Terra à vista! O litoral brasileiro na mira dos empreendimentos ...
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
CRISTINA PEREIRA DE ARAUJO
Terra vista!
O litoral brasileiro na mira dos empreendimentos tursticos imobilirios
So Paulo
2011
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CRISTINA PEREIRA DE ARAUJO
Terra vista!
O litoral brasileiro na mira dos empreendimentos tursticos imobilirios
Tese apresentada Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de So Paulo para
obteno do ttulo de doutor.
rea de concentrao: Planejamento Urbano e
Regional.
Orientadora: Prof. Dr. Heliana Comin Vargas
So Paulo
2011
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AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO,
POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA FINS DE ESTUDO E
PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
E-MAIL: [email protected]
Araujo, Cristina Pereira de A 663t Terra vista! O litoral brasileiro na mira dos empreendimentos
tursticos imobilirios / Cristina Pereira de Araujo. --So Paulo,
2011. 368 p. : il.
Tese (Doutorado - rea de Concentrao: Planejamento
Urbano e Regional) FAUUSP. Orientadora: Heliana Comin Vargas
1.Turismo 2.Litoral 3.Hotelaria 4.Investimentos estrangeiros
5.Investimentos nacionais I.Ttulo
CDU 338.48
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Dedico esta tese ao meu irmo Andr,
responsvel por me fazer enxergar na
Educao, o nico caminho possvel para
uma transformao efetiva da sociedade.
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AGRADECIMENTOS
Ao longo destes quatro anos de trabalho muitas pessoas me foram caras e com elas
tive a oportunidade de aprender e compartilhar os caminhos do conhecimento, as
ansiedades e as descobertas.
A comear pela Prof. Dr. Heliana Comin Vargas, mais que uma orientadora, uma
me acadmica que durante toda a pesquisa soube ter o pulso necessrio para
cobrar o andamento do trabalho, evitando que se dispersasse no mergulho
prazeroso da leitura e descoberta de novos olhares, mas que tambm soube dar
alento nos momentos de aflio, durante a busca pelo melhor percurso metodolgico
que atendesse aos nossos anseios. A Heliana devo a confiana por acreditar neste
trabalho e encoraj-lo, desde a poca do mestrado, ocasio em que a conheci por
conta das bancas de qualificao e defesa. Meu muito obrigado pelo carinho,
profissionalismo e incentivo.
Aos professores Joo Sette Whitaker Ferreira e Eliane Monetti, meus sinceros
agradecimentos pelas contribuies valiosas fornecidas durante o exame de
qualificao, desde referncias bibliogrficas complementares at contatos de
pessoas inseridas no meio que poderiam ser teis ao andamento do trabalho.
Uma dessas pessoas a quem agradeo foi o consultor de empreendimentos
imobilirios e hoteleiros Caio Srgio Calfat, que prontamente me recebeu em seu
escritrio e me revelou meandros que certamente eu no percorreria sem o seu
auxlio.
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Rita de Cssia Ariza da Cruz, Csaba Dak, Sueli Ramos Schiffer, Ermnia Maricato
(ainda na poca do mestrado) e Roberto Mnaco (na graduao) foram professores
de extrema relevncia para a sedimentao desta tese e para meu prprio
amadurecimento profissional e acadmico. Em suas respectivas disciplinas pude
descobrir um pouco mais sobre o Pas em que vivemos, suas amarras e seus
avanos. Ao lado da professora Rita, descobri o turismo a partir do vis crtico da
Geografia, compreendendo-o sob o olhar de Milton Santos e de tantos outros
estudiosos, apresentados e facilitados pela interpretao atenta e segura da
Professora.
A Manoela Rufinoni, amiga de profisso e de vida, agradeo pelo apoio e incentivo
de sempre, alm da minuciosa reviso final deste trabalho. Aos amigos da SVMA e
aos amigos do curso de Tecnologia em Gesto Ambiental agradeo pelo apoio e
troca de conhecimentos; em especial, registro minha gratido ao aluno Anwar pelas
contribuies bibliogrficas e informacionais tambm.
Srgio, meu marido, companheiro e gegrafo, tem sido o responsvel por me fazer
aliar a Arquitetura Geografia. A ele, alm da pacincia, compreenso e troca de
conhecimentos, devo a confeco de todos os mapas presentes nesta tese, sem os
quais, certamente, o trabalho estaria incompleto. Srgio e Chico, sem dvida,
foram os meus companheiros de todas as horas: a eles agradeo pelo amor e afeto
que me alimentou (e alimenta) e me faz seguir em frente. Por fim, agradeo aos
meus pais, Francisco e Ivenite, e aos meus irmos, Andr e Fernanda, cujo apoio
incondicional, exemplo e confiana construdos durante longos anos de convivncia
me conduziram ao caminho que sigo hoje.
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RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo discutir o processo de produo do espao
litorneo a partir da espacializao e regionalizao dos meios de hospedagem,
procurando identificar as diferentes tipologias presentes, bem como a sua incidncia
ao longo dos 275 municpios litorneos, do Amap ao Rio Grande do Sul. So
estudadas e inventariadas as segundas residncias, as redes hoteleiras nacionais e
internacionais, os resorts e os empreendimentos tursticos imobilirios, frutos da
associao entre segundas residncias e resorts. A inteno, alm de verificar a
espacializao de tais empreendimentos, compreender a participao do capital
internacional neste processo de produo. Para tanto, parte-se da premissa da
existncia de circuitos de transferncia de capital para o ambiente construdo e da
associao de agentes imobilirios locais com o capital estrangeiro que, avalizados
por polticas pblicas e incentivos fiscais, tm contribudo fortemente para a
concretizao de investimentos tursticos relacionados hospedagem espalhados
ao longo da costa. A liberalizao e desregulamentao financeira dos anos 90,
associadas ao forte papel interventor do Estado expresso, sobretudo, a partir da
implantao da primeira Poltica Nacional de Turismo, na mesma dcada, perfazem
o cenrio que ora se apresenta, propiciando uma intensa ocupao do litoral
brasileiro, uma significativa presena do capital nacional e uma diferenciao de
incidncia tipolgica dos meios de hospedagem entre as regies brasileiras.
Palavras-chave: turismo, litoral, hotelaria, investimentos estrangeiros, investimentos
nacionais.
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ABSTRACT
This research aims to discuss the process of coastline geographical distribution and
regionalization of lodging facilities through the identification of different typologies
and their incidence along the 275 coastal towns from Amapa to Rio Grande do Sul.
The focus is on national and international hotel chains, resorts and real estate
ventures, which is an association between second homes and resorts. The main idea
is to understand the role of international capital in the production process as well as
to verify the places where these enterprises are located. Therefore, it is supposed
that are transfer circuits of capital to built space and it there is an association
between local real estate agents and the foreign capital helped by public policies and
taxes incentives that strongly help the concretion of tourist investments in hotels all
along the coastlines. The financial liberalization and deregulation in the 90s as well
as the strong intervention of Brazilian State specially after the edition of the first
Tourism National Policy in the same decade, is the scenario presented here,
providing an intense occupation of the Brazilian coast, a significant presence of the
national capital and a focus typological differentiation of types of accommodation
between the regions.
Key-words: tourism, coastline, hotels, foreign investments, national investments.
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LISTA DE FIGURAS
Figura Pgina
Figura 1 Polo Turstico Costa dos Corais - AL 107
Figura 2 Polo Turstico do Descobrimento - BA 108
Figura 3 Polo Turstico Chapada Diamantina - BA 108
Figura 4 Polo Turstico Litoral Sul - BA 109
Figura 5 Polo Turstico Salvador e Entorno - BA 109
Figura 6 Polo Costa do Sol - CE 110
Figura 7 Polo Capixaba do Verde e das guas - ES 110
Figura 8 Polo So Lus e Entorno - MA 111
Figura 9 Polo Costa das Piscinas - PB 111
Figura 10 Polo Costa dos Arrecifes - PE 112
Figura 11 Polo Costa do Delta - PI 112
Figura 12 Polo Costa das Dunas - RN 113
Figura 13 Polo Costa dos Coqueirais - SE 113
Figura 14 - Destinos indutores do desenvolvimento turstico regional 115
Figuras 15: Detalhe da fachada do Aimber Eco Resort 227
Figuras 16: Vista panormica, com detalhe sua locao literalmente beira-mar, em terrenos provavelmente pertencentes Unio. 227
Figura 17: Vista area do Complexo Beach Park, inaugurado em 1996, foi o precursor dos empreendimentos tursticos imobilirios no litoral de Aquiraz. 230
Figura 18: Vista area do local onde est o Complexo Aquiraz Rivieira. 231
Figura 19: Detalhe do master plan do empreendimento. 231
Figura 20: Detalhe da pgina eletrnica da rede de hotis Dom Pedro Laguna. 232
Figura 21: Provvel rea adquirida pela BHG, em Jericoacoara. 233
Figura 22: Orla da Praia de Jericoacoara, com presena discreta de pousadas. 234
Figura 23: Orla deserta em direo a oeste. 234
Figura 24: Detalhe da localizao do resort Serhs Natal 238
Figura 25: ETI Reserva do Paiva 243
Figura 26: Comercializao do empreendimento Tivoli Ecoresidences Praia do Forte 252
Figura 27: Comercializao do empreendimento Tivoli Ecoresidences Praia do Forte 252
Figura 28: Mapa ilustrativo referente implantao e localizao dos equipamentos no Complexo Costa do Saupe. 254
Figura 29: Vista area do ETI Terra Vista 255
Figura 30: Detalhe da pgina de comercializao das residncias e terrenos no ETI Portobello Resort & Safari. 259
Figura 31: Detalhe da pgina de comercializao do Breezes Bzios. 260
Figura 32: Vista panormica do ETI Jurer Internacional, na praia de Jurer Florianpolis SC. 266
Figura 33: Vista panormica do ETI Costo do Santinho, na praia do Santinho - Florianpolis. 267
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LISTA DE GRFICOS
Grfico Pgina
Grfico 1: Volume Global de Investimentos Estrangeiros Diretos, em bilhes de dlares, que circularam no mundo entre os anos de 1982 a 2009. 34
Grfico 2: Investimentos Estrangeiros Diretos, em bilhes de dlares, nos anos de 2008 e 2009, nas vinte maiores economias do mundo. 35
Grfico 3: Desembarque de turistas internacionais no mundo 1950 2009 38
Grfico 4: Percentuais de chegadas por regio, em relao movimentao do turismo receptivo internacional em 1990. 41
Grfico 5: Percentuais de chegadas por regio, em relao movimentao do turismo receptivo internacional em 1995. 41
Grfico 6: Percentuais de chegadas por regio, em relao movimentao do turismo receptivo internacional em 2000. 41
Grfico 7: Percentuais de chegadas por regio, em relao movimentao do turismo receptivo internacional em 2005. 42
Grfico 8: Percentuais de chegadas por regio, em relao movimentao do turismo receptivo internacional em 2006. 42
Grfico 9: Percentuais de chegadas por regio, em relao movimentao do turismo receptivo internacional em 2007. 42
Grfico 10: Percentuais de chegadas por regio, em relao movimentao do turismo receptivo internacional em 2008. 43
Grfico 11: Ranking dos pases que mais recebem turista no mundo, em milhes de chegadas, para o ano de 2008. 44
Grfico 12: Participao da economia do turismo no PIB mundial 47
Grfico 13: Empregos gerados pela economia do turismo. 47
Grfico 14: Volume total de ingresso de Investimentos Estrangeiros Diretos no Brasil, aplicados de 1950 at 2010. 77
Grfico 15: Ranking dos dez pases que mais investiram em IED no Brasil para os anos de 2007 a 2009. 78 Grfico 16: Distribuio do IED por atividade econmica no Brasil para os anos de 2007 a 2009. 79
Grfico 17: Ranking do volume de IED alocado no setor de servios para o ano de 2009. 81
Grfico 18: Evoluo anual do nmero de transaes desde o incio do plano Real. O ano de 2010 est contabilizado at o terceiro trimestre. 82
Grfico 19: Transaes envolvendo hotis e restaurantes desde o incio do Plano Real. 84
Grfico 20: Transaes envolvendo hotis e restaurantes, a partir de 2004, fragmentadas por tipo de transao: domstica (D) ou cross border (CB) em suas classificaes. 85
Grfico 21: Chegadas de turistas ao Brasil, segundo Continentes 2008 2009. 128
Grfico 22: Ranking dos pases que mais enviam turistas ao Brasil, segundo pases de residncia permanente 2008 2009. 128
Grfico 23: Chegadas de turistas ao Brasil, por vias de acesso, segundo Unidades da Federao em 2009, considerando os dez primeiros melhores posicionados. 130
Grfico 24: Receita cambial turstica do Brasil e dos principais pases receptores de turistas, em bilhes de US$. 131
Grfico 25: Conta turismo do Brasil 1999 2009. 133
Grfico 26: Evoluo do PIB brasileiro e mundial (%) 2002 a 2009. 134
Grfico 27: Viagens domsticas realizadas, em milhes de viagens. Os anos de 2008 e 2009 possuem dados estimados. 135
Grfico 28: Principal tipo de hospedagem utilizado na viagem domstica. 136
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Grfico 29: Meio de transporte utilizado na viagem domstica 136
Grfico 30: Desembarques nacionais em milhes. 137
Grfico 31: Relao Emissivo/Receptivo, por regio. 138
Grfico 32: Relao Emissivo/Receptivo, por Unidade de Federao. 139
Grfico 33: Evoluo da ocupao formal nas ACTs (em milhes). 143
Grfico 34: Evoluo das ocupaes formais e informais nas ACTs em contraponto s metas estipuladas pelos PNTs 2003-2007 e 2007 2010, (em milhares). 144
Grfico 35: Ocupaes criadas (empregos formais e informais) no setor de turismo aferidos pela metodologia do IPEA (em milhares). 145
Grfico 36: Distribuio percentual do nmero de postos de trabalho das ACTs por atividade em 2007. 146
Grfico 37: Remunerao mdia anual, em R$, paga pelas ACTs, por atividade, em 2007. 146
Grfico 38: Meios de hospedagem cadastrados no Ministrio do Turismo, segundo as grandes regies. 156
Grfico 39: Distribuio dos meios de hospedagem cadastrados em 2009, por estado na regio Norte. 158
Grfico 40: Distribuio dos meios de hospedagem cadastrados em 2009, por estado na regio Centro Oeste. 158
Grfico 41: Distribuio dos meios de hospedagem cadastrados em 2009, por estado na regio Sudeste. 158 Grfico 42: Distribuio dos meios de hospedagem cadastrados em 2009, por estado na regio Sul. 158
Grfico 43: Distribuio dos meios de hospedagem cadastrados em 2009, por estado na regio Nordeste. 159
Grfico 44: Nmero de marcas hoteleiras brasileiras e estrangeiras. 182
Grfico 45: Nmero de operadoras brasileiras e estrangeiras. 182
Grfico 46: Presena das redes hoteleiras no litoral brasileiro. 186 Grfico 47: Presena das administradoras de redes hoteleiras no litoral brasileiro, por pas de origem. 188
Grfico 48: Nmero de resorts inaugurados ao longo da costa brasileira. 195
Grfico 49: Origem do capital dos resorts implantados no litoral brasileiro, a partir da nacionalidade do proprietrio/rede. 196
Grfico 50: Resorts implantados no litoral brasileiro sob gesto e/ou propriedade de pas estrangeiro. 198
Grfico 51: reas dos resorts somadas por pas de origem da rede/proprietrio. 199
Grfico 52: Histrico da performance dos hotis e resorts no Brasil. 201 Grfico 53: Total de rea empreendida, por origem do capital dos empreendimentos tursticos imobilirios com mais de 1 milho de m. 216
Grfico 54: Porcentagem de municpios, em relao ao total de municpios litorneos, em que consta a presena de segundas residncias segundo os ndices forte e excepcional, agrupados por Estado litorneo. 275
Grfico 55: Presena da hotelaria de rede no litoral brasileiro, por origem do investimento. 277
Grfico 56: Presena dos resorts no litoral brasileiro, por Regio. 279
Grfico 57: Presena dos resorts no litoral brasileiro, por origem do capital. 279
Grfico 58: Presena dos ETIs no litoral brasileiro, por Estado litorneo. 280
Grfico 59: Presena dos ETIs no litoral brasileiro, por origem de capital. 282
Grfico 60: Presena dos ETIs de capital internacional no litoral brasileiro. 282 Grfico 61: rea ocupada pelos ETIs e resorts ao longo do litoral brasileiro, por origem de capital. 284
Grfico 62: rea ocupada pelos ETIs e resorts ao longo do litoral brasileiro, por origem de capital e por Regio. 284
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LISTA DE MAPAS
Mapa Pgina
Mapa 1: Meios de hospedagem nos municpios litorneos do estado do Amap 222
Mapa 2: Meios de hospedagem nos municpios litorneos do estado do Par 224
Mapa 3: Meios de hospedagem nos municpios litorneos do estado do Maranho 226
Mapa 4: Meios de hospedagem nos municpios litorneos do estado do Piau 228
Mapa 5: Meios de hospedagem nos municpios litorneos do estado do Cear 235
Mapa 6: Meios de hospedagem nos municpios litorneos do estado da Rio Grande do Norte 239
Mapa 7: Meios de hospedagem nos municpios litorneos do estado do Paraba 241
Mapa 8: Meios de hospedagem nos municpios litorneos do estado de Pernambuco 244
Mapa 9: Meios de hospedagem nos municpios litorneos do estado de Alagoas 246
Mapa 10: Meios de hospedagem nos municpios litorneos do estado do Sergipe 248
Mapa 11: Meios de hospedagem nos municpios litorneos do estado da Bahia 256
Mapa 12: Meios de hospedagem nos municpios litorneos do estado do Esprito Santo 258
Mapa 13: Meios de hospedagem nos municpios litorneos do estado do Rio de Janeiro 261
Mapa 14: Meios de hospedagem nos municpios litorneos do estado de So Paulo 263
Mapa 15: Meios de hospedagem nos municpios litorneos do estado do Paran 265
Mapa 16: Meios de hospedagem nos municpios litorneos do estado de Santa Catarina 269
Mapa 17: Meios de hospedagem nos municpios litorneos do estado do Rio Grande do Sul 270
Mapa 18: Incidncia de segundas residncias ao longo do litoral brasileiro em 2010 289
Mapa 19: Presena das redes hoteleiras ao longo do litoral brasileiro 290
Mapa 20: Presena dos resorts ao longo do litoral brasileiro 291
Mapa 21: Presena dos empreendimentos tursticos imobilirios ao longo do litoral brasileiro 292
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LISTA DE TABELAS
Tabela pgina
Tabela 1: Desembarque de turistas internacionais no mundo: 1950 2009. 36
Tabela 2: Valores da taxa Selic anualizada, entre os anos de 1986 e 2009. 76
Tabela 3: Quadro de prioridades do Prodetur-NE. 99
Tabela 4: Chegada de turistas internacionais por destino (em milhes de chegadas). 124
Tabela 5: Fluxo receptivo internacional. Comparativo de chegada de turistas: Mundo, Amrica do Sul e Brasil 1999 2009. 124
Tabela 6: Chegada de turistas ao Brasil 1970 2009. 126
Tabela 7: Comparativo da receita cambial turstica: Mundo, Amrica do Sul e Brasil, em bilhes de US$. 131
Tabela 8: Matriz Origem/Destino por regio em 2005. 140
Tabela 9: Relao das ACTs. 142
Tabela 10: Cadastro dos meios de hospedagem por Unidade da Federao anos 2002 2009 157
Tabela 11: Total de hotis e flats no Brasil (posio at julho de 2010). 173
Tabela 12: Redes hoteleiras atuantes no litoral brasileiro, classificadas em ordem crescente por nmero de hotis e resorts. 183
Tabela 13: Relao dos resorts presentes em municpios litorneos 191
Tabela 14: Distribuio geogrfica das segundas residncias, por Estado, ao longo da zona costeira brasileira, anos 2000 e 2010. 205
Tabela 15: Ranking dos municpios litorneos detentores do maior nmero de segundas residncias, em nmeros absolutos. 206
Tabela 16: Investimento em imveis por no-residentes, 2007. 211
Tabela 17: Sntese dos empreendimentos tursticos imobilirios lanados nos ltimos quatro anos e os grandes empreendimentos consolidados ao longo da zona costeira. 212
Tabela 18: Panorama dos empreendimentos tursticos imobilirios lanados nos ltimos quatros anos, acrescidos dos grandes empreendimentos consolidados ao longo da zona costeira brasileira 213
Tabela 19: Empreendimentos tursticos imobilirios com mais de 1 milho de m, por origem de capital. 216
Tabela 20: Dados de populao e domiclios referentes aos municpios litorneos do Estado do Amap. 316
Tabela 21: Dados de populao e domiclios referentes aos municpios litorneos do Estado do Par. 317
Tabela 22: Redes hoteleiras, resorts e empreendimentos tursticos imobilirios presentes nos municpios litorneos do Estado do Par 318
Tabela 23: Dados de populao e domiclios referentes aos municpios litorneos do Estado do Maranho. 319
Tabela 24: Redes hoteleiras, resorts e empreendimentos tursticos imobilirios presentes nos municpios litorneos do Estado do Maranho 321
Tabela 25: Dados de populao e domiclios referentes aos municpios litorneos do Estado do Piau. 322
Tabela 26: Redes hoteleiras, resorts e empreendimentos tursticos imobilirios presentes nos municpios litorneos do Estado do Piau 323
Tabela 27: Dados de populao e domiclios referentes aos municpios litorneos do Estado do Cear. 324
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Tabela 28: Redes hoteleiras, resorts e empreendimentos tursticos imobilirios presentes nos municpios litorneos do Estado do Cear 326
Tabela 29: Dados de populao e domiclios referentes aos municpios litorneos do Estado do Rio Grande do Norte. 328
Tabela 30: Redes hoteleiras, resorts e empreendimentos tursticos imobilirios presentes nos municpios litorneos do Estado do Rio Grande do Norte 330
Tabela 31: Dados de populao e domiclios referentes aos municpios litorneos do Estado da Paraba. 332
Tabela 32: Redes hoteleiras, resorts e empreendimentos tursticos imobilirios presentes nos municpios litorneos do Estado da Paraba 333
Tabela 33: Dados de populao e domiclios referentes aos municpios litorneos do Estado de Pernambuco. 334
Tabela 34: Redes hoteleiras, resorts e empreendimentos tursticos imobilirios presentes nos municpios litorneos do Estado de Pernambuco 335
Tabela 35: Dados de populao e domiclios referentes aos municpios litorneos do Estado de Alagoas. 337
Tabela 36: Redes hoteleiras, resorts e empreendimentos tursticos imobilirios presentes nos municpios litorneos do Estado de Alagoas 339
Tabela 37: Dados de populao e domiclios referentes aos municpios litorneos do Estado de Sergipe. 341
Tabela 38: Redes hoteleiras, resorts e empreendimentos tursticos imobilirios presentes nos municpios litorneos do Estado de Sergipe 342
Tabela 39: Dados de populao e domiclios referentes aos municpios litorneos do Estado da Bahia. 343
Tabela 40: Redes hoteleiras, resorts e empreendimentos tursticos imobilirios presentes nos municpios litorneos do Estado da Bahia 345
Tabela 41: Dados de populao e domiclios referentes aos municpios litorneos do Estado do Esprito Santo. 349
Tabela 42: Redes hoteleiras, resorts e empreendimentos tursticos imobilirios presentes nos municpios litorneos do Estado do Esprito Santo 351
Tabela 43: Dados de populao e domiclios referentes aos municpios litorneos do Estado do Rio de Janeiro. 352
Tabela 44: Redes hoteleiras, resorts e empreendimentos tursticos imobilirios presentes nos municpios litorneos do Estado do Rio de Janeiro 354
Tabela 45: Dados de populao e domiclios referentes aos municpios litorneos do Estado de So Paulo. 358
Tabela 46: Redes hoteleiras, resorts e empreendimentos tursticos imobilirios presentes nos municpios litorneos do Estado de So Paulo 360
Tabela 47: Dados de populao e domiclios referentes aos municpios litorneos do Estado do Paran. 361
Tabela 48: Redes hoteleiras, resorts e empreendimentos tursticos imobilirios presentes nos municpios litorneos do Estado do Paran 362
Tabela 49: Dados de populao e domiclios referentes aos municpios litorneos do Estado de Santa Catarina 363
Tabela 50: Redes hoteleiras, resorts e empreendimentos tursticos imobilirios presentes nos municpios litorneos do Estado de Santa Catarina 365
Tabela 51: Dados de populao e domiclios referentes aos municpios litorneos do Estado do Rio Grande do Sul 367
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LISTA DE ABREVIATURAS
ABR Associao Brasileira de Resorts
ACTs Atividades Caractersticas do Turismo
ADIT Associao para o Desenvolvimento Imobilirio e Turstico do Nordeste
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNB Banco do Nordeste do Brasil
BNDES Banco Nacional do Desenvolvimento
BNH Banco Nacional da Habitao
CCJ Comisso de Constituio de Justia e de Cidadania
CEPAL Comisso Econmica para a Amrica Latina
CNAE Classificao Nacional de Atividades Econmicas
CNPJ Cadastro Nacional de Pessoa Jurdica
CNTur Conselho Nacional de Turismo
Cofins Contribuio para o Financiamento da Seguridade Social
CPF Cadastro de Pessoa Fsica
CVM Comisso de Valores Mobilirios
Embratur Empresa Brasileira de Turismo
ETI Empreendimento turstico imobilirio
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Servio
FII Fundos de Investimento Imobilirio
FINOR Fundo de Investimento do Nordeste
FIPE Fundao Instituto de Pesquisas Econmicas
FGV Fundao Getlio Vargas
FMI Fundo Monetrio Internacional
FUNGETUR Fundo Geral de Turismo
G7 Grupo dos 7
G77 Grupo dos 77
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
ICMS Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Prestao de Servios
IED Investimento Estrangeiro Direto
INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria
Inmetro Instituto Nacional de Metrologia, Normalizao e Qualidade Industrial
INSS Instituto Nacional de Seguro Social
IOF Imposto sobre Operaes Financeiras
IPEA Instituto de Pesquisas Econmicas Aplicadas
IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano
IRPJ Imposto de Renda Pessoa Jurdica
ISS Imposto sobre Servios
MIT Instituto Tecnolgico de Massachusetts
MP Medida Provisria
MTur Ministrio do Turismo
OCDE Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico
OMT Organizao Mundial do Turismo
ONU Organizao das Naes Unidas
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OPEP Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo
PAC Plano de Acelerao do Crescimento
PAEG Plano de Ao Econmica do Governo
PDITS Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentvel
PIB Produto Interno Bruto
PIS Programa de Integrao Social
PLANTUR Plano Nacional do Turismo
PNB Produto Nacional Bruto
PND Plano Nacional de Desenvolvimento
PNMT Programa Nacional de Municipalizao do Turismo
PNT Plano Nacional de Turismo
PPA Plano Plurianual de Governo
Proecotur Programa de Desenvolvimento do Ecoturismo na Amaznia
Prodetur/NE Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste
RAIS Relao Anual de Informaes Sociais
SBCMH Sistema Brasileiro de Classificao de Meios de Hospedagem
SFH Sistema Financeiro da Habitao
Sintur Sindicato dos Investidores em Turismo do Estado do Cear
SISNATUR Sistema Nacional de Cadastramento, Classificao e Fiscalizao dos Prestadores de Servios Tursticos
SPU Secretaria do Patrimnio da Unio
SUDENE Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste
SUMOC Superintendncia da Moeda e do Crdito
TC Comisso Trilateral
UNCTAD Conferncia das Naes Unidas para o Comrcio e o Desenvolvimento
WIR World Investments Reports
ZEE Zoneamento Ecolgico Econmico
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Sumrio
Introduo ............................................................................................................ 01
Capitulo 01: O turismo no contexto da reestruturao econmica mundial ......... 10
1.1. Da indstria fordista indstria turstica ....................................................... 10
1.2. Novo regime de acumulao e a crise planejada do petrleo ..................... 16
1.3. Desenvolvimento Sustentvel e Globalizao: similaridade de conceitos 23
1.4. A indstria turstica no contexto da liberalizao financeira ......................... 31
Captulo 02: As especificidades de um pas chamado Brasil ............................... 48
2.1. Uma breve reflexo sobre as nossas razes ................................................. 48
2.2. A transio para o capitalismo dependente ................................................... 52
2.3. A poltica de endividar o endividado ........................................................... 59
2.4 Liberalizao financeira total e irrestrita? ..................................................... 75
Captulo 03: As polticas pblicas federais de turismo ......................................... 90
3.1 Da Embratur Poltica Nacional de Turismo .................................................. 90
3.2 O reflexo das polticas pblicas federais de turismo no aquecimento .......... 123
da demanda
3.2.1 Fluxo internacional .......................................................................... 123
3.2.2. Fluxo domstico ............................................................................. 133
3.3 Gerao de trabalho e renda ........................................................................ 141
3.4 Meios de hospedagem ................................................................................. 147
3.4.1 O Sistema Brasileiro de Classificao de Meios de Hospedagem 160
Captulo 04: O litoral brasileiro na mira dos investimentos imobilirios e ........... 162
hoteleiros
4.1. A atuao do capital financeiro na produo do espao costeiro ............... 162
4.2. A produo do espao costeiro decorrente da atividade imobiliria e ......... 172
hoteleira
4.2.1. As redes hoteleiras ....................................................................... 174
4.2.2. Os resorts ...................................................................................... 188
-
4.2.3. As segundas residncias ............................................................... 202
4.2.4. Os empreendimentos tursticos imobilirios .................................. 209
4.3. A geografia dos empreendimentos imobilirios e hoteleiros beira-mar 217
4.3.1. Regio Norte .................................................................................. 221
4.3.1.1. O Estado do Amap ......................................................... 221
4.3.1.2. O Estado do Par ............................................................. 223
4.3.2. Regio Nordeste ............................................................................ 225
4.3.2.1. O Estado do Maranho .................................................... 225
4.3.2.2. O Estado do Piau ............................................................ 227
4.3.2.3. O Estado do Cear ........................................................... 229
4.3.2.4. O Estado do Rio Grande do Norte ................................... 236
4.3.2.5. O Estado da Paraba ........................................................ 240
4.3.2.6. O Estado de Pernambuco ................................................ 242
4.3.2.7. O Estado de Alagoas ....................................................... 245
4.3.2.8. O Estado de Sergipe ........................................................ 247
4.3.2.9. O Estado da Bahia ........................................................... 249
4.3.3. Regio Sudeste ............................................................................. 257
4.3.3.1. O Estado do Esprito Santo .............................................. 257
4.3.3.2. O Estado do Rio de Janeiro ............................................. 257
4.3.3.3. O Estado de So Paulo .................................................... 262
4.3.4. Regio Sul ..................................................................................... 264
4.3.4.1. O Estado do Paran ......................................................... 264
4.3.4.2. O Estado de Santa Catarina............................................. 264
4.3.4.3. O Estado do Rio Grande do Sul ...................................... 268
Consideraes Finais ......................................................................................... 271
Referncias bibliogrficas .................................................................................. 293
Apndice ...................................................................................................... 316
-
1
INTRODUO
22 de abril de 1500: esta a data referencial de ocupao e colonizao do Brasil,
tendo como ponto de partida o litoral brasileiro, onde hoje se encontra o municpio
de Porto Seguro. Este foi o nosso objeto de estudo na fase de mestrado, cuja
concluso nos conduziu a uma srie de inquietaes que nos motivaram
realizao desta tese.
Certamente, o primeiro fato que nos chamou ateno quando da concluso da
dissertao foi o padro recorrente de ocupao do territrio brasileiro expresso pela
falta de planejamento e consequente crescimento desordenado, revelia das
legislaes urbansticas e ambientais existentes; referimo-nos inclusive, aos grandes
empreendimentos: o resort Club Med Trancoso encontra-se locado em rea
preliminarmente destinada a um Parque, funo da fragilidade de seu solo e da
ocorrncia de espcies endmicas.
Constatou-se, portanto, que com apenas 95.721 habitantes poca (no ano 2.000),
Porto Seguro apresentava indcios de desordenamento e falta de planejamento
territorial semelhana das grandes cidades brasileiras, apesar de dispor de uma
base cartogrfica na escala 1:100.000 contendo elementos que possibilitariam a
feitura de um Zoneamento Ecolgico Econmico. Identificava-se naquele territrio
que abrigava cerca de cem vezes menos populao que So Paulo, por exemplo, os
mesmos sinais de ocupao de reas de risco e de reas de preservao
permanente, os mesmos bolses de pobreza e de riqueza.
-
2
Em estgios diferentes, infelizmente a histria de planejamento e ordenamento
territorial brasileiro tem demonstrado a prevalncia de cenrios espontneos de
ocupao ou, mais claramente, cenrios em acordo com os interesses de uma
classe dominante que, necessariamente, no atenta a parmetros de regulao
ambiental e/ou urbanstico os famosos planos diretores de gaveta j alertados
por Villaa (1999); portanto, no privilgio de Porto Seguro, tampouco de So
Paulo, as cicatrizes em seu territrio oriundas de tal constatao.
Em comum a boa parte destas cidades, tambm est o fato de estarem inseridas em
estados costeiros. A zona costeira brasileira abrange dezessete estados e 76,5% da
populao brasileira, de acordo com o censo demogrfico do IBGE 2010. Esta
elevada concentrao demogrfica tem sua explicao no s no padro histrico
da ocupao colonial, mas tambm em funo dos usos econmicos exclusivos do
litoral: a explorao dos recursos marinhos, os fluxos intercontinentais de
mercadorias, a extrao de petrleo em guas profundas e, mais recentemente, o
turismo.
E seria justamente a atividade turstica quem cooptaria espaos para seu uso, tanto
do perfil urbano das 12 capitais litorneas, quanto dos restantes 263 municpios
lindeiros costa que se apresentam em vrias fases de urbanizao; muitos deles
ainda possuem populao predominantemente rural.
Outro dado bastante significativo levantado na dissertao foi a observao da forte
atuao do Estado, atravs do Prodetur-NE (Programa de Desenvolvimento do
Turismo no Nordeste) enquanto agente indutor e facilitador de um novo padro de
-
3
oferta de meios de hospedagem para fomento atividade turstica. O resort Club
Med Trancoso, inaugurado em 2002, foi sem dvida um marco para o que se
almejava na regio: a qualificao da oferta para o turismo receptivo internacional.
Assim, a instalao do Med Trancoso deu sinal verde para uma reestruturao da
oferta turstica no eixo Arraial dAjuda Trancoso, litoral sul de Porto Seguro, eleito
pelo poder pblico municipal e pela iniciativa privada para a recepo deste novo
perfil de turista. Com efeito, o Quadrado, centro histrico e turstico do distrito de
Trancoso, onde antes moravam os pescadores, apresenta-se na atualidade repleto
de pousadas, restaurantes e lojas de grife, objeto de manchetes nas revistas de
bordo e no guia 4Rodas, como lugar da moda e de gente famosa. Os pescadores?
Ah, estes foram ocupar os bairros novos, deslocados em direo oeste linha da
costa, lugares menos privilegiados no tocante vista para o mar e, logicamente,
obedecendo a um cenrio espontneo de ocupao para no fugir do padro
recorrente (da falta) de planejamento.
De forma similar, a ltima dcada tambm revelou mudanas no padro de
ocupao das zonas costeiras das capitais e suas adjacncias: Salvador, Natal,
Fortaleza, Macei, Recife, Florianpolis, tm apresentado crescentes investimentos
em hotelaria de rede, resorts, segundas residncias e empreendimentos mistos,
associando resorts s segundas residncias. Os empreendimentos so lanados
nos Sales de Turismo internacionais e em So Paulo. Na contramo, as
universidades pblicas buscam compreender a nova dinmica de ocupao dessas
cidades que, da noite para o dia, se veem inseridas nos fluxos internacionais de
turismo. Um exemplo tpico o bairro de Ponta Negra, na cidade de Natal - RN, que
-
4
apresenta altos ndices de apartamentos vendidos a estrangeiros; tal demanda tem
resultado na necessidade de expanso urbana, j que parte da cidade tornou-se
alvo de residncia secundria internacional (Fonseca et al.,sem data).
, portanto, a reproduo deste modelo de ocupao, ou seja, a dinmica de
apreenso destes territrios pelo turismo e sua associao com os
empreendimentos imobilirios realidade observada inicialmente em Porto Seguro e
expansvel aos demais municpios litorneos considerados com potencial turstico ,
que nos motivou a ingressar no programa de doutorado.
Isto posto, nosso objetivo abordar a produo do espao litorneo a partir da
espacializao e regionalizao dos meios de hospedagem, procurando identificar
as diferentes tipologias presentes, verificando os locais onde ocorre maior incidncia
de uma em detrimento de outra. Nosso objetivo tambm compreender a origem
destes investimentos, se nacional ou estrangeiro, se independentes ou atrelados a
grandes redes hoteleiras internacionais.
Partimos da premissa da existncia de circuitos de transferncia de capital para o
ambiente construdo e da produo de agentes imobilirios locais em associao ou
no com o capital estrangeiro que, lanando mo das polticas pblicas e dos
incentivos fiscais a seu favor (do capital imobilirio), tm contribudo fortemente para
a concretizao de investimentos tursticos relacionados hospedagem espalhados
ao longo da costa. A liberalizao e desregulamentao financeira dos anos 90,
associadas ao forte papel interventor do Estado expresso, sobretudo, a partir da
-
5
Poltica Nacional de Turismo, na mesma dcada, perfazem o cenrio que tem
incentivado o avano da atividade turstica no Brasil.
Para tanto, este trabalho tem como objeto de estudo os municpios litorneos que
compreendem a costa brasileira, desde o estado do Amap, iniciando a pesquisa no
municpio de Oiapoque, at o estado do Rio Grande do Sul, no municpio de Santa
Vitria do Palmar. So ao todo, 275 municpios que perfazem nosso objeto de
anlise, tendo como fontes principais de inventrio as informaes disponibilizadas
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) e pelo Guia 4Rodas, posto
que ainda no h registro oficial destas informaes por parte de nenhum rgo
pblico federal.
A primeira hiptese que levantamos que o grande fluxo de capitais, consequncia
da liberalizao financeira e mundializao do capital, tem seu rebatimento no
processo de produo do espao litorneo, atravs de um forte aquecimento dos
setores de hospedagem, proporcionando uma oferta adiante da demanda.
Uma segunda hiptese diz respeito disponibilidade na Regio Nordeste de um
litoral ainda intacto que, se comparado com as demais regies costeiras brasileiras,
responde pela maior concentrao de investimentos ao longo de sua costa.
Por fim, nossa hiptese principal que h um real avano do capital internacional
sobre a produo do espao litorneo, expresso pela implantao das redes
hoteleiras internacionais, resorts e empreendimentos tursticos imobilirios ao longo
do litoral, cujo capital estrangeiro. Este processo se assemelharia ao que
-
6
vivenciamos no ltimo quartel do sculo passado, quando o parque industrial
cresceu a reboque do capital internacional, expresso pela vinda das multinacionais
para c.
Para test-las, a metodologia envolve o levantamento e a caracterizao dos meios
de hospedagem, por tipologia, alm do aprofundamento terico das questes
referentes ao cenrio poltico e econmico mundial e acerca das polticas pblicas
federais de turismo. Atravs da identificao das principais tipologias de
hospedagem presentes no litoral brasileiro e que so objetos desta investigao, a
saber: hotelaria de rede, resorts, segundas residncias e empreendimentos
tursticos imobilirios, iremos proceder construo de mapas snteses, por Estado
litorneo, que nos possibilitem localizar trs informaes: (i) a tipologia dos
empreendimentos; (ii) a localizao dos investimentos ao longo da costa; (iii) a
origem do capital: nacional, estrangeiro ou associao entre ambos.
Tal mapeamento nos permitir uma visualizao geral da ocorrncia de
investimentos e prevalncia de tipologias de hospedagem ao longo dos municpios
costeiros, possibilitando-nos aferir a intensidade de participao de tais
empreendimentos na produo do espao litorneo.
Para atender aos objetivos empreendidos e procurar responder s hipteses
aventadas, esta tese est estruturada em quatro captulos: (i) o turismo no contexto
da reestruturao econmica mundial; (ii) as especificidades de um pas chamado
Brasil; (iii) as polticas pblicas federais de turismo; e (iv) o litoral brasileiro na mira
dos investimentos imobilirios e hoteleiros.
-
7
O primeiro captulo busca contextualizar a indstria turstica no cenrio da recente
reestruturao econmica mundial que conduziu liberalizao financeira e ao
avano das redes hoteleiras internacionais pelo mundo. Para tanto, traamos um
breve histrico acerca dos regimes de acumulao capitalista, tendo como marco
inicial o fordismo e seu percurso que naturalmente conduziria ao seu esgotamento,
possibilitando a origem de um novo regime, o de acumulao flexvel, relacionado
construo ideolgica dos termos globalizao e desenvolvimento sustentvel.
neste contexto que o turismo desponta com mais veemncia enquanto negcio e
atividade produtiva, posto que as frias remuneradas, direito dos trabalhadores,
tambm seriam cooptadas pelo sistema de produo capitalista atravs da oferta do
merecido descanso em um lugar diferente de sua estadia normal da surgiria um
vasto leque de opes de destinos, associados ao lazer, onde a indstria turstica
iria se instalar. Perceberemos que existe uma forte relao entre as taxas de
crescimento anual do turismo receptivo internacional e os acontecimentos de ordem
poltica, econmica e social, da a necessidade de contextualizarmos a atividade
segundo um panorama histrico e socioeconmico.
As especificidades de um pas chamado Brasil, denominao de nosso segundo
captulo, busca uma compreenso de como todo este processo de reestruturao
econmica mundial, que acabou por gerar a abertura dos mercados mundiais,
rebateu no nosso desenvolvimento poltico e econmico e, consequentemente, no
desenvolvimento da atividade turstica. Em um rpido percurso pela histria
brasileira, relacionando a natureza sociolgica do povo brasileiro com traos da
colonizao ibrica, iremos observar que a passagem para um pas independente e
-
8
natural engendramento na geopoltica mundial enquanto nao de Terceiro Mundo,
trouxe consequncias para o (sub)desenvolvimento do capital nacional. Tal fato
culminaria no endividamento externo e posterior abertura total e irrestrita do Brasil
ao processo de liberalizao financeira e, com isso, enxurrada de investimentos
estrangeiros diretos e a um intenso processo de fuses e aquisies, do qual os
investimentos imobilirios e hoteleiros tambm tomaram parte.
No terceiro captulo, tratamos de entender o papel do Estado enquanto agente
dinamizador dos investimentos tursticos atravs da consecuo de polticas
pblicas federais. Iniciamos o trajeto com a criao da Embratur, em 1966 e
finalizamos o percurso das polticas pblicas com a recente promulgao do Decreto
n 7.381/2010 que regulamenta a Poltica Nacional de Turismo. Nestes 44 anos
iremos perceber que houve avanos significativos na forma do Estado tratar e
estruturar a matria, o que refletiu no aquecimento da demanda internacional e
nacional -, bem como na criao de postos de trabalho relacionados atividade
turstica. Finalizamos o captulo versando sobre a evoluo dos meios de
hospedagem no Brasil que culmina com a sua regulamentao e cadastro, atravs
da Poltica Nacional de Turismo, o que marca um esforo indito por parte do Estado
no sentido de sistematizar a oferta, alm de auxiliar na elaborao de metas e
macroprogramas para a dinamizao do turismo no Pas.
Por fim, o quarto captulo trata especificamente do objeto desta pesquisa: o litoral
brasileiro. A atuao do capital financeiro na produo do espao costeiro constitui a
base de nossa investigao e traz definies importantes, tais como: o circuito
secundrio de capital, os ciclos imobilirios relacionados imagem quente do lugar,
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9
a hipermobilidade do capital e a mquina do crescimento urbano, temas que iro
nortear o nosso percurso ao longo deste captulo.
Na sequncia, passamos a discorrer sobre as diferentes tipologias incidentes no
espao costeiro, buscando sua caracterizao e quantificao: redes hoteleiras,
resorts, segundas residncias e empreendimentos tursticos imobilirios. Feito o
entendimento da diferenciao entre as tipologias apresentadas, prosseguimos no
que denominamos a geografia dos empreendimentos imobilirios e hoteleiros
beira-mar. Inventariamos, ento, por Estado e Municpio costeiro, a incidncia das
tipologias objeto de nosso estudo, informando a natureza e a origem do
investimento. No caso de resorts e empreendimentos tursticos imobilirios,
buscamos informar tambm a rea do empreendimento, por entender que se trata
de grandes extenses de terra alocadas por um nico investimento.
Ao concluir a tese, esperamos gerar um panorama dos investimentos imobilirios e
hoteleiros ao longo da costa, o que nos possibilitar compreender a natureza de tais
investimentos, se nacional ou internacional, e sua incidncia, ou seja, a
predominncia de residncias secundrias, redes hoteleiras, resorts e
empreendimentos tursticos imobilirios por Regio/Estado/Municpio. Esperamos
assim, poder contribuir com a sistematizao e elucidao da origem dos
investimentos de um agente de produo que tem concorrido de forma relevante na
ocupao dos espaos litorneos: os meios de hospedagem.
-
10
CAPTULO 1
O TURISMO NO CONTEXTO DA REESTRUTURAO ECONMICA MUNDIAL
Neste captulo introdutrio busca-se compreender o nosso objeto de pesquisa, qual
seja o turismo enquanto atividade produtiva e que tem no espao o seu principal
objeto de consumo. Para tanto, traaremos um breve percurso histrico de sua
evoluo dentro do regime de acumulao capitalista, onde ganha importncia
medida que suas divisas representam substanciais indicadores de gerao de
riqueza, sobretudo a partir dos anos 70, quando a atividade turstica passaria a
ganhar status de uma indstria limpa frente crescente onda ambiental que
condenaria as atividades poluidoras. Contudo, no espao que a atividade turstica
se concretiza e nele que encontraremos as principais consequncias decorrentes
de tal atividade, o que ser discutido ao longo desta tese.
1.1 Da indstria fordista indstria turstica
O ano de 1914 seria simblico para marcar o incio do fordismo, ocasio em que
Henry Ford introduziria a jornada de trabalho de oito horas dirias e remunerao de
cinco dlares para os trabalhadores da linha de montagem de carros no Estado de
Michigan, nos Estados Unidos. Com base nos princpios de administrao cientfica
publicados por F. W. Taylor em 19111, aliado percepo de que produo em
massa significaria consumo em massa, Ford contribuiria para o incio de uma nova
1 Um influente tratado que descrevia como a produtividade do trabalho podia ser radicalmente aumentada atravs da decomposio de cada processo de trabalho em movimentos componentes e da organizao de tarefas de trabalho fragmentadas segundo padres rigorosos de tempo e estudo do movimento. (Harvey, 2003:121)
-
11
fase de acumulao capitalista2, popularmente conhecida como fordismo3,
fortemente associada produo em srie.
O fordismo, ento, inauguraria um novo regime de acumulao capitalista, ou seja,
uma nova diviso do trabalho no cho de fbrica, lastreada no trabalho em srie, o
que afetaria a forma de produo e reproduo do trabalhador: o processo de
produo estaria agora fragmentado entre gerncia, concepo, controle e
execuo, cabendo grande massa de trabalhadores a ltima fase deste processo,
a de execuo, que, diferentemente do modo de produo artesanal ou
manufatureiro, no requeria nenhuma habilidade para a execuo da tarefa.
Smith (1988:160) ressalta que Marx em O Capital pormenoriza a diviso do
trabalho no sistema capitalista e, segundo a anlise do autor, so trs as escalas
desta diviso: geral, particular e especfica. A primeira corresponderia separao
entre atividades principais, ou seja, entre o campo e a indstria; j a escala
particular, relaciona-se s subdivises entre os diferentes setores do campo e da
indstria, e a terceira, seria a diviso especfica do trabalho que ocorre no cho de
2 Sweezy, citado em Nobre (2000:10), define o capitalismo como um sistema de relaes poltico-econmicas
cujo principal objetivo a acumulao de capital, sendo esse o principal agente no processo contnuo de reproduo de riqueza. (...) O capitalismo surge como sistema econmico mundial no final do sculo XV com o ressurgimento do comrcio na Europa. Marx seria quem se debruaria exaustivamente sobre a natureza do capital, afirmando que diferentemente dos conceitos de dinheiro ou riqueza, o capital visa a acumulao do lucro ou mais-valia, atravs da frmula D M D, onde D o dinheiro, M a mercadoria e D = D + D, ou seja, o valor inicial mais lucro. 3 O sistema de produo capitalista pode ser periodizado em trs estgios de formao: mercantilista, que vai de
1500 at o surgimento da Revoluo Industrial na Inglaterra, cuja acumulao advm das atividades comerciais, conquista e expanses territoriais; competitivo, que compreende o perodo de 1800 a 1890, em que se introduz a mais-valia como fonte principal de acumulao e consolida a industrializao; e monopolista, a partir de 1890, caracterizado pela ao de empresas, em formato de monoplios que agem no mercado eliminando a concorrncia (Nobre, 2000). O fordismo, cujo termo teria sido cunhado pelo filsofo comunista Antonio Gramsci, na dcada de 1930, j corresponderia terceira fase de acumulao capitalista onde prevalece a relao centro-periferia, sendo esta ltima objeto de expanso do consumo dos produtos gerados no centro (pases que comandam a economia global), bem como lcus de fornecimento de matria-prima mais barata.
-
12
fbrica, decorrente de ajustes necessrios ao processo de produo, com atuao
praticamente inexistente em escala espacial.
Vale notar que nesta primeira fase do fordismo, a diviso de trabalho ocorreu
apenas nas linhas de montagem fordista, ou seja, na diviso especfica do trabalho
tal como sinaliza Smith. Somente depois, com a efetiva entrada da ao do Estado
impelindo novo modo de regulamentao que a diviso se expandiria de forma
global, caracterizando, portanto, um novo regime de acumulao e consequente
expanso para as escalas particular e geral. Tal processo significaria, ainda,
interveno nas atividades do campo, como o aumento das reas de
produo/comercializao de matrias-primas por todo o globo.
Ainda nesta primeira fase de diviso especfica do trabalho, Henry Ford tentaria
introduzir um novo modo de regulamentao em suas fbricas que desse tom ao
novo modelo de trabalho. Assim, sua meta seria disciplinar o novo homem:
assistentes sociais eram enviadas s casas dos trabalhadores da linha de
montagem com intuito de ensin-los a ter uma vida regrada (sem consumo de
lcool, por exemplo, pois afinal, como manter o ritmo de concentrao para um
movimento sincopado ditado pela esteira se o sujeito amanhecesse sob o efeito de
uma bebedeira?) e, sobretudo, aprender a gastar bem consumir os produtos
produzidos nas linhas de montagem.
Ford acreditava sobremaneira no poder corporativo da regulamentao da economia
e tentava, at a malfadada crise de 1929, manter os nveis de produo e consumo.
Procurava, inclusive, aumentar o salrio de seus trabalhadores, em geral imigrantes,
-
13
uma vez que havia resistncia, por parte da classe trabalhadora americana, em
aceitar um sistema de produo pautado em um trabalho puramente mecanizado.
A crise de 1929, caracterizada pelo subconsumo de produtos e superacumulao de
capital, s foi resolvida mediante interveno estatal. O New Deal, de Franklin
Roosevelt (presidente dos Estados Unidos), lanado em 1930, marcava uma forte
interveno do Estado. A partir de ento, o Estado passaria a ser o principal
instrumento de sustentao do sistema, atravs da implementao do Estado do
Bem Estar Social, o Welfare State. Desta forma, o que Ford tentou fazer sozinho na
primeira fase do fordismo, agora contaria com a interveno macia do Estado: a
diviso do trabalho sairia do cho de fbrica e assumiria um carter geral.
nessa fase que o regime de acumulao fordista ganha flego, pois passa a
contar com a sustentao do Estado que introduz instrumentos de regulamentao
que permitem a expanso desta nova forma de acumulao do capital: num primeiro
momento, planejando a economia a fim de sair do colapso e num segundo
momento, planejando e organizando a sociedade, via o que Rebelo Jnior (2002:5)
apontaria como soluo definitiva para a superao da crise de ento. Segundo o
autor, a vitria em uma nova grande guerra (Segunda Guerra Mundial), contra o
nazismo e o militarismo japons implicaria uma nova rediviso de poder e
consequente sobrevida ao capital, resultando em nova diviso internacional do
trabalho.
-
14
O esforo de ps-guerra para a reconstruo das cidades, com base nas ideias de
Keynes4, permitiu a expanso do fordismo alm-fronteiras americanas, garantindo
novos mercados para seus produtos, bem como novas fontes de matrias-primas.
De 1945 at a primeira crise do petrleo, em 1973, corresponde ao perodo de
maturao do fordismo enquanto regime de acumulao e modo de
regulamentao; a trade: Estado, Capital Corporativo e Sindicatos, garantiriam a
manuteno do sistema por todo um perodo de maturidade do fordismo.
Neste trio, coube ao Estado o controle dos ciclos econmicos atravs de polticas
fiscais e monetrias, bem como o investimento em infraestrutura rodoviria,
educao, sade e habitao, de forma a garantir pleno crescimento da indstria
fordista e consumo de massa. Mudana tecnolgica, investimentos em capital fixo e
melhoria da capacidade administrativa com vistas padronizao do produto, foi o
papel assumido pelo Capital Corporativo. J aos Sindicatos, coube o papel indutor
da massa de trabalhadores ao modo de produo em srie, em troca de acordos
salariais, manuteno de emprego e conquista de direitos dos trabalhadores.
O acordo de Bretton Woods, firmado em 1944, estabelecia a nova ordem mundial: o
dlar seria transformado em moeda de referncia internacional, sendo garantidas,
em tratado internacional, a conversibilidade dlar-ouro e a paridade entre ambos
35 dlares a ona (Rebelo Junior, 2002:117). Estava firmado o cenrio que daria
hegemonia aos Estados Unidos, alm de status de lder da economia mundial. Com
4 Jonh Maynard Keynes (1883-1946) contribuiu para a formao do FMI e do Banco Mundial, tendo
escrito em 1936 a Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. Acreditava que um Estado forte, regulador da economia e promotor do desenvolvimento econmico, por meio de polticas fiscais, monetrias, investimento e endividamento pblico, pudesse estabelecer as bases institucionais da reconstruo dos pases destrudos pela guerra alm de, claro, garantir a supremacia americana (Nobre, 2000:23).
-
15
efeito, a internacionalizao do fordismo significou, de um lado a abertura de
mercado, sobretudo o europeu, para o excedente de produo americana formando
mercados de massa globais, e de outro, a oferta de insumos, matrias-primas mais
baratas, sendo negociveis em todas as partes do globo inseridas no bloco
capitalista.
assim que, no esteio da internacionalizao do fordismo, surgiriam outras
atividades: bancos, seguros, hotis, aeroportos e, consequentemente, a atividade
turstica, uma vez que a viabilidade de fluxos via rodoviarizao e transporte areo,
conjugado necessidade de deslocamento por conta dos negcios, agora
internacionais, certamente propiciaria o desenvolvimento de atividades relacionadas
hospitalidade e servios nas localidades receptoras.
neste ponto, portanto, que a atividade turstica entrar de forma macia no circuito
da economia, sobrepujando o perodo do auge do fordismo. Contudo, no
entraremos neste assunto no momento, pois ainda h a necessidade de se verificar
as consequncias da expanso do movimento fordista que conduziriam terceira
grande crise do capital5 e sua suposta salvao: o desenvolvimento sustentvel, que
ter na atividade turstica um de seus pilares.
5 Para Rebelo Jnior (2002), a primeira crise corresponde ao perodo de transio entre o capitalismo competitivo
e o monopolista, e marca a primeira Grande Depresso ocorrida entre os anos de 1873-1893, caracterizada pela finalizao do primeiro ciclo da revoluo industrial, aparecimento de novas tcnicas e de novas potncias mundiais que iriam disputar o comando da economia global at ento nas mos da Inglaterra. Essa crise atingiu seu pice na Primeira Guerra Mundial (1914 1918), aps a qual se assiste a uma nova redistribuio de poder e mudana nas relaes entre pases centrais e perifricos. A segunda, ora abordada, compreendeu os anos de 1929 1941, contou com a interveno do Estado americano, alm de sua supremacia enquanto potncia econmica sacramentada pela sua vitria na Segunda Guerra Mundial (1938 1945). Finalmente, a terceira, inicia-se a partir de 1971, e a sada encontrada seria o alcance do desenvolvimento sustentvel.
-
16
1.2 Novo regime de acumulao e a crise planejada do petrleo
As crises so inerentes ao sistema de produo capitalista. Segundo Harvey
(2003:170), o argumento marxista conduz teoria de superacumulao do capital,
como fato inerente ao sistema e algumas so as sadas possveis para a superao
da crise: a desvalorizao de mercadorias, o controle macroeconmico e a absoro
da superacumulao.
A primeira consiste na liquidao de estoques excedentes de bens (como por
exemplo, a queima do caf brasileiro na dcada de 30, durante a crise de 29),
estagnao da produo e inflao; de forma controlada, atravs de polticas
deflacionrias, essa alternativa se constitui num mecanismo importante para conter
a superacumulao. A segunda consiste em decises econmicas e polticas que
estabeleam sistemas de regulao eficientes. A terceira, por sua vez, ocorre
atravs de deslocamentos temporais e espaciais, sobre os quais nos deteremos a
seguir.
Disponibilidade de crdito e formao de capital fictcio , para Harvey, a estratgia
mais duradoura para conter a superacumulao, atravs de deslocamentos
temporais e espaciais. Capital fictcio, segundo Harvey (2003:171):
definido como capital que tem valor monetrio nominal e existncia como papel, mas que, num dado momento do tempo, no tem lastro em termos de atividade produtiva real ou de ativos fsicos. O capital fictcio convertido em capital real na medida em que so feitos investimentos que levem a um aumento apropriado em ativos teis (por exemplo, instalaes e equipamentos que possam ter emprego lucrativo) ou mercadorias teis (bens e servios que possam ser vendidos com lucro).
O emprstimo de dinheiro por meio dos organismos financeiros internacionais
Fundo Monetrio Internacional (FMI) e Banco Mundial , uma estratgia utilizada
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pelos pases de capitalismo avanado para conter a superacumulao em suas
economias atravs do financiamento de infraestruturas na Amrica Latina, por
exemplo.
Rebelo Jnior (2002) ressalta que, se nas duas grandes crises anteriores os
principais pases capitalistas possuam controle da matria-prima por estas se
localizarem nos pases sob seu julgo colonial, ao trmino da Segunda Guerra, este
poder no era mais to explcito, uma vez que vrios pases, outrora colnias,
tornaram-se independentes. Para este autor, o grande impasse instaurado seria
como redividir o mundo novamente a fim de se manter o controle das matrias-
primas; este impasse ficaria explcito com a grande crise de 1971.
O perodo ps-guerra de expanso fordista continha a superacumulao atravs do
deslocamento espacial e temporal, seja no prprio territrio estadunidense, com a
expanso de excedentes de capital e trabalho para o sul e para o oeste, seja na
reconstruo da Europa ocidental e Japo, atravs de investimentos estrangeiros
diretos.
Assim, o ps-guerra representaria uma nova rediviso do capital e do poder,
alterando as relaes centro-periferia6, com a seguinte estrutura:
6 Wallerstein, citado por Nobre (2000:14) identifica trs grupos de estados-naes, de acordo com as
suas posies no processo global de produo e acumulao capitalistas: os pases centrais, os pases semi perifricos e os pases perifricos. Aos pases centrais caberia o comando e organizao da economia em nvel global; aos pases semi perifricos, a organizao e expanso da produo e, por fim, os perifricos possuiriam pouca importncia poltica neste cenrio. Importante salientar que esta diviso no esttica e varia geopoliticamente em funo do estgio de desenvolvimento de cada pas no processo de acumulao capitalista. Rebelo (2002), por sua vez, simplifica o processo em apenas dois blocos: pases centrais e perifricos.
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No centro os Estados Unidos, com a maior concentrao de riqueza e poder. Em torno um grupo de potncias imperialistas secundrias: Alemanha, Japo, Gr-Bretanha, Frana, Holanda. Em seguida uma srie de pases capitalistas desenvolvidos, mas menos poderosos: pases escandinavos, Blgica, Sua, ustria, Itlia, Grcia, Espanha, Portugal, Canad, Austrlia. Depois os que podem ser chamados de subimperialistas: Mxico, Brasil, Israel, Arbia Saudita, Ir (antes da Revoluo de 1979), ndia. Por fim, a grande maioria dos pases subdesenvolvidos da sia, frica e Amrica Latina (Rebelo Jnior, 2002:81).
Contudo, a internacionalizao do fordismo levaria a Europa ocidental e o Japo a
competirem comercialmente com os Estados Unidos, ameaando sua hegemonia.
Rebelo Jnior cita que justamente neste perodo ps-guerra at o incio da terceira
grande crise no incio dos anos setenta, o ritmo de acumulao nestes pases teria
sido maior que qualquer outro perodo anterior.
Com efeito, o esforo de reconstruo da Europa e do Japo ps-Segunda Guerra
se deu atravs de um macio deslocamento de investimento de capitais de
empresas americanas alm-fronteiras: seriam os tentculos das multinacionais
americanas na Europa e no Japo que propiciariam, por sua vez, a formao de um
mercado de eurodlares.
Desta forma, a liberalizao do comrcio internacional inverteria o jogo: a produo
em territrio europeu e japons geraria concorrncia aos produtos americanos e
acabaria por acirrar a competio entre eles. Por outro lado, tais potncias tinham
como inimigo comum o Terceiro Mundo que, aps a segunda grande guerra, surgia
pleiteando melhores participaes nas relaes internacionais de comrcio, uma vez
que eram os detentores das matrias-primas.
Romper unilateralmente o acordo de Bretton Woods e endividar o endividado teria
sido a estratgia adotada pelo governo americano para garantir sua supremacia
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diante de novos atores em busca do poder; de um lado, japoneses e europeus, de
outro, o Terceiro Mundo em peso, que ento formava o Grupo dos 77 (G77): aqueles
que defendiam a posio dos pases pobres junto Conferncia das Naes Unidas
para o Comrcio e o Desenvolvimento (UNCTAD). Vejamos a ordem dos
acontecimentos luz de Rebelo Jnior (2002).
A partir de 1968, os Estados Unidos rompiam unilateralmente a paridade dlar-ouro,
fabricando muito mais moeda do que tinham em lastro. O objetivo era ter o dlar
barato para facilitar as exportaes e, portanto, competir diretamente com os
produtos europeus e japoneses (qualquer semelhana com a estratgia atual ps-
crise do subprime americano deflagrada em 2008, no mera coincidncia: so
consequncias da superacumulao de capital e queda na taxa de lucro...). Por
outro lado, os preos das matrias-primas despencaram, pois eram cotadas em
dlar por conta do Bretton Woods. E a sua desvalorizao quebrava o poder dos
cartis, do G77, ou seja, das naes supridoras de matrias-primas que pleiteavam
melhores preos.
Oficialmente, em agosto de 1971 ocorreria a ruptura unilateral do acordo de Bretton
Woods. Imediatamente antes, o governo Nixon (EUA) criava a Comisso de
Comrcio Internacional e Poltica de Investimentos, que ficou conhecida como
Comisso Williams, uma vez que quem a presidia era Albert L. Williams, da IBM.
O relatrio desta comisso foi publicado em julho de 1971, um ms antes de
deflagrar a quebra do sistema dlar-ouro, e seu diagnstico apontava para a
preocupante concorrncia entre Estados Unidos de um lado, e Japo e Europa de
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outro, com suas fbricas novas e mo de obra barata. Outro fator de destaque era o
crescimento de manufaturados em pases em desenvolvimento como o Brasil, com
fora de trabalho ainda mais barata e lucros ainda maiores. Sua concluso
assinalava o declnio da indstria de transformao americana em detrimento dos
demais pases capitalistas.
Como resultado, recomendava:
Concentrar os esforos da poltica econmica nos dois setores onde os Estados Unidos ainda possuam vantagem comparativa na produo e no comrcio mundial: produtos manufaturados de alta tecnologia (principalmente os bens de capital, armas e computadores) e agricultura (com nfase nos cereais e sementes oleaginosas como a soja). (...) A implementao das recomendaes dependeria de uma agressiva poltica de exportaes que deveria ter como base a lgica do livre comrcio. E este seria alcanado via a quebra do sistema que impedia a desvalorizao do dlar. (...) Desvalorizando o dlar, as mercadorias estadunidenses entrariam no mercado com preos competitivos, o que tenderia a reverter a queda da taxa de lucros da economia. Essa poltica com pequenos ajustes chegaria at os dias de hoje (Rebelo Jnior, 2002:121). Grifo nosso.
Tratava-se da concepo da to propalada globalizao que, obviamente, lanou
mo de fortes instrumentos ideolgicos para alcanar a dimenso desejada: todas
as naes do globo.
Tal recomendao constataria o que Harvey interpretou como sendo uma das
principais causas que conduziria crise do fordismo: a exausto de alternativas para
lidar com o problema de superacumulao. De fato, a rigidez do sistema fordista,
caracterizado pela produo em massa e em srie, somado ao esgotamento de
consumidores internos sempre para os mesmos produtos e concorrncia com
pases da Europa e o Japo, que os fabricavam mais baratos, levariam exausto
deste sistema de produo.
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Por outro lado, em fins da dcada de 60, a crise energtica havia chegado, sinaliza
Rebelo Jnior. Os pases produtores de petrleo, vinculados Organizao dos
Pases Exportadores de Petrleo (OPEP) que desde sua fundao em 1960,
lutavam por relaes comerciais mais justas e retorno de capital investido,
pressionavam agora pela assinatura do acordo de Teer. Cabe ressaltar que tais
pases, Arbia Saudita, Ir, Iraque, Kuwait e Venezuela detinham, juntos, 90% das
reservas mundiais e 85% das exportaes.
Assinado em fevereiro de 1971, o acordo previa dois aumentos anuais,
considerando-se inflao e demanda do petrleo proveniente do golfo rabe
(Rebelo, 2002:125). O que a OPEP no sabia que esta elevao de preos,
cotados em dlar, era desejada pelos Estados Unidos e fazia parte das estratgias
preconizadas pela Comisso Williams.
Ocorre que, em agosto daquele ano, o acordo de Bretton Woods seria rompido
unilateralmente, levando por terra o acordo de Teer, desvalorizando e quebrando o
cartel da OPEP. Porm, detentora de 90% das reservas mundiais (e a economia
global movida a petrleo), a OPEP continuou pressionando por novos acordos em
substituio ao de Teer, sem validade por conta da poltica estadunidense de
salvao do dlar.
Segundo Rebelo (2002:126), novos acordos foram assinados em 1972 e 1973, com
vistas a proteger os preos do petrleo da OPEP contra as variaes cambiais do
dlar. Neste ponto, os Estados Unidos tiveram que ceder, pelo menos no que diz
respeito aos pases rabes.
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O ano de 1973 , portanto, um marco da primeira grande crise do petrleo e, por
conseguinte, da crise do sistema fordista, sinalizada pelo aumento dos preos do
petrleo pela OPEP e embargo das exportaes para o Ocidente durante a guerra
rabe-israelense, a guerra do Yon Kippur. Antes da crise, o preo do petrleo bruto
era de US$ 3,01 o barril, pulando para US$ 11,65, em janeiro de 1974, ao passo que
o Produto Nacional Bruto (PNB) dos EUA caia 2% e do Japo, 3%, para aquele ano.
(Harvey, 2003:136; Rebelo Jnior, 2000:153).
Com a crise chegaria a recesso, o desemprego e a queda de consumo, o que
permitiria a realizao de novos investimentos sob novo patamar tecnolgico, dando
origem a um novo padro de acumulao do capital, o que Harvey (2003)
denominaria como acumulao flexvel e Castells (2008), como o incio da era
informacional.
Por outro lado, a sbita alta do preo da energia, segundo a viso dos Estados
Unidos e aliados, teria sido fruto de uma atitude unilateral por parte do cartel da
OPEP em reao derrota da causa rabe na guerra do Yon Kippur, contra Israel.
Em represlia,
Os saldos comerciais obtidos pelos pases da OPEP ficaram proibidos de serem usados para compras de mercadorias e de aes de empresas na Europa e nos Estados Unidos. Os petrodlares tiveram ento que ser depositados em grandes quantias nos bancos internacionais. E essas quantias ociosas nos bancos permitiram que os banqueiros inundassem o mundo com emprstimos. A crise da dvida externa seria uma crise real para o Terceiro Mundo (Rebelo Jnior, 2002:158).
Wilderode (2000:186) acrescenta que o desaparecimento de uma ancoragem
internacional de moedas e consequente mudanas no mercado de cmbio, via
ruptura do Acordo de Bretton Woods, deflagrada em 1971, conduziu
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transformao de moedas em ativos financeiros e, em ltima anlise, em
instrumento para financiamento da dvida pblica americana atravs da economia
do endividamento.
O mercado de petrodlares, somado criao de euromercados e parasos fiscais,
por conta da internacionalizao dos bancos comerciais, como intermedirios de
um processo caracterizado cada vez mais pelo crdito (Wilderode, 2000: 288),
conduzir segunda parte do plano da Comisso Williams: a poltica de endividar o
endividado, que ser tratada no captulo seguinte, pois acarretar consequncias
importantes para a trajetria histrica e econmica brasileira.
1.3 Desenvolvimento Sustentvel e Globalizao: similaridade de
conceitos
Se a ofensiva econmica de Nixon tinha alcanado xito, via reestruturao
econmica, vista nos tpicos anteriores, ainda fazia parte de sua estratgia atacar
mais duas frentes: a religiosa e a ecolgica.
Rebelo Jnior (2002:131) nos conta que em 1968, Nixon pediria pessoalmente ao
ento governador de Nova Iorque, Nelson A. Rockefeller, a elaborao de um
relatrio sobre a Amrica Latina que ficou conhecido como Relatrio Rockefeller.
Este relatrio serviria de subsdio para os planos de Nixon para a regio e suas
concluses apontavam para um crescente avano das foras militares e da Igreja
Catlica Romana em direo a um nacionalismo intenso e, por conseguinte, a um
antiamericanismo.
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Diante dos fatos, os Estados Unidos iniciariam uma ofensiva pentecostal na Amrica
Latina, pregando que a salvao estaria no Cu e no na Terra; o objetivo bvio era
a alienao da populao e a conteno dos avanos nacionalistas que, no caso,
eram taxados de comunistas.
J a ofensiva ecolgica teria sido muito mais sutil, lanando mo de artigos sobre a
degradao do meio ambiente (Revista Life, em 1969 e revista Time, em 1970) de
um lado, e organizando as Conferncias Ambientais de outro. Vejamos o papel das
Conferncias enquanto indutoras de um novo processo de acumulao de capital
a liberalizao financeira, sob a roupagem do Desenvolvimento Sustentvel.
O Clube de Roma foi criado em abril de 1968, dois meses antes da OPEP lanar seu
manifesto a favor de ajuste de preos do petrleo. Formado por representantes de
empresas (Chase Manhattan, Exxon, Rockefeller, Bilderberg Group composto por
lderes da Europa Ocidental e pelo Prncipe Bernard, da Holanda) o Clube de Roma
surgia para repensar o mundo do ponto de vista dos pases industrializados. A
reunio de sua fundao foi realizada na propriedade da famlia Rockefeller, em
Bellagio, Itlia.
Teria como finalidade, entre outras, a de chamar a ateno do pblico do mundo
inteiro, para aquele novo modelo de entender, no caso, o novo modelo se refere
interdependncia econmica, poltica, natural e social que formaria o sistema global.
(Rebelo Jnior, 2002:104).
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Foi convidado o Prof. Jay Forrester do Instituto Tecnolgico de Massachussets (MIT)
para se debruar sobre o que o Clube considerava ser o Dilema da Humanidade.
Forrester lanou o relatrio intitulado Os limites do Crescimento naquele mesmo
ano, alertando para o crescimento demogrfico e escassez alimentar na virada do
sculo XX. Este relatrio foi financiado pela Volkswagen Foundation e, dois anos
mais tarde, a Rockefeller Brother Fund passaria ao financiamento de um modelo
mais amplo e com maior profundidade para os Estados Unidos.
O modelo a ser desenvolvido para o Clube de Roma um modelo perfeitamente adequado para a ideia da espaonave Terra (...). Um modelo que parte da posio de domnio das grandes empresas capitalistas sobre o mundo. (...) um modelo conservador que visa a manuteno do status quo (Rebelo Jnior, 2002:105)
No entanto, Rebelo Jnior (2002:137) alerta que a mensagem do relatrio nada mais
era do que uma resposta aos pases do Terceiro Mundo, no sentido de tentar
neutraliz-los, quando da chamada para a Conferncia sobre o Meio Humano, a ser
realizada em Estocolmo, no ano de 1972.
A Conferncia de Estocolmo, realizada pela Organizao das Naes Unidas (ONU)
teve como mote relativizar os ndices alarmantes preconizados pelo relatrio do MIT:
era necessrio corrigir os mecanismos de crescimento, inclusive demogrfico. Na
ocasio, a poluio foi apontada como a grande causa da crise ambiental.
Para Rebelo Jnior (2002:140), os resultados desta conferncia registraram uma
vitria para os pases de Terceiro Mundo, uma vez que o enfoque econmico
referente estabilidade de preos e lucros sobre as matrias-primas foi incorporado
ao debate que, inicialmente, pretendia discutir problemas relacionados somente
contaminao ambiental.
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Ora, o discurso americano referia-se incluso de fatores ecolgicos dos
programas de desenvolvimento como regras do Banco Mundial para a liberao de
emprstimos. Tal iniciativa devia-se ao fato de se tentar neutralizar a Venezuela
enquanto exportadora de petrleo, uma vez que limpar sua matriz custaria caro e,
portanto, no seria mais um problema de concorrncia e de presso ao cartel
petrolfero americano.
Outro ponto polmico que atualmente vem sendo bastante estudado diz respeito
posio encabeada pelo Brasil na Conferncia, permitindo que as indstrias
poluidoras do mundo civilizado viessem para c.
No entanto, luz do raciocnio desenvolvido por Rebelo Jnior, percebe-se que tal
transferncia se deu em funo da troca de reas de alto custo de produo
(Estados Unidos, Japo e Europa Ocidental) por reas de baixo custo de produo,
e no em funo da poluio. Como j vimos, incomodava aos Estados Unidos esta
transferncia de reas de produo, pois ameaava sua hegemonia e gerava
concorrncia para a sua indstria. o discurso da causa ambiental em plena
formao e em prol dos interesses dos pases desenvolvidos.
Se a fundao do Clube de Roma resultado da presso frente atuao da OPEP
no que diz respeito a uma redefinio da ordem mundial ou, em outras palavras, de
nova repartio da mais-valia, a criao da Comisso Trilateral (TC), em julho de
1973, a consolidao deste desejo de redefinio da ordem. Examinemos melhor.
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Para Rebelo Jnior (2002:145), a Comisso Trilateral fruto de uma discusso
mais ampla sobre os problemas do mundo capitalista. Isso a partir da viso dos
Bancos e Monoplios Multinacionais (os Cartis e os Trustes). Criada s vsperas
da primeira crise do petrleo, contava com representantes de grandes corporaes
multinacionais, como o Bank of America, Coca-Cola, Mitsubishi, IBM, Ford, Fiat,
Banque de Paris, entre outros.
Politicamente, sua fora estaria representada pela eleio dos presidentes
americanos Jimmy Carter, George Bush e Bill Clinton; todos estes, membros da
Comisso. Igualmente importante era a presena de Maurice Strong, secretrio-
geral da Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento, que ficou conhecida como ECO92.
A TC seria a responsvel por viabilizar a criao do G7 (Grupo dos Sete) abarcando
Estados Unidos, Gr-Bretanha, Frana, Alemanha, Japo, Itlia e Canad. Estes
pases, atravs de seus grandes bancos e trustes internacionais, se uniriam contra
um inimigo comum: o Terceiro Mundo que queria se desenvolver, comprometendo
ento, o lucro e domnio exercido pelo grande capital privado. Era a repartio da
mais-valia que estava em jogo.
Para se ter uma ideia da potncia econmica que representava o G7, em 1985, o
PNB do Japo e dos Estados Unidos giravam em torno de 30% do PNB mundial. Se
somados aos PNB da Inglaterra, Alemanha Ocidental, Frana e Itlia, este nmero
saltaria para 45%. Era, portanto, o Poder da Trade Japo, Europa e Estados
Unidos, que estava em jogo.
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Oficialmente criada em 1960, a Organizao para Cooperao e Desenvolvimento
Econmico (OCDE) tinha como objetivo maior, a estabilizao da economia mundial
da poca frente aos processos de descolonizao, por conta das independncias
garantidas com o fim da Segunda Guerra. A Comisso Trilateral, por meio do G7,
tentaria redefinir os problemas mundiais sob a tica dos pases do Terceiro Mundo e
a seu favor (do G7), logicamente.
Para que este mundo se mantenha deve-se manter os pases subdesenvolvidos na posio de subordinao em que se encontram. Qualquer outra alternativa colocaria em xeque o poder poltico do processo mundial da produo de mercadorias. O processo de propriedade, produo e apropriao. O desenvolvimento observado em alguns pases subdesenvolvidos seria permitido enquanto no interferisse nos lucros e no domnio exercido pelo grande capital privado (Rebelo Jnior, 2002: 151).
Evitar uma concorrncia sem quartel teria sido a nica soluo encontrada pela
OCDE em funo do impasse instaurado. Ento:
Para evitar a concorrncia sem quartel, recomenda que os mercados mundiais sejam abertos. Deste modo sugere que os chamados pases em desenvolvimento abandonem os ultrapassados modelos estatizantes em prol da eficincia da iniciativa privada. Tambm, entre outros itens, recomenda que os investidores estrangeiros sejam aceitos como cidados de direito pleno, para estabelecerem sistemas completos de negcios, e no linhas de montagem ou redes de distribuio (Rebelo Jnior, 2002:152). (grifo nosso)
E continua:
Para as empresas da Trade, recomenda que participem ativamente nas trs regies (Japo, Estados Unidos e Europa), e mais uma regio em desenvolvimento. Mas quanto a esta ltima, especifica que devem atuar onde j existem laos tradicionais. Desse modo teramos: Amrica Latina e Estados Unidos, Sudoeste da sia e Japo, e frica e Europa (Rebelo Jnior, 2002:152).
Em resumo: o mundo passava novamente por uma rediviso, mas sem a
necessidade de uma guerra mundial (uma vez que o poderio militar americano se
sobrepujava aos demais do mundo capitalista). A globalizao abriria os mercados
e o desenvolvimento sustentvel garantiria os recursos mundiais, por meio da
interdependncia e cooperao por parte do Terceiro Mundo em prol dos grandes
trustes e cartis. Agora era s uma questo de difuso da nova ideologia.
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A difuso da crise ambiental se daria por meio das escolas formulativas as
Conferncias, tendo como piv Maurice Strong e Ignacy Sachs; e atravs das
escolas operativas, que se encarregariam de disseminar tais ideias pelos quatro
cantos do mundo, atravs de livros, propaganda, redes de ensino, organizaes no
governamentais etc. Sob o ponto de vista econmico, a economia funcionaria como
um sistema aberto dentro de um sistema maior, representado pelo meio ambiente:
a viso sistmica da espaonave Terra.
Neste sentido, o conceito de eco desenvolvimento elaborado por Maurice Strong
seria anos mais tarde rebatizado para Desenvolvimento Sustentvel e lanado no
relatrio Nosso Futuro Comum, em 1987, como parte dos preparatrios para a
ECO 92. Segundo sua definio clssica, desenvolvimento sustentvel aquele
que atende s necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as
geraes futuras atenderem s suas prprias necessidades (CNMAD, 1991:46). Da
repercusso do conceito, segue-se ECO92 e assinatura da Agenda 21, a
chamada agenda para a ao, que efetivaria o conceito.
No toa que um ano depois do grande evento ambiental a ECO 92, tambm
denominada encontro da Cpula da Terra seria lanado por Ignacy Sachs (1993)
um livro que relatava este encontro e seus resultados. Tratava-se da ofensiva da
escola operativa a fim de divulgar aos quatro cantos do mundo, sob a roupagem dos
termos desenvolvimento sustentvel e globalizao, a necessidade de
cooperao, a ideia de aldeia global e de salvao do Planeta Terra, mediante as
duas premissas iniciais. Afinal, no simptico aos olhos da populao mundial
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dizer que, na verdade, o que se pretende manter o Terceiro Mundo sob julgo da
Trade e com isso, manter o controle das matrias-primas.
Com efeito, at os dias de hoje, este vis ecolgico s teve efeito para os pases do
Sul e do Leste. Para o Norte, afirma Rebelo Jnior (2002:193), continua
valendo as polticas protecionistas e at o fortalecimento das reas de comrcio com
moedas prprias.
A recusa dos Estados Unidos em assinar o Protocolo de Quioto em 2001, que
estabelecia ndices para a emisso de gases na atmosfera, prova que o meio
ambiente fica somente no plano do discurso. A Conferncia de Copenhague (COP
15) sobre as mudanas climticas, ocorrida em dezembro de 2009, tambm
demonstra claramente o embate e resistncia por partes dos pases da Trade em
aceitar a reduo de emisso de poluentes em seus pases, pois isso implica custos
e o que se almeja, so lucros.
Por outro lado, este mesmo discurso que dar origem ao surgimento de uma forte
economia no plano mundial: o turismo. A partir dos anos 70, a atividade turstica
entrar em cena como politicamente correta, uma vez que no polui, e passar a
ser disseminada e incentivada como uma indstria limpa e sem chamins (Araujo,
2004). Trata-se de dar impulso a mais uma forma de se acumular capital, agora sob
a tica da liberalizao financeira.
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1.4 A indstria turstica no contexto da liberalizao financeira
O abandono de Bretton Woods em 1971 foi o primeiro passo rumo formao de
um mercado financeiro mundializado. O segundo teria sido o abandono do estado
keynesiano e da poltica do bem-estar social, iniciado pelos governos de Margareth
Thatcher, em 1979, no Reino Unido; Ronald Reagan, em 1980, nos Estados Unidos;
e Helmut Kohl, em 1982, na Alemanha (Nobre, 200