, sobre tecidos vegetais, e não sei que, e como é que eu ia traduzir aquilo para aquele pessoal que [...] [achava que] aquilo era grego? [...] cada vez mais, eu tinha interesse de que [...] pudesse[mos] encontrar meios que o outro compreendesse a partir de sua própria situação. Sem discriminação. E, um dos meios é o desenvolvimento da autonomia, mas pra você desenvolver essa autonomia numa sociedade que é tão subjugadora, que só quer subjugar mais do que autonomizar? Isso tem que ser um processo lento, onde [...]
Nesse ponto interrompi questionando: Aí é que entra a questão política? Ela
respondeu que sim, mas acrescentou que “[...] entra também muito a questão da afetividade e
do sentimento”. Disse ainda que, a “[...] intencionalidade política tem que haver, porque senão
você não consegue fazer.” A partir desta fala outra questão surgiu no nosso dialogo, desde que
na minha visão isto não é pura e simplesmente política, questionei: Essa questão política é
uma mistura de epistemologia também? Ela esclareceu:
[...] toda vez que [...] trabalha[mos] com o conhecimento, numa perspectiva emancipadora, [...] [estamos] tendo uma costura político-epistemológica. Tem um texto que saiu da Conferência Brasileira de Educação, [de] 1992, no livro Educação Básica71, [...] um texto que eu escrevi naquela época, chama-se: “O vazio político-epistemológico da escola pública”, onde a gente discute exatamente isso. [...].
E essa é [uma] dimensão [...] que por mais que a gente queira [...] não vai conseguir atingir o outro, nem o outro vai conseguir lhe atingir, nem [...] [vamos] ter essa troca, esse intercâmbio, se [...] não tiver[mos] afeto e sentimento nos ligando. E, eu acho que isso era uma das coisas mais fundamentais do nosso trabalho coletivo, entendeu? Porque a gente é muito ligado pelo afeto, pela amizade, pela preocupação, pelo respeito ao outro, pela solidariedade, eu acho que isso foi sempre muito marcado. E acho [também] que as origens dessa minha preocupação, que não é só minha, que é de um coletivo, vem muito dessa minha infância nessas comunidades.
Neste estudo essa dimensão é representada pelo verbo afetar, ou seja, a forma como se
provoca o outro para uma resposta, um sentimento. Castoriadis (1982, p. 324), associa esse
afeto à “formação das representações na/pela psique”, diz ele que: “[...] esta afirmação é,
aliás, mais do que redundante, a psique é isso mesmo, emergência de representações
acompanhadas de um afeto e inseridas num processo intencional”. Fróes Burnham coloca a
afetividade e o sentimento como uma das características marcantes desse trabalho coletivo.
71
A referência completa do livro é: SOARES, Magda Becker, KRAMER, Sônia, LÜDKE, Menga et al. Escola
básica. Campinas: Papirus: Cedes; São Paulo: Ande: Anped, 1992. (Coletânea CBE)
139
Existe um elo que liga esse coletivo segundo ela, que se concretiza na “[...] preocupação e
respeito ao outro, na solidariedade, no afeto, amizade [...]”.
Essa questão do afeto é também uma das características das redes de pesquisa em
estudo, no seu cotidiano. Muitos trabalhos acadêmicos vêm sendo construídos com esse tema.
Segundo o Professor Gustavo Bittencourt Machado (2010, p. 22)72, em sua tese de pós-
doutoramento, o
[...] afeto é um sentimento e também é percebido a um território, a uma comunidade,
a uma cultura, à família, à memória, ao passado do indivíduo. A partir do
reconhecimento e valorização desse sentimento inerente à espécie humana, entre
outras espécies, como uma manifestação das emoções e do amor, estabelece-se uma
política do afeto.
Conhecer duas realidades, a da comunidade carente onde se inseria a escola e a da
filha da Diretora da Escola daquela comunidade, que fazia um trabalho social de grande valia,
possivelmente formou lastros para que Fróes Burnham tivesse consciência da alteridade e da
importância daquele trabalho para a formação dos alunos:
[...] vendo o papel que a escola pode ter nessa transformação, porque por exemplo dessa escola que eu tava falando, que tinha essa ligação grande com a igreja etc., a gente teve [alunos que se formaram] advogados, a gente teve muitas professoras, a gente teve contadores, a gente teve coisas assim fantásticas [...], tem um textinho que eu recupero isso chamado: Revisitando a Visconde73, que saiu na revista do IAT [...]. Então, isso sempre foi uma preocupação muito grande daquela escola, todos os professores faziam um trabalho que era o mais articulado possível [...]. E os professores sentiam muito a preocupação uns com os outros, a preocupação da direção da escola com a questão [do] afeto, a humanidade. Como tudo era valorizado. Era uma coisa linda, linda, linda.
Na minha percepção a articulação dos saberes, tão trabalhado nas produções da
REDPECT e da RICS, é também influenciada por uma herança dessa experiência de uma
Escola Integrada à Comunidade.
Uma experiência inovadora também diz respeito à reciclagem de materiais
descartados, numa época que nem se falava no assunto. As atividades de arte, trabalhos
manuais, artesanato, utilizavam esses materiais/refugos:
72
Integrante da linha de pesquisa CAOS/REDPECT e atual Coordenador, portanto Autor-pesquisador nesse
estudo. 73
Referência completa do texto citado: “FRÓES BURNHAM, Teresinha. Revisitando a Visconde: Uma
Experiência de Educação Integral numa Escola integrada a Comunidade. Cadernos IAT, Salvador, v.1, n.1, p.15-
31, dez. 2007”.
140
[...] as crianças traziam as coisas mais estapafúrdias que você possa imaginar, Sílvio74 tem um texto sobre isso na dissertação de mestrado dele, que foi o resultado de um trabalho que a gente fez junto e aí, [ele] gravou as conversas [...].
Tinha um armário que se chamava aproveita tudo e tudo que as crianças traziam, desde um pião quebrado, tampa de garrafa e tal, ia pra aquele armário, na hora de fazer o trabalho manual, aquele armário era aberto e as crianças iam lá e procuravam o que queriam. Daí saia: capacho de tampinha, centro de mesa de fio de plástico, saia de boneco de fio rígido, [...] Pedaços de calhamaço [tecido de fibra] pra fazer tapete de tira de pano, saia de retalho de fuxico [...], paninhos de copa de retalho [...], toalhas de prato de barrinha e assim por diante. E os meninos faziam bola de papel, eles aprendiam a macerar o papel molhado e a construir a partir de papel molhado, papel marchê; badogue, fura pé. Eu me lembro que tinham uns meninos -, porque houve uma época que estavam fazendo a estrada e o pessoal que fazia a estrada largava o resto das coisas -, que pegavam pedaços de ferro, pedaços de madeira e levavam pra escola, [então] eles faziam carrinho de madeira, carrinho de rolimã, faziam escultura de madeira, mas não era escultura de madeira talhada não, eles juntavam os pedaços de madeira pequenos pra fazer as formas, eram coisas assim incríveis. As exposições eram lindas, lindas!
Hoje as escolas públicas estão perdidas com a droga, com a violência. Talvez se
tivessem um trabalho como esse a realidade atual seria diferente. Fróes Burnham (2015),
narra uma experiência naquela escola da recuperação de um aluno problema, através desta
pedagogia diferenciada:
[...] tinha uma criança, que era filho da servente da escola, e se chamava Josias, todo mundo o chamava Josias de Maria, era terrível, o menino não parava um minuto e todo mundo dizia “esse menino vai dar pra ruim”, [...] batia nos outros [...] era muito agressivo e tal,. Esse menino chegou na escola, ele já tinha uns 8 pra 9 anos, e a mãe dele dizia que ele não podia ir porque não tinha dinheiro pra sair, era aquela desculpa, e aí Josias [...] ganhou alpercata de couro, ganhou roupa, não sei que, e foi pra escola.
Os primeiros dias de Josias na escola ninguém aguentava porque ele não parava sentado, não adiantava o autoritarismo do professor daquele época, porque ele era terrível. E eu me lembro que, ela como diretora, quando a professora se queixava de Josias, ela dizia: “Deixe Josias comigo”. Aí trazia exercício, botava Josias junto dela, começava a conversar, pedia a Josias ajuda, pedia a Josias pra tomar conta das outras crianças, [...] no final de dois anos e meio Josias conseguiu um emprego, ele devia estar com 11, 12 anos, conseguiu emprego no armazém que tinha [na comunidade] e virou a pessoa mais ilustrada do armazém, porque o dono do armazém não sabia ler direito era ele que fazia as cadernetas dos fregueses, [...] as somas, [...]
74
Sílvio José Conceição, um dos autores-pesquisadores da REDPECT, também entrevistado neste estudo. A
referência completa da mencionada dissertação é: “CONCEIÇÃO, Silvio José. Aprendizcidade ou as escolas
invisíveis: A cidade como espaço de aprendizagem. 2006. 121 f. Orientadora: Profa. Dra. Maria Inez da Silva de
Souza Carvalho. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação, Salvador,
2006.”
141
as listas de dividas, os controles todo. Depois ele foi pro ginásio. Fez ginásio no Colégio de São Caetano, depois eu não sei, perdi o contato. Mas, a irmã dele que a gente não perdeu o contato, virou professora da escola em que a gente tinha estudado.
Pessoas expoentes na profissão e na política também foram alunos dessa escola. A
exemplo disso Fróes Burnham citou:
[...] uma grande advogada na época da ditadura, que lutava contra as pessoas discriminadas pela ditadura, foi aluna dessa escola. Encontrei depois de vários anos como Assessora da Reitoria da Católica uma das meninas que tinha sido nossa colega nessa escola. Gerente de aeroporto, de companhia de aviação, gerente de posto de gasolina, essas pessoas saíram dessa escola. Agora, tudo isso era o trabalho coletivo, porque a comunidade toda que podia participar, ajudava e construía e as festas eram lindas.
A Diretora era também uma gestora inovadora, criativa. Para animar e dar valor
diferenciado as festas, nas quais a produção artística dos alunos era negociada, ela criou um
leilão diferente:
[...] a gente tinha quermesse, tinha leilão, [...] como as pessoas não tinham muito dinheiro, os leilões não eram leilões de valor, eram leilões de tempo, então, você tinha um objeto, e esse objeto, cada um dava o que podia 20 centavos, 30 centavos, 40 centavos, 1 real -, 1 cruzeiro naquela época, se eu não me engano -, e ela ia recolhendo, quando o [...] alarme tocava e parava, [...] a pessoa que tinha feito o último lance resgatava. Então, coisas assim que eram super criativas e que ajudavam as pessoas.
As máximas da Professora Edith, ou melhor, os princípios que regiam suas ações
didático-pedagógicas, diz Fróes Burnham que:
[...] foi uma coisa assim que marcou a gente. Ela dizia [...] uma coisa que eu achava interessante, muito interessante: “Quem não sabe ler e escrever e interpretar, não vai a lugar nenhum”.
Então, esses meninos -, ela não dizia meninos e meninas -, só dizia os meninos, “esses meninos precisam aprender a ler e a escrever, e a saber as coisas básicas da vida”. A gente tinha aula de nutrição, a gente tinha aula de boas maneiras, a gente tinha aula de higiene era educação integral no sentido que se faz.
Ela confirma a minha interpretação de que a origem da “construção
coletiva/colaborativa do conhecimento” vem da sua experiência de formação numa Escola
integrada a uma comunidade. Reconhece também a semelhança da pedagogia de Paulo Freire
com a Professora Edith.
Então todas essas coisas eu acho que me ajudaram muito a ter essa preocupação com a questão coletiva. Quando eu conheci Paulo Freire eu me apaixonei por Paulo Freire, porque eu via minha infância toda retratada. Era impressionante!
142
Contando essa história, Fróes Burnham trouxe a questão epistemológica, passou
rápido pela questão Política, Filosófica, Metodológica e respondeu a minha pergunta: Tudo
isso é um Mosaico? “Eu acho que sim, porque no fundo, no fundo, a gente foi compondo”. A
partir dessa memória dela, ficou claro para mim que a construção colaborativa surgiu dessa
experiência e também que, era um mosaico complexo, multirreferencial. Mas, ela retrucou
quanto a esta minha certeza da origem da construção colaborativa:
Não, não surge [aí] a construção colaborativa. Mas, [...] isso foi uma experiência, isso acontecia em muitos outros grupos, porque, por exemplo, a Escola Parque aqui foi outro grande exemplo. [...] não se pode comparar a Escola Parque com a Visconde de Mauá, porque uma era um microcosmo bem micriquinho, como a gente pode dizer, e a outra era aquela coisa potente, enorme. [também] o trabalho que foi feito, [...] na escola primária do Instituto Normal, que depois passou a se chamar Isaias Alves.
Ela continuou falando do trabalho do Isaias Alves como primoroso, das maravilhas
que aconteciam no curso primário, da beleza daquele trabalho. Corroborei com o
reconhecimento de que aquela foi uma geração de professores diferentes, mas questionei: Por
que, que tudo isso se perdeu? Sua resposta colocou a responsabilidade no período político
delicado porque passava o Brasil na época da ditadura militar:
Pergunte aos políticos brasileiros, principalmente os políticos da ditadura militar, porque foram eles que fizeram as reformas, quiseram substituir uma cultura por outra, e transformaram [a educação escolar] do jeito que transformaram, e depois isso tem desdobramentos.
Na minha interpretação, é aí que entra a questão político-cultural também. Porque se
você desculturaliza um povo, ele fica sem identidade, perdido e facilmente manipulável. Com
esta consideração finalizei a seção “Origem da Construção Colaborativa” e encaminho o texto
para a segunda parte da história: “Primeiros grupos: Ensaios para as redes de pesquisa”.
5.2 PRIMEIROS GRUPOS: ENSAIOS PARA AS REDES DE PESQUISA
Antes desse estudo eu acreditava que o processo de construção colaborativa do
conhecimento surgiu a partir dos trabalhos de Fróes Burnham, porém em entrevista ela
esclareceu que,
[...] não é a partir do meu trabalho. [...] o processo de construção colaborativa [...] existe há muito tempo. Ele vem existindo [...] na medida
143
em que pesquisadores trabalham juntos, realizam pesquisa coletiva, constroem conhecimento, publicam com equipes, então [...] o trabalho colaborativo tá aí, espalhado em vários espaços, e vem sendo realizado há muito tempo. O que eu acho que nós conseguimos fazer foi ter na construção colaborativa o eixo de organização do nosso trabalho, no nosso grupo de pesquisa.
Aqui a construção colaborativa passa a ser “eixo de organização” dos
trabalhos/produções dos grupos de pesquisa. Na época, década de 80, como ela narra, após
sua chegada da Inglaterra, onde foi fazer o doutorado,
[...] nós tivemos um projeto que foi um projeto de avaliação do Mestrado em Educação, [...]75 então, nós fizemos todo um trabalho de retrospectiva do que foi o Mestrado e de ver como ele tava funcionando, e nesse trabalho, (na época o Coordenador do Mestrado era Arapiraca), participaram várias pessoas, se eu não me engano, Elda Tammer, Tereza Coutinho, Delvair Alves [...].
Diz Fróes Burnham que, “[...] Arapiraca era aquela pessoa que delegava muito, eu
fiquei assim com mais contato com o pessoal, até porque ele tinha uma agenda muito mais
cheia do que a minha [...]”,
[...] mas foi um trabalho feito por todos nós, e, teve mais gente, mas agora eu não me lembro. [...] fizemos todo um levantamento, a partir da documentação, a partir de falas e conversas com alguns professores e também com alguns alunos, [...] saiu até um documento da coordenação, sobre esse trabalho, mostrando o que era o Mestrado, como tinha surgido, a sua história, e mostrando a situação daquela época e as perspectivas.
A “capacidade de articulação” do grupo foi reconhecida, e ela declarou que “foi muito
interessante”, por que
[...] eu lembro bem de Tereza Coutinho dizendo um dia, que a gente podia fazer várias críticas a muita coisa, mas que o que não podia se criticar era a capacidade de articulação que a gente tinha, nós que fazíamos o trabalho, pra construir esse trabalho em conjunto; e Delvair dizia assim: esse trabalho precisa ser escrito, essa metodologia precisa ser escrita, se vocês não escreverem eu vou escrever [...].
Nesta fala ela coloca a construção colaborativa como potencial de articulação coletiva,
e para, além disso, um meio de aprendizagem e também de prática transversa; quando na
próxima fala ela traduz essa articulação como a capacidade de “contornar as situações”,
mesmo com a alteridade do ambiente e tocar o trabalho independente das interferências
externas ao grupo.
75
Pensando alto sobre o período, Fróes Burnham disse que: foi em 76 que eu saí, já com o Mestrado, eu fui da
primeira turma, a gente começou o estudo quando voltei, em 1982, levantando toda a documentação a partir de
1971 se eu não me engano.
144
E eu, participei muito nesse processo e aprendi muito com ele, aprendi muito mesmo, até porque, nessa época tinha correntes muito diferenciadas na escola, pessoas que viviam em tensão com outras e etc., e quando Tereza falava nessa capacidade de articulação era por que a gente conseguiu ir contornando as situações e recebendo informações e trabalhando com isso.
E esse aprendizado não parou nesse ponto, pelo contrário, foi se ampliando nas
discussões do grupo de estudos “Currículo Essência e Contexto”, que deu origem ao “Núcleo
de Ensino, Pesquisa e Extensão em Currículo, Trabalho e Construção do Conhecimento”, o
NEPEC, conforme apresento na próxima subseção.
5.2.1 “Grupo de Estudos Currículo, Essência e Contexto” e o “NEPEC”
Inicio a apresentação das entrevistas, a partir do Professor Roberto Sidnei Macedo
(MACEDO, R. S. A.)76, antes mesmo das análises. Isto porque, ele fez parte do primeiro
grupo, ainda de estudos, que originou as redes de pesquisa, o Grupo de Estudos Currículo
Essência e Contexto. Reativando suas memórias, Macedo (2015), diz que ingressou neste
“grupo de estudo”, como Mestrando, sob “a orientação de Teresinha” em “1984”. Motivado
pelo desejo de “entrar nas discussões sobre currículo”, ele continua a narrativa dizendo que
[...] principalmente a partir de uma motivação que era a forma com que o grupo discutia currículo, fundamentalmente a partir do debate sobre conhecimento [...]. [...] Um debate que, lembro muito bem das obras que de certa maneira inspiravam o que estava posto. [...] era um debate que, da minha perspectiva já apontava para a construção colaborativa do conhecimento, mas que esse termo não existia ainda [...]. [...] foi o livro de Luckmann & Bergman, “A Construção Social da Realidade” [...] Aquele trabalho ali na realidade foi minha primeira inserção, eu diria mais reflexiva [...].
A motivação de Macedo, estava baseada no
[...] debate sobre, a questão da produção do conhecimento, ou da criação do conhecimento colaborativo, eu prefiro radicalizar, muito menos uma construção, mas uma criação sempre, acho que a construção entra aí mais eu prefiro criação. Isso me chamava muito atenção aquela época. E a partir daí, eu fiz a opção de continuar com o grupo. O detalhe é que Teresinha não seria minha orientadora de acordo com o programa e a minha seleção. Seria Professora Dalva Macedo, que trabalhava com Psicologia, porque eu [...] eu sou Psicólogo.
76
Roberto Sidnei Alves Macedo (MACEDO, R. S. A.) - Atualmente é Professor Titular da UFBA, credenciado
nos PPG de Mestrado e Doutorado em Educação e Doutorado no DMMDC. Nesse contexto coordena o Grupo
de Pesquisa FORMACCE em Aberto. Foi Coordenador do GT de Currículo da ANPED, no período 2013-2015.
145
Interessante observar que Macedo prefere utilizar o termo “criação do conhecimento
colaborativo” no lugar de construção colaborativa do conhecimento, justificando essa escolha
numa crítica que Ardoino faz a ideia de construção.
[...] Ardoino, tem um texto interessante que faz uma crítica [...] à ideia de construção. Ele vai nos dizer que -, inclusive ele cita Piaget - na realidade a construção aponta pra ideia de que você vai construindo. ele faz inclusive a ideia de edificação, com fundamento, com alvenaria, tijolo em cima de tijolo, uma métrica já um tanto quanto colocada de como vai ser esse processo de planejamento, ou seja, ele vai dizer: “olha, isso pode até existir aí dentro [da construção] mas não se reduz a isso. O trabalho por exemplo com o imaginário, com a imaginação criativa, e também em Deleuze que radicaliza isso. Para Deleuze todo conceito é uma criação, seja lá qual for.
Então, nessa perspectiva a construção está contida na criação, que vai além do
processo de construir. Inclusive, na sua obra “Etno Pesquisa Implicada” ele coloca sua visão
de colaboração como “o pertencimento”, e a “criação de saberes”. E enfatiza que, “[...] da
perspectiva que a gente vem caminhando é muito mais coerente criação. Se pouca, se muita,
se rompe com tudo, se não rompe, mas é um processo criativo”. Neste ponto percebo certa
dicotomia entre a engenharia (construção) e a arquitetura (estética, arte). Isto porque ele
coloca a construção como elemento constitutivo da criação e na minha visão uma está
ontologicamente ligada à outra. No construir está a criação, e isto envolve articulação com
conhecimentos construídos conscientemente, inconscientemente, no coletivo ou não, no
imaginário ou não. A criação acontece também a partir do ambiente que a construção
colaborativa propicia: um ambiente plural que potencializa a criatividade.
Diz ainda o autor-pesquisador que,
[...] esse debate, [...] tinha ao mesmo tempo o caráter antropológico, epistemológico, político e pedagógico também, porque Currículo é uma produção pedagógica, por mais que se tenha vários aportes é uma invenção pedagógica.
Macedo apresenta essa motivação por este debate como responsável por ele se
“aprofundar nessas questões”, e que sua “dissertação orientada por Teresinha foi nessa
direção”. Falando sobre a perspectiva que estudou currículo ele complementa:
Estudei o currículo de uma perspectiva epistemológica, antropológica, filosófica e agregando a isso à época uma inspiração que, da minha perspectiva de forma preocupante ta se perdendo, por conta dos nossos tempos, das preferências contemporâneas, que foi um aporte muito forte na teoria crítica de currículo.
Com esta fala ele demonstra sua preocupação com a perda de interesse da academia
pela “teoria crítica de currículo”. Inclusive para confirmar essa preocupação ele conta que no
146
(In)formacee77, o GT (Grupo de Trabalho) de Teoria Crítica em Currículo e (In)formação não
consegue uma inscrição. Inclusive, diz ele que por conta da teoria crítica de currículo o
[...] nome do grupo por isso era o Peter McLaren. Eu fico muito preocupado particularmente com isso, com esse descarte, que na realidade isso esteve na base da construção colaborativa por uma inspiração marxista, que ainda existe só que está sendo, na minha perspectiva, colocada de lado como se isso não tivesse mais nenhuma pertinência. O que eu não concordo.
Ele se coloca contrário a deixar de “[...] discutir essa epistemologia da Escola de
Frankfurt que esteve na base das nossas discussões, lá enquanto grupo, antes do NEPEC.”
Portanto, a construção colaborativa do conhecimento para Macedo, está baseada na Teoria
Crítica do Currículo, que se pauta na Escola de Frankfurt. Ele cita o nome de Peter McLaren
como título do GT que trata da teoria crítica do currículo no (In)Formacee. Então para
fundamentar essa questão resolvi trazer uma citação de uma entrevista de Peter McLaren
(2001), a Revista Currículo sem Fronteiras, quando ele responde a questão “Poder-se-ia,
então, dizer que você é um marxista consumado.”
Não sou um daqueles esquerdistas inflexíveis ou teimosos que encaram o marxismo
como uma religião que explica tudo sobre a humanidade. O marxismo não é uma
crença religiosa; não é um discurso profético. Eu não quero nada com o que
solidifica ou endurece as coisas – seja marxista ou eclesiástico. Na verdade, o
marxismo aposta suas fichas nas boas obras e não na fé. Ele enfatiza a denúncia e a
transformação do mundo e não a proteção de seus principais textos com tentáculos
doutrinais, ou um apego imutável ao materialismo histórico, como se ele admitisse
uma pureza imaculada ou uma crença sacerdotal. O marxismo tem um aspecto
denunciatório que é crucial. Se a linguagem de análise que você usa em seu trabalho
não lhe capacita e não lhe encoraja a denunciar o mundo, então é melhor que você
reconsidere a linguagem que está usando. Mesmo o Papa João Paulo II, em sua
encíclica Centesimus Annus, admite, pelo menos, algumas “sementes de verdade” no
marxismo.
Esta colocação de McLaren traz a questão política que foi uma das bases das
discussões das redes de pesquisa analisadas neste estudo. A preocupação não de forma
dogmática, com a crítica, “a denúncia, a transformação do mundo”, com “o solidifica ou
endurece as coisas”, venha de onde vier. Além disso, a preocupação que ele demonstra com a
escolha epistemológico-metodológica para visualizar o mundo. A partir daí, compreendo a
preocupação de Macedo com o afastamento político-epistemológico da academia diante da
teoria crítica.
77
(In)formacee - Encontro Internacional de Estudos, Pesquisas e Intervenções em Currículo e Formação,
evento do Grupo de Currículo, Complexidade e Formação - FORMACEE/FACED/UFBA, Coordenado pelo
Professor Sidnei Macedo, que acontece bi-anualmente.
147
Depois, retomando o ponto inicial de sua entrevista, especificamente no tocante a
construção colaborativa do conhecimento, na época das discussões ainda no grupo de
Currículo Essência e Contexto, Macedo argui que,
[...] eu entendo que lá já existia essa semente, sem essa denominação, que agregava, eu diria filosoficamente, correntes fenomenológicas e correntes críticas. Essas duas perspectivas pra mim [...] dão o tom de uma perspectiva colaborativa, na medida em que a gente já percebia o trabalho com currículo, com o outro. A gente não admitia se debater currículo sem levar em conta essa perspectiva, eu diria fenomenológica, antropológica, crítica. Nós não iríamos ser caracterizados como estudiosos de currículo e que também interferíamos em práticas curriculares de uma perspectiva, de uma visão, eu diria, do especialista burocrático e distanciado.
Então, ele coloca as abordagens fenomenológicas e as críticas como perspectivas, que
já naquela época, determinava um modo de se trabalhar com o outro, portanto
coletiva/colaborativamente. Logo depois, seguindo o roteiro da entrevista ele apresenta a
“epistemologia solidarista”, como a grande contribuição não só do grupo de estudo, como
também do NEPEC na sua vida acadêmica, dizendo que “[...] a grande contribuição foi essa
epistemologia solidarista, que vê o trabalho com currículo de uma forma radicalmente
cooperativa.”
Em resposta a questão - Quais suas impressões sobre construir conhecimento de
maneira colaborativa? – Macedo considerou que,
[...] pra mim é uma radicalidade [...]. - [...] a criação, eu queria, usar esse termo, a criação colaborativa do conhecimento, ta certo? - é uma radicalidade, ou seja, é um debate que pede uma perspectiva ontológica, é uma condição humana [...]. [...] em sendo assim, eu imagino que tem que ser uma radicalidade. Isso quer dizer o que entre nós aqui do Formacee, nos nossos estudos de currículo e formação, não é possível, da nossa perspectiva, não trabalhar currículo e formação, se não a partir de uma construção ou de uma criação colaborativa do conhecimento.
Ele coloca a construção colaborativa como “uma radicalidade” por ser esta “uma
condição humana”, e também que este é um debate que pede uma perspectiva ontológica, por
conta desta condição. Macedo apresenta o que está na base dessa perspectiva colaborativa,
desde o NEPEC, como sendo o não “[...] imaginar que existe um senso comum fora da
construção acadêmica do conhecimento”, e exemplifica:
[...] o senso comum faz parte de qualquer tipo de trabalho com o conhecimento, [...] todos, absolutamente todos nós, criamos conhecimento, para todos os sentidos práticos, e aí é a contribuição da ética e da etnometodologia. Todos nós, somos capazes de descritibilidade, de inteligibilidades e de analisibilidades [...].
148
E complementa, quando questionado sobre o construir colaborativamente sem
distinção de título:
Sim, isso mesmo, uma radicalidade, e vai justamente nisso que você acabou de colocar, esse sentido. [...] se a gente não trabalha com currículo e formação, e ai é o que o Formacee como um grupo que começa a ser pensado a partir da relação com o NEPEC e os meus interesses por pensar formação. Não pensar currículo sem deixar de pensar em formação, nos processos formativos, não só de professores, no geral, quer dizer, o que está na base dessa perspectiva, é não imaginar que existe um senso comum fora da construção acadêmica do conhecimento por exemplo. [...]
Diz ainda que, “a partir de uma construção ou de uma criação colaborativa do
conhecimento”, e de que “todos nós, somos capazes de descritibilidade, de inteligibilidades e
de analisibilidades”,
Então não é questão de título, não é questão de formação acadêmica especialista, ou, quer dizer, não é questão de hierarquização nenhuma, ou é assim ou não é pra nós. Quer dizer, isso hoje tem uma série orientações e pressupostos que agrega a origem desse posicionamento inclusive político.
Tratando da questão do compartilhamento e difusão do conhecimento das produções
do grupo de estudos e do núcleo de pesquisa, Macedo coloca que:
[...] eu não tenho essa discussão, como discussão central, eu diria a você que qualquer opinião que eu colocar aqui é uma certa intuição, de estar junto com Eduardo, com Teresinha, com Dante, com essas pessoas que você conhece muito bem do DMMDC e que estive também na base das discussões do Doutorado, apoiei o Doutorado [...], a gente caminhou junto com Teresinha nisso. No processo de difusão do conhecimento que pra mim também implica criação de conhecimento e que eu tenho lido e discutido pouco. Eu agrego a essa perspectiva esse processo de criação colaborativa do conhecimento, que está presente até porque eu não restrinjo difusão a simplesmente transmissão ou veiculação, mas aí dentro tem processos interativos, interpretativos, portanto criativos.
Complementa arguindo que:
[...] o que me interessa na difusão do conhecimento é essa perspectiva colaborativa que vem -, sem esse nome já tinha lá no grupo de trabalho -, vendo a difusão como processo criativo sempre. [...]. No nosso caso, como nós não debatemos currículo, nem formação, nem a relação com o conhecimento sem que isso seja atrelado a uma valoração ética, política, estética e cultural, ou seja, a gente não abre mão dessa valoração [...].obviamente toda vez que a gente se aproxima de processo de difusão do conhecimento, a gente ta se perguntando: pra quem, contra quem, a favor de quem, a favor do que, contra o que. É inspiração Paulo Freiriana. Isso é muito pessoal, muito intuitivo, das relações que eu estabeleço com meus colegas de lá da difusão do conhecimento, mas não sou um estudioso dessa área. Mas o NEPEC foi uma experiência bacana, um processo de orientações coletivas e que você tinha acesso a aprendizagens plurais.
149
Embora não seja a área que estuda ou atua, o Professor Sidnei, inspirado em Paulo
Freire, coloca sua opinião sobre o compartilhamento e a difusão do conhecimento como um
tema a ser tratado com o rigor crítico,. Quanto ao NEPEC enfatiza: a construção colaborativa
como prática do núcleo de pesquisa; o aspecto das orientações coletivas e a pluralidade dos
“saberes” abordados. Portanto, a multirreferencialidade dos temas estudados naquele núcleo.
À última questão abordada na entrevista, sobre a existência de um mosaico epistemo-
teórico-metodológico, Macedo respondeu afirmativamente, mas não expôs sobre ele,
completou com uma breve retrospectiva da sua participação no grupo de estudos e no
NEPEC:
Eu já fazia parte do grupo de estudo, depois [...] vi o NEPEC nascer. Eu não diria nem criação à época, mas assim, eu participei da experiência da criação. Eu era um estudante de Mestrado muito, talvez seja o mesmo sentido que você teve quando você se aproximou daqui, muito temeroso, mas desejoso de participar. Então, assim, a minha contribuição na criação do grupo foi quase nenhuma, [...] eu participava dos processos e das discussões eu vi ser criado. Ver é diferente de você [dizer] eu participei da criação Eu vi ser criado, eu percebi as coisas, eu quis me aproximar [...].
Ao analisar a entrevista fiquei em dúvida se o mosaico que ele percebeu se concretizou
com essa criação do NEPEC, mas esta questão ficará para outra oportunidade. Dei
continuidade a entrevistada questionando a respeito das orientações coletivas no NEPEC e sua
resposta foi:
[...] eu já percebia esses processos de orientações coletivas e já participava deles. Quer dizer, até porque o NEPEC, [naquela época] você não tinha grupo de pesquisa. Eu tenho uma crítica forte a grupo de pesquisa. Os grupos de pesquisa criaram guetos aqui. Verdadeiros guetos. Você não tem parte nem do currículo. Tentei, quando era Coordenador, mas não consegui. Porque, eu lembro bem, quando se reuniu num hotel aqui, num fim de semana, veja você, [...] para reformular o currículo da pós-graduação [...]. E ali se decidiu, a partir de orientações da CAPES, que não teriam mais os núcleos, mas seriam grupos de pesquisa compondo as linhas. Você sabe que aqui linha não faz nada. A linha é só pra compor na seleção.
E continua [até a atualidade], eu tenho provocado ao longo de um conjunto de reuniões [infrutiferamente]. É que o NEPEC fez parte de um grupo da pós em Educação. Por isso que eu estou colocando a linha. Hoje você tem linhas que só servem mesmo pra poder organizar burocraticamente a Pós-Graduação, elas não têm qualquer tipo de função formativa e na cabeça dos atuais colegas não terá que ter mesmo. São os grupos que são guetos, ou seja, você não tem nada que alinhar ali nos grupos. São interesses pessoais que chegam se encontram, saem. Mas os grupos não se reúnem, os grupos não trocam informações, eles se identificam com seus líderes e agregam e vão produzindo coisas. Essa é a crítica que eu faço, profunda, porque, sinceramente, não teria que ser assim.
150
Ele confirmou sua participação nas orientações coletivas no NEPEC, o que é uma
informação importante para concretizar a origem de um dos principais elementos da
“formação” dos autores-pesquisadores e da construção colaborativa do conhecimento. Mas,
ele não aprofundou a questão, preferindo fazer uma “crítica forte”, como denominou, sobre o
comportamento dos grupos de pesquisa como espaços fechados aos pares, após a
transformação dos núcleos de pesquisa em grupos. Isto também levanta outro elemento da
construção colaborativa do conhecimento, que será tratado também em outras entrevistas, a
questão do ambiente aberto ao público em todas as reuniões/discussões dos grupos. Portanto,
uma característica que diferencia os grupos abertos a pluralidades culturais e teóricas.
A crítica de Macedo não para aí. Ele estabelece uma comparação entre esses
grupos/guetos e o NEPEC, e também entre o comportamento dos professores dos grupos
abertos:
Cada qual no seu grupo de pesquisa. Quando o NEPEC existia isso não era assim, eram vários grupos juntos. Você entende? Então, você tinha Teresinha, Felipe Serpa entre outros, Sérgio Farias, juntos, ali produzindo. Claro, cada um tinha o seu interesse mais específico mais realçado, mas produzindo ali num debate cooperativo. E que inclusive fazia com que você soubesse que o pessoal do Sérgio Farias e o pessoal de Felipe estava fazendo, imagina: Felipe, Teresinha, entre outros juntos.Mas isso à medida que se fez essa opção nesse fim de semana, e eu não sei localizar pra você a data que eu não lembro agora, foi um horror. Cada um se identificou. O que salva um pouco, são as identificações.Então estão muito próximos das relações com a REDPECT, com Eduardo, com Dante, [nos procuramos] para as bancas, os nossos estudantes que tem identificação, sabem que tem identificações: por que não bota Teresinha, por que não bota Dante [...] na minha banca? [...] Quer dizer foi o que restou.
Da crítica Macedo reforça a importância da construção colaborativa afirmando que,
[...] Então, esse debate que você está fazendo na sua Tese sobre a construção colaborativa do conhecimento como um processo político e
ideológico, aqui tem muita gente que descarta e luta contra, porque não gosta da ética que está por traz disso, ou inspirando isso, não gosta da política [...], nem da estética, nem da cultura que ta inspirando isso. E eu diria a você mais, nem de algum nível de espiritualidade que isso possa estar fazendo.
Que é a questão da transcendência, não é? Inquiri e ele confirmou, mas com um
adendo: “[...] o que transformou nesses guetos chamados aqui na FACED de grupos de
pesquisa” e concluiu: “Infelizmente o que a gente faz ainda hoje em relação a construção,
como você está colocando, a construção colaborativa do conhecimento, são nossas
identificações”. Ele confirmou também a minha intervenção ao afirmar que era uma minoria
e acrescentou:
151
E é muito assim, muito tênue, isso poderia ser muito mais colocado. Obvio, que eu não vou [...] criar aqui uma ilusão de que a Academia e suas vaidades também dificultam. Isso está na Instituição e também nas pessoas, mas eu acho que isso não resistiria a um planejamento solidário em que os grupos pudessem se encontrar, como algo da vontade da Instituição. Porque tem pessoas que poderiam dar realce a isso.
Pois é, e trazer a sua contribuição não é? Questionei e complementei: porque essa
questão da colaboração é de necessidade humana. Ele respondeu: “Para nós é antológico”.
Colocar a colaboração como algo inesquecível, digno de ser lembrado ou notável foi muito
importante para este estudo. Principalmente porque o conceito construído estará
simultaneamente, de maneira fluida, acompanhando as entrevistas, suas análises, na busca de
ser aprofundado, quem sabe até ampliado.
Neste ponto agradeci e perguntei ao Professor Sidnei se gostaria de colocar mais
alguma coisa sobre a sua história com os grupos que participou: o Grupo de Estudo Currículo,
Essência e Contexto e o NEPEC. Então ele disse:
Quero agradecer a você, dizer que eu sou essa história. Por mais que Teresinha não goste, mas eu continuo chamando-a de minha Professora. Fica zangada com negócio de Professora, mas Teresinha foi o começo de absolutamente tudo, minha inserção nesse processo de conhecimento, e de como lidar com o conhecimento. Isso eu reconheço o tempo todo e vou reconhecer para sempre. E a síntese que você faça uma bela Tese, porque é um assunto interessante.
Além disso ele pediu:
Eu só queria, Marise, agregar uma coisa que eu esqueci e agora eu estou lembrando, falando da importância do seu trabalho, da sua pesquisa, [...] é uma contribuição que [...]resiste, a uma sociedade que se faz e se refaz o tempo todo, a partir de uma perspectiva individualista, que as pessoas chamam liberalista, ou seja, de certo realce a competitividade, ao indivíduo, em detrimento da cooperação, da piedade, e daí a parte espiritual, que eu dou nó. Em detrimento disso também, uma academia que com essa visão tocou minha filha, que o tempo todo você vê [...] a ultrapassagem do outro, a competitividade, a rasteira, a trairagem, isso eu não atribuo só a uma dimensão da pessoa, também, quando a pessoa prefere é isso, que não é responsabilidade das pessoas, mas você tá numa sociedade que cria Instituições que acabam fazendo isso. Então por exemplo, pra mim a CAPES é produto da sociedade que temos, o que a CAPES faz com a Pós-Graduação entra nisso aí. E algumas pessoas defendem.
Para não ficar só no processo é... é, construcionista interativo entre pessoas ou entre Instituições, mas eu ainda acho que isso tem a haver com essa perspectiva racionalista, fragmentária, competitiva, isso é um projeto histórico.
Complementei: “neocapitalista”, ele continuou:
152
Pois é, porque às vezes corre perigo assim, Roberto é muito pós-moderno, não, tem coisas que eu vou lá e contribuo, dou toda essa contribuição contemporânea em currículo e (in)formação, e debates epistemológicos, mas ainda continuo pensando que nós estamos dentro de um projeto, que nasce na modernidade e que a gente ainda continua, muitas pessoas continuam, muitos grupos continuam poderosíssimos, muitas Instituições e muitos projetos históricos cultivando isso. Seu trabalho pra mim é um trabalho de resistência a isso. Daí a importância. Eu não estou jogando confete não, é assim que eu penso.
Agradeci muito ao professor! Falei da admiração profunda que tenho pelo seu
trabalho, sua escrita, sua produção, que tem muito a haver com a minha cabeça, meus
pensamentos. E também, da experiência gratificante que eu tive como aluna ouvinte da
disciplina EDC 590 - Currículo, do PPG da Faculdade de Educação, ministrada por ele. Como
observadora, mas que para mim foi especialíssima, porque consegui construir junto com a
turma sob a orientação dele.
Falei ainda da questão da colaboração que me provocou desde o início. Porque eu me
senti vindo do outro lado – neste caso fazendo uma menção a localização dos prédios da
FACED e da EAUFBA que são ligados por um passeio -, e que eu achava muito interessante
essa ponte que existia entre Educação e Administração, como uma metáfora fantástica, e
também a ponte do ICI, localizado entre duas pontes, ou três pontes, fazendo um triângulo dos
dois primeiros para chegar ao de Ciências da Informação. Três áreas distintas, mas que de
alguma maneira já se conversam. Enfatizei isto como uma coisa interessante a se observar e a
questão do artigo que encontrei online, que dizia que a solução do nosso mundo vai ser a
colaboração.
Neste ponto faço uma pausa para apresentar esse artigo. Esse artigo é Michael
Nielsen78 (2011, s.p.), e foi escrito especialmente para o The Wall Street Journal. Intitula-se:
“O futuro da ciência está na colaboração” e apresenta inicialmente uma experiência de um
matemático em rede colaborativa. Diz ele:
Um matemático da Universidade de Cambridge chamado Tim Gowers decidiu em
janeiro de 2009 usar seu blog para realizar um experimento social inusitado. Ele
escolheu um problema matemático difícil e tentou resolvê-lo abertamente, usando o
blog para apresentar suas ideias e como estava progredindo. Ele convidou todo
mundo para contribuir com ideias, na esperança de que várias mentes unidas seriam
78
Segundo o “The Wall Street Journal”, de 01 nov.2011, Disponível em:
<http://online.wsj.com/article_email/SB10001424052970204528204577010441798001750-
lMyQjAxMTAyMDAwNjEwNDYyWj.html?mod=wsj_valetbottom_email>. Acesso em: 06 out.2012, Nielsen é
um dos pioneiros da computação quântica e escreveu o livro "Reinventing Discovery: The New Era of
Networked Science" (Reinventando a Descoberta: A Nova Era da Ciência em Rede, sem tradução para o
português), de onde esse texto foi adaptado.
153
mais poderosas que uma. Ele chamou o experimento de Projeto Polímata ("Polymath
Project").
Quinze minutos depois de Gowers abrir o blog para discussão, um matemático
húngaro-canadense publicou um comentário. Quinze minutos depois, um professor
de matemática do ensino médio dos Estados Unidos entrou na conversa. Três
minutos depois disso, o matemático Terence Tao, da Universidade da Califórnia em
Los Angeles, também comentou. A discussão pegou fogo e em apenas seis semanas
o problema foi solucionado.
Embora tenham surgido outros desafios e os colaboradores dessa rede nem sempre
tenham encontrado todas as soluções, eles conseguiram criar uma nova abordagem
para solucionar problemas. O trabalho deles é um exemplo das experiências com
ciência colaborativa que estão sendo feitas para estudar desde galáxias até
dinossauros.
Na entrevista com Macedo, acrescentei: eu acredito que nós - me colocando também
como autora-pesquisadora -, somos até visionários nessa questão. Só que as pessoas não
aceitam, é complicado. Ele respondeu: “Claro, é uma bela utopia”. Retruquei: mas é porque
tem que haver compromisso, e, as pessoas não querem se comprometer. Mas, não é só uma
questão de comprometimento. Retomo aqui o que disse Macedo sobre o projeto histórico que
tem influenciado negativamente toda nossa sociedade e instituições para esta atitude. E,
Nielsen (2011, s.p.) confirma isso quando questiona/responde naquele artigo:
Por que os cientistas não gostam de compartilhar?
Se você é um cientista buscando um emprego ou financiamento de pesquisa, o maior
fator para determinar seu sucesso será o número de publicações científicas que já
conseguiu. Se o seu histórico for brilhante, você se dará bem. Se não for, terá
problemas. Então você dedica seu cotidiano de trabalho à produção de artigos para
revistas acadêmicas.
Mesmo que ache pessoalmente que seria muito melhor para a ciência como um todo
se você organizasse e compartilhasse seus dados na internet, é um tempo que o
afasta do "verdadeiro" trabalho de escrever os artigos. Compartilhar dados não é
algo a que seus colegas vão dar crédito, exceto em poucas áreas.
Então, a questão se torna mais grave ainda porque é global. O quantitativo em
detrimento do qualitativo. Por isto apresentei a colaboração a Macedo como a uma solução
possível para o nosso mundo e ele disse que era “uma bela utopia”. Acredito que a entrevista
foi encerrada de maneira muito interessante e rica, com mais uma característica, no caso
poiética, para a construção colaborativa: “uma bela utopia”.
Assim, encaminho esta história para outra entrevista, desta vez com a autora-
pesquisadora Professora Maria Roseli Gomes Brito de Sá (SÁ, M. R. G. B.)79.
A Professora Roseli inicia a entrevista agradecendo:
79
Maria Roseli Gomes Brito de Sá (SÁ, M. R. G. B.) - Professora Associada da UFBA. Atualmente desenvolve
atividades de ensino, pesquisa e extensão na Graduação e nos PPG em Educação, e Mestrado Profissional em
Currículo, linguagens e inovações pedagógicas na FACED/UFBA. Líder do Grupo de pesquisa FEP Formação
em Exercício de Professores, com pesquisas e publicações sobre currículo, formação de professores, formação de
professores em exercício, narrativas (auto)biográficas e pedagogia.
154
[...] em primeiro lugar eu quero dizer que fico muito feliz de poder participar da reconstituição dessa história, porque me sinto meio que [...] sócia fundadora, [...] acho que é uma pretensão dizer isso, mas, mais ou menos com Teresinha. Eu vou dizer como. E, em segundo lugar eu quero dizer o seguinte, que talvez o que eu vá narrar aqui seja muito mais anterior a rede, [...] porque eu pouco participei [...] participei da REDPECT, das ações da REDPECT quando ela se constituiu como REDPECT. Eu participei do projeto original, eu dei entrada como pesquisa, Teresinha como coordenadora e pesquisadora, mas nós éramos do mesmo Departamento80, nessa época da rede, e eu entrei como, vamos dizer assim, como co-autora do projeto com ela no Departamento, mas eu fiquei pouco tempo, foi pouco tempo a minha atuação na rede.
Como colega de Departamento de Fróes Burnham, e autora-pesquisadora no NEPEC,
Sá declara que participou da construção/elaboração do Projeto de Pesquisa da REDPECT.
Depois inicia sua história no NEPEC:
Para mim essa história começou em 1990, aliás antes disso, pode-se dizer, eu fui criadora do NEPEC, por isso que eu digo que eu me sinto fundadora. Não é fundadora das ideias, porque eu acho que a matriz dessas ideias é Teresinha Fróes, mas eu sinto [...] muito orgulho de dizer isso, [...] que sou sócio-fundadora. Quando eu falo da linha de currículo, digo que sou fundadora porque já estava com Teresinha quando [...] ela criou o NEPEC. Quer dizer, depois teve várias nomenclaturas, mas ele originalmente era Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Currículo, Trabalho e Construção do Conhecimento.
A história de Sá (2015) inicia em “1990”. Portanto sua entrevista ainda não faz parte
daquelas que serão analisadas, mas sim da construção da história dos grupos que deram
origem a REDPECT e a RICS. Ela continua narrando sua participação nesta história:
Então, uma coisa que você fala muito, quer dizer, esse termo chave que você usa, que é a questão do conhecimento, hoje se fala mais de difusão, naquela época nós falávamos mais da construção do conhecimento. E eu lembro bem que [...] entrei no Mestrado [...] na turma de 1990. Naquela época nós não tínhamos ainda orientador, e eu já discutia a questão do trabalho, da formação, então, na época era segundo grau.
Apesar da participação mais efetiva de Sá ter acontecido na década de 90, ela faz uma
retrospectiva narrando do ponto no qual tudo começou:
[...] no primeiro semestre do Mestrado [...] me inscrevi na disciplina Currículo, [...] mas não era orientanda de Teresinha. Eu já conhecia Teresinha da atuação dela na Secretaria de Educação, na época que ela era Secretária de Educação. Eu trabalhava na Secretaria de Educação Municipal em Camaçari, foi quando eu a conheci pessoalmente, isso deve ter sido 1987 por aí, 86, 87, não me lembro, mas foi quando eu comecei a ter contato com a [...] obra de Teresinha, mais [efetivamente] com a atuação técnica na Secretaria de Educação.
80
Na FACED/UFBA.
155
Então em 1990 eu passei a ser aluna dela de Currículo e eu me lembro que ela perguntava assim: [...] O que era mesmo que identificava o currículo? Qual era o elemento chave do currículo? Alguma coisa assim. Uma enquete que ela fez e eu timidamente falei: “o conhecimento”. Falei bem baixinho [...] e ela pegou aquilo e a gente fez uma discussão muito grande. Então ali eu vi que havia uma identificação muito grande entre nós. [...] E assim, na época, me senti agraciada de passar a ser orientanda dela. E esse período de orientação, eu acho que aí ela já praticava essa ideia do conhecimento em rede. Era uma rede bem endógena ainda, dos próprios orientandos, mas ela já fazia, por exemplo, a orientação coletiva que era uma inovação.
Nesta fala, Roseli reconhece o sentido inovador das orientações coletivas, um dos
elementos do processo de construção colaborativa do conhecimento, que já acontecia naquela
época. Então posso dizer que esta já era parte da metodologia utilizada por Fróes Burnham na
(in)formação dos autores-pesquisadores, embora esse termo só surja nas discussões da Info-
Educação, das TIC. Fala também de outro elemento deste processo, o exercício, a prática,
ainda embrionária, de construção em rede.
Então, ela tinha quatro orientandos e todos trabalhavam com a mesma relação, que era a relação que identificava o NEPEC: Currículo, Trabalho e Construção do Conhecimento. Cada um tinha seu objeto, mas nós fazíamos discussões coletivas. Estudávamos alguns textos e fazíamos a discussão coletiva. Era uma grande inovação. E, uma coisa interessante é que nós às vezes líamos os mesmos autores, cada um, claro, a partir de seu objeto ia para um canto, mas foram quatro trabalhos completamente diferentes e discutindo o mesmo tema.
As discussões coletivas de um mesmo objeto também já aconteciam na época do
NEPEC e continuou acontecendo até a REDPECT. E, esta observação que Roseli faz sobre o
resultado do trabalho final ser inusitado, após leitura individual e discussão coletiva do
mesma tema para objetos diferentes, também é algo que se repete na rede.
Então eu acho que isso é uma coisa importante. Mas anterior a isso tem a criação do NEPEC, não é? E também, eu gosto de registrar isso porque [...] foi uma inovação, vamos dizer assim. Tinha claro, a questão da criação de um grupo de pesquisa, que era uma demanda [...] da Pós-Graduação [em Educação], mas ele foi criado, também com as suas especificidades e muito de acordo com a orientação de Teresinha. Eu me lembro que nós, naquela época, já trabalhávamos com a questão da memória, já levantávamos, nós fazíamos crônicas, contando mesmo assim experiências como alunos, ou como professores, quem quisesse, mas basicamente como alunos. Na época, pela nossa idade, [experiências] no primário.
Questionei: Seria experiências de vida? Fróes Burnham e Matos, em suas entrevistas,
falam dessa experiência também.
156
É, mas como escolares mesmo e era a questão do currículo mesmo, quer dizer, para depois discutirmos currículo. Então nós começamos a fazer essas discussões.
Neste ponto da entrevista de Sá (2015), quando ela fala da experiência de trabalhar
com as histórias de vida escolar dos integrantes do grupo de estudos que criou o NEPEC,
resolvi trazer parte da entrevista de Fróes Burnham. A percepção dela sobre essa experiência e
como surgiu o NEPEC. Portanto, questionada sobre como surgiu a ideia de criar o NEPEC, se
a partir de um desejo dela ou de alguma necessidade da academia, Fróes Burnham respondeu:
Veja bem, não fui eu. Foi o seguinte, nós tínhamos essa linha que era de “Currículo Essência e Contexto”, que na época era para ser “Currículo, Conteúdo e Contexto”. O que a gente queria trabalhar era com a relação entre a vida concreta dos alunos, o entorno da escola etc. Como isso podia [...] enriquecer, podia transformar um currículo tão formal, como a gente dizia, tão distante do chão mesmo da escola.
Isto se detalha em nota de rodapé da entrevista feita por Jocelma Rios81 com Fróes
Burnham (2012), publicada na Revista Poiésis, na qual ela fala que o NEPEC foi o “[...]
primeiro núcleo de pesquisa criado na FACED/UFBA, na segunda metade do ano (julho) de
1990, denominado inicialmente Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Currículo,
Trabalho e Construção do Conhecimento”, e ainda que, em seguida “passou [...] a ser em
Currículo, Ciência e Tecnologia”. Naquela entrevista ela justifica a criação do NEPEC
dizendo que:
[...] os currículos não estavam sendo organizados no sentido de tratar o
conhecimento de maneira significativa para a formação do trabalhador. Eram
currículos muito mais voltados para uma formação técnica, no nível médio e mesmo
no nível superior, do que para uma formação que permitisse maior reflexão em torno
do conhecimento e seu significado para a vida cotidiana, em especial na dimensão
laboral. Não se observava aprofundamento de temáticas, de projetos que fossem
mais multirreferenciais, inter ou transdiciplinares, ou vinculados com o mundo do
trabalho. (p. 175)
A preocupação maior desse grupo à época – década de 80 - estava ligada também a
base dos estudos de Fróes Burnham na “década de 70”, quando defendeu seu Mestrado. A
Dissertação versava sobre “a atuação do professor de ciências da escola fundamental, que
naquela época se chamava de primeiro grau”. Na entrevista ela diz que durante o processo ela
estava
[...] motivada pelo interesse de entender como é que esse professor poderia abordar e
tornar significativo o conhecimento científico (conhecimento este distante do
cotidiano das pessoas), visando formar, não sujeitos, mas formar pessoas, que
pudessem compreender a ciência como uma base para a compreensão da sua própria
81
Doutoranda no DMMDC e também autora-pesquisadora do CAOS/REDPECT na época.
157
vida e de sua leitura de mundo. Assim sendo, foi um trabalho feito com muito
cuidado, tentando entender quem era aquele professor, como ele era formado, como
desempenhava este papel de mediador/tradutor. [...]. (FRÓES BURNHAM, 2012, p.
2)
O mais interessante é que, logo depois ela afirma que: “Hoje reconheço que aquele foi
o primeiro estudo de análise cognitiva que realizei”, mas abordarei este ponto na próxima
tessela: a “Considerações (In)conclusivas” (na página 249).
Retomando esses desejos de Fróes Burnham no Mestrado (década de 70) e os do
coletivo na criação do NEPEC (década de 80). Quando ela narra a história do NEPEC: “[...] o
que a gente queria trabalhar era com a relação entre a vida concreta dos alunos, o entorno da
escola etc. [...]”; e da motivação no Mestrado: “[...] interesse de entender como é que esse
professor poderia abordar e tornar significativo o conhecimento científico (conhecimento este
distante do cotidiano das pessoas) [...]”. Logicamente, isto confirma não só que os objetivos
eram os mesmos e o desejo de construir era coletivo, solidário, colaborativo como também aí
estava implícita a busca da difusão/democratização do conhecimento.
Depois deste adendo, sigo com a narração de Fróes Burnham, da história do Grupo de
Estudos e do NEPEC a origem das redes.
Nessa época [...] vários professores e nós começamos a nos reunir para estudar sobre currículo, e para procurar algumas coisas para fazer. Nesse grupo tinha: Regina Robato, Marina Araújo, uma professora que tinha vindo do Maranhão, chamada Maria do Socorro, que era professora de Didática, uma outra professora, que eu acho que também era de Didática, que se chamava Teresinha, Lídia Matos [...], éramos dez pessoas. Todas participaram da criação do NEPEC, do processo que tinha sido aprovado para criação do NEPEC. Foi até Felipe Serpa quem deu o parecer favorável.
Isso foi em 88, por aí, porque o NEPEC foi [institucionalmente] criado em 90. A gente fez um projetinho e levou para o departamento, daí porque ele foi o primeiro grupo institucional de pesquisa na faculdade, porque os outros eram criados, mas criados [...] sem essa formalização.
Interrompi indagando se esses grupos eram de discussão, mas ela replicou:
Eram grupos de trabalho mesmo, mas não eram grupos interessados em pesquisa, eram mais grupos que atuavam junto às escolas, faziam trabalhos.
Após esta réplica Fróes Burnham (2015), assim como Sá (2015), traz a experiência de
construção das histórias de vida escolares, como o “primeiro processo” do grupo que
criou/fundou o NEPEC:
Então, [...] o primeiro processo nosso foi muito interessante, que foi de recuperar as nossas histórias de vida escolar e cada uma escreveu, sobre
158
suas histórias. Eu me lembro que Lídia inclusive levou os cadernos dela de alfabetização, mostrando como é que ela tinha sido alfabetizada. Os carimbos de letras para eles aprenderem a trabalhar com as letras e coisa desse tipo. A gente teve todo esse trabalho, depois começou a construir alguns textos sobre currículo. Começou na escola primária.
Tomei essa fala de Fróes Burnham como chamada para trazer a percepção de Maria
Lídia Mattos82, ou seja, sua própria visão sobre essa experiência de construir a história de sua
vida escolar. Portanto, Mattos (2015) em sua entrevista diz que:
[...] eu fiz parte do primeiro grupo, do NEPEC. Quando eu fazia mestrado, Teresinha criou um grupo de pesquisa. Ela tinha vindo da Inglaterra do pós-doc, então ela já trazia a multireferencialidade, ela já trazia a análise cognitiva. Hoje eu vejo isso, na época não. Porque ela não dizia o que é que era, porque era baseado em toda a compreensão que ela tinha disso tudo e do trabalho dela. Ela não dizia, e era uma prática dela, ela não dizer, exatamente porque era pra gente reconhecer. Então nós éramos cinco. E foi muito interessante, [...] começamos cada um contando sua história de vida, desde a escola primária.
Então foi um trabalho muito rico e a gente fez um relatório disso, eu não sei onde está, [...] não tenho a menor ideia. Nós éramos cinco, não vou lembrar, mas Roseli fazia parte, eu, uma menina que é [...] da Escola Técnica, Ana Leda, Maria Luiza Tapioca, [...] e tinha outra pessoa que eu não estou [lembrando], aquele que é da UNEB, que é professor de problema rural, daqui a pouco vem o nome dele [...].
E aí, nós construímos toda essa história. Primeiro foi a escola primária [...]. Eu me lembro bem que na minha história eu fiz parte até o 3º ano de uma [...] uma escola, uma escolinha que tinha no Matatu que era multirreferencial. Eram cinco meninos só, e eu me lembro que isso foi assim um “pano pra manga”, porque ninguém tinha essa coisa construída, como eu.
Interrompi questionando: Qual era o nome da escolinha?
Não era uma escolinha, era uma professora que tinha uma escolinha, e eu fazia parte dessa escolinha porque ela era vizinha. A mãe dela era minha madrinha. Então era assim, tinha menino de 5º ano, de 3º ano, de 2º ano, de 1º ano. Era uma coisa, eu mamava de mamadeira, você imagina essa coisa como é que era, e o tempo que foi isso.
E aí a gente passou da escola primária para a escola secundária, vamos falar a linguagem da época. [...] Só que eu tranquei minha matricula do mestrado e esse grupo continuou e [...] foi ampliado. Foi quando Roberto Sidnei entrou e eu tinha assim as noticias de vez em quando de algumas pessoas que começaram a ampliar. Agora eu não sei como foi, não tenho registro disso na minha cabeça porque eu sai, [...] que Teresinha conduziu isso, [mas] todos os trabalhos de mestrado tinham a haver com essas histórias. Então eu tenho um pezinho no NEPEC e depois eu volto para a REDPECT muito depois [...].
82
Além da experiência na área de Educação, com ênfase em Educação à Distância, a Profa. Dra. Maria Lídia
Mattos é membro integrante, portanto autora-pesquisadora, do CAOS/REDPECT.
159
[...] Eu não tinha como ficar fazendo parte de um grupo de pesquisa com a matricula [de] mestrado trancada.
A partir das considerações de Sá, Fróes Burnham e Mattos, percebi o quanto foi
significativa a experiência das histórias de vida escolares para o estudo de um currículo plural,
próximo do contexto de vida daqueles atores e seus espaços de aprendizagem. As três,
respectivamente, colocaram que a experiência foi inovadora, um processo muito interessante e
um trabalho muito rico. No decorrer dessa história poderá ser visto também que proporcionou
muitos frutos para os autores-pesquisadores, para o grupo, para academia. Como disse Mattos
(2015), “[...] todos os trabalhos de mestrado tinha a haver com essas histórias”.
Depois dessas considerações retomo a história com a continuação do relato de Sá
(2015) em sua entrevista:
Eu me lembro de que ela [Fróes Burnham] chamava muito os professores de outras Unidades, pessoas interessantes, pra fazer uma discussão, e a partir da demanda das discussões no grupo.
Uma prática do processo de construção colaborativa que também chamou minha
atenção na REDPECT. Trazer convidados extragrupo, de diversas áreas do conhecimento,
para mostrar sua visão sobre os temas em discussão. Isto lembra as aprendizagens plurais que
mencionou Macedo (2015) em sua entrevista.
Então assim, foi uma forma bem peculiar mesmo de criar um grupo de pesquisa, era diferente daquela dureza da pesquisa, mas isso não quer dizer que não tivesse todo o suporte teórico. Era praticar mesmo aquela ideia de que você, o cotidiano ou as suas histórias de vida fornecem referências importantes pra você trabalhar com currículo e com construção do conhecimento. Sempre nessa relação currículo, trabalho e construção do conhecimento. Então, assim, [...] com a questão colaborativa eu acho que eu citaria essa coisa de [...] de Teresinha começar a orientação coletiva.
Aqui Sá aborda a questão da orientação coletiva como elemento do processo de
construção colaborativa, o que venho fazendo ao longo do texto. Isto enfatiza essa questão
como importante para este estudo e sua origem a partir da coordenação de Fróes Burnham.
Além disso, traz a prática da vida cotidiana e da narrativa das histórias de vida como
característica inovadora não só para um grupo de pesquisa como também para os estudos de
currículo. E continua trazendo suas memórias:
Depois, dentro do NEPEC também, as equipes foram se ampliando, porque ela já tinha os bolsistas de Iniciação Científica, naquela época era possível, isso já na década de 90, [...] os professores, só com o Mestrado, às vezes, antes mesmo de você ter o curso de Mestrado, você ter -, eu mesma tive -, bolsista de Iniciação Científica. Então a gente já formou um grupo grande de pessoas, com Iniciação Científica, [...] tinha o pessoal do Mestrado,
160
depois veio o pessoal de Doutorado, tinha outra modalidade que era o pessoal que já tinha graduação, [...] esqueci agora como era o nome dessa bolsa.
“Bolsa de Apoio Técnico”, era esse o título da bolsa, acredito que é assim até hoje.
Essas bolsas são muito importantes para os estudantes e para os grupos de pesquisa, não só
por solucionar o problema da questão financeira, que possibilita a permanência dos estudantes
na faculdade e no grupo de pesquisa, como também para o funcionamento do próprio grupo.
Fróes Burnham (2015) complementa essa parte da história do NEPEC, falando sobre essa
ampliação:
Bem, fomos fazendo esse trabalho e fundou-se o NEPEC. [...] Com a fundação do NEPEC o que é que aconteceu? As pessoas que eram meus orientandos vieram fazer parte.
Questionei: foi uma imposição, ou foi um desejo deles? Ao que ela respondeu:
Foi uma negociação, porque a gente criou o NEPEC no sentido de fazer um trabalho mais coletivo. [...] Por exemplo, foi a época que eu sai da Secretaria de Educação e voltei para universidade, [...]. Bem, na época que a gente fez esse trabalho, eu trabalhava em paralelo na Faculdade de Educação e na Secretaria de Educação do Estado. Foi quando Waldir Pires assumiu o governo da Bahia, e embora eu fosse dedicação exclusiva na universidade eles me colocaram a disposição da Secretaria de Educação para ficar na Diretoria do Departamento de Ensino de 1º e 2º Grau -, era como se chamava naquela época -, e depois foi desmembrado e eu fiquei no Departamento de 2º Grau.
Bem, nessa situação, [...] quando eu voltei da Secretaria, a gente então resolveu institucionalizar mesmo esse trabalho, porque vinha sendo realizado dessa forma e tal, e [...] a partir das construções que a gente foi fazendo, resolvemos então criar o NEPEC. E o processo do NEPEC foi criado, assinado por essas dez pessoas, esses dez professores.
Esse trabalho, também foi um trabalho muito colaborativo, [...] mas de uma maneira espontânea. Porque todo mundo vinha, todo mundo conversava, todo mundo falava, todo mundo discutia, todo mundo trazia suas histórias, e nós fomos gradualmente mostrando e compondo as coisas.
Explicitada a questão da ampliação do NEPEC por Fróes Burnham, retomei a
entrevista de Sá (2015), refletindo sobre a infraestrutura do grupo diante dessa ampliação. Isto
porque sei das dificuldades que passam os grupos de pesquisa nas faculdades públicas para
conseguir recursos. Então, a partir da colocação de Sá (2015), de que o grupo foi se
ampliando, questionei: Tinha um projeto guarda-chuva envolvido nisso? Ela confirmou:
Isso. [...] nós tínhamos um projeto guarda-chuva que era: “Currículo, Trabalho, Construção do Conhecimento”, e ele, a cada etapa tinha uma denominação. Eu me lembro que teve o projeto “Etapa 1”, “Etapa 2”, “Etapa 3”, “Etapa 4”. [...] tinha uma pergunta básica que era “Currículo, Trabalho, Construção do Conhecimento: Relação vivida no cotidiano da
161
Escola ou Utopia do espaço acadêmico?” Alguma coisa assim. Então, esse título permeava todos os projetos de pesquisa que tinham recurso do CNPq e tal. E tinha uma equipe muito grande, muito grande mesmo, de aluno de graduação, tinha pessoas de outras unidades, não era só daqui da Faculdade, tinha pessoas da UNEB. [...]
Então, aqui surge o primeiro grande Projeto de Pesquisa institucionalizado:
“Currículo, Trabalho e Construção do Conhecimento: Relação vivida no Cotidiano da
Escola ou Utopia de Discurso Acadêmico?”
Este sem dúvida foi um grande projeto guarda-chuva do NEPEC que gerou muitos
trabalhos construídos colaborativamente. Pelo que pude perceber nas entrevistas foi um
período muito fértil, abundante, que teve inicio no NEPEC e se estendeu até a REDPECT.
Retomarei esta questão na análise das entrevistas. Na minha percepção, nesta fala de Sá ficou
claro que este não foi apenas um projeto, mas um programa que abrigava outros projetos
vinculados ao CNPq, inclusive de outra unidade, a UNEB. Esta informação me fez
questionar: Então já era multi-institucional naquela época? Ela respondeu:
Já. O bolsista vinha de lá. Nós tínhamos os mestrandos, doutorandos. Alguns, ao mesmo tempo em que eram alunos da pós-graduação, eram [também] professores daqui, como era o meu caso. Era Ana Leda, nós já éramos professoras, Tuca não era do Mestrado, mas era professora, quando ela passou a ser professora ela também já atuava no NEPEC.
Nesse ponto surgiu uma dúvida. Fróes Burnham (2015), fala na entrevista de um
grupo que ainda não era grupo de pesquisa, que era um grupo de estudo que se chamava
Currículo, antes ainda do NEPEC. Sá responde a essa interrogação:
[...] é porque ela teve esse grupo, que era com alguns professores. Era Marina, o pessoal que era do Departamento 2, eram os colegas dela, de Departamento, e depois foi que ela criou o NEPEC, foi em 1980. Isso aí eu tenho [...] esse registro que foi em, 80 não, 90.
Questionei então: O NEPEC foi o primeiro grupo, o pioneiro, aqui na Faculdade de
Educação? Sua resposta a essa pergunta foi:
[...] daqui, que eu conheça, foi. Eu não sei foi o primeiro ou não, [...] porque teve “Trabalho e Educação”, ou “Educação e Trabalho”, que era de Iracy Picanço. Mas com essas características eu posso dizer que foi o primeiro. Assim, de agregar [...] um grupo de professores, de alunos de graduação, de pós-graduação e de ter atividades regulares. Um grupo grande mesmo. Porque tinha os grupos de estudo, mas eram mais [...] informais. Não tinha essa vinculação com o CNPq. Era já um grupo de pesquisa, ensino e extensão.
Então, pode-se dizer que o NEPEC foi o primeiro grupo de pesquisa, ensino e extensão
da Faculdade de Educação da UFBA. Diz Sá (2015) que,
162
[...] o NEPEC realmente cumpria essas funções todas. E eu acho que [...] uma coisa que [...] eu não sei até que ponto é interesse da sua pesquisa, mas eu acho que em termos do curso de pós-graduação daqui, do programa, é que o NEPEC foi como um [...], não é o celeiro, é como se fosse gerar outros. Então, assim, [...] vários grupos de pesquisa, [...] várias linhas de pesquisa que tem hoje na Faculdade, nasceram no NEPEC. Assim, o NEPEC acolhia. Como já era um grupo instituído, ele acolhia pessoas [...] que vinham, traziam vários referenciais.
Essa fala de Sá (2015) mostra que foi na época do NEPEC que a Escola REDPECT se
originou. Isto porque, se foi no NEPEC que nasceram várias linhas de pesquisa da Faculdade
de Educação, então já naquela época era um espaço de aprendizagem e formação de
pesquisadores. Acredito que poderia chamar o NEPEC de espaço plural de aprendizagem e
construção do conhecimento, de visada multirreferencial, devido ao acolhimento indistinto de
variados referenciais e várias visões de mundo. Sá continua a história:
[...] a linha de gestão saiu daí, [...] depois [um grupo] que passou a ser LEPEL. Celi Tafarel passou pelo NEPEC. Então as pessoas se abrigavam, ele tinha muito essa coisa de acolher e de abrigar. É como se fosse assim a coisa mater. Então, assim, tinha muito isso.
Interessante à denominação “mater” para o NEPEC. Nos registros da memória de Sá
(2015), a partir desse “acolhimento”, desse “abrigo” as pessoas que discutiam os mais
diversos temas achavam abrigo no NEPEC. Então, é como se naquela época o grupo fosse a
célula mãe, a Matriz, a escola, que dava suporte e apoio as iniciativas teóricas de diversas
linhas de pensamentos na FACED. Depois essas linhas se formavam, construíam
conhecimento coletivamente e seguiam seu próprio caminho, se instituindo, se autorizando
como linhas autônomas. Na minha percepção o NEPEC foi uma grande escola, que formou
inúmeros autores-pesquisadores e se (trans)formou em rede. Daí, Sá traz nova sugestão para
este estudo:
[...] isso eu quero dizer que tem a haver com a questão que você fala dessa visão, da questão da multireferencialidade, que o NEPEC já tinha. Esse pensamento de que é possível você ter múltiplas referências, e muitas diferenças, até de referencial, [...] e você, com essas múltiplas referências, com múltiplas interpretações, dá conta de fazer discussões, de fazer análises e tal. Então, eu acho que isso é uma coisa que foi importante para a Pós-Graduação, assim, para o curso, vamos dizer assim, como um todo.
Aqui há uma confirmação da minha percepção quanto a visada multirreferencial desde
o NEPEC, e, além disso, sua importância para o crescimento e ampliação da pós em
Educação, para o curso “como um todo”, conforme Sá mesma diz.
Então nós tínhamos [...] esse grupo, que agregava alunos, professores, e a partir da Etapa 4 dessa pesquisa, [...] “Currículo, Trabalho, Construção do
163
Conhecimento”, foi entrando também [...] o pessoal das tecnologias, a própria Teresinha já trabalhava a questão da tecnologia. Então nos anos 90 entrou também a discussão dos processos tecnológicos. Teresinha já trazia essa discussão, e depois entrou o pessoal mesmo, Nelson Preto e tal. Esse pessoal todo passou pelo NEPEC.
[...] A discussão [...] da tecnologia entrou bem forte, inclusive para dar suporte à discussão de rede. A questão das tecnologias, da informação, comunicação, esse referencial entrou para dar respaldo à discussão da rede.
Foi quando também foram se ampliando as relações mesmo com outras Universidades, inclusive com a Paris 8, que foi quem trouxe [...] o referencial da multireferencialidade, e também alguns na América Latina.
Aí se instala a rede, embora na época ainda não tivesse esse título ou formato, mas na
práxis já funcionava como rede de contatos. Fica claro então que, embora a rede ainda não
existisse como tal no presente, já existia na prática, pois a teia de autores e instituições que
interagiam na época já formavam implicitamente uma rede de contatos, de construtores do
conhecimento científico, vamos dizer, inclusive internacionalmente, envolvendo a América
Latina e a Europa. E a rede que estava em processo de germinação, brota, enrama e se amplia,
como uma “teia” de contatos, ou a rede dos neurônios, que foi metáfora para a criação da
logomarca da REDPECT. Sá relata sua participação nesse processo:
Teresinha começou a ter mais contato com outras Universidades da América Latina, a de Londres também que ela já tinha toda uma relação, a Paris 8 e outras. E imagino que isso daí -, eu estou dizendo que imagino porque foi quando eu também fui perdendo o contato, vamos dizer assim, direto com as discussões da rede -, [...] a partir de, eu não sei, [talvez] final dos anos 90, eu já também entrando no Doutorado e tal, fui me afastando um pouco da ação mesmo da rede, do grupo REDPECT. Mas eu ainda peguei, porque [...] o projeto original [...], como eu disse, eu estava como co-autora [...]. Demos entrada no nosso Departamento. Eu não sei se no outro Departamento também, mas eu me lembro bem que no nosso Departamento eu entrei como co-autora. Não, Teresinha como Coordenadora e eu como Pesquisadora, também. Quer dizer nós duas estávamos envolvidas.
Fiz então um aparte a esta última fala dela, considerando o caminho colaborativo
desses grupos, que conforme Macedo (2015) está “baseado na epistemologia solidária”. Como
era um trabalho colaborativo, era de co-autoria mesmo. Na verdade o projeto foi construído
junto, como sempre acontece na rede.
A partir desse ponto, Fróes Burnham (2015), narra suas impressões o primeiro projeto
do NEPEC:
Nós desenvolvemos esse trabalho, acho que durante quatro anos, se eu não me engano, e fizemos um levantamento grande, inclusive fizemos toda uma revisão de literatura, pegamos onze periódicos brasileiros, fizemos toda
164
uma análise de todos os artigos que trabalhavam [com Currículo, Trabalho e Construção do Conhecimento].
Com esta fala interrompi Fróes Burnham, porque o que ela disse me pareceu ser um
processo de AnCo. Então inquiri: Já era Análise Cognitiva? E para minha surpresa ela
concordou.
Já era Análise Cognitiva.
Complementei: embora não se falasse sobre isso na época. Ela concordou.
Ainda não, mas já era. E aí participaram Roselí, Ana Lêda, Tuca, que não era orientanda, nós trabalhávamos juntas. Ela trabalhava no IAT83 [...], se eu não me engano teve umas horas alocadas para fazer esse trabalho. Mara Tapioca, que era do IFBA, Avelar que era da Secretaria de Educação, [...] teve mais gente. [...] conseguimos alguns bolsistas de Iniciação Científica e esses bolsistas também vieram. Nessa época [também] veio Júlio, [...] Lívia Rosário, que era Pedagoga. Cresceu bastante. Eu sei que vieram várias pessoas tivemos uma equipe que ficou fixa e dava sustentação para o NEPEC funcionar. Lídia eu acho que estava nesse período também, porque ela estava fazendo mestrado e não era minha orientanda. Ela era orientanda de Haidê, porque trabalhava com Formação de Professores [...].
Nós fizemos esse trabalho, que inclusive foi uma coisa muito linda, porque na época [...] teve aqui na Bahia um grande seminário, que foi o primeiro seminário de currículo do Brasil, e foi dado suporte pelo INEP. Então, [...] veio: Iracema de Pernambuco, Circe Vital Brasil do Rio de Janeiro, Bernadete Gatti de São Paulo, [...] Fernando, se eu não me engano do Rio Grande do Norte, Pedra, [...] não tenho muita certeza. Eu sei que a nata de professores de Currículo do Brasil veio para esse primeiro seminário. [...].
Foram três dias, e nessa época nós saímos com propostas muito interessantes. [...] Quando Circe Vital Brasil veio trouxe um termo que a gente gostou muito, que foi o termo Intertexto, e ela falou da necessidade de se criar textos. [...] Ela era esposa de um grande médico, se eu não me engano, ele era Psiquiatra, conhecido no Brasil inteiro. [...] Ela era uma pessoa maravilhosa e não sei se ela ainda tá por aqui ou se já foi. Ela trouxe esse termo intertexto, dizendo que era um texto que era composto de vários textos anteriores e que era um processo onde várias pessoas participavam. Então, eu casei isso com a questão da multirreferencialidade.
Quando Fróes Burnham falou em multirreferencialidade, e, sendo este um dos
conceitos que compõe o eixo epistemológico deste estudo, aproveitei para esclarecer sobre a
origem dele nessa tra(ns)jetória. Então fiz as seguintes perguntas: Já tinha surgido a
multirreferencialidade? Ela aquiesceu e fiz nova pergunta: Quando surge a
multirreferencialidade? Sua resposta foi:
A multirreferencialidade vai surgir com Ardoino na década de 70, se eu não me engano. Ele nem aparece no doutorado porque na Inglaterra o pessoal
83
Instituto Anísio Teixeira – IAT.
165
não aceitava muito, e na realidade meu contato com Ardoino aconteceu a partir daqui do Brasil, porque tinha um ex-aluno lá de Paris VIII, que estava na Universidade Federal -, não sei se de Mato Grosso ou de Goiás, acho que era Mato Grosso. Que conheceu Roberto Macedo [...] conversou com ele e nós trouxemos ele aqui. Então, nós começamos a costurar para trazer Ardoino, e foi muito interessante esse processo.
Depois desse esclarecimento sobre a multirreferencialidade, ela continua a narrativa da
história do NEPEC e o aparecimento dos intertextos no seu cotidiano.
Nesse processo nós trouxemos essa ideia dos intertextos e aí resolvemos que íamos trabalhar construindo intertextos. Ainda era NEPEC, e, entre 90 e 94, se eu não me engano, nós fizemos todo esse trabalho de levantamento de onze periódicos brasileiros e da literatura [...] considerada como [...] a mais clássica. Mas queríamos apenas autores brasileiros.
Nós fizemos então as construções de textos sobre currículo, sobre trabalho, como era que as concepções de currículo apareceram na literatura, nessas revistas e numa bibliografia de livros selecionada por todos nós. Era o seguinte: cada um escrevia um copião do texto e depois passava para todos; e todos faziam suas inserções; nós discutíamos aquele texto e víamos: o que é que era para ficar, o que [...] não era muito importante, para sair etc. No fim ficavam os textos. Nós fizemos três: Currículo, Trabalho e Conhecimento; depois fizemos mais dez relações: Currículo Trabalho, Currículo Conhecimento e Trabalho; Conhecimento; então fizemos mais seis; depois a gente fez um textão síntese que era sobre a relação Currículo, Trabalho e Conhecimento. Foi aí que os Mapas de Citação foram criados.
Então, os Mapas de Citações apresentados neste estudo, nos Quadros 5 e 6, (p. 116 e
117), e mais detalhadamente no Apêndice C (p. 276), tiveram sua origem no NEPEC. Neste
ponto fiz uma pausa para descobrir se esses mapas eram utilizados da mesma forma que
utilizamos atualmente e perguntei: Os mapas de citação eram utilizados por todos ou só pelo
pessoal de Iniciação Científica?
Não, todos faziam. Todos. Então, cada um fazia um conjunto de artigos e depois trazia, nós discutíamos e íamos construindo.
Novo questionamento: O copião era uma cópia mesmo?
O copião era um texto. Naquela época a gente já tinha um computador que era uma coisa rara ainda na universidade, mas a gente já tinha um computador.
Os intertextos então surgem no NEPEC em 1990? Interroguei.
Em torno de 1990 é isso mesmo... E então fizemos todo esse trabalho, um grande mapeamento, um relatório pro CNPq enorme, foi muito interessante. Foi um projeto financiado pelo CNPq, que vai até 94. Trabalhamos [...] com um projeto e depois, 94, 96, ampliamos o projeto, incluindo a questão das licenciaturas. Essa parte das licenciaturas não funcionou, porque aí o grupo já tinha mudado, muitos dos bolsistas de Iniciação Científica [tinham ido] embora, porque já [tinham] formado, os
166
mestrandos já tinham saído, vieram novos mestrandos, e nós não tivemos o mesmo compromisso. [...] Essa parte, também teve uma questão, é que o financiamento não cobria, só cobriu o outro, então [...] ficou meio difícil de completar.
Quando eu fui para o pós-doutorado, que foi em 96, fechamos isso, mandamos o relatório pro CNPq [...] e em dezembro de 95 eu viajei para fazer o pós-doc. Mas todo esse projeto que era sobre Utopia e Realidade [...] foi o primeiro [projeto] do NEPEC. E, [...] quando nós fechamos o relatório foi uma coisa muito significativa.
Segundo Fróes Burnham esse projeto durou mais “cinco anos e tanto”. Com essa fala a
história do NEPEC, segundo Fróes Burnham (2015), fecha e se abre para Sá (2015) concluir
com as questões teóricas estudadas no grupo, conforme ela cita na sua tese.
[...] em termos de referências, eu, assim, eu tenho até um trecho da minha Tese que eu acho que, se for o caso, se for do seu interesse, você pode também depois ler, eu tenho um capítulo que eu chamo, “Itinerâncias em Currículo. Aí tem várias informações, que eu acho que não é o caso aqui, porque eu to falando lá de Pedagogia, [...] mas tem um momento que eu falo, “Os Estudos de Currículo e o NEPEC”, aí eu relato um pouco essa história, e lá eu conto que comecei a estudar currículo, como eu disse, aluna de Teresinha. E [...] foi uma perspectiva completamente nova do que víamos até então na graduação. Aliás naquela época quem [...] estudava currículo na Pós-Graduação não trabalhava com currículo na Graduação. Isso era uma coisa muito interessante, eu digo isso também no meu texto.
Então a perspectiva do currículo na Graduação era muito, ainda, o que a gente na época dizia que era mais tecnicistas, era uma coisa mais técnica mesmo, e cá, nós já fazíamos um outro estudo na Pós-Graduação.
Aqui entra a parte da base teórica do NEPEC
[...] nós estudávamos [...] com Teresinha, [...] o que hoje Thomás Tadeu chama de Teorias Críticas de Currículo, [...] e também trazíamos já trazíamos textos que iam para a questão da hermenêutica. Então assim, era um mosaico, talvez como você fala, não como você está fazendo aí, mas, tinha uma coisa que a gente fazia e que, o pessoal da Paris 8 já trabalha muito, é a questão da bricolage. Quer dizer, nós trabalhávamos muito com essa bricolagem, essa construção mesmo coletiva em que o encaixe não era tão previsível por isso que você precisava costurar mais. Então, você precisava, bricolar você... é uma coisa que você precisa ter muita arte, pra você ir colando.
Fazendo uma comparação entre bricolage e mosaico, ela levanta aqui uma nova
característica para o mosaico, na perspectiva multirreferencial, complexa, a questão de “ter
muita arte prá [...] ir colando”, pelo seu referencial diferenciado. Entretanto que, mesmo assim
“vai costurando”. O emprego desse termo – costurando - remete a tessitura do mosaico, a
moldagem das tesselas nessa tecelagem do conhecimento. E, lembrando o que o Prof. Fialho,
disse no dia da qualificação do meu trabalho, talvez a arte que ele acredita ser possível trazer
167
na minha tese, seja exatamente essa maneira de costurar, articular, tecer a trama, para dar
sentido às construções coletivas colaborativas da rede. Diz Sá ainda que,
[...] o NEPEC [...] nos anos 90, [...] realmente [...] uma projeção muito grande nacionalmente. Acho, não me lembro, [...] que Teresinha chegou a ser a Coordenadora do GT na ANPED. Então nós transitávamos mesmo, íamos [...] apresentar trabalhos nas reuniões da ANPED, nós os mestrandos, os orientandos. E, e eu acho que teve um marco também muito importante nessa época desse bum do NEPEC, que foi um Seminário que foi feito em conjunto com o INEP, [...] em 1994. Um seminário sobre Currículo, que foi quando Teresinha apresentou aquele texto dela sobre “Multireferencialidade, Subjetividade, Complexidade”. Aquele texto que já virou um clássico [...] Foi um seminário que foi organizado pelo NEPEC e pelo INEP, e gerou a publicação do número, acho que é número 58, do [Em Aberto] do INEP.
Trago então para fundamentar o que foi exposto até aqui, o caminho
teórico/metodológico, o referencial teórico estudado que trilhou o NEPEC e seus autores-
pesquisadores, os quais Sá (2004) apresenta em sua tese de doutorado. Diz ela que, “muitos”
[...] estudiosos que se identificavam de alguma forma com a Nova Sociologia da
Educação passaram a ser estudados no NEPEC, a exemplo de: Giroux (1986) e
Apple (1979, 1989) e depois Maclaren (1997) e Godson (1995) na esfera
internacional.; Pedra (1993, 1997), Moreira (1990, 1997), Silva (1992), 1996, 1997,
2003), Moreira e Silva (1995, 1999) no Brasil e Fróes Burnham (1989a, 1989b,
1990, 1991, 1992, 1993, 1998, 2000) e depois Macedo (1996, 1998, 2000a, 2000b,
2002, 2003) na Bahia. (p. 91-92)
Além desses autores da “teoria crítica do currículo”, ela também apresenta os teóricos
que tratam do trabalho docente e da formação de professores, dizendo que o
[...] processo de trabalho docente e os estudos sobre a profissionalização dos
professores e a necessidade da formação de professores críticos e reflexivos para
atuarem no currículo foram temas estudados no NEPEC, mediante leituras como as
de Nóvoa (1995), Gimeno Sacristán e Perez Gómez (1998) e Schön (1995, 2000) e
no Brasil, os de Hypolito (1991, 1997), Freitas (1996) e Bicudo (1996), entre outros.
(SÁ, 2004, p. 94-95)
Com a exposição dos autores que dialogaram com o NEPEC, nos estudos dos autores-
pesquisadores, encerro a história do “Grupo de Estudo Currículo Essência e Contexto” e do
“NEPEC”, embora, pontualmente nas análises apresentadas, outros autores-pesquisadores e
suas contribuições para este estudo, serão chamados em alguns diálogos.
Com isto, fecho este Capítulo/Tessela 5: Construção Colaborativa do Conhecimento:
Como uma trajetória se transforma em história e a história é uma tra(ns)jetória; e conduzo o
texto para o Capítulo/Tessela 6 - Análises dos Construtos: Mosaicos da REDPECT e da
RICS, na qual serão apresentados subsídios de uma análise mais articulada, através das
168
evidências teórico-empíricas-analíticas, objetivando contribuir com outros pesquisadores que
se interesse pelo método “Modelagem em Mosaico/Memorial”.
169
6 ANÁLISES DOS CONSTRUTOS: MOSAICOS DA REDPECT E DA
RICS
Apresentar as análises críticas dos construtos – Mosaicos – montados com base nos
registros acervados na REDPECT e na RICS, e também nas entrevistas dos autores-
pesquisadores, que a partir deste estudo também são peças/tesselas do mosaico destas duas
redes, é o principal propósito da Tessela 6. Entretanto, antes de entrar na dinâmica/sistema de
análise propriamente dita, achei por bem enfatizar que, desde o plano do projeto de tese
(Quadro 8 - vide página seguinte), da escrita deste texto e até a Qualificação da tese, estava
coletando e analisando informações da dimensão empírica em dois campos:
as justificativas, relevâncias e referencial teórico de quatro projetos guarda-chuva da
REDPECT e dois da RICS;
as entrevistas aos integrantes/autores-pesquisadores destas duas redes de pesquisa.
Inicialmente as tesselas/entrevistas objetivavam apenas (re)construir a história das
duas redes de pesquisa e ilustrar a trajetória dos autores-pesquisadores, partindo da memória
destes, no período especificado para a análise dos projetos, de 1997 a 2007. Os projetos, estes
sim, constituiriam as fontes de informação do estudo e a análise seria feita
explorando/escrutinando o acervo documental destas redes.
Acontece porém que após a realização de algumas entrevistas uma questão ficou
evidente, a riqueza da memória desses autores-pesquisadores em sua (in)formação como
pesquisadores autores, autônomos, a partir do seu cotidiano/trajetória nessas redes.
Isto me provocou novas reflexões: Diante de toda essa riqueza não seria melhor
mudar o rumo da análise? Você agora tem material vivo, o cotidiano da rede, vai desistir
dele? Será que não seria melhor incluir na MA questões que, além das questões norteadoras,
provocassem a memória desses pesquisadores sobre as suas histórias na rede,?
Diante dessas dúvidas, precisei rever as especificidades do método referentes às
análises, iniciando por seus detalhes.
170
Quadro 8 – Plano do Projeto de Tese
OBJETO PROBLEMA PRESSUPOSTOS / QUESTÕES NORTEADORAS OBJETIVOS
GERAL ESPECÍFICOS
Construção
Colaborativa e
Cognição, na
perspectiva
multirreferencial
complexa.
Como a construção
colaborativa do
conhecimento, segundo
uma rede de pesquisa
multirreferencial,
contribui para a
construção e difusão do
conhecimento acadêmico
científico dos autores-
pesquisadores da
REDPECT e da RICS?
A construção colaborativa do conhecimento, na perspectiva da
multirreferencialidade e da complexidade, pressupõe um processo:
Compreender processos de
construção colaborativa e difusão do
conhecimento em duas redes de
pesquisa multirreferenciais, que se
propõem (in)formar pesquisadores e
analistas cognitivos, fundamentando
esta construção como uma
modelagem cognitiva em mosaico,
complexa e multirreferencial.
1) Identificar o processo de construção
colaborativa do conhecimento evidenciado nas
produções dos autores-pesquisadores, desde a
iniciação científica e até o pós-doc, nas duas
redes de pesquisas destes, a REDPECT e a
RICS;
1) inteligente, complexo, de aprendizagem, no qual tudo é não-estático,
auto-organizável, sempre em construção;
2) Buscar as bases teóricas que sustentam as
principais construções colaborativas do
conhecimento desenvolvidas na REDPECT e na
RICS;
2) aberto à diversidade e pluralidade cultural como possibilidades e as
transforma em saberes e práticas multirreferenciais;
3) Identificar nas duas redes de pesquisa, a
REDPECT e a RICS, evidencias que
demonstrem o compartilhamento e a difusão do
conhecimento construído neste processo
colaborativo.
3) que compartilha, socializa e difunde os novos conhecimentos
construídos e/ou transformados.
Questões Norteadoras:
1) Que evidências indicam o processo de construção colaborativa do
conhecimento na REDPECT e na RICS?
2) Que bases, teórico-epistemológicas, sustentam as construções
colaborativas do conhecimento na REDPECT e na RICS?
3) Que evidencias podem demonstrar o compartilhamento dessas
construções colaborativas na REDPECT e na RICS?
METODOLOGIA
A Pesquisa em sua abordagem macro é a quanti-qualitativa, de inspiração fenomenológica - mas sua especificidade está baseada no mosaico metodológico e se configura em: características da Etnopesquisa Crítica
e Multirreferencial (MACEDO, 1998, 2002, 2004), “tomando, em especial/profundidade, o Método de Análise Contrastiva – MAC (FRÓES BURNHAM, 2002) como ‘caminho’”.
Método: Método/Modelagem em Mosaico Memorial: Análise Contrastiva
Dinâmica da pesquisa: Análise Cognitiva (AnCo)
Capítulos/TesselaS DA
TESE
Tessela 1: Introdução - Cenário, Objeto, Objetivos e a Organização dos Tesselas.
Tessela 2: O Individual, o Coletivo, um Saber em Mosaico.
Tessela 3: Construção colaborativa do conhecimento - Reflexões teórico-epistemológicas
Tessela 4: Metodologia - Aprofundando a dinâmica do estudo, a partir do CFGC.
Tessela 5: Análise crítica dos construtos/mosaicos das redes de pesquisa
Tessela 6: Conclusões - Resultados e Considerações finais
Fonte: Quadro elaborado conforme orientação de Lubisco (2013, p. 26), em seu livro "Manual de Estilo Acadêmico".
171
Num processo de “análise detalhada” quando surgem dúvidas que exigem do analista
reflexões outras que não as específicas da própria análise, muitos são os elementos
envolvidos. Isto faz com que muitas vezes o caminho se torne longo e minucioso e até que se
consiga atingir uma solução já se processou
[...] uma longa e complexa prospecção, um laborioso (mas também prazeroso) "vai e
vem" entre o que se encontrava (ou se questionava por não entendimento,
compreensão "lacunar") e as ausências enfrentadas (de possibilidades de
interpretação) no conteúdo [...] e as múltiplas ofertas (ainda que parciais)
"garimpadas" na literatura pesquisada. Se assim [é] para esse estágio, menos longa e
complexa não [é] a análise em profundidade levada a efeito nos [recortes]
selecionados para essa análise. (FRÒES BURNHAM, 2002, s.p.)
O trabalho é exaustivo, mas também “prazeroso”, como diz a autora. Encontrei nas
falas dos autores-pesquisadores a dimensão artística da tese, a beleza deste cenário, o
“Mosaico Vivo” que tanto buscava encontrar.
Diante disso me senti na obrigação de abrir mão da análise documental, que se
configurava então em “escrita morta” e continuar indo em busca da vida, uma estética viva,
um “polijeto” como disse Galeffi (2015) na minha Qualificação de Tese.
Seguindo então nessa busca enveredei na análise das entrevistas e deixei os projetos
como itens ilustrativos, tópicos da história das redes, a ser contada no decorrer deste texto. A
escolha estava feita, mas apesar disto estes projetos não perderam sua importância diante das
construções colaborativas que abrigaram e dos marcos que significaram para a vida desses
autores-pesquisadores, conforme dito por eles mesmos nas entrevistas.
Além disto, esta produção que estes projetos provocaram, motivaram, vão fazer parte
da abordagem quantitativa deste estudo. Mas, num processo de construção de conhecimento
toda mudança gera consequências e, neste caso, o resultado desse deslocamento do foco da
análise foi que o volume de informações a serem sistematizadas/analisadas cresceu muito.
Passaram de:
6 (seis) projetos, suas respectivas justificativas, relevâncias e referenciais teóricos;
Para:
27 (vinte e sete) entrevistas e 1 (um) questionário.
Fiz entrevista até por Skype. No total foram 29h30min:23seg de gravação (conforme
poderá ser visto no Quadro 9 abaixo); uma média de 01h:05min:34seg por entrevista. As
quais foram todas transcritas, exceto a que foi respondida por escrito.
172
Quadro 9 - Dados Estatísticos: Horas/Entrevistas - Período: MAR a AGO/2015
Item Data Entrevistado/s Parte 1 Parte 2 Parte 3 TOTAL
1 13/08/14 Teresinha Fróes 00:52:27 01:13:45 02:06:12
2 18/03/15 Teresinha Fróes 00:31:28 00:29:46 01:31:14 02:32:28
3 19/03/15 Hernane 01:02:59 01:02:59
4 20/07/15
(Grupo Focal)
Cláudio
00:06:06 02:09:50 02:15:56 5 Lídia
6 Luiza
7 23/07/15 Patrícia 00:27:38 00:49:10 01:23:23 02:40:11
8 27/07/15 Vera Fartes 00:59:36 00:59:36
9 29/07/15 Albérico 01:27:15 01:27:15
10 29/07/15 Jamile 01:25:50 00:10:28 01:36:18
11 30/07/15 Michinel 01:15:34 01:15:34
12
01/08/15 (Grupo Focal)
Elisangela
01:29:23 01:29:23
13 Fúlvia
14 Isabel
15 Mel
16 Roberta
17 04/08/15 Roselí Sá 00:09:39 00:47:02 00:56:41
18 05/08/15 Roberto Sidnei 00:48:53 00:48:53
19 06/08/15 José Carlos 01:24:02 01:24:02
20 07/08/15 Lucimar 00:38:21 00:38:21
21 09/08/15 Sílvio 01:23:43 01:23:43
22 10/08/15 Marcelo Matos 01:21:17 01:21:17
23 10/08/15 Kithi 00:11:25 01:19:11 01:30:36
24 17/08/15 Marilene 01:13:00 01:13:00
25 18/08/15 (Grupo Focal)
Leliana 01:06:14 00:21:56 01:28:10
26 Teresinha Carvalho
27 19/08/15 Shirlene 01:19:48 01:19:48
28 19/10/15 Jailton Respondeu por escrito, a partir do mesmo roteiro
TOTAL = 29:30:23
MÉDIA = 1:05:34
Fonte: Construído na exploração inicial, conforme MAC, primeira fase do Escrutínio.
Concretizando assim, a decisão de mudar o rumo da dimensão empírica, segui na
sistematização das análises, segundo a MA (apresentada no Quadro 7, na página 121.
173
6.1 ANÁLISE CONTRASTIVA: O MÉTODO / SISTEMA DE ANÁLISE
Interessante que no decorrer das entrevistas, para cobrir a disponibilidade de horários e
locais dos entrevistados foi necessário utilizar a técnica de “grupos focais”, embora nos meus
planos constassem apenas entrevistas individuais. Entretanto, curiosamente essa experiência
com os três grupos focais feitos, além de muito produtiva trouxe de volta momentos das
discussões da/e em rede. O entrevistado e as entrevistadas se portavam respeitosamente com a
fala um(as) do(as) outro(as). Foi uma experiência realmente enriquecedora, houve uma troca e
complementação de memórias fantástica. Momentos de muito prazer e trabalho, como
aconteciam sempre no cotidiano da REDPECT.
Entretanto, surgiu então mais uma tessela desse mosaico complexo, que precisava ser
teorizada para dar conta do processo das entrevistas, ou levantamento de informações, o grupo
focal. Encontrei em Gondim (2003), citando Morgan (1997) e Veiga & Gondim (2001), a
definição de grupos focais que mais se aproximou do que estava buscando, ao dizerem que é
uma técnica de pesquisa que
[...] coleta dados por meio das interações grupais ao se discutir um tópico especial
sugerido pelo pesquisador. Como técnica, ocupa uma posição intermediária entre a
observação participante e as entrevistas em profundidade. Pode ser caracterizada
também como um recurso para compreender o processo de construção das
percepções, atitudes e representações sociais de grupos humanos (p. 151).
Acontece porém que, imbricada e implicada no processo, eu estive presente não só
como pesquisadora, observadora, entrevistadora, mas como participe de parte da história
contada por eles(as), foi realmente rico e emocionante, de repente estava diante de uma rede
ativa, viva de novo. Mas, precisava assumir um papel de: entrevistadora de grupos ou
moderadora de grupo focal? Gondim (2003, p. 151), esclareceu esta dúvida dizendo que o
“entrevistador grupal”
[...] exerce um papel mais diretivo no grupo, pois sua relação é, a rigor, diádica, ou
seja, com cada membro. Ao contrário, o moderador de um grupo focal assume uma
posição de facilitador do processo de discussão, e sua ênfase está nos processos
psicossociais que emergem, ou seja, no jogo de interinfluências da formação de
opiniões sobre um determinado tema. Os entrevistadores de grupo pretendem ouvir a
opinião de cada um e comparar suas respostas; sendo assim, o seu nível de análise é
o indivíduo no grupo. A unidade de análise do grupo focal, no entanto, é o próprio
grupo. Se uma opinião é esboçada, mesmo não sendo compartilhada por todos, para
efeito de análise e interpretação dos resultados, ela é referida como do grupo.
174
Esta descrição de papeis do pesquisador e entrevistador definidos por Gondim não
aconteceram de maneira tão radical assim no processo deste estudo. Na realidade aconteceu
um pouco de cada um deles, mas com algumas diferenças. Havia efetivamente uma relação
com cada participante, mas minha intenção não era apenas de moderador do grupo
objetivando formar opinião sobre o tema em estudo, e também não só comparar as respostas
dos entrevistados, nem analisar o indivíduo no grupo, ou o grupo como unidade de análise, e
nem considerar também as opiniões individuais como sendo do grupo, a não ser que estas
fossem unânimes.
Aconteceu que, em um mesmo grupo de entrevistados existiam pessoas que
participaram da rede em diferentes períodos, portanto as narrativas e opiniões foram
consideradas individuais para as análises. Transcrever estas entrevistas feitas através dessa
técnica, e sistematizá-las individualmente, foi um trabalho mais elaborado, mais exaustivo,
porém bastante produtivo. Significou muito em termos do tempo que tinha disponível para as
entrevistas e muito mais ainda para a análise das relações interpessoais existentes nas redes
investigadas.
O que facilitou o procedimento em si foi a estruturação do roteiro (disponível no
Apêndice G, p. 262) baseada nas categorias de análise, com precedido do título, tema, objeto,
objetivos: geral e específicos traçados para a investigação e a recomendação de que as
perguntas elaboradas tinham a intenção de provocar a memória dele(as) e não de engessá-
lo(as). Para isto inclusive, admitia a possibilidade de inverterem a ordem estabelecida neste
roteiro, caso sentissem essa necessidade.
Sobre esta questão diz Gondim (2003, p. 154) que,
A diretividade assegura o foco no tema, mas pode inibir o surgimento de opiniões
divergentes que enriqueceriam a discussão. A flexibilidade facilita a interação do
moderador com os grupos, pois cada um deles apresenta uma dinâmica diferenciada
exigindo maior ou menor diretividade do pesquisador, mas se for levada a extremo
compromete a análise comparativa das respostas intergrupais, já que o risco de
digressões aumenta.
Como o intuito era ouvir a história de cada participe dessas/nessas redes e buscar
evidências do processo de construção colaborativa do conhecimento a partir das inter-trans-
subjetividades dos sujeitos autores-pesquisadores, me colocava mais como ouvinte que como
moderadora nas entrevistas. Os próprios entrevistados assumiram espontaneamente o papel de
moderadores. Talvez pela sua (in)formação na rede, isto porque, quando nas discussões nas
atividades das Redes, esse papel era amplamente praticado.
175
A dinâmica que estabeleci se concretizou com algumas diferenças do que encontrei na
literatura84 sobre “grupos focais”. Existia um “foco” obviamente, mas não existia intenção em
comparações e sim análises das respostas individuais em busca dessas evidências definidas
nas categorias de análise. Além disso, a categoria “sua história na rede” envolvia descobrir
ano de entrada/ingresso, motivações para participar deste(s) grupo(s) de pesquisa e as
contribuições que essa participação lhes proporcionou individualmente. Informava no início
da entrevista além das questões específicas do estudo, conforme mencionado acima, as
perguntas norteadoras (vide Quadro 10 abaixo), evidenciando que estas eram norteadoras e
não engessadoras.
Quadro 10 – Perguntas Norteadoras das Entrevistas
Item Perguntas Norteadoras
1 Sua história na rede?
Ano de ingresso,
Motivação para procurar participar dessa rede,
A/as contribuições que a rede de pesquisa trouxe(ram) para sua vida.
2 Quais suas impressões sobre o construir conhecimento de maneira colaborativa na rede e
também em rede, sem distinção de título acadêmico?
3 Quais bases, teórico-epistemológicas, você acha que sustentam esse processo de construção
colaborativa na rede?
4 Na sua visão como acontecia o compartilhamento dessas construções de conhecimento da
rede?
5 Qual a sua compreensão sobre o mosaico epistemo-teórico-metodológico da rede?
Fonte: Construído.
Achei importante frisar que as perguntas norteadoras refletiam de fato os objetivos
específicos a alcançar através das categorias de análise, exceto a primeira e a última que
foram elaboradas para o levantamento de informações que auxiliaram na narrativa das
histórias das redes pesquisadas. E também que, durante as entrevistas, fossem estas
individuais ou coletivas, por grupo focal, embora exercesse algum controle para manter o
foco, fui bastante flexível com o tempo, não só pelo encantamento que estas trouxeram para o
objeto em estudo como também pela riqueza que proporcionaram como memórias do
cotidiano das redes e seus pesquisadores.
84
Embora tenha citado apenas Gondim (2003), pela pertinência com o que queria apresentar, li também: DIAS,
Cláudia Augusto. Grupo Focal: técnica de coleta de dados em pesquisas qualitativas. Disponível em:
<https://moodle.ufsc.br/pluginfile.php/1255610/mod_resource/content/0/Tecnicade_coleta_deDados.pdf>. Acesso
em: 21 jul.2015; e RESSEL et al. O uso do Grupo Focal em Pesquisa Qualitativa. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/tce/v17n4/21.pdf>. Acesso em: 21 jul.2015.
176
Após estas considerações do processo de entrevistas, retomo aqui as consequências da
decisão de mudar o foco da análise nas entrevistas. Diante dessa mudança o material a ser
analisado cresceu muito então percebi a necessidade de ampliar também a MA. Antes ela
estava restrita as 3 (três) questões a serem respondidas, mas passou a ter 5 (cinco) principais e
9 (nove) secundárias.
Este crescimento das categorias de análise se deveu ao fato de que, como o volume de
informações ficou muito grande, ficou impraticável analisá-las sem fragmentá-las. Esta
inclusive é uma das características fundamentais do MAC, pulverizar para facilitar a
(re)construção do texto após as análises, pensando na análise contrastiva.
Sobre “Análise Detalhada”, como é o caso desta investigação, diz Fróes Burnham
(2002, s.p.)85 que, a pretensão era “[...] fazer uma prospecção que, ao mesmo tempo,
permitisse fragmentar os TAs [Transcritos Anotados] em unidades analiticamente viáveis,
sem quebrar demasiadamente [...] [o] fluxo e as interações”. Estes transcritos anotados neste
processo são as entrevistas transcritas.
Então, para esse detalhamento analítico, as sistematizações dos recortes das entrevistas
seguiram uma lógica, uma dinâmica, um “sistema de análise” do processo de construção do
conhecimento, conforme Quadro 11 abaixo, que apresenta as categorias e as sub-categorias
mencionadas.
Quadro 11 – Categorias de Análise:
Fonte: Construído.
85
Descrevendo o Método de Análise Contrastiva desenvolvido no seu trabalho de pós-doc: FRÓES
BURNHAM, T. Cognitive aspects of the implementation of lessons by biology student teachers.
Southampton: Faculty of Educational Studies, University of Southapton, 1983.
177
Este foi o momento da “reconstituição” descrito no MAC. Aqui fiz a “[...] avaliação da
qualidade dos registros, sua codificação segundo” as categorias e sub-categorias apresentadas
no Quadro 11 acima. Embora, devido à mudança de objeto de análise, não tivesse sido
necessário fazer uma “[...] ficha [...]” para “[...] reordenar os documentos em unidades que
[...] [integrassem] cada tipo de registro para cada evento registrado, formando assim as
UAs”86. Em suma, todas as entrevistas foram sistematizadas numa única matriz de análise e
fiz a reconstituição das entrevistas seguindo o
[...] objetivo [...] [d]a organização da informação em unidades que tornassem viável
a formação de um conjunto de documentos representativos de cada evento
registrado, de forma que se pudesse estabelecer relações entre as formas verbais e
não-verbais da tradução, de acordo com a sequencia e os significados
contextualmente construídos ao longo do processo [...]. (FRÓES BURNHAM, 2002,
s.p.)
Essa característica do MAC de “[...] estabelecer relações entre as formas verbais e
não-verbais da tradução [...]”, tornaram visível o elo de ligação com as características
primordiais da Análise do Discurso, quando busquei nos recortes selecionados “o dito” e o
“não dito”. Uma semelhança entre técnicas de investigação que abarca o que não está
explícito nas falas, mas se faz emergir nas análises.
Então, utilizando esse recurso, analisei apenas as entrevistas, tomando os recortes
sistematizados na MA para a formatação do “[...] texto da transcrição [...] como lastro da
reconstituição [...]”. Mas havia registros outros: no meu “Diário de Bordo”87, anotações que
foram feitas “[...] ao longo das observações em campo [...] imediatamente após [...], ou [...]
assim que as transcrições estavam sendo feitas, [...] o mais breve possível [...] a fim de
minimizar a interferência do tempo na memória do que foi observado [...]” (FRÓES
BURNHAM, 2002, s.p.); achados no levantamento da literatura e também no meu processo
de construção do conhecimento durante o desenrolar do estudo. Estes registros se mostraram
igualmente importantes no processo de (re)construção da história das redes, quando
articulados com os recortes analisados/sistematizados, apesar de não terem sido
categorizados.
Estas “[...] peças que, por força da fragmentação dos registros, pareciam inicialmente
desconexas [...]”, “[...] foram sendo [...] [colocadas] nos seus respectivos lugares”. Após essa
86
Unidades de Análise. 87
“Diário de Bordo” ou “Diário de Campo”, instrumento do cotidiano dos autores-pesquisadores, utilizado na
REDPECT para anotações pertinentes ao objeto investigado durante visitas ao campo empírico, ou em
momentos de discussão em/na rede.
178
articulação entre tesselas/recortes da análise das entrevistas e os registros/anotações, enfim,
com “[...] esse conjunto de documentos, o processo de tradução se tornou quase que uma
entidade tangível, não apenas em palavras, mas também em “evidências 'visíveis' das ações"
que ocorreram durante cada evento registrado [...]” (FRÓES BURNHAM, 2002, s.p.), pronta
para o escrutínio.
6.1.1 Processo de Análise - Escrutínio
Seguindo os passos do MAC, foi feito um escrutínio com “duas fases articuladas”. Na
primeira fase a “Exploração Inicial” e na segunda a “Análise Detalhada”.
6.1.1.1 Exploração Inicial
Na exploração inicial, quando da (re)constituição, os recortes das entrevistas
transcritas -, pequenas peças/tesselas - foram “colados” na MA compondo assim o mosaico
das entrevistas em suas respectivas categorias de análise. Em seu artigo “Análise Contrastiva:
memória da construção de uma metodologia para investigar a tradução de conhecimento
científico em conhecimento público”, Fróes Burnham (2002, s.p.) diz que
[...] no momento anterior, fragmentos foram "colados", formando uma UA, como
um quebra-cabeça pré-montado, em que se vê o todo, mas de forma entrelaçada, sem
a nitidez de seus componentes, a exploração inicial teve como finalidade
desemaranhar o complexo de registros e das informações neles contidas [...].
Neste estudo, como evidenciado anteriormente, não foi necessário utilizar as UA,
devido à mencionada escolha de analisar apenas as entrevistas. Mas este “quebra-cabeça”,
aqui assumido como mosaico, certamente funcionou da mesma maneira “desemaranhando o
complexo de registros e das informações” contidas na MA, o que possibilitou visualizar “[...]
o todo, mas de forma entrelaçada, sem a nitidez de seus componentes [...]”. Por isto passei
então à “análise detalhada”, “[...] a fase mais exigente de todo o trabalho, foi possível tomar
como foco de análise apenas o conteúdo [...]” da MA, “[...] com o propósito de "dissecar" os
aspectos mais precisos [...]”. (FRÓES BURNHAM, 2002, s.p.)
Acredito ser importante enfatizar que os “componentes” citados neste estudo se
referem aos recortes/tesselas organizados na MA, à influência mutua entre categorias e
recortes. Palavras (trans)formadas em atos, “[...] principalmente verbais e não-verbais com o
propósito de "veicular" um conhecimento no processo de tradução; fragmentos do
179
conhecimento específico que se objetiva traduzir; recursos materiais usados como elementos
de organização do processo de tradução [...]”. (FRÓES BURNHAM, 2002, s.p.)
Após essa fase inicial de exploração, fiz a (re)analise da MA, conforme recomenda o
MAC,
[...] acompanhando o transcrito com a audição do registro em [...] áudio, para
identificar aspectos não verbais da voz, significativos no processo de tradução, tais
como: tom, ritmo, ênfases, possíveis intenções na entonação, sendo esses também
registrados na margem do transcrito. [...] [Segundo] as [minhas] interpretações
relativamente a cada questão.
Este procedimento que se assemelha a Análise do Discurso (AD) foi se desenrolando à
medida que analisava as entrevistas transcritas. Um processo de ir e vir do texto transcrito
para o áudio da gravação, buscando a emergência do não explícito. Este é o ponto que minha
inspiração na AD88
se concretiza neste “mosaico epistemo-teórico-metodológico-político”, a
partir de uma citação de Orlandi (2007), feita por Oliveira de Jesus (2010)89 em sua tese, sobre
este “dito” e o “não dito”, os aspectos “verbais” e os “não verbais” apresentados no MAC:
Ao discutir o Lugar da Interpretação, Orlandi (2007a) coloca como característica
mais importante de um dispositivo de interpretação ouvir naquilo que é dito o
silenciado, também produtor de sentidos. Isso já sinaliza aí a importância, na
enunciação, daquilo que se diz e daquilo que não se diz no processo de descrição e
interpretação e, portanto, de produção de sentidos. Além disso, é de suma
importância na elaboração do dispositivo de análise estabelecer relações do dito com
o não-dito, do dito em um lugar com o dito em outro lugar, e do dito de um modo
com o dito de outro modo [...]. (p. 48-49)
Utilizar a perspectiva da AD nesta fase de exploração inicial das entrevistas
transcritas, os recortes dos textos resultante destas transcrições, se justificou na semelhança
com o MAC.
Então, para ficar mais claro esse “lugar da interpretação”, resolvi fazer um adendo
para uma reflexão teórico-prática sobre a AD, considerando esta como mais uma tessela do
mosaico metodológico e parte da fase inicial de exploração, segundo o MAC.
88
Conforme citado na sub-seção “4.2.3. A Pesquisa e sua Abordagem”, na página 112 deste texto. 89
José Carlos Oliveira de Jesus, um dos autores-pesquisadores da REDPECT e sua tese, um dos construtos
mosaicos da rede, em 2010. Por isto não faz parte das produções que vão compor a história desta rede.
180
Análise do Discurso - AD: Uma Tessela do Mosaico Metodológico90
Até chegar à questão do método a ser utilizado para dar significado ao objeto da
análise, ou “Corpus” escolhido, o analista no “percurso” da investigação passa por muitas
fases da AD. Durante esse processo ele fica atento principalmente à formação discursiva, mas
também com a ideologia, a definição de sujeitos, sua formação histórica, e ainda com a
distância do objeto de análise, inclusive problematizando esse deslocamento. Eni Orlandi
(2005a, p. 43), afirma que a
[...] noção de formação discursiva, ainda que polêmica, é básica na AD, pois permite
compreender o processo de produção dos sentidos, a sua relação com a ideologia e
também dá ao analista a possibilidade de estabelecer regularidades no
funcionamento do discurso.
O entrevistado, no ato de buscar suas memórias, não está isento do contexto social no
qual está inserido, da ideologia, o conhecimento partilhado do mundo, sua visão de mundo,
sua história de vida e a intencionalidade do discurso. Então o processo não é tão linear como
ilustra o Quadro 12 abaixo. Além disso, a implicação de certos fatores dá coerência a AD.
Silva (2002) alerta para o fato de que
[...] as formações discursivas delimitam aquilo que pode ou deve ser dito,
obviamente em um dado contexto. Pode-se afirmar que as palavras mudam de
sentido conforme as condições propícias91
dentro de uma repartição discursiva.
Além disso, evocando o conceito bakhtiniano do dialogismo na linguagem, cabe,
aqui, acrescentar que a palavra do outro implica uma condição para a construção de
qualquer discurso. (SILVA, D. E. G. 2002, p. 11)
A partir desta questão do “dialogismo” indicada por Silva, o entrevistador também tem
uma participação na construção do discurso do entrevistado, e também interfere nessas
“condições propícias” de que fala o autor. Portanto, à medida que existe um roteiro de
entrevista, além dos fatores comuns à AD, o pesquisador também delimita o que será dito,
mesmo que não tenha a intenção de engessar as “memórias” do entrevistado.
O “Quadro 12 - Análise de Discurso: O processo” (vide próxima página), apresenta a
dinâmica do processo básico da Análise do Discurso – AD. Este quadro ilustra a importância
da formação discursiva, para a compreensão do “modo de funcionamento do discurso”.
90
Produzi parte desse texto como trabalho final da Disciplina EDC A39 – Análise de textos na pesquisa em
educação, do PPGE/FACED/UFBA, no semestre 2007.1. Um artigo intitulado: Análise do Discurso – Uma
questão de Método 91
Condições de Produção, que delimitam o que será dito.
181
Quadro 12 – Análise de Discurso: O processo
Fonte: Construído.
O processo da passagem inicial que o analista faz entre o “material bruto de
linguagem”, coletado tal como existe (Superfície Linguística) e o “objeto discursivo” é a fase
de De-Superficialização. Este é o processo da materialidade linguística. Diz Orlandi (2005),
que o discurso é
[...] o lugar de observação do contato entre a língua e a ideologia, sendo a
materialidade específica da ideologia o discurso e a materialidade específica do
discurso, a língua. O texto, redefinido, deve ser então considerado como o lugar
material em que essa relação produz seus efeitos, apresentando-se imaginariamente
como uma unidade na relação entre os sujeitos e os sentidos. (ORLANDI: 2005b,
p.86-87)
Neste ponto será analisado: “o como se diz”, “o que se diz”, “em que circunstâncias
diz”. Partindo dos princípios da não transparência dos sujeitos e dos discursos, esta fase da
AD se ocupa com o que está "por detrás" dos enunciados e vai buscar no ideológico a relação
entre o "dito" e o "não dito", a partir das posições de sujeito ocupadas pelos indivíduos, na
sociedade. Gustavo (s.d, s.p.) diz que para Michel Pêcheux (1995), é a
[...] ideologia que interpela o indivíduo em sujeito e é na evidência, provocada pela
ideologia, que se constituem os saberes universais. Pêcheux (1995, p.159-160)
justifica seu postulado com o dizer: "um soldado francês não recua", significa,
portanto "se você é um verdadeiro soldado francês, o que, de fato você é, então você
não pode/deve recuar (...)". "É a ideologia que fornece as evidências pelas quais
"todo mundo sabe" o que é um soldado, um operário, um patrão (...)", que fazem
com que uma palavra ou um enunciado queiram dizer o que realmente dizem (...)". E
182
é nesta falsa transparência de linguagem que se "esconde" o caráter material do
sentido, pois este fica determinado pelas posições assumidas pelo sujeito
(Formações Ideológicas - FI) e que determinam o que pode e o que deve ser dito
(Formação Discursiva - FD). É numa Formação Discursiva que as palavras recebem
o seu sentido. (GUSTAVO, s. d., s. p.)
É nesse momento que o analista procura distinguir onde e como “descrição” e
“interpretação” se relacionam. Qual o sentido que se pode deduzir? Como não há
“descrição” sem “interpretação” ele precisa se deslocar em sua relação de sujeito com a
interpretação. A facilidade com que ele vai lidar com este deslocamento, vai depender da sua
habilidade como analista. É essa habilidade que vai lhe permitir trabalhar no entremeio da
descrição com a interpretação, no ponto de equilíbrio. A energia que carrega o analista pode
interferir na interpretação do autor do discurso. Como não existe sujeito sem ideologia este
deslocamento se torna necessário e lhe proporciona a distância “ótima”, de onde poderá
observar o “Processo de Produção dos Sentidos”.
A profª Freda Indursky (1998), indica que existe uma diferença entre sentido e “efeito
de sentido”. Diz ela que existe “[...] aí um deslocamento, a partir do qual não é mais possível
pensar na transmissão de informação entre interlocutores. Pensar nesses termos conduz a uma
concepção de sentido prévio estabilizado, verdadeiro, único, sem lugar para a ambiguidade,
para o desvio e o mal-entendido [...]”. Diz ainda a autora que “isso é recusado pela Análise do
Discurso” e também que “nesse”
[...].quadro teórico, postula-se que o sentido sempre pode ser outro, e isto está na
dependência do lugar em que os interlocutores se inscrevem. Ou seja, nada garante
que um discurso produza o mesmo sentido tanto para quem o formulou como para
quem o interpretou. Entre os interlocutores há um intervalo que vai muito além do
espaço físico que o separa. Há que considerar também por posições ideológicas
diversas, inscritas em formações discursivas igualmente diferentes, as quais são
responsáveis pela produção não-coincidentes, atribuídos a um mesmo dizer.
(INDURSKY, 1998, p. 35)
Partindo desse princípio, trabalhar com a “interpretação” vai exigir o aporte de dois
tipos de dispositivos:
Teórico – onde serão explicitadas as condições de produção – o analista necessita de
um referencial para se libertar da prisão ideológica, então lança mão de um dispositivo
teórico, no qual são explicitadas as condições de produção, levando em consideração o
contexto histórico;
Analítico – onde estarão evidenciados os interdiscursos – os vários espaços que
formam os campos constitutivos do universo discursivo.
183
Observa-se assim que as condições históricas e ideológicas configuram o contexto da
interlocução. Não há discurso sem sujeito, nem sujeito sem ideologia. Portanto, na AD
considera-se que os meios de interação não são neutros, daí por que pressupostos teóricos da
AD também deverão ser explicitados para análise, tais como os seguintes:
1. Em AD a linguagem não é transparente, e não há sentido sem interpretação;
2. A interpretação está presente para quem fala e para quem analisa;
3. Para a compreensão do objeto discursivo o analista precisa compreender como o texto
funciona.
4. A AD está fundamentada no materialismo histórico, na linguística e na teoria histórica
dos processos semânticos;
5. A AD é atravessada pela teoria psicanalítica do sujeito.
Com referência ao dispositivo de interpretação escolhido pelo analista, Diz Eni
Orlandi que
[...] é preciso que ele atravesse o efeito de transparência da linguagem, da
literalidade do sentido e da onipotência do sujeito. Esse dispositivo vai assim
investir na opacidade da linguagem, no descentramento do sujeito e no efeito
metafórico, isto é, no equívoco, na falha e na materialidade. No trabalho da
ideologia. (ORLANDI, 2005a, p. 61)
Entretanto, como a interpretação depende da condição de produção e dos campos
constitutivos do universo discursivo, busquei em Michinel92 (2015, p. 117) o esclarecimento
desses aportes, quando diz que
[...] as condições de produção como um vetor configurado com as representações ou
formações, isto é, com as formações que cada um dos sujeitos do discurso tem da
posição ocupada pelo outro, e do contexto. Assim como, as condições de produção
são resultado de processos discursivos anteriores, devido a outras condições de
produção que já “não funcionam”, são os efeitos de memória, o interdiscurso. Quer
dizer, o já dito e ouvido funciona como outro discurso no processo discursivo.
Portanto, como estas formações imaginárias são atravessadas pela ideologia, as
condições de produção e, também, o próprio processo discursivo são ideológicos e
históricos.
Além disso, precisamos reconhecer, como fala o autor citando Orlandi (1996)93, que
[...] não há uma relação “direta” entre o homem e o mundo. Isto é, o mundo não é
óbvio, não é transparente para o homem. Na busca de conhecimento do mundo, da
92
José Luis Michinel, outro autor-pesquisador da REDPECT, que inclusive já foi Coordenador da REDPECT e
também foi um dos entrevistados para este estudo. 93
ORLANDI, E. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Petrópolis: Vozes. 1996.
184
natureza e do próprio homem, é necessário dar significado, já que o mundo não se
nos apresenta com significação explícita. Igualmente sucede entre o pensamento que
o homem faz do mundo e a linguagem de que faz uso para a comunicação desse
pensamento. A partir daí emerge a necessidade da noção de discurso para mediar as
relações linguagem/pensamento/mundo (Orlandi, 1996a). Esta mediação é a que
permite um melhor entendimento da relação entre essas três esferas, porque o
discurso é uma instância material (concreta) dessa relação (ibidem).
É nesta perspectiva, que tomei a AD como base para a exploração inicial do discurso
dos autores-pesquisadores nas entrevistas. Na busca de significados/significantes das
“relações linguagem/pensamento/mundo” destes sujeitos nas redes de pesquisa investigadas.
Embora a AD não tenha sido aprofundada como método, mas sim como auxiliar nas análises,
a partir de alguns fatores/dispositivos considerados preliminares, conforme o dialogo com os
autores citados.
Após esta breve reflexão teórico-prática da AD e sua contribuição para o mosaico
metodológico, que amplia o MAC, retomo a segunda fase do processo de análise,
apresentando o escrutínio do objeto de análise, ou seja, a análise detalhada. O MAC foi o
método escolhido para este estudo porque ele analisa não apenas o discurso, mas sim o
processo de construção do conhecimento, resultado da articulação entre as análises: vertical,
horizontal e transversal.
6.1.1.2 Análise Detalhada
“É nessa fase, realizada a partir de TAs, que, ao se processar uma prospecção refinada
do conteúdo das UAs, começa-se, propriamente, a construção da análise contrastiva [...]”.
Assim disse Fróes Burnham (2002, s.d., s.p.). Mas esse laborioso “vai e vem” dos TAs, que a
autora descreve, foi sem dúvida a maior dificuldade que encontrei em trabalhar com a Análise
Contrastiva. Não especificamente o vai e vem, porque é até estimulante, mas sim a questão
“do realizar”, a prática desse processo é infinitamente mais densa do que diz a literatura. É
como estar num barco a vela numa tempestade em alto mar; ou também como estar num
“labirinto” como diz Castoriadis (2009, p. 50), quando fala do pensamento, efetivamente
“dentro do” labirinto.
Pensar não é sair da caverna, nem substituir a incerteza das sombras pelos contornos
nítidos das próprias coisas, a luz vacilante de uma chama pela luz do verdadeiro Sol.
É entrar no Labirinto, mais exatamente fazer ser e aparecer um Labirinto, ao passo
que se poderia ter ficado “estendido entre as flores, voltado para o céu”. É perder-se
nas galerias que não existem senão porque as cruzamos incansavelmente, caminhar
em círculos no fundo de um beco sem saída, cujo acesso se fechou atrás de nossos
185
passos – até que esta rotação abra, inexplicavelmente, fissuras nas paredes por onde
se pode passar.
São muitos detalhes a analisar, tanto no dialogo com os autores, quanto nos
documentos e entrevistas. Você se perde e se acha inúmeras vezes e organizar tudo isso não é
tão fácil como o texto apresenta. Realmente trabalhar com o MAC é um processo intenso de
construção, (des)construção e (re)construção de conhecimento. Neste ponto, dou razão ao
Prof. Fialho (2015), quando disse na minha qualificação que “não podemos construir nada
sem destruir”, e vejo isto nesse processo cíclico que nos conduz sem paraquedas na espiral do
conhecimento. Como se estivéssemos num ciclone, muitas vezes como se estivéssemos ao
leu, sem controle sobre os eventos que se sucedem.
Descobri então nesse “terreno pantanoso” que “o Método” não existe de maneira
estática, fixo, e que não podemos segui-lo passo a passo, como numa “receita de um bolo”, ou
como num “Manual de Procedimentos”, ele é apenas uma “âncora” que nos auxilia a não
perder o foco no objetivo e a organizar o que construímos em profusão nesse “Mosaico
Metodológico” vivo, e que muitas vezes nos parece ter vontade própria.
Buscar elementos em diversas obras/autores, não é simplesmente sentarmos para fazer
uma leitura de um autor, é ao mesmo tempo, ou seja, simultaneamente, ler diversos autores,
contrastar com o conteúdo dos TAs, fazer as observações do contraste e registrar esses
achados, sistematicamente na MA.
Aqui faço uma pausa, pensando neste processo como uma “montanha russa”, mas vejo
que seria uma metáfora que não condiz com os diversos caminhos que se revelam à medida
que analiso os recortes. Isto porque numa montanha russa o caminho, embora seja de “altos e
baixos”, de “cabeça para baixo” ou não, é sempre o mesmo caminho, mas neste processo de
análise contrastiva são muitos os caminhos e “encruzilhadas”.
A “[...] única escolha que nos resta [...]”, diz Castoriadis (2009, p. 50) ainda falando
do labirinto do pensamento, é “[...] mergulhar nesta galeria mais do que naquela outra, sem
saber onde poderão conduzir-nos, nem se nos levarão eternamente a esta mesma encruzilhada
ou a uma outra que seria exatamente igual”.
Só mesmo com o “Mago” do tarô, ou com as visões que me adivinham durante esse
percurso para conseguir dar conta. Percebi então que tudo isso tinha um significado, mas só
fui saber que todos esses eventos faziam parte do meu processo de construção do
conhecimento quando ouvi minha banca na Qualificação do Doutorado.
186
Por tudo isso, resolvi apresentar esta “análise detalhada” na própria história da rede
(re)construída a partir:
da origem da construção colaborativa do conhecimento segundo os modos como se
desenvolvia nas duas Redes em estudo;
das memórias dos autores-pesquisadores, suas histórias de vida na/nas rede/redes, de
acordo com as categorias de análise, ano de ingresso, motivações e contribuições;
de minha própria memória/história de vida nas redes, que vem sendo contada desde a
Tessela 1 desta tese, de maneira fluida, e que só será encerrada com as considerações
finais do estudo.
Apresentado mais detalhadamente “o método/sistema de análise”, suas
particularidades, que são constitutivas do “Método/Modelagem em Mosaico Memorial”,
conduzo o texto para a próxima seção, a qual apresenta o “tempo-espaço de construção das
redes de pesquisa: Memórias de saberes, práticas vividas”.
6.2 TEMPO-ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO DAS REDES DE PESQUISA:
MEMÓRIAS DE SABERES, PRÁTICAS VIVIDAS
Aqui a história da REDPECT e da RICS se revela na fala dos autores-pesquisadores.
Fragmentos das entrevistas que contam a história: da construção colaborativa, onde este saber
se origina, sua base epistemológica, seus contrapontos; da trajetória de Fróes Burnham; e
também das suas próprias histórias e as contribuições dessas redes para suas vidas.
Construir uma história baseada nas memórias das pessoas é uma tarefa árdua,
entretanto coisas curiosas aconteceram nas entrevistas, durante as transcrições e continuam
acontecendo na sistematização e análises. Aqui entrevistas e histórias de vida se misturam, se
implicam, se contrapõem, mas principalmente deram muito prazer tanto a quem fez seu
memorial oral quanto para quem ouviu as histórias.
De repente o movimento das entrevistas me tomou duas semanas e me enredou numa
teia de contatos, conversas, contextos. Pretendia inicialmente fazer uma entrevista por projeto,
portanto seis entrevistas; quatro dos professores orientadores; uma com um professor do
187
DMMDC, que participou da construção colaborativa da RICS; e duas com Fróes Burnham, na
busca de aprofundar minhas informações sobre a Análise Contrastiva e o Mosaico. Então,
nesse primeiro plano, contando com a minha implicação em 2006 e 2007, somavam 13 (treze)
entrevistas. Mas ainda queria ouvir mais duas pessoas do NEPEC, fechava o processo em 15
(quinze) entrevistas.
Não foi assim que aconteceu. De repente fui envolvida por pessoas que informavam
outras pessoas que queriam participar, que recomendavam nomes e me passavam contatos.
Enfim, a rede pulsava novamente off line. Foram duas semanas intensas e no final dessa “roda
viva” as entrevistas realizadas somavam 27 (vinte e sete). Mas, como na rede nada é muito
usual, ou dogmatizado, para conseguir cumprir essa demanda tive que fazer entre essas
entrevistas: duas por Grupo Focal, mas com transcrições individuais; uma delas via
questionário, na verdade um roteiro que fiz para as entrevistas e este foi respondido de São
Paulo via e-mail; outra foi feita por skype, pois o entrevistado estava em Barreiras.
Uma das coisas que mais deixei claro nas entrevistas, embora isto tenha demandado
mais tempo nas transcrições e análises, foi o meu desejo de não engessar as pessoas, de deixá-
las à vontade. Isto realmente deu muito trabalho e horas exaustivas de transcrição. As pessoas
ficaram tão soltas que falaram por muito tempo. Foram lindas e ricas histórias, que serão
apresentadas parcialmente a partir deste ponto, através das categorias de análise deste estudo,
conforme estão apresentadas no Quadro 11, página 176 deste texto, iniciando pela sub-seção,
tessela, Histórias de Vida dos autores-pesquisadores na REDPECT.
6.2.1 REDPECT: A Transição / As Memórias
A primeira categoria da Matriz de Análise deste estudo, uma das tesselas que compõe
o mosaico da construção colaborativa do conhecimento, diz respeito às Histórias de Vida dos
autores-pesquisadores na/em rede. Especificamente: o ano de seu ingresso; a motivação que
os fez procurar essa rede; e a/as contribuição/contribuições que a rede trouxe para suas vidas.
Entretanto essa categoria foi criada para compor a linha do tempo dessa rede, através do
registro das memórias de alguns de seus participes, enfim contar sua própria história.
Foram muitas entrevistas, depoimentos, ricas histórias de vida da rede e de seus
autores-pesquisadores. Profusão de conceitos, saberes, práticas, que abundantemente iam
emergindo. Então, à medida que as analisava, que as transformava em texto ia se formando
188
em mim certo sentimento de perda por não poder utilizá-las na integra, ou mesmo todas, dada
a riqueza que estas apresentavam, diante do prazo que tinha para conclusão da tese.
Mas, a partir da perspectiva de novos trabalhos que podem ser oriundos deste, minha
consciência foi se acalmando e pude enfim apresentar os textos reconstituídos, selecionados
por categoria. Tomando como ponto de partida essas histórias de vida dos autores-
pesquisadores no cotidiano da rede.
Histórias de Vida dos Autores-pesquisadores: Entrada, Motivações,
Contribuições
Inicio então essa história/tra(ns)jetória com a entrevista da Professora Patrícia Magris
Nicolau (2015)94 (MAGRIS NICOLAU, Patrícia), que foi bolsista de Apoio Técnico
“exatamente”, como diz ela, durante a transição do NEPEC para REDPECT. Curiosamente,
quando Fróes Burnham vai ser Diretora do ICI, portanto quando ela atravessa “a ponte” da
FACED para o ICI, da “Educação” para as “TIC”. Essa decisão tem a haver com o sentido
histórico-social-metodológico que ela dá a sua entrevista, sem contar com a poética
interpretação, dessa tra(ns)jetória, que ela chama “atualização”, como se poderá ver no
decorrer de sua narrativa. Isto teve início em “1997”, mas aqui Magris Nicolau (2015) retoma
suas memórias a partir de 1996, o momento que surgiu a chance de realizar o sonho tão
alimentado de ser integrante do NEPEC:
[...] em 96 (noventa e seis), quando eu já estava concluindo uma das habilitações do meu curso, Teresinha começa a trabalhar num projeto novo, que eu não sei lhe dizer especificamente a data, [...] que era o de Formação do Trabalhador e Novas Tecnologias, e em 97 (noventa e sete) ela abriu uma seleção para o NEPEC, a princípio. Então eu estava me formando como aluna especial da Pós-Graduação em Epistemologia, com o Professor Felipe Serpa e foi a minha chance.
O projeto ao qual Magris Nicolau (2015) se refere, na realidade era mais que um
projeto, era o: Programa de Pesquisa Demandas/Impactos da Globalização e das TICs na
(In)formação do Cidadão Trabalhador, que teve sua duração demarcada o período de 1997
a 2003. Este programa se caracterizava pela articulação de diversos outros projetos de
Graduação; Especialização, Dissertação de Mestrado e Tese de Doutorado. A pesquisa que
este “projeto guarda-chuva” abarcava, tinha como Objetivo geral: “compreender
94
Magris Nicolau atualmente é professora assistente da Universidade do Estado da Bahia-UNEB - Campus I -
Salvador/Ba; pesquisadora da UNEB e da UFBA; doutoranda no DMMDC e integrante do CAOS/REDPECT.
Portanto, autora-pesquisadora.
189
transformações nas demandas de informação do cidadão-trabalhador e impactos nesta mesma
formação, relacionadas ao processo de globalização e ao desenvolvimento das tecnologias de
informação”. Coordenado por Teresinha Fróes Burnham, esse programa tinha como
orientandos/alunos envolvidos: 10 de Graduação; 2 de Especialização; 7 de Mestrado
Acadêmico; e 4 de Doutorado.
Magris Nicolau (2015) dá continuidade à história falando das características da bolsa
que ela participou da seleção. Diz ela que, “Era uma bolsa diferente da de Iniciação
Científica, era uma bolsa de Apoio Técnico que na verdade eu não sabia o que era. Fiz a
entrevista já no ICI, mas também não sabia por que”.
Quando eu entro na Rede, que na verdade ainda não era Rede, era NEPEC ainda. [...] Eu pego exatamente o momento da transição e quando nós saímos da FACED e vai pro ICI, porque Teresinha vai ser Diretora, nós fomos como alguma coisa que não sabíamos o que é, que era a “Rede”, só que ela já tinha constituído o nome Rede, ela já vinha trabalhando esse nome, pelo que entendíamos. Já se constituía a Rede que era todos aqueles contatos que ela tinha construído no processo do NEPEC, de todos os projetos, de toda pesquisa. Com isso, [...] nós perdemos a ideia do NEPEC, aquele sonho todo que eu tinha de entrar no NEPEC, que era o sonho de todo graduando, ou graduado, quem estava na pós.
Isto porque já não era possível o NEPEC dar conta, nós sofremos muito porque o sonho de consumo era ser NEPEC, todo mundo queria ter no seu currículo o NEPEC, e de repente não tínhamos mais, e nós vamos para lá com a ideia da Rede, e [só se falava em rede]. E era “Rede de Pesquisa, Intervenção”, porque era uma característica que Teresinha demarcava era o processo de intervenção, só que em Currículo e Trabalho. Então nós sabíamos que tinha essa construção. A ideia e alguns projetos vieram conosco, porque já se constituíam como projeto da Rede, que era o Xingó, que era o de Formação do Trabalhador, e outros projetos menores e os projetos dos orientandos dela, e nos mudamos para o ICI.
A mudança da rede para o ICI e dos autores-pesquisadores dão continuidade a história
relatada por Magris Nicolau (2015):
Então a princípio é uma “Rede de Intervenção, Currículo e Trabalho” e foi uma turma que entrou extremamente significativa, claro, todo mundo com aquela mesma situação de não ser NEPEC. Sim, nós somos o que mesmo agora? Nós somos Rede. Mas Rede? Nós não tínhamos o significado que já tinha [sido construído] no NEPEC. [...] era como se tivessem nos destituído de ser NEPEC, de uma história que já estava construída, de tudo que já tinha sido, porque assim, você entra no Núcleo, você recebe a herança, então todos os trabalhos que passaram ali, ainda que você não tivesse feito parte, você fazia parte, porque agora você é aquilo, e aí nós fomos sem história. Na nossa cabeça era isso, nós íamos começar do zero e a revolta que tínhamos ao dizer assim: “Poxa, Teresinha vai largar tudo para lá? Vai botar outra pessoa?” Aí ela pega o NEPEC, daquele jeito que você sabe que ela
190
faz, e dá de presente arrumadinho, [...] para [outro coordenador] e aquilo nos fez ficar inconformados [...],
“[...] não tinha jeito porque ela estava indo para uma nova administração, numa
situação delicada”, continua Nicolau Magris Nicolau (2015). Na época a Escola de
Biblioteconomia e Documentação corria o risco de ser extinta, então, esse convite, segundo
ela “[...] tinha para Teresinha um alto significado, que talvez nem nós, na época, dávamos
conta, pela idade, pela ausência de conhecimento [...] do que era a Universidade em si, e o
NEPEC”. Isto porque a Rede “[...] nos dá exatamente essa visão de conhecer a necessidade,
de conhecer a Universidade, seus trâmites”.
Nós passávamos por situações que eram diferentes de tudo aquilo que nós passaríamos em qualquer outro projeto de pesquisa, porque vinha auditoria de CNPq, [...] e nunca sabíamos como organizar as coisas, porque estávamos entrando num lugar que não tinha nada, até nos darmos conta. [...]
E aí fomos para Rede e começamos a nos constituir como Rede. Quem era Rede naquele momento? A Rede era Teresinha Fróes. Quem estava lá com ela? Eu, Alan Corsino, Luiza, as meninas que eram orientandas dela, Mônica, Jamile, em seguida entraram as pessoas do ICI, que é Lucimar, [...] Leila, Silvio, Levi Alan. A Rede começou a crescer. Paul Healey veio conosco para o ICI. Ele era do NEPEC, ele passou por Pós-doc, Visitante[...] e foi uma pessoa que nos deu muito suporte, talvez até porque conhecesse Teresinha a mais tempo, ou seja, na vivência de pesquisador com Teresinha
O pior, segundo Nicolau Magris Nicolau, é que “[...] todos os projetos de iniciação
científica ficaram no NEPEC [...]”, e para ela isto significava “construir do zero”. Entretanto,
a diferença estava na “[...] discussão dos espaços de aprendizagem”, porque eles levaram
“fortemente” na bagagem, embora as pessoas estivessem ainda no início, “começando a
trabalhar”. Então, essa discussão foi o que deu “[...] fôlego para a rede acontecer [...]”. Isto
porque, “[...] Teresinha falava conosco que o NEPEC era um espaço de aprendizagem, e nós
começamos ver que ele tinha força, [...]” e ainda que a rede também “era um espaço de
aprendizagem”. Isto foi um alento para o fato de “não ter identidade, não ter uma sigla etc.”.
Então resolveram fazer “um concurso para escolher um nome para a rede”. Disse ela que:
Nós movimentamos o ICI inteiro, [...] para [escolhermos] um nome para Rede. Uma sigla. Porque o NEPEC tinha uma sigla. O nosso problema estava naquilo, ou talvez o meu problema, porque talvez nem todo mundo estivesse nessa situação, [...] porque poucas pessoas passaram pela situação de transição.
Magris Nicolau (2015) continua buscando a história em suas memórias. "[...] A briga
era feia entre nós”, para responder a questão: “Qual é o nome? a cada hora se incluía uma
coisa, depois Teresinha já veio com a questão da informação, na cabeça dela tudo era muito
191
tranquilo de se entender, ela conseguia organizar, mas para nós era um conhecimento muito
novo, [...] era um negócio muito difícil [...]”. Resultado disso é que, “[...] tínhamos que
estudar o que era informação, o que era o sistema de informação, e [...] tudo em muito pouco
tempo”.
Então, fizemos o concurso da Rede e [o nome] era imenso: Rede [...] Cooperativa de Intervenção, Currículo e Trabalho, Educação. Que eram exatamente [os mesmos temas] do NEPEC, Educação, Currículo e Trabalho. Isso se manteve. [...] criamos e constituímos o nome, vários nomes [aliás], quando conseguimos terminar tudo, que chegamos [...] ao REDPECT, que não era escrito da forma como é hoje, [...] Teresinha chegou, ela sabia o que nós estávamos fazendo, nós mostramos a ela, [...] no outro dia já queríamos lançar o nome. Pense que ficamos até altas horas da noite. Teresinha fazendo numerologia, não sei o que mais, conta para lá, conta para cá, tira letra, bota letra, põe letra, [...] até que ficou exatamente o nome que temos hoje. E aí você vai ver que tem as sete letras, não tão de graça.
Fiquei encantada, disse “que legal, os sete orixás”! Então, na minha interpretação, a
preocupação de Fróes Burnham era com a energia que aquela sigla poderia inspirar. Como se
diz no ditado popular, ou transcender, porque “as palavras têm força”. Sobre isto, diz Nicolau
Magris Nicolau (2015) que,
[...] naquele momento muita gente achava aquilo uma loucura, mas nós ficamos pensando assim: como a tradição, como as origens, como isso tá tudo presente, mesmo no mundo acadêmico. E começamos a ver que aquilo ali não era simplesmente o mundo acadêmico, mas que ali cabiam todas as coisas, principalmente a nossa vida e era de tal forma que realmente vivíamos na Rede, dormíamos e acordávamos na Rede, isso era um processo sem fim. E foi quando saiu o nome e nos sentimos com identidade, autorizados.
“[...] Outro problema forte dentro da Rede naquele momento, era a construção do
processo de autonomia, o sofrimento da construção do processo de autonomia, porque
Teresinha nos provocava para construir uma autonomia que nunca tínhamos sabido o que era
[...]”, diz Magris Nicolau (2015). Apesar da maioridade de todos que participavam do
cotidiano da rede, muitos já graduados, trabalhando, não sabíamos. Isto porque, segundo ela
“[...] autonomia não é simplesmente tomar conta de si”. “Teresinha começou a dar
responsabilidades que nós achávamos que não tínhamos condições de ter”. Somadas a isso
“[...] vieram várias coisas: os Projetos de Iniciação Científica, [logo depois] os do ICI, que era
justamente a Construção dos Espaços de Aprendizagens da Cidade do Salvador, nos espaços
de informação, aí vem a ideia da (in)formação [...]”
192
Sobre a (in)formação, termo criado a partir dessa discussão/concurso sobre o nome da
rede, diz Mattos (2008, p. 17), em nota de rodapé, que Fróes Burnham et al (2002)95 coloca
que “[...] o termo engloba tanto a informação quanto a formação [grifo nosso] e procura
significar que a dimensão formativa (normalmente considerada como potencial) da
informação está sendo assumida enquanto processo concreto.” Diz ainda a autora que,
[...] A produção do professor é construída com base em metodologias para que o
aluno organize um saber que se propõe que ele construa. O aluno, sem esse suporte
metodológico, poderia produzir conhecimento ausente da figura do professor, o que
evidencia uma prática histórica do papel do professor, que também é aluno. Assim,
sem a (in)formação, o professor seria apenas aluno e não professor [...]. Dessa
forma, a interação entre professor-aluno independe do suporte tecnológico, pois o
objeto de comunicação é a (in)formação e não a tecnologia. [...]. (p. 23)
Assim sendo, a discussão sobre a “(in)formação” é muito mais que uma palavra
inserida no nome de um grupo de pesquisa. Lago (2005, p. 23)96, traz essa questão dizendo
que:
Há uma grande discussão sobre as implicações das tecnologias da informação e da
comunicação nos processos de aprendizagem: nos conteúdos, dispositivos e modos
como estão sendo processadas as informações na atual sociedade e para tanto a
proposta é de reflexão sobre a (in)formação, como processo de constituição do
sujeito humano.
Citando Fróes Burnham et al (2002, s.p.)97, na questão da “dimensão formativa [...]
assumida como processo concreto”, diz ainda a autora que
[...] englobando o termo [...], tanto a informação quanto a formação do individuo
social. Este processo é considerado “fundamental para a democratização do
conhecimento no âmbito de organizações privadas e instituições públicas e, por
extensão, que certamente, influenciará o comportamento dos cidadãos-trabalhadores
desses loci , em sua participação para uma sociedade mais solidária”. (LAGO, 2005,
p. 23)
Ainda pensando na “dimensão formativa”, e, somados a isso os “espaços de
aprendizagem, Lago (2005, p. 23) complementa a questão dos sentidos da (in)formação para a
rede dizendo que, o “[...] termo (in)formação é aqui compreendido, também como fluxo de
informações que favorece os processos de aprendizagem e a formação/educação do sujeito; é
a Informação para a Formação”. Diz mais, colocando seu objeto de pesquisa e suas tensões:
95
Referência completa: FRÓES BURNHAM, Teresinha et al. Gestão do Conhecimento no Nordeste Brasileiro:
Espaços de (In)formação e Trabalho. Workshop Brasileiro de Inteligência Competitiva e Gestão do
Conhecimento. 3.2002, São Paulo. In: Anais do Congresso anual da Sociedade Brasileira de Gestão do
Conhecimento, 1, 2002. São Paulo: SBGC / ABRAIC, 2002. 96
Autora-pesquisadora, em sua Dissertação de Mestrado. 97
Referência completa na Nota de Rodapé número 85 (p. 176).
193
Neste momento usada como título, tecnologias e (in)formação, representa o desejo
de que a articulação entre seus significados possa denotar a relação intrínseca que
existe entre elas. E são essas palavras que constituem os campos de estudo mais
gerais da presente pesquisa. A produção deste texto está construída sobre o território
das tensões entre as palavras tecnologias e (in)formação como espaço de
aprendizagem.
Complemento com Fróes Burnham (2003)98, todas essas questões implicadas e
imbricadas com o termo (in)formação, utilizado amplamente na REDPECT, ao dizer que,
[...] considera-se que este projeto99
possa, através dessas alternativas de Info-
Educacão, contribuir significativamente para a construção de uma Sociedade de
Aprendizagem baseada no imbricamento de atividades (in)formacionais e
produtivas, trazendo a aprendizagem para o local de trabalho e a experiência laboral
para os espaços de (in)formação, de forma a tornar a democratização da informação
/ conhecimento muito mais do que mero discurso e as organizações em espaços
multirreferenciais de aprendizagem. (p. s.p.)
A partir de todas as questões aqui colocadas, corroboro com Magris Nicolau (2015),
quando diz:
[...] nada tá aí de graça. Colocado para [...] atrelar [a rede] ao ICI. Não, era muito maior do que isso, não era porque nós estávamos no ICI que precisávamos ter a “(in)formação”, era porque a informação era constitutiva do trabalho que desempenhávamos e talvez o trabalho que ela [Fróes Burnham] já desempenhasse antes, e nós começamos a ver que isso fazia todo sentido. Então, quando o ICI, que ainda não era ICI, era Faculdade de Biblioteconomia e Ciência e passa a ser Instituto de Ciência da Informação, é claro que a Rede explode, [...] inclusive conosco [...], no sentido de que aumentou o número de trabalhos, nós tínhamos [muito] trabalho, a Rede crescia [vertiginosamente]. Nós não tínhamos noção, do tamanho, da dimensão que a Rede tomava.
Porém, em algum momento teria que acontecer essa conscientização, o grupo teria que
construir essa noção “[...] de que na verdade é a REDPECT que constrói a identidade do ICI
[...]”, mas isto só acontece, segundo ela,
[...] já no final do mandato de Teresinha, quando fomos finalizar os relatórios de gestão é que vimos que toda a construção do ICI é atravessada pela REDPECT. Seja a construção, a mudança para Instituto, a pós-graduação, a reorganização curricular. Todas aquelas coisas passaram pela nossa pesquisa. Estávamos ali fazendo a pesquisa, fazendo a escuta. Então, vimos de fato o que é uma Rede de Pesquisa para uma determinada Instituição. Não [só] para alavancar uma Instituição inteira, porque não era só o ICI, a Rede colocou o ICI dentro da Universidade numa condição que talvez ele não chegasse [nunca], apenas sendo uma unidade da UFBA.
98
Na época dessa discussão a REDPECT estava trabalhando com a pesquisa da Info-Educação, ainda como um
novo campo do conhecimento. 99
Gestão do Conhecimento no Nordeste Brasileiro: Espaços de Produção do Conhecimento e (In)formação de
Gestores. Vide Referências.
194
“Claro que muita gente pode não ter visto isto, mas é só ler a trajetória do ICI, a
história do ICI”, afirma Magris Nicolau (2015). E continua, a história pode “[...] até ser
contada sem falar da Rede, mas é impossível pra quem passou aquele tempo lá [...]”, não
perceber isso. E, estabelecendo certa comparação entre o “passado” e o “presente” daquela
época, diz ela que,
[...] foi tão impossível que mesmo depois quando acabou a gestão de Teresinha, muita coisa, muitos projetos, ficaram no ICI. E é depois inclusive que se fortaleceu o que? As linhas de pesquisa da pós-graduação. Foram através da Rede que se constituíram os Professores Titulares. Se formos investigar é que vamos ver, se formos esmiuçar essa história, vamos ver que tem muita coisa. [...]
[...] não sei precisar que outro grupo de pesquisa tem uma história tão rica como o NEPEC, a REDPECT. Não posso destituir da história o NEPEC, mas ao mesmo tempo nós sabemos que a REDPECT é completamente diferente do NEPEC, talvez seja isso que a faz ser tão rica, é a trajetória de uma pesquisadora como Teresinha, que não tem como não personificarmos. É impossível. Por quê? É como ela diz: “nada se faz de um único, mas de múltiplos”. Então, ela não se fez, ela nunca se fez sozinha, ela se fez desses múltiplos.
Sendo assim, recorro a Castoriadis (1982, p. 128), para fundamentar esses múltiplos,
que Fróes Burnham tanto fala em suas aulas, palestras, nas discussões, eventos e reuniões da
rede. Diz ele:
Desde que o pensamento é pensamento de alguma coisa, o conteúdo ressurge, não
somente no que existe para pensar, mas naquilo pelo qual ele é pensamento [...].
Sem esse conteúdo, só acharíamos no lugar do sujeito seu fantasma. E nesse
conteúdo existem sempre o outro e os outros, direta ou indiretamente. O outro está
presente tanto na forma como no fato do discurso, como exigência de confrontação e
de verdade (o que evidentemente não significa que a verdade se confunda com a
concordância de opiniões)
Nessa perspectiva, somos múltiplos antes mesmo de interagir com o outro no
“presente”, somos múltiplos no nosso inconsciente, implicitamente, no nosso corpo, conforme
diz ainda o autor,
[...] o suporte do sujeito e do não sujeito no sujeito, o eixo dessa articulação de si e
do outro é o corpo, esta estrutura “material” plena de um sentido virtual. O corpo,
que não é alienação – isso nada significaria – mas participação no mundo e no
sentido, ligação e mobilidade, pré-constituição de um universo de significações
antes de todo pensamento refletido.
Isto quer dizer que onde estivermos -, não importa o local, o espaço -, seremos o outro
e os outros, portanto, em tudo que pensarmos esses múltiplos estarão presentes, antes até,
conforme diz Castoriadis, de refletirmos sobre qualquer questão.
195
Com essa citação de Castoriadis, a história da transição de núcleo de pesquisa em nova
rede de pesquisa, o NEPEC e a REDPECT, respectivamente, vai finalizando. Porém não na
perspectiva de uma (trans)formação, mas sim na de uma “atualização”, conforme nos ensina
Magris Nicolau (2015), em sua entrevista, a partir dos saberes vividos com Fróes Burnham e
a “troca” entre seus “múltiplos”:
Então assim, tudo que [Fróes Burnham] nos deu ela recebeu, e foi por [...] receber e saber lidar com o que recebeu, ou seja, por todo mundo que passou por ela, por toda experiência de vida dela, pela própria experiência do NEPEC. Então assim, deu a Rede uma construção com um significado muito maior. Você vê que [...] a Rede [...] vai se multiplicando, e eu não vou dizer que ela vai se modificando. Não, não acredito que é uma mudança, eu digo sempre, a Rede se atualiza, como um clique no mouse, como fazemos, como você acabou de fazer, em relação à tela [do seu celular]: “está dormindo; quando você abre, acorda”. Então é como quando nós estamos com uma página no computador e de repente nós saímos um pouco, largamos um pouquinho e voltamos, quando voltamos, vamos lá no clique do atualizar, e essa atualização traz, emerge novas questões, novas proposições. Novas visões. É como o próprio Felipe Serpa dizia: “novas precipitações”. E eu lembro que em algumas discussões dele e Teresinha em algumas bancas, ele dizia a ela que “ficava feliz por ver a aprendiz superando o mestre [...]”.
É muito lindo! Então, aí começamos a entender que aquilo que ela construía, era uma construção do que ela fazia nela mesma. O que não é fácil, nós sabemos, que para nos manter nesse processo de atualização, que não é de modificação, que é muito mais que uma transformação, porque era uma coisa que ela nos ensinava para entendermos as questões da tecnologia, do que a tecnologia podia nos proporcionar, então, essa ideia de atualizar-se é muito diferente do que modificar-se, do que transformar-se.
Adoto daqui em diante esse conceito de atualização, que na minha interpretação tem
em seu bojo a “modificação” e a “(trans)formação”, segundo o discurso de Magris Nicolau
(2015), passando em seguida para a primeira categoria de análise das entrevistas dos autores-
pesquisadores: “Evidências que indicam o processo de construção colaborativa do
conhecimento”.
Evidências do Processo de Construção Colaborativa do Conhecimento: Na rede,
em rede, sem distinção de título acadêmico
A segunda parte dessa história é contada a partir das memórias vividas no cotidiano da
rede pela Professora Maria Lídia Pereira Mattos (MATTOS, M. L. P.)100, a Professora Maria
100
Faço breve apresentação de Mattos na nota de rodapé número 82, na página 158.
196
Luiza Coutinho Seixas (SEIXAS, M. L. C.)101, e o Professor Raimundo Cláudio Silva Xavier
(XAVIER, R. Claudio S.)102. Para Seixas (2015) essa história começa no ano de 1999, para
Mattos (2015) em 2000 e para Xavier (2015) em 2002. Portanto no período de “1999 a 2002”.
Essa foi uma das entrevistas que fiz com características de grupo focal, conforme
mencionei anteriormente. Isto enriqueceu ainda mais os saberes e práticas que emergiram das
memórias desses autores-pesquisadores. A princípio pelo acolhimento de Mattos, ao nos
receber com sua peculiar hospitalidade, e depois pela cumplicidade e afetividade que se
instalou no ambiente durante nosso encontro.
Inicio então essa história com o relato da experiência de entrada de Xavier (2015), do
qual todos compartilharam e estabeleceram links com suas próprias histórias.
[...] eu andava [muito] nessa época com Patrícia [...] éramos efetivamente colegas. Mais do que colegas da Universidade, no caso na UNEB, éramos também colegas no mestrado, [...] aquela coisa que era nova. Mas aí ela me apresentou a Maria Lídia, e, eu lembro que foi num período muito fantástico. Foi assim que eu conheci a rede, porque tinham os seminários e tinha toda semana os dias desses encontros, dessas reuniões, aqueles encontros que eram para a formação do pesquisador.
[...] eu peguei Maria Lídia falando com Patrícia algumas vezes: “você tá sumida, não aparece para os seminários, os encontros”, não sei que, “sim mas tinha que apresentar não sei que”. Eu acompanhei várias vezes essas cobranças.
Um belo dia eu estava sozinho, eu não estava com Patrícia. Aí ela me agarrou pelo braço, abriu a porta da sala, onde estava acontecendo a reunião da Rede, e falou assim: “você não quer participar das reuniões da Rede não?” “Ah, Patrícia já me falou”, “mas ela não tem vindo”, “venha agora”. E eu caí assim e tal. Estava acontecendo, e é engraçado, porque foi assim uma coisa meio mágica, [...] era mesmo a formação do pesquisador.
O que é que estava sendo discutido ali? Metodologia, pesquisa. E era uma coisa religiosa, se eu não me engano era tipo: terça e quinta, eram dois dias na semana, era uma coisa religiosa. Estava lá era Seminário de Formação. Então tinham os grupos [...].
E Seixas (2015) complementa: “[...] porque Teresinha tinha um negócio de orientação
coletiva, lembra?” Ele confirma e ela continua: “Que você foi participar, não foi?” Faço uma
101
Seixas possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal da Bahia (1998) e mestrado em Educação
pela Universidade Federal da Bahia (2006). Atualmente é Professora Assistente 2, da Universidade Salvador.; e
também integrante da REDPECT e autora-pesquisadora. 102
Xavier é Professor Adjunto na Universidade do Estado da Bahia-UNEB, Doutor em Ciências e Tecnologias
da Comunicação (Departamento de Comunicação e Arte, Universidade de Aveiro, Portugal - 2008) com bolsa
CAPES; Mestre em Educação (Currículo e Tecnologias da Comunicação UFBA, 2004). e também integrante da
REDPECT e autor-pesquisador.
197
pausa para pontuar as “orientações coletivas” como evidências de construção colaborativa do
conhecimento. Mas no decorrer dessa narrativa isto emerge.
Xavier (2015) continua:
[...] orientação coletiva, exatamente. Eu cheguei a participar, nossa. Isso eu peguei depois desses “Seminários da Formação do Pesquisador”, mas já acontecia, era uma coisa intercalada. Então aí tinham os bolsistas que estavam fazendo TCC, os orientandos etc. Era um grupo grande, a sala ficava cheia, e todo mundo participava, era uma aula.
Com a intervenção de Mattos (2015) dizendo que “[...] era um aulão [...]” e a
aquiescência de Xavier, “[...] um ‘aulão’ maravilhoso, [...] é a melhor memória que eu tenho
da rede”, aproveitei para questionar: “Era um momento de construção colaborativa do
conhecimento?” O grupo todo se manifestou, mas cada um apresentando uma interpretação da
questão: “Sim, mas não se falava disso, não se falava de colaborativa” (MATTOS); “[...] não
se falava de jeito nenhum, mas todo mundo participava, porque isso vem depois” (XAVIER);
“Você está trabalhando com a categoria do cotidiano? Tem que trabalhar, porque ela se dava
no cotidiano da rede” (SEIXAS).
Foi um momento de descobertas. Na fala de todos estava implícito que, embora o tema
não fosse estudado como tal era uma prática que se concretizava a partir do cotidiano na/da
rede. Então, eram dois eventos construídos colaborativamente o “Seminário de Formação de
Pesquisadores” e a “Orientação Coletiva”. Portanto duas evidências dessa construção. Além
disso, “a categoria” do “cotidiano” conforme Seixas apresenta. Este sim, era um tema novo
emergindo.
Para fundamentar o “cotidiano”, na busca da compreensão de tê-lo como base de
sustentação teórica da rede trago inicialmente, a visão da sociologia em Maffesoli (2007),
quando diz que “existe”
[...] efetivamente, um “conhecimento” empírico cotidiano que não pode ser
dispensado. Esse “saber fazer”, “saber dizer” e “saber viver”, todos dotados de tão
diversas e múltiplas implicações, constituem um dado cuja riqueza a fenomenologia
tem, com inteira justiça, posto em destaque.
Esse “conhecimento empírico cotidiano”, considerando a rede como parte do objeto de
análise desse estudo, e o exercício desses saberes citados por Maffesoli: fazer, dizer, viver,
emergem em várias entrevistas, inclusive desde o NEPEC. Quase tudo o que acontece na rede
são saberes na “prática” acontecendo no dia a dia, embora não sem respaldo teórico, como
disse Sá (2015) em sua entrevista. Por isto Seixas recomendou que buscasse compreender o
198
conceito de cotidiano, para analisar o de colaboração, já que era implícito, embora explicitado
no cotidiano, na ação dos autores-pesquisadores.
Encontrei também em Maffesoli (2007, p. 71) uma frase que talvez possa mostrar o
porquê desta questão: “[...] a vida cotidiana apresenta sempre várias possibilidades, pois não é
unívoca. [...]”. Isto pode ser uma fonte inesgotável de pesquisa, portanto um espaço de
aprendizagem muito rico. Além disso, há a possibilidade da compreensão do mundo comum
compartilhado na interação com o outro, ou outros, e suas diferenças, alteridades.
Em Berger & Luckman (1985) – ainda com a visão da sociologia -, achei respaldo
teórico para a compreensão dessa interação com esses “outros”:
[...] os outros têm uma perspectiva deste mundo comum que não é idêntica à minha.
Meu “aqui” é o “lá” deles. Meu “agora” não se superpõe completamente ao deles.
Meus projetos diferem dos deles e podem mesmo entrar em conflito. De todo modo,
sei que vivo com eles num mundo comum. O que tem a maior importância é que eu
sei que há uma contínua correspondência entre meus significados e seus significados
neste mundo que partilhamos em comum, no que respeita à realidade dele. A atitude
natural é a atitude da consciência do senso comum a muitos homens. O
conhecimento do senso comum é o conhecimento que eu partilho com os outros nas
rotinas normais, evidentes da vida cotidiana. (p. 36)
Então, refletindo: se a rede trabalha com formação de pesquisador num ambiente
complexo, plural, multirreferencial, esse exercício de respeito à subjetividade do outro, ou
outros, é também um exercício ético, político. Se as construções do conhecimento são feitas
de maneira colaborativa, se o ambiente é compartilhado, se a “[...] realidade da vida cotidiana
[...] apresenta-se a mim como um mundo intersubjetivo, um mundo de que participo
juntamente com outros homens.”
Esta intersubjetividade diferencia nitidamente a vida cotidiana de outras realidades
das quais tenho consciência. Estou sozinho no mundo de meus sonhos, mas sei que o
mundo da vida cotidiana é tão real para os outros quanto para mim mesmo. De fato,
não posso existir na vida cotidiana sem estar continuamente em interação e
comunicação com os outros. (BERGER & LUCKMAN, 1985, p. 36)
Para isto, eu, como participe desse espaço de aprendizagem do pesquisador, necessito
conhecer as especificidades do conceito de cotidiano, preciso estudá-lo com os diversos
autores, sejam eles da área de psicologia, sociologia etc. Essa é a lógica da REDPECT.
Depois dessas considerações sobre o cotidiano, retomo então a entrevista, na fala de
Xavier (2015),
[...] nas orientações, todo mundo tinha uma coisa muito interessante, eu não posso deixar de falar. Todo mundo trazia uma coisa com seus orientadores. Grosso modo que, os orientadores não orientavam, que
199
deixavam solto, não esclareciam: “ah, mas isso eu não vi com meu orientador”, “ah, mas não sei que”, e eu tive uma experiência, que fiquei na verdade completamente solto, não só fiquei solto, eu fiquei completamente solto, sem orientação. Minha orientação no Mestrado foi na rede, Teresinha não era minha orientadora, mas Teresinha foi quem me orientou, a rede me orientou, porque não foi uma coisa só de Teresinha.
Seixas (2015) complementou: “Não foi a persona, foi o corpo Redpectiano” e ele
complementou:
[...] não foi a persona nas disciplinas que eu fiz no mestrado, foi a participação do grupo, a apresentação do grupo, o que os colegas do grupo pesquisavam e traziam como novos elementos que se encaixavam, as trocas nos corredores. Então foi isso que para mim foi o meu mestrado. Meu mestrado, minha escola, meu mestrado nesse sentido foi ali, se eu tiro isso e fico pensando nas disciplinas e no próprio programa em si, não teria me acrescentado nada.
Com essa colocação Xavier (2015) reconhece a importância da participação ativa na
REDPECT, no seminário de formação de pesquisador, nas orientações coletivas e nas
(inter)transubjetividades no grupo e ainda coloca a rede como sua “escola”. Em seguida
Mattos (2015) conta sua experiência com os seminários:
Quando eu fiz o seminário com esses meninos na rede, caiu minha ficha na formação de pesquisador. Alan tinha passado pela rede e tinha começado a pensar num curso de formação de pesquisador. Eu comecei a trabalhar minha cabeça na questão da formação, porque eu entendia que eu tava sendo formada, mas isso não era formalizado. Então, o primeiro passo foi [...] sentar com Teresinha, e nós dissemos “não vamos montar um curso, vamos fazer eventos que façam parte de uma formação”.
Foi quando apareceram esses dias de reunião, que era de formação, onde eu [...] trazia [...] professores de outras unidades. Teresinha me dizia: “é fulano, é beltrano”, ela entrava em contato, e eu, conversava com as pessoas, fazia um atestado para esses professores colocarem no Currículo Lattes e eles vinham, davam uma aula para o grupo. Por exemplo: teve um trabalho que foi feito na REDPECT, uma [...] aula sobre “Oralidade”, de Ubiratã de Castro Esse texto é um dos textos mais bonitos, fui eu que transcrevi.
Mattos conta ainda, a história do “Jornal Nagô”, que passa de boca em boca, mas não
tem registro. A partir disso, eu dou uma pausa para refletir sobre essa questão da falta de
registro das realizações da REDPECT e do passar de boca em boca a história, uni as duas
coisas, e então me questionei: Será que esta questão não se justifica na Ancestralidade, do
implícito nessas comunidades, que refletiram no conhecimento ancestral das vivências do
coletivo da rede e também das experiências contadas por Teresinha nas entrevistas, nas
reuniões, palestras? Pode ser que isto faça parte do conhecimento implícito construído nessas
experiências que cada um traz para a rede em suas narrativas, mas que não são registradas
200
formalmente. Fragmentos de memória, de construções colaborativas efetivadas em diversos
espaços de aprendizagem nos quais circulam as experiências de vida, as tra(ns)jetórias. Deixo
essa questão em aberto para outras reflexões, minhas, ou não.
Deixando o “devir” a parte, retorno à fala de Mattos (2015):
Então, foram coisas assim, [...] vividas por mim, e muito da minha cabeça. Eu entrava nessas maluquices de fazer isso acontecer, [...] foi quando Cláudio vê [...] que era a formação do pesquisador, que não existia formalidade, [...] que não se deu na grade curricular [...] etc.
Seixas (2015), complementa a fala de Mattos:
[...] se nós formos pensar se dava na tensão. Como é que é aquele currículo, que estávamos pensando em formação de pesquisador? Estávamos pensando no currículo, [...] que era produzido na questão do dia a dia.
Com a retomada do cotidiano por Seixas, refletindo sobre o “currículo da formação do
pesquisador”, encerro a contribuição desse grupo para “as evidências do processo de
construção colaborativa”. Trago então, as contribuições, para esta categoria, do Professor
Marcelo Matos de Oliveira (OLIVEIRA, Marcelo Matos)103. Oliveira (2015), entra nesta
história da REDPECT no ano de “1999”.
A princípio Oliveira (2015), fala das produções de textos:
[...] ficam na memória os produtos. Aquelas coisas que se materializaram em artigos. Participei dessa coisa dos intertextos. Naquela época tinha muita reunião também, [...] e era orientação coletiva e tinha muito projeto também, me lembro de ter escrito muito projeto na rede.
Além de ter mencionada a orientação coletiva como evidência de construção
colaborativa do conhecimento, Oliveira (2015), conforme o grupo de Matos, Luiz e Xavier
tinha comentado, traz três novas evidências dessa construção: os artigos, os intertextos e os
projetos. Todos estes exemplos eram construídos coletivamente, de maneira colaborativa.
Como ele menciona os projetos, questionei se eram de consultoria ou projetos guarda-chuva e
ele respondeu:
[...] na época não tínhamos ainda muito projeto guarda-chuva não. Tinha uma época que os guarda-chuvas eram criados, mas os projetos eram captados, menores [...]. Aí eu não lembro. Eu me lembro de ter escrito muitos projetos, virotes de noite, ir pra rede, dormir na rede, ir pra casa de Teresinha pra dormir na casa de Teresinha, aí um sai outro entra, vai aquela coisa, Ave Maria! Quando surgiu o “google docs” foi uma revolução. Disse: nossa não precisa mais dar virote, é só botar no google docs que [...] e
103
Oliveira é: cineasta, produtor, e professor substituto de cinema da Universidade Federal do Recôncavo
Baiano. Possui graduação em Psicologia (2002) e Mestrado em Educação, pela Universidade Federal da Bahia
(2006).
201
também o wiki, tinha umas plataformas de compartilhamento de texto, até hoje tem. Muito da relação que eu tenho com [...] essa tecnologia. Porque é uma tecnologia isso, você construir textos com outros.
Nessa fala, Oliveira (2015) expõe as dificuldades que o grupo tinha para construir
textos coletivamente, até surgirem as plataformas de compartilhamento de textos. Mas, surge
uma nova questão referente ao processo de construção coletiva/colaborativa. Ele trata este
processo como tecnologia, quando diz: “[...] é uma tecnologia isso de você construir textos
com outros”. Até então nenhum(a) entrevistado(a) abordou o tema dessa maneira. Ele
complementa a questão da utilização da construção colaborativa como ferramenta dizendo
que: “Esse construir colaborativamente é uma tecnologia, e hoje eu consigo usar isso, tipo
assim, muitas vezes, como ferramenta. E é consciente [...] Eu sei que isso não é todo mundo
que sabe fazer [...].”
Oliveira continua a narrativa, ainda falando sobre as dificuldades de construir texto,
mas dessa vez generaliza: “Porque não é fácil você construir texto.” Pensando na questão
colaborativa eu disse: “Ainda tem a disputa de espaço de poder”. Ele radicalizou: “[...] de
poder? tem uma série de coisas aí.”
E essa coisa do construir conhecimento colaborativamente, na rede e em rede, sem
distinção de títulos acadêmicos? Indaguei e ele respondeu:
Na rede tinha isso assim, porque a [...] pluralidade das pessoas ali [...] você tinha níveis em relação à academia. Você tinha doutor, tinha mestre, tinha graduando, tinha uma época que tinha até aluno de ensino médio na rede. Aí você imagine [...] a loucura que não era. Mas ao mesmo tempo era interessante ver como a maneira, a aura da rede, ela não valorava muito isso, no sentido do poder da palavra. Claro que institucionalmente isso tem um peso. Se você está numa reunião, ou na discussão de alguma coisa, quando um doutor fala, mas é mais por uma questão de habilidade, por uma questão de verdade da palavra, ou de razão da palavra, é mais a habilidade do falar mesmo, assim... que o timbre intimidava. Mas quem se arriscasse a falar, falava e isso tinha o mesmo peso da palavra de um doutor, de um pós-doutor, isso não era questão. Isso era interessante.
Oliveira (2015) confirma a questão do construir colaborativamente na/em rede, sem
distinção de título. Inclusive enfatiza a aura da rede como responsável pela não valorização
dessa questão, na realidade, até coloca como uma questão pessoal, uma decisão individual de
se arriscar ou não.
Com a apresentação dessa fala, finalizo a ilustração da análise do processo de
construção colaborativa do conhecimento e conduzo o texto para a próxima categoria de
202
análise: “Bases teórico-epistemológicas que sustentam esse processo de construção
colaborativa na rede”.
Bases teórico-epistemológicas que sustentam esse processo de construção
colaborativa na rede;
Aqui trago não só a terceira parte da história da REDPECT, contada a partir das
memórias dos autores-pesquisadores, como também as bases teóricas que sustentam o
processo de construção colaborativa nessa rede de pesquisa. Principio esse segmento através
de um recorte/texto selecionado/elaborado da entrevista da Professora Marilene Lobo Abreu
Barbosa (BARBOSA, M. L. A.)104, que inicia sua história de vida na rede no ano de “1999”.
Para entrar especificamente na questão das bases teóricas que sustentam o processo de
construção mencionado, Barbosa (2015) primeiro aborda sua experiência de adaptação na
“área acadêmica”:
[...] a verdade é que quando [...] eu trabalhei no CEPED105, que era uma área técnica de pesquisa, [...] onde você vira técnico, você não tem um momento de leitura e reflexão, como você tem quando está [...] na universidade. Essa é que é a verdade. Tanto que quando nós vamos para o mestrado, doutorado, [...] saindo de um trabalho técnico, temos certa barreira até conseguir [compreender as questões]. Por isso que o pessoal que é da área dá o salto. E você, até começar a refletir mesmo, do ponto de vista teórico, é um tanto complicado.
Concordei empaticamente com Barbosa, porque como meu processo de adaptação foi
similar ao dela, senti mais ou menos as mesmas coisas. Então disse: É nas primeiras leituras
eu não entendia nada, nada mesmo. Continuando a história ele confirmou:
[...] exatamente, falta um método, falta uma prática de fazer aquilo, porque quando você está na vida profissional, tudo é para hoje, é correndo, nós não conseguimos pensar muito, [tudo acontece no] fazer, essa é que é a verdade. Quando entramos na área acadêmica não, nós começamos a refletir. Sentimos a necessidade de teorizar, pronto, é isso aí que precisa. Então, “eu faço isso porque isso”, tem que ter a razão por que eu faço, e a razão por que eu faço é a teoria, essa é que é a verdade.
Nesse dialogo com Barbosa (2015), como ela também veio da vida profissional para a
academia, acabei tendo uma visão diferenciada dessa questão, e, de certo, foi muito
104
Barbosa é bacharel em Biblioteconomia pela UFBA (1966) e licenciada em Letras Vernáculas pela
Universidade Católica do Salvador (1972); tem o Diplôme d'Études Approfondies en Information Scientifique et
Technique, pela Université Aix-Marseille III e o Mestrado em Ciência da Informação pelo Instituto de Ciência
da Informação da Universidade Federal da Bahia (2005); é também autora-pesquisadora da REDPECT. 105
Centro de Pesquisa e Desenvolvimento – CEPED.
203
importante perceber a visão dela sobre o fato. A premência da reflexão, da “necessidade de
teorizar”, sem uma formação, nem teórica nem prática, adequada para isso, causa “certa
barreira até conseguir”. Você percebe que não faz por que faz, mas sim porque tem uma razão
para isso e essa razão, segundo ela é a teoria. Como ela bem colocou, “até você começar a
refletir mesmo, do ponto de vista teórico, é um tanto complicado”, mas, digo eu, quando você
consegue é a glória! Uma realização ímpar! Lembro que nas minhas primeiras leituras eu não
entendia nada, por não ter tido a oportunidade de “um momento de leitura e reflexão, como
você tem quando” está na universidade. Essa compreensão, só acontece com o tempo, com
muitas leituras, discussões teóricas e muita reflexão.
Depois deste aparte, voltamos ao referencial teórico e Barbosa (2015) retomou
dizendo:
[...] era meu Deus do céu, nós trabalhávamos. Esse projeto mesmo [que estou tentando lembrar] era uma base. Eu vou levantar isso pra você, porque sinceramente essas coisas já estão um tanto esquecidas na minha memória, mas nesse projeto e outros que eu tinha da rede, que talvez ainda tenha [...], traz muito essa visão do que tínhamos discutido. [...] Muito [...] a questão da “Educação”, [...] das “Metodologias”. Que era uma coisa que nos faltava muito. [...] “Métodos” o “desenvolvimento de pesquisa”, o fato de “não ser ortodoxa”. E até assim, uma discussão que nós tínhamos muito era de não trazer a metodologia [...] das “áreas duras”, “física”, para as “áreas sociais” da forma que ela era, [...] sem uma adaptação, sem é um teste sobre isso. E essa discussão, por exemplo, do “discurso do método”, que não poderia servir como ele era dentro das áreas sociais. Então, nós trabalhávamos, discutíamos muito isso aí. “Multirreferencialidade”, ”Complexidade”. Inclusive esse trabalho que nós apresentamos lá na Sociedade Brasileira de Gestão do Conhecimento, era sobre isso, “multirreferencialidade”.
Intervi: porque a complexidade em Morin é social, não é matemática. Ela aquiesceu.
Então, neste momento faço uma breve retrospectiva para pontuar as bases teóricas que
Barbosa levanta nessa sua narrativa. Ela citou: educação; pesquisa, quando fala de
metodologias, métodos, desenvolvimento de pesquisa, o fato de não ser ortodoxa; a discussão
para adaptar as questões teóricas das ciências chamadas “duras”, as exatas, por exemplo, a
física, sem uma reflexão sobre sua adaptação às ciências humanas, inclusive as da área social
também, exemplificando com a reflexão do “discurso do método”. Barbosa finaliza essa fala
com a multirreferencialidade e a complexidade, na visão de Morin. E complementa falando
dos autores estudados, à medida que eu incentivava sua memória:
[...] sabe que nós estudamos muito também o outro Francês, que não é Morin., o Ardoino. Castoriadis também, Pierre Lévy, trabalhamos também
204
com Lévy, até fomos para palestra dele [...]. [...] “inteligência coletiva”, isso, [...] discutíamos isso com Pierre Lévy.
Neste ponto, retomei a discussão sobre a metodologia e o método que ela citou,
questionando: Essa discussão que você traz da metodologia e o método, seria uma discussão
mais para a área social? Para o qualitativo, não é isso? A (trans)formação de quanti em quali?
[...] isso. Porque a discussão dessa metodologia na verdade, era muito assim, [...] as pesquisas até então eram muito baseadas em, ou durante muito tempo, muito centradas na pesquisa científica como era o “discurso do método”. Então o pesquisador tem que tá afastado, aquelas teorias. Então se discutia se na área social seria realmente assim.
Uma visão antiga da pesquisa, não é? Questionei.
[...] isso é. Até por que, pelo que eu conheço das ideias de Teresinha e tal, não era mesmo. Então essa era a colocação, tenho que ficar assim: “o pesquisador tem que ficar afastado do seu objeto?” Não era mesmo.
Muito pelo contrário, na rede todos têm que trazer a sua história de vida. Corroborei
com ela, que deu continuidade:
[...] não é assim. Então a discussão era muito essa. Assim, até mesmo da discussão do projeto: “todo projeto tem que ter hipótese”. Não é, então tinha muito disso aí, porque nós, do grupo, que éramos os seguidores, éramos ainda muito inseguros, não tínhamos muita vivência nisso aí, então nós discutíamos muito [...]. Assim, não sei se isso era a metodologia, mas era a metodologia de construção ali dos projetos de pesquisa, da pesquisa em si. E essa coisa foi evoluindo: “não é só a pesquisa é o ‘conhecimento’”, pronto a evolução é essa. Então, num momento diz, mas não é só a construção da pesquisa é a “Construção do Conhecimento”.
Quer dizer, você tá construindo conhecimento. Deve ter sido fantástico esse processo.
Incentivei. Aqui surge outra base teórica que sustenta a construção colaborativa, “a
construção do conhecimento”.
[...] é, e aí veio a ideia: “Como se constrói o conhecimento?”; “Como a criatividade está envolvida aí nessa construção do conhecimento? Entendeu? Então a evolução é nesse sentido, nessa linha.
Fiz eco à narrativa de Barbosa (2015): então o pensamento central era a construção do
conhecimento. Afirmei e ela corroborou:
[...] era a construção do conhecimento. Nós dizíamos que era da pesquisa, mas na verdade, no início, nós iniciantes, fomos evoluindo e Teresinha foi mostrando isso: “não, não é da pesquisa, é a construção do conhecimento. Na medida em que você está discutindo, inclusive os passos de como faz é a construção do conhecimento”. E é mesmo.
Com o surgimento de mais uma base teórica que dá sustentação a “construção
colaborativa do conhecimento”, Barbosa (2015) encerra sua contribuição nesta categoria de
205
análise. Deste ponto em diante os fragmentos de memória referentes a esta base teórica serão
de Oliveira (2015). Sua fala inicia exatamente do último ponto que foi abordado por Barbosa,
embora ele o trate como “produção do conhecimento”:
[...] a produção do conhecimento [...] envolve uma estética de produção. Uma coisa é chegar para o...
Interrompi: A metodologia. Ele completou:
É, a metodologia é “estética”, Isso eu saquei na rede. Ela [...] tem a haver com [...] essa capacidade expressiva. Aí isso é ciência, isso é arte, não interessa o que é que é isso.
Retruquei: Nem nós sabemos dizer. Ele disse, sem completar a frase: “Por que...”, e eu
complementei: Porque se você trouxer simplesmente o teórico e o epistemológico as vezes
não dá conta.
Nesse momento ao analisar essa entrevista, “coincidentemente” e imediatamente após
a análise dos fragmentos de memória de Barbosa (2015), percebo que Oliveira (2015), estava
fazendo o mesmo que Fróes Burnham fazia com o grupo na época de Barbosa, quando ela
conta que de pergunta em pergunta, ela conduzia o grupo até descobrirem que na realidade
estavam construindo conhecimento.
Então, como diz o dito popular “caiu minha ficha”. Ele, assim como Fróes Burnham,
estava me conduzindo a construir conhecimento, a compreender como de fato a rede funciona,
do ponto de vista teórico e epistemológico. E o que é mais fantástico, a descoberta foi
triplamente interessante: primeiro por que aconteceu a partir de um novo conceito, a estética,
nesta análise considerada como mais uma evidência da base teórica do processo de construção
coletivo/colaborativo na/em rede; em segundo, pela surpresa de ter percebido uma experiência
de “construção colaborativa do conhecimento” acontecendo na minha frente, de maneira
colaborativa, e comigo participando ao mesmo tempo do processo; e terceiro, porque ele
também estava construindo conhecimento, neste “ping-pong”, de forma dialógica. Com a
tecnologia, a ferramenta da construção colaborativa, como ele fala anteriormente na categoria
de análise do processo de construção.
E era efetivamente um processo colaborativo, porque eu estava dialogando com
ambos, Oliveira e Barbosa. Com ele conscientemente e com ela inconscientemente. Foi como
se eu estivesse numa plateia assistindo e participando, a/de um filme cujo título seria: Como
se “constrói o mosaico colaborativo” ao “vivo”, e a “cores”. Foi incrível! Isto me remeteu
206
a Castoriadis (2009) e ao “labirinto do pensamento”106: “Pensar [...] é [...] entrar no Labirinto,
[...] exatamente fazer ser e aparecer um Labirinto [...]”. Mas, isto será mais
detalhado/comentado/explorado nas considerações finas desta investigação, na Tessela 7.
Retomo então o dialogo com Oliveira (2005), que confirma a minha afirmativa de que
“simplesmente o teórico e o epistemológico as vezes não dá conta”, dizendo:
Não dá conta.
Retruquei: As vezes não, quase nunca. Ao que ele respondeu:
[...] quase nunca dá conta, porque aí tem outra coisa também que é importante, que isso foi muito a rede também, que é o modo de vida, a maneira como se vive na rede, ali. A maneira das reuniões, a maneira como o conhecimento é tratado, a maneira como o conhecimento é compartilhado, tudo isso, isso é estética. Isso reflete [...] no conhecimento lá, quando ele vai lá para o suporte. Quando você tenta colocar ele no papel, no filme, no seja lá o que é que for.
Ele esclareceu:
Porque se você tem uma maneira de produzir conhecimento que é uma maneira hierárquica, você vai ter uma estética de conhecimento hierárquica também. Se você tem uma maneira que é mais coletiva de produção, você vai ter outro tipo de conhecimento lá na ponta. Isso influencia lá na maneira como o conhecimento imprime no papel, como imprime na tela, que é questão estética mesmo assim.
Fiquei admirada com toda a reflexão que Oliveira (2015) fez sobre a estética e disse: E
isso é fortíssimo! Ele retomou confirmando:
Isso é fortíssimo!
Tem uma imagem que eu gosto de usar também que é da aura, no sentido assim, que a rede ela é uma aura também. [...] A impressão que me dá é uma aura, no sentido [...] de clima, de uma organização, porque diz assim: “como é que é caótico e não se desfaz”. Porque tem um princípio organizativo naquilo.
Reforcei: Tem a autorganização. Eu trago a autorganização como parte do processo de
construção colaborativa. Ele confirma:
Exato. Isso é Teresinha. [...] Isso realmente, é ela mesmo, eu acho. Por mais que ela queira negar, é inegável. Porque ela é a criação dessa aura mesmo. Eu entendo quando ela nega esse lugar, mas eu acho que é mais uma negação estratégica do que epistemológica.
106
Ver citação completa no capítulo/tessela 5, página 181.
207
Dei minha opinião sobre esta colocação: Você esclareceu isso para mim, eu não
conseguia compreender. Sendo assim, talvez seja para não morrer esse espírito criativo que
ela tem, esse espírito inovador, essa coisa da visionária.
É, porque tem essa coisa mesmo. [...] Acho que Tê faz uma confusão, que eu não sei até que ponto é confusão. Mas tipo assim, o sujeito dela não tem a haver com a autoria da rede, a autoria ela é coletiva. Que nem um filme. Quando você faz um filme, quando você dirige um filme, a autoria não é sua, enquanto diretor. Porque o cara que vai fazer direção de arte, as cores que ele vai colocar é que vão aparecer; é o autor que você tá filmando que não é você, entendeu? É o cara que tá com a câmera na mão, que não é o seu olho é o olho de outra pessoa.
Depende de “N” pessoas, não é? Questionei e sua resposta foi
[...] então, são “N” pessoas construindo uma coisa, tudo bem que você está dando, você cria uma aura para aquilo ali [...]
Ficou lindo esse negócio da aura! Elogiei e ele continuou:
[...] você criou, você fez, “oh gente o roteiro é mais ou menos isso aqui que eu estou imaginando, mas isso aqui é só minha imaginação. Não sei se vai ser isso” [...] e aí, “como é que nós fazemos isso aqui?” Ou,” não tem isso aqui”, “não tem esse roteiro”, mas “eu tenho mais ou menos uma ideia que é”, sei lá, “fazer um grupo de pesquisa que seja colaborativo, a criação “dessa...”
Entidade? Complementei e ele respondeu:
[...] é, mas é uma “entidade vazia”, porque ela precisa ser vazia para que as pessoas deem sentido a ela, entendeu?
Ai que lindo Marcelo! Elogiei incentivando. Voltei ao dialogo com Oliveira dizendo:
Se, é uma construção colaborativa, no momento que eu estou aqui com você... Ele
interrompeu:
É, mas é isso também, assim, a colaboração também envolve descolaborações. Não existe colaboração...
Fiquei atônita e perguntei: É? Total, 100 por cento?
Total sempre, porque é ego. Tem ego envolvido, e quando o ego bate com outro ego ele não colabora, ele quer disputar território, ele quer disputar poder, entendeu? Mas eu acho que o barato da rede é que apesar disso ela se manteve, porque isso rola, em qualquer lugar isso rola, qualquer filme...
É uma questão de dinâmica de grupo. Complementei. Com esta fala de Oliveira
(2015), percebi que mais uma questão do mosaico colaborativo, conceito secundário do mapa
conceitual deste estudo, emerge no dialogo: a “dinâmica de grupo”. Além disso, surge uma
nova questão a “(des)colaboração”, um conceito que denomina os “pontos nevrálgicos”
desse processo, que envolve disputa de poder, de território. Como esta investigação trata de
208
uma rede plural, multirreferencial, posso dizer a disputa por privilegiar uma ou outra área do
conhecimento. E ainda, remetendo a psicologia, aos “egos”, entra também a “vaidade”, a
“soberba” etc., sentimentos da onipotência humana.
Ele confirma:
É uma questão de dinâmica de grupo, isso faz parte. a descolaboração, a disputa, isso faz parte do processo colaborativo. O agredir o outro, violentar o outro, isso é colaboração, isso é gente vivendo junto. O ser humano, onde tem gente tem problema, relacional, não tem como não ter. Mas eu acho que a questão toda é falar, ok, independente disso, ok, nós brigamos, nós nos violentamos, nos batemos, nos agredimos [...]
Fiz uma pausa para refletir. Então Regis (2006), em seu livro “Grupo
Multirreferencial”, me auxiliou a clarear essa questão da (des)colaboração, a partir da
definição de “grupos” e “grupos operativos” de Pichon-Rivière. Então ela diz que para “[...]
Pichon, grupo é um conjunto de pessoas que se juntam num tempo e num espaço definido,
com a finalidade de desenvolver uma tarefa para satisfazer suas necessidades”. (p. 21) E que,
o grupo operativo é aquele que
[...] opera, centrado em cumprir uma tarefa, que funciona como um elemento
organizador do grupo. Como a tarefa é desenvolvida por pessoas e nós humanos
temos uma parte que é consciente e outra inconsciente, temos duas vertentes da
tarefa: uma explicita - a consciente; e outra implícita - a inconsciente. (REGIS,
2006, p. 22)
Ora se assim é, essa disputa de poder que se estabelece nas relações intersubjetivas
entre os sujeitos que compõem o grupo, também tem uma dimensão consciente e
inconsciente. Se, somado assim somos sujeitos múltiplos, formados por diversos discursos,
estas relações se transformam em inter-trans-subjetivas, conforme indico nas páginas 80 e 81
deste estudo, ao fundamentar estes embates -, que acontecem numa construção colaborativa -,
como inerentes à complexidade humana.
Falando sobre as “dificuldades dos grupos”, Regis (2006, p. 23) argui que:
As dificuldades do grupo são resultantes e potencializadas pelas dificuldades das
pessoas; por isso, evitam normalmente conversar sobre elas como forma de ocultá-
las, ficando [...] como segredos velados do grupo. Ajudar ao grupo desvelar esses
segredos é uma arte!
[...] é preciso esperar o tempo do grupo, o tempo de já poder revelar.
Uma revelação precipitada é como retirar as muletas de alguém que ainda precisa
delas para caminhar [...].
Diz ainda a autora que, “[...] o grupo sinaliza, trazendo à tona as dificuldades, é nessa
hora que ele escolhe olhar e trabalhar as questões. Nesse momento é indispensável que o
209
facilitador, ajude o grupo a reconhecer as facilidades que já possui, para enfrentar as
dificuldades. [...]. (p. 23)
Essa dinâmica não é uma tarefa fácil para o coordenado do grupo. Entretanto
analisando essa visão de Regis (2006) sobre o assunto, percebi que isto era praticado por
Fróes Burnham na rede. A respeito desta habilidade que o coordenador precisa ter para
enfrentar as dificuldades do grupo, diz ela: “Podemos relacionar o trabalho do facilitador
[...]”,
[...] com o do jardineiro que, com muita paciência e sabedoria, estuda o terreno,
prepara a terra, ali coloca as sementes, rega, espera o tempo de brotar, continua
cuidando, esperando o tempo de elas crescerem, florescerem e darem suas flores
e/ou frutos. E o processo não tem fim; há sempre um recomeçar. (p. 24)
E este recomeçar, na perspectiva de uma rede de pesquisa sazonal, que se “atualiza”
como diz Magris (2015) em sua entrevista, nas “entradas” e “saídas” de seus membros, vem
da multiplicação de seus discursos em outros discursos. “A rede não morre” disse Magris,
“ela se atualiza”, e eu complemento: ela se multiplica. Essa questão será retomada nas
considerações finais deste tese.
Dito isso, retorno a entrevista de Oliveira (2015), a partir da fala “Mas eu acho que a
questão toda é falar, ok. Independente disso, ok, nós brigamos, nós nos violentamos, nos
batemos, nos agredimos [...]”; e complemento: Mas nós construímos juntos. Ele dá
continuidade:
[...] mas nós construímos juntos, e isso é viver, não é? Então, eu acho importante trazer essa...
Interrompi novamente, entusiasmada: Oh que lindo! Você já me disse coisas incríveis,
e cada um que entrevisto, traz uma visão diferenciada da mesma coisa. Isso é a rede!
Ele retoma:
Porque eu acho que é um desafio, da sua pesquisa. Eu acho, porque normalmente quando nós vemos os estudos colaborativos, [vemos que] eles tendem a tirar o efeito colateral da colaboração.
Não, eu não tirei, eu estou trazendo como dinâmica de grupo. Respondi no dialogo,
mas complemento neste texto, e também como elemento da complexidade humana. Ele
continua:
Porque eu acho importante, tem que ver como é que fala isso, mas eu acho importante pontuar as infelicidades, entendeu? Porque é aí que os outros vão aprender. Porque aprender com o que deu certo é fácil, mas saber por que, onde é que deu errado...
210
Ele não completou a frase, sei agora que estava utilizado a tecnologia da construção
colaborativa, naquele momento ainda não tinha essa (in)formação. Então, acrescentei: E eu
quero sair do meu local de conforto, o espaço administração, porque na administração você
estuda casos de sucesso. E a vida não é só sucesso.
Isto inclusive ficou como uma máxima de Fróes Burnham, que apreendi trabalhando
com ela no projeto de gestão do conhecimento, ela sempre dizia isso: “[...] vamos ver o que
não deu certo”. Ela enfatizava sempre isso nas aulas, reuniões da rede etc.
Volto à entrevista de Oliveira, do ponto que ele concorda com minha fala:
Pois é, o que não deu certo. Porque é aí que nós podemos deixar o rastro que podemos deixar para quem vem. “Oh galera, oh, nós fomos por que..., só que deu [errado] aqui, [...] por isso é que eu acho que, por isso, por isso, por isso, mas foi legal porque abriu outra coisa”, “e aqui não deu certo por isso, por isso, por isso, então se liguem. Porque possa ser que você atravesse essa encruzilhada de novo. E quando você chegar nessa encruzilhada, pelo menos você já ouviu falar alguém que teve nela, ou passou por ela, fracassou, ou conseguiu atravessar ela de tal, e tal, e tal modo”. Isso eu acho importante [...] pontuar [...].
Ele complementa a questão da colaboração e (des)colaboração, fazendo menção a
incoerência que existe no processo colaborativo, diante do poder simbólico:
[...] porque é contraditório, é contraditório. Na sala de aula hoje eu vejo isso. Agora eu falo: “Oh galera tudo bem, nós estamos aqui num processo colaborativo, mas a coisa só acontece porque tem um lugar de poder instituído que é o poder do professor, então eu vou ocupar esse lugar e vou deixar ele vazio, entenderam? Porque vocês precisam ocupar esse lugar, vocês precisam saber se expressar, vocês precisam dizer verdades também, vocês precisam enfrentar as coisas [...], então esse lugar aqui é o lugar de construção que vamos rodar esse poder”.
É de um ativismo político, implícito, não é? Ontológico. Disse eu e ele corroborou:
“Ontológico”. E continuou:
Então é essa a contradição, entendeu? E você vai ter que lidar com essa contradição [...] entre personalizar e não personalizar, e eu acho legal aparecer isso, entendeu?
Respondi com humor “personalizar ou não personalizar? Eis a questão”. Vou colocar
um título. E rimos muito.
Com essa “contradição”, que ficou para minha reflexão e que deixo também para o
leitor deste texto, encerro a categoria que indica as bases teóricas das redes investigadas.
Remeto então o texto para a terceira e última categoria de análise: “Evidências que podem
demonstrar o compartilhamento das construções de conhecimento na rede”.
211
Evidências que podem demonstrar o compartilhamento e a difusão das
construções de conhecimento na rede
Nesta categoria de análise das evidências que indicam o compartilhamento e a difusão
de conhecimento em/na rede, a terceira parte desta história continua sendo contada, a partir
das memórias do Professor Silvio José Conceição (JOSÉ CONCEIÇÃO, Silvio)107. Autor-
pesquisador da REDPECT desde “1999”.
José Conceição (2015) inicia sua fala em resposta a questão: Na sua percepção, como
é que acontecia o compartilhamento e a difusão desse conhecimento que era construído
colaborativamente na rede?
Lá, periodicamente, além dos trabalhos, dos momentos que estávamos presencialmente, [inclusive] isso para mim, particularmente, era muito difícil, mas vários colegas estavam lá durante todo o tempo. Então nesses momentos [...], isso já assinava dessa forma. Quando cada um estava ali trabalhando, com o seu espaço, esse espaço todo de aprendizado, e acabava se dando conta e sabendo, se apercebendo do que estava acontecendo ao lado.
Interessante, que essa evidência de compartilhamento que ele coloca é paradoxal,
porque não há uma partilha explicita, uma interação explicita que evidenciasse a troca de
saberes num espaço de aprendizagem. Se considerasse essa (co)existência como
compartilhamento, este seria interno, entre os pares, mas de forma perceptual. Como ele
mesmo diz: “[...] cada um [...] acabava se dando conta e sabendo, se apercebendo do que
estava acontecendo ao lado.”
Ainda indicado as evidências de compartilhamento e difusão das construções da/na
rede, ele diz que:
Além disso, existiam espaços, momentos formais de apresentação e de discussão. Rodas de discussão dos projetos. Os segmentos desses projetos. Então, todos os pesquisadores apresentavam, colocavam em discussão, “colocava na berlinda” os seus objetos de trabalho. Aconteciam casos, aquele processo de advogado do diabo, no qual todos [...] [criticavam o trabalho].
No intuito de confirmar o título dado até então a essas reuniões, porque José
Conceição (2015) as intitula de “rodas de discussão” questionei: Orientação coletiva? Ele
aquiesceu: “[...] Orientação coletiva. isso era uma forma de compartilhamento. Porque, nós
estávamos [cientes] disso. [...]”. Então, conclui que as reuniões de discussão dos projetos
107
José Conceição é graduado em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA (2002) e é mestre em Educação também
pela UFBA (2006). É ainda autor-pesquisador da REDPECT.
212
individuais eram conhecidas naquela época como “orientação coletiva”, mas também como
“rodas de discussão”. Pela minha experiência na rede, e o conhecimento da prática de Fróes
Burnham, ao arrumar a sala em círculo, imagino que vem daí esse título “rodas de discussão”.
José Conceição (2015) traz como evidência de compartilhamento algo inusitado nas
entrevistas feitas:
Mesmo Teresinha não gostando de ser considerada como uma líder, [como] a coordenadora, ela era de fato –, os teóricos [da área dizem] [...] na teoria de liderança que, “a liderança eficaz é a liderança pelo exemplo”. Então, Teresinha, ela própria, a produção dela, se dava também nesse compartilhamento. Ela também colocava o seu conhecimento e a sua produção de conhecimento de forma compartilhada, isso para ajudar [ao grupo e a todos].
Essa evidência de compartilhamento do conhecimento construído por Fróes Burnham,
sua produção, foi algo novo nas entrevistas. Mas essa sua disponibilidade para compartilhar
sua experiência é também evidência da “epistemologia solidária”, enfatizada por Macedo
(2015) na história do NEPEC, do “partilhar” e do “(com)partilhar” citados por Silva e Nicolau
Magris (2015), e é também/principalmente, herança da sua experiência na infância com a
escolinha integrada, na qual os alunos: partilhavam o lanche, compartilhavam os livros, o
material escolar, os saberes dos artesanatos construídos colaborativamente, faziam teatro,
doavam roupas e calçados, transformavam achados (sucatas) em entretenimento e objetos de
uso dos mais diversos etc.
Outra questão importante surge na fala de José Conceição (2015):
Além disso, sobre essa questão ainda do compartilhamento e da difusão, Teresinha sempre participou, muito, dos congressos, vários, [apresentando] a produção, e sempre incentivou que também tivéssemos essa participação.
Esta sem dúvida é uma evidência importante tanto do compartilhamento quanto da
difusão do conhecimento construído na REDPECT, que desta vez se concretiza externamente.
Através destes eventos externos os saberes, práticas da rede, estavam sendo levados para
diversos espaços de aprendizagem. Além disso. a rede estava construindo pontes, ampliando a
rede de contatos, se “atualizando”, utilizando aqui a categoria que Nicolau Magris (2015)
trouxe em sua entrevista.
José Conceição (2015) continua falando desses eventos:
Então, era comum na rede a apresentação dos trabalhos, quer seja no seminário de iniciação científica, que era obrigatório, ou em seminários específicos. Eu mesmo, na época, fui apresentar um trabalho, no “Encontro de Ciência da Informação”, em Brasília, na Associação Nacional de Ciência
213
da Informação, acho que era ACIA, ou alguma coisa assim, foi um encontro nacional. Imagine, eu, estudante de arquitetura, com um trabalho mirim, apresentando um trabalho lá, “pondo a cara na rua”, mas isso era, perdão do exemplo, o que nós tínhamos [do exemplo] de Teresinha.
Essa realmente era uma expressão muito usada por Fróes Burnham no cotidiano da
rede: “Vocês tem que por a cara na rua”; mas tinham outras: “[...] precisam aprender a se
expressar”; “[...] precisam enfrentar as situações sem medo” etc. Passei também por
experiências similares a essa que José Conceição (2015). Na minha percepção, o mais
importante disso são as mensagens subliminares que estão por trás dessas frases: se
autorizem; sejam autores; mesmo sem muita experiência acadêmica, vocês possuem saberes
construído que precisam ser compartilhados, difundidos; para conseguir recursos a rede
precisa aparecer. Estávamos sendo (in)formados não só como autores-pesquisadores, mas
também para (com)partilhar o mundo comum e enfrentar a vida, de maneira solidária,
humana.
Então, José Conceição, retoma sua interpretação de Fróes Burnham como líder,
concluindo assim suas contribuições para a análise do compartilhamento e difusão do
conhecimento na rede, dizendo:
[...] para os administradores que falam da “liderança pelo exemplo”, Teresinha é um exemplo. Exatamente por que: uma bióloga que trabalha na educação, envereda-se na ciências da informação, e daí para difusão do conhecimento, com uma relação com o LNCC e tudo mais. Então, a liderança pelo exemplo funciona e muito com Teresinha.
Outras evidências dessa categoria foram encontradas na entrevista com o Professor
José Carlos Oliveira de Jesus (OLIVEIRA DE JESUS, J. C.)108. Inquirido, como acontecia o
compartilhamento e a difusão dessas construções de conhecimento na rede, Oliveira de Jesus
(2015), respondeu com outras perguntas: “Fala em que aspecto: Dentro da Rede? Fora da
Rede?” Esclareci: Estou falando do compartilhamento e da difusão do conhecimento, desse
conhecimento que era construído colaborativamente na Rede. Como é que acontecia isso? Ou
como é que você vê isso? Ou você não via isso? Ele respondeu então:
Bem, há duas formas de trabalhar isso. Uma era a própria estrutura da Rede, como eu falo desde o início. A cultura das reuniões periódicas de acompanhamento dos projetos. Isso está posto o tempo inteiro. Mas havia também, [...] reuniões menores. Essas reuniões menores, [aconteciam] no
108
Oliveira de Jesus graduou-se Bacharel em Física (1988) pela UFBA, onde concluiu também a Licenciatura
Plena em Física (1989). Obteve o título de Mestre em Física (1992) junto ao Departamento de Física da
Universidade Federal de Pernambuco, e obteve o título de Doutor em Educação (2010) junto ao PPG em
Educação pela UFBA. É também autor-pesquisador na REDPECT.
214
almoço com Terezinha na Cantina de ADM109. Os Doutorandos e Mestrandos desesperados [ficavam] esperando ela descer para o almoço, para sentar-se ali, ao lado dela e eu ouvir dela sugestões, dicas etc.
Evidentemente outras pessoas sentavam-se a nossa volta e contribuíam também, e, assim, nesses horários de almoço, por exemplo, nós terminávamos de almoçar, e aquela coisa se estendia por uma hora, uma hora e meia. Era uma forma de difusão informal.
Interessante observar como José Conceição (2015), separa o compartilhamento e a
difusão do conhecimento construído em dois momentos. Um que fala da parte instituída da
rede, a estrutura como facilitadora desse compartilhar e difundir, e a outra que fala de
momentos informais dessas categorias. E mais interessante ainda é que a ênfase é dada ao
momento informal.
Sentávamos ali para almoçar e aproveitávamos para colocar as nossas crises. E Terezinha, muito pacientemente, nos ajudava com sugestões de leitura, [e outras] sugestões. Eu me lembro [dela falando]: “Zé, faça um quadro de não sei que [...]”, ela olhou para mim, “não vou entender isso”. “Faça um quadro desse negócio [...]”, fiz o quadro, está lá na minha Tese, [...] são vinte e tantas páginas de quadros sobre as questões de linguagem e as questões epistemológicas.
O mapa de citação? Perguntei e ele confirmou. Mas, como essa prática -, que é parte
da metodologia deste estudo -, é uma herança do pós-doc de Fróes Burnham110, e começou a
ser utilizada pelos autores-pesquisadores ainda no NEPEC, resolvi fazer uma pausa desta fala
de Oliveira de Jesus (2015) e apresentar a descrição detalhada deste mapa, que a Professora
Jamile Borges da Silva (SILVA, Jamile B.), faz em sua entrevista.
Silva (2015) foi Bolsista de Iniciação Científica do NEPEC, no ano de “1993” e
continuou como integrante da REDPECT depois da sua criação, em 1997. Portanto,
acompanha esse grupo desde então. Embora ela não tenha entrado na rede no período em
investigação, faço este link com sua entrevista porque, além do detalhamento do mapa ela
enfatiza a importância da criação/utilização deste, comentando minuciosamente o porquê
disto. Isto confirma a indicação da evidência que Oliveira de Jesus levanta.
Além disso, embora aparentemente os mapas fossem considerados como parte do
aprendizado dos autores-pesquisadores, método de pesquisa. Muitas questões estavam
embutidas nessa prática, nesse saber. Acredito que, como os referidos mapas eram
compartilhados colaborativamente no grupo, internamente, este saber, prática ultrapassava o
espaço rede quando os autores-pesquisadores -, que também eram alunos da graduação ou
109
Cantina da Escola de Administração da UFBA – EAUFBA. 110
Citado na nota de rodapé número 85 (p. 176).
215
pós-graduação -, falavam deles em espaços de aprendizagem outros, extra REDPECT. Na
minha interpretação, nessas ocasiões eles estavam difundido o conhecimento construído
externamente em outros espaços.
Silva (2015) conta essa história:
Então, duas coisas para mim foram muito importantes, a produção dos “Intertextos”, como “Método de Pesquisa”. Então, a intertextualidade, [...] como uma ferramenta de pesquisa, e a construção do “Método Transversal”, que eram aqueles ”Mapas” que nós fazíamos em papeis de metro.
Intervi: Porque na época ainda não tinha o computador, não é? Ela confirmou, mas
neste ponto interrompi a narrativa para a análise desta fala. Os intertextos na realidade
possibilitavam fazer uma cartografia dos autores que tratavam o tema. Portanto, ampliavam a
pesquisa tanto dos temas quanto dos autores. Quanto aos mapas Silva apresentou uma análise
mais profunda, após o detalhamento, inicialmente falando da infraestrutura da rede:
[...] não tinha computador, não tinha web can, não tinha nenhum projeto para modelar, fazer modelagem de conceito, então nós usávamos nos papeis jornal. Nós abríamos no chão da sala, [...] papeis imensos, que íamos colando uns nos outros, para ter uma ideia longitudinal. [...] Então, nós, os bolsistas, éramos separados em duplas, [...] e cada dupla tinha um acompanhamento de um estudante do mestrado ou do doutorado que, digamos assim, supervisionava aquela produção intertextual. E o modo de operacionalizar essa dinâmica da pesquisa é que era muito interessante. Então, cada dois bolsistas ficavam com um responsável [...], toda semana então nós tínhamos reuniões para [...] socializar o que cada um estava lendo [...].
Nessa fala de Silva (2015) surge mais uma questão inusitada nas análises. O
monitoramento dos bolsistas pelos estudantes do PPG em Educação. Embora esta não seja
uma categoria de análise, a meu ver apresenta uma questão nevrálgica sobre a falta de
interação da graduação com a pós-graduação, pela contribuição que este segundo poderia dar
aos primeiros111, e apresenta uma potencial solução para o problema. O link dessa questão
como evidência da categoria de análise em estudo está na socialização semanal, mesmo que
interna, dos intertextos construídos. Assim sendo esta é também uma evidência de
compartilhamento/difusão do conhecimento.
[...] [essa separação em duplas] servia para que o próprio estudante fosse [...] interrogando, tirando suas dúvidas [...]. E o que é que nós fazíamos então?
111
Estudantes da pós-graduação aos graduandos.
216
Respondi a questão levantada por Silva (2015), com uma afirmação: Seria então, no
primeiro momento um trabalho cooperativo. Isto porque, a fundamentação de “colaboração” e
“cooperação” foi apresentada neste texto112, não só porque são conceitos secundários do
tema/objeto, como também para dirimir a confusão ainda existente nos meios acadêmicos
sobre os mesmos. Então a construção era cooperativa quando construída individualmente e
colaborativa quando era socializada e discutida no coletivo, que apresentava suas
contribuições.
Silva confirmou então a minha afirmação:
[...] isso, exatamente. Aí começa de fato o entendimento A operacionalização do projeto colaborativo, um trabalho de construção colaborativa.
Então, para cada intertexto desse, nós tínhamos que identificar essas três categorias, e aí nós aprendemos a fazer o “Mapa Conceitual”, através da “Leitura Transversal”. Não sei se você chegou a ver algum desses mapas?
Em papel não. Respondi. Então ela descreveu, detalhadamente, como era construído o
mapa, ainda em suporte “papel metro”113. As três categorias que ela faz menção também são
apresentadas.
O mapa era mais ou menos assim. Nós colocávamos aqui [três colunas verticais] as [3] categorias: Currículo, Trabalho e Construção do Conhecimento; aqui [numa coluna a esquerda da primeira categoria] [...] os autores: [...] A, B, C, com a referência bibliográfica completa, para nós sabermos depois de onde tínhamos tirado aquilo, [...] Então, aqui [nesta primeira coluna] estavam as Revistas Indexadas. Perguntávamos, então: “o que é que o autor ‘A’ diz sobre Currículo?” E colocávamos. [Assim por diante]. Depois nós tínhamos [a possibilidade] de uma leitura transversal, uma leitura horizontal e uma leitura vertical.
Então, como [...] eram muitos, nós colocávamos no chão, ia colando, para [...] termos uma ideia. E isso foi a base que serviu para a escrita das teses e dissertações de todos os professores na época. Por quê? Quem estava escrevendo sobre Currículo, tinha 30, 40, 50 autores, com o que cada um deles dizia sobre currículo, por exemplo. O material bruto estava ali tratado, você já pegava a informação tratada.
Este mapa é conhecido hoje como Mapa de Citações114. Ele efetivamente é uma
evidência da categoria em análise, à medida que era socializado todo o tempo, um mapa
aberto a todos, no qual os autores-pesquisadores colavam suas contribuições nas
112
Na seção “4.1 Lacunas e Controvérsias do Tema”, da página 99 a 108. 113
Com o passar dos anos e o desenvolvimento das TIC, ele se atualiza, então passa a ser feito através de
planilhas automatizadas. 114
A matriz original desse mapa foi apresentada neste estudo, no “Quadro 5 – Matriz de Mapa de Citações –
MC”, na página 116.
217
categorias/conceitos investigados. Mas este exercício complexo, da construção de um
verdadeiro mosaico, para além de ser uma ferramenta pedagógica, uma tecnologia, era
também estratégia político-ideológica. A leitura transversal possibilitou (in)formar
pesquisadores críticos, conforme cito no decorrer desse texto115, que assumissem a
complexidade de si, a autonomia, a autorização, a expressão, citadas por eles mesmos nas
entrevistas, e que, a partir da articulação de conceitos, pudessem articular saberes de diversas
áreas do conhecimento, minimizando assim o efeito da manipulação capitalista, para a
superaração das desigualdades sociais/culturais e trabalhassem em prol de (des)territorializar
o conhecimento, tornando-o um bem público, comum.
Silva (2015) enfatiza sua importância, embora não levante a questão política que
estava imbricada e implicada nesse processo:
Isso daqui foi a coisa mais importante que eu já aprendi até hoje em toda a minha formação acadêmica [...]. Isso foi a base para eu aprender a: fazer projeto de pesquisa; [...] fazer uma leitura contrastiva e comparativa; [...] a fazer uma leitura vertical, seja através de categorias, seja através [...] da intertextualidade entre essas categorias e entre os autores. Então, isso [é também] uma coisa que eu sempre, depois, já professora, [...] tento ensinar aos meus estudantes, para que facilite a capacidade de leitura interpretativa, [...] de articulação das ideias entre os autores. [...] Eu até dizia a Teresinha que ela tinha que patentear [...] [essa tecnologia/ferramenta].
Complementa indicando a contribuição da (in)formação de pesquisador para sua vida
não só acadêmica, como também profissional.
[...] porque isso tem uma ferramenta. Ela foi criada muito antes de falarmos nos Mapas Conceituais, Mapas Cognitivos. Aquilo ali era o nosso esteio para a produção do conhecimento. E isso era absolutamente colaborativo [...]
Enfatizo aqui que, no decorrer das “análises detalhadas”, os recortes selecionados por
categorias estão tão imbricados e implicados com o todo, que não são apenas partes do todo,
mas também se articulam espontaneamente. Os entrevistados começam falando de uma
questão e quando se apercebem já estão falando de outras. Por exemplo: nessa fala Jamile traz
o mapa original, criado ainda no NEPEC, como uma ferramenta, fala de produção do
conhecimento e também da colaboração. Os temas perfeitamente articulados.
Dando continuidade a análise/fundamentação dessa questão da “leitura contrastiva”,
como coloca Silva (2015), resolvi trazer outra visão sobre o tema, da mesma época e espaço
115
Não falo especificamente em “leitura transversal”, mas transversalidade (Vide página 59).
218
de aprendizagem116
que ela, desta vez de uma orientanda de mestrado: Leliana Santos de
Sousa117
. E, embora o foco na apresentação desta entrevista seja o aprofundamento do
conhecimento sobre o Método de Análise Contrastiva e um de seus instrumentos o Mapa
Conceitual, apresentarei também alguns aspectos do seu discurso que caracterizam pontos
comuns ao NEPEC e a REDPECT.
Souza (2015) foi orientanda de mestrado no NEPEC, a partir do ano de “1992” e
migrou para a REDPECT quando de sua implantação. Participou das discussões de
implantação da RICS e do DMMDC e até o presente momento é membro integrante, autora-
pesquisadora, dessas redes de pesquisa. Como ela vem acompanhando o desenvolvimento
desses grupos desde então, conhece sua tra(ns)jetória e estava no período em investigação,
utilizou também a “leitura transversal”, como ela intitula a Análise Contrastiva. Então, a
história da REDPECT, nas memórias de Sousa (2015) se inicia com sua entrada no NEPEC.
Eu entrei justamente em 93, acho que foi até antes, [...] quando eu fui para o mestrado, mas antes eu fazia disciplinas do mestrado como aluna especial. Fiz várias disciplinas, e [nesse período] conheci o NEPEC, e fui para o NEPEC. [...] Comecei a fazer parte, participar das pesquisas. E foi lá que eu aprendi a fazer leitura transversal. Foi lá também que: eu ouvi falar em Barbier (Reneé Barbier), [...] em Ardoino, com a multirreferencialidade. Nós tivemos alguns cursos, [...] promovidos pelo NEPEC. Então, Teresinha fazia essa coisa assim de trazer alguém para fazer uma palestra, uma conferência, uma conversa na verdade. Ela fazia sempre assim um encontro, [...] para o grupo do NEPEC, mas abria para todos participarem. Abria para os alunos da graduação, da pós-graduação. Essa era uma coisa muito interessante, todos participavam. Vinham pesquisadores também.
Considero aqui essa prática do NEPEC narrada por Sousa, como um exercício de
compartilhamento e difusão do conhecimento. Ainda que na época não se falasse no tema, a
práxis já dá abertura para essa interpretação. A aprendizagem que Sousa pontua, traz saberes
do núcleo de pesquisa, que acompanharem a REDPECT, conforme cito de maneira fluida
116
O Núcleo de Pesquisa – NEPEC. 117
GAUTHIER, Leliana de Sousa. SOUSA, Leliana S. de, como assina em suas publicações, é graduada em
Licenciatura em Ciências pela UFBA (1982); graduada em Pedagogia pela FACED/UFBA (1988); Mestre em
Educação pela UFBA (1996). Doutora em Ciências da Educação pela Université Vincennes Saint-Denis Paris 8 -
França (2003). Atualmente é Professora Adjunta da UNEB; Coordenadora das atividades de implantação do
Centro de Pesquisa em Educação e Desenvolvimento Regional (CPEDR) / UNEB, que reúne grupos de pesquisa
na perspectiva da consolidação institucional; é Líder do Grupo de pesquisa Educação, Etnicidade e
Desenvolvimento Regional (GEEDR). Desenvolve estudos nas áreas de: Saberes e Práticas Interdisciplinares,
Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas, com ênfase em Educação, Desenvolvimento Regional,
Tecnologias, Sustentabilidade, Gestão, Cultura, Memória, Interferência cultural afro-indígena, Relações Étnico-
Raciais, Estética e Análise Cognitiva. Atua em pesquisas em colaboração de povos indígenas, afro-brasileiros. E
integra o quadro de docentes do Doutorado Multi-institucional e Multirreferencial em Difusão do Conhecimento
(DMMDC).
219
neste texto, mesmo com outras designações118
: a “leitura transversal” como o Método de
Análise Contrastiva; as “palestras, conferências, conversas”, diálogos com pesquisadores
convidados, como “Reunião de Ópera”. Reuniões estas “abertas”, assim como ela relata, ao
público em geral nas quais todos eram bem vindos.
Depois desta minha consideração, a autora-pesquisadora continua sua história falando
sobre os mencionados encontros/cursos:
Eu lembro que nós tivemos um curso com [...] Professor Crisostemo, que [...] durante uma semana, me parece, [...], sobre as “Teses de Feuerbach”. Isso foi muito bom, porque permitiu que fizéssemos uma leitura, tipo uma revisitação, na teoria de Marx. Ele fez justamente essa releitura [...] conosco e foi muito bom em termos de aprendizagem. O NEPEC era um lugar onde nós aprendíamos muito, [...] não só por que entravamos na pesquisa e íamos pesquisando, [mas também] por que era uma coisa muito espontânea, no fazer mesmo da pesquisa. E tudo era colocado na mesa e eu achava isso muito bacana e muito parecido com a [...] casa da minha mãe.
Nesta fala, Sousa exemplifica a menção aos cursos proporcionados pelo NEPEC.
Neste caso uma releitura das “Teses de Feuerbach”, como muito boa para a aprendizagem do
grupo. Além disso, fala da espontaneidade presente no cotidiano do núcleo, apresentando as
questões levantadas no curso como objeto de pesquisa. Dando continuidade a isto, ela coloca
que,
[...] o mapa da pesquisa, feito de papel metro, era colocado na mesa, era todo dividido em quadros, e nós chegávamos naqueles quadros [...] verticais e horizontais, e íamos aprendendo. Tinha várias pessoas no grupo[...] e vinham também pessoas de outras disciplinas, [...] que faziam outros cursos e todos participavam de tudo. Então era interessante isso. Então, vínhamos com a investigação [empírica] e escrevia ali naquele quadro. Tinha os quadros da pesquisa e os componentes que o compunha [...] e nós escrevíamos naquele quadro os [...] dados da nossa parte de pesquisa. Então isso depois Teresinha ensinava para nós. Quando eu saí para o campo empírico, vínculo não era só isso não, era tudo. Tanto nós mostrávamos aquilo que a gente tinha pesquisado no campo, quanto também mostrava as nossas dúvidas, as nossas questões e a teoria também. Porque nós estudávamos ali [naquele quadro] as teorias também.
Neste ponto detectei no discurso de Sousa (2015), a questão da aprendizagem
compartilhada com outras áreas de conhecimento, o que justifica a perspectiva
multirreferencial/complexa, outras visões de mundo sobre um mesmo tema. Mesmo que este
tema naquela época ainda não fosse estudado, na prática já se fazia sem esse reconhecimento.
118
Isto está detalhado nas páginas 66-67 deste texto, onde apresento o planejamento da agenda das reuniões da
REDPECT.
220
Para além disso, a pesquisa como uma prática do cotidiano do grupo, naquele momento ainda
núcleo de pesquisa, e a interação, também como elemento dessa prática.
Eu lembro também, [...] que tinha um de um professor que é músico, [...], Paulo Lima, se não me engano, ele também traduções de etnometodologia [...]. Eu fiz a tradução de um capítulo de Bernard Charlot, com a minha irmã. [...] E tudo isso ficava ali rondando no NEPEC e todos tinham acesso, liam, cada um fazia uma coisa e era assim que a gente aprendia muito. [Além disso,] tinham as reuniões, a gente vinha com esses dados, com o mapa, [...] com os textos, com as traduções, com tudo, e discutíamos. Então, [por exemplo,] aquele que fez a tradução, [...] Paulo Lima, veio com os textos de Harold Garfickel, que ele traduziu do inglês para o português.
Traduções, uma nova faceta dos grupos de pesquisa, até então não comentada nas
entrevistas, e também o NEPEC ainda não reconhecido como um “espaço de aprendizagem”,
embora efetivamente fosse. Isto por que o tema na época ainda não tinha sido levantado. Algo
que sempre acontecia na REDPECT, ou seja, a prática vinha sempre antecipando a teoria, só
depois o caminho trilhado era fundamentado.
Após esse aparte sobre a “transversalidade” na visão de Sousa (2015), e a apresentação
de novas características dos grupos de pesquisa em análise, retomo a entrevista de Silva
(2015), que complementa as considerações sobre o “Método Transversal”, respondendo ao
meu questionamento: Quer dizer que a Análise Contrastiva, já tinha esse nome na época?
[...] eu não lembro se nós usávamos esse nome, mas isso não é difícil não, pode ver naquele “Caderno da Revista em Aberto”, sobre Currículo, que nós organizamos. O NEPEC organizou o número 54, da Revista em Aberto, que é do MEC [...].
E ela cita outro meio de compartilhamento e difusão do conhecimento, os periódicos,
o número organizado pelo NEPEC. A origem desse, compartilhar/difundir está também no
NEPEC.
[...] foi uma edição toda dedicada ao Currículo, e foi o NEPEC quem organizou. E ali está a base de tudo isso praticamente, ali tem uma boa parte dessa história que estou lhe contando. Em Aberto é [...] uma revista temática, então essa edição foi só sobre Currículo. Inclusive todos os artigos foram escritos também colaborativamente e por quem estava na época.
Aqui Silva (2015), apresenta a produção colaborativa do NEPEC, não só com a
construção colaborativa de artigos, como também com a evidência de compartilhamento e
difusão do conhecimento, a partir da organização da edição da revista.
Então eu lembro que [...] essas experiências se somavam muito e nós percebíamos cada vez mais [...] esse envolvimento com a produção do conhecimento, por que entendíamos que ninguém fazia nada sozinho, não havia essa possibilidade, todo o trabalho era colaborativo [...].
221
Percebi aqui com essa fala de Silva, a concretização do meu pensamento sobre a
importância dessa prática de pesquisa, criada pela rede, quando ela fala que “ninguém faz
nada sozinho”, e de alguma maneira isto está explícito neste texto. Percebi também, que
embora os termos “todo”, “todos”, “tudo” não sejam usadas num texto acadêmico, pela ideia
de totalidade conforme fui orientada a não fazer, nas experiências de (informação) de
pesquisadores na rede, não poderia deixar de ser, pois a cada entrevista que escuto, analiso,
transcrevo, são as expressões que mais escuto. Isto talvez se deva ao fato de que nós, autores-
pesquisadores da rede, tanto praticamos o construir conhecimento colaborativamente que, nos
habituamos a utilizar sempre essas expressões que representam o plural, assim como que
construímos juntos.
[...] as duplas iam se misturando, as duplas iam mudando, a medida que, ou um ia saindo, ou um ia resolvendo trabalhar com outra categoria, então tipo assim, eu dizia: “ah, eu já li, sei lá, 300 artigos sobre Currículo, agora eu quero ler sobre Trabalho, então nós mudávamos as duplas, [...] eu fico com essa categoria você fica com aquela [...].
As pessoas tinham liberdade de escolha, mas também responsabilidade por estas,
como diz Silva (2015).
[...] todos, todos estavam presentes, inclusive isso se estendia, a [...] esse modos operandi, ele se estendia a todas as formas de relação que se tinha ali dentro, tanto na dinâmica da relação intelectual, da troca intelectual quanto da troca interpessoal. Se havia qualquer problema entre indivíduos, sujeitos, ou por uma questão de assimetria intelectual, que é inevitável também, não é?
Respondi a pergunta de Silva (2015): É claro, essa é uma questão de relações
interpessoais. Retrucou ela:
[...] eu acho que é a grande sabedoria que Teresinha tinha, digamos, como Regente a frente da sua orquestra. Então para utilizar outra expressão, do mesmo modo que ela recusa essa ideia de personalismo, que ela não é personalista em momento nenhum, mas, como coordenadora geral do projeto, ela regia, digamos [toda] aquela festa.
E chegava um determinado momento que nós sentíamos que determinadas situações estavam difíceis, e a coisa alterava e eu sem nem perceber que ela tinha aquela coisa assim meio zen, meio de dizer assim: “vamos ver até onde vai”. De monitorar a distância. Hoje até [...] eu brinco assim: “uma espécie de mãe [...]”. Vê até onde aquilo vai dar e em determinado momento intervir na hora certa: “bom agora vamos parar para acertar, o que é que está acontecendo, você vai ficar com isso?” Então, aquilo muitas vezes não esperava uma dinâmica dessa. Era muita gente [...] convivendo diariamente.
Questionei: Quantas pessoas? Ao que ela respondeu:
222
Então realmente era um grupo que tinha muita mobilidade, muita flexibilidade. Tanto na captação de recursos quanto de pessoas. E, de fato, por conta disso também, era um grupo muito visado. As reuniões eram sempre abertas, isso era também um grande diferencial, nenhum grupo de pesquisa tinha reuniões abertas.
Outra evidência de compartilhamento, nesse caso interno e externo, um grande
diferencial, que permaneceu com a rede, “reuniões abertas” ao público. Isto iniciou no
NEPEC e continuou acontecendo até uma parte do grupo se atualizar, transformando esses
saberes, práticas em “rede de saberes, práticas”. O que ampliou a abrangência do
compartilhamento e da difusão do conhecimento. Então eu disse a Silva: Ninguém até hoje
pontuou isso nas entrevistas, mas você trouxe uma questão que eu sempre admirei na rede;
essa abertura, entrava qualquer pessoa, e mensalmente ainda tínhamos convidados. E disse
mais:
É realmente um grande diferencial, sem falar também no acolhimento aí explícito. Ela
reforçou: “[...] esse é um grande diferencial. Exatamente o acolhimento”.
[...] inclusive tinham voluntários, tamanha era a dinâmica daquela sala que os estudantes passavam e viam, era o único grupo que tinha gente, de 2ª a 6ª, das 8 as 18, as vezes até as 19, 20 horas. Nós ficávamos, então, com a sala sempre movimentada, as pessoas que passavam queriam saber o que era, se interessavam, daí um dia aparecia como voluntário e ficava 6 meses, e ficava participando da pesquisa.
Eu diria que, além da dinâmica o movimento de construção colaborativa em ebulição
atraia os visitantes. Além disso, lembro que os estudantes, na minha época, pediam para usar
os computadores, e mediante registro da sua atividade eles eram autorizados a utilizar, sem
restrições, todos os equipamentos. Isto era uma orientação de Fróes Burnham, solidária com a
diversidade. Por isto, considero este acolhimento como uma forma de compartilhamento e
difusão do conhecimento, e também de colaboração.
Então, isso trouxe uma série de elementos que para mim são constitutivos [...] desse modo de fazer pesquisa. Então, para além de uma operacionalidade, que se implementava ali com a construção dessas ferramentas de pesquisa, haviam noções importantes: o acolhimento, a solidariedade...
A colaboração. Provoquei e Silva (2015) continuou:
[...] a colaboração em todos os sentidos, [até] econômico. Nós tínhamos uma colega, [que a] família [era] do interior, e muitas vezes, não tinha o que comer, nós sabíamos disso, [então] nós trazíamos a comida, que era repartida para todo mundo, sempre foi assim. Quem tinha o dinheiro pagava a comida dos outros, [...] pagava o transporte [...], isso era [...] praxe comum nossa. Sempre foi assim, não havia essa distinção. A bolsa
223
naquele momento era interessante para nós, porque não tinha restaurante aqui na pós, ninguém fazia da bolsa salário, nós entendíamos que a bolsa era para estarmos naquele espaço de pesquisa, embora fosse muito importante para nós. Mas, digamos assim, era secundarizado em relação ao interesse, ao desejo, que tínhamos de estar naquele espaço.
Embora nessa época ainda não se trabalhasse a noção de espaços de aprendizagem,
isto se mostrou implícito nessa fala quando ela coloca “a construção das ferramentas de
pesquisa”, dos elementos, da operacionalidade, as noções de relacionamento interpessoal que
se aprendia e praticava naquele espaço e o interesse, o desejo, de permanecer nele, mesmo
com o passar das horas. Uma satisfação implícita de permanência num espaço, solidário,
acolhedor, aberto, não linear. O mesmo não acontecia em outros espaços/grupos, como diz a
própria Silva. Percebo também que, a ética estava implícita no reconhecimento de que a bolsa
não era um salário, na solidariedade com o colega, no respeito mútuo implícito na troca de
saberes, objetos, moeda. Certamente, esse grupo devia ser muito comentado em outros
espaços. Silva confirma:
Então, [...] isso era muito falante mesmo para nós. [...] Foi um elemento que [...] nos sustentou, inclusive alguns de nós, mesmo quando o grupo esteve em vias [...] de fechar. A sala esteve em vias de ser fechada. Porque, [...] não lembro exatamente quando, Teresinha foi fazer o pós doutorado em Londres, e nossas bolsas, se eu não me engano acabavam, mais ou menos no meio do ano, maio ou junho. Com a ausência de um coordenador [...], alguns daqueles alunos, mestrandos, doutorandos, já tinham concluído [o curso], e nós ficamos quase meio acéfalos lá. Então, qual foi a tendência natural? Outros grupos de pesquisa que já emergiam, e aí eu já estou falando mais ou menos de 96, 97, antes de eu entrar para o mestrado [...] em 97. [...] Se eu não me engano, 96 [...] Teresinha foi para Londres, e aí, outros grupos de pesquisa já cresciam. Então, o NEPEC [...] junto com o [grupo] de Nelson Preto, virou um grupo só. [...] e foram incorporados, como linhas de pesquisa [da FACED]. Então [...] esses dois grupos, se viram um grupo, e [...] linhas de pesquisa [...] [internamente], [...] a linha de Currículo e a linha de Comunicação.
Como esta fala traz um dado histórico que permeava aquele espaço-tempo, mas não
estava diretamente ligado aos saberes, práticas da REDPECT, encerro a participação de Silva
(2015) nesta categoria que, como um adendo apresentou a origem e a dinâmica do mapa de
citações e, retomo as memórias de Oliveira de Jesus (2015). Retorno a última fala dele, onde
fala dos momentos de orientação informal, também coletiva, com Fróes Burnham. Nesse
ponto eu havia lhe feito a seguinte pergunta: O mapa de citação, não é? Sua resposta foi:
Exatamente. Aí eu não tinha feito isso. Então, assim, se você não olha para o processo de formação criticamente você não enxerga isso. Você pega os momentos de orientação, por exemplo, e acha que: “ah, mas eu nunca sentei uma tarde inteira”. Não precisa sentar uma tarde inteira, basta que
224
você coloque a questão corretamente e o Orientador diz: “faz isso, faz aquilo ou não faz isso, não faz aquilo”, as coisas fluem. É, então, esse almoço, essa orientação informal do almoço, era maravilhosa.
Ainda nessa linha, [...] eu acho que essas reuniões, que [...] na época eram as quintas-feiras à tarde, tinham isso, depois dividimos a reunião da quinta-feira em dois momentos, uma parte administrativa da rede, porque a rede ficou imensa, e outra parte científica. E, ao final aquilo tudo continuou sendo a mesma estrutura da rede. Quando precisávamos discutir alguma coisa administrativa discutíamos, mas não com essa formalidade de separar o horário. Acabou morrendo rapidamente, [...] porque não é da natureza da Rede, essa coisa de escritório. [...] Então ela se uniu rapidamente e voltou a ser a Rede de sempre. Ainda bem. E conseguimos alcançar coisas boas ali.
É da natureza da gestão, disse eu. E enfatizei: Todos tinham resistência as reuniões
administrativas. Essa resistência é geral na educação, assim como acontece com a
administração. Mas, como não vinha ao caso, retomei as análises.
Disse Oliveira de Jesus (2015), que:
Quando você falou [...] da difusão de conhecimento na rede, [...] algo me veio à mente [...] naquele período eu passei um material que foi produzido, [para a organização de] livros. Eu lembro que nós estávamos lá na casa de Teresinha, dez e meia da noite, numa impressora, com Lídia, umas coisas arrumadas lado a lado, em cima da cama, capítulo tal tá aqui, capítulo tal tá aqui, e tal. A impressora dava problema, não saia página, nós olhávamos, conferíamos, organizando os originais porque tinha um prazo para entregar na EDUFBA. Então ali, naquele livro...
Interrompi: Qual foi o livro? De Educação á distância? Oliveira de Jesus (2015),
respondeu: “[...] não lembro qual livro foi, tinha textos de vários autores”. Fiz outra pergunta:
Era uma coletânea, que foi revista na segunda edição? Ele respondeu:
Uma coisa assim. Então, eu lembro que ali tem textos de Teresinha, texto meu, de Michinel, um bocado de gente da época, e anteriores também, acho que de Lídia não teve. [...] Acho que alguns textos que nunca tinham sido publicados foram incluídos ali. E, até a própria construção desse texto, [...] coletivo fazia parte também dessa coisa da difusão [...] dos projetos da rede e da difusão em Rede. Talvez tenha despontado daí do workshop de lançamento desse texto, desse material.
Como teve na segunda edição, afirmei. E ele confirmou:
Isso. Uma coisa assim, que você pudesse falar daquele capítulo seu, [...] um dia de atividade, cada um dá quinze minutos, fala uma coisinha do seu capítulo, coloca ali para as pessoas, [...] a comunidade conheça, e reconheça alguns ali.
225
Na segunda edição desse livro119, Maria Lídia organizou um evento com mesas
redondas, nas quais os autores apresentaram resumidamente seus textos. Ele ficou exultante:
Isso é bom! Isso é bom! [...] Outra coisa que era muito presente na rede, e eu infelizmente, [...] tinha que fazer muita disciplina e acabei participando pouco [...] foi a elaboração de projetos. A rede tinha essa coisa [...] de colocar todo mundo na construção de um projeto. Então, abriu edital do CNPq, CAPES, FAPESB, a maioria participava da construção do projeto. Cada um trazia sua contribuição, é, um grupo menor fazia a edição, organizava, preenchia aquelas coisas todas, e aquela coisa funcionava. E isso envolvia alunos de Iniciação Científica, Mestrado, Doutorado. [...] Essa é uma prática que não pode acabar nunca, porque ela forma o pesquisador.
Complementei, questionando: E também, pensando na questão da infraestrutura para a
pesquisa, era uma forma de conseguirmos equipamentos de última geração, de conseguirmos
recursos, para o suporte a, não é?
Exato. [...]. É através do projeto que vem o dinheiro. A rede sempre se preocupou em colocar as pessoas em contato com o processo de construção dos projetos. Isso eu também achava fascinante, mas a minha carga horária era muito dura, e participei pouco dessas [construções], mas via os alunos sentados, [...] cada um olhando uma coisa, baixando a referência, o outro fazendo levantamento de preço para o orçamento. [...] Nós podemos até fazer uma pesquisa mais fechada, no Gabinete, sem muito recurso, mais uma pesquisa que tem pretensões como a da Redpect, precisa de recursos, e os recursos vem dos projetos, e os projetos eram construídos coletivamente. Então, esse é um aspecto que eu acho muito positivo da rede.
Fiz nova pergunta: Você teve ligado a algum projeto? Oliveira de Jesus (2015) negou
e eu questionei: Só mesmo o seu específico? Ele confirmou, mas fez uma ressalva, dizendo
que participava das discussões e
[...] via isso com muito bons olhos e acho que não pode ser diferente disso. O(a) Professor(a) de Pedagogia, [...] tem que ser formado na pesquisa, pela pesquisa, pesquisando. E esse processo dentro da rede é muito claro. Eu me lembro das Metralhinhas como eles chamavam. Não sei como está hoje, mas desde o momento que eu entrei até o [...] que sai era um processo formidável. Sim, porque no momento que estava saindo, estava terminando o Doutorado e fui me enterrando em Feira de Santana. A coisa tava mudando um pouco, talvez até porque as pessoas ainda ficavam muito dependentes [...] da liderança de Teresinha, e as reuniões começaram a se enfraquecer um pouco. [...] e isso não é bom.
Eu acho que aquelas reuniões era a melhor contribuição que podemos pensar para a formação de Pedagogos, Mestres, Doutores. [...] Aquele processo que a REDPECT, construiu, plantou e cuidou. Eu acho que deve
119
Referências completas da 1ª e da 2ª edição dos livros mencionados: “FRÓES BURNHAM, Teresinha;
MATTOS, Maria Lídia Pereira (Orgs.). Tecnologias da informação e educação a distância. – Salvador:
EDUFBA, 2004. 293 p.”; “FRÓES BURNHAM, Teresinha; MATTOS, Maria Lídia Pereira (orgs.). Tecnologias
da informação e educação a distância. – 2. Ed. - Salvador: EDUFBA, 2010. 364 p.”.
226
voltar a cuidar, [...] que deve formar mais pessoas, para deixar essa coisa fluir, claro que ela vai se modificar. Até porque as pessoas que geraram isso, que acalentaram, vão se aposentar. Não tem jeito. Então, tem que ter renovação, tem que ter pessoas que reconheçam essas práticas [...] como práticas transformadoras, fundamentais, Importantes, e deem continuidade a isso. Eu acho que é isso aí.
Com esta fala encerro os fragmentos de memória de Oliveira de Jesus nesta categoria,
mas antes faço algumas considerações. Aqui ele fala não só de compartilhamento e difusão de
conhecimento, mas também do processo colaborativo e das bases teóricas que o sustenta. Fala
também da formação de pesquisador, utilizando duas metáforas: a do plantio e os cuidados
necessários para que a “muda” se (trans)forme em adulta e dê seus frutos; e a da mãe que
gerou um filho, amamentou, acalentou. Ambas trazem embutidas em seu bojo, uma
mensagem de vida, de afeto e de formação, neste caso, especificamente a da formação em
Pedagogia, com o suporte do processo colaborativo que a REDPECT: “construiu” (a muda),
“plantou” e “cuidou” (revolveu a terra, adubou, regou). Recomenda que ela volte a cuidar,
embora com renovação, atualização. Em sua visão, esse processo é a melhor contribuição da
rede para a (in)formação de pesquisadores, e precisa ser reconhecido como “práticas
transformadoras”, que precisa ter reconhecida a necessidade da sua continuidade. Eu
complementei ao encerrar: Do Compartilhamento e Difusão desses conhecimentos, para que
não se percam, dada a sua importância.
Então, aproveitando a menção às “metralhinhas”, como chamou carinhosamente
Oliveira de Jesus (2015), as Professoras: Elisangela de Jesus Silva (SILVA, Elisangela de
Jesus)120; Fulvia de Aquino Rocha (ROCHA, Fulvia de Aquino)121; Isabel Oliveira de Moraes
(MORAES, I. O.)122; Ramone Lima Moraes (MORAES, Ramone Lima)123 e Roberta Ribeiro
Cunha (CUNHA, Roberta Ribeiro)124, apresento a visão das graduandas de Pedagogia, dessa
tra(ns)jetória da rede.
As Metralhas (2015) ingressaram na rede em 2003, mas só duas delas dentre as cinco,
eram bolsistas, as outras três eram voluntárias. Como elas se denominaram na REDPECT
como “as metralhas” -, “um grupo dentro de um grupo”, como pontuaram na entrevista -, e,
120
Silva (2015) é Graduada em Pedagogia pela UFBA (2007). Pesquisadora da UFBA e Docente da Faculdade
Evangélica de Salvador; e autora-pesquisadora neste estudo. 121
Rocha (2015) é Mestre em Educação e Contemporaneidade pela UNEB (2013). Licenciada em Pedagogia
pela UFBA (2007); e autora-pesquisadora nesta investigação. 122
Moraes (2015) atua como professora em classes de Educação infantil e 1º ano na Lua Nova - Escola e Centro
de Estudos. Licenciada em Pedagogia pela UFBA (2008. E autora-pesquisadora nesta pesquisa. 123
Moraes, Ramone Lima (2015) é Graduada em Pedagogia pela UFBA (2007); e autora-pesquisadora neste
estudo. 124
Cunha (2015) é Graduada em Pedagogia pela UFBA (2007); e autora-pesquisadora.
227
efetivamente se comportaram, parecendo que falavam em uníssono, porque uma começava a
falar e a outra complementava do ponto que a anterior parou, como se ela mesma estivesse
falando todo o tempo, decidi apresentar seus nomes no texto, mas tratá-las nas análises como
Metralhas (2015). A entrevista delas também foi feita como Grupo Focal, na mesma
perspectiva teórica fundamentada na categoria das evidências de construção colaborativa125.
Para iniciar as falas onde elas trazem a categoria analisada – evidências de
compartilhamento e difusão do conhecimento – foi necessário apresentar, inicialmente, um
pouco da história delas como graduandas e alunas de Fróes Burnham, como tudo começou, o
que as motivou para ingressarem na rede como bolsistas. Então elas contam:
[...] para mim e eu acho que paras meninas também, o que marcou [...] era a forma como ela dava aula. A forma como ela falava de conhecimento, a forma como ela falava dos sujeitos, dos alunos dela, porque ela não falava alunos, tanto que todas as aulas ela dizia: “arrumem as cadeiras, aqui não cidadã de 2ª categoria”. Então eu acho que foi isso [...], esse ser diferencial dela como professora [...], que nos atraiu, nos fez desejar. O respeito também, que ela tinha por cada aluno, ela anotava cada um de nós. Então, deu vontade de descobri que espaço era esse em que aquela pessoa estava trabalhando. E assim, eu imagino que, como a Lis e Mel também, a nossa surpresa ao chegar à rede, com essa surpresa, receios e medos, era exatamente porque nós não conseguíamos ver essa ponte da pós-graduação com a graduação.
Essa fala das Metralhas me lembrou de uma experiência com Fróes Burnham no
Mestrado em Educação, enquanto minha orientadora. Ela fez essa ponte me colocando em
sala de aula a título de estágio. Certamente também para que eu percebesse essa interação da
pós-graduação com a graduação, passasse por essa experiência. Embora ela estivesse sempre
presente, a sala de aula era minha e ela provocava ambas, a turma de estudantes de graduação
e a mim, como professora, estudante da pós-graduação, para essa interação/estudos. Eram
dois níveis interagindo, dialogando, construindo conhecimento. Então, já naquele tempo ela
estava colocando em discussão essa “ponte”, porque que havia uma interlocução dos
estudantes com a faculdade, implícita, mas explicitada em sala de aula, quanto a professores
que entregavam a sala aos estagiários e sumiam. Era uma discussão de primeiro nível, entre
estudantes, mas as críticas eram consideradas como feedbacks, a serem analisados para uma
posterior modificação dos planos de aulas e comportamento dos professores. Teresinha
provocava com isso reflexões de diversas ordens: o pensamento crítico dos estudantes, a
relação professor x aluno, uma ponte entre a pós-graduação e a graduação, o
125
Vide páginas 173-174.
228
compartilhamento de feedback, e principalmente, a necessidade da interação/integração
humana, portanto o crescimento e a formação de ambos, professores e alunos]
As Metralhas (2015) colocam as implicações de “grupo dentro do grupo”:
[...] era o grupo Metralhas dentro de um grupo. Então assim, no nosso grupo nós tínhamos uma organização, eu lembro algo marcante na monografia, eram as conversas no “msn” ao longo da madrugada, porque na verdade era a minha monografia, a de Bel, a de Mel, a de Fúlvia, a de Beta, mas ao mesmo tempo era a nossa monografia. Se é que podemos falar nossa monografia. Mas assim, [...] eu estava discutindo: “Tá como é que tá”, “eu estou com dúvida nisso” Essa consulta umas as outras, durante a construção do trabalho, era muito presente. Então, mesmo quando nós tínhamos que produzir de forma individual, ainda assim era uma construção de forma colaborativa. [...] Essa cultura foi construída durante quatro anos, [...] porque nós entramos na rede no 4º semestres, eram 8 semestres [para concluir o curso], no caso nove, por conta das greves. Enfim, foram mais 5 semestres aí de construção colaborativa de conhecimento.
Interessante que elas colocam o trabalho cooperativo/colaborativo, como uma
“cultura” da rede, como um diferencial da REDPECT, também construído coletivamente
durante esse processo de cooperação/colaboração. Isto porque, mesmo no fazer individual, as
relações interpessoais, caracterizadas aqui como as consultas muito presentes nesse processo,
indicavam isso. Os trabalhos eram individuais -, as monografias para a graduação das
integrantes do subgrupo “Metralhas” -, entretanto a partir das consultas, das interações que se
mantinham a distância através de uma rede social, na época o “MSN”, ele também era
colaborativo.
Retomo então os fragmentos das memórias das Metralhas (2015), que deram
continuidade a questão da interação:
Essa troca que nós tínhamos sempre foi muito presente, e, eu acho que o diferencial foi a gestão, a maneira como esse grupo foi gerido. Porque obviamente que nós não podemos falar isso de outros grupos com toda propriedade, primeiro porque não vivenciamos estes demais espaços, mas assim, apesar de não vivenciá-los nós tínhamos amigas. Outros colegas que estavam em outros grupos e quando nós compartilhávamos [os saberes, práticas da rede] víamos que não fluía da mesma forma [em outros espaços]. Então eu acho que [...] a maneira como este grupo de pesquisa era gerido [...] possibilitava essa construção colaborativa do conhecimento.
Surge aqui a questão da gestão como um diferencial da REDPECT diante de outros
grupos. Embora esta não tenha sido uma comparação aprofundada, estudada, emergia do
compartilhamento entre colegas e amigos de outros grupos de pesquisa. Esta observação sobre
a gestão, como facilitadora do processo de construção colaborativa, concretizada para elas na
coordenação da REDPECT, é uma evidência da auto-organização, citada no mapa referencial
229
deste estudo. Então, percebe-se no discurso das metralhas que esta auto-organização esta
imbricada com a colaboração e a cooperação, a medida que esse mosaico do particular -
individual/cooperativo -, para o coletivo, do coletivo para o colaborativo, fazem parte da
cultura da Escola REDPECT de Formação de Pesquisadores.
As Metralhas apresentam como funcionava essa lógica, essa dinâmica do processo
cooperativo/colaborativo:
[...] a escrita era individual. Claro cada um fazia o seu estudo no meio do individual mesmo, começava essa escrita individualmente, mas todas as correções e até a construção do texto, [...] ia para o coletivo, porque um lia, o outro relia: “mas espera aí, [...] o que eu li falava disso aqui também”; “então nos dê para complementarmos”. Então o texto que você pega como seu no primeiro momento não é mais seu. Depois que passou pela mão de todo mundo, pelo olhar, vira do grupo.
Aqui ficou claro o processo de construção cooperativa/colaborativa do conhecimento,
mas veio a minha cabeça também a cartografia possibilitada pela “leitura intertextualizada”,
conforme cita Silva (2015), ao apresentar as evidências de construção colaborativa. Então,
para minha surpresa, elas fazem a articulação dessa prática com o mosaico:
Isso nós fazíamos muito, é esse mosaico que você fala, [...] porque aquele texto que anteriormente eu tinha escrito [provavelmente], já tivesse palavras, já tivesse conceitos, já tivesse coisas completamente diferentes. E as vezes, até [era] um ponto de vista que eu tinha, por uma leitura minha, já [se modificava] pelas outras leituras. Isso era bastante desafiador!
Nesta fala fica claro que para além do subgrupo Metralhas, a REDPECT enquanto
uma rede de pesquisa que propõe um trabalho cooperativo/colaborativo aos seus autores-
pesquisadores, discute as produções científicas no coletivo. Isto, implicitamente, concretiza a
autoria do particular para o coletivo, evidenciando a prática da autoria/autonomia, com o
reconhecimento do outro também como autor daquela produção individual/particular em
construção. É o compartilhamento, a interação, a (retro)alimentação aceita
compartilhadamente pelo grupo.]
E assim, eu vou falar do que Lis falou, com a propriedade de quem vivenciou também outros grupos, quando ela diz assim: “não dá para saber dos outros”, sim, eu consigo falar. Porque apesar de receber todos os e-mails da rede ainda, não tenho participado das discussões. Mas [...] participo de dois outros grupos de pesquisa. E aí você consegue estabelecer esses parâmetros diferentes do que você vivenciou, e que te ajuda nesses outros espaços, então você consegue avaliar: “[...] aqui diz que se faz um trabalho colaborativo, mas não é colaborativo, não acontece colaborativamente, eu sei o que é trabalho colaborativo, cooperativo”.
230
Alguns grupos dizem que o conhecimento é partilhado, é dividido, é construído junto, mas quando você vai para o cerne mesmo da questão, da vivência, não é, porque você já tem [...] outra referência. Em contrapartida, a questão das “orientações coletivas” que Teresinha fez conosco, em muitos momentos, vimos acontecer. [...] Ficávamos [nos perguntando]: “poxa, como é que Teresinha consegue orientar cinco, seis pessoas ao mesmo tempo?” E era, e ela dizia que [...] “era por conta da orientação coletiva”.
As vezes, eu vejo, [em outro] grupo de pesquisa [...], [...] as [pessoas] ficarem enlouquecidas, [aconteceu isso com as] que entraram o ano passado [...]. Então eu digo assim: “bom, eu não consigo ficar enlouquecida por que eu vivi num espaço em que as coisas de fato aconteciam coletivamente e colaborativamente, [por isso] eu consigo compreender o que acontece [aqui] nesse espaço”.
É impressionante como tudo isso que nós vivemos repercute hoje nas nossas atividades, ainda que algumas não sejam acadêmicas, ou nas acadêmicas, como isso de fato marcou. [...] Nós trazemos isso na nossa monografia, e, [...] como eu trabalhei com “histórias de vida” no Mestrado, o meu capítulo sobre a minha história tem: a REDPECT, a Multirreferencialidade, porque eu não pude fugir disso [...].
Antes de qualquer coisa, esta fala estabelece um juízo de valor que parte da
comparação entre outro grupo de pesquisa e a REDPECT. Não só comparando
comportamentos, mas também visões diferenciadas de mundo. Essa questão se concretiza na
prática do processo de construção cooperativa/colaborativa da rede, que vem acontecendo há
muito tempo, quando as pessoas ainda nem falavam no assunto -, nem a própria rede -, e a
prática exercitada hoje em outros espaços/grupos, de maneira diferente da concepção do
conceito que ora trabalhamos. Até porque, além da confusão que ainda hoje se estabelece
entre esses conceitos no meio acadêmico, donde posso concluir que as lacunas apresentadas
neste estudo têm sua razão de ser, ou seja, é um tema em estado de “germinação” em outros
grupos de pesquisa.
Sendo assim, o depoimento das Metralhas (2005), é evidência do compartilhamento e
difusão de saberes, práticas da rede com outros grupos, através da convivência, de autores-
pesquisadores com estes grupos. A partir da qual a REDPECT se sobressai. Isto também
acontece a partir das histórias de vida desses autores em suas monografias e outros trabalhos,
através dos quais o conhecimento está sendo compartilhado e difundido.
Mas assim, eu não [tenho] para onde correr, porque quando eu falava assim: “Histórias de vida de professoras alfabetizadoras: um espaço de formação”, as pessoas me questionavam, “mas as histórias de vida são um único espaço?” Aí eu dizia: “não, são espaços de formação, porque são histórias diferentes”. Então, eu fui para meus arquivos da rede, para explicar porque “eram espaços” e “não espaço”, porque eram “espaços de aprendizagem” de cada um.
231
Então, [...] cito mesmo nesse capítulo da rede, [...] algo que tem nos nossos currículos e é muito forte, que é a presença de Teresinha. Depois que eu entrei no mestrado, meu orientador, me disse assim: “ter tido Teresinha Fróes no seu currículo para eu avaliar e escolher você e não a outra, foi importante. Porque aí você vem, com algo assim poxa, foi bolsista de iniciação científica de Teresinha Fróes. Então essa menina deve ter alguma competência para fazer um trabalho de mestrado, sabe pelo menos escrever, quando você vê lá os trabalhos, e tal”. Isso é algo que marcou a nossa história, e que em muitos momentos eu já pude contar um pouquinho. As meninas nos trabalhos que fazem e que virão a fazer ainda nos seus mestrados e doutorados também, certamente vão [contar], não tem [como] não citar essa vivência, esse histórico na rede. Então [...] aonde vamos [...] acabamos citando.
Nós estávamos no Colóquio Internacional de Alfabetização, no Fiesta, com Emília Ferrero. Eu, Mel, Bel, Beta também participou, Eli não participou, e Emília Ferrero começou a falar de Gestão do Conhecimento, falou de Gestão de Informação [...]
Interpretando essa história contada pelas Metralhas, percebi que citar a rede, contar as
histórias de vida da rede, as vivências que marcaram as vidas desses autores-pesquisadores,
são evidências do compartilhamento e difusão de conhecimento que se produzia coletiva /
colaborativamente na própria REDPECT. Nas apresentações dos projetos em Reuniões de
Cenário126, onde se socializava os trabalhos de cada grupo temático/linha de pesquisa da rede.
Segundo as Metralhas (2015) existiam momentos de compartilhamento:
[...] aconteciam: os momentos [...] de compartilhamento: [...] de escrita que eram de produção, porque íamos ter publicação de artigo, ou de livros; as próprias reuniões; [...] as reuniões de estudo [...]; [...] as orientações dos projetos individuais [...] e o projeto da rede. Então, existiam as orientações nas nossas monografias, as reuniões de orientações dos mestres, os doutores, que eram abertas e que todos participavam, pela compreensão de fato de que ela {Fróes Burnham] estava ali no lugar de orientadora, mas que outros poderiam contribuir, [também, para aquele trabalho].
Então, tínhamos a compreensão de que uma pergunta nossa [...] nesses momentos, [...] enquanto graduandas, [...] para a pessoa que estava fazendo trabalho, poderia fazê-la pensar em outras coisas, [outras perspectivas].
As Metralhas pontuam diversos momentos que ainda não haviam sido apresentados
como evidência de compartilhamento e de difusão do conhecimento: a escrita
coletiva/colaborativa de produção, para publicação de artigos, livros; as reuniões de estudo.
Além disso, a escuta atenta das orientações que todos podiam participar, independente do
nível de pesquisa que estivessem: iniciação científica, mestrado, doutorado etc. Com esses
“momentos de compartilhamento” encerro a última categoria de análise, que apresentou as
126
Citada na página 66 deste texto.
232
“evidências que podem demonstrar o compartilhamento e a difusão dos conhecimentos
construídos na REDPECT”.
Com a apresentação das três categorias de análise deste estudo, encerro a sub-seção
6.2.1 “REDPECT: A Transição / As Memórias”, para a apresentação da próxima sub-seção,
que traz uma história sintetizada da “RICS – Rede onde o Mosaico DMMDC se concretizou”.
6.2.2 RICS: Rede onde o Mosaico DMMDC se concretiza
A história da RICS não faz parte das análises desta investigação, embora tenha sido
criada ainda no mesmo espaço-tempo estudado e também faça parte desta tra(ns)jetória. Esta
rede de pesquisa foi idealizada no “I Colóquio Internacional Saberes, Práticas: Construção de
saberes, construção de práticas de (in)formação profissional na sociedade do conhecimento”,
um evento criado pela REDPECT, que aconteceu no período de 02 a 04 de dezembro de 2002.
Isto possibilitou aos pesquisadores, interessados nessa temática, a oportunidade de
pensar coletivamente numa rede de pesquisa mais ampliada, porque a REDPECT era uma
rede local, ligada a uma área específica, a Educação. Este fato limitava as discussões e a
participação de outras instituições parceiras. Em síntese, esta rede foi inicialmente pensada
para refletir sobre um curso de especialização interdisciplinar, mas com o decorrer do tempo e
das discussões/reflexões, se (trans)forma, se atualiza como um doutorado multi-institucional e
multidisciplinar em Difusão do Conhecimento. Estava “plantada” a pedra fundamental deste
nosso doutorado.
Sei que não se planta uma pedra, contudo utilizei o termo: “plantada”, para
caracterizar o processo do plantio como metáfora. Uma “muda” de planta, o processo inicial
de uma nova planta, a partir de uma planta formada. Queria com isto significar o fazer de
outra maneira, outro modo, (trans)formar, renovar, dar outra direção para o conhecimento
construído, ampliar, fazê-lo criar asas e voar pelo nosso mundo, visando o bem comum da
humanidade.
A proposta de institucionalização da RICS foi construída/elaborada pela REDPECT, e
entregue a FAPESB, pelos autores-pesquisadores. Estes que, disponibilizaram suas memórias
para a construção dessa história e fizeram desta tese, virtualmente, ou não, uma tese
construída, como tudo na rede, por diversas “mãos” e “cabeças”. Essa história também está
registrada, muito bem narrada e fundamentada por Fróes Burnham (2012), numa entrevista
233
feita para a Revista Poiésis, por uma doutoranda do DMMDC, conforme foi citado no
decorrer deste texto127.
A ideia inicial era trazer falas de cada um desses integrantes da rede e construir um
mosaico semelhante ao que teci para a história da REDPECT, e analisá-la segundo as
categorias de análise elaboradas e objetivos específicos pretendidos. Acontece, porém que, só
consegui entrevistar dois autores-pesquisadores que participaram da construção colaborativa
da RICS, então resolvi apresentar o relato da história de seu nascimento, implantação, o
objetivo de sua existência e o da autora-pesquisadora que muito colaborou no processo multi-
institucional junto a UNEB, sua instituição de origem e como autora-pesquisadora da
REDPECT.
Esses dois autores-pesquisadores apresentaram nas entrevistas feitas para o
levantamento de informações do campo empírico, suas visões/versões desta história. Inicio
então com a referida história/tra(ns)jetória da RICS, na visão do Professor Hernane Borges de
Barros Pereira (2015)128, que participou/participa desde a sua idealização e até o presente
momento como Professor do quadro de docentes do DMMMDC. Ele inicia seu relato dizendo
que:
[...] a historia começa mais ou menos assim: em 2003, eu recebi um convite para participar de uma câmara da recém-criada FAPESB, e então aceitei o convite e fui na [...] reunião de apresentação. Lá conheci Teresinha Fróes, começamos a conversar e muitas coisas que nós temos [em comum], [...] em termos de postura acadêmica, ética, compartilhamos naquele momento. De certa forma fizemos uma parceria muito importante, principalmente para os interesses do Estado da Bahia, já que nós éramos representantes de instituições do Estado da Bahia. Por conta disso, nós fizemos uma parceria bem fortalecida.
Desta vez falando do encontro com outros parceiros do DMMDC, PEREIRA continua
contando sua história nesta rede de pesquisa. Estes pesquisadores eram do Laboratório
Nacional de Computação Científica (LNCC)129
, que participavam à época do Comitê de
Avaliação da CAPES:
Naquele momento Teresinha participava do Comitê da CAPES e era colega de duas outras pessoas, Augusto Galeão e Luiz Bevilacqua. Nesse processo
127
Na página 156. 128
PEREIRA, H. B. B., concluiu seu doutorado em Engenharia Multimídia pela Universitat Politècnica de
Catalunya em 2002. Atualmente é Professor Pleno do Departamento de Educação da Universidade do Estado da
Bahia e Professor Associado do SENAI ClMATEC. É docente do Programa de Pós-graduação em Modelagem
Computacional e Tecnologia Industrial e do Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão do
Conhecimento, é também Consultor ad-hoc do Ministério da Educação. 129
Localizado no Rio de Janeiro.
234
todos nós começamos com algumas ideias. Ela tinha uma demanda que era a ideia de tentar modelar a criatividade e Galeão e Bevilacqua estavam trabalhando num modelo de difusão, inicialmente numa barra de ferro, então transmissão de calor e estavam fazendo associações, mas tinha algumas coisas que eles não conseguiam colocar. Então se criou uma ideia de tentar modelar alguns aspectos, como por exemplo, a “criatividade”. E Teresinha leva essa necessidade, esse encaminhamento e começamos a discutir sobre [essa questão]. Além disso, também surge à ideia de criar uma [nova] rede para estudar isso, é daí que surge a RICS, dessa ideia.
Então é desse precioso encontro de pesquisadores que surge o plano de criar a RICS,
conforme narrou Pereira (2015). Mas sua história não para aí, para iniciar esses trabalhos ele
se integra à REDPECT130
que, embora fosse uma rede local ligada à FACED/UFBA, já
abrigava outros pesquisadores de outras instituições como professores visitantes, convidados
etc. Ele continua:
Concomitantemente Teresinha me convidou para participar da REDPECT, que era um grupo que já estava formalizado, e lá na REDPECT eu participei um ano e pouco. Trabalhamos algumas coisas, eu fiz alguns seminários, discutimos coisas que eram de interesse para algumas pesquisas da rede. Enquanto isso, nós discutíamos num âmbito bem mais ampliado a criação dessa rede de pesquisa RICS e como fazer pesquisa sobre essa coisa, cujo objeto é difícil de investigar, que é o conhecimento. Por isso que o nome da RICS tem “o conhecimento e sociedade”, e a parte final do nome da RICS é “conhecimento”. “Rede Interativa” tem outras palavras, “Conhecimento e Sociedade”. Então da criação da RICS, que foi uma criação feita concomitantemente, [...] na época que eu participei da REDPECT, nós pensamos em várias coisas, projetos interessantes, e, dos projetos que pensamos [...] um se destacou mais e virou uma realidade, que é o DMMDC, o “Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento”. O “DMMDC” é apenas um projeto, que talvez tenha se tornado o projeto, da RICS.
Neste ponto faço uma pausa para refletir sobre a institucionalização da RICS e a
perspectiva que é tratado o conhecimento na contextualização institucional e regional da
proposta do DMMDC (APCN, 2007, p. 1), construída colaborativamente como poderá se ver
no texto:
A Proposta deste Programa resulta da construção coletiva de um grupo de
pesquisadores que instituiu a [...] RICS [...], motivados pela convergência de estudos
interdisciplinares que realizavam sobre a relação conhecimento-sociedade, mais
especificamente relacionados com os processos de difusão e compartilhamento do
conhecimento na sociedade contemporânea.
Assim sendo, a RICS se institui para ampliar as discussões/investigações da
REDPECT sobre o conhecimento e articular estudos interdisciplinares dos pesquisadores
130
Como menciono anteriormente, esta rede de pesquisa já era uma rede instituída desde 1997.
235
parceiros integrantes da RICS. Então, como apresentei a perspectiva teórica investigada pela
RICS, percebi que seria importante apresentar também em qual perspectiva a REDPECT
aborda a construção de conhecimento para um melhor entendimento de sua história. Por isto,
deste ponto em diante apresento alguns fragmentos, tratados, das entrevistas dos autores-
pesquisadores, que falam sobre sua visão da concepção de conhecimento nesta rede de
pesquisa.
Segundo o discurso dos entrevistados neste estudo, considerando os grupos que
antecederam a REDPECT, antes ainda de se constituir esta rede, o conhecimento que se
buscava estava voltado para a identificação de como os autores trabalhavam com as
categorias: “Currículo, Trabalho e Construção do Conhecimento” e a articulação destes com a
produção da licenciatura. Diz Silva (2015) que se tratava do “[...] entendimento da construção
da ideia de licenciatura no Brasil, formação de professores”, para a compreensão de como
essas “[...] categorias se constituíam de fato: como uma realidade no cotidiano escolar ou
como uma utopia no discurso acadêmico”131
.
Essa investigação seguia um método que consistia em três etapas distintas: “[...] a 1ª
etapa: [...] levantamento bibliográfico [em] 10 [dez] textos periódicos indexados; a 2ª etapa:
[...] entrevistas com professores; e uma 3ª etapa [...] um trabalho de intervenção direto em
duas escolas [...] daqui de Salvador”. A “[...] ideia era fazer esse contraponto, [entre] essas
categorias: Currículo, Trabalho e Construção do Conhecimento, [se] eram uma realidade do
cotidiano escolar, ou era, o que era chamado de utopia do discurso acadêmico”. Ou seja,
conclui Silva (2015), “[...] se manifesta, vamos dizer na produção intelectual, mas não se
concretiza na materialidade da escola”.
Os resultados dessa construção colaborativa do conhecimento fizeram a autora-
pesquisadora Silva (2015) “[...] entender o currículo numa dinâmica infinitamente mais
enriquecedora, de fato [...] como artefato discursivo e não somente como um instrumento, que
molda, que modela, que materializa a dinâmica da escola, da universidade etc.” Mas, o
entendimento dela sobre construção desse saber foi além, ao descobrir que era “[...] o modo
de fazer a pesquisa na [própria] produção dos instrumentos de pesquisa”. Exemplificando ela
cita: “[...], a produção dos ‘Intertextos’, como ‘Método de Pesquisa’, [...] como uma
131
Esta investigação diz respeito ao Projeto guarda-chuva do NEPEC: “Currículo, Trabalho e Construção do
Conhecimento: Relação vivida no Cotidiano da Escola ou Utopia de Discurso Acadêmico?”, conforme citado na
página 161 deste texto.
236
ferramenta de pesquisa, e a construção do ‘Método Transversal’”, que na realidade é o
Método de Análise Contrastiva132
.
Após a instituição da REDPECT, no período em que se investigava a “Gestão do
Conhecimento”, as Metralhas (2015) falam da ideia “[...] disseminada inicialmente por
Teresinha [...]”, de que os autores-pesquisadores desta rede não eram apenas “[...] sujeitos,
mas sujeitos ativos, críticos, participativos e instituintes [...]”, que se
diferenciavam/destacavam no cotidiano da academia e em outros “espaços de aprendizagem”.
Portanto, aqui o conhecimento assume a característica da crítica radical que acompanha a
construção de conhecimento na rede, significando o aspecto político-filosófico desta
construção e também a autonomia que esta crítica potencializa.
A REDPECT, na concepção de Freitas Neto (2015)133
,
[...] tinha como intenção, [...] ser um grupo de pesquisa que fazia um trabalho de iniciação em pesquisa, ou [...] de formação em pesquisa, que Teresinha cunhou com (in)formação, o “in” dentro de parêntese, porque esse verbete cunhado com essa lógica designa uma formação informada, em que o processo formativo é um processo também auto reflexivo [...] do conhecer como um processo de conhecer-se. E a REDPECT originalmente teve essa intenção dinamizada pela teoria de construção de sentido, de [...] significado, da Tese de Teresinha, que ela fez lá em 1981, acho que finalizou 81, 82. Essa Tese de como [...] o sentido do conceito se relaciona dentro do círculo do movimento do conhecimento, especificamente da relação entre o mundo individual e o mundo natural, a partir de alguns conectores específicos, como: ética, [...] cognição [etc.]. Então esses conectores é o que move de alguma forma esta grande teoria sobre conhecimento e influenciou [...] nos resultados da minha pesquisa, porque eu [...]uso esse referencial, mas não chego a me aprofundar nele[...]. Mas o que eu acho que é interessante é o que acontece na Redpect como espaço de pesquisa.Tinha uma peculiaridade diferente dos outros espaços, [...] o coletivo era discutido como coletivo, era um espaço para subjetividades, mas era um espaço absolutamente objetivado. O conhecimento não era jogado, lançado, como um delírio filosófico, como especulações de teoria, o conhecimento era direcionado para uma produção científica, humana [...].
132
Conforme descrito na sub-seção 6.1 Análise Contrastiva: O método / sistema de análise, da página 173 a 186
deste texto. 133
O autor-pesquisador Freitas Neto (2015), nome como é citado em suas publicações, foi orientando convidado
da REDPECT a partir do ano de “2003” e continuou como integrante desde então. Albérico Salgueiro de Freitas
Neto, possui graduação em “Licenciatura em Música” (2001); “Mestrado em Ciência da Informação” (2006) e
“Doutorado em Difusão do Conhecimento”, todos cursados e concluídos na UFBA. Atualmente é Pesquisador
voluntário da UFBA, Professor de Música da Secretaria Municipal de Educação de Salvador e Professor da
Secretaria de Educação de Camaçari. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Música, atuando
principalmente nos seguintes temas:Cegueira, Cego, Deficiência Visual, Análise cognitiva.
237
Como coloca tão bem o autor-pesquisador Freitas Neto, a REDPECT tem a formação
do pesquisador, a “formação informada”, como principal objetivo. Um processo “auto-
reflexivo do conhecer como um processo” de autoconhecer-se. O que dá respaldo a questão da
autonomia citada diversas vezes no fluxo deste texto. E, a “construção de sentido” entre seres
humanos e mundo, não só numa dimensão cognoscitiva, mas e/também com a atenção voltada
para a ética etc. Esta teoria do conhecimento, que ele coloca como a “grande teoria” de
sentidos que movia a rede na espiral do conhecimento, influenciou também seus estudos.
Entretanto, o que é mais “interessante”, “peculiar” para ele na REDPECT é o
“direcionamento” do conhecimento como uma “produção cientifica humana”.
E ele continua: “[...] um processo revolucionário educativo, [...] com um objetivo
muito claro, com uma metodologia de aprendizagem muito bem montada.” A partir deste
ponto, Freitas Neto menciona usando um adágio popular, a multirreferencialidade e a
complexidade e o equivoco das pessoas ao pensarem que a “[...] multirreferencialidade é
mistura de alhos com bugalhos [...]”; ou ainda ao pensarem que “[...] misturar qualquer coisa
com qualquer coisa gera pensamento complexo [...], quando na realidade não é”. Então ele
define que, o “[...] pensamento complexo é a capacidade do observador de ler o seu objeto, na
sua opacidade, na sua idiossincrasia e nos seus limites de imundice e sujeira, beleza e brilho”.
Freitas Neto (2015) conclui dizendo que a própria “[...] dinâmica das reuniões da
Rede, aconteciam de modo que era em si mesma uma produção de conhecimento”.
Confirmando assim o que outros entrevistados falaram em suas entrevistas.
A visão de Matos (2015) complementa essas questões ao dizer:
[...] a REDPECT, tem um fator interessante [...] de que a teoria é apenas um modo de conhecer, ela não é um modo e não é a verdade sobre o conhecimento. A teoria em algum momento vem da prática, que se tendeu a uma generalização, e tende a se generalizar, porque a sabedoria, o conhecimento, não está ligado necessariamente à palavra escrita, está ligada a uma vida que se vive, a maneira como se vive, o conhecimento que você produz no decorrer daquela sua vida, os problemas que você enfrenta, como é que você se constitui no que você é. E isso é conhecimento. Uma pessoa para viver tem que produzir conhecimento, isso é do ser humano.
E ao finalizar, ele menciona que foi na REDPECT que ele compreendeu isso, que “[...]
foi um aprendizado nesse sentido [...]”, e que ele fala sempre para seus alunos como “[...] isso
é muito valoroso, porque é conhecimento de vida, é conhecimento de prática, é conhecimento
do ser humano lidando ali com o mundo.” Algo que ele utiliza no ensino, na práxis, no seu
cotidiano. Essa fala de Matos explicita a questão humana mencionada por Freitas Neto acima,
238
de maneira a traduzir o conhecimento construído na REDPECT como prático, do dia a dia,
vital para a vida dos seres humanos. Interessante observar que esta visão de Matos, que vem
da área de Psicologia, fundamenta a questão retomando o que diz Varela (2007)134
, com a
visão da biologia sobre esta questão do ser humano construir o mundo e vice-versa.
Essas e outras concepções do conhecimento estão implícitas nas falas dos
entrevistados sobre a visão e tratamento do conhecimento na REDPECT, e é parte integrante
do conhecimento construído por estes autores-pesquisadores em sua passagem pela rede.
Consideradas essas visões da concepção de conhecimento trabalhada na rede, retomo a
história da RICS, sua institucionalização, dando continuidade à perspectiva de conhecimento
em que foi elaborada a proposta coletiva/colaborativa do DMMDC, construída a partir das
concepções teóricas que provocaram os parceiros da RICS para essa construção:
Este interesse teve e tem como base a constatação muito atual, mas que já vem
sendo apresentada desde a década de 1950, inteligentemente, por dois cientistas de
referência internacional: C.P.Snow135
no livro "As duas culturas" e M. Polanyi136
,
em "Personal Knowledge" [...], constatação esta que é assim expressa, mais
contemporaneamente, de modo sumário, por Delanty137
, nas pertinentes reflexões
que apresenta em "The Challenge of Knowledge": "Pode-se dizer que a história dos
sistemas de pensamento político e social ocidentais é a expressão de um conflito
profundo entre dois tipos de conhecimento: conhecimento como ciência e
conhecimento como cultura" (2001, p.1). Tal conflito revela-se também na histórica
dicotomia "racional - social" entre as abordagens empíricas e normativas de
produção do conhecimento científico (LONGINO138
, "The Fate of Knowledge,
2002, p.68-96) e toma proporções cada vez mais significativas quando se considera
a força da "aplicação" dos conhecimentos científicos, no impulso da cadeia
acelerada de transformações tecnológicas na sociedade contemporânea, mas ao
mesmo tempo, o fato de que este é um processo do qual poucos ainda participam
(SEVCENKO139
, 2001). (DMMDC, APCN, 2007, p. 1)
Além disso, a proposta apresentou também a necessidade da participação ampliada de
diversos “segmentos da sociedade”: E ainda, “[...] outra das razões para se instituir esta
proposta, que busca superar fatores restritivos a tal participação [...]”, a “[...] importância da
participação de diferentes segmentos da sociedade nos processos de transformação científica e
tecnológica [...]”. (DMMDC, APCN, 2007, p. 1).
134
Citado na página 60 deste texto. 135
SNOW, Charles P. As duas culturas e um segundo olhar. São Paulo: EDUSP, 1993. 136
POLANYI, Michael. Personal knowledge: towards a post-critical philosophy. Chicago: The University of
Chicago Press, 1976. 137
DELANTY, Gerard. Challenging Knowledge: The University in the Knowledge Society. Open University
Press. Place of publication: Philadelphia. Publication year: 2001. p. 192. 138
LONGINO, Helen E. The Fate of Knowledge. Winner of a 2002 Robert K. Merton Professional Award,
2002. 288 pp. 139
SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI: No Loop da montanha-russa. São Paulo: Companhia
da Letras, 2001.
239
Apresentada a caracterização da proposta do DMMDC, volto à entrevista de Pereira
(2015), no momento em que ele fala do seu desligamento da REDPECT, sua permanência na
RICS e o que tinha sido acordado entre os parceiros na sua instituição:
Então, eu posso dizer o seguinte, eu saí da REDPECT em um momento determinado, por interesses meus de pesquisa, mas, da RICS todos que estão no DMMDC não saíram. Você não sai da RICS por que saiu do Doutorado a não ser que só esteja vinculado ao doutorado, ai tudo bem. Mas a ideia [desde o início] é que a RICS seria muito maior que o DMMDC. Então tinham outras coisas que seriam outros projetos da RICS, que nós continuaríamos a fazer caso não entrássemos no DMMDC, porque [...], por exemplo, não satisfazíamos naquele momento aos critérios da CAPES para ser professor permanente ou colaborador, mas tinham aqueles que tinham projetos que eram da RICS, porque investigavam coisas da RICS e poderiam continuar na RICS sem problema.
Para além do interesse dos parceiros continuarem fazendo parte da RICS, as pesquisas
que integram parte desta rede são importantes para o desenvolvimento das três linhas de
pesquisa do DMMDC:
Linha 01 – Construção do Conhecimento: Cognição, Linguagens e Informação;
Linha 02 – Difusão do Conhecimento - Informação, Comunicação e Gestão;
Linha 03 – Cultura e Conhecimento: Transversalidade, Interseccionalidade e
(in)formação.
Estas três linhas, como guarda-chuvas, abrigam outros tantos projetos de pesquisa dos
integrantes da RICS e seus orientandos/doutorandos, inclusive os da REDPECT. Isto tudo
justifica essa decisão dos parceiros que idealizaram a RICS, de permanecerem na rede com
seus projetos, mesmo que não estivessem diretamente ligados ao programa. Dito isso, volto a
Pereira (2015), que continua narrando essa história:
Então, ainda que não formalmente, por exemplo, hoje faço parte do DMMDC, tenho projetos que trabalham com difusão do conhecimento, não formalizados pela RICS, mas eu considero parte de minhas atividades. Na RICS, que acaba sendo a RICS com a interface com meu grupo de redes, com uma intersecção e interface com outros grupos que trabalho coisas e [...] pesquiso. O fato de formalmente estar no programa, digamos que formalmente me dá credencial de participar da RICS. Mas se por ventura eu sair [...], outros projetos que eu tenho, que não necessariamente tem a haver com a pós-graduação, mas que continuam sendo de pesquisa, ou podem ser de extensão também, podem me credenciar a continuar na RICS. Nesse sentido, essa foi a nossa ideia naquele momento.
Após concluir essa questão da RICS/DMMDC, Pereira (2015) conta um pouco do seu
pós-doutorado:
240
[...] enquanto eu estava na REDPECT, procurei saber de Teresinha se ela tinha interesse que nós pesquisássemos alguma coisa e sugeri fazer uma pesquisa, que nós dois chegamos a um comum acordo de que poderia ser uma pesquisa de pós-doutorado. Então nós solicitamos, eu fiz o projeto, foi aprovado o estágio pós-doutoral no Departamento de Educação da Federal da Bahia, desenvolvi, fiz o ensaio, enfim entreguei esse trabalho foi informado no projeto do DMMDC, que havia [...] uma pesquisa de pós-doutorado, que estava trabalhando neste caso - era com canais preferenciais de difusão do conhecimento técnico científico - eu fiz a pesquisa entreguei, mas infelizmente por uma questão talvez administrativa, burocrática, quiça logística, apesar de ter realizado isso eu nunca tive um certificado de que fiz um pós-doutorado, Mas foi feita essa pesquisa [...] na REDPECT.
A partir desse relato, percebi que o pós-doutoramento de Pereira (2015) foi feito ainda
na REDPECT, portanto o doutorado ainda não tinha sido implantado. A entrevista de Pereira
(2015) se finaliza com essa fala e encaminha a história da RICS, no que tange as questões que
envolveram a característica do programa de difusão do conhecimento ser multi-institucional.
Para isto apresentarei a entrevista de Teresinha Gomes de Carvalho140
, que é autora-
pesquisadora da REDPECT desde 2004.
Carvalho (2015) inicia sua história com a RICS dizendo:
[...] quando eu conheci Teresinha [Fróes Burnham], me encantei com a história da articulação que ela fazia com esse doutorado interinstitucional. Ela já tinha a proposta, e veio aqui na UNEB para ver a possibilidade de realizar um seminário para discutir essa interação com o doutorado. Eu trabalhava na PPG, e achei muito interessante essa ideia de articular com o PPG da UNEB, [...] porque ela já vinha fazendo com outras instituições, e chegou na UNEB com a coisa mais ou menos, o que é muito do jeito dela, organizada, mas não pronta. Ela conseguiu, na PPG, com o Pró-reitor, chamar todos, para dar a ideia do que era aquele trabalho de um seminário pra discutir um doutorado interinstitucional.
E como eu sempre gostei dessa coisa de articular várias instituições, entrei [no processo], e ela me convidou para ir à REDPECT. Então, eu já conheci Teresinha com a REDPECT e a RICS pronta. Pronta e não acabada. Quer dizer, pronta, mas que está sempre aberta pra receber ideias, pessoas. O que Brandão chama de participação. Mas uma participação, que Pedro Demo diz assim: “consciente”. Porque Pedro Demo tem um trabalho sobre “a pobreza política”, e Teresinha faz o inverso, o conhecimento político te permite essa consciência de participar, de contribuir com parte, e eu Técnica da UNEB, vinda do CEPED, a disposição da UNEB, entrei.
140
CARVALHO, T. G., como se denomina em suas publicações, possui graduação em Ciências Sociais pela
Universidade Federal da Bahia (1976). Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia,
atuando principalmente nos seguintes temas: ensino de pós graduação, difusão do conhecimento,
desenvolvimento regional, pesquisa, educação superior e extensão. Atualmente é doutoranda do DMMDC.
241
Com estas falas a autora-pesquisadora narra como entrou na REDPECT e iniciou sua
participação “consciente” no processo de implantação do DMMDC, e pontua a questão do
reconhecimento do outro independente do seu grau de instrução, títulos etc.
Entrei, e no 1º seminário aqui na UNEB, ela me deixou muito a vontade para articular professores, pró-reitores das quatro estaduais, da federal, [lembro que] na época só tinha federal. E quando ela sentia que a coisa estava muito lenta, ela não me impunha, ela apenas me perguntava: “Será que a gente vai conseguir fazer esse seminário?” Como uma coisa bem horizontal, é: “a articulação tá com você, mas será que ela está acontecendo como deve?” Mas, sem pressionar. Ela me perguntava e me deixava a vontade, para que eu trilhasse os caminhos que eu tinha percorrido até então.
Neste ponto de sua narrativa histórica, Carvalho (2015), assim como José Conceição
(2015)141
anteriormente, faz considerações à liderança pelo exemplo, compartilhada, assertiva,
corresponsável, colaborativa, mediadora, de Fróes Burnham atuando como coordenadora das
redes de pesquisa.
E quando o caminho não era bem claro, ela perguntava assim: “Mas será que o pró-reitor tal participará, dessa atividade?” Porque era interessante que os pró-reitores estivessem, e sabíamos de antemão, que tinham alguns pró-reitores que eram contra essa articulação, cada um queria o seu doutorado [...]. E ela trabalhava já nessa abordagem colaborativa e multirreferencial. Uma abordagem que permite ao coletivo dar sua contribuição e também tirar o seu proveito. [Isto porque,] a gente aprende, naquela coisa dela.
Aqui há uma reflexão sobre o conceito da abordagem colaborativa e multirreferencial,
como sendo uma questão onde todos ganham, pois permite que o coletivo possa contribuir e
aproveitar essa oportunidade para se (in)formar, ou seja (trans)formar, (trans)duzir a
(in)formação em saber, em conhecimento, através do exercício prático aliado a experiência
enriquecedora de Fróes Burnham.
Então, eu fui para as primeiras reuniões da REDPECT, nos anos de 2004, e ela já foi me apresentando [a todos] como [fazendo] parte. E eu nem me inscrevi, mas já me sentia em casa e [participava de] tudo que era feito, [inclusive do referido o mapa] que o pessoal hoje chama de “mapa conceitual”. Eu não sei que nome tinha quando eu entrei, porque todo mundo contribuía de uma maneira muito calma, muito colaborativa, sem imposição e Teresinha tava no meio, como uma criança que sabe fazer com que todo mundo “brinque”. Mas que contribua com o trabalho, é um brincar trabalhando, é um brincar desenvolvendo atividades, que eu achei na época uma metodologia diferenciada.
Esta alusão ao “brincar trabalhando”, ao fazer pesquisa brincando, que Carvalho
(2015) faz, inclusive considerando como uma metodologia, é também observada por Xavier e
141
Vide citação à página 212 deste texto.
242
Matos (2012)142
. Portanto, é uma forma de abordagem do cotidiano da REDPECT
reconhecida pelos autores-pesquisadores. Outra característica da rede que se confirma com
essa fala é o acolhimento, o respeito ao outro e a contribuição autônoma incentivada.
E complementa Carvalho,
[...] o que me encanta em Teresinha é essa metodologia diferenciada e, ao mesmo tempo, participativa, colaborativa, organizacional, ela não deixa frouxo, mas também não aperta. Mas você se sente parte daquele trabalho. [Além disso,] na discussão, ela sempre fez a reunião da REDPECT em uma sala [organizada] em circulo, e ela fazia parte desse circulo e todos podiam falar o que entenderam e o que não entenderam, e ela ali dialogava. Ela não dizia “o caminho é esse”, mas [questionava:] “como chegar a esse caminho que a gente quer?” Ou seja, “qual é a sua visão, desse caminho que a gente precisa percorrer?” E nós escrevíamos. Dávamos nossa contribuição escrita, a nossa contribuição falada.
Com essa declaração, Carvalho (2015) confirma características da atuação de Fróes
Burnham, nas reuniões de orientação coletiva ou do cotidiano da rede, exercitando saberes,
práticas, comuns à REDPECT: o da mediação, do compartilhamento, do dialogo, da escuta
sensível, do respeito e importância da visão do outro. Isto remete ao texto da seção 2.4.2
REDPECT e a pesquisa Acadêmico-científica e 2.4.3 A Iniciação Científica – Elemento
de base do Mosaico 143
, na qual estas características são levantadas.
Carvalho (2015) continua sua narrativa: “Ela trazia o mapa [...] numa parede, e aquele
mapa tinha o tamanho da parede, que você podia ir ali, o tempo todo, crescendo junto com o
mapa”. Interessante enfatizar essa colocação dela - “crescer junto com o mapa”, “o tempo
todo” -, porque acredito estar ligada ao cotidiano da rede. Em minha interpretação, esse
“crescer” tem a haver com a aprendizagem que se desenvolvia na práxis da pesquisa naquele
espaço de aprendizagem, com a construção colaborativa do conhecimento.
[...] em 2007, [aconteceu] o seminário na UNEB, [quando] vem o pessoal do LNCC, [representado por] Bevilacqua. Eu ainda estava na PPG e me lembro que os meninos usavam tecnologias, [...] estavam todos [...] lutando pelo doutorado, interessados na multi-institucionalidade e eu ia para sala do professor Valentim, não com toda naturalidade, buscar meios para desenvolver o seminário aqui dentro. Pegava os diretores de cada departamento e conversava sobre a importância de fazermos em conjunto, que era uma abertura que Teresinha estava trazendo para nós, e eles achavam que Teresinha era eu. Mas [eu explicava] que era Teresinha Fróes. Eu fazia questão de fazer a diferença: “Teresinha Fróes, eu sou Teresinha Carvalho, eu estou aqui trazendo a ideia que foi formatada por Teresinha Fróes, que é a pessoa que desenvolveu [o projeto] junto a CAPES, junto ao
142
Citado na página 55 143
Da página 56 a 60 deste texto.
243
LNCC, junto às outras estaduais, entendeu? Para implantar esse doutorado multidisciplinar”. Professor Cesário que era o pró-reitor, assimilou bem essa ideia e lutou junto, [estávamos] no finalzinho do governo de Ivete, e eu entrei várias vezes na sala de Ivete Sacramento, tem [também] o professor Valentim, que participou com o pró-reitor de extensão do seminário. Porque eu fui na sala do professor Valentim, eu precisava de algum apoio financeiro, pois Teresinha já tinha [avisado que ia] trazer os professores de fora, para participarem do seminário. O professor Valentim, como pró-reitor de extensão, era quem financiava os seminários, então eu fui buscá-lo para fazer parte da abertura desse seminário. multi-institucionalidade Veio [também], aquela professora que era da pró-reitoria de pesquisa da UFBA. Essa, eu fui lá na pró-reitoria conversar com ela, ela não podia faltar a esse seminário. [...] Quando eu falei no seminário [...] por telefone, ela [...] disse que não viria e disse também a Teresinha. Então, eu resolvi ir lá na pró-reitoria e disse a ela: “Professora, quem está à frente desse seminário é a UFBA, a pró-reitoria da UNEB está ajudando, mas não é a principal, e se você não estiver presente vai ficar difícil para os pró-reitores das outras estaduais, e principalmente para a UNEB, é [necessário] a senhora se fazer presente”. [...] Nessa conversa ela disse: “eu vou, eu tenho um outro evento, mas eu vou, mesmo que eu não fique, mas eu vou”. E pense na pessoa que veio, que participou, que deu a contribuição dela.
Nesta longa fala Carvalho (2015), relata as dificuldades que teve que superar e os
recursos que teve que levantar, a fim de colaborar com Fróes Burnham, via REDPECT e
UNEB, para a realização do “Seminário de Apresentação do Doutorado Multi-institucional e
Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento” na UNEB. Ao final de seu relato observei:
“Olha como foi fundamental a sua participação para esta realização”. Tanto foi importante
essa atuação de Carvalho (2015) neste processo para a UNEB, para a UFBA, como também/e
principalmente para o DMMDC. Neste ponto enfatizo o reconhecimento ao trabalho e tempo
despendido por Terezinha Carvalho, para o aceite dessas entidades com referência a questão
multi-institucional do Doutorado em Difusão do Conhecimento. A implantação do DMMDC
foi um esforço coletivo, mas não poderia deixar de pontuar essa energia tão proativa
empreendida por ela.
A autora-pesquisadora continua sua história:
[...] como eu aprendi com Teresinha a conversar com as pessoas [...]. A capacitação, a luta, a visão, que Teresinha tem nos projetos, a visão coletiva, não só a visão ampla, mas a visão coletiva, a visão de participação de todos os níveis de pessoas, para ela é sempre assim. Essa metodologia de Teresinha que eu sempre achei bonita. Ela fazia os trabalhos, com a contribuição de todos e trazia para todos que contribuíram, ou não, que [...] participavam tendo o conhecimento de como a coisa aconteceu, o que deu como resultado, estimulando outras pessoas a fazerem parte, a colaborar, contribuir, com a mesma naturalidade e sem distinção de título. Eu era Técnica, tinha apenas o Técnico. Eu me lembro que tinha várias meninas de graduação, iniciação científica, iniciação a docência, tinha técnicos, tinha
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professores da Faculdade de Educação, professores do ICI, professores da Biologia, professores de Enfermagem, várias áreas com participação, mas ela não fazia distinção. Ela abria para que todos pudessem participar. Aquela sala grande não tinha uma cadeira vazia e não tinha uma pessoa que entrasse e saísse sem falar, sem dar sua colaboração, sem escrever, sem enviar informações via on line, ela inscrevia todo mundo na REDPECT. Para todos [...] receberem tudo e [...] responderem tudo. Então, fazer parte da REDPECT, presencial e on line, virtual, é uma coisa muito bonita.
Nesta fala Carvalho estabelece um reconhecimento da aprendizagem significativa que
esse trabalho com Fróes Burnham possibilitou, e elenca ações da prática, do incentivo, das
provocações dessa autora-pesquisadora, que facilitaram seu caminho, e de outros integrantes
da rede para a construção coletiva/colaborativa do conhecimento. E ainda enfatiza a
participação de todos sem “distinção de títulos”, com uma visão poética da REDPECT.
Depois, ela continua contando a história da sua participação nessas redes de pesquisa:
[...] com Leliana eu já participava de um grupo de pesquisa, mas [...] eu sempre tive dificuldades com as tecnologias. Mas, a primeira vez que eu recebi emails da REDPECT, e não era email assim com linguagem tão simples não, mas era um trabalho, o [...] resultado de um trabalho que vinha assim medo de cópia,
Questionei: Então já era difusão do conhecimento entre os pares, não é? Ao que ela
respondeu:
[...] entre os pares, mas o que se chama pares na academia é os que estão no mesmo nível. São os doutores, são os mestres, ali era difusão para todos os participantes. Porque quem estava como Técnico, como eu, nem sempre tinha a linguagem. Quando Leliana fala em Castoriadis, eu vim pronunciar esse nome recentemente, mas já ouvia a abordagem, a discussão, e já me enamorava com isso.
A questão da difusão que Teresinha coloca no doutorado, desde o início, a Difusão do conhecimento, foi uma coisa assim que me chamou muita atenção, porque ela envolvia todos os níveis, intelectuais, acadêmicos, saberes diversos, trazia para nós a clareza da participação das pessoas de outros saberes, do índio [por exemplo]. Eu tive uma oportunidade de ver isso aqui com Leliana, e vi lá com Teresinha. Teresinha com um seminário internacional e a participação do índio que de uma maneira, que só vi essas duas pessoas fazerem [...] nesses dois espaços. Leliana com a rede e Teresinha com a RICS. E que os índios vinham e cantavam, e participavam, e traziam sua contribuição. Os saberes eram tão importantes quanto o conhecimento científico. Então, essa horizontalidade a ideia do doutorado foi de Teresinha Fróes, e o desenvolvimento dessa ideia é o conjunto que aí entram: LNCC, Moret, Hernane, Rosário, [...] Othon Jambeiro. [...] já encontrei Othon discutindo no grupo com Teresinha, e tinha uma elaboração mesmo pra ser encaminhada a CAPES. Uma proposta aprovada [...] já indo pra CAPES.
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A partir destas colocações, questionei: Você participou das primeiras discussões da
RICS e do doutorado ainda na REDPECT? Ela respondeu que “ainda na REDPECT”.
Retruquei: Então a sugestão para esse doutorado vem a partir das discussões da REDPECT ou
já foi na RICS? Sua resposta foi: “Quando começa a ideia de Teresinha, começa lá na
REDPECT [...], a RICS já é meio, uma coisa, vamos dizer assim, [...] uma ideia de
produção”.
Considerando todas as questões que Carvalho (2015) levanta nestas falas, ficou claro: que
ela participou das primeiras discussões da RICS; da sua admiração com a iniciativa de Fróes
Burnham considerar importantes diferentes saberes, acadêmicos ou não, inclusive enfatizando
a questão ao dizer que os “saberes [tradicionais] eram tão importantes quanto o conhecimento
científico”; o respeito que ela tem pelas necessidades e saberes do outro; sua liderança
“horizontal”; e a difusão do conhecimento envolvendo todos os níveis, de intelectuais a
técnicos. Ficou claro ainda que, para ela a RICS era uma rede de produção científica, e, este
pensamento se justifica ao considerarmos os dezesseis projetos de pesquisa envolvidos nessa
rede de pesquisa, que compuseram a APCN de “Projetos de Pesquisa” do DMMDC.
Ela complementa a questão das primeiras discussões da RICS e do doutorado terem
começado na REDPECT, dizendo:
[...] a coisa acontecia de uma maneira muito mágica, acadêmica, científica, então, tem coisas que a gente pensa que está na REDPECT e está na RICS, está na RICS e na realidade está na REDPECT. Por quê? Porque [...] quando chega na RICS, vamos dizer assim, [...] entravamos na reunião, ouvíamos as discussões, aprendíamos com isso. [...] Eu me lembro que vim em uma reunião da RICS, entrei achando que era da REDPECT, na verdade era reunião da RICS. Teresinha estava ali discutindo com Hernane, elaborando coisas e já fazendo ata, então já era um embrião do doutorado. [...] Por isso é que estou te dizendo como nós entravamos na reunião e nos sentíamos parte [...] dela. Nunca fui posta pra fora. Eu lembro que uma vez [...] Teresinha me pediu pra fazer uma ata, porque ela estava [fazendo] outras coisas, tinha outros professores também. Ela me pediu, eu fiz, [...] e entreguei a ela. Ela modificou, acrescentou pouca coisa, porque eu fiz a ata acompanhando aquela reunião. [...] podia ser uma reunião fechada, mas eu fui levar uma informação e terminei sendo convidada a permanecer. Interessante, Teresinha nunca fez restrição a quem chegava, ao contrário às vezes ela convidava, chegou na porta ela convidava [...]para participar.
Essa sensação de pensar estar em um espaço e se encontrar em outro, relatada por
Carvalho (2015), reflete-se inclusive na sua entrevista e narrativa. Todo o tempo ela fala da
REDPECT e da RICS misturando as duas. Isto pode ser clarificado com o fato de que a RICS
é uma criação feita para ampliar a rede de pesquisa que era local, específica da Faculdade de
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Educação, conforme anteriormente mencionado, mas que, para a instituição do doutorado
precisou ser ampliada, com pesquisadores de outras instituições, de outros temas, os quais
traziam as discussões das ciências exatas, ciências da informação, ciências biológicas etc. E,
essa coisa mágica que ela coloca misturada ao acadêmico-científico, é bem uma característica
dessas redes que, tem como eixo epistemológico a multirreferencialidade e a complexidade, e
que trazem para discussão a transdisciplinaridade, a polilógica, o ser humano integral, plural.
Carvalho (2015), mexendo em seu mosaico memorial, relata como se estivesse falando
consigo mesma: “[...] o quanto eu aprendi [...]”. E eu complementei: O quanto você aprendeu
e o quanto você pôde/pode contribuir com esse doutorado. Ela continua:
[...] pois é, e reconstruir essa história pensando que hoje o doutorado existe, graças a uma construção coletiva, que é o primeiro doutorado que o projeto é [oriundo] de uma construção coletiva e que envolve instituições diferentes, atuando por conta desse doutorado, é um chamado a responsabilidade. Porque a UNEB, é uma das instituições que Teresinha suou, para que estivesse ali. E ela não desistiu, mas não desistiu pela sua capacidade, paciência, muita tolerância, pense em tolerância. [...] Porque a UNEB dizia assim: “não quero”, empurrava e ela dizia assim: “mas você faz parte”, não brigava. [...] Quando ela via que a UNEB estava querendo sair, ela vinha e fazia uma reunião aqui dentro. Envolvia as pessoas, trazia pessoas, envolvia as pessoas daqui de dentro. E a UNEB empurrava, [...] mas ela nunca disse [...] “está me empurrando”, ela dizia assim: “a UNEB faz parte”. Se dependesse da UNEB pensar esse doutorado ela estaria mais junto, porque esse doutorado é o doutorado de todos, para todos e com todos, ele é uma construção, dessa Bahia, desse Brasil, desse mundo, tem gente de todas as nações, o que não acontece nos outros doutorados. Porque são específicos: Educação, Letras, esse daqui é “Análise Cognitiva”, para o mundo, para as pessoas, para você se deleitar e poder dizer: “eu sou, eu estou, eu faço parte”. Esse doutorado é Brasil, multirreferencial, multi-institucional, multirracial, ele veio para agregar. Dentro do doutorado hoje ainda tem gente que diz: “eu não sei o que é que eu sou”, o que não tem sentido, E eu vejo assim: você é Brasil, esse doutorado é Brasil, que veio para congregar o mundo. [...] esse doutorado é o coração do Brasil que abarca todo o mundo. Que fique claro, Teresinha Fróes, é a responsável por essa congregação, por essa junção, conjunta participativa consciente, onde a política de acesso ao conhecimento está aberta a todos, para que todos tenham a oportunidade de emancipar-se e construir essa nação, para que tenha condições de igualdade, respeito, responsabilidade, coragem de dizer assim: eu sou capaz de contribuir com esse país e esse mundo, a humanidade faz parte, cada um de nós faz parte. A humanidade sou eu, não é ele que vai mudar, muda comigo. Se eu não mudo, não existe cultura de mudança, a mudança é de cada um, e aí você faz a humanidade consciente, responsável, lutadora. Conhecimento um bem público, de uso público, para a transformação da humanidade. E esse doutorado, eu espero que não seja o único, que a gente tenha outros, cada membro desse doutorado, voltado para o seu país, seja capaz de construir outro, igual ou melhor, que a gente cresça nessa fraternidade multirreferencial/complexa. Como diz Morin, [...] complexidade
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não é o difícil, não é o simplificado, mas é o que soma, multiplica, cresce, produz colaborativamente.
Aqui Carvalho (2015) fala da resistência da UNEB à multi-institucionalidade, ao
doutorado, e todo o esforço empreendido por ela e Fróes Burnham para conseguirem resolver
essa questão até uma resposta positiva. Depois ela filosofa sobre os elementos humanos
contidos na concepção do DMMDC, e o sistema aberto e ampliado que ele propõe, a partir da
AnCo, seu aporte teórico, que significado por ela tem a haver com a humanidade, desde que
analisa o processo de construção do conhecimento. Além disso, coloca também a necessidade
da consciência de cada um para a importância da “política de acesso ao conhecimento estar
aberta a todos”, a partir dos objetivos desse doutorado que, como ela diz: “é o coração do
Brasil que abarca todo o mundo”.
Este é o ponto que Carvalho (2015) se emociona e se desculpa por isso. Então, eu digo
para ela: Teresinha, a emoção sempre foi reconhecida nessa rede, então esqueça isto, porque
na minha tese eu quero emoção, razão, eu quero espírito, eu quero ética, eu quero tudo isso
que nos faz “ser humano”. E fundamento essa questão com uma citação de Morin (2007):
O conhecimento científico [...] foi durante muito tempo e com frequência ainda
continua sendo concebido como tendo por missão dissipar a aparente complexidade
dos fenômenos a fim de revelar a ordem simples a que eles obedecem.
Mas [...] os modos simplificadores de conhecimento mutilam mais do que exprimem
as realidades ou os fenômenos de que tratam, [...] eles produzem mais cegueira do
que elucidação, então surge o problema: como considerar a complexidade de
modo não simplificador? (p. 5).
Em resposta a essa colocação der Morin, trago o DMMDC como uma das
possibilidade de solução para o problema, na perspectiva que Carvalho (2015) o coloca:
E é, porque na verdade fomos o tempo todo preparados para separar, fazer as partes, o doutorado traz essa visão de que nós não somos um braço, uma perna, a ciência natural apenas, a ciência social aplicada, [somos] mais que isso, esse conjunto é que faz o conhecimento. E o conhecimento, ele não é só o científico, ele não é só o acadêmico, o saber também é conhecimento, e esse conhecimento é que faz a realidade de cada comunidade. E que esse respeito ajuda a gente a somar. Essa metodologia do doutorado, onde você encontra pessoas de várias áreas de atuação, e que Análise Cognitiva nos mostra a importância dessa junção, para que possamos ver o outro, respeitando o outro naquilo que ele desenvolve e que pode ser elemento para o nosso crescimento, nossa melhoria, o que o outro faz é tão importante quanto o que eu faço.
Finalizando, Carvalho (2015) diz que:
Então, pra mim, as redes [...] são como a Fonte da Saúde, que a gente
está sempre limpando os olhos, pra gente enxergar, aprender e
reaprender.
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Após a o dialogo com Pereira e Carvalho (2015), achei necessário fazer algumas
considerações sobre a história da RICS contada por eles. Aqui foram apresentadas duas visões
desta história: (1) a de um autor-pesquisador que fez parte do grupo que construiu
colaborativamente tanto a RICS como o DMMDC; (2) a de uma autora-pesquisadora que deu
suporte a sua implantação, no que diz respeito a multi-institucionalidade. Ambas visões
importantíssimas para o conhecimento dessa história. A primeira, visão bem objetiva, que
distingue as duas redes de pesquisa, cada uma em seu espaço e momento; a segunda que
confunde as duas, embora compreenda a importância de ambas nesse processo.
A minha interpretação desta história é que REDPECT, RICS e DMMDC, são
entidades que potencializam os caminhos implicados e imbricados, trilhados por seus autores-
pesquisadores, num processo infinito de construção, (re)construção, (des)construção de
conhecimento humano.
Assim, encerro o sexto Capítulo/Tessela 6 desta investigação, a “Análises dos
construtos: Mosaicos da REDPECT e da RICS”, e remeto o texto para o Capítulo/Tessela 7 -
Considerações (In)conclusivas, onde serão apresentados os resultados alcançados com as
análise das entrevistas dos autores-pesquisadores e outras considerações, que dão um
fechamento a esta tese.
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7 TESSELA: CONSIDERAÇÕES (IN)CONCLUSIVAS
Muitas questões se clarearam para mim durante o processo de análise, mas que, devido
sua abrangência, não tenho como considerá-las conclusivas. No máximo posso dizer que são
“resultados” da “investigação”. Na realidade, o referido “processo de análise” se
(trans)formou em um extenso dialogo com os autores-pesquisadores entrevistados, e também,
no próprio processo de modelagem/construção do “mosaico epistemo-teórico-metodológico e
político, que hoje posso chamar de Análise Cognitiva. Com isto posso dizer também,
compreendi muito mais a rede e seus saberes, práticas.
Desvelei alguns mistérios sobre a AnCo, dentre eles que não é apenas um processo de
análise, mas sim um processo de construção colaborativa humano, que acontece consciente e
inconscientemente, tanto na dimensão individual quanto na dimensão coletiva, que tem como
resultado a “inteligência”. E aqui, não separo esta inteligência em individual e coletiva de
maneira proposital. Isto porque, cada ser humano individualmente é um “ser múltiplo” que
carrega consigo o “imaginário social”, construído em sua interação com o mundo.
Quando estava pensando na conclusão desta tese, completamente envolvida pelo
“labirinto” dos meus pensamentos -, um processo caótico dos saberes, práticas, bailando no
meu cérebro em “ebulição”, metaforicamente como os “cisnes” do balé “a morte dos cisnes”,
no ato da “agonia”, da morte/vida -, muitas questões surgiram: Como concluir a tese? Como
trazer os resultados alcançados? Será que foram alcançados mesmo? Como dar um ponto
final ao texto?
Então, o caos se (trans)formou, uma nova ordem se estabeleceu e encontrei a “fresta”
para a saída do labirinto! A primeira decisão que surgiu me libertando dessa morte metafórica,
que faz parte da modelagem do mosaico da construção de conhecimento, foi considerar
efetivamente este estudo como (in)conclusivo. Isto porque, se o mosaico está vivo no
“imaginário social” ele está sempre em construção, em (trans)formação. Nesta caso, sempre
vivo; nos “outros” com os quais convivi e, como numa interseção, deixaram um “bocado”
deles em mim e levaram um “bocado” de mim neles.
Isso é humanidade! É epistemologia solidária, é “Tra(ns)jetória Cognitiva”, que coloco
aqui como a minha sugestão para o novo título da “Análise Cognitiva”.
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7.1 TRA(NS)JETÓRIA COGNITIVA: RESULTADOS
As análises mostraram que, não há como fragmentar o processo de construção
colaborativa do conhecimento, em categorias. Isto só ficou claro a partir da análise detalhada,
quando em paralelo um texto estava sendo tecido, elaborado, costurado, com os fragmentos
de memória, recortes -, que aqui vou chamar de tesselas por conta da modelagem do mosaico
-, das entrevistas dos autores-pesquisadores.
Percebi que, repetidamente, nas tesselas144 tratadas no processo de análise, as
categorias se articulavam espontaneamente com outras categorias e conceitos emergentes. Era
como se tivessem voz, como se pedissem para serem articuladas a essa ou aquela questão,
tema, ou umas com as outras. Além disso, os conceitos que emergiam nas análises, remetiam
naturalmente a partes anteriores do texto, me levando a estabelecer links de sentidos, ou de
ilustração dos achados neste processo. O texto falava comigo!
Além disso, um desafio se sobressaia a estes que surgiram nas análises. As
dificuldades inerentes à (trans)formação de “prática” em texto, das entrevistas de
(com)panheiros de processos colaborativos. Quase todo o tempo eles falavam de
acontecimentos do cotidiano da rede, de suas práticas sem registro formal. Então, isto
caracterizava num trabalho, no mínimo, não muito fácil. As falas são entrecortadas por
brincadeiras, lembranças de momentos compartilhados, intervalos para isto e aquilo, a
mudança de um espaço para outro por conta das interrupções do entorno etc. Uma verdadeira
aventura, embora muito prazerosa.
A partir dessa percepção, outro fato também ficou claro. Se continuasse tentando
manter as análises aprisionadas às categorias, a uma estrutura preestabelecida, estaria
cometendo o mesmo erro que o processo de disciplinarização, fragmentando o conhecimento,
permitindo que lacunas se estabelecessem.
Isto certamente faria com que a trajetória deste conhecimento, que estava sendo
construído, modelado como um mosaico complexo, multirreferencial, a partir das diferentes
tesselas -, e diferentes significados -, que emergiam e iam sendo “coladas”145 ao texto, não
dessem forma ao desenho do resultado final pretendido, traçado, ou seja, que o objetivo desta
144
Ou recortes, como o explicitado acima. 145
Uso o termo “coladas”, como foi citado por Silva (2015) na entrevista, apresentando a origem, o processo de
construção e a importância dos Mapas de Citações. Este mapa foi apresentado como evidência não só de
construção colaborativa, como também do compartilhamento e a difusão do conhecimento construído na rede..
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investigação não fosse alcançado. Concretizando assim uma obra esteticamente desalinhada,
um mosaico sem sentido, sem forma bem definida, sem conteúdo lógico.
Estava diante de um paradoxo! Precisava cumprir o ritual de defesa de uma tese e
apresentar os resultados obtidos nas análises, de acordo com cada categoria estabelecida e/ou
seus objetivos específicos. Afinal esta era a proposta. Mas, o mosaico vivo me atraia para um
espaço inovador de apresentação dos resultados, que eu não conseguia reconhecer, pensar.
Envolvida com essa problemática, surgiu a questão: Como fazê-lo, se estou lidando com um
mosaico vivo, falante, autônomo, articulador?
Sendo assim, para dar um sentido lógico ao texto e facilitar sua compreensão, resolvi
apresentar de maneira sistemática, por categoria, os resultados alcançados com a análise
detalhada das entrevistas dos autores-pesquisadores da REDPECT, com a ressalva de que, na
medida do possível, não serão apresentadas as repetições das evidências. Então, elenco a
seguir esses achados/tesselas do Mosaico, nesta tra(ns)jetória cognitiva:
Evidências do Processo de Construção Colaborativa do Conhecimento: Na rede,
em rede, sem distinção de título acadêmico:
o Seminários semanais de formação de pesquisadores, que possibilitavam
discutir método, metodologia e pesquisa, formação sem formalidade, que não
se dava na grade curricular;
o Reuniões de “orientação coletiva”, que além de discutir o objeto de cada
projeto coletivamente, fossem eles de iniciação científica, mestrado,
doutorado, pós-doc, todos independentes de formação ou título, o que na
minha percepção potencializa a inteligência coletiva – para alguns, “rodas de
discussão” dos projetos dos autores-pesquisadores;
o Os produtos, os construtos, que se materializaram em artigos; intertextos
cartografia de temas e autores, resultado da leitura intertextual, na perspectiva
multirreferencial;
o A construção de projetos, a tecnologia de construir textos com outros, a
maioria participava da construção, cada um trazia sua contribuição, e um
grupo menor fazia a edição, organizava, preenchia os formulários. Esta
prática forma, (re)forma e (trans)forma o pesquisador;
252
o Construção de mapas de citações, referências, para uma leitura horizontal,
vertical e transversal dos conceitos em estudo;
o Interação da graduação com a pós-graduação; em estágios, ou monitoria aos
graduandos pelos pós-graduandos;
o A maneira de viver na/em rede, o modo de vida na rede e em rede, a estética
que se concretiza no próprio conhecimento construído, de maneira explícita
quando apresentado no suporte: papel; áudio, vídeo, filme etc., para sua
difusão;
o Organização de eventos científicos e de lançamento de publicações, feita de
maneira colaborativa;
o O acolhimento aos visitantes e estudantes que utilizavam os equipamentos da
rede, mediante registro da atividade, inclusive impressora, consequentemente,
papel e tinta, ou toner; também poderia ser considerado como evidência de
colaboração.
Bases teórico-epistemológicas que sustentam esse processo de construção
colaborativa na rede
o Currículo;
o O trabalho com o conceito de cotidiano, porque “quase tudo” na rede era
aprendido na prática um currículo produzido na questão do dia a dia;
o Desenvolvimento de pesquisa: Metodologias, Métodos, a transformação de
quanti em quali, e a adaptação do primeiro para o segundo;
o Educação;
o Educação à Distância;
o Info-educação;
o Multirreferencialidade;
o Complexidade;
o Imaginário social;
o Gestão da Informação;
253
o Construção do conhecimento;
o Estética;
o Ética;
o Inteligência Coletiva;
o O poder simbólico, o saber da mediação, a partir do esvaziamento do poder
simbólico para a aprendizagem coletiva;
o Dinâmica de grupo, possibilita o trabalhar colaborativa, diante das
questões/conflitos inter-trans-subjetivos;
o (Des)colaboração, para o aprofundamento das análises de casos de “não
sucesso” e as lutas de poder/território durante o processo de construção
colaborativa;
o Espaços de aprendizagem;
o Gestão do conhecimento;
o Difusão do conhecimento;
o Poder;
o Ética;
o Psicologia;
o Análise Contrastiva;
o Tecnologia da Informação;
o Mapas de citações construídos colaborativamente, objetivado como esteio
para a produção do conhecimento;
o Acolhimento;
o Solidariedade;
o Cuidado, incluído aí o afeto, o afetar e como afeto o outro;
o Prática transformadora, estratégia pedagógica político-espistemológica e
metodológica;
o Política – pensamento crítico;
o Interação – integração humana;
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o Compartilhamento de Feedback;
o Gestão – na perspectiva de coordenação de uma rede de pesquisa;
o Auto-organização;
o Autoria;
o Autonomia;
o (Retro)alimentação.
Evidências que podem demonstrar o compartilhamento e a difusão das
construções de conhecimento na rede
o Reuniões de orientação coletiva, com a participação de todos e a apresentação
do grupo, o que os colegas do grupo pesquisavam e traziam como novos
elementos que se encaixavam, as trocas nos corredores;
o Todas as reuniões eram abertas ao público, o que diferenciava a REDPECT
de outros grupos; e sempre foi assim, desde o NEPEC;
o Os produtos: artigos, intertextos, capítulos de livros e livros, coletâneas etc.;
o Socialização dos intertextos, feitas internamente, a cada semana;
o Workshop de lançamento de livro, coletânea, com os autores apresentando
seus capítulos, de maneira sintética;
o Organização de eventos científicos e de lançamento de publicações;
o (Co)existência como forma de compartilhamento, de maneira perceptual, ou
seja, a percepção do que os colegas estão construindo;
o O conhecimento e a experiência de Fróes Burnham, que ela disponibiliza
pacientemente, respeitando as limitações do outro;
o A participação em congressos, palestras, eventos;
o Reuniões menores, no almoço com Fróes Burnham, como micro seminários
de saberes multirreferencias e multirreferentes;
o O próprio grupo era o acolhimento e compartilhava saberes, práticas em todas
as relações, internamente ou não;
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o O acolhimento aos visitantes e estudantes que utilizavam os equipamentos da
rede, inclusive impressora, consequentemente, papel e tinta, ou toner
mediante registro da atividade e o cadastro do no mapa de atividades diárias;
o Construção/elaboração de projetos, atendendo editais de instituições públicas,
como o CNPq, a FAPESB, isto difundia os saberes da rede, a partir de sua
fundamentação teórica e justificativa/relevância;
o O convívio, a participação, com outros grupos de pesquisa;
o A própria estrutura da rede possibilitava o compartilhamento e a difusão do
conhecimento, através dos momentos de compartilhamento: a escrita coletiva
para publicação de artigo, livros; as reuniões de estudo.
Por todos estes resultados encontrados nas análises, considero que: o objetivo geral e
os objetivos específicos deste estudo foram plenamente alcançados. Hoje tenho uma
compreensão muito mais ampliada e aprofundada da construção colaborativa do
conhecimento, como esta é compartilhada na rede, e também, como este processo, que se
propõe (in)formar pesquisadores e analistas cognitivos precisava ser fundamentado como uma
modelagem cognitiva em mosaico, complexa e multirreferencial.
Ao iniciar esse trabalho via na construção “construção colaborativa do conhecimento”,
metaforicamente um “diamante bruto” a ser “lapidado”, mas não tinha ideia de sua dimensão.
Hoje percebo que “este” tem muitos quilates e arestas a serem tratadas. Ele superou em muito
minhas expectativas. A rede que estava aparentemente parada se mostrou viva, embora de
maneira circundante à instituição “rede”. As pessoas se comunicam agora por redes sociais. O
resultado disto tudo, conforme citei no processo/sistema de análise, foi que as entrevistas
planejadas cresceram, ampliaram o objeto e o enriqueceram significativamente. Então, que
assim seja e a REDPECT possa fazê-lo com a atenção, afeto e cuidado, peculiares ao seu
cotidiano.
Diante de todo o exposto o conceito de construção colaborativa do conhecimento se
amplia, se atualiza, se (trans)forma, para:
A construção colaborativa do conhecimento é um mosaico epistemo-teórico-
metodológico e político em processo, uma tra(ns)jetória inteligente, complexa, de
aprendizagem, onde tudo é não estático, auto-organizável, sempre em construção, que
aceita a diversidade e a pluralidade cultural como possibilidade e as transforma em
saberes, práticas multirreferenciais, compartilhadamente e as socializa para a difusão
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de (re)construções de conhecimentos anteriores ou de novos conhecimentos
construídos.
Com a apresentação do conceito ampliado de construção colaborativa, encaminho o
texto para a seção/tessela 7.1, que apresentará o grande mosaico desta tra(ns)jetória: o
DMMDC.
7.2 DMMDC: O GRANDE MOSAICO
Objetivando dar sentido a esta colocação do DMMDC como o “grande Mosaico”,
início esta seção com uma breve retrospectiva no espaço-tempo da vida deste mosaico
epistemo-teórico-metodológico e político, para apresentar alguns dados históricos de sua
aprovação.
Todos os envolvidos na construção colaborativa do Mosaico DMMDC aguardavam a
aprovação do seu projeto pela Câmara de Ensino de Pós-Graduação e Pesquisa da UFBA. A
Câmara aprovou esta proposta em 23/03/2007, e Fróes Burnham anunciou a aprovação,
dizendo:
Prezados colegas:
Tenho o prazer de informar que a Câmara de Ensino de Pós-Graduação e Pesquisa
da Ufba aprovou, ontem à tarde, por unanimidade, a nossa proposta do Doutorado
em Difusão do Conhecimento. Estamos todos de parabéns!!!
Um abraço,Teresinha
Todos se manifestaram. Mas em 26/03/2007 uma mensagem visionária saudou o
acontecimento de maneira especial, filosoficamente. Apresentando o potencial criativo e o
leque de opções para a modelagem desse grande Mosaico:
Querida Teresinha,
Parabéns pela vitória e por ser possuída pela dádiva da reunião em rede da
complexidade conjuntural. Força de reunião de diferentes em uma mesma
convergência criadora, co-criadora, desbravadora. Arquitetura de diferentes
conjugações verbais e diferentes regimes de signos. Interfaciamento do que se
projeta em diferentes possibilidades. Modelagens que se experimentam no deixar ser
a multiplicação da força pela coesão colaborativa, dialógica, inspirada no cuidado e
na afeição implicada, polissêmica, polifônica, polilógica. Hermenêutica-semiótica-
computacional-logística-heurística-filosófica, tudo reunido em outras possibilidades
investigativas . Sistemas de sistemas em redes. Entradas e saídas fluxantes.
Modulações e modelagens autopoéticas,interpoéticas e transpoéticas. Pesquisas
257
abertas às emergências inadiáveis locais e globais, singulares e coligadas. Tudo
seguindo o fluxo. Tudo unido no sem-fundamento.Potência geradora de pertença e
sentido implicado: aprendizado de si como cuidado e procura, ultrapassagem e
religação.Saber fazer com os meios disponíveis. Disponibilizar os meios
disponíveis. Unir os meios disponíveis. Pesquisar como solução de problemas e não
como imposição de "verdades indiscutíveis".Solucionar problemas como inventar,
experimentar e alterar estados implicados simultaneamente. A plasticidade do
conhecimento em rede. A Ética da Epistemologia da Complexidade. O que
queremos, então, ser?Rede implicada no devir risomático da potência inclusiva.Um
horizonte ampliado para a investigação continuada dos sentidos próprios e
apropriados. Um tornar-se aquilo que se é na conjugação com o tornar-se do outro,
dos outros e outras e dos nenhuns.Avançar e retroceder sabiamente! Conjugar-se!
Celebrar conjuntamente!Realizar a unidade na diferença no mundo-com! Âmbito de
excelência na construção e trans-formação do conhecimento implicado.
Fenomenologia dos acontecimentos implicados!E tantas outras nomeações e ações...
Só para saudar o acontecimento, ressoar, festejar...
Grande abraço,
Dante Galeffi
A segunda pedra/tessela do Mosaico estava “plantada” e, em setembro de 2007 a
CAPES aprova a implantação do doutorado. Plantando-se assim a terceira pedra/tessela deste
Mosaico. Os dados históricos apresentados aqui dizem respeito muito mais ao marco da
aprovação e implantação desse doutorado, a vibração de todos que participaram dessa
construção colaborativa do conhecimento.
Esta investigação é uma das pequenas tesselas dessa modelagem em mosaico, mas a
partir dos resultados apresentados neste estudo, considero a “construção colaborativa do
conhecimento” como um dos eixos epistemológicos da base teórica do DMMDC. Até o
momento, este tema permeava as atividades deste doutorado, de maneira implícita, desde as
ações didático-pedagógicas e/até as produções/construções dos seus doutorandos. Todo lastro
apresentado no decorrer deste texto confirma esta questão.
As disciplinas sempre são ministradas por mais de um professor e os trabalhos de
conclusão de cada uma delas são construídos pelos doutorandos de
coletiva/colaborativamente, embora esta dinâmica não seja obrigatória o ambiente corrobora
para que assim seja.
Hipoteticamente, se alguém refletir sobre isto, poderia levantar uma dúvida: Ora, mas
este não é um trabalho em equipe, como sempre foi feito em sala de aula? Porém, há um
diferencial na construção colaborativa que é a cooperação e a autonomia. Todos os autores
que utilizam essa construção têm autoridade para sugerir, modificar, mediar, contribui uma
produção que é sua, mas também do “outro”, ou “outros”. Além disso, têm a certeza de serem
ouvidos, respeitados, mesmo que sua contribuição não seja aceita pelo/no coletivo.
258
Após essa rápida passagem pelo histórico do DMMDC e seu eixo epistemológico,
conduzo o texto para a próxima seção/tessela “Processo de Construção do Conhecimento:
Transcendência”.
7.3 PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO:
TRANSCENDÊNCIA
A título de “considerações finais” trago o meu processo de construção do
conhecimento, que aconteceu de forma intensa, profunda, coletiva/colaborativamente a partir
dos “outros” que vivem em mim e dos “outros” com os quais interajo em/na rede; nos espaços
de aprendizagem acadêmicos; do senso comum; das comunidades que participo, aí incluídas,
a família, a espiritualidade, os amigos, e outras. Entretanto, apesar de toda a implicação com
essas -, vou chamar aqui -, dimensões que me (in)forma, (re)forma, (trans)forma, atualiza,
como sujeito, pessoa, ser humano, “minha vida” consciente, essa tese foi construída também
com a dimensão que chamo “transcendente”.
Essa dimensão “transcendente” se concretizou através de sonhos, visões, rituais de
orações, na paz que adveio da terapia holística à distância, nos arquétipos do tarô mitológico
grego. Estes fenômenos me proporcionaram um estado de espírito que fez conseguir
superar/transcender as crises existenciais que me levavam ao caos, e, muitas vezes a ideia
irresistível de abandonar o processo. Mas, essa dimensão, essa instância mágica, mítica,
simbólica, me equilibrava me colocava centrada, focada nesse processo de construção.
A cada dia da minha dedicação exclusiva, quase total, para concluir essa tese, buscava
me ancorar nessa dimensão para produzir/construir. Antes de entrar, ou até para entrar, no
labirinto dos meus pensamentos fazia rituais de oração, queima de incenso, velas, meditação,
utilizando o “banho de cachoeira” no chuveiro, para entrar em contato com a centelha de
divindade que existe mim, uma partícula do criador na criatura.
Sei que relatar esse processo não é padrão acadêmico, não é também ortodoxo, mas
como a proposta deste estudo está ligada ao “processo de construção colaborativa do
conhecimento” e também ao “Mosaico DMMDC”. Este doutorado que abriga, acolhe, cuida,
de todas as iniciativas para tornar o “conhecimento” um bem público, um bem comum,
acredito que este depoimento de um “ser humano” vai contribuir para o (re)conhecimento
259
daqueles que também passam por esse “ritual” acadêmico, e também, a academia, a
perceberem que antes de qualquer título o “ser” é “humano”. E ainda que, sem essas
manifestações de “humanidade” ele não é um ser inteiro. E mais ainda, não tem como
(re)conhecer a pluralidade, a diversidade do “outro” e “outros” que partilham o mesmo
mundo.
Com essas considerações da dimensão transcendente, humana, finalizo essa tese
esperando estar contribuindo para reflexões e construções colaborativas “outras”.
260
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do semestre 2015.1 (com transcrição de gravação).
267
APÊNDICES
268
APÊNDICE A – Disciplinas cursadas no DMMDC
SEMESTRE PERÍODO DISCIPLINAS CURSADAS
NATUREZA
DA
DISCIPLINA
PROFESSORES
2011.1 14/03 a
17/07/2011
EDC A85 - Epistemologia e
Construção do Conhecimento OB
Eduardo Oliveira, Francisca de
Paula e Alfredo Matta
EDC B14 - Seminário de Tese AT Hernane Pereira e Roberto
Ponczek
EDC C42 - TE – Análises Cognitivas OP Teresinha Fróes e José Luis
Michinel
2011.2 15/08 a
15/12/2011
EDC A86 - Metodologia de Análise
dos Processos Cognitivos OB
Dante Galeffi e Wilson
Nascimento Santos
EDC A89 - Processo de Construção do
Conhecimento DL
Felix Diaz, Lúcia Leiro e
Suely Messeder
EDC E30 - TE - Análise Cognitiva II OP Teresinha Fróes, Leliana Sousa
e Rosangela Costa Araújo
EDC C50 - TE - Filosofia
contemporânea: a perspectiva latino-
americana e africana
OP Eduardo Oliveira e Rosangela
Costa Araújo
2012.1 05/03 a
07/07/2012
EDC A87 - Sistemas Complexos OB José Garcia Vivas Miranda
EDC B11 - Pesquisa Orientada OP Todos os Professores, Dante
Galeffi
EDC B15 - Estagio docente OP* Teresinha Fróes e Maria Inês
2012.2 13/08 a
10/12/2012
EDC A88 - Sistema de Representação
do Conhecimento OB Hernane Borges Pereira
EDC B14 - Seminário de Tese AT Roberto Ponczek, Hernane
Pereira
EDC B15 - Estagio docente OP* Teresinha Fróes e Maria Inês
Marques
LEGENDA:
OB – Obrigatória
OP – Optativa
AT – Atividade Obrigatória
DL – Obrigatória de linha
OP* - Obrigatória para todos os bolsistas da CAPES
269
APÊNDICE B – Mapa de Referências
1. CONCEITOS PRINCIPAIS
CONCEITOS FOCO:
o CONHECIMENTO, COGNIÇÃO, APRENDIZAGEM / CONSTRUÇÃO COLABORATIVA
DO CONHECIMENTO E COGNIÇÃO;
EIXOS EPISTEMOLÓGICOS:
o MULTIRREFERENCIALIDADE E COMPLEXIDADE
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Cultural: um desafio para o currículo da escola básica. Texto construído a partir
da conferência: Currículo, Trabalho, Conhecimento e Diversidade: um desafio
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Educação, promovido pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro,
de 30/08 – 01/09/1994.
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Salvador: UFBA, 2003. (Projeto apoiado pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico – CNPq).
FRÓES BURNHAM, Teresinha. Gestão do Conhecimento no Nordeste
Brasileiro: espaço de produção do conhecimento e (in)formação de gestores.
Salvador: UFBA, 2007. (Relatório Técnico de Projeto de Pesquisa encaminhado
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3. CONCEITOS EMERGENTES NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO COLABORATIVA
AFETIVIDADE, AUTONOMIA, DINÂMICA DE GRUPO, PODER
274
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276
APÊNDICE C – Mapa de Citações “Construção do Conhecimento”
Parte 1 do Mapa:
Referência Tipo de
Ref.
Categorias de Análise
Cognição Conhecimento
MATURANA, Humberto
R.; VARELA, Francisco J.
A árvore do conhecimento:
as bases biológicas da
compreensão humana. São
Paulo: Palas Athena, 2001.
288 p. 6ª. Ed. Set/2007.
Livro
Prefácio: Humberto
Mariotti
[... ]: a vida é um processo de conhecimento;
assim, se o objetivo é compreendê-la, é
necessário entender como os seres vivos
conhecem o mundo. Eis o que Humberto
Maturana e Francisco Varela chamam de
biologia da cognição. (p. 7).
[...] Desde o Renascimento, o conhecimento
em suas diversas formas tem sido visto como
a representação fiel de uma realidade
independente do conhecedor. Ou seja, as
produções artísticas e os saberes não eram
considerados construções da mente humana.
[...]. (p. 7).
MATURANA, Humberto
R.; VARELA, Francisco J.
A árvore do conhecimento:
as bases biológicas da
compreensão humana. São
Paulo: Palas Athena, 2001.
288 p. 6ª. Ed. Set/2007.
Livro
Capítulo I: “Conhecer
o conhecer”
Maturana
[...] toda experiência cognitiva inclui aquele
que conhece de um modo pessoal, enraizado
em sua estrutura biológica, motivo pelo qual
toda experiência de certeza é um fenômeno
individual cego em relação ao ato cognitivo
do outro, numa solidão que [...] só é
transcendida no mundo que criamos junto
com ele. (p. 22).
[...] A reflexão é um processo de conhecer
como conhecemos, um ato de voltar a nós
mesmos, a única oportunidade que temos de
descobrir nossas cegueiras e reconhecer que
as certezas e os conhecimentos dos outros
são, [...] tão tênues quanto os nossos. (p. 30).
1ª Continuação da Parte 1 do Mapa – Categorias de Análise:
Ética Autonomia Subjetividade
[...] essa posição teórica [...] produziu
consequências práticas e éticas. [...] por
exemplo, reforçar a crença de que o mundo é
um objeto a ser explorado pelo homem em
busca de benefícios. Essa convicção
constitui a base da mentalidade extrativista -
e com muita frequência predatória -
dominante entre nós. (p. 8).
A autonomia dos seres vivos é uma
alternativa à posição representacionista. Por
serem autônomos, eles não podem se limitar
a receber passivamente informações e
comandos vindos de fora. Não "funcionam"
unicamente segundo instruções externas. (p.
14).
[...] para que o ser humano se veja também
como parte do mundo natural [...] é preciso
que ele observe a si mesmo enquanto
observa o mundo. Esse passo é fundamental,
pois permite compreender que entre o
observador e o observado (entre o ser
humano e o mundo) não há hierarquia nem
separação, mas sim cooperatividade na
circularidade. (p. 14).
2ª Continuação da Parte 1 do Mapa– Categorias de Análise:
Percepção Linguagem Explicação
[...] Os estados de atividade neuronal
deflagrados por diferentes perturbações estão
determinados em cada pessoa por sua
estrutura individual, e não pelas
características do agente perturbador. [...] O
que foi dito é válido para todas as dimensões
da experiência visual (movimento, textura,
forma etc.), bem como para qualquer outra
modalidade perceptiva. (p. 27).
[...] Toda reflexão, inclusive a que se faz
sobre os fundamentos do conhecer humano,
ocorre necessariamente na linguagem, que é
nossa maneira particular de ser humanos e
estar no fazer humano. Por isso, a linguagem
é também nosso ponto de partida, nosso
instrumento cognitivo e nosso problema. (p.
32).
Uma explicação é sempre uma proposição
que reformula e recria as observações de um
fenômeno, num sistema de conceitos
aceitáveis para um grupo de pessoas que
compartilham um critério de validação. (p.
34).
277
APÊNDICE D – Matriz de Análise - MA
MATRIZ DE ANÁLISE - PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO NA REDPECT E NA RICS
Entrevistado
Sua história na rede? Quais suas impressões sobre Construir
Conhecimento?
Quais bases,
teórico-
epistemológicas,
vocês acham
que sustentam
esse processo de
construção
colaborativa na
rede?
Como acontecia o
compartilhamento
e a difusão dessas
construções de
conhecimento da
rede?
Qual sua
compreensão
sobre o
mosaico
epistemo-
teórico-
metodológico
da rede?
Ano de
ingresso Grupo
Bolsista ou
Voluntário(a) Motivação Contribuições
de maneira
Colaborativa
na
rede em rede
sem
distinção
de Título
Acadêmico
1 2
3 4
5
6 7
8 9
10
11 12
13 14
15 16
17
18 19
20 21
22
23 24
25 26
278
APÊNDICE E – Linha do Tempo das Redes de Pesquisa
REDPECT
1997-2003
1. Programa de Pesquisa: Impactos/Demandas da Globalização e das TICs na
(In)formação do Cidadão Trabalhador
Descrição: Este é um programa - mais que um projeto - de pesquisa e se caracteriza por
articular diversos outros projetos de tese de doutorado e dissertações de Mestrado.
Objetivo geral: compreender transformações nas demandas de informação do cidadão-
trabalhador e impactos nesta mesma formação, relacionadas ao processo de globalização
e ao desenvolvimento das tecnologias de informação.
Natureza: Pesquisa.
Situação: Concluído.
Alunos envolvidos:
Graduação: 10;
Especialização: 2;
Mestrado acadêmico: 7;
Mestrado profissionalizante: 0;
Doutorado: 4;
Integrantes: Teresinha Fróes Burnham - Coordenador.
Número de orientações: 2.
1998-2002
2. Projeto: Espaços de Aprendizagem na Sociedade da (In)formação
Descrição: Este projeto visa estudar os espaços de aprendizagem (escolares e não
escolares) que se configuram em relações sociais interativas de intercâmbio de
saberes/práticas e (in)formação de cidadãos-trabalhadores, no cenário da Sociedade da
Informação, tomando a Cidade do Salvador como campo empírico.
Natureza: Pesquisa.
Situação: Concluído.
Alunos envolvidos:
Graduação: 6;
279
Especialização: 0;
Mestrado acadêmico: 5;
Mestrado profissionalizante: 0;
Doutorado: 4;
Integrantes:
Teresinha Fróes Burnham – Coordenador;
Marcelo Bernardo da Cunha;
Maria Luiza Coutinho Seixas;
Maria do Rosário Paim de Santana;
Norma Carapiá Fagundes;
Albérico Salgueiro de Freitas Neto;
Leonardo Cunha Mendonça;
Júlio César Leal Pereira;
Maria de La Concepcion Novoa;
Eliane Santos Souza.
Número de produções C, T & A: 10;
Número de orientações: 2.
2002-2006
3. Projeto: Modelos e Estratégias de e-Learning no Ensino Superior.
Natureza: Pesquisa.
Situação: Concluído.
Integrantes: Teresinha Fróes Burnham - Coordenador.
2003-2007
4. Projeto: Gestão do Conhecimento no Nordeste Brasileiro: Espaço de Produção do
Conhecimento e de (In)formação de Gestores.
Descrição: Este projeto tem o objetivo de compreender o significado da atividade gestão
do conhecimento em instituições públicas e organizações do setor produtivo no Nordeste
Brasileiro, bem como os processos segundo os quais esta gestão é realizada e seus
responsável(is) - setores ou pessoas. Procura também estudar quem são os gestores do
conhecimento nessas instituições / organizações e quais os processos para a sua
(in)formação - inicial e continuada.
Natureza: Pesquisa.
Situação: Concluído.
Alunos envolvidos:
Graduação: 3;
280
Especialização: 0;
Mestrado acadêmico: 3;
Mestrado profissionalizante: 0;
Doutorado: (0).
Integrantes:
Teresinha Fróes Burnham – Coordenador;
Conceição Sande Vieira;
Mauro Leonardo de Brito Albuqerque Cunha;
Tennessy Mnemosyne Sena Moreira;
Jailton Santos Reis;
Fúlvia de Aquino Rocha;
Elisângela de Jesus Silva;
Roberta Ribeiro Cunha;
Renato Marques Alves;
Isabel Oliveira de Moraes;
Ramone Lima de Moraes;
Washington Luiz Santos do Nascimento Dias;
Financiador(es):
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Bolsa;
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Auxílio financeiro.
Número de produções C, T & A: 3
RICS
2003-Atualidade
Programa de Pós-graduação em Difusão do Conhecimento: DMMDC;
2005-Atualidade146
Projeto: Rede Interativa de Pesquisa e Pós-Graduação em Conhecimento e Sociedade
- RICS.
2003 a 2006 – Construção do DMMDC;
2007 – Credenciado pela CAPES e implementado na UFBA.
Descrição: Este projeto tem o objetivo implantar a "Rede Interativa de Pesquisa e Pós-
Graduação em Conhecimento e Sociedade", voltada para produção e transferência de
146
Existem controvérsias quanto ao período de término da RICS, algumas pessoas acreditam que ela acabou na
implantação do doutorado, outras que ela existe até a atualidade. Este “mistério” será desvelando na Tessela 5
com as análises das entrevistas.
281
conhecimento científico e tecnológico, bem como a consolidação da competência instalada
em grupos de pesquisas de universidades públicas do Estado da Bahia, visando à implantação
de um doutorado interinstitucional, com área de concentração em difusão do
conhecimento científico e tecnológico.
A RICS foi criada como uma rede de pesquisadores vinculados a diferentes grupos de
pesquisa, de diversas instituições brasileiras, interessados na relação conhecimento
sociedade, especialmente no que tange à difusão e intercâmbio daquele produzido em
diferentes setores da sociedade, principalmente nos campos da Ciência e da Tecnologia. Ao
longo de quatro anos esses pesquisadores investiram na formulação de uma proposta de um
doutorado multi-institucional, resultando na sua aprovação, em julho de 2007, pela CAPES.
A partir de então, a RICS volta-se inteiramente para a implantação do DMMDC, que
atualmente é composto por uma área de concentração e duas linhas de pesquisa, e agrega
pesquisadores de 07 (sete) instituições – UFBA, LNCC / MCT, UEFS, UNEB, IFBA (ex
CEFET), UFABC e SENAI / CIMATEC.
Natureza: Pesquisa.
1. Programa: Difusão do Conhecimento.
282
APÊNDICE F – Investigação Mosaico no Scielo
ITEM
TITULO
(PORTUGUÊS / LÍNGUA
ESTRANGEIRA)
REFERÊNCIA RESUMO EM PORTUGUÊS ou ESPANHOL RESUMO EM INGLÊS
30 IDENTIFICACIÓN DEL VIRUS DEL
MOSAICO ESTRIADO DE LA CEBADA
(Barley stripe mosaic virus, BSMV) EN
CEBADAS EN CHILE / Identification of
barley stripe mosaic virus (BSMV) on
Barley in Chile
Guido, Herrera M.; Edmundo,
Beratto M.; Orlando, Andrade V.;
Mónica, Madariaga V. Agric. Téc.;
61(3); 275-280; 2001-07. SciELO
Chile. Idioma: Espanhol
[Resumo em espanhol] Semillas de cebadas (Hordeum
vulgare L.) introducidas desde Argentina se sembraron
en la zona sur de Chile. Las plantas adultas mostraron
mosaico estriado en las hojas. Estos síntomas sugirieron
la presencia del virus del mosaico estriado de la cebada
(BSMV). Las plantas se sometieron a pruebas de t [...]
ransmisión mecánica, microscopía electrónica, ELISA y
PCR (reacción en cadena de la polimerasa). Los
resultados permitieron establecer como el agente causal
de los síntomas en las plantas a BSMV. Esta es la
primera identificación del virus en Chile, y como las
plantas infectadas se encontraron en un lugar específico,
todo el material fue eliminado mediante quema.
Barley seeds (Hordeum vulgare L.), introduced from Argentina, were
sown in Southern Chile giving rise to plants with black or yellow
stripes on the leaves. The symptoms suggested the presence of barley
stripe mosaic virus (BSMV). The plants were tested using mechanical
transmission, electron microsc [...] opy, ELISA and PCR (Polymerase
Chain Reaction). The results allowed the identification of BSMV as
the causal agent of these symptoms in the infected barley plants. This
is the first identification of the virus in Chile, and because the infected
plants were localized in a specific place, all the material was
eliminated by burning.
31 MONOCLONAL ANTIBODIES TO
IDENTIFY TOMATO MOSAIC
TOBAMOVIRUS (TOMV) / Anticorpos
monoclonais para identificar o tobamovírus
do mosaico do tomateiro (ToMV)
Keila M.R., Duarte; Luiz
Humberto, Gomes; Jean-Luc,
Gesztesi; José Daniel, Lopes;
Flávio C.A., Tavares. Braz. J.
Microbiol.; 32(3); 240-242; 2001-
10. SciELO Brasil. Idioma: Inglês
Foram obtidos anticorpos monoclonais contra o vírus do mosaico
do tomateiro (ToMV) isolado no Brasil. O anticorpo 8G7G2
isotipado como IgG2b (cadeia leve kapa apresentou alta
especificidade para o ToMV e baixa reação cruzada com o vírus
do mosaico do tabaco (TMV) e poderá ser usado na identificação
[...] do ToMV.
Monoclonal antibodies were obtained against Tomato mosaic
tobamovirus (ToMV) isolated in Brazil. One antibody (8G7G2)
isotyped as IgG2b (kappa light chain) showed strong specificity and
very low cross reaction with the Tobacco mosaic virus (TMV). It can
be used in identification of tomato mosaic vir [...] us (ToMV).
32 Resistência ao mosaico Y, combinada com
resistência ao mosaico comum, em
tomateiro / Tomato types combining
resistance to tobacco mosaic and potato Y
viruses
Hiroshi, Nagai; A. S., Costa.
Bragantia; 31(unico); 1-8; 1972.
SciELO Brasil. Idioma: Português
Derivados de tomateiro, que incorporam resistência ao vírus de
mosaico Y (PVY) e mosaico comum (TMV), foram obtidos do
cruzamento entre a var. Ângela, resistente às estirpes locais do
vírus de mosaico Y, e T 15-1-6-1, que é altamente resistente às
estirpes locais do TMV, por meio de inoculação com d [...] ois
vírus, retrocruzamentos para Ângela e seleção de gerações
avançadas do híbrido. Tipos selecionados do tomateiro são
homozigotos para os gens Tm-2ªe rt. Suas características
comerciais são semelhantes às da var. Ângela. Espera-se que os
novos tipos de tomateiro reduzam perdas causadas pela infecção
com PVY e/ou TMV, evitem efeitos sinérgicos entre dois vírus
em combinação, eliminem a infecção do tipo "internal browning"
e também transmissão do TMV pelas sementes.
A tomato variety named Angela, previously described, incorporates
resistance to local strains of the potato virus Y group that occur in
tomato plantings in São Paulo. This variety is well accepted by
tomato growers and is being used as a basis for incorporation of other
types of virus disease resist [...] ance. Derivatives incorporating
resistance to potato Y and tobacco mosaic viruses were obtained from
crosses between Ângela and T 15-1-6-1, a tomato type that is highly
resistant to tobacco mosaic virus, by inoculation and selection of
advance generations of the hybrid or by backcrossing, combined with
selfing. The newly selected tomato types are homozygous for the
recessive gene rt that controls resistance to potato Y virus and for Tm-
2a that conditions tobacco mosaic virus resistance. Their commercial
qualities are similar to those of the Ângela parent plant. The new
tomato types, resistant to TMV and potato virus Y, are still being
tested in a large scale before being released, but it is expected that
they will reduce considerably the losses caused by infection with
either of the two viruses, avoid injury from the synergistic effect of
virus combinations in the same plant, eliminate internal browning,
and seed transmission of TMV.
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APÊNDICE G – Roteiro para as Entrevistas
Entrevistadora: Marise Oliveira Sanches Entrevistado:
7.3.1 Título da Tese: “Construção colaborativa do conhecimento: Saberes, Práticas de duas
Redes de Pesquisa Multirreferenciais”
Tema: Construção Colaborativa do Conhecimento, na perspectiva multirreferencial /
complexa.
Objeto: fundamentar e analisar este tema como um saber em mosaico, epistemo-teórico-
metodológico, que se desenvolve nas investigações da REDPECT e RICS – redes de
pesquisa de visada multirreferencial / complexa.
Questão: Como a construção colaborativa do conhecimento, segundo uma rede de
pesquisa multirreferencial, contribui para a construção e difusão do conhecimento
acadêmico científico dos autores pesquisadores?
Objetivo Geral: Compreender processos de construção colaborativa e difusão do
conhecimento em duas redes de pesquisa multirreferenciais, que se propõem (in)formar
pesquisadores e analistas cognitivos, fundamentando esta construção como uma
modelagem cognitiva em mosaico, complexa e multirreferencial.
Objetivos Específicos:
Identificar o processo de construção colaborativa do conhecimento evidenciado nas
produções dos autores-pesquisadores, desde a iniciação científica e até o pós-doc,
nas suas redes de pesquisas: a REDPECT e a RICS;
Buscar as bases teóricas que sustentam as principais construções colaborativas do
conhecimento desenvolvidas nessas redes;
Identificar nessas redes evidencias que demonstrem o compartilhamento e a
difusão do conhecimento construído neste processo colaborativo.
Item Perguntas Norteadoras
1 Sua história na rede?
Ano de ingresso,
Motivação para procurar participar dessa rede,
A/as contribuições que a rede de pesquisa trouxe(ram) para sua vida.
2 Quais suas impressões sobre o construir conhecimento de maneira colaborativa na rede e
também em rede, sem distinção de título acadêmico?
3 Quais bases, teórico-epistemológicas, vocês acham que sustentam esse processo de
construção colaborativa na rede?
4 Na visão de vocês como acontecia o compartilhamento dessas construções de conhecimento
da rede?
5 Qual a compreensão de vocês sobre o mosaico epistemo-teórico-metodológico da rede?