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7/25/2019 Tese Adriana Vojvodic
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ADRIANA DE MORAES VOJVODIC
Precedentes e argumentao no Supremo Tribunal Federal:entre a vinculao ao passado e a sinalizao para o futuro
TESE DE DOUTORADO
Prof. Titular Dr. Virglio Afonso da SilvaOrientador
Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo
So Paulo2012
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ADRIANA DE MORAES VOJVODIC
Precedentes e argumentao no Supremo Tribunal Federal:entre a vinculao ao passado e a sinalizao para o futuro
Tese de Doutorado
Tese apresentada como requisito parcial paraobteno do grau de Doutor em Direito peloPrograma de Ps-Graduao da Faculdade deDireito da Universidade de So Paulo.
rea de Concentrao: Direito do Estado
Orientador: Prof. Titular Dr. Virglio Afonso da Silva
Faculdade de Direito da Universidade de So PauloSo Paulo2012
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ADRIANA DE MORAES VOJVODIC
Precedentes e argumentao no Supremo Tribunal Federal:
entre a vinculao ao passado e a sinalizao para o futuro
Tese apresentada como requisito parcial paraobteno do grau de Doutor em Direito do Estado
pelo Programa de Ps-Graduao da Faculdade deDireito da Universidade de So Paulo. Aprovada
pela Comisso Examinadora baixo assinada.
______________________________________Prof. Titular Dr. Virglio Afonso da SilvaOrientador
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AGRADECIMENTOS
Agradeo todas as pessoas que participaram de meu desenvolvimento nos anos em que me
dediquei a esta tese. Meu amadurecimento acadmico deve-se especialmente
contribuio de inmeras pessoas que estiveram presentes nas vrias fases que este
trabalho envolveu.
Em primeiro lugar agradeo ao meu orientador Virglio Afonso da Silva, no s pelo
trabalho de orientao, mas pela dedicao em construir um ambiente de constante debate
acadmico, pautado na ampla liberdade intelectual e na troca substancial de ideias.
Agradeo ao professor Jeffrey Jowell, da University College London, meu orientador
durante o perodo de estgio no exterior.Aos professores Diogo Rosenthal Coutinho, Jean Paul Veiga da Rocha e Marcos Paulo
Verissimo, membros da banca examinadora de qualificao, pelos comentrios, crticas e
sugestes que fizeram ao trabalho, alm do incentivo e do apoio.
Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo pelo financiamento concedido
para a realizao do doutorado.
Agradeo a Roberta Sundfeld e Carlos Ari Sundfeld, por todas as oportunidades e pelos
incentivos nos projetos que realizei na Sociedade Brasileira de Direito Pblico. A todos oscolaboradores da sbdp, pesquisadores e alunos da EF, que formam um ambiente de
desenvolvimento acadmico to rico e instigante.
A Rafael Scavone Bellem de Lima, a Evorah Lusci Cardoso, Joana Zylberstein, Ana Mara
Machado, Flvio Beicker e a todos os colegas de orientao que tanto me ajudaram em
discusses, seminrios, reunies, conversas e cafs.
A Priscila Pivatto e Daniel Strauss, amigos para todas as horas, por toda a ajuda e pela
deliciosa recepo.
Aos grandes amigos franciscanos, Carol Cagnoni, Ana Paula Leoni, Bianca Cruz, Bruna
Marrara, Helena F. Fonseca, Denis Don, Diogo Naves, Eduardo Silvestre, Erik Arnesen,
Flvio Andrade, Gabriel Barretti e Francisco Bueno.
s queridas amigas Dbora Maclean, Rebecca Gendler, Sabrina Duran e Silvia Anderson,
pessoas que tanto admiro, companheiras de todos os altos e baixos.
A Bruno Ramos Pereira.
E agradeo aos meus pais e aos meus irmos, por estarem sempre ao meu lado e me
apoiarem incondicionalmente.
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RESUMO
VOJVODIC, Adriana M.. Precedentes e argumentao no Supremo Tribunal Federal:entre a vinculao ao passado e a sinalizao para o futuro. 2012. 269 f. Tese (Doutorado)
- Faculdade de Direito, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2012.
Precedentes so decises anteriores utilizadas como guia para novas decises. No mbitojurdico, precedentes funcionam no s como elementos conferidores de segurana eprevisibilidade, limitando o grau de discricionaridade dos juzes, mas seu uso tambm estrelacionado garantida de igualdade. Apesar de serem tradicionalmente colocados emsegundo plano quando estudados em sistemas de civil law, os precedentes aparecem comgrande frequncia na fundamentao de decises judiciais em muitos destes sistemas
jurdicos, dentre eles o brasileiro. A fim de determinar qual o papel desempenhado pelosprecedentes na fundamentao das decises do Supremo Tribunal Federal, a pesquisavoltou-se anlise do papel desempenhado pelos precedentes nas decises do tribunalenvolvendo o conflito, ou a restrio, de direitos fundamentais. A partir da diferenciao deduas funes exercidas hoje pelo Supremo Tribunal Federal, j que nele esto concentradasas funes de ltima instncia do Poder Judicirio e de Corte Constitucional, foramestabelecidos comportamentos esperados do tribunal com relao ao uso de precedentesem cada uma dessas funes. A anlise da jurisprudncia do tribunal foi realizada em duasetapas. Num primeiro momento, a seleo de um conjunto de decises do STF relativas aotema de direitos fundamentais foi seguida pela reconstruo das redes de precedentes nasquais elas se apiam, mtodo de pesquisa que permite a visualizao da jurisprudncia daCorte em termos de conexo entre decises e padres de citao de precedentes. Emseguida, foi analisado o papel que as citaes aos precedentes representavam naargumentao dos ministros, indicando assim qual o peso atribudo s decises passadas. Oconjunto das anlises realizadas levou percepo de que o tribunal atribui uma funoespecfica aos precedentes, fruto de uma viso positivista dessa ferramenta. Assim, autilizao dos precedentes caracteriza-se pela formao de uma jurisprudncia dereiterao de solues, mais do que pela construo argumentativa de standardsorientadores da atuao judicial em casos difceis. A consolidao dessa viso positivisa de
precedentes baseia-se especialmente na necessidade de eficincia da atuao judicial, quese encontra em constante crescimento, sendo solucionada por meio de mecanismos de
uniformizao da jurisprudncia. Se de um lado esse papel atribudo aos precedentesaparece como uma importante soluo para a atuao do Supremo Tribunal Federal comoltima instncia do Poder Judicirio, ele deixa lacunas no que se refere atuao dotribunal como Corte Constitucional responsvel pelo desenvolvimento do direito.
Palavras-Chave: Supremo Tribunal Federal (STF). Precedentes. Jurisprudncia. DireitosFundamentais. Corte Constitucional.
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ABSTRACT
VOJVODIC, Adriana M.. Precedents and reasoning in the Brazilian Supreme Court:binding decistions from the past and guides for the future. 2012. 269 f. Tese (Doutorado) -
Faculdade de Direito, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2012.
Precedents are past decisions, which are used as a guide for new decisions. Within thejuridical scope, the use of precedents not only assures security and predictability, bylimiting the amount of judges leeway, but also helps grant equality. Despite having beentraditionally given relative importance when studied in civil law systems, precedentsfrequently appear in the opinions of court decisions, as in the Brazilian legal system,among many others. In order to determine what the role played by the precedents is in thestatements of arguments which introduce the decisions made by the Brazilian SupremeCourt (Supremo Tribunal Federal - STF), this research focused on the analysis of the use of
precedents in the decisions which involve the conflict or the restriction of fundamentalrights. Considering the distinction between the two present functions of the STF, since itacts both as Supreme Court and as Constitutional Court, expected behaviours concerningthe use of precedents have been identified for each of such functions. The analysis of theformer court decisions was conducted in two stages. First, a set of decisions made by theSTF, all related to the subject matter of fundamental rights, was selected and the networkof precedents on which they were based was reconstructed. Such research method allowsfor a clear visualisation of the precedents, the connections between decisions and the
patterns of citation of precedents. In sequence, the role played by the reference toprecedents in the judges reasoning was analysed, so that the relevance given to the formerdecisions could be evaluated. The series of analyses accomplished led to the perceptionthat the Court credits a specific function to the precedents, as a result of a positivist view ofsuch tool. Thus, the use of precedents is characterised by a jurisprudence which reiteratessolutions, rather than setting argumentative standards to guide judicial action in difficultcases. The consolidation of such positivist view of the precedents is deeply related to thecontinuously growing necessity to achieve efficiency in the judicial action, which is solved
by the use of mechanisms that allow for the standardisation of jurisprudence. So, on theone hand, the role assigned to the precedents provides an important solution for the STFaction. On the other hand, though, it leaves blanks in the action of the STF as a
Constitutional Court, which should be responsible for the development of Law.
Keywords: Brazilian Supreme Court (Supremo Tribunal Federal - STF). Precedents.Case-law. Fundamental Rights. Constitutional Court.
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RIASSUNTO
VOJVODIC, Adriana M.. Precedenti e argomentazione nel Supremo Tribunal Federal. Frai vincoli dal passato e i segnali per il futuro . 2012. 269 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de
Direito, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2012.
I precedenti sono le decisioni anteriori utilizzate per guidare le nuove decisioni giuridiche.Nel diritto, i precedenti hanno la funzione di elementi di sicurezza e prevedibilit giuridica,perch limitano la discrezionalit dei giudici, ma la sua utilizzazione riguarda anche allagaranzia di eguaglianza tra le decisioni. Ciononostante i precedenti non sonotradizionalmente oggetti principali di ricerca nei sistemi di civil law, loro sonofrequentemente citati nelle giustificazioni delle decisioni giuridiche in diversi sistemi,come il sistema brasiliano. Con lo scopo di determinare il ruolo dei precedenti nella
giustificazione delle decisioni del Supremo Tribunale Federale brasiliano (STF), la ricerca stata guidata dalla analisi dell'utilizzazione dei precedenti nelle decisioni del tribunale suiconflitti o restrizioni dei diritti fondamentali. Partendo dalla differenziazione delle duefunzioni del STF, che concentra le funzioni di istanza ultima del Potere Giudiziario e diCorte Costituzionale, sono state stabiliti i comportamenti previsti del tribunale in relazioneall'utilizzazione dei precedenti in ogni di queste funzioni. L'analisi della giurisprudenza deltribunale stata divisa in due fasi. Prima la selezione delle decisioni del STF cheriguardavano i diritti fondamentali stata fatta attraverso la ricostruzione delle rete di
precedenti sulla quale esse si appoggiano, metodo questo che permette di vedere laconnessione e lo standard di citazioni esistente tra i precedenti della giurisprudenza del
tribunale. Dopo stato analizzato il ruolo che le citazioni nei precedenti avevano nellagiustificazione dei giudici, in modo da valutare il peso dei precedenti in una decisionenuova. Della totalit delle analisi realizzate se pu dedurre che il tribunale assegna unafunzione specifica ai precedenti, come conseguenza della visione positivista di questostrumento. Di conseguenza l'utilizzazione dei precedenti stata caratterizzata dallaformazione de una giurisprudenza ripetitiva di soluzione, invece della sua utilizzazione inmodo argomentativo nella costruzione di standards con capacit di guidare l'attuazionegiudiziale in casi pi difficile. Il consolidamento della visione positivista dei precedenti stata basata specialmente sulla necessit di efficienza dell'attuazione giudiziale, che alla cuicrescita constante si risponde con questi meccanismi di standardizzazione della
giurisprudenza. Se questo ruolo assegnato ai precedenti se presenta come una importantesoluzione per l'attuazione del STF nella funzione di ultimo grado del Potere Giudiziario,esso rende insoddisfacente l'attuazione del tribunale come Corte Costituzionaleresponsabile dello sviluppo del diritto.
Parole chiavi: Supremo Tribunale Federale (Supremo Tribunal Federal - STF), Precedenti.Giurisprudenza. Diritti Fondamentali. Corte Costituzionale.
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SUMRIO
1. Introduo 10
1.1. O Supremo Tribunal Federal e os seus precedentes 11
1.2. Juzes e tribunais: coerncia, accountability e atuao estratgica 19
1.3. Objetivos e hipteses da tese 32
2. Precedentes: conceitos e aplicaes 43
2.1. O que so precedentes e como eles so usados? 44
2.1.1. Doutrinas tradicionais e o positivismo jurdico 48
2.1.2. Definies de ratio decidendi e concepes argumentativas de precedentes 54
2.2. Afastamento de algumas dicotomias na compreenso do precedente 64
2.2.1. A problemtica das fontes e as diferenas de tratamento de precedente nocommon law e no civil law 67
2.2.2. A vinculao aos precedentes e seu uso nos tribunais brasileiros 792.3. Precedentes: conceito adotado e definio dos prximos passos 91
3. Transformaes do Supremo Tribunal Federal e as consequncias na compreensodo precedente 95
3.1. OSupremo e suas personas 96
3.2. As diversas funes do precedente no Supremo Tribunal Federal 103
3.3. Concluso 1154. A identificao dos precedentes por meio das citaes 118
4.1. Precedentes: linhas, correntes e redes 119
4.2. Uma leitura dos mapas de precedentes 128
4.3. As redes de citao de precedentes 134
4.3.1. Disperso de citaes 136
4.3.2. A conexo entre decises na superao de precedentes 147
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4.3.3. Citao catica 155
4.4. Apontamentos sobre citaes de precedentes na jurisprudncia do Supremo 160
5. A aplicao de precedentes na argumentao do Supremo Tribunal Federal 164
5.1. A argumentao com precedentes 165
5.2. Precedentes na argumentao do STF 171
5.3. A objetivao da regra dos precedentes: a elaborao das smulas 184
5.3.1. Smulas e precedentes: uma mesma aplicao? 186
5.3.2. A organizao do STF em virtude da elaborao das smulas vinculantes
189
5.3.3. A identificao dos precedentes e a construo da regra geral na elaboraodas smulas vinculantes 193
5.4. Precedentes na argumentao: validade ou flexibilidade 198
6. O uso de precedentes na consolidao de um tribunal constitucional 202
6.1. O uso de precedentes para a consolidao dos direitos 205
6.2. STF, uso de precedentes e participao na construo do direito 217
7. Concluso 224
Apndice metodolgico 232
1. A seleo das decises que formam os mapas 232
2. A elaborao dos grficos de rede 238
Referncias Bibliogrficas 243
Casos usados nas redes 256
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1.Introduo
Nesta tese de doutoramento tratarei do uso de precedentes na argumentao dasdecises do Supremo Tribunal Federal (STF). Procuro, com base em uma amostra
determinada de decises, identificar o modo como o STF usa seus precedentes e investigar
sobre as possveis razes para faz-lo dessa maneira. Mesmo tratando-se de um grupo
pequeno de decises, quando comparado com o volume de processos decididos pelo STF,
foi possvel elaborar parmetros de avaliao da jurisprudncia do STF a respeito do uso
de precedentes, bem como apontar para as consequncias que as prticas observadas geram
para a consolidao do Supremo Tribunal Federal como corte constitucional.
primeira vista, o uso de precedentes pelo Supremo Tribunal Federal pode no
parecer objeto de grandes controvrsias. Por tratar-se de um sistema inserido na tradio de
civil law, o precedente judicial acaba recebendo uma conotao de elemento auxiliar na
construo do direito, apresentando um papel unicamente persuasivo na fundamentao
das decises judiciais, sem qualquer capacidade de vincular o comportamento das cortes e
dos juzes em decises semelhantes. Por possuir esse carter no essencial na conformao
do direito brasileiro, pouco poderia ser dito e exigido sobre a aplicao de precedentes
nas decises judiciais deste tribunal.
No esse o posicionamento adotado pelo presente trabalho. Mesmo tratando-se de
um sistema de civil law, o precedente aqui ser abordado de maneira menos normativa, no
sentido de averiguao sobre a existncia ou no de uma obrigao de se seguir a
orientao decorrente das decises passadas provenientes de cortes superiores, e mais
emprica, buscando, antes de mais nada, mapear o modo como os precedentes so
utilizados na jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal. Ser a partir do modo como
esse tratamento se d na prtica que estabelecerei possveis leituras desse uso e analisarei
criticamente o modo como essa ferramenta argumentativa usada pela corte constitucional
brasileira.
Inicio o presente captulo com trs exemplos recentes de casos decididos pelo
Supremo Tribunal Federal, nos quais certamente a preocupao com os precedentes dacorte no se enquadra em uma concepo meramente auxiliar do papel das decises
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passadas nas novas tomadas de deciso. A pretenso neste momento que os exemplos
aqui apresentados possibilitaro ilustrar o contexto no qual a tese se debrua. Em seguida,
apresento trs justificativas para o estudo do precedente no sistema jurdico brasileiro e,
por fim, os objetivos e hipteses da presente tese.
1.1. O Supremo Tribunal Federal e os seus precedentes
Da grande e crescente lista de casos difceis1 e polmicos decididos pelo Supremo
Tribunal Federal nas ltimas duas dcadas, um chama especial ateno. Iniciado emmeados de 2004 e ainda hoje sem deciso final, o julgamento da ADPF 54 que questiona
o entendimento de que a interrupo da gravidez de fetos anencfalos vedada pelo
Cdigo Penal voltou em 2008 pauta do tribunal2. Neste mesmo ano foram realizadas
quatro audincias pblicas no STF3, ouvidos grupos e entidades representantes de diversos
interesses e um nmero expressivo de amici curiaefoi recebido pelo relator. Todos querem
tomar parte nas deliberaes de um caso to sensvel.
A razo de seu retorno pauta do STF uma das mais relevantes para as
investigaes propostas por esta tese. Em 5 de marode 2008, aps audincias pblicas no
tribunal, iniciou-se o julgamento da ADI 3510, que avaliou a constitucionalidade das
pesquisas cientficas realizadas em clulas-tronco embrionrias. Aps alguns meses, depois
de pedidos de vista e muitos debates, o tribunal decidiu, por maioria, indeferir o pedido
presente na ao, confirmando a constitucionalidade do artigo de lei questionado,
mantendo a possibilidade do desenvolvimento de pesquisas a serem realizadas com esse
11
1 Os casos difceis, ou hard cases, podem ser entendidos nos temos como colocados por Ronald Dworkin:casos para os quais no h uma regra de direito clara, estabelecida de antemo por alguma instituio, e que
por conta disso conferem ao juiz maiores possibilidades interpretativas. So, assim, casos limtrofes, que nocontam com uma resposta simples. Sobre a teoria dos casos difceis de Dworkin, cf.Levando os Direitos aSrio, So Paulo: Martins Fontes, 2002, especialmente p.127-203. Para diferentes posicionamentos sobre osdeveres do juiz diante de um caso difcil ver capitulo 2, a seguir.
2 A Argio de Descumprimento de Preceito Fundamental n.54 teve seu julgamento liminar terminado em
2004. Monocraticamente, o Ministro Marco Aurlio, relator do caso, permitiu a interrupo da gravidez nessetipo de circunstncia. Sua deciso, no entanto, foi cassada pelo pleno do tribunal ainda no mesmo ano. Desdeento a ADPF 54 no voltou a julgamento, no havendo at o momento deciso definitiva. Mesmo assim a
ao constantemente citada nas listas de casos importantes e sua deciso sempre tratada como umapendncia na pauta da corte.
3 As audincias pblicas ocorreram nos dias 26 e 28 de agosto de 2008 e 04 e 16 de setembro de 2008.
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tipo de material.4 Em 31 de maio de 2008, apenas dois dias aps o trmino do julgamento
do caso das clulas-tronco, o Ministro Marco Aurlio fez a seguinte afirmao: Agora,
(...) creio que o Supremo j est maduro para tratar da matria. J temos clima para julgar
e, creio, autorizar a interrupo da gravidez de anencfalos5, deixando evidente no s a
conexo que existe entre o conflito de direitos presente nas duas aes mas tambm a
necessidade de tomar uma deciso consciente do comportamento da corte em um passado
recente.
Assim, ao deixar claro que o julgamento do processo das clulas-tronco
embrionrias aplainou o terreno6 para a retomada do caso dos anencfalos, o ministro
deixa explcita a relao entre os dois casos e pressiona o tribunal como um todo a tomar anova deciso levando em conta o que foi decidido no caso das pesquisas em clulas-tronco.
A relao entre os casos grande e no vista somente pelo Ministro Marco Aurlio.
O fato de o caso dos anencfalos (ADPF 54) j contar com uma deciso liminar fez com
que essa deciso servisse, em alguns pontos, de precedente para a deciso do caso da
liberao das pesquisas com clulas-tronco. Assim, v-se uma situao de retro-
alimentaao entre os dois casos, nos quais um ponto j decidido no passado repercute em
uma nova deciso. Como exemplo da referncia realizada pelos ministros, em diversos
pontos da deciso da ADI 3510 o modo como a temtica do contedo do direito vida foi
abordada no caso dos anencfalos usado como precedente para a nova deciso:
Como afirmei, no julgamento da ADPF n 54-MC, no instante em que o
transformssemos [o feto anencfalo] em objeto do poder de disposio alheia, essa
vida se tornaria coisa (res) porque s coisa, em Direito, objeto de disponibilidade
jurdica das pessoas. Ser humano sujeito de direito. Naquela hiptese, tratava-se de
vida plena, posto que pr-natal; nesta, cuida-se de algo sobre o qual o ordenamentojurdico franqueia disponibilidade, de um lado, e, de outro, determina proteo.7
12
4 A ao questionava a constitucionalidade do art. 5 e seus pargrafos, da Lei n 11.105, de 24 de maro de2005 (Lei de Biossegurana). O artigo tornava possvel, para fins de pesquisa e terapia, a utilizao declulas-tronco embrionrias obtidas de embries humanos produzidos por fertilizao in vitro e noutilizados no respectivo procedimento.
5 Em entrevista realizada pelo colunista do jornal Folha de So Paulo, Josias de Souza, em 31.05.2008,disponvel em:
http://josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br/arch2008-05-01_2008-05-31.html(ltimo acesso em 11/11/2011)6 Idem.
7 Ministro Cezar Peluso, ADI 3510.
http://josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br/arch2008-05-01_2008-05-31.htmlhttp://josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br/arch2008-05-01_2008-05-31.html -
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Em outros momentos, a futura deciso definitiva, a ser tomada na ADPF 54, tratada
como o passo seguinte no raciocnio dos ministros:
Em futuro prximo, o Tribunal voltar a se deparar com o problema no julgamento
da ADPF n 54, Rel. Min. Marco Aurlio, que discute a constitucionalidade da
criminalizao dos abortos de fetos anencfalos.8
A similaridade do tema central dos dois casos, os limites e as restries ao direito
vida, aproxima a argumentao desenvolvida nas justificaes e desperta nos ministros um
dilogo entre os casos.
Diante desse comportamento da corte, no qual novas decises parecem ser tomadas
respeitando-se os parmetros estabelecidos anteriormente em uma deciso precedente,algumas perguntas podem ser elaboradas a fim de se compreender o modo como o STF usa
sua jurisprudncia. Seria essa uma atitude frequente no tribunal? Os ministros costumam
aproximar casos semelhantes a fim de darem respostas coerentes a problemas jurdicos
parecidos? Ou ainda, costumam os ministros aproximar casos diferentes a fim de darem
respostas coerentes para problemas jurdicos diferentes? O tribunal v essa aproximao
como uma obrigao na construo de sua jurisprudncia ou o uso de precedentes segue
uma lgica menos normativa e mais estratgica? Em resumo, quando e como o tribunal
respeita suas decises anteriores?
A meno relao entre os casos ADPF 54 e ADI 3510 pode sugerir um cenrio
animador para aqueles que exigem coerncia e transparncia na construo de parmetros
decisrios claros do tribunal. No entanto, muitas vezes esse cenrio deixa de existir, indo
para direes contrrias, como o caso da segunda situao que apresento.
A ADI 3324, decidida em 2004, questionava a constitucionalidade do artigo 1 da Lein 9.536/97, que possibilitava a transferncia ex-officio de alunos entre instituies
vinculadas a qualquer sistema de ensino, em qualquer poca do ano e independente da
existncia de vagas, quando se tratasse de remoo ou transferncia de ofcio de servidor
pblico federal civil ou militar estudante, ou seu dependente estudante, que levasse
mudana de domiclio.
13
8 Ministro Gilmar Mendes, ADI 3510.
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A questo discutida na ADI 3324 girava em torno da possibilidade de alunos
egressos de universidades privadas poderem ser transferidos, sem passarem por nenhum
tipo de processo seletivo, a universidades pblicas, nos casos em que o municpio para o
qual fossem transferidos no dispusesse de entidades privadas de ensino superior.
A deciso do relator, o Ministro Marco Aurlio, pauta a linha de argumentos
desenvolvida pelos demais. Fundamentando seu voto na isonomia, que no permite que um
tratamento desigual entre indivduos decorra de critrio injustificado, o ministro soluciona
o caso adotando o princpio da congeneridade, ou seja, a transferncia de alunos deveria,
na sua opinio, respeitar a natureza pblica ou privada das universidades das quais
estes mesmos alunos so egressos. A transferncia ex-officiode alunos entre universidadesde diferentes naturezas configuraria tratamento no isonmico, no sustentado pela
Constituio. A soluo fundamentada no princpio da igualdade apresentada pelo relator
acatada pelos demais ministros e a deciso se d por unanimidade.
O uso do princpio da igualdade em um caso em que se discute acesso ao ensino
superior faz, no entanto, com que alguns ministros sintam a necessidade de discutir as
implicaes da deciso que acabavam de tomar. significativa, nesse contexto, a
afirmao do Ministro Nelson Jobim:
... acompanho o Relator, mas fao um pequeno registro no sentido de que, adotando
o princpio da igualdade, no me seja utilizado este argumento quando,
eventualmente, este Tribunal vier a discutir a questo de cotas de negros nas
universidades9.
E reitera essa posio em um segundo momento:
Estou dizendo que acompanho a linha sobre o argumento do princpio da
igualdade, mas fao o registro de que esse argumento no me seja cobrado quando,
eventualmente, este Tribunal discutir o problema das cotas de negros ou de
indgenas nas universidades. Isso para evitar problemas.10
A discusso sobre a aplicao do princpio da igualdade em casos futuros envolvendo
o acesso s universidades, na opinio de alguns ministros, deveria ser feita como se a ADI
3324 no existisse. Ela no serviria, nesse sentido, para estabelecer marcos para a
discusso, elementos assumidamente certos que funcionariam como ponto de partida para
14
9ADI 3324.
10ADI 3324.
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novas decises. Usando a analogia feita pelo Ministro Marco Aurlio na relao dos casos
referentes ao direito vida, na circunstncia do STF ter de julgar futuramente um caso
envolvendo cotas de acesso universidade, a ADI 3324 no contaria com qualquer poder
de presso para os ministros, de acordo com o entendimento do Ministro Nelson Jobim.
Aparentemente, o caso da transferncia entre universidades no aplainou o terreno
ou sequer permitiu que o Supremo se tornasse mais maduro para futuros julgamentos
relativos a essa temtica. Nesse sentido, a deciso tomada pelos ministros seria vlida
somente para a soluo do caso presente, no tendo gerado qualquer nus para futuras
tomadas de deciso. O interessante de se contatar que esse posicionamento foi oposto ao
que ocorreu no caso das clulas-tronco, em que o STF decidia um caso com a conscinciade que ele serviria como base para o futuro.
Esse tipo de ressalva no ocorre somente nesse caso, sendo observada em algumas
ocasies na jurisprudncia da corte, mas ela mostra muito precisamente o tipo de relao
que em alguns momentos o Supremo parece ter com suas decises: elas parecem ter data
de validade, s se aplicando no momento em que so tomadas e no servindo de guia para
casos futuros. As opinies dos ministros e suas manifestaes esto circunscritas no tempo
e no devem extrapolar os limites do caso decidido. Aparentemente essa uma relao
com precedentes bem distinta da declarada no caso do direito vida e coloca em dvida
qualquer concluso que poderia ser obtida neste caso sobre aplicao de precedentes no
STF.
Uma terceira e ltima ilustrao sobre a referncia feita pelos ministros aos
precedentes do tribunal pode ser vista em um conjunto de decises que tratam da
constitucionalidade da priso do depositrio infiel. O esforo dos ministros nessas decisesem apresentar de uma maneira sistemtica os precedentes da corte a fim de alterarem um
entendimento j consolidado corrobora uma percepo de que a alterao na
jurisprudncia deveria ser feita de forma clara e muito bem justificada11.
15
11 Para uma anlise mais aprofundada dos casos referentes alterao da jurisprudncia sobre a priso dodepositrio infiel ver Adriana Vojvodic, Ana Mara Machado e Evorah Cardoso, Escrevendo um Romance,Primeiro Captulo: Precedentes e processo decisrio no STF, in Revista Direito GV, So Paulo 5(1), jan-jun2009, p. 21-44.
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Essas justificativas permitiram que um conjunto de decises sobre o mesmo tema e
tomadas em um nico dia12 revertesse um entendimento consolidado que h anos era
adotado pelo STF. Logo de incio, a grande quantidade de precedentes que confirmavam a
compatibilidade da priso do depositrio infiel com a Constituio de 1988 apresentada
pelos ministros que pretendiam decidir em sentido contrrio. Segundo o ministro Gilmar
Mendes, por exemplo, o HC 72131 um precedente de 1995 havia inaugurado, aps a
Constituio de 1988, o entendimento de que diplomas normativos de carter internacional
integram o ordenamento brasileiro com o carter de lei ordinria13. De acordo com a
deciso deste habeas corpus, o Tratado de San Jose da Costa Rica, que probe a priso civil
do depositrio infiel, no teria a capacidade de derrogar a legislao especial brasileira que
previa essa possibilidade. A manuteno deste entendimento explicitada pelos ministros
Cezar Peluso e Gilmar Mendes, que citam diversos precedentes que sustentavam esse
posicionamento.
Mesmo diante da clara posio adotada pelo Supremo ao longo dos anos, o ministro
Gilmar Mendes questiona a validade de tal interpretao, sinalizando para a necessidade de
se ponderar se essa jurisprudncia, diante de um novo contexto de abertura do Estado
Brasileiro a ordens jurdicas supranacionais de proteo dos direitos humanos, no teria se
tornado defasada14. Essa clareza na alterao do posicionamento da corte fica ainda mais
evidente no voto do ministro Celso de Mello que, aps ouvir as opinies dos ministros
Gilmar Mendes e Cezar Peluso, muda seu entendimento sobre a matria, concordando com
a tese da supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos, defendida pelo
ministro Gilmar Mendes15.
Assim, a alterao da jurisprudncia da corte vista com naturalidade pelosministros Celso de Mello e Gilmar Mendes: a evoluo jurisprudencial sempre foi uma
16
12Os RE 466.343, RE 349.703 e HC 87.585 foram decididos pelo pleno em 03/12/2008.
13RE 466.343
14 RE 466.343. A clareza com que o Ministro afirma a necessidade de superao do entendimento passado expressa em diversos pontos da deciso: Tudo indica, portanto, que a jurisprudncia do Supremo TribunalFederal, sem sombra de dvidas, temde ser revisitada criticamente, p. 47
15Aps longa reflexo sobre o tema em causa, () julguei necessrio reavaliar certas formulas e premissastericas que me conduziram, ento, naquela oportunidade, a conferir, aos tratados internacionais em geral(qualquer que fosse a matria neles veiculada), posio juridicamente equivalente das leis ordinrias. RE466.343, p. 124.
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marca de qualquer jurisdio de perfil constitucional.16Ela no implica o reconhecimento
de erro ou equvoco interpretativo do texto constitucional em julgados pretritos, mas
reconhece e reafirma a necessidade da contnua e paulatina adaptao dos sentidos
possveis da letra da Constituio aos cmbios observados numa sociedade marcada pela
complexidade e pelo pluralismo. A par dos detalhes especficos da matria em julgamento,
o que fica claro a partir da anlise dos votos proferidos nessas decises a constante
necessidade que os ministros sentem de citar exaustivamente os precedentes da corte para
ento justificarem, tambm largamente, o fato de no seguirem esses precedentes to
abundantes e consolidados.
A impresso que fica, a partir da anlise desse caso, de uma corte que tem granderespeito por suas decises passadas e que, apesar disso, no se sente constrangida ao mudar
de opinio se entende que as condies sob as quais as decises originais foram tomadas
no mais se apresentam no contexto atual de avaliao. O caso da alterao da
jurisprudncia sobre a priso civil do depositrio infiel apresenta um tribunal consciente de
seu posicionamento relacionado matria e que sabe que o desvio com relao a esse
posicionamento no pode ser feito de modo pouco claro. A alterao deve ser explcita e
amplamente justificada.
Diante do modo como os precedentes foram tratados nesse caso, possvel
questionar se essa justificativa, que pode ser entendida como o respeito do tribunal aos
seus precedentes, regra no cenrio jurdico brasileiro. O respeito aos precedentes
entendido aqui como a atitude de considerar, nas novas decises, o que j foi decidido pela
corte, ainda que para fins de superao do que foi decidido anteriormente, como o caso
das decises sobre a priso do depositrio infiel. Mais especificamente, a questo que secoloca se esse posicionamento respeitoso poderia ser facilmente encontrado na
jurisprudncia da corte.
A comparao entre os trs casos aqui apresentados parece no confirmar essa
tendncia. Ainda que a diferena entre os casos e as circunstncias nas quais suas decises
foram tomadas sejam bem distintas, o que se pretendeu tornar evidente aqui so as
diferentes referncias e abordagens aos precedentes, que demonstram uma forma no
uniforme de tratamento que o tribunal d as suas prprias decises. Numa futura deciso
17
16 RE 466.343, p. 148.
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sobre a possibilidade de aborto de anencfalos, os comentrios at agora feitos parecem
indicar que haver referncias deciso do caso das clulas-tronco. Seja para se apoiar na
deciso tomada, seja para afastar a sua aplicao ao caso novo, parece muito difcil que os
ministros ignorem a existncia dos debates e concluses existentes na deciso precedente.
No entanto, o exemplo presente na deciso sobre igualdade na seleo de alunos de
ensino superior, na circunstncia de transferncia ex officio, sugere que o tratamento dos
precedentes da corte no segue um padro nico17. Desse modo, faria sentido questionar
em quais situaes as decises do STF formam ou no precedentes, que orientaro suas
decises futuras? Uma possvel pergunta a ser feita seria sobre se correto dizer que no
STF h decises que formam precedentes e outras que no formam. Em outras palavras, oSTF respeita seus precedentes independentemente de seu contedo, exclusivamente pelo
fato de haver decises da corte sobre determinados temas, ou segue uma linha mais branda,
exemplificada no caso da transferncia de alunos universitrios, em que se reconhece que
alguns casos no devem figurar como precedentes para casos futuros18?
A averiguao sobre a existncia de um padro nico de uso de precedentes na corte
poderia apresentar respostas mais precisas sobre esses questionamentos. Alm disso, outro
ponto possvel de ser desenvolvido nesses termos sobre quem temaresponsabilidade de
escolher o tratamento a ser conferido a uma deciso passada: aplic-la ou no em casos
futuros uma escolha que se encontra nas mos do juiz que toma a primeira deciso, ou
18
17 O nico voto proferido no julgamento da ADI 3330, que questiona a constitucionalidade do ProgramaUniversidade para Todos (PROUNI), o do relator, Ministro Carlos Britto. Nenhuma referencia decisotomada na ADI 3324 foi feita nesse voto, que decide pela improcedncia do pedido, declarando aconstitucionalidade da lei que institui o programa. Depois desse voto, o Ministro Joaquim Barbosa pediuvista dos autos e a ao segue sem deciso final. Nos dias 3 a 5 de maro de 2010 ocorreu no STF a
Audincia Pblica sobre a Constitucionalidade de Polticas de Ao Afirmativa de Acesso ao EnsinoSuperior. Sobre a audincia pblica: h t tp : / /w ww.s t f . jus .br /por ta l /cms/verTexto .asp?servico=processoAudienciaPublicaAcaoAfirmativa(ltimo acesso em 11/11/2011)
18 Pode-se entender, por um lado, que a manifestao feita pelo ministro expressa, inclusive, uma atitude de
respeito aos precedentes do tribunal na medida em que ele se antecipa a uma eventual crtica de contradioquando, para ele, os casos de transferncia de alunos e reserva de quotas no so comparveis de modosimples. importante ressaltar, no entanto, que essa situao hipottica, em que h decises formariam
precedentes enquanto outras no, diferente do afastamento de precedentes para a soluo de casosconcretos. Essa possibilidade, chamada de distinguishing, consiste no reconhecimento de que os precedentesexistentes na jurisprudncia no se aplicam ao caso novo em virtude de alguma diferena presente entre oscasos. Essa atitude, o afastamento da aplicabilidade de um precedente, perfeitamente coerente com umacultura de respeito a precedentes, pois permite apenas que o juiz, diante de um caso novo, indique oselementos juridicamente relevantes para a no utilizao de um precedente. A manifestao do ministro nocaso da transferncia de militares, entretanto, no se enquadra nessa situao de distinguishing, j que oministro realiza a priori e em tese, o afastamento do precedente. Ele no se encontra diante de um novo casoconcreto, mas apenas antecipa seu posicionamento em um eventual caso de quotas, afirmando que suadeciso no forma um precedente.
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaAcaoAfirmativahttp://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaAcaoAfirmativahttp://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaAcaoAfirmativahttp://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaAcaoAfirmativahttp://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaAcaoAfirmativahttp://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaAcaoAfirmativa -
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seja, nas mos do juiz que forma o precedente, ou est nas mos daqueles que futuramente
se depararo com um problema de caractersticas semelhantes, o juiz que aplica o
precedente? Todos esses questionamentos podem ser resumidos pela pergunta: qual a
regra de aplicao de precedentes no Supremo Tribunal Federal? Ser essa pergunta que
nortear o desenvolvimento da presente tese, aplicada a uma amostra de julgamentos do
Supremo. Antes, porm, de apresentar os objetivos e hipteses da tese indico a seguir quais
so as premissas adotadas aqui com relao a tipos de abordagens ao tema dos precedentes
judiciais.
1.2. Juzes e tribunais: coerncia, accountability e atuao estratgica
O que justifica a preocupao com o modo de aplicao de precedentes pelo STF se
no fazemos parte de um sistema jurdico em que a aplicao do direito se baseia no case
law? De fato, se o que tradicionalmente vincula os atos dos cidados e do Estado so
regras postas pelo legislador de forma pblica, organizada e sistematizada e em alguns
casos at codificada no parece fazer muito sentido nos preocuparmos com o tipo detratamento que nossos tribunais, e nesse caso particular o STF, do a decises judiciais
precedentes, com relao aos efeitos que elas geram na deciso de novos casos. A prtica
corrente de um sistema de civil law nos permite uma menor referncia e deferncia s
decises judiciais, j que elas no se incorporam ao sistema jurdico da mesma forma como
as decises judiciais o fazem num sistema de common law. No so elas as primeiras
responsveis por traduzir os princpios jurdicos e explicitar direitos e obrigaes dos
indivduos e do Estado. Em nosso sistema essa tarefa est primordialmente nas mos do
legislador.
No entanto, isso no faz com que tribunais possam agir da forma como bem
entenderem em cada caso que lhes apresentado. A aplicao da Constituio e das leis
pelas cortes deve se dar de modo organizado e controlado. O uso organizado do precedente
pode, dessa maneira, ser justificado de diversas formas, independentemente da tradio
jurdica qual os tribunais estejam vinculados, como um meio de garantir no ssegurana jurdica, previsibilidade e isonomia, mas tambm como uma forma de controle
19
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da atuao judicial. A seguir apresento trs razes pelas quais precedentes devem ser
levados em considerao, razes que no se restringem a um s tipo de sistema jurdico:
avaliao da coerncia por meio do controle argumentativo, accountability e atuao
estratgica das cortes.
O desenvolvimento do direito constitucional, no s no Brasil, aponta para a
tendncia de se dar ao judicirio a tarefa de concretizar o trabalho iniciado pelo
legislador19. Este, limitado por elementos espaciais e temporais20, cria normas gerais e
abstratas - sejam elas regras ou princpios, passveis potencialmente de serem aplicadas em
um sem nmero de situaes hipotticas, o que confere ao juiz a necessidade de
individualizar a prescrio genrica a um caso concreto e nada hipottico, a uma situaode fato. Em outras palavras, a construo de regras jurdicas pelo legislador envolve um
mecanismo de generalizao que permite que ela seja aplicada a diversas situaes. Essa
generalizao, entretanto, gera como consequncia a incluso de situaes no ideais no
campo de aplicao da regra e, ao mesmo tempo, exclui algumas outras nas quais sua
aplicao seria ideal. A existncia dessas situaes no ideais no so falhas de algumas
regras, mas uma caracterstica do seu modo de ser. A calibrao no caso a caso cabe ao
judicirio, que deve alterar o trabalho do legislador somente em casos extremos21.
Essa tarefa de individualizao da previso legal, no entanto, no se limita
aplicao individual de uma regra s partes que eventualmente se encontram em conflito.
Pelo contrrio, no momento em que fixa uma interpretao de determinada norma a um
caso concreto, a ao do juiz revela-se mais abrangente. No caso de princpios
20
19 O constitucionalismo contemporneo, tambm chamado de neoconstitucionalismo, tem seus traoscaractersticos definidos nos ltimos cinqenta anos, como afirma Miguel Carbonell no prlogo de suacoletnea sobre o tema. Simplificadamente, pode-se dizer que o modelo est relacionado a duas questes
primordiais: o desenvolvimento de fenmenos evolutivos que geraram evidentes impactos no que seconvencionou chamar o paradigma do Estado constitucional e (...) a uma determinada teoria do direito que,em um passado recente, preconizava por essas mudanas. (traduo livre) Miguel Carbonell (ed.),
Neoconst ituc iona li smo(s) . Madrid: Trotta; 2003, p.10. No Brasil, Lus Roberto Barroso,Neoconstitucionalismo e constitucionalizao do direito (triunfo do direito constitucional no Brasil). Revistade Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.240, 2005, p.1-42 e, para uma crtica ao modelo, DimitriDimoulis, Anotaes sobre o neoconstitucionalismo (e sua crtica), Artigos Direito GV, Working paper n.17, 2008.
20 Tais restries so apontadas por Neil MacCormick, emRetrica e o Estado de Direito, Rio de Janeiro:Elsevier, 2008
21 Essa concepo de elaborao de regras est presente em Frederick Schauer, Playing by the rules: APhilosophical Examination of Rule-based Decision-Making in Law and Life, Oxford UP, 1991.
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constitucionais, o papel complementador22 do judicirio23 e em especial do tribunal
constitucional se d na criao de sub-regras, verdadeiras restries, condicionamentos
ou regulamentaes de princpios constitucionalmente garantidos, cujos efeitos extrapolam
a resoluo de um caso individual j que restries feitas a direitos fundamentais devem
ser aplicadas igualmente a todas as situaes semelhantes.
Essa atuao incisiva dos tribunais sobre o contedo dos direitos aceita por uma
grande quantidade de autores, pois encarada como parte das atribuies de um juiz, e no
algo que s deve existir quando h lacunas deixadas pelo legislador24. O juiz, criador tpico
dessas sub-regras ou normas adscritas conforme a terminologia utilizada por Alexy 25,
visto como complementador da atividade normativa parlamentar agregando elementos combase em uma lgica argumentativa, em lugar da lgica majoritria, que rege a ao do
legislador. Com base nessa diferena de atuao tambm se desenvolvem diferentes formas
de controle do trabalho de cada uma das esferas de deciso estatal.
A garantia dos direitos fundamentais e o controle de constitucionalidade, elementos
essenciais de regimes democrticos, tm seu exerccio especfico resguardado por
instituies j consolidadas no atual constitucionalismo. Parlamento e Corte Constitucional
so instncias decisrias da sociedade e atuam sobre ela de modo diferenciado e
complementar, sendo a jurisdio constitucional o espao em que os ideais democrtico e
constitucionalista se acomodam26. Em certo sentido, o tribunal constitucional resguarda os
21
22 Expresso utilizada por Diego Eduardo Lpez Medina e Roberto Gordillo, Consideraciones ulterioressobre el anlisis esttico de jurisprudencia, inRevista de Derecho Pblico, n. 15, 2002, p. 3.
23O autor por excelncia de regulamentaes dos princpios constitucionais o legislador. Longe de retirarseu papel essencial, o que se afirma aqui a recente adoo dessa tarefa tamb mpelo poder judicirio, que,diante da j mencionada incapacidade do legislador em prever todas as circunstncias de aplicao de uma
norma, em especial um princpio, v a necessidade de concretizar ainda mais os preceitos normativosabstratos.
24 A possibilidade de criao e utilizao de precedentes somente quando h lacunas no direito constantemente repetida na literatura brasileira que trata do tema. Assim, o precedente ou a jurisprudnciacomo um todo so vistos como meios de integrao do direito, aperfeioando e complementando a lei, comoafirma Rodolfo Mancuso, em seu Divergncia jurisprudencial e smula vinculante, 2. ed. So Paulo: RT,2001. Para o autor, a jurisprudncia, assim como a doutrina, aparece como meio suplementar de integraodo direito.
25 Robert Alexy, Teoria dos Direitos Fundamentais, (Trad. Virglio Afonso da Silva) So Paulo: Malheiros,2008. Essa viso do juiz como criador de sub-regras tratado no caso especfico da aplicao de precedentes
por Thomas da Rosa Bustamante, Uma teoria normativa do precedente judicial o peso da jurisprudnciana argumentao jurdica, tese de doutorado apresentado Pontifcia Universidade Catlica do Rio deJaneiro, 2008.
26Conrado Hbner Mendes, Controle de constitucionalidade e democracia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p.10.
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direitos de minorias e garante um mnimo de justia substantiva, potencialmente
ameaados em um regime em que a nica responsvel pelas decises polticas fosse uma
instituio que represente a maioria27.
Assim, ao lado da legitimidade democrtica das instituies parlamentares estaria o
poder contra-majoritrio dos tribunais, compostos por membros no escolhidos
diretamente pelos cidados. Essa caracterstica de proteo aos direitos confere, segundo o
modelo adotado pelas constituies vigentes, o poder da ltima palavra s cortes
constitucionais. Cabendo a elas o papel de avaliar a constitucionalidade do trabalho
desempenhado pelo legislador ordinrio, transfere-se a outro ator a responsabilidade pelo
final das controvrsias jurdicas e polticas28
.
Ao tratar de forma clara a possibilidade de abuso desse poder que foi atribudo aos
tribunais constitucionais, a teoria jurdica elaborou mtodos de interpretao, cuja
finalidade seria o controle racional da deciso judicial, diminuindo as possibilidades do
abuso de seu poder por meio de arbitrariedades. Aconstruo terica de formas de controle
das cortes constitucionais baseia-se na ideia de que a deliberao e a sua consequente
tomada de deciso limitada argumentativamente29.
A despeito de no se tratar de um enfoque tradicionalmente utilizado em nossa
cultura jurdica, o papel que a argumentao desempenha em uma deciso judicial no
22
27 Essa viso sobre a Corte Constitucional no aceita por todos. Para uma crtica ao aspecto anti-democrtico das cortes e ao desrespeito que elas representam ao direito de participao nas decises, cf.Jeremy Waldron,Law and disagreement, Oxford University Press, 1999.
28 O poder da ltima palavra usado aqui de modo simplificado. Diversos autores refutam a existncia dessaltima palavra. Os temas, que so deliberados e decididos por uma instituio o parlamento, por exemplo ,
tornam-se contedo de novas deliberaes e decises em outras instituies as judicirias, por exemplo. Odilogo, no entanto, no pra por a. Na viso de um constitucionalismo dinmico, esses contedos voltam aser deliberados em seus locais originais, que depois de decidirem transferem o locus de deciso para outrasinstncias da esfera pblica. A despeito de tratar-se de tema importante, que de certa forma se relaciona como objeto dessa tese, o assunto no ser aqui desenvolvido por no ser o objeto do estudo. Para um maioraprofundamento no tema, cf. Conrado Hbner Mendes, Controle de constitucionalidade e democracia. Riode Janeiro: Elsevier, 2008 e Conrado Hbner Mendes, Direitos Fundamentais, Separao de Poderes e
Deliberao, Tese (Doutorado em Cincia Poltica), Universidade de So Paulo, 2008. Essa ideia pode sercontraposta ao entendimento de que na compatibilizao entre as atividades de interpretao feitas pelo juiz e
pelo legislador ao regulamentar normas constitucionais, o que vale mais o que disse o legislador, pois foidemocraticamente escolhido pelo povo. Adefesa do direito de auto-governo do povo, verdadeira autoridade
para a tomada decises, chama a ateno daqueles que foram acostumados a ver no controle deconstitucionalidade feito por um tribunal algo natural, um problema que poderia ser tranquilamente mitigadona cobrana de maior transparncia e coerncia na argumentao do tribunal. A crtica a esse modelo est emdiversos autores, entre eles Jeremy Waldron,Law and disagreement, Oxford University Press, 1999; ThomasPoole, Questioning commom law constitutionalism,Legal Studies25, 2005, p. 142-163.
29 Conrado Hbner Mendes, Controle de constitucionalidade e democracia, op.cit., p.10
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deve ser desprezado. Pelo contrrio, quanto maior o peso que se confere qualidade da
argumentao das cortes judiciais, menor o espao que se deixa discricionariedade do
juiz. Quando forado, em funo das prticas e tcnicas da comunidade jurdica em que se
insere, a sustentar razoavelmente suas decises, de modo por exemplo a explicitar seus
pressupostos e pontos de partida, a dialogar com seus precedentes, ou a desenvolver uma
linha de raciocnio clara e coerente, mais o juiz fica vinculado s razes nas quais o
discurso jurdico se pauta, conferindo assim, no s maior transparncia, mas segurana
jurdica e igualdade, exigncias de um ordenamento democrtico.
Essa tarefa de sustentao argumentativa da regras criadas pelo legislador
compreendida pelo prprio STF, no momento em que toma suas decises. Na deciso daADI 3510, mencionada anteriormente no caso das pesquisas em clulas-tronco
embrionrias, o Ministro Gilmar Mendes refora a ideia de que o papel do STF no controle
de constitucionalidade consiste na fundamentao argumentativa das decises polticas
tomadas em outra esfera do poder estatal: Ressalto, neste ponto, que, tal como nos ensina
Robert Alexy, o parlamento representa o cidado politicamente, o tribunal constitucional
argumentativamente30.
23
30 ADI 3510, p.4 do voto do ministro Gilmar Mendes. Em seguida, o ministro cita trecho de trabalho doautor mencionado: O princpio fundamental: Todo poder estatal origina-se do povo exige compreenderno s o parlamento, mas tambm o tribunal constitucional como representao do povo. A representaoocorre, decerto, de modo diferente. O parlamento representa o cidado politicamente, o tribunalargumentativamente. Com isso, deve ser dito que a representao do povo pelo tribunal constitucional temum carter mais idealstico do que aquela pelo parlamento. A vida cotidiana do funcionamento parlamentaroculta o perigo de que maiorias se imponham desconsideradamente, emoes determinem o acontecimento,dinheiro e relaes de poder dominem e simplesmente sejam cometidas faltas graves. Um tribunal
constitucional que se dirige contra tal no se dirige contra o povo seno, em nome do povo, contra seusrepresentantes polticos. Ele no s faz valer negativamente que o processo poltico, segundo critriosjurdico-humanos e jurdico fundamentais, fracassou, mas tambm exige positivamente que os cidadosaprovem os argumentos do tribunal se eles aceitarem um discurso jurdico-constitucional racional. Arepresentao argumentativa d certo quando o tribunal constitucional aceito como instncia de reflexo do
processo poltico. Isso o caso, quando os argumentos do tribunal encontram eco na coletividade e nasinstituies polticas, conduzem a reflexes e discusses que resultam em convencimentos examinados. Seum processo de reflexo entre coletividade, legislador e tribunal constitucional se estabiliza duradouramente,
pode ser falado de uma institucionalizao que deu certo dos direitos do homem no estado constitucionaldemocrtico. Direitos fundamentais e democracia esto reconciliados. Robert Alexy, Direitos fundamentaisno Estado constitucional democrtico. Para a relao entre direitos do homem, direitos fundamentais,democracia e jurisdio constitucional. Trad. Lus Afonso Heck. In:Revista de Direito Administrativo, Rio deJaneiro, 217: 55-66, jul./set 1999. A representao argumentativa dos tribunais, ponto bastante controverso eque demanda maiores aprofundamentos, tambm no ser aqui privilegiada. A qualidade argumentativa comoforma de garantir a legitimidade do tribunal exigncia suficiente para a compreenso do papel daargumentao na justificao. Para maior aprofundamento no tema, cf, entre outros, Robert Alexy, Losderechos fundamentales em el Estado cosntitucional democrtico, in Neoconstitucionalismo(s), Carbonel,Miguel (org), Madrid: Trotta, 2005, 2.ed., p.31-48
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Apesar dessas manifestaes, que poderiam indicar uma maior maturidade do
tribunal em vista da responsabilidade de fundamentar argumentativamente escolhas
tomadas no mbito de outros poderes do Estado, as atitudes dos ministros parecem muitas
vezes ficar restritas enunciao das tarefas no tribunal, no refletindo necessariamente
um produto mais bem estruturado de elementos que fundamentam as decises do tribunal.
Assim, ainda tendo em vista a deciso do Ministro Gilmar Mendes na ADI 3510, a
afirmao de que a abertura do STF a diversos argumentos, provindos de diferentes esferas
e que se inserem no procedimento de tomada de deciso do tribunal, consiste na
legitimidade democrtica mencionada pelos autores, citando especialmente Alexy, parece
deixar explcita a confuso que se faz entre os argumentos trazidos por diversos atores deliberao e a absoro de tais argumentos ao contedo das decises do STF.
A transcrio do seguinte texto deixa mais clara essa caracterstica:
Em nossa realidade, o Supremo Tribunal Federal vem decidindo questes
importantes, como a recente afirmao do valor da fidelidade partidria (MS n
26.602, 26.603 e 26.604), sem que se possa cogitar de que tais questes teriam sido
melhor decididas por instituies majoritrias, e que assim teriam maior
legitimidade democrtica. (...) O Supremo Tribunal Federal demonstra, com este
julgamento, que pode, sim, ser uma Casa do povo, tal qual o parlamento. Um lugar
onde os diversos anseios sociais e o pluralismo poltico, tico e religioso encontram
guarida nos debates procedimental e argumentativamente organizados em normas
previamente estabelecidas. As audincias pblicas, nas quais so ouvidos os
expertos sobre a matria em debate, a interveno dos amici curiae, com suas
contribuies jurdica e socialmente relevantes, assim como a interveno do
Ministrio Pblico, como representante de toda a sociedade perante o Tribunal, e das
advocacias pblica e privada, na defesa de seus interesses, fazem desta Corte
tambm um espao democrtico. Um espao aberto reflexo e argumentao
jurdica e moral, com ampla repercusso na coletividade e nas instituies
democrticas.(...) No h como negar, portanto, a legitimidade democrtica da
deciso que aqui tomamos hoje.
Com tais afirmaes o ministro restringe a legitimidade democrtica e seu controle
em funo da abertura do tribunal a esses diversos argumentos, mas no possibilidade de
controle qualitativo da deciso tomada, por meio da anlise de sua prpria argumentao.
O que se insinua, por meio desse discurso, a absoro automtica do pluralismo e do
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dilogo expostos nos argumentos das partes interessadas pela justificao apresentada
pelos ministros31.
Assim, a anlise do uso do precedente pelo Supremo Tribunal Federal nas decises
que envolvem restrio a direitos fundamentais, foco da tese, pode ter como premissa a
possibilidade que essa ferramenta argumentativa oferece para estipular critrios teis
avaliao do desempenho argumentativo de cortes constitucionais. Ao permitir a
verificao da existncia, ou inexistncia, de coerncia decisria do tribunal no tempo, o
precedente pode ser encarado como um dos elementos certificadores da qualidade
argumentativa na tomada de deciso. O precedente uma das formas que o tribunal dispe
para relacionar passado, presente e futuro, na construo de contedos slidos dos direitosfundamentais.
O tribunal, nos dias de hoje, encontra-se cada vez mais aberto atuao de uma
pluralidade de indivduos interessados em seu processo de tomada de deciso. Essa
abertura, no entanto, no pode ser confundida com a automtica incorporao dos novos
elementos trazidos ao debate. Essa incorporao depende da transferncia dos elementos
argumentativos fundamentao das decises tomadas pelo STF, num real esforo de
justificao dessas decises. A simples abertura do tribunal no sinnimo de uma maior
carga argumentativa, ou de uma necessria melhora na qualidade dessa argumentao. A
abertura pode ser encarada como instrumento potencial de agregao de qualidade
justificao das decises, importante de ser inserida ao procedimento de tomada de deciso
de uma corte constitucional que cada vez mais toma para si a responsabilidade de fixar
entendimentos e contedos acerca do texto da Constituio. Mas pode tambm ser um
instrumento meramente simblico, em que pouco ou nada impacta as decises individuaisdos ministros ou suas dinmicas antes e durante a sesso de julgamento.
Ou seja, o que se deve ter em mente, que tal abertura no , por si s, indicativo de
maior qualidade argumentativa, ou, em outras palavras, no confere maior carga de
legitimidade democrtica s decises. Isso se d somente com a traduo desses novos
argumentos no momento da justificao. Assim, o respeito aos precedentes pode ser
encarado comouma das formas de accountabilitydo judicirio, em funo da possibilidade
de controle do desenvolvimento do direito feito pelas cortes.
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31 Conrado Hbner Mendes, Controle de constitucionalidade e democracia, op.cit., p.18
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Existe, no entanto, um certo tipo de resistncia aplicao do termo accountability
ao trabalho desenvolvido judicirio e funo que ele desempenha na diviso dos
poderes32. Isso porque tradicionalmente o conceito de accountability foi entendido como
uma relao de comando-e-controle, no qual a autoridade chamada a prestar contas de sua
ao ou omisso est em uma posio de subordinao e sujeita a sanes. Como
definitivamente esse no o caso do judicirio, pode haver uma certa incompatibilidade
em adaptar o conceito de accountabilityaplicando-o conduta de juzes e tribunais. Seria,
segundo esse ponto de vista, impossvel garantir a independncia do juiz, dado que ele
deva responder individualmente por suas decises. Isso minaria o princpio da
independncia do juiz, colocando em xeque a funo judicial. Entretanto, o prprio
conceito de constitucionalismo inclui a necessidade de controle da atividade de qualquer
um dos poderes do Estado, entre eles o poder judicial33. Na viso de uma corrente que
tenta conciliar esses conceitos independncia judicial e accountability mecanismos de
accountability j fazem parte do trabalho das cortes e do entendimento que temos de suas
funes. A exigncia de sesses pblicas, a obrigao de decises fundamentadas e
publicadas em formato escrito seriam elementos que garantiriam o controle da atividade
judicial e que j fazem parte de nosso entendimento sobre como cortes democrticasdevem funcionar. Deste modo, se usado de uma maneira mais ampla e flexvel, o conceito
de accountability hoje inclui o controle da atuao judicial, sem apresentar
incompatibilidade com o respeito ao princpio da independncia judicial34.
Uma noo mais ampla de accountability, mais facilmente aplicvel atividade
judicial bem trabalhada por Andrew Le Sueur35. Alm de estabelecer diferentes tipos de
accountability judicial, distinguindo entre accountability individual dos juzes e
26
32 Para um mapeamento dos argumentos usados por aqueles que so favorveis e contrrios aplicao dotermo accountability ao poder judicirio ver: Andrew Le Sueur, Developing mechanisms for judicialaccountability in the UK, inLegal Studies, 24, 2004, 73-98;
33Cf. Daniela Piana, Beyond Judicial Independence: Rule of Law and Judicial Accountabilities in AssessingDemocratic Quality, in Comparative Sociology9, 2010, 40-64. Vernon Bogdanor. Accountability and theMedia: Parliament and the Judiciary: The Problem of Accountability, February 9th 2006. Disponvel emhttp://www.ukpac.org/bogdanor_speech.htm
34 Nesse sentido afirma Daniela Piana: O ponto que um melhor conhecimento dos mecanismos pelosquais juzes so responsabilizados pode prover uma avaliao perspicaz do modo como comportamentos
judiciais e institucionais afetam a qualidade da democracia, (traduo livre), Daniela Piana, idem, p.43
35 Andrew Le Sueur, Developing mechanisms for judicial accountability in the UK, op.cit.
http://www.ukpac.org/bogdanor_speech.htmhttp://www.ukpac.org/bogdanor_speech.htm -
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accountability das cortes como instituies36, o autor diferencia mecanismos para
assegurar accountability, que podem variar entre mecanismos formais e informais,
incluindo nessa ltima categoria a avaliao das decises e dos juzes pela mdia e pela
academia37. Ao lado dessas categorias, diferentes nveis de accountability podem ser
identificados. Cada um desses nveis de controle se relaciona identificao dos elementos
que podem ser atribudos responsabilidade dos juzes. Isso porque a atividade dos juzes
na verdade a soma de uma multiplicidade de tarefas, sendo a mais bvia delas a atividade
de decidir casos. Mas a variedade de formas de como esses casos so tratados, o tempo
dedicado a cada um deles, o tipo de procedimento adotado em cada um deles e a solidez
dos argumentos apresentados para a soluo de cada um sugere que para cada um desses -
e de outros - tipos de atuao do juiz ou da corte deve haver um tipo de avaliao possvel
de ser feita. Assim, ao avaliar a probidade de juzes e cortes no desempenho de suas
atividades, o controle das finanas da corte e dos gastos individuais de cada juiz est em
jogo. A exposio desses gastos, via publicao anual de gastos ou fiscalizao por rgo
de outro poder, so modos de verificar a responsabilidade da corte em um nvel
administrativo.
Para alm desse nvel administrativo, o controle da atuao dos juzes pode ser mais
intrusivo, tocando mais profundamente em reas sensveis ou reas fins da atuao
judicial. Um exemplo disso seria um controle de desempenho, no qual a corte poderia ser
exigida a prestar contas da quantidade de casos decididos anualmente e das justificativas
pelas quais alguns tipos de casos so decididos mais rapidamente que outros. Nesse caso, o
que estaria em avaliao o gerenciamento das decises.
27
36 O peso que se d a cada tipo de controle (individual ou da corte) depende da viso que se tem da corte queem avaliao. O STF, por exemplo, dificilmente pode ser tratado como uma corte que possui uma vozinstitucional forte. O seu modelo de funcionamento fomenta o a elaborao de mltiplas decises individuais
para a soluo de cada caso. Diante desse tipo de corte, um controle sobre a atuao individual dos juzesestaria na disciplina da conduta pessoal de cada um, apresentao de decises individuais fundamentadas,explicaes sobre pontos de vista pessoais sobre o direito e a constituio apresentadas em palestras pblicase entrevistas com a imprensa ou academia.
37 Alguns exemplos de accountability via processo formal seriam: publicao de razes escritas para asdecises da corte, direito de apelar para cortes superiores(tratando-se aqui do controle das cortes inferiores) ea publicao de relatrios anuais. J a accountability via aes informais da sociedade civil poderia se dar
por meio de relatrios apresentados sobre os julgamentos da corte na mdia, comentrios acadmicos sobredeterminadas decises ou sobre a conduta da corte em geral, e a promoo, por organizaes profissionaislegais, de educao relacionada funo judicial e sua atuao, entre outras aes.
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O processo de tomada de deciso tambm pode ser objeto de controle pblico, j que
alteraes no modo de conduzir sesses, distribuir casos, apresentar decises pode alterar o
resultado final de diversos casos. Uma justificativa acurada de cada procedimento, que
leve em conta as possveis consequncias de sua adoo aumenta a capacidade de controle
do rgo, ao mesmo tempo que diminui sua independncia na tomada de deciso sobre
quais procedimentos adotar. Um grau mais elevado de controle estaria na avaliao do
contedo das decises e nesse nvel de avaliao que o uso do precedente est inserido. O
controle da atuao judicial incrementado se se torna possvel identificar quais decises
constituem elementos paradigmticos na construo do direito pela corte. Nesse sentido,
alm do resultado das decises tomadas pela corte, o controle de sua atuao estaria
tambm na possibilidade de anlise e compreenso do modo como as decises so
tomadas. O caminho argumentativo, consolidado na fundamentao das decises, se
acompanhado por observadores especializados, serve de ferramenta para o controle da
atividade judicial pois permite que as bases decisrias do tribunal fiquem explcitas
tambm pelo olhar de outros (e no apelas nos julgadores).
Por fim, alm dos argumentos de accountability, relacionando o respeito aos
precedentes a exigncias de controle da atuao do tribunal, existem formas polticas e
estratgicas de entender e avaliar o uso de precedentes por uma corte. Assim, o respeito aos
precedentes pode ser entendido como um elemento que determina o modo como as
decises atuais de uma corte sero recebidas no futuro pela comunidade jurdica e pelas
cortes. Isso porque a importncia reconhecida pelo STF aos precedentes que ele cria hoje
est intimamente ligada relevncia que a corte de hoje d s decises passadas38.
Segundo esse ponto de vista, existe no uso de precedentes uma atuao estratgica da corte
a fim de defender a autoridade e a legitimidade de suas decises. Nesse sentido, alm de
agirem conforme suas preferncias, os juzes agiriam pautados por algumas regras, tanto
formais quanto informais. Mesmo descontente com sua prpria jurisprudncia, por
exemplo, a corte no poderia superar todas as decises anteriores com as quais no
concorda. Agir dessa forma possivelmente enfraqueceria a legitimidade e autoridade da
corte, reduzindo com isso o impacto de suas decises. nesse sentido que ao se colocar
28
38 Para uma anlise do uso estratgico dos precedentes da Suprema Corte Americana ver, por exemplo,James F. Spriggs, Thomas G. Hansford, Explaining the Overruling of U.S. Supreme Court Precedent, in TheJournal of Politics, Vol. 63, No. 4., Nov., 2001, pp. 1091-1111.
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vinculada s decises passadas, a corte fomenta o respeito das suas prprias decises no
futuro. Incrementando o direito e, de certo modo, prestando ateno aos precedentes, a
corte maximiza a probabilidade de suas decises terem um maior impacto no futuro. Desta
maneira, juzes reconheceriam que, para garantirem o impacto e a fora de suas decises,
devem eles mesmos conferir fora e autoridade s decises passadas 39. Por trs dessa
atuao estaria o entendimento de que no h como esperar que cortes futuras respeitem o
trabalho de uma corte se ela mesma no respeita o trabalho desenvolvido anteriormente.
Um exemplo dessa atuao estratgica pode ser encontrada quando juzes afirmam
que adotam uma certa deciso para os casos mesmo quando discordam do resultado,
deixando evidente que esto concordando com o direito feito pela corte, pela maioria dosdemais juzes, ainda que essa no seja sua preferncia individual. Nesses casos seria
perfeitamente possvel que o juiz que discorda votar pela dissidncia, mas ao preferir
seguir o que j foi decidido pela corte em algum momento passado ele permite que a
deciso da qual ele participa estabelea um precedente mais forte para o futuro40.
Assim como a superao de precedentes poderia ser encarada como um fator de
enfraquecimento da autoridade da corte no estabelecimento de novos precedentes, a
apresentao de decises claras e objetivas tambm se insere entre os fatores que conferem
maior ou menor probabilidade de uma deciso ser usada futuramente para a soluo de
casos semelhantes. Decises controvertidas, com muitas opinies contrastantes, tem uma
menor probabilidade de estabelecer-se como precedente, dada a dificuldade de se
compreender o ponto exato que ela defende ou ataca.
Nesse sentido, o modelo de atuao estratgica proposto por Fowler e Lupu41, adota
como premissa o fato de que durante o processo de elaborao dos votos, os juzes daSuprema Corte comportam-se como decisores estratgicos, escolhendo dentre suas opes
29
39 James Fowler e Yonatan Lupu, The strategic content model of Supreme Court Opinion writing, op.cit.,p.10 e ss
40 Esse comportamento, no entanto no comum, e isso evidenciado por Frederick Schauer. Ele se colocaem uma posio ctica com relao ao funcionamento genuno do stare decisis, afirmando que na prticadecisria da Suprema Corte norte-americana tal grau de adeso ao stare decisis rara. Segundo o autor,Juzes da Suprema Corte cujas vises foram rejeitadas pela maioria dos seus colegas frequentementecontinuam a aderir quelas vises vencidas em casos subseqentes - o fenmeno de dissidncia persistente -com isso afastando a ideia de stare decisis e os constrangimentos dos precedentes (traduo livre). FrederickSchauer, Has Precedent Ever Really Mattered in the Supreme Court? (The Henry J. Miller Lecture), 24 Ga.State L. Rev., 381, 2008
41 James Fowler e Yonatan Lupu, The strategic content model of Supreme Court Opinion writing, op.cit
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de voto aquelas que mais se acomodariam ao total de votos da maioria, a fim de evitar uma
disperso de argumentos e consequentemente votos no completamente alinhados
maioria, o que faria com que a deciso tomada se tornasse menos provvel de ser utilizada
como precedentes em casos futuros dada a dificuldade de se compreender o que a maioria
da corte decidiu42. O uso de precedentes pela corte, nesse sentido, cumpre duas funes
simultaneamente. Ele permite que o juiz que responsvel pela redao da deciso
pondere dois objetivos relacionados: escrever uma deciso majoritria que mais
proximamente reflita seu prprio raciocnio e que se baseie nos precedentes de sua escolha,
e escrever uma deciso que estabelea um forte e duradouro precedente, minimizando o
numero de votos adicionais escrito por colegas e maximizando a maioria que forma a
deciso da corte.
30
42 Algumas das diferenas entre o processo decisrio da Suprema Corte norte-americana e do Supremo
Tribunal Federal devem ser apontadas. Apesar de ter sido criado nos moldes da Suprema Corte dos EstadosUnidos, o STF apresenta diferenas no seu processo decisrio que afetam no s o modo como o tribunalfunciona, mas principalmente a forma como suas decises se constroem. No STF, a distribuio dos
processos entre os gabinetes se d automaticamente, sem passar pela escolha de qualquer ministro. Cadaprocesso enviado a um ministro, que fica responsvel pela relatoria do caso e pela elaborao do seu votoindividual. Na sesso de julgamento o relatrio lido, bem como o voto do ministro-relator. Segue-se ento avotao dos demais ministros, sempre seguindo a ordem do ministro mais recente na casa para o mais antigo.
Note-se que no h espaos para discusso entre os ministros alm das sesses de julgamento e que, salvocircunstncias especiais, o relatrio do ministro relator o nico contato que os demais ministros tm com ocaso em julgamento. Esse modo de decidir afeta o resultado das decises, o que j foi apontado por autores e
por pesquisas acadmicas. Para uma reflexo sobre o processo decisrio do Supremo cf., entre outros,Virglio Afonso da Silva, O STF e o controle de constitucionalidade: deliberao, dilogo e razo pblica
Revista de Direito Administrativo 250, 2009, p.197-227. So caractersticas do processo decisrio doSupremo a (...) quase total ausncia de trocas de argumentos entre os ministros: nos casos importantes, (...)inexistncia de unidade institucional e decisria, (...) carncia de decises claras, objetivas e que veiculem aopinio do tribunal. Esse modelo coloca ainda grande nfase na posio do relator que, apesar de ter omesmo peso na votao, acaba orientando a deciso dos demais ministros. De acordo com a pesquisaAccountability e jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal: estudo emprico de variveis institucionais ea estrutura das decises, 90% das aes examinadas foram decididas pelo STF com fundamentao nica,
ou seja, a maioria do Tribunal adotou como fundamento apenas os argumentos apresentados pelo relator docaso. Pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Direito Pblico, disponvel em http://www.observatoriodostf.org.br/acoes. O procedimento adotado pela Suprema Corte americana, apesar de terinspirado o modelo brasileiro apresenta diferenas substantivas. Ela adota, assim como o STF, um modelo dedeliberao externa (na diferenciao feita por John Ferejohn & Pasquale Pasquino em 82 Tex. L. Rev. 1671(2003-2004), no qual h pouca interao entre os juzes, em que cada um responsvel pela apresentao desua deciso em conjunto com sua fundamentao. Mas diferente da forma como o procedimento se d noSTF, o juiz relator do caso - que escolhido pelo presidente da Corte - busca, ao longo do perodo em quefica responsvel pela elaborao da deciso, conciliar posicionamentos e agregar argumentos de modo aconseguir a adeso dos demais juzes, buscando com isso a construo de um voto com o qual a maior partedos juzes concordem. A tarefa do relator, assim, est muito centrada no s na elaborao da deciso daCorte, mas em argumentar de maneira a conseguir o maior nmero de adeses. Isso se d de modo no
pblico, aps as sesses nas quais os juzes realizam a arguio das partes em disputa e formam sua primeiraimpresso a respeito do caso. Somente aps as sesses que os juzes firmam seus posicionamentos, quesero organizados e muitas vezes negociados entre o juiz relator e os demais juzes. Para detalhes sobre o
procedimento decisrio da Suprema Corte dos Estados Unidos e a importncia dos precedentes na construdas decises, cf. James Fowler e Yonatan Lupu, The strategic content model of Supreme Court Opinionwriting, op.cit
http://www.observatoriodostf.org.br/acoeshttp://www.observatoriodostf.org.br/acoeshttp://www.observatoriodostf.org.br/acoeshttp://www.observatoriodostf.org.br/acoeshttp://www.observatoriodostf.org.br/acoes -
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No fica claro, do ponto de vista de anlise do STF, at que ponto esse modelo seria
aplicvel exatamente da mesma forma ao nosso sistema, em que, aparentemente, no h
incentivos suficientes para a tentativa, por parte do relator, em conciliar possveis
divergncias de fundamentao de uma deciso a fim de se apresentar uma deciso
majoritria de fundamentao nica. No entanto, esse modelo pode ser entendido como
algo que exigiria dos ministros um esforo - e especialmente por parte do relator - em
organizar os argumentos trazidos por ele de modo a gerar uma maior aderncia dos demais
ministros, que simplesmente o acompanhariam sem a necessidade de acrescentar novos
votos. O esforo do relator, nesse cenrio, seria o de congregar esses argumentos a fim de
criar uma deciso menos catica, com uma menor profuso de argumentos e
internamente mais consistente. Isso porque muitos acadmicos j argumentaram que tanto
a presena de votos separados quanto uma maioria relativamente pequena tem uma maior
probabilidade de serem superadas por decises futuras43.
Dessa forma, a deciso de utilizar ou no precedentes, e a escolha de quais utilizar
pode ser entendida como o resultado de uma interao estratgica dos juzes, tanto com
relao aos membros que compem a corte no momento da tomada de deciso, a fim de
influenciar o voto dos demais - quanto com relao ao impacto que a deciso tomada pode
gerar em outros juzes no momento em que tiverem que decidir casos semelhantes, j que
decises baseadas em precedentes indicam a existncia de uma srie de decises tomadas
em um mesmo sentido, o que gera um maior grau de presso para a orientao da nova
deciso a ser tomada. O que essa relao entre decises deixa mais evidente que a
deciso por utilizar um precedente na fundamentao de um caso est intimamente
relacionado com o fato de as decises passadas terem, por sua vez, citado precedentes. Em
outras palavras, o uso de precedentes mais intenso quanto mais frequente tiver sido o uso
de precedentes no passado44.
Os trs pontos levantados nesse tpico no pretendem esgotar os diversos
desdobramentos que eles permitem e nem podem ser considerados como as nicas razes
31
43 James Fowler e Yonatan Lupu, The strategic content model of Supreme Court Opinion writing, op.cit, p.12
44 Para uma anlise emprica sobre o uso de precedentes pela Suprema Corte norte-americana e suasconsequencias nos padres de citao de precedentes, ver Frank Cross et al., . Citations in the US SupremeCourt: an empirical study of their use ans significance, University of Illinois. L. Rev. 489, 2010.
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pelas quais precedentes podem ser considerados elementos importantes de serem
analisados em um sistema jurdico. Outras justificativas poderiam ser apontadas, tais como
a necessidade de estabilidade e continuidade de instituies polticas, a necessidade
daqueles encarregados de implementar o direito em aceitar premissas razoveis, se no
ideais, como base para tomadas de deciso coordenadas, consistncia, eficincia e
predicabilidade, entre outras.45 Ao contrrio, as trs justificativas apresentadas funcionam
como uma pequena contextualizao do terreno no qual este trabalho se apia. Muito
poderia ser desenvolvido sobre eles, mas o objetivo de coloc-los em um captulo
introdutrio se d pela necessidade de apresentao das justificativas de um trabalho sobre
precedentes em nosso sistema jurdico. Coerncia, accountability e atuaes estratgicas
de corte so variveis que, mesmo se tomadas independentemente, justificam a exigncia
de um uso consciente de precedentes e o fomento a uma cultura jurdica que respeita
decises passadas e sero aqui utilizados como base para a avaliao crtica da atuao do
tribunal na aplicao de precedentes. A premissa, portanto, que isso se d
independentemente do sistema jurdico em questo pertencer a uma tradio de civil ou
common law. O prximo tpico tratar mais precisamente das hipteses e objetivos do
presente trabalho.
1.3. Objetivos e hipteses da tese
Dados os elementos envolvidos na aplicao do precedente judicial, a presente tese
tem como objetivos analisar a forma como os precedentes so utilizados na jurisprudncia
do Supremo Tribunal Federal, nas decises envolvendo a coliso entre direitos
fundamentais. Busca compreender qual o papel atribudo aos precedentes na
fundamentao das decises deste tribunal e os efeitos que as atuais decises tomadas pelo
tribunal em casos difceis podem gerar na sua prpria jurisprudncia, nas decises das
demais instncias do poder judicirio e inclusive em esferas extra-judiciais.
32
45Para outras justificativas sobre a adoo de doutrinas fortes de precedentes ver, por exemplo, na literaturaamericana David Shapiro, The Role of precedent in Constitutional Adjudication, in Texas Law Review, vol.86, 2008, p.929-957. No direito ingls ver, por exemplo, Wesley-Smith, Peter. Theories of Adjudication andthe status of stare decisis, in Goldstein, Laurence.Precedent in law, Oxford: Claredon Press, 1987, p.73-87.
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Em um momento em que o Supremo Tribunal Federal identificado como um
tribunal ativista46, inovando o sistema jurdico de forma alegadamente no legtima, a
anlise do contedo e da estrutura de suas decises toma um carter de controle de sua
atuao. Por conta disso, o precedente foi aqui escolhido como uma das ferramentas
argumentativas utilizadas pelo tribunal no momento em que decide casos nos quais h
restrio aos direitos fundamentais. A anlise sistemtica do emprego dos precedentes pode
permitir a avaliao da jurisprudncia em termos de coerncia e consistncia
argumentativas por ser um outro dado com pretenses legitimadoras apresentado pelo
julgador, um elemento passvel de ser minimamente controlado e classificado.
Sob o aspecto do contedo dos direitos parte-se da ideia de que, sendo os direitosfundamentais classificados como princpios, este contedo no em geral previamente
determinado constitucional ou legalmente, e que, por conseqncia, faz parte das
atribuies de um tribunal constitucional contribuir para a fixao desse contedo ao longo
do tempo.
Adoto, portanto, a diferenciao estrutural de normas proposta por Robert Alexy
entre regras e princpios. Distino-chave na teoria da fundamentao dos direitos
fundamentais, ela permite, entre outros, a soluo de problemas como a repartio de
competncias entre parlamento e tribunal constitucional. Na separao realizada pelo autor,
regras e princpios so diferenciados qualitativamente, afastando-se das tradicionais
separaes graduais feitas em consequncia da generalidade das normas. Em lugar da
generalidade, o critrio de distino entre regras e princpios est na definitividade de seu
comando. Regras, assim, so normas que so sempre ou satisfeitas ou no satisfeitas,
enquanto que princpios so normas que ordenam que algo seja realizado na maiormedida possvel dentro das possibilidades jurdicas e fticas existentes47. So
mandamentos de otimizao satisfeitos por poderem ser satisfeitos em graus variados e
33
46 O ativismo do Supremo Tribunal Federal analisado e comentado por diversos autores. Entre eles, cf.
Marcos Paulo Verssimo, A constituio de 1988, vinte anos depois: Suprema Corte e ativismo judicial brasileira, inRevista Direito GV, So Paulo, vol 4(2), 2008, p.407-440; Marcus Faro de Castro, O SupremoTribunal Federal e a Judicializao da Poltica, inRevista Brasileira de Cincias Sociais, So Paulo, v. 12,n. 34, p. 147-156, 1997; Soraya Regina Gasparetto Lunardi e Dimitri Dimoulis, Efeito transcendente,mutao constitucional e reconfigurao do controle de constitucionalidade no Brasil, in Revista Brasileirade Estudos Constitucionais. Belo Horizonte, ano 2, n. 5, p. 217-238, 2008; Oscar Vilhena Vieira,Supremocracia, inRevista Direito GV, So Paulo, vol 4(2), 2008.
47 Robert Alexy, Teoria dos Direitos Fundamentais, So Paulo: Malheiros, 2008, p.90
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pelo fato de que a medida devida de sua satisfao no depende somente das possibilidades
fticas, mas tambm das possibilidades jurdicas48.
Assim, se a partir da leitura dos textos normativos que prevem a garantia de direitos
fundamentais no decorre um automtico reconhecimento daquilo que definitivamente
garantido, pois essa garantia depender das possibilidades jurdicas e fticas existentes, a
tarefa de preencher o contedo e fixar a orientao normativa destes mesmos textos
transfere-se ao intrprete e aplicador do direito. Sobressai, nesse momento, o papel do juiz,