Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

114
http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html 1 TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 1ºSEMESTRE Bibliografia Do 1º Semestre: Capelo de Sousa Do 2º Semestre: C.A. Mota Pinto O conceito de direito civil: o direito divide-se em dois grandes grupos, direito público e direito privado, sendo que o direito civil se integra no direito privado. A distinção entre direito público e direito privado: Critérios de distinção: o I Um primeiro critério assenta na natureza do interesse protegido pelas normas, a chamada teoria dos interesses (interessentheorie). A norma seria de direito público quando o fim da mesma fosse a tutela de um interesse público, ou seja, um interesse da colectividade. A norma seria de direito privado quando visasse tutelar um mero interesse particular. Críticas: a maior parte das normas jurídicas tanto de direito privado como de direito público visam proteger simultaneamente interesses públicos e interesses dos particulares. Assim, por exemplo, as normas que regulam o funcionamento e actuação do Estado, embora tutelando interesses gerais da comunidade, visam o bem dos homens concretos dessa comunidade. Por outro lado as normas de direito privado não se dirigem apenas à realização do interesse dos particulares, visando quase sempre interesses públicos (exemplo, art.875º cc.) que sujeita as vendas de imóveis a escritura pública, para além de defender as partes contra a sua precipitação realiza o interesse público de segurança do comércio. Só seria aceitável se exprimisse uma cota tendencial: o direito público tutelaria predominantemente interesses da colectividade e o direito privado tutelaria predominantemente interesses dos particulares (Marcelo Caetano): natureza do interesse prioritariamente tutelado; Ainda assim não seria aceitável porque em muitos casos não se sabe qual o interesse predominante (ex.registo predial). Há normas pacificamente classificadas como de direito privado e que visam predominantemente interesses públicos (normas imperativas).

Transcript of Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

Page 1: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

1

TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

1ºSEMESTRE

Bibliografia

Do 1º Semestre: Capelo de Sousa

Do 2º Semestre: C.A. Mota Pinto

O conceito de direito civil: o direito divide-se em dois grandes

grupos, direito público e direito privado, sendo que o direito civil se

integra no direito privado.

A distinção entre direito público e direito privado:

Critérios de distinção:

o I – Um primeiro critério assenta na natureza do interesse

protegido pelas normas, a chamada teoria dos interesses

(interessentheorie). A norma seria de direito público quando o

fim da mesma fosse a tutela de um interesse público, ou seja,

um interesse da colectividade. A norma seria de direito privado

quando visasse tutelar um mero interesse particular.

Críticas: a maior parte das normas jurídicas tanto de

direito privado como de direito público visam proteger

simultaneamente interesses públicos e interesses dos

particulares. Assim, por exemplo, as normas que regulam

o funcionamento e actuação do Estado, embora tutelando

interesses gerais da comunidade, visam o bem dos

homens concretos dessa comunidade. Por outro lado as

normas de direito privado não se dirigem apenas à

realização do interesse dos particulares, visando quase

sempre interesses públicos (exemplo, art.875º cc.) que

sujeita as vendas de imóveis a escritura pública, para

além de defender as partes contra a sua precipitação

realiza o interesse público de segurança do comércio. Só

seria aceitável se exprimisse uma cota tendencial: o

direito público tutelaria predominantemente interesses

da colectividade e o direito privado tutelaria

predominantemente interesses dos particulares (Marcelo

Caetano): natureza do interesse prioritariamente tutelado;

Ainda assim não seria aceitável porque em muitos casos

não se sabe qual o interesse predominante (ex.registo

predial).

Há normas pacificamente classificadas como de direito

privado e que visam predominantemente interesses públicos

(normas imperativas).

Page 2: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

2

o II – Um outro critério é o da posição relativa dos sujeitos da

relação jurídica (subjektions theorie), o direito público

regularia relações entre sujeitos que estão numa posição de

supra-ordenação ou supremacia e outros de infra-ordenação ou

de subordinação. O direito privado disciplinaria relações entre

sujeitos numa posição relativa de igualdade ou coordenação.

Críticas: no direito público pode-nos surgir posições de

igualdade ou coordenação (exemplo: relações entre dois

municípios membros de uma associação de municípios);

No direito privado encontramos algumas relações

jurídicas hierarquizadas (relação no poder paternal entre pai

e filho (art. 1878º cc.) ou contrato de trabalho entre entidade

patronal e trabalhador (art. 1152º);

o III-Um outro critério é o da teoria dos sujeitos

(subjektheorie) que assenta na identidade dos sujeitos.

Seriam normas de direito público aquelas em que interviesse

como sujeito activo ou passivo o Estado ou qualquer ente

público. Seria de direito privado as que apenas interviessem

particulares.

Críticas: os entes públicos podem intervir como

particulares em muitos negócios jurídicos (ex. o Estado

compra a um particular uma casa para lá instalar um

serviço);

Os particulares podem relacionar-se entre si no âmbito do

direito público (ex. concurso de acesso à função pública);

o IV – O critério mais aceite é o da qualidade dos sujeitos, que

é a versão moderna da teoria dos sujeitos. São normas de

direito privado, as que regulam relações jurídicas entre

particulares, ou entre particulares e o Estado ou outros entes

públicos, ou entre entes públicos sempre que estes ajam

despidos de poder de autoridade pública. São normas de

direito público as que regulam relações jurídicas do Estado e

outros entes públicos entre si, ou com os particulares quando

os primeiros ajam munidos de poderes de autoridade pública,

de soberania ou de império ius imperi.

Críticas: não dá base de sustentação para a integração

no direito público das normas que regulam a organização

e funcionamento das pessoas colectivas públicas e que

são consideradas pacificamente normas de direito

público;

Deixa em aberto o que se entende por poder de autoridade

pública. Existindo hoje várias funções do Estado,

nomeadamente no campo da assistência social que não

Page 3: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

3

envolvem meios de autoridade, mas que também não

mostram o Estado na veste de um particular (ex. rendimento

mínimo garantido).

O nosso ordenamento jurídico não estabeleceu um critério geral para

determinar quais as normas de direito público e quais as de direito privado.

Trata-se mais de um produto histórico, em que o ordenamento ao longo dos

tempos foi fixando critérios diversos para determinadas relações jurídicas que foi

integrando num ou noutro ramo. Noutros casos optou por interpolações mistas de

direito público e de direito privado.

No entanto há certas normas que nos permitem avançar na definição do

critério: art. 501º cc: submete o Estado e demais entes públicos em matéria de

responsabilidade civil decorrente do exercício de actividade de gestão privada ao

regime do direito privado diferentemente do que acontece com actividade de

gestão pública (critério da qualidade dos sujeitos). Artigo 1304º cc, que sujeita o

domínio das coisas pertencentes ao Estado ou a outras pessoas colectivas

públicas ás regras do código civil, só pertencendo ao domínio público do Estado

os bens definidos e regidos por lei excepcional (art.84ºCRP) (critério da

qualidade dos sujeitos).

Em suma a nossa lei assume o critério da qualidade dos sujeitos da relação

jurídica, embora hajam regimes mistos.

Alcance prático da distinção:

1. Satisfaz um interesse de ordem científica na sistematização e

agrupamento das normas jurídicas;

2. Serve para determinar as vias judiciais competentes para a solução dos

diferentes conflitos. Em casos de conflito de direito privado são

competentes os tribunais judiciais e dentro destes os tribunais comuns

em matéria civil, salvo quando houver matéria civil especializada (ex.

tribunal de trabalho, tribunais de família e menores, tribunais

marítimos). Em casos de conflito de direito público são competentes os

tribunais administrativos e fiscais (arts. 211º e 212º CRP);

3. Responsabilidade civil, ou seja, a obrigação de indemnizar decorrente

de uma actividade de órgãos ou agentes estaduais está sujeita a um

regime diverso consoante os danos sejam causados no exercício de

uma actividade de gestão pública ou privada. Ora, a actividade de

gestão pública é a disciplinada pelo direito público e a de gestão

privada pelo direito privado, daí a necessidade prática da distinção.

Temos, assim efeitos legais próprios para o direito público distintos do

direito privado.

Características do direito público e do direito privado:

1. Direito privado: vigora o princípio da liberdade em que é lícito tudo

quanto não é proibido pela lei; Direito público: vigora o principio da

competência ou da legalidade, onde só é lícito o que é permitido pela

lei;

Page 4: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

4

2. Direito privado: predominância de normas supletivas (regras jurídicas

que podem ser afastadas pela vontade das partes em sentido contrário);

Direito público: predominância de normas imperativas (não podem

ser afastadas pela vontade das partes);

3. Direito privado: é de certo modo um direito geral face ao direito

público porque regula a generalidade das relações jurídicas; Direito

público: regula um sector mais determinado de relações jurídicas, as

que estão previstas na lei e se especializaram do tronco comum do

direito que aparece ligado ao direito privado.

4. Ás relações entre o Estado e os particulares é, em princípio, aplicável o

direito privado, só se aplicando o direito público quando a relação é

dominada pela ideia de ius imperi.

5. Os bens do Estado pertencem, em regra, ao domínio privado (art.1304º

cc);

6. Os contratos do Estado com os particulares são, em regra, regulados

pelo direito privado, só se aplicando o direito público quando a lei o

determine;

7. Muitas vezes o direito privado é de aplicação subsidiária face ao

direito público.

O direito civil como direito privado geral comum:

O direito civil é o núcleo fundamental do direito privado. Mas ser o núcleo

fundamental não é ser todo o direito privado. Com o evoluir da sociedade foram

surgindo direitos especiais (subconjuntos unitários e sistematizados de normas

jurídicas aplicáveis a determinados e delimitados sectores da vida humana,

prevendo um regime jurídico diverso do regime regra que é o direito civil, mas

tendo-o como direito subsidiário.

Assim, no direito privado, o direito civil é o direito – mãe (“Mutterrech”).

Encontramos, assim, regras gerais no direito civil que se aplicam a esses ramos

especiais do direito privado (ex. menoridade art.122º).

Os direitos privados especiais:

1. O direito comercial: desde cedo surgiram tribunais comerciais para

os mercadores, cuja jurisprudência muito contribuiu para a

autonomização do direito comercial. A lei da boa razão (1769) e os

estatutos da Universidade de Coimbra (1772) distinguiam já o direito

comercial do direito civil, dizendo que em matéria comercial, nos

casos omissos, se deveria aplicar as leis das nações civilizadas. Mas a

incerteza que daí advinha levou à publicação em 1883 do primeiro

código comercial: o código de Ferreira Borges que era de pendor

subjectivista, este regulava um direito dos comerciantes. Em 1888

vamos ter um novo código, o código de Veiga Beirão, que ainda se

encontra em vigor, de pendor objectivista: regula os actos de

comércio, sejam eles praticados ou não por comerciantes, embora

admitindo actos praticados apenas por comerciantes. Mas a autonomia

Page 5: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

5

do direito comercial justifica-se pelas necessidades próprias do

comércio moderno, senão vejamos:

a. Necessidade de facilidade, simplicidade e rapidez na

conclusão das transacções, daí o direito comercial ser menos

exigente no que respeita à forma negocial;

b. O comerciante precisa também do reforço das suas garantias,

como credor, exemplo o aval comercial em que se

responsabiliza a pessoa que o dá ao mesmo tempo e ao mesmo

nível do devedor podendo o credor executar o património de

um ou outro, ao contrario da fiança civil em que há o beneficio

da excussão, o fiador é o ultimo a responder pela dívida.

c. Os actos jurídicos comerciais são, regra geral, de natureza

onerosa, ou seja, onde há uma contrapartida económica, ao

contrário do direito civil onde coabitam os actos onerosos e

gratuitos.

d. Há uma necessidade de maior regulamentação unitária de

carácter internacional no direito comercial com a globalização

da economia (ex. leis uniformes para letras, livranças e

cheques).

2. O direito do trabalho: com o avanço civilizacional os trabalhadores

começaram a deixar de ser vistos como “criados”, mas pessoas com

direitos e deveres, daí ter nascido grande regulamentação que levou à

autonomização deste ramo do direito privado. O nosso código civil

declara no artigo 1153º que o contrato de trabalho está sujeito a

legislação especial – DL nº 49.48 de 24 novembro de 1969 que

estabelece o regime jurídico do contrato individual de trabalho,

bastante alterado depois do 25 de Abril que veio estabelecer

modificações na duração do trabalho, no direito de greve, igualdade

entre homens e mulheres, trabalho de menores,etc. O direito do

trabalho compreende sobretudo as seguintes características:

a. Tratamento e tutela do trabalhador, como parte económica

mais débil, daí prevalecerem as normas que estabeleçam

tratamento mais favorável para o trabalhador.

b. Há uma grande intervenção do Estado na relação laboral,

sobretudo nas relações colectivas de trabalho, em que é

conciliador, intervindo nos conflitos entre as entidades

patronais e os trabalhadores com armas como a requisição

civil. Intervêm ainda ao nível da previdência social, higiene e

segurança, etc.

c. Este ramo tem ainda especialidades de jurisdição, sobretudo

nos principais centros urbanos, em que os conflitos laborais são

resolvidos pelos tribunais de trabalho. Especialidade ainda de

processo com mecanismos processuais próprios com o código

de processo do trabalho.

3. Direito internacional privado: o DIP não regula directamente as

questões que dividem as partes. Apenas nos indica qual a legislação

Page 6: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

6

estadual aplicável para regular um caso concreto em que os elementos

da relação jurídica estão em contacto. Simultaneamente com várias

ordens jurídicas estaduais. Consta sobretudo dos ars. 14º a 65º cc é

um direito instrumental de “normas sobre normas”, daí a sua unidade

e autonomia face ao direito civil. No entanto, o DIP não é um

verdadeiro direito internacional, mas um direito de natureza e fonte

interna, cada Estado tem o seu próprio DIP. É claramente direito

privado porque diz respeito às relações jurídicas privadas ao contrário

do direito internacional público que regula fundamentalmente relações

entre Estados.

4. Outros ramos especiais do direito privado: constituirão também

direitos privados especiais o direito de autor e direitos conexos bem

como o direito de propriedade industrial como é patente pelo artigo

1303º, sendo o direito civil direito subsidiário destes ramos.

Controversa será essa qualificação para o direito agrário, normas

relativas à estrutura e actividade da agricultura. Nesta matéria

concorrem normas de direito privado e também normas de direito

público com o Estado a visar finalidades de justiça social e também

com normas provenientes da União Europeia. Essas normas estão a

tender para a autonomização, mas não há ainda um corpo legislativo

unitário, com estrutura e espírito próprios.

As fontes de direito civil:

Fontes imediatas (operam sem intermediários): (1) leis, (2) normas

corporativas;

Fontes mediatas (legitimidade depende de outras fontes): (3) usos, (4)

equidade, princípios fundamentais de direito.

1. As leis: de acordo com o artigo 1º/2 cc, as leis são tomadas numa

concepção lata “todas as disposições genéricas provindas dos órgãos

estaduais competentes (acepção latíssima: lei significa direito, acepção

intermédia: lei contrapõe-se a regulamento, abarcando apenas as leis,

decretos-leis e decretos legislativos regionais, acepção restrita: designa os

actos legislativos da AR). Temos assim, (a) Leis constitucionais, (b) leis

ordinárias (da AR), (c) decretos lei do governo, (d) decretos legislativos

regionais e os vários regulamentos.

a. Leis constitucionais: a Constituição é o quadro básico das relações

jurídicas da sociedade, emanação do contrato social de Rousseau.

Daí que haja diversas normas constitucionais com aplicação no

âmbito de direito civil. Sobretudo por força do artigo 18º CRP são

de aplicabilidade directa os arts. 24º a 47º da CRP que incorporam

maioritariamente direitos fundamentais civis aplicabilidade

imediata da Constituição. Noutros casos há normas programáticas

na Constituição que necessitam de desenvolvimento legislativo, por

Page 7: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

7

exemplo o artigo 64º da CRP, que depende das capacidades do

Estado para promover esse direito. Se o Estado não desenvolver

politicas nesse sentido poderá haver lugar à inconstitucionalidade

por omissão aplicabilidade mediata da Constituição.

b. Leis ordinárias: as leis ordinárias são as leis da AR. Esta tem uma

competência geral, que está presente no artigo 161º da CRP e uma

competência reservada. Há dois tipos de reserva, uma reserva

absoluta em que cabe exclusivamente à AR não podendo delegar

no Governo essas tarefas (art.164º CRP) e uma competência

relativa, em que ela pode delegar ao governo essas competências

(art.165º CRP).

c. Decretos – lei do governo: têm o mesmo valor das leis ordinárias.

Temos uma competência exclusiva (art.198º/2 CRP), uma

competência própria (198º1/a) CRP) e uma competência autorizada

(198º/1/b) CRP): foi o que se passou aquando da reforma do código

civil em 1978 que o adaptou à CRP de 1976.

d. Decretos legislativos regionais: atente-se ao artigo 227º da CRP e

às limitações aí presentes: a) matéria de interesse especifico, b) não

estejam reservados à competência própria dos órgão de soberania,

c) estão subordinadas às leis gerais (art.112º/4 da CRP bem como o

próprio 227º).

e. Regulamentos: no direito civil há ainda zonas periféricas de

carácter regulamentar. Veja-se o exemplo das portarias que

estabelecem os coeficientes de actualização dos arrendamentos

urbanos para habitação. Tornando-se muito mais fácil essa

actualização assim do que se a mesma fosse feita por decreto – lei.

2. As normas corporativas: uma parte da doutrina (Doutor Mota Pinto)

entende que com a abolição do regime corporativo com o 25 de Abril,

estas normas deixaram de ser fonte de direito e o facto destas terem

permanecido no artigo 1ºcc deve-se ao facto da reforma deste código em

1977 ter tido um carácter meramente parcial, adaptando o código à CRP

de 1976 e não ter sido feita uma revisão geral do mesmo. Daí defender a

revogação tácita ou uma interpretação ab-rogante face a estas normas.

Mas parece que estas continuam a existir, pois apesar da extinção do

regime corporativo, a representatividade profissional mantém-se, ainda

que noutros moldes, donde sobressai o princípio da liberdade de

associação que gera fontes de direito em matéria de estatutos e

regulamentos internos. Exemplo disso é o código deontológico da ordem

dos médicos. Mas salvaguardando a unidade do sistema o artigo 1º/3

afirma que essas normas não podem contrariar disposições legais de

carácter imperativo. Por exemplo, esse código deontológico não poderá

conter normas que violem direitos liberdades e garantias.

3. Usos: o artigo 3º considera os usos como fonte de direito mas confere-

lhes importantes limitações:

Page 8: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

8

a. Só são juridicamente atendíveis quando a lei o determine, como tal

são fonte mediata de direito já que para se aplicarem necessitam da

remissão de uma norma jurídica (ex.art.218º);

b. Não podem ser contrários aos princípios da boa fé, aqui tomada

numa acepção objectiva, ou seja, um comportamento honesto,

honroso e leal;

c. Não estarem em oposição com as normas corporativas. Não

confundir os usos com o costume (prática social reiterada com a

convicção da sua obrigatoriedade jurídica). Actualmente o costume

não é fonte de direito civil. Começou por ser fonte imediata de

direito, mas foi decrescendo de valor devido à sua incerteza e à

rapidez das mutações sociais. A lei da Boa razão colocou-lhe

enormes restrições: conforme à boa razão, não ser contrário à lei

(100 anos de existência) sendo que o código de 1867 o excluiu das

fontes de direito (o chamado código de Seabra).

4. Equidade: o artigo 4º, outra fonte mediata do direito civil já que:

a. Só tem lugar quando haja disposição legal que o permita (exemplo

art. 494º).

b. Quando haja acordo das partes e a relação jurídica não seja

indisponível.

c. Quando as partes tenham previamente convencionado nos termos

da cláusula compromissória (esta diz respeito à fixação da

resolução de litígios através de tribunais arbitrais, sendo que aqui

não são competentes os tribunais comuns, exemplo caso entre a

EDP e a TELECOM que pode implicar grande conhecimento

tecnológico elas estabelecem que o processo é resolvido por

tribunal arbitral).

É a chamada justiça do caso concreto ou solução ex aequo et bono .

As fontes internacionais: a CRP no artigo 8º abre a nossa ordem jurídica

a fontes de direito internacional, sobretudo no seu nº3 em que assumem especial

relevo os regulamentos dos órgãos da EU que vigoram directamente na nossa

ordem jurídica interna ao contrário das directivas que necessitam de acto de

transposição para o direito nacional.

A jurisprudência: a jurisprudência o conjunto de decisões em que se

exprime a orientação seguida pelos tribunais na decisão dos casos concretos, não

é fonte de direito na nossa ordem jurídica. Essas decisões não vinculam os

mesmos ou outros tribunais no futuro (julgamento do mesmo tipo, algo que

acontece nos países da “common law”), devido ao princípio da independência

doas magistrados judiciais que julgam apenas segundo a Constituição e a lei

(exemplo, se um juiz de 1ª instancia tem uma interpretação diferente de certa

norma da do Supremo deve seguir a sua própria interpretação). A única excepção

que existia até 1995 era a dos assentos do STJ, presentes no art.2º e hoje

Page 9: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

9

revogados. Quando existiam dois acórdãos do Supremo e excepcionalmente da

relação, relativamente à mesma questão fundamental de direito, assentes sob

soluções opostas e sejam produzidas no domínio da mesma legislação se recorria

para o plenário do Supremo que tiraria um assento que solucionaria o caso

concreto, valendo como preceito geral para o futuro. Esta revogação baseou-se

sobretudo no princípio da separação dos poderes, presente no art.111º da CRP,

em que a função legislativa é atribuída à AR e ao Governo e a função

jurisdicional é atribuída aos tribunais. Daí ser inaceitável a criação, por parte

destes de normas jurídicas com força obrigatória geral, mesmo que com carácter

interpretativo. No entanto o art.8º nº3 mostra claramente o desejo de uma certa

uniformização na aplicação do direito para garantir a segurança e a

previsibilidade do direito. Para isso, foi criado, no plano processual o acórdão em

julgamento ampliado de recurso de revista, em que o plenário das secções cíveis

emite um acórdão de forma a assegurar a uniformidade da jurisprudência,

acórdão que é publicado no DR. Só que esse acórdão não tem força obrigatória

geral nem mesmo para os tribunais superiores. Tem um mero valor indicativo.

No entanto é necessário que haja razões fortes para esse tribunal contrariar tal

acórdão, até porque se o caso tiver valor para subir até ao Supremo o normal é o

acórdão ser reafirmado. Quanto aos assentos proferidos antes da data da sua

revogação (13/12/1995) deixaram de ter força obrigatória geral e têm o valor dos

acórdãos de recurso ampliado de revista, ou seja, têm um mero valor indicativo,

para os casos concretos o recurso intentado até essa data vale para a resolução do

conflito concreto. Em termos gerais vale como mera jurisprudência

uniformizada. – problema de aplicação de leis no tempo.

Mas de acordo com o artigo 8º nº3 não são apenas objecto de ponderação por

parte do juiz os acórdãos do Supremo em julgamento ampliado de revista, mas

também outros acórdãos do Supremo, das relações e até sentenças de 1ª

instância.

Cada vez menos o direito recorre a uma jurisprudência de conceitos,

positivista e dedutiva, mas a uma jurisprudência atenta aos interesses das partes,

capaz de valorações jurídicas. Cada vez o juiz é menos a “boca da lei”, cabendo-

lhe uma ponderação na aplicação concreta de muitos comandos legais, é o caso

das clausulas gerais e de conceitos indeterminados. Existe aqui uma forte dose de

valoração apresentando a intervenção judicial um verdadeiro carácter constitutivo

(exemplo art.334º). Isto é ainda mais visível no preenchimento das lacunas da lei

com os artigos 10º nº1 e 2, sobretudo com o 10º nº3 em que o juiz elabora uma

norma adhoc dentro do espírito do sistema aqui há uma clara indução do

direito. Daí que se fale no desenvolvimento normativo do direito pelo juiz ou

mesmo do chamado Richterrrech (direito jurisprudencial).

Oliveira Ascensão diz que os acórdãos com força obrigatória geral do TC

são fonte de direito. Não parece que o sejam:

O TC não cria nenhuma norma, limita-se a formular um juízo de valor;

O facto dos acórdãos serem publicados no DRI série A e terem força

obrigatória geral não é significativo pois, por exemplo, a nomeação de um

Ministro no DR-I-A tem também força obrigatória geral e não é uma norma

jurídica.

Page 10: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

10

Os princípios gerais de direito civil: são princípios de ordenação

material ou substancial das normas jurídicas civis que estruturam, dão coerência

e unidade ao conjunto do direito civil. São a sua ossatura, modelam o conteúdo

do direito civil. Tais princípios são desenvolvidos pelas normas civis e

alimentando o espírito do sistema civil a eles se recorrendo na integração de

lacunas praeter legem conforme o artigo 10º/3.

Estes princípios podem ter carácter fundamental ou Constitucional se

resultam de normas ou princípios Constitucionais. Mas há também princípios

gerais emergentes da lei ordinária civil.

Vamos proceder à sua enumeração:

1. Principio da dignidade da pessoa humana;

2. Principio do reconhecimento da personalidade jurídica humana;

3. Principio da plenitude da capacidade jurídica humana;

4. Principio da igualdade;

5. Principio da tutela geral da personalidade;

6. Principio da personificação jurídica e da capacidade jurídica

funcional das pessoas colectivas privadas;

7. Principio da autonomia da vontade privada;

8. Principio da não violação da esfera jurídica alheia;

9. Principio da boa-fé;

10. Principio do equilíbrio das prestações;

11. Principio da proibição de auto-defesa dos direitos próprios;

12. Principio da liberdade declarativa;

13. Principio da nulidade de actos e negócios jurídicos violadores de

regras imperativas;

14. Principio da proibição do abuso de direito.

Ao seu aprofundamento:

1. Principio da dignidade da pessoa humana: resulta do artigo nº1 da

CRP, resultando da natureza do homem deste configurar livre e

reciprocamente a sua existência e a sua inserção social, de se

autopropor objectivos e limites para a sua actuação. Numa fórmula de

Kant, o homem é “fim em si mesmo”, não podendo ser empregado

simplesmente como meio. Por isso ele é pessoa, tem um

incondicionável valor em si mesmo. Face a esta dignidade Larenz diz

que todo o ser humano tem, face a qualquer outro, um direito a ser

respeitado por ele como pessoa, sendo obrigado a respeitar a outra de

modo análogo princípio do respeito mútuo é fundamental e é a base

da convivência numa comunidade jurídica e de toda a relação jurídica

e está na origem do próprio direito geral de personalidade (art.70º)

Este princípio implica:

a. Principio da proibição de negócios usuários: art.282º;

Page 11: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

11

b. Vigência de certos institutos de favorecimento da parte

contraente mais fraca, como é o caso do decreto – lei acerca das

cláusulas contratuais gerais. O direito é ainda concebido

tendo como destinatários essa comunidade de pessoas livres e

iguais.

2. Principio do reconhecimento da personalidade jurídica humana:

do princípio da dignidade da pessoa humana decorre que todo e

qualquer ser humano tem personalidade jurídica aptidão para ser

centro autónomo de relações jurídicas (art.66º nº1);

3. Principio da plenitude da capacidade jurídica humana: a dignidade

da pessoa humana postula ainda uma plenitude da capacidade jurídica

de qualquer homem: aptidão para ser titular de um circulo maior ou

menor de relações jurídicas (art. 67º); Só não o será face a disposição

legal em contrário como decorre do artigo 67º. Exemplo de excepção é

um menor com menos de 16 anos, não pode casar. A excepção à regra

geral de que todos os homens têm capacidade jurídica é a

incapacidade.

4. Principio da igualdade: este princípio decorre do art.13º CRP que

implica que se tratem igualmente situações de interesses iguais e que

se tratem diferentemente situações de interesses diversos, atendendo à

sua particularidade. Fala-se cada vez mais de igualdade jurídico-

material e não de igualdade jurídico-formal, independente do conteúdo

(por exemplo promoções de uma real igualização através de

diferenciações legais compensatórias). Mas qual o critério a adoptar

para sabermos quando estamos perante uma situação de igualdade ou

desigualdade? Deve-se atender, segundo Castanheira Neves à intenção

material especifica do direito, vendo, se é baseada em fundamentos

materiais suficientes e assenta em considerações razoáveis, assim, uma

razão arbitrária que não é materialmente fundada e não assenta em

objectivos razoáveis violará este principio de igualdade. Como

exemplo de uma norma razoavelmente discriminatória: temos o artigo

1911 nº2, que não viola o principio da igualdade do homem e da

mulher, pois este regime apenas visa favorecer o filho já que

biologicamente e sociologicamente tem uma maior ligação à mãe e à

família desta do que ao pai, já seria uma norma que violaria o principio

da igualdade a que permitisse um quota hereditária maior para os

filhos nascidos dentro do casamento dos que os fora do mesmo,

violando assim directamente o art.36º/4 CRP. O artigo 13º da CRP diz-

nos que apesar das nossas diferenças especificas, existe no cerne da

natureza humana uma base comum a todos, uma qualidade que

pertence a todos os homens sem distinção. Qualidade que está na base

da personalidade físico-moral presente no art.70º, um conjunto de

Page 12: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

12

direitos absolutos que se impõe ao respeito de todos os outros. Esta

igualdade que se quer material impõe obrigações legais de

diferenciação para compensar a desigualdade de oportunidades que se

verificam na prática.

5. Principio da tutela geral da personalidade: quando o artigo 70º nos

fala de personalidade física ou moral, não se trata de personalidade

jurídica, ou seja, aptidão para se ser centro autónomo de relações

jurídicas (regulada no art.66º) mas sim de personalidade humana

tomada como objecto jurídico, na medida em que todo o homem tem

um direito sobre si mesmo, sobre a sua própria personalidade humana

nos seus elementos físicos e espirituais. Esta cláusula geral da tutela da

personalidade protege os bens da personalidade ligados:

a. Relação do homem consigo mesmo: a vida, o seu corpo,

espírito (sentimentos inteligência), bem como a capacidade

criadora do homem e as respectivas criações;

b. Relação do homem com o seu ambiente físico e social: a

identidade, liberdade, segurança, honra, etc.

Junto desta estrutura normativa existem diversos direitos especiais

de personalidade que tutelam aspectos particulares da personalidade

aos quais se aplica subsidiariamente o regime do DGP. Esses direitos

especiais encontram-se nos arts. 72º a 80º. A violação destes mesmos

direitos pode implicar:

Responsabilidade civil (art. 70º nº2);

Certas providências judiciais adequadas às circunstâncias do

caso para evitar a consumação da ameaça ou atentar os efeitos da

ofensa já cometida – art.70º nº2.

Os direitos de personalidade são irrenunciáveis: podendo todavia ser

objecto de limitações voluntárias que não sejam contrárias aos

princípios da ordem pública – art. 81º nº1 (pelo consentimento ser

contra a ordem pública devido aos prejuízos irremediáveis que

resultariam para a pessoa são ilícitos a mutilação ou a eutanásia).

6. Principio da personificação jurídica e da capacidade jurídica

funcional das pessoas colectivas privadas: ao lado da personalidade

jurídica reconhecida a todas as pessoas singulares o nosso direito civil

no artigo 158º atribui, mediante certos pressupostos personalidade

jurídica às pessoas colectivas, ou seja, a qualidade de também elas

serem centros autónomos de relações jurídicas. Pessoas colectivas: são

colectividades de pessoas ou complexos patrimoniais / organizados em

vista a um fim comum / a que o ordenamento jurídico atribui a

qualidade de sujeitos de direitos. Segundo o artigo 157º as pessoas

colectivas privadas são:

Page 13: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

13

a. Associações: colectividade de pessoas que não têm por fim o

lucro económico dos seus associados, mas outros fins comuns

(recreativos, culturais,etc);

b. Fundações: massa de bens afecta pelo seu instituidor a

finalidades de interesse social, sendo que os seus órgãos devem

actuar de acordo com a vontade declarada pelo fundador;

c. Sociedades: organização de duas ou mais pessoas / que

contribuem com bens ou serviços para o exercício de uma

actividade económica / dirigida à obtenção de lucros e à sua

distribuição pelos sócios.

Mas qual a natureza desta personalidade colectiva? Autores como

Savigny defendem a teoria da ficção segundo a qual a lei estaria a

proceder como se as pessoas colectivas fossem pessoas singulares.

Autores como Otto Van Gierke defendem a teoria organicista, em

que as pessoas colectivas seriam uma realidade idêntica à das

pessoas singulares, resultam da natureza das coisas, num claro

antropomorfismo.

Não podemos aceitar nenhuma das duas teorias expostas. Por um

lado, e , apesar de ser uma criação do direito, ela não é nenhuma

ficção legal porque tem a sua natureza e fundamentação na

realidade social e na estruturação de interesses humanos, como nos

diz Manuel de Andrade “ é a tradução jurídica de um fenómeno

empírico”. Por outro lado a teoria organicista é também de rejeitar

porque não precisamos de um organismo antropomórfico para

justificar a personalidade jurídica, já que ela é uma criação do

direito Ela é assim uma criação do direito e não uma ficção legal

ou organismo natural. Ao contrário da capacidade jurídica das

pessoas singulares, a capacidade jurídica das pessoas colectivas não

é de carácter geral. Ela é sim de natureza funcional ou especifica

em razão dos fins de cada uma delas, como nos refere o artigo 160º

nº1. No nº2 do artigo 160º é ainda excepcionado da capacidade

jurídica:

a) Direitos e obrigações vedados por lei (ex. capacidade

testamentaria)

b) Direitos e obrigações que seja inseparável da personalidade

singular (os direitos derivados da vida como o casamento ou a

filiação)

Assim, a capacidade jurídica das pessoas colectivas é menor e

inferior à das pessoas singulares como resulta da comparação dos

artigos 67º e 160º.

7. Principio da autonomia da vontade privada: este principio resulta

do poder de auto-determinação de cada homem e cresce limitado pelos

quadros normativos da ordem jurídica que assentam na vontade

popular. Assim, este principio não se confunde com livre arbítrio, com

cada um fazer aquilo que bem entende. Tudo porque vivemos em

Page 14: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

14

sociedade e as relações jurídicas não visam apenas o bem individual

mas também o bem comum. O nosso direito civil protege o poder de

auto-determinação do homem em duas vertentes:

a. Tutela da liberdade negativa: proíbe que qualquer pessoa

possa ser constrangida por outrém a praticar ou não praticar

qualquer facto – nemo postest presise coagi ad factum.

b. Tutela da liberdade positiva: permite a cada um praticar ou

não praticar qualquer facto que não seja proibido ou prejudique

superiores interesses jurídicos de outrem, pela boa fé, pelos

bons costumes, pela ordem pública e o próprio fim do exercício

da liberdade (334º);

Principio da autonomia privada: traduz-se no estabelecimento,

conformação e extinção autónomos da relações jurídicas privadas

por parte de cada homem, segundo a sua vontade e dentro dos

limites estabelecidos pela ordem jurídica. Vejamos as varias

expressões da autonomia privada:

a) Nos direitos reais: principio da livre aquisição e

transmissão entre vivos e por morte das coisas dominiais

privadas – art.62º CRP. Principio que contém restrições de

direito público expropriações por utilidade pública

(62ºnº2 CRP) e de direito privado, o abuso de direito, por

exemplo (334º). O principio da livre realização de actos

reais, ou seja, actos que se traduzem num certo resultado

material (ex. criação de obras literárias). No entanto é uma

área com grande incidência de normas imperativas ex.

1306º que se traduz na regra do numerous clausus ou da

tipicidade das figuras reais e dos seus elementos

característicos, não podendo constituir direitos reais os que

não estejam previstos na lei. Artigo 1306º em que se fixa os

modos de aquisição do direito de propriedade.

b) No direito da família: liberdade de celebração de

casamento, de constituir família e de requerer divórcio – art.

36º CRP- fixação do regime de bens do casamento – art.

1698º.No entanto, também aqui há o principio da tipicidade

das figuras familiares e dos seus efeitos – arts. 1576 e ss.

Vigoram também diversos regimes imperativos como é o

exemplo da matéria de dividas dos conjugues – arts. 1690º

ss.

c) No direito das sucessões: liberdade de transmissão

sucessória – artigo 62º nº1 CRP, de celebração de

testamento e de fixação do seu conteúdo, etc. Mas estão

também tipificados os diferentes objectos de sucessão – art.

2030º, as formas de testamento, as fontes de vocação

sucessória, etc, domínio onde imperam as normas

imperativas.

Page 15: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

15

d) No direito das obrigações: É neste domínio que mais se

afirma o princípio da autonomia privada como grande meio

de actuação da autonomia privada temos o negócio jurídico:

acto pelos quais os particulares ditam a regulamentação das

suas relações,constituindo-as, modificando-as, extinguindo-

as e determinando o seu conteúdo. Há que distinguir entre:

Negócios jurídicos unilaterais: tem apenas uma declaração de vontade

(exemplo o testamento);

Negócios jurídicos bilaterais ou contratos: com duas ou mais

declarações de vontade convergentes, tendentes à produção de um resultado

jurídico unitário (ex. compra e venda).

Nos negócios jurídicos unilaterais é de olhar com reserva a produção de

efeitos na esfera jurídica (conjunto de relações jurídicas de que uma pessoa é

titular) alheia (por vontade unilateral de outra pessoa). Daí que nos negócios

jurídicos unilaterais vigore o principio da tipicidade ou do numerous clausus,

sendo que só são juridicamente admitidos os que estiverem especificamente

previstos na lei – art. 457º. Sendo que a forma, os pressupostos e os seus efeitos

estão também imperativamente fixados na lei.

Nos negócios jurídicos bilaterais ou contratos, nestes negócios vigora o

principio da liberdade contratual artigo 405º. Do artigo 405º emerge:

a) Liberdade de celebração de contratos: faculdade de

livremente realizar contratos ou recusar a sua celebração.

Esta liberdade subdivide-se em dois predicados:

i. Ninguém pode ser obrigado a contratar contra a sua

vontade – nemo potest precise coagi ad factum ou a

ninguém podem ser aplicadas sanções pela recusa de

contratar.

ii. A ninguém pode ser imposta a abstenção de contratar:

excepcionalmente o nosso ordenamento apresenta

algumas restrições à liberdade de celebração de

contratos: 1- dever jurídico de contratar no que

respeita ao seguro de responsabilidade civil automóvel;

2- proibição de celebração de contratos com

determinadas pessoas (ex. art. 877º); 3- sujeição do

contrato a autorização de outrém (ex. emissão de acções

destinadas a subscrição pública).

b) Liberdade de modelação do conteúdo contratual:

faculdade conferida aos contraentes de fixarem livremente o

conteúdo dos contratos. Isto implica: 1-a possibilidade

das partes realizarem os contratos previstos no código civil

(exemplo a compra e venda) ou em outras leis (exemplo

locação financeira) chamados contratos típicos nominados

em que as partes aceitam todo o conteúdo e indicam apenas

os pressupostos factuais para a sua produção; 2- realizar

contratos típicos nominados aos quais concertam as

Page 16: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

16

cláusulas que lhes aprouver, (eventualmente conjugando

dois ou mais contratos – contratos mistos – art. 405º nº2;

3–a possibilidade das partes celebrarem contratos diferentes

dos previstos no código, chamados contratos atípicos

inominados.

Mas, esta liberdade contratual conhece algumas restrições legais, desde logo

as aludidas no artigo 405º “dentro dos limites da lei”. Mas há também poderosas

restrições fácticas a este princípio sobretudo nos chamados contratos de adesão

(contratos entre produtores ou distribuidores de bens ou serviços em larga escala

e consumidores aderentes que são múltiplos e indeterminados, propondo os

primeiros todas as cláusulas do contrato, limitando-se os segundos a aderir ou

não a tal contrato). Teoricamente não há restrições à liberdade contratual, o

consumidor é livre de rejeitar o contrato, só que na prática não é bem assim, pois

muitas das vezes o fornecedor está numa posição de monopólio (ex.

electricidade) e rejeitar o contrato é não satisfazer uma necessidade fundamental.

Daí que o consumidor impedido pela necessidade é forçado a aceitar o contrato e

todas as cláusulas constantes no mesmo, muitas delas, injustas. Para combater

isto podemos recorrer às regras da boa fé – artigo 762º; a nulidade do negócio

contrário à ordem pública – artigo 280º nº2, temos mais recentemente o regime

das cláusulas contratuais gerais – Decreto Lei 446/85, alterado pelo Decreto Lei

220/95 por si alterado pelo Decreto Lei 249/99 de 7 de Julho.

8. Principio da não violação da esfera jurídica alheia: cada pessoa tem

uma esfera jurídica própria que é composta pelo conjunto de relações

jurídicas de que uma pessoa é titular, pelos seus direitos e interesses

juridicamente protegidos. Em tal esfera podemos considerar dois

hemisférios:

a. Pessoal: caracterizado pela sua não avaliabilidade em dinheiro

e onde se inserem os direitos pessoais ou não patrimoniais

(exemplo, os direitos de personalidade);

b. Patrimonial: definido pela sua avaliabilidade em dinheiro e

onde se enquadram os direitos patrimoniais (exemplo, os

direitos de crédito).

Na vida social, os comportamentos das pessoas, sejam eles acções ou

omissões violam muitas vezes deveres de abstenção ou de acção.

Quando isto acontece a pessoa constitui-se, em princípio, na obrigação

de reparar ou compensar os danos causados. Essa obrigação de reparar

ou compensar os danos causados é a chamada responsabilidade civil :

necessidade imposta pela lei, a quem causa prejuízos a outrém, de

colocar o ofendido na situação em que estava sem essa lesão. Há duas

espécies de responsabilidade civil:

a. Negocial: resulta da violação de um direito de crédito ou

obrigação em sentido técnico, emergente de um negócio

ou directamente da lei (exemplo, compra e venda). Vem

regulada fundamentalmente nos artigos 798º ss e implica

a falta culposa do devedor ao cumprimento da obrigação,

Page 17: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

17

sendo a culpa apreciada nos termos aplicáveis à

responsabilidade civil extranegocial como decorre do

799º/2. Ela desdobra-se em três modalidades:

i. Impossibilidade de cumprimento: o

incumprimento decorre de uma causa imputável

ao devedor, a prestação já não ser possível de se

efectuar no todo ou em parte – 801º e 802º;

ii. Mora: o devedor, por causa que lhe seja

imputável, não efectua a prestação no tempo

devido, no entanto a prestação é ainda possível –

artigo 804º;

iii. Cumprimento defeituoso: por causa imputável

ao devedor, este realiza a prestação mas com

vícios ou deficiências que ocasionam prejuízos

específicos ao credor – artigo 799º.

b. Extra-negocial, extra-contratual ou aquiliana: resulta

da violação de uma obrigação, passiva ou activa,

universal, ou seja, do não cumprir de um dever geral de

abstenção ou acção contraposto a um direito absoluto.

Vem regulado essencialmente nos artigos 483º a 510º.

Ela conhece três tipos:

i. Responsabilidade civil por actos ilícitos ou

culposos: regulada no artigo 483º nº1 e

pressupõe:

1. A existência de uma acção ou omissão, voluntária e ilícita que viole um

direito subjectivo absoluto ou qualquer disposição legal destinada a proteger

interesses alheios. Voluntário – quer dizer que é dominável ou controlável

pela vontade do lesante, não quer dizer que seja um facto querido por este,

ilícito porque é contrário aos comandos que lhe são impostos pela ordem

jurídica;

2. Nexo de imputação de tal acção ou omissão ao agente, que envolve uma

censura ético-jurídica e que se desdobra em dois elementos:

A imputabilidade (ver 488º);

A culpa, que assume as seguintes modalidades:

o Dolo: que pode ser: Dolo directo: o agente quis directa e especificamente

realizar o facto ilícito violador do direito de outrém

(exemplo, A utiliza o nome profissional e B para se fazer

passar por ele);

Dolo necessário: quando o agente realizou tal facto

ilícito prevendo-o como uma consequência reflexa, mas

necessária de uma conduta (exemplo: A quer transportar

produtos de um prédio para o outro, sabendo que os

empregados têm que passar por prédio alheio e destruir

Page 18: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

18

Dano emergente

+

Lucro cessante

nele certas culturas, apesar disso, dá ordens nesse

sentido;

Dolo eventual: quando o agente praticou tal facto ilícito

prevendo-o como um efeito apenas possível ou eventual,

mas teria persistido na sua conduta se previsse o facto

ilícito como efeito necessário da sua conduta (exemplo, o

condutor ao aproximar-se de um cruzamento, vendo

pessoas e veículos não abranda a sua velocidade

excessiva, não se preocupando com o atropelar alguém

ou embater com outro veiculo o que acaba por acontecer

em qualquer dos casos o lesante conhece as

circunstâncias de facto que integra a violação do direito e

tem consciência da ilicitude do facto.

o Negligência ou mera culpa: é muito importante a

diferenciação entre mera culpa e dolo, pois o artigo 494º

admite a possibilidade de diminuição equitativa da

indemnização. Aqui o agente procede sem os elementos

volitivos do dolo, mas com a omissão de deveres de cuidado,

perícia e diligência exigíveis para evitar a violação do direito

ou interesses alheios. Esta pode ser:

Consciente: quando o agente previu como possível o

resultado ilícito mas por precipitação ou desleixo cré na

sua não verificação;

Inconsciente: o agente por imprudência, desleixo,

imperícia, distracção ou inaptidão não teve consciência

de que o acto poderia decorrer o resultado ilícito, embora

este objectivamente fosse previsível se o agente usasse

de diligência.

A culpa em sentido amplo (abrangendo dolo e negligência) deve

ser apreciada em abstracto pelo modelo de um bom pai de família

(o velho bónus pater famílias romano), ou seja, um homem médio,

com a sua inteligência e perspicácia colocado nas circunstancias e

contexto em que o lesante agiu – artigo 487º nº2.

3. A existência de danos: estes podem ser:

o Patrimoniais: traduzem-se numa diminuição ou não aumento

do património

Directos: prejuízo imediato sofrido pelo lesado no

seu património (exemplo, destruir uma coisa);

Indirectos: vantagens que deixaram de entrar no

património do lesado em virtude do acto ilícito

(exemplo, perda de salários, resultante de uma

hospitalização por agressão física).

o Danos não patrimoniais ou morais: consagrados no artigo

496º. São bens estranhos ao património do lesado. Verificam-se

Page 19: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

19

quando há sofrimentos físicos ou morais, perda de consideração

social, etc.

A reconstituição a que obriga a responsabilidade civil pelos artigos 483º e

562º deve, em principio, ser uma reconstituição natural, como nos diz o artigo

566º nº1 ( “sempre que a reconstituição natural não seja possível”): é a

reconstituição da situação em que o lesado estaria sem a infracção. O mesmo

artigo 566º nº1 diz-nos que quando tal não seja possível pelas razões indicadas,

terá lugar uma indemnização em dinheiro ou restituição por equivalente, que é

uma hipótese maioritária, visto raramente o lesado ficar completamente

indemnizado com a reconstituição natural. No caso dos danos não patrimoniais

não podemos falar de uma indemnização porque não são avaliáveis em dinheiro,

temos assim uma compensação, que não é um “preço de dor” mas uma

compensação mediante satisfações derivadas da utilização do dinheiro. O artigo

496º nº1 fala de danos que pela sua gravidade mereçam tutela do direito, assim

não serão indemnizáveis os pequenos incómodos, desgostos ou contrariedades

embora emergentes de actos ilícitos imputáveis a outrem (exemplo, um empurrão

no autocarro).

4. A verificação de um NEXO DE CAUSALIDADE ADEQUADO: entre

os danos produzidos e o acto em causa, daí que segundo o artigo 483º nº1 só

são indemnizáveis os danos resultantes da violação, o mesmo é dizer que o

autor só está obrigado a reparar aqueles danos que não se teriam verificado

sem essa violação.

Existem teorias acerca disto, consultar.

Concluindo: esta responsabilidade civil por actos ilícitos é substancialmente

culposa ou subjectiva, é como nos diz Mota Pinto, fazer apelo à liberdade

moral do homem e apresentar os danos como consequências evitáveis ,

estimulando – se desta forma zelos e cuidados em impedir esses danos.

Responsabilidade civil pelo risco ou objectiva: só tem lugar nos casos

tipificados na lei como decorre do artigo 483º nº2. Pressupõe:

a) Violação de um direito absoluto;

b) Nexo de imputação objectivo entre esse facto e responsável;

c) A existência de prejuízos;

d) Nexo causalidade entre facto e dano.

Só que aqui estamos perante factos não culposos, apenas materialmente

imputáveis à pessoa, com base no facto desta ter posto em acção, para seu

benefício, certas forças que são fontes de riscos e potenciais danos para os outros.

Necessidades sociais de segurança impõem que quem crie uma fonte de riscos

em seu proveito suporte os efeitos prejudiciais do seu emprego, segundo o

princípio ubi commoda, ibi incomoda (onde estão as coisas cómodas estão as

incomodas). A matéria referida encontra-se nos artigos 500º a 510º. Para além de

Page 20: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

20

prescindir da culpa não pressupõe normalmente um acto ilícito, podendo dimanar

de um facto natural, de um acto de terceiros ou de um acto do próprio lesado.

Responsabilidade civil por acto licito: emergente de fontes que constituem

uma intervenção licita na esfera jurídica de outrém, com sacrifício de uma seu

direito ou interesse, factos imputáveis ao lesante que deles tira proveito. Contar

as quatro características das demais responsabilidades civis extra-contratuais, só

que aqui o acto praticado é licito.

Responde a um princípio de compensação de vantagens em que aquele que

tem de suportar, no interesse de outrem, uma perturbação ao seu direito possa

obter uma indemnização.

Só acontece nas circunstâncias e hipóteses especificadas na lei, como decorre

do artigo 483º nº2. Não existindo uma unificação legal que preveja um regime

jurídico semelhante ao da responsabilidade pelo risco. Expoente máximo desta

responsabilidade é o artigo 1367º.

9. Principio da boa fé: a convivência sócio – jurídica tem de ser

alicerçada na confiança recíproca e no recto comportamento e intenção

de uns relativamente aos outros. Temos a:

a. Boa fé em sentido subjectivo: ignorância não culposa de vícios

ou irregularidades do respectivo acto, que leva a lei a dispensar

um tratamento de favor a quem actua com este estado de

espírito, ou seja, a quem tem a convicção de proceder

rectamente seu prejudicar direitos alheios. É assim, algo de

psicológico, uma convicção de se estar a actuar em

conformidade com o direito. Neste caso ela não é um princípio

geral de direito, é sim um pressuposto para a aplicação ou não

de uma norma. Exemplo máximo: 1647º e 1648º que dizem

respeito aos efeitos do casamento declarado nulo ou anulado

quando celebrado por ambos ou apenas por um dos cônjuges de

boa-fé.

b. Boa fé objectiva: aqui trata-se de uma conduta ou

comportamento honesto, correcto, leal e fiel das partes. Aqui

não está em causa a realidade psicológica da pessoa, mas o

cumprimento dessas mesmas regras. Aqui é um princípio geral

de direito, envolve uma cláusula geral e como tal a mediação do

juiz na sua aplicação aos casos concretos. Tem um carácter

obviamente objectivo pois relaciona-se com regras de conduta.

Exemplos: 227º nº1 e 762 nº2.

10. Principio do equilíbrio das prestações: esta questão coloca-se

sobretudo nos contratos onerosos, onde cada uma das partes deve obter

pela sua própria prestação uma contraprestação adequada de valor

equilibrado, como decorre do artigo 237º. Em casos especiais, como

por exemplo os negócios usurários – artigo 282º, a lei exige uma

equivalência medida por parâmetros objectivos, Mas normalmente o

Page 21: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

21

ordenamento contenta-se com a equivalência subjectiva, ou seja, que

ambas as partes considerem as prestações equilibradas, limitando-se

aqui o direito a assegurar que não houve dolo, erro ou mesmo

coacção. Este principio leva à consideração de uma distribuição justa

dos encargos e dos riscos do contrato, Exemplo disso é o artigo 796º.

Mas tal principio ultrapassa o âmbito dos contratos, estendendo-se até

ao direito da família (deveres de respeito e fidelidade recíprocas –

1672º) ou às sucessões (cada herdeiro só responde pelos encargos na

proporcionalidade da quota que lhe tenha cabido – artigo 2098º nº1.

11. Principio da proibição de auto-defesa dos direitos próprios: este

princípio decorre da estatuição a contrario dos artigos 336º e 339º,

proibindo-se assim a auto-defesa. É aos tribunais que compete o

assegurar de direitos e interesses protegidos pela lei e o dirimir dos

conflitos, como é estabelecido no artigo 202º CRP, o que não põe em

causa as funções das forças de segurança pública como garante

imediato dos direitos dos cidadãos cuja violação constitua crime –

artigo 272º da CRP.

12. Principio da liberdade declarativa: resulta do artigo 219º e alerta-

nos para o facto de os negócios jurídicos poderem, em princípio, se

realizar de um modo consensual, por palavras ou gestos sem sujeição a

forma escrita. Com isto visa-se:

a. Facilitar e abreviar uma conclusão válida dos negócios

jurídicos;

b. Impedir a invalidade, por falta de forma legal devido a

ignorância ou mesmo dificuldades económicas, de negócios

queridos pelas partes onde não há grande relevância de

interesse público a existência de forma;

c. Tutelar a confiança existente entre as partes.

13. Principio da nulidade de actos e negócios jurídicos violadores de

regras imperativas: o artigo 294º estabelece o principio pelo qual os

negócios jurídicos e também os actos jurídicos, por força do artigo

295º, celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são

nulos. O artigo 294º abrange:

a. Negócios contra a lei: ofendem frontalmente uma proibição ou

uma actuação legalmente determinada;

b. Negócios em fraude à lei: contornam proibições ou actuação,

atingindo o mesmo resultado por outros meios diferentes dos

previstos pela lei.

Normas imperativas: são aquelas que impõem um certo

comportamento – preceptivas, ou proíbem determinada conduta –

Page 22: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

22

proibitivas e cuja violação implica, em princípio, a nulidade dos

actos ou negócios que colidam com a mesma.

Quando a norma imperativa não é acompanhada de nenhuma

sanção, terá de se analisar a ratio dessa mesma norma, saber (quais

os interesses tutelados pela norma, se o legislador visa atacar as

acções ou omissões em si ou situações que decorrem das mesmas,

ex – um contrato de trabalho que não respeita o horário legal é nulo

porque a proibição que resulta da lei visa o próprio conteúdo do

contrato, mas um contrato de compra e venda feito fora do horário

de funcionamento do estabelecimento já é válido pois a proibição

legal visa sobretudo não o contrato em si mas uma concorrência

leal no comércio, algo que resulta do contrato, bastando para que se

cumpra esse objectivo que o lojista pague uma coima, não sendo

necessária a nulidade do contrato).

14. Principio da proibição do abuso de direito: decorre do 334º. Sendo

que aqui o excesso tenha de ser evitado porque se trata de uma

limitação ao direito, uma limitação à autonomia da vontade.

A Codificação do direito civil:

Generalidades:

o As colectâneas legais: inicialmente o direito civil estava inteiramente ligado

ao costume, sendo ele a fonte inicial de todo o direito. Tratava-se de um

comportamento adoptado pela comunidade com a convicção da sua

obrigatoriedade. Sobretudo a partir da criação das primeiras cidades

multiplicam-se as leis e com elas a necessidade de se saber quais as que se

mantinham em vigora e as que seriam revogadas, nascem, assim as primeiras

compilações de certas fontes diversas abarcando diversas matérias e que

conferiam maior certeza, ordem, clareza, estabilidade e conhecimento das

mesmas a todos, exemplo Lei das XII tábuas que continha grande parte do ius

civile romano da época arcaica; o posterior Corpus Iuris Civilis mandado

elaborar por Justiniano; caso também das nossas ordenações, as Afonsinas,

Manuelinas e Filipinas.

o Os códigos modernos: a codificação num sentido moderno só aparece a

partir dos finais do século XVIII. Assim, um código, será um diploma

legislativo, que obedece a critérios sistemático – científicos, que regula todo

um importante sector ou ramo do direito, duradouramente. No direito civil

assume especial importância o código civil Francês de 1804, também

chamado de Napoleão que com várias alterações ainda hoje continua em

vigor. Era composto por:

Um titulo preliminar sobre a publicação, efeitos e aplicação das leis;

Livro I – das pessoas;

Livro II – dos bens e das diferentes modificações da propriedade;

Page 23: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

23

Livro III – diferentes maneiras pelas quais se adquire a propriedade.

Plano muito similar às Institutiones de Gaio e Justiniano, tem um carácter

antropocêntrico, tem um baixo grau de abstracção, há separação entre o

direito pessoal e o patrimonial, há ausência de uma parte geral plano de

GAIO ou ROMANO – FRANCES.

Diferentemente o BGB, ou seja, o código civil Alemão de 1896 utiliza a

classificação germânica, pandectistica ou plano de Savigny, tem uma parte

geral e 4 partes especiais (obrigações, coisas, família, sucessões).

o A questão da Parte Geral do Código Civil: a existência de uma parte geral

no BGB foi um problema muito discutido. O argumento principal invocado

contra a parte geral é a de que ela não passaria de um mero exercício teorético

tornado lei já que a elaboração de uma verdadeira parte geral seria uma tarefa

da ciência do direito. Este argumento é falacioso, já que a parte geral tem

autonomia própria, tem – se sim, feito trabalho teorético sobre essa parte, algo

que é legitimo. Além disso, a parte geral dos códigos e as disposições gerais

de títulos, capítulos, etc, resultam de uma exigência técnica jurídica: de evitar

repetições, fixando desde logo um conjunto de disposições gerais que teriam

de ser repetidas em moldes idênticos em diferentes partes da lei, diz respeito a

um catálogo de questões preliminares cuja solução afecta todas as

regulamentações particulares que a lei estabeleceu.

Acresce ainda o facto destes artigos da parte geral poderem e deverem ser

modificados, introduzidos ou removidos pelas transformações da sociedade

ou pela evolução do direito, ou seja, não são normas imutáveis. Pelo contrário

devem-se adequar à realidade histórico-concreta. A parte geral pode, desta

forma, ser mesmo lacunosa, sendo que a aplicação das normas desse parte

geral não vale para todos os casos que não estejam comtemplados nas partes

especiais, mas apenas para uma casos que caibam na letra e espírito das

disposições da parte geral. No entanto, existindo essa parte geral permite

enquadrar um numero maior de hipóteses do que um código sem parte geral.

Não concordamos pois com Meneses Cordeiro ou Orlando de Carvalho que

dizem que a parte geral apenas introduz uma grande abstracção no código e

que afasta o código da pessoa humana, que dever ser seu objecto, estes

autores não consideram que a própria norma jurídica para o ser

verdadeiramente tem que revestir carácter geral e abstracto.

Temos, no entanto, que ter um enorme cuidado na coordenação da parte geral

com as partes especiais, já que as normas não se dispõem segundo um mero

alinhamento ou continuidade, mas segundo uma ordenação (elemento

sistemático da interpertaçao).

Atendemos à seguinte classificação das normas:

a) Gerais: as que correspondem a princípios fundamentais do sistema

jurídico e estabelecem o regime regra das relações que disciplinam;

b) Especiais: consagram uma disciplina nova para um conjunto de casos

mas que não está em directa oposição com a disciplina geral;

Page 24: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

24

c) Excepcionais: regulam um sector restrito de relações com uma

configuração particular, consagram uma disciplina oposta à que vigora

para o comum das relações do mesmo tipo.

Temos que conjugar as partes gerais com partes e normas especiais e ainda

com normas excepcionais , exemplo: em matéria de negócios jurídicos em

geral vale o 253º, mas para o casamento encontramos o 1636º, que só tem

relevo no contexto do casamento.

Ainda como argumento a favor de uma parte geral é o facto de os códigos que

a tenham serem susceptíveis de adaptação às diversas mutações

Constitucionais radicais, exemplo disto é o nosso código civil face à

Constituição de 1976.

Ver no livro do doutor Capelo (parte geral do CC)

o O Código civil Português de 1867 e as reformas de 1930 e 1940: depois da

Restauração foi apresentada ao Rei a ideia de se fazer um código que

afastasse as ordenações Filipinas. No entanto, o Rei não acha necessário e as

ordenações continuaram a vigorar, sendo o diploma que mais tempo vigorou

no nosso País, 200 anos, até ao código de 1867. Com a revolução liberal de

1820 e com a exigência de novos princípios da ordem jurídica que

respondessem aos valores nascidos da Revolução, há de novo a necessidade

de se elaborar um código civil que possibilite esses valores do liberalismo. Só

que à Revolução liberal seguira-se várias guerras civis com mudanças a nível

Constitucional que não conferiam a estabilidade e condições para a

elaboração de um código civil. Só a partir de 1850 se começa a pensar mais

seriamente na elaboração de um código civil, com a participação na 1ª

comissão elaboradora, de Coelho da Rocha, jurisconsulto da nossa faculdade,

que utilizando o estilo Pandectistico Alemão (uma parte geral e 4 especiais)

sistematizou as ideias liberais de Mello Freire. Mas o código de 1867 fica-se

a dever a António Luís de Seabra, mais tarde Visconde de Seabra, que

chamou a sai redacção do projecto como presidente da comissão. Tal foi o seu

contributo para este código que o mesmo é conhecido pelo código de Seabra.

Seabra, ao contrário de Coelho da Rocha, vai apresentar um modelo

antropocêntrico com grande influência da Revolução Francesa mas também

com um carácter original. Esta base antropocêntrica é claramente visível na

sistematização: I- capacidade civil; II-aquisiçao de direitos; III- direito de

propriedade; IV- ofensa de direitos e sua reparação. O código mostra também

claramente a sua influência liberal com a sua visão ampla da liberdade

contratual. O código vai posteriormente sofrer as mudanças que se

identificam com a passagem a um Estado Republicano, sobretudo no que

respeita ao direito da Família e sucessões, sobretudo, numa clara separação

entre Estado e Igreja que se manifesta na instituição do casamento civil e

também na permissão de divórcio. Estas mudanças não foram, porém,

imediatamente integradas no código civil, numa clara preocupação de

Page 25: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

25

harmonização e sistematização vieram a ser integradas apenas em 1930 com a

primeira reforma do código civil. Em 1940, já com o Estado Novo e com

Salazar na sua máxima força, realiza-se a concordata entre Portugal e a Santa

Sé, que imprimiu grandes mudanças sobretudo no direito da Família, com a

admissão do casamento católico com valor jurídico-civil, não havendo

necessidade também de se efectuar o casamento civil para que o mesmo

tivesse valor jurídico civil. Aboliu-se ainda o divórcio para os casamentos

católicos a partir de 1940, cabendo apenas aos tribunais canónicos declarar a

anulação ou não de um casamento católico. A única possibilidade era o

regime de separação de pessoas e bens, mas sem a possibilidade da pessoa se

poder casar novamente.

o O Código Civil de 1966: a reforma de 1977 e principais alterações: o

primeiro passo tomado em 1944 com a nomeação de uma comissão à qual

presidiu o professor Vaz Serra, jurisconsulto da nossa faculdade de direito.

Esta elaboração de um novo código justificava-se por:

a) Existência de enorme legislação avulsa;

b) Inadequação das concepções do código às doutrinas e valores

afirmados pelo Estado Novo.

Os trabalhos estenderam-se por 22 anos até que o Ministro da Justiça Antunes

Varela, o projecto do código civil, sendo o mesmo a ser aprovado em 15 de

Novembro de 1966. Como grandes exemplos da modificação em relação ao

código anterior no que respeita ao conteúdo, temos por exemplo a exigência

das sociedades constituídas serem reconhecidas por uma entidade pública

(forma de o Estado Novo controlar a sociedade e impedir a liberdade de

expressão), a posição do homem como chefe de família, a posição mais

favorável ao filhos nascidos dentro do casamento em relação aos nascidos

fora deste. Em termos de estrutura temos a adopção do plano de Savigny ou

sistematização Germânica (uma parte geral e 4 partes especiais).

Vamos depois ter uma reforma em 1977 com a necessidade de adaptar o

código civil à Constituição de 1976, exemplo disto é o da igualdade de

direitos entre filhos nascidos dentro e fora do casamento, o princípio da

igualdade entre homens e mulheres. No entanto a reforma de 1977 teve

também algumas inovações como é o caso:

a) Melhoria da posição sucessória do conjugue sobrevivo;

b) Extinção da enfiteuse;

c) Alterações ao nível do arrendamento, o que fez com que o mesmo

saísse do código devido à profundidade do mesmo e também à

frequência da sua mudança o que não conferiria estabilidade a esta

disciplina, daí a sua remoção do código;

d) A maior idade dos 21 anos para os 18 anos;

e) Outras mudanças de menor vulto se seguiram visto que o código ,

embora vise a estabilização das normas não é imutável às

transformações sociais, económicas e politicas e às novas descobertas.

Page 26: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

26

o Legislação complementar do código civil: quando à legislação

complementar há que distinguir dois tipos: as de leis civis e de leis não civis.

Na lei civil temos as partes numa posição de paridade, não há portanto ius

imperi. No caso de leis civis temos vários diplomas que complementam o

código civil, tais como, o RAU ou mesmo o direito real de habitação

periódica. Temos depois vários códigos que complementam o código civil.

Temos como exemplos o código de registo civil ou o código do notariado.

o Aplicação das leis civis no tempo: é muito importante saber quais as normas

que se vão aplicar para as diversas situações, surge, desta forma, o problema

da aplicação das leis no tempo, que é regulado pelo artigo 12º do nosso

código. Tudo porque as normas se vão sucedendo no tempo, podendo hoje

uma norma ser substituída por outra. O principio geral (a lei só dispõe para o

futuro artigo 12º nº1 e nº2 1ª parte). No entanto se a lei dispuser directamente

sobre o conteúdo de certas relações jurídicas ela vai abranger as relações já

constituídas e que subsistam aquando da sua entrada em vigor – artigo 12º nº2

– 2ª parte.

Em relação às alterações de prazos através da lei, rege o artigo 297º.

297º/1 Se estabelecer um prazo mais curto aplica-se aos prazos em curso

mas só se começa a contar a partir da entrada em vigor da nova lei. Com

excepção de se de acordo com a lei antiga faltar menos tempo;

297º/2 Se estabelecer um prazo mais longo também se aplica aos prazos em

curso, mas aqui começa-se a contar desde o momento inicial.

A lei interpretativa é integrada na interpretada – artigo 13º.

o O Estilo e a classificação das normas civis:

Vejamos os três tipos e formulações legais:

a) Casuístico: emissão de normas jurídicas prevendo o maior numero

possível de situações da vida real, através de uma hipótese

concretizada em casos reais e através de uma estatuição extremamente

minuciosa. Esta formulação era típica do direito romano, aparecendo

entre nós com as ordenações do Reino. Tem na sua base a crença

optimista da capacidade de prever todas as situações e assim subtrair

ao arbítrio do julgador a decisão do conflito em causa. No entanto so

notórias as desvantagens deste estilo:

a. Impossibilidade de regular casuisticamente todos os casos

relevantes;

b. Rápida desactualização destas leis por efeitos como a inflação

ou a evolução tecnológica.

b) Legal abstracto – generalizador: traduz-se na elaboração de tipos de

situação da vida, através de conceitos gerais e abstractos, embora bem

definidos e determinados por força de um grande trabalho da doutrina

e da jurisprudência. A tarefa do julgador é a de subsumir as situações

da vida concreta à hipótese legal. Estilo típico da jurisprudência dos

Page 27: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

27

conceitos. Este estilo assenta na consciência da impossibilidade de

prever todas as hipóteses geradas na vida e na necessidade de atribuir

algum carácter valorativo na intervenção do decidente aquando da sua

aplicação da lei. No entanto, este estilo apresenta uma falta de

maleabilidade face à multiplicidade e complexidade da vida real por

mais que os seus conceitos sejam gerais e abstractos. É o problema das

lacunas, ou seja, de situações juridicamente relevantes que não

encontram na lei uma solução expressa.

c) Linhas de orientação: aqui o legislador limita-se a estabelecer

módulos de apreciação, de acordo com a jurisprudência dos valores.

Aqui a hipótese e a estatuição não estão definidas por caracteres

limitados. O juiz no acto de aplicação da lei tem uma grande margem

de discricionariedade. Como grande exemplo deste estilo temos o

código civil Suíço de 1907. Existem dois tipos de linhas de orientação:

a. Cláusulas gerais: recorremos a critérios valorativos de

apreciação. Aqui não há subsunção ou dedução mas indução,

grande exemplo de uma cláusula geral é a da boa fé presente no

artigo 762º nº2 (temos aqui a boa fé em sentido objectivo, mas

saber se o sujeito agiu honesta e honradamente depende de

várias situações e o juiz tem grande margem discricionária;

b. Conceitos indeterminados: são conceitos imprecisos e

maleáveis com características dos pressupostos de facto de uma

norma, mas sem uma zona nuclear segura e uma certa

indeterminação da sua área e dos seus limites legais. Como

exemplo de um conceito indeterminado temos o artigo 487º nº2

– a diligência de um bom pai de família, conceito que deriva do

principio bónus pater famílias romano que caracteriza um

homem cujas capacidades são medianas. É um conceito muito

indeterminado que faz apelo a critérios valorativos face a cada

caso concreto.

O nosso código civil adopta fundamentalmente o tipo de formulação

mediante conceitos gerais e abstractos. Este método possibilita um maior grau de

segurança e razoabilidade das soluções. No entanto poderá levar, em razão de

variedade da vida, levar o Juiz a decisões menos rectas para o caso concreto. Para

atenuar isto mesmo foram introduzidas clausulas gerais e mesmo conceitos

indeterminados, dotando o nosso código de uma adaptação às várias situações da

vida, doseando a necessidade de certeza e segurança com uma preocupação de

justiça para todos os casos concretos.

o Classificação das normas civis:

Existem várias classificações de normas civis:

a. Normas imperativas: não podem ser afastadas pela vontade das partes;

b. Normas supletivas: podem ser afastadas pela vontade das partes.

c. Normas gerais, especiais e excepcionais (já analisamos ver atrás)

Page 28: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

28

o O âmbito da Teoria geral do direito civil: por um lado, temos a teoria geral

do ordenamento jurídico civil: diz respeito às normas gerais do código civil,

concentradas nos artigos 1º a 13º cc, que estabelecem vários princípios acerca

das normas jurídicas. Por outro lado a teoria geral da relação jurídica civil,

aplicação do direito em relação com a realidade social que é também objecto

de normas jurídicas.

o A relação jurídica civil:

a. Conceito e conteúdo:

Relação jurídica: é o vínculo normativo, disciplinado e garantido pelo

direito civil que une entre si sujeitos de direito, mediante a atribuição a uma

pessoa de um direito subjectivo propriamente dito, de um direito potestativo

ou de um poder – dever e imposição a outra pessoa de um dever jurídico ou

uma sujeição correspondente. Podemos considerar a expressão relação

jurídica com referência a um modelo, paradigma ou esquema contido na lei,

aí estamos perante uma relação jurídica abstracta (ex. relação pela qual o

inquilino deve pagar a renda ao senhorio). Podemos considerar a expressão

relação jurídica com referência a uma relação existente na realidade entre

pessoas determinadas, sobre um objecto determinado e de um facto jurídico

determinado, aí estamos perante uma relação jurídica concreta (ex. o senhor

A pode exigir do inquilino B a renda de 150 euros pelo arrendamento do

quarto x).

Conteúdo da relação jurídica:

o Direitos subjectivos propriamente ditos ou stricto sensu: é o poder

jurídico reconhecido pela ordem jurídica a uma pessoa de livremente

exigir ou pretender de outrém um comportamento positivo (acção) ou

negativo (omissão), contrapõe-se-lhe, na posição passiva, o dever

jurídico, ou seja, a necessidade de realizar o comportamento a que tem

direito o titular activo da acção.

Há aqui uma dicotomia entre o poder de exigir e o de pretender:

Poder de exigir: na quase totalidade das hipóteses o titular do direito

subjectivo, no caso da contraparte não cumprir o dever jurídico a que está

adstrita, pode recorrer aos tribunais para deles obter as providencias necessárias

coercivas aptas a satisfazer o seu interesse.

Poder de pretender: há um círculo restrito de hipóteses, em que o titular

do direito não pode reagir contra o adversário se este não adoptar o

comportamento que lhe é prescrito. São, no entanto, deveres jurídicos, porque se

o sujeito passivo cumprir voluntariamente, a lei trata a situação como se o

comportamento lhe tivesse podido ser exigido. É o caso das obrigações naturais

reguladas nos arts. 402º e 403º. Aqui se o devedor, por exemplo, de uma divida

de jogo ilícito – artigo 1245º, cumprir espontaneamente, o credor, que não podia

Page 29: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

29

exigir judicialmente um pagamento, pode conservar a prestação recebida, goza da

soluti retentio. Enquanto que o devedor não tem a possibilidade de repetir, não

tem a condictio indebiti.

o Direitos potestativos: é o poder jurídico, reconhecido pela ordem

jurídica, a uma pessoa de por um acto de livre vontade, só de per si, ou

integrado por um acto de uma autoridade pública, produzir

determinados efeitos jurídicos que inevitavelmente se impõe ao sujeito

passivo, contrapõe – se – lhe, na posição passiva, a sujeição, ou seja, a

situação de necessidade em que se encontra o sujeito passivo de ver

produzir – se forçosamente uma consequência na sua esfera jurídica

por efeito do exercício do direito pelo seu titular.

Podem ser:

1. Constitutivos: produzem a constituição de uma

relação jurídica por acto unilateral do seu titular

(exemplo – constituição de servidão de passagem em

beneficio de prédio encravado – artº 1550º);

2. Modificativos: produzem uma simples modificação

numa relação jurídica existente e que continuará a

existir apesar de modificada (exemplo, separação

judicial de pessoas e bens – art 1795º-A);

3. Extintivos: produzem a extinção de uma relação

jurídica existente (exemplo, o direito de obter o

divorcio – art. 1773º).

Lado passivo dos direitos subjectivos strictu sensu e dos direitos

potestativos:

Contraposto aos direitos subjectivos propriamente ditos temos o dever

jurídico. Aqui o sujeito do dever, embora se expondo a sanções, tem a

possibilidade prática de não cumprir. Há uma colaboração do sujeito do dever

para que e cumpra esse direito. Os deveres jurídicos podem ser:

1- Pendentes sobre uma ou mais pessoas determinadas e, então,

falamos de direitos relativos;

2- No caso de alguns deveres jurídicos de abstenção pendentes

sobre todas as pessoas, então falamos de direitos absolutos –

erga omnes.

Contraposto aos direitos potestativos temos a sujeição. Aqui, diversamente do

dever jurídico, trata-se de uma necessidade inelutável, não podendo o sujeitado

violar ou infringir essa situação mesmo que esta vá contra a sua vontade.

Teoria da vontade e teoria do interesse: ao definirmos direito subjectivo

propriamente dito ou direito potestativo definimo-lo como um poder jurídico, um

poder que é da vontade e que o seu titular poderá usar livremente e impor aos

outros é a posição defendida por Savigny e pelo Dr.Mota Pinto.

Page 30: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

30

Diversamente Iherny e entre nós o Dr. Orlando de Carvalho dizem que se

trata da expressão de interesses juridicamente protegidos. Algo com o qual não

concordamos devido à estrita funcionalização que faz dos direitos, característica

que não pode ser imputada ao nosso sistema jurídico.

Há que dizer que só em casos extremos de clamorosa e manifesta

contrariedade entre o exercício do direito e o seu fim social ou económico, o

exercício desse direito é ilegítimo por força do artigo 334º que consagra a

doutrina do abuso do direito.

o Poderes – deveres: só há direitos subjectivos quando o exercício do

poder jurídico está dependente da vontade do seu titular, por falta

dessa liberdade de actuação é que os poderes-deveres não são direitos

subjectivos. Estes poderes não podem ser exercidos se o seu titular

quiser e como quiser, mas do modo exigido pela função do direito

(exemplo, o poder paternal). Se não forem exercidos quando deviam

sê-lo ou forem exercidos de outro modo o seu titular infringe um dever

jurídico que é passível de sanções (exemplo, inibição do poder

paternal). Os poderes-deveres visam sobretudo a defesa dos interesses

do sujeito passivo.

Elementos da relação:

1- Sujeito: são as pessoas entre quem se estabelece o vínculo respectivo: os

titulares do direito subjectivo stricto sensu ou do direito potestativo e das

posições passivas correspondentes, ou seja, o dever jurídico e a sujeição.

São pessoas já que a personalidade jurídica é a susceptibilidade de ser titular

de direitos e obrigações, ou seja, de ser titular de relações jurídicas, podendo

essas pessoas ser singulares ou colectivas, públicas ou privadas. Assim, para

haver uma relação jurídica civil é preciso existir mais do que uma pessoa. Se

existir apenas uma não há relação jurídica, extingue-se por confusão como nos

refere o artigo 868º.

2- Objecto: aquilo sobre que incidem os poderes do titular activo da

relação jurídica. Não é o conjunto formado pelo direito subjectivo e o

correspondente dever jurídico, estes formam o conteúdo da RJ. É aquilo

sobre que incidem os poderes do titular desse direito subjectivo. Podem

ser objecto de relações jurídicas: a) outras pessoas; b) coisas corpóreas;

c) coisas incorpóreas; d) modos de ser da própria pessoa; e) outros

direitos.

3- Facto jurídico: é todo o facto produtivo de efeitos jurídicos. Tem um

papel condicionante no surgimento da relação jurídica. Como se

desencadeia a energia jurídica contida na lei. É condição ou pressuposto

da sua existência. Para além de condicionar a relação jurídica vai

modelar o conteúdo da relação jurídica, fixando o objecto dos direitos

das partes e o conteúdo dos mesmos.

Page 31: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

31

4- Garantia: é o conjunto de providências coercitivas postas à disposição

do titular activo de uma RJ, de forma a obter a satisfação do seu direito,

lesado por um obrigado que o infringiu ou ameaça infringir. A garantia

da Relação jurídico privada só entra, normalmente, em movimento sob o

impulso do titular do direito subjectivo violado ou ameaçado. A sua

forma mais frequente é a indemnização dos danos causados ao titular do

direito, sendo que sempre que possível se procederá à reconstituição

natural. O facto ilícito civil, como tal, não desencadeia a aplicação de

uma pena. A prisão por dívidas foi suprimida em 77. Procurou-se, no

entanto, que esta supressão fosse acompanhada de medidas sucedâneas

de tutela, como é o caso do arresto de bens, nos termos do artigo 619º.

Há que referir que a garantia não protege o titular do direito apenas no caso

de violação do seu direito. Protege-o ainda contra ameaças ou receios legítimos

de infracção do dever jurídico como é visível no artigo 619º. Dando-lhe mesmo a

possibilidade através de acções de simples apreciação por termo em juízo à

situação de dúvida sobre a existência do seu direito.

Em princípio, o que está excluído será o recurso à força própria para obter

satisfação. A justiça privada, é, assim, ilícita, o titular não pode reagir e obter

ressarcimento pelas vias de facto. Para a tutela de um direito o seu titular deve

requerer perante os tribunais a providência adequada, ou seja, intentará uma

acção. Excepcionalmente a auto-defesa dos direitos pode ser lícita, como é

patente pelo artigo 336º (acção directa), desde que respeite os pressupostos aí

presentes. Diferentemente é a legitima defesa presente no 337º, porque enquanto

a acção directa supõe uma acção já consumada e é um meio repressivo, a

legitima defesa é um meio preventivo dirigido a afastar a agressão iminente em

inicio de execução mas ainda não consumada, sendo que nesta última, ao

contrário da acção directa, o defendente pode lesar interesses superiores aos

interesses ameaçados.

Nas obrigações naturais existe igualmente o elemento garantia. Falamos da

solutio redentio, este não poder o obrigado repetir o que haja prestado. Nos

direitos potestativos podemos dizer que há uma garantia mais forte do que nos

direitos subjectivos stricto sensu, já que é uma garantia infalível, em que a outra

parte não pode infringir esse direito.

Classificação das relações jurídicas:

a) Relação jurídica simples ou singular: relação existente entre dois

sujeitos, mediante atribuição ao sujeito activo de um direito subjectivo

propriamente dito ou de um direito potestativo, e, ao sujeito passivo do

dever jurídico ou sujeição correspondentes.

b) Relação jurídica complexa: trata-se de uma série de relações jurídicas

singulares, ou seja, uma série de direitos subjectivos propriamente ditos

ou direitos potestativos e deveres jurídicos ou sujeições correspondentes,

conexionadas ou unificadas por um qualquer aspecto (exemplo, A relação

entre o comprador e o vendedor de uma máquina não contém só o dever

Page 32: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

32

de pagar o preço e o direito ao preço, mas torna o devedor credor da

entrega da máquina, ou outros vínculos, como deveres acessórios de o

vendedor guardar a máquina ou deveres laterais do vendedor informar o

comprador do modo de funcionamento da máquina, etc)

Outras figuras jurídicas:

a) Ónus: necessidade de observância de determinados comportamentos

para a realização de um interesse próprio. Aqui o onerado não deve,

ele pode praticar ou não um certo acto, mas se não o praticar não

realizará certo interesse. Exemplo, o ónus da prova, o onerado ao não

acatar o ónus não infringe nenhum dever nem a sua conduta é ilícita,

mas perde ou deixa de obter uma vantagem, é desta forma diferente do

dever jurídico. O ordenamento no caso do ónus não desaprova o seu

não acatamento, ao contrário do que acontece com o dever jurídico em

que há nítida desaprovação.

b) Expectativa jurídica: situação activa, juridicamente tutelada,

correspondente a um estádio de um processo complexo de formação

sucessiva de um direito. É uma situação em que se verifica a

possibilidade juridicamente tutelada de aquisição futura de um direito,

estando já parcialmente verificado o facto jurídico constitutivo desse

direito. Trata-se de uma verdadeira expectativa jurídica e não de uma

expectativa de facto pois a lei protege a sua posição.

Outras classificações:

a) Relações jurídicas perfeitas: têm plena garantia jurídica;

b) Relações jurídicas imperfeitas: têm apenas um embrião de garantia

jurídica, exemplo as obrigações naturais;

c) Relações jurídicas principais: são autónomas, não estando

dependentes de outras relações jurídicas;

d) Relações jurídicas acessórias: estão dependentes da relação jurídica

principal, exemplo a fiança.

e) Relações jurídicas patrimoniais: são susceptíveis de avaliação

pecuniária;

f) Relações jurídicas não patrimoniais ou pessoais ou extra-

patrimoniais: não são susceptíveis de uma avaliação pecuniária.

Embora nestas relações possa haver lugar a uma indemnização a título

de compensação;

g) Relações jurídicas dominiais: há poder do titular activo dispor

livremente do objecto jurídico;

h) Relações jurídicas não dominiais: não há poder do titular activo

dispor livremente do objecto, exemplo no caso do suicídio.

Pessoas singulares e pessoas colectivas: personalidade e capacidade:

Sujeitos de direito: são os entes susceptíveis de serem titulares autónomos de

direitos e obrigações, de serem titulares autónomos de relações jurídicas.

Page 33: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

33

A personalidade jurídica é essa aptidão para ser titular autónomo de relações

jurídicas. Esta aptidão é própria das pessoas singulares, que deriva de uma

exigência do direito em respeitar a dignidade que deve reconhecer a todos os

seres humanos. Aptidão que vem regulada no artigo 66º. Mas também as pessoas

colectivas têm personalidade jurídica como resulta do artigo 158º. Todo o sujeito

para além de um círculo mínimo de direitos patrimoniais que só teoricamente

poderão faltar, ele é necessariamente titular de um círculo de direitos de

personalidade.

À personalidade jurídica é inerente a capacidade jurídica ou capacidade de

gozo de direitos: é essa aptidão para ser titular de um circulo, com mais ou

menos restrições de relações jurídicas. A diferença é que essa capacidade pode

ser mais ou menos restrita, sendo-se sempre pessoa. As pessoas singulares têm

uma capacidade jurídica mais ampla do que as pessoas colectivas como

facilmente se depreende da comparação dos artigos 67º e 160º.

Capacidade jurídica para o exercício de direitos:

Capacidade para o exercício de direitos: é a idoneidade para actuar

juridicamente, exercendo direitos ou cumprindo deveres, adquirindo direitos ou

assumindo obrigações, por acto próprio e exclusivo ou mediante um

representante voluntário ou procurador, ou seja, um representante escolhido pelo

próprio representado.

A pessoa dotada de capacidade de exercício actua pessoalmente, ou seja, não

carece de ser substituída na prática de actos que põem em movimento a sua

esfera jurídica, por qualquer representante designado na lei ou em conformidade

com ela. Actua autonomamente já que também não carece de consentimento de

ninguém, nem anterior, nem posterior ao acto.

Faltando essa aptidão para actuar pessoal e autonomamente teremos uma

incapacidade de exercício de direitos que pode ser suprida pela representação

legal ou pela assistência. A incapacidade pode ser genérica (refere-se a actos

jurídicos em geral) ou específica (refere-se a actos jurídicos em especial). A

capacidade para o exercício de direitos é reconhecida aos indivíduos que atinjam

a maioridade – artigo 130º.

Nem só os menores são incapazes para o exercício de direitos – artigo 123º.

Há outras incapacidades como a dos interditos – artigo 138º e a dos inabilitados –

artigo 152º.

Ao contrário da capacidade de gozo de direitos, a capacidade jurídica para o

exercício de direitos pode faltar a uma pessoa singular. Tudo porque esta

capacidade para agir supõe uma capacidade de querer e entender. Assim, devem

estar desprovidas de capacidade de exercício as pessoas que por várias razões não

possam determinar com normal esclarecimento ou liberdade interior os seus

interesses.

Page 34: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

34

(Nota: nesta parte está problema dos direitos sem sujeito segundo uns

apontamentos, está confuso, a seguir está a transcrição do livro do doutor

Capelo)

O problema dos direitos sem sujeito: (segundo apontamentos) (passar

á frente está confuso, ver em baixo segundo o livro)

Toda a relação jurídica tem de estar conexionada com um sujeito, já que o

poder pressupõe um titular e o (dever) a vinculação um suporte.

No entanto certas situações parecem só poder ser juridicamente enquadradas

numa categoria de direitos sem sujeito. É o caso de atribuição de bens por

doação ou sucessão “mortis causa” a um nascituro (aquele que já foi gerado mas

ainda não nasceu) ou até a um concepturo (aquele que ainda será gerado) em que

parece não haver titular activo entre o momento da doação ou morte e do

nascimento do beneficiário que fará surgir a pessoa jurídica. Conferir os artigos

952º e 2033º. O mesmo acontece com a situação de direitos que integram a

herança entre a morte do cuius e aceitação da herança período de herança

jacente1.

Pode também haver situações de aparência da falta do sujeito passivo, é o

caso das obrigações do de cuius incluídas na herança jacente.

Windscheid afirmava a existência, nestes casos, de direitos sem sujeito.

Lehmann, Manuel de Andrade e Mota Pinto negam a possibilidade lógica da

existência de direitos sem sujeito, sendo um absurdo essa possibilidade, já que

defendendo a teoria da vontade, consideram que o direito subjectivo se traduz

num poder e como tal tem de pertencer a alguém e o mesmo para a obrigação, já

que todo o poder implica necessariamente um titular e todo dever um suporte. As

situações anteriormente descritas seriam estados de vinculação de certos bens em

vista do surgimento futuro de uma pessoa.

Com um direito sobre eles esse objecto não estaria integrado em nenhuma

relação jurídica mas também não seria livre já que estava a ser objecto de uma

tutela jurídica que o reservaria para um provável direito futuro.

Outros autores falam de relações jurídicas imperfeitas já que é um caso de

provisória inexistência do sujeito, admitindo, assim, a inexistência de direitos

sem sujeito.

Além disso, o caso da herança jacente constitui um património autónomo em

que os credores têm possibilidade processual de executar estes bens, sendo que

apenas a herança responde por esta dívida e não os bens pessoais dos herdeiros.

PROBLEMA DA EXISTENCIA DE DIREITOS SEM SUJEITO –

LIVRO:

Há situações jurídicas em que, pelo menos aparentemente, falta um dos

sujeitos jurídicos, sobretudo activo mas também passivo. Assim, no caso da

herança jacente (2046º) até tal aceitação ou declaração (2050º e 2155º); de

doação ou sucessão a favor de nascituro não concebido ou concepturo (952º e

1 Herança jacente: herança aberta pela morte de uma pessoa singular mas ainda não aceite pelos seus

herdeiros familiares nem declarada vaga para o Estado – 2046º.

Page 35: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

35

2033º nº2 al.a )enquanto este não nascer o não houver posibilidade de nascer,

bem como no caso de abandono de um titulo ao portador (acção de uma

sociedade anónima ou bilhete cinema, até ser encontrado ou ter caducado).

Por outro lado, faltará ou ainda faltará o sujeito passivo de uma obrigação

contraída por uma pessoa entretanto falecida e cuja herança se encontra

jacente, sendo certo que os sucessíveis aceitantes virão a responder por tal

obrigação. Doutrina divide-se quanto à existência ou não de direitos sem

sujeito: Manuel de Andrade e Mota Pinto entendem que estamos perante

«meros estados de vinculação de bens em vista da possível superveniência de

titulares para eles» uma vez que o direito subjectivo pressuporia sempre a

ligação do direito a uma determinada pessoa. Diferente, Orlando Carvalho,

Castro Mendes e Oliveira Ascensão consideram haver nestes casos direitos

subjectivos sem sujeito.

Trata-se de um problema teorético, de construção doutrinal, a resolver, a

partir dos dados do nosso sistema legal. A concepção que perfilhámos de

direito subjectivo consubstancia-se em um poder jurídico distinto do poder

material efectivo pelo que não nos parece inseparável da titularidade sempre

actual de uma determinada pessoa, quando a ordem jurídica face a especiais

interesses em jogo, permite manter ou organizar antecipadamente tal

estrutura, em termos de o respectivo poder jurídico, na sua exacta

configuração, ficar predisposto a ser adquirido por um ser dotado de

personalidade jurídica ou a extinguir-se. O sistema pode admitir para certos

casos, por razoes muito especiais, excepcionalmente, mecanismos jurídicos

cuja melhor construção doutrinaria será a de direitos subjectivos sem

sujeito.Na linha de Orlando de Carvalho « o núcleo de poderes sobre os bens

se encontre definido» ou como cremos melhor, que se encontrem já

estruturados o conteúdo e o objecto de determinados poderes jurídicos de

exigir ou pretender o comportamento de outra(s) pessoa(s) ou de intervir

inelutavelmente na esfera jurídica de outra pessoa, bem como os correlativos

deveres ou sujeições jurídicos. Parecem ser essas as situações jurídicas, quase

clássicas acima referidas.Há que ter muita prudência na analise de outras

eventuais eventualmente semelhantes.

PESSOAS SINGULARES

Personalidade jurídica: aptidão para ser titular autónomo de relações

jurídicas. Algo que nas pessoas singulares corresponde a uma exigência do

direito, respeitar a dignidade que se tem de reconhecer a todos os seres humanos.

a) Inicio: começo da personalidade jurídica vem estabelecida no artigo

66º nº1. Entende-se por nascimento a separação do filho do corpo

materno. A personalidade jurídica vai adquirir-se no momento em que

a separação se dá com vida e de modo completo. O nascimento

completo dá-se com a separação total do filho relativamente à mãe e

Page 36: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

36

ao seu corpo com o corte do cordão umbilical. Este corte pode ter

lugar antes da separação total do corpo materno para que, por exemplo

este não se enrole à volta do pescoço da criança. Neste caso não há

ainda separação completa. Nascimento com vida: quando há

respiração do nascido fora do corpo da mãe. Há hoje processos médico

– legais para determinar se o recém nascido respirou ou não após o

parto. A nossa lei não exige: o nascimento com figura humana, algo

que era exigido pelo código de Seabra com o fundamento lendário de

que uma mulher poderia gerar monstros, prazo de viabilidade de

sobrevivência, fora do útero materno. Algo que é bastante importante

em matéria sucessória. Por exemplo se a mãe morre no parto e o filho

nasce vivo e sobrevive, mesmo que pouco tempo à mãe ele é herdeiro

desta e se ele morrer de seguida o herdeiro é o pai, se a criança pelo

contrário nasce morta ou morre antes da mãe, os herdeiros desta são o

marido e também os seus pais. Assim, basta que a criança nasça

completamente e com vida, ainda que a sua sobrevivência não seja

viável.

b) Condição jurídica dos nascituros: a lei permite que se façam doações

aos nascituros concebidos ou não concebidos (concepturos) – artigo

952º e se definam sucessões quanto aos concebidos – artigo 2033º nº1

e apenas testamentária ou contratual quanto aos não concebidos –

artigo 2033º nº2. O artigo 66º nº2 diz-nos que os direitos reconhecidos

por lei aos nascituros dependem do seu nascimento. Assim, apesar de

não terem ainda PJ e não serem como tal sujeitos de direito, a nossa lei

reconhece aos nascituros direitos, que no entanto estão dependentes do

seu nascimento completo e com vida, nos termos do artigo 66º nº1.

Até ao nascimento estaremos perante a problemática dos direitos sem

sujeito. Para este caso a melhor doutrina será a que nos refere que os

nascituros têm uma personalidade jurídica parcial, já que estão

dependentes do seu nascimento. Assim, um filho pode pedir

indemnização pelas deformações físicas ou psíquicas que sofra no

ventre da mãe causados, por exemplo, por um medicamento. Esse

direito não pressupõe uma atribuição de personalidade jurídica ao

nascituro, já que só no momento do seu nascimento (completo e com

vida) é que o dano se consuma, apesar da agressão que o desencadeia

seja anterior. Se no entanto, o feto agredido no ventre da mãe não

chega a nascer com vida, não terá direito a essa indemnização (Capelo

de Sousa diz que os pais têm pois não faria sentido premiar o melhor

assassino) (???). Ver melhor o livro do doutor Capelo de Sousa pagina

265 e ss.

c) Termo da Personalidade jurídica:

a. Morte: nos termos do artigo 68º nº1 a personalidade cessa com

a morte. Sendo que essa morte pode ser natural ou presumida –

Page 37: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

37

artigo 114º. No que diz respeito à morte biológica hoje as

modernas técnicas de reanimação levam a pôr em causa o

critério tradicional do momento da morte: paragem cardíaca,

circulatória e respiratória, dando-se hoje relevo à morte

cerebral. Uma portaria de 71 embora não venha a definir

legalmente o momento da morte, vem determinar regras que

permitam concluir a verificação do óbito para efeitos de recolha

de tecidos ou órgãos quando há lesão irreversível do sistema

nervoso central, já que essa recolha e operações de transplante

exigem a colheita antes da paragem circulatória e respiratória.

No momento da morte a pessoa perde os direitos e deveres da

sua esfera jurídica, extinguindo-se os de natureza pessoal e

transmitindo-se para os sucessores os de natureza patrimonial.

Sendo que o artigo 71º nº1 não é um desvio à cessação da

personalidade com a morte, já que se trata de uma protecção de

interesses e direitos de pessoas vivas que sejam afectados por

actos ofensivos da memória do falecido. Concorda com esta

posição o Dr Mota Pinto tendo uma posição contrária os Drs

Pires de Lima e Antunes Varela que vêm nesse artigo uma

protecção aos direitos de personalidade depois da morte do seu

titular. (questão abordada no capitulo dos direitos de

personalidade).

b. Presunção de conivência: no artigo 68º/2 consagra-se uma

presunção de comonivencia, ou seja, de morte simultânea.

Tratando-se de uma presunção elidível, por prova em contrário.

Esta presunção tem grande importância prática, sobretudo no

que respeita a efeitos sucessórios, não se verificando fenómenos

de transição entre os comonientes. Exemplo, casal que tem dois

filhos e num acidente morre o casal e um dos filhos. Se as

mortes são simultâneas o outro filho sucede na totalidade da

herança, mas se provar que o filho morreu algumas horas

depois, a herança é dividida pelos dois filhos, passando a quota

do filho que veio a morrer para os seus herdeiros. Outras ordens

jurídicas consagram a presunção de premoniencia, por exemplo

no direito Inglês presume-se a premoniencia do mais velho.

c. Desaparecimento da pessoa: este desaparecimento vem

regulado no artigo 68º nº3. No caso, então, de não se encontrar

ou não ser possível identificar o cadáver é aberto o processo de

justificação judicial do óbito a cargo do MP. Sendo julgada a

justificação, o conservador lavrará o assento do óbito com base

na sentença, se mais tarde se verificar que terá havido engano,

requerer-se-á a invalidação ou rectificação desse assento.

Aplicando-se a esses casos as regras da morte presumida

(artigos 114º ss).

A capacidade jurídica:

Page 38: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

38

I- Capacidade jurídica de gozo: a regra geral é a da capacidade jurídica,

como nos refere o artigo 67º. Sendo que o mesmo artigo nos alerta para algumas

restrições: incapacidades de gozo que são excepções a esta regra geral. Temos

as seguintes incapacidade de gozo:

a) Incapacidades nupciais: impedimentos dirimentes absolutos e relativos

artigo 1601º e 1602º;

b) Incapacidade de testar dos menores não emancipados e dos interditos por

anomalia psíquica artigo 2189º;

c) Incapacidade para perfilhar dos menores de 16 anos, de interditos por

anomalia psíquica e dos notoriamente dementes no momento da perfilhação

artigo 1850º.

A incapacidade de gozo provoca, regra geral a nulidade dos negócios

jurídicos respectivos:

a) Pode ser invocada por qualquer interessado;

b) Não existem prazos para a sua invocação;

c) Pode ser declarada pelo tribunal ex officio. E é insuprível, isto é, os negócios

não podem ser concluídos por outra pessoa em nome do incapaz, nem por este

com autorização (……)

O nosso código civil estabelece certas proibições no domínio da compra e venda

em razão dos sujeitos, como a contida no artigo 877º ou 261º. Estabelece também

a nulidade de certas doações quando feitas a determinadas pessoas, como a que

força do artigo 953º e é estabelecida no artigo 2192º. Estas situações não são de

absoluta incapacidade . Trata-se de uma indisponibilidade relativa pois há só uma

restrição do poder de disposição em certa direcção, é assim que o código se

refere a estas situações no artigo 953º as pessoas abrangidas nestas proibições

têm plena capacidade para a pratica de quaisquer actos, sendo-lhes simplesmente

vedada a prática de certos negócios , definidos, não pela sua categoria genérica

mas em razão de uma certa relação com o objecto do negócio e com a outra

parte. Neste sentido Santono Passanelli e Manuel de Andrade.

II- Capacidade jurídica de exercício: a regra geral é a de que todas as pessoas

singulares maiores e emancipadas têm plena capacidade de exercício de direitos,

algo que resulta dos artigos 130º e 133º. As incapacidades de exercício são

excepcionais e são estabelecidas expressamente pela lei. O interesse determinante

das incapacidades é o interesse do próprio incapaz. No código de 1867 a

incapacidade dos interditos por prodigalidade / já que não existia a inabilitação

era vista pela doutrina como instituída no interesse de outras pessoas, embora por

reflexo servisse também o interesse do pródigo. Hoje o instituto da inabilitação é

visto como algo do interesse do próprio inabilitado.

A incapacidade de exercício provoca a anulabilidade dos negócios jurídicos

respectivos:

a) Só pode ser invocada por aquelas pessoas no interesse das quais a lei

estabelece a anulabilidade;

Page 39: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

39

b) Existem prazos para a sua invocação2;

c) Para o negócio ser anulado tem de haver uma acção intentada não se

procedendo ex officio , e é suprível não podendo os negócios ser realizados pelo

incapaz ou por um seu procurador , mas podendo sê-lo através de meios

destinados ao suprimento da incapacidade que cito:

a) Representação: é admitida a agir outra pessoa em nome e no interesse do

incapaz, a pessoa é denominada representante legal, pois é designada pela lei ou

em conformidade com esta, não é portanto um representante voluntário no

sentido em que não é escolhido pelo representado.

b) Assistência: a lei admite o incapaz a agir, mas exige o consentimento de certa

pessoa ou entidade. Aqui há uma autonomização ao incapaz a agir pertencendo a

iniciativa ao próprio incapaz. Não actua, portanto, em vez dele.

III- Incapacidades de exercício:

a) Menoridade: 1- Amplitude: esta incapacidade cessa com: Maioridade (130º, 129º, salvo

se estiver pendente contra o menor ao atingir a maioridade uma acção de

interdição ou inabilitação (artigo 131º); Emancipação que hoje apenas

resulta do casamento (arts. 132º e 133º).

Os menores sofrem de uma incapacidade genérica já que abrange negócios

de natureza pessoal ou patrimonial. Existem, no entanto excepções à

incapacidade:

Actos de administração ou disposição de bens que o menor adquiriu pelo

seu trabalho (127º, nº1 al. a CC). Tudo porque os maiores de 14 anos, com

autorização dos pais podem trabalhar, daí que terão capacidade para administrar

os bens que adquirem pelo seu trabalho (salário) e os que adquirem através do

salário;

Negócios próprios da vida corrente do menor, que estando ao alcance da

sua capacidade natural, impliquem apenas despesas ou disposições de bens de

pequena importância (127º, nº1 al. b CC). Por exemplo a compra de uma caneta;

Negócios relativos à profissão e ao seu exercício (127º, nº1 al. c CC);

Podem contrair validamente casamento, desde que tenham idade superior

a 16 anos (1601º), a oposição dos pais ou do tutor constitui um impedimento

impediente e como tal não implica a nulidade do acto (1604º), mas dá lugar à

aplicação de sanções especiais (1649º);

Podem fazer testamento se emancipados (2189º);

Podem perfilhar se tiverem mais de 16 anos (1850º).

2- Efeitos: os negócios jurídicos praticados pelo menor contrariamente à

proibição em que se cifra a incapacidade estão feridos de anulabilidade

(125º). As pessoas com legitimidade para requerer a anulabilidade são:

2 Esses prazos só funcionam se o negócio estiver cumprido, ou seja, se tiver sido operada a modificação

da situação factual, caso contrário, a anulabilidade pode ser requerida sem dependência de prazo – artigo

287º nº2. (ver melhor).

Page 40: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

40

a) Representante do menor dentro de um ano a contar do conhecimento

do acto impugnado, mas nunca depois do menor atingir a maioridade ou seja

emancipado (125º, nº1, al.a);

b) O próprio menor no prazo de um ano após a maioridade ou

emancipação (125º, nº1, al.b);

c) Qualquer herdeiro num ano a contar da morte sem que ultrapasse

um ano da sua maioridade ou emancipação (125º,nº1, al.c).

O direito de invocar a anulabilidade é precludido pelo comportamento

malicioso do menor no caso de este ter usado de dolo (253º) a fim de ser fazer

passar por maior ou emancipado (126º). Assiste-se aqui, à aplicação do princípio

da proibição do venire contra factum proprium.

No entanto, o menor não é o único com legitimidade para requerer a

anulabilidade, como facilmente se depreende do 125º. Aqui a doutrina converge

na aceitação de que os herdeiros também não poderão requerer essa anulação,

visto que estes são meros continuadores da esfera jurídica do de cuius. A

doutrina vai divergir em relação aos representantes:

Mota Pinto: diz que os representantes também não podem, pois aqui o

que merece relevo é a tutela do interessa da contra-parte que não pode ser

prejudicada, visando a lei proteger essas expectativas;

Orlando de Carvalho e Antunes Varela: dizem que os representantes

poderão requerer essa anulabilidade porque o relevante é a tutela dos interesses

do incapaz que são tutelados pelo exercício do poder paternal.

3- Suprimento: a incapacidade do menor é suprida pelo instituto da

representação sendo os meios de suprimento os seguintes:

a) Poder Paternal: o seu conteúdo está regulado no artigo 1878º, este

domínio reflecte-se relativamente à pessoa dos filhos 1885º e ss e

relativamente aos bens do filho 1888º e ss. Comuns ao poder paternal pessoal e

patrimonial são o poder de representação (1878º e 1881º) e o poder de autoridade

que os filhos devem obediência (1878º nº2). O exercício do poder paternal vem

previsto nos artigos 1901º e ss, donde resulta imediatamente o facto do poder

paternal pertencer aos pais não atribuindo poderes especiais ao pai ou à mãe.

Estão excluídos da administração dos pais certos bens mencionados no artigo

1888º, o artigo 1889º refere-nos actos cuja validade depende de autorização do

tribunal, o artigo 1892º estabelece outra proibição. As reacções aos artigos

referidos geram a anulabilidade dos respectivos actos nos termos do artigo

1893º. O poder paternal pode ser alvo de inibições como se depreende dos artigos

1913º e seguintes.

b) Tutela: é o meio normal de suprimento do poder paternal, deve ser

instaurada sempre que se verifique alguma das situações previstas no artigo

1921º. O tutor tem poderes de representação, abrangendo, em princípio, tal como

os do pai, a generalidade da esfera jurídica do menor. No entanto, o poder tutelar

é menos amplo que o poder paternal. As suas limitações estão presentes nos

Page 41: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

41

artigos 1937º e 1938º. As sanções para a infracção das proibições impostas ao

tutor constam dos artigos 1939º e 1940º. O tutor pode também ser afastado

1948 e ss. Ao conselho de família, nos termos do 1954º cabe vigiar o modo como

são desempenhadas as funções do tutor. O protutor será um dos vogais do

conselho de família a quem cabe fiscalizar a acção do tutor de forma permanente.

c) Administração de bens: ela terá lugar, coexistindo com a tutela ou com

o poder paternal, nos termos do artigo 1922º. Aqui existirá um administrador dos

bens ao lado dos pais ou do tutor. A designação do administrador de bens é

regulada nos artigos 1967º e 1968º. Os direitos e deveres do administrador estão

consagrados no artigo 1971º, daqui retiramos que o administrador é o

representante legal do menor nos actos relativos aos bens cuja administração lhes

pertença, os seus poderes são idênticos aos do tutor.

A incapacidade do artigo 131º: é possível requerer-se uma interdição no

ano anterior à maioridade, para que esta produza efeitos quando o menor se torne

maior – 138º nº2, o mesmo acontece com a inabilitação por força do artigo 156º.

Quando o menor prefizer 18 anos e correr uma acção de interdição ou

inabilitação contra ele o artigo 131º diz-nos que se mantém o poder paternal ou a

tutela.

O Dr Carvalho Fernandes diz-nos que se trata de uma incapacidade de

exercício autónoma, equiparando os sujeitos nestas situações aos menores pelas

seguintes razões:

1- Não faz sentido tratar uma pessoa como maior quando é elevada a

possibilidade de vir a ser declarado incapaz, durante esse curto espaço de tempo.

2- A lei diz que se aplica o regime paternal ou tutorial, não havendo lógica de

se aplicar a um maior o regime da representação legal.

3- No artigo 125º, nº1/a a lei ressalva no prazo do requerimento da

anulabilidade, o disposto no 131º.

b) Interdição: quem pode ser interdito: a interdição é apenas aplicável a

maiores, pois os menores estão sempre protegidos pela incapacidade de

menoridade. A lei permite, no entanto, o requerimento e decretamento da

interdição dentro de um ano anterior à maioridade 138º nº2. São

fundamentos de interdição:

Situações de anomalia psíquica;

Surdez – mudez;

Cegeira;

Quando pela sua gravidade tornem o interditando incapaz de reger a sua

pessoa e bens 138º nº1 (quando essas anomalias não excluem totalmente a

aptidão do sujeito para gerir os seus interesses o incapaz será inabilitado – 152º).

Estas “deficiências” devem ser habituais ou duradouras e actuais, não basta,

no entanto, a existência de “deficiências”. Torna-se necessária uma sentença

judicial que no termo de um processo judicial declare a incapacidade, só aí

existirá interdição. O artigo 139º manda aplicar as disposições que regulam a

incapacidade por menoridade e fixam os meios de suprir o poder paternal.

Page 42: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

42

1- Suprimento: a incapacidade é suprida mediante o instituto da

representação legal, já que se estabelece uma tutela regulada pelas mesmas

normas que regulam a dos menores, que estabelece a excepção do artigo 144º

(pais exercem o poder paternal como se ele fosse menor).

Poderá ter lugar, eventualmente, a administração de bens.

A competência atribuída ao tribunal de menores no funcionamento da

representação legal dos menores é deferida no que refere à capacidade dos

interditos ao tribunal comum – artigo 140º.

A sentença de interdição definitiva deve ser registada sob pena de não poder

ser invocada contra terceiro de boa-fé – 147º.

Quanto ao casamento não há possibilidade de suprimento da incapacidade dos

interditos por anomalia psíquica – artigo 1601/b, o mesmo acontece para a

capacidade de testar – artigo 2189º e para perfilhação – artigo 1850º. Não há

qualquer lugar para o instituto da assistência no suprimento de uma incapacidade

por interdição.

2- Valor dos actos praticados: a lei considera três períodos:

1- Depois do registo da sentença definitiva: o artigo 148º mostra-nos que

os negócios jurídicos realizados neste período estão feridos de anulabilidade –

artigo 148º. Quanto ao prazo para a sua invocação é as pessoas com legitimidade

para arguir é aplicável ex vi do artigo 138º com as necessárias adaptações o artigo

125º. Podem assim requerer a anulação: a) representante do interdito durante a

vigência da interdição, no prazo de um ano a contar do conhecimento do

negócio; b) o próprio interdito no prazo de um ano a contar do levantamento da

interdição; c) qualquer herdeiro do interdito no prazo de um ano a contar da

morte deste (quando a morte ocorreu ainda era ele interdito ou a interdição tinha

sido levantada há menos de um ano antes da morte).

A anulação não pode ser excluída mediante a alegação de intervalo lúcido do

demente, falta de prejudicabilidade do acto ou desconhecimento pela contra –

parte da interdição, são sempre anuláveis 148º.

2- Na pendência de processo de interdição: artigo 149º, são anuláveis os

actos caso:

a. A interdição venha a ser definitivamente decretada;

b. O negócio deu prejuízo ao interdito: a apreciação deste prejuízo

reporta-se ao momento da prática do acto não se tomando em conta

eventualidades ulteriores que poderão vir a tornar desvantajoso para

o interdito aquele negócio, neste ultimo caso os negócios não são

anuláveis. As razoes que nos levam a afirmar isto são: a) o elemento

gramatical de interpretação “causou”, utilização do pretérito perfeito;

b) elemento racional ? – pois evita uma quarentena a que os

interditos seriam votados por outros indivíduos , que se recusariam a

contratar com eles já que sobre eles penderia a ameaça de uma

Page 43: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

43

anulação. Perigo ainda maior porque estas pessoas podem até acabar

por ser reconhecidos como “normais”.

Quanto aos negócios onerosos haverá prejuízo sempre que um contratante

sensato prudente na gestão dos seus bens não teria celebrado o negócio naqueles

termos (bónus pater família).

Quanto aos negócios gratuitos como as doações. Manuel de Andrade

sustentou com êxito a opinião segundo a qual as doações se devem considerar

sempre prejudiciais ao interdito mesmo que as circunstancias concretas tornem

razoável a sua prática por uma pessoa normal. Tudo porque uma doação importa

sempre, qualquer que seja a sua justificação um empobrecimento imediato do

doador podendo eventualmente no futuro causar-lhe grave dano. Em relação ao

artigo 149º nº2 há quem diga que o momento do registo da sentença a partir da

qual começa a contar o prazo é uma salvaguarda para quem conhece antes. No

entanto se o conhecimento é posterior o prazo só começa a correr a partir daí.

3- Anteriormente à publicidade da acção: o artigo 150º remete-nos para

o disposto da incapacidade acidental que está prevista no artigo 257º.

A anulabilidade tem como condições necessárias e cumulativas:

a) Que no momento do acto haja uma incapacidade de entender o sentido

da declaração negocial ou falte o livre exercício da vontade;

b) Que a incapacidade natural existente seja notória ou conhecida do

declaratário. O artigo 257º nº2 esclarece o requisito da notoriedade. Não basta

demonstrar um estado de habitual insanidade de espírito na época do negócio é

necessário provar a existência de uma perturbação psíquica no momento em que

a declaração de vontade foi proferida, algo que é muito difícil de se provar.

Exige-se também para tutela da boa – fé do declaratario e da segurança jurídica a

prova da cognoscibilidade da incapacidade. Neste momento não é exigível a

prova de qualquer prejuízo para o incapaz, ao contrário do que acontece na

pendência do processo.

Quanto a alguns autores em especial em que a incapacidade jurídica é

insuprível para os interditos com anomalia psíquica (perfilhação, casamento e

testamento) o que é que acontece se existir anomalia e o demente não estiver

interdito?

No caso do casamento: há incapacidade desde que haja uma demência notória

e mesmo que o acto seja praticado durante intervalos lúcidos (1601/b). No caso

da perfilhação há incapacidade desde que haja demência notória, não se

colocando o caso de intervalo lúcido (1850º nº1).

A notoriedade da sua denuncia não é no mesmo sentido da do artigo 257º,

porque aqui a tutela do incapaz deve primar sobre a protecção das expectativas

do declaratário, mesmo que este não a conheça.

No caso de testamento só os interditos são incapazes. No entanto no caso de

faltar a interdição o acto poderá ser anulado desde que se verifiquem os

pressupostos da incapacidade acidental (2199º).

As sanções para a realização destes negócios pelo incapaz são:

a) Anulabilidade – no casamento – 1631º; na perfilhação – 1861º; no

testamento em caso de incapacidade acidental – 2199º;

Page 44: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

44

b) Nulidade – no testamento em caso de interdição – 2190º.

4- Cessação: a incapacidade dos interditos não termina com a cessação da

incapacidade natural. Torna-se necessário o levantamento da interdição.

Podem requerer esse levantamento os indicados no artigo 151º.

c) Inabilitação:

1- Noção, causas e instituição: são incapacidades de exercício que impedem a

pessoa sujeita de praticar actos jurídicos patrimoniais (quando não

autorizados pelo seu representante legal). O artigo 152º revela-nos as causas

de inabilitação. Existem três categorias:

a. Anomalia psíquica , surdez mudez ou cegueira que provocam

fraqueza de espírito mas não uma total inaptidão;

b. Habitual prodigalidade – o pródigo será aquele que habitualmente

pratica actos de delapidação patrimonial que não se pode confundir

com uma administração infeliz ou pouco inteligente. Trata-se de

despesas desproporcionadas aos rendimentos improdutivas e

injustificáveis – aqui atenta-se à finalidade das despesas, não sendo

pródigo o que pratica actos ruinosos mas com um fim digno ou

nobre;

c. Abuso de bebidas alcoólicas ou estupefacientes que provoquem

uma alteração de carácter.

Nos três casos basta que se prove a existência de um perigo actual de actos

prejudiciais ao património mesmo que ainda não haja um dano concreto.

2- Extensão: a inabilitação abrangerá os actos de disposição de bens inter

vivos: 153º, excluindo-se assim, o testamento. Ainda todos os que forem

especificados na sentença. Normalmente os inabilitados têm capacidade de

exercício no que respeita ao actos de mera administração, no entanto o Juiz

na sentença pode especificar alguns ou todos os esses actos para o grupo de

actos em que o inabilitado tem incapacidade de exercício ver melhor o

artigo 154 nº1.

A incapacidade dos inabilitados não existe só por existirem as circunstâncias

previstas no artigo 152º. É necessário uma sentença de inabilitação tal como

acontece com as interdições. Existem algumas incapacidades de gozo para:

a) Inabilitados por anomalia psíquica: casamento (1601º); poder paternal

(1913º);

b) Inabilitados por prodigalidade: no que se refere à tutela (1933º nº2);

administração de bens (1970º)

São insupríveis.

3- Suprimento: as incapacidades de exercício por inabilitação são supridas

pelo instituto da assistência através de um curador (artigo 153º). No entanto

Page 45: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

45

a administração do seu património pode ser entregue pelo tribunal ao

curador e neste caso a forma de suprimento é o instituto da representação. A

pessoa a quem essa administração é entregue chama-se também curador.

4- Valor dos actos praticados pelo inabilitado: por força do artigo 156º são

aplicáveis as disposições que vigoram para os interditos. Tendo que se

aplicar os artigos 148º, 149º e 150º. Por força do artigo 156º e da remissão

para o artigo 139º as características da anulabilidade são as do artigo 125º

com as necessárias adaptações.

5- Cessação: A incapacidade deixa de existir quando for levantada a

inabilitação. Por força do artigo 156º é aplicado o regime da interdição

presente no artigo 151º. No entanto, o artigo 155º tem um regime particular

para o caso de inabilitação por prodigalidade ou abuso de bebidas alcoólicas

ou de estupefacientes, exige-se um prazo de 5 anos sobre o trânsito em

julgado da sentença. Com isto pretende-se sujeitar o inabilitado a uma

espécie de período de prova para evitar o risco de dissimulação ou

fingimento – Mota Pinto.

Incapacidade de facto: existem situações com carácter real que provocam

consequências jurídicas, temos por exemplo o artigo 1933º nº1/c (…).

A Posição Familiar:

Com o 25 de Abril, a CRP de 1976 e a reforma do código civil em 1977 se

pôs fim a um regime que colocava o marido em posição de supremacia, como

chefe de família, sendo a mulher incapaz em várias situações. Deriva hoje, do

artigo 13º da CRP e do artigo 36º o princípio da igualdade entre os conjugues. O

casamento, no entanto, continua a ser 3fonte de ilegitimidades conjugais

(restrições à livre actuação jurídica derivados do casamento) só que agora em

condições de plena igualdade entre marido e mulher. Assim, carecem de

consentimento de ambos os conjugues em qualquer regime de bens o disposto no

artigo 1682º, por exemplo e apenas nos regimes de comunhão (geral e

adquiridos)o disposto no artigo 1682.A nº1 e no 1683 nº2. A ilegitimidade

conjugal supre-se pelo consentimento do outro cônjuge, que deve ser especial

para cada acto: artigo 1684º nº1; a forma é a exigida para a procuração (no

mesmo artigo) podendo ser judicialmente suprido (no mesmo artigo). As sanções

da ilegitimidade conjugal são as previstas no artigo 1687º.

Insuficiência patrimonial:

3 Anteriormente vistas como incapacidades, Mota Pinto e também Manuel de Andrade falam em

ilegitimidades tal como vem referido no código (trata-se de uma relação entre o sujeito e o conteúdo do

acto. Existem outras para alem das conjugais exemplo a venda de coisa alheia 892º).

Page 46: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

46

Falência e insolvência

continuação da página

anterior … 1- Falência e insolvência:

O estado do falido ou insolvente civil afecta, sob o ponto de vista do exercício

de direitos as pessoas que se encontram nessas situações. Essa situação só se

verifica após uma declaração judicial de falência ou insolvência.

Falência: impossibilidade de o comerciante cumprir as suas obrigações. Pode

ter lugar através:

a. Do reconhecimento do comerciante, mediante apresentação ao tribunal

competente com o pedido de convocação de credores;

b. Por pedido ao tribunal feito pelos credores ou do Ministério Público

atendendo a certas manifestações: 1- cessação de pagamentos; 2- fuga

de comerciante; 3- ausência do estabelecimento sem ter provido à sua

representação na gerência empresarial; 4- dissipação e extravio de bens

; 5 – outro qualquer procedimento abusivo tendente a colocar-se na

situação de não poder cumprir as suas obrigações.

A impossibilidade de cumprimento das obrigações é distinta de uma situação

patrimonial deficitária (activo de valor inferior ao passivo). Pois, pode haver a

hipótese de o comerciante ter bens de valor superior às suas dívidas, mas não

dispor de dinheiro líquido para as pagar. Também pode acontecer o comerciante

ter um activo inferior ao passivo mas cumprir pontualmente as suas dívidas com

o recurso ao crédito. A cessação de pagamentos é que dará lugar à falência –

artigo 8º do código de falências. Interessa é a pontualidade dos pagamentos, pois

se os comerciantes pagam aos credores com o dinheiro dos devedores se um

comerciante cessa o pagamento pode alastrar esse não pagamento aos seus

credores.

Insolvência: insuficiência do activo patrimonial para cobrir o passivo,

tratando-se de uma situação privativa dos não comerciantes.

Efeitos da falência e da insolvência:

A falência e a insolvência implicam uma apreensão judicial dos bens do

falido e do insolvente a que se chama massa falida ou insolvente e se destina a

satisfazer os credores. A sua administração é entregue a um administrador. O

falido não pode praticar actos patrimoniais que possam prejudicar a massa falida

– artigo 147º código das falências, conservando legitimidade para os negócios

pessoais e para os patrimoniais relativos a bens não apreendidos na massa falida.

Se praticar algum acto, ele não é nulo ou anulável mas ineficaz em relação à

massa falida – artigo 155º do código das falências – os negócios conservam-se

válidos, podendo produzir os seus efeitos, quando e onde não prejudiquem a

massa falida. A inibição do falido e do insolvente não é imposta no seu interesse

ao contrário da dos incapazes, mas para a salvaguarda dos credores.

Consequência sobre os actos:

Page 47: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

47

No período anterior à declaração de falência há propensão para o devedor

tomar medidas altamente prejudiciais para a massa dos credores, delapidar o seu

activo ou beneficiando uns credores em detrimento de outros. Assim são

resolúveis em benefício da massa:

a) Actos celebrados por titulo gratuito que diminuam o património do

devedor nos dois anos anteriores à sentença declaratória de

falência;

b) Quanto aos negócios onerosos é aplicada a impugnação pauliana –

artigo 610º, já que se tem que proteger os interesses de terceiros de

boa fé.

Aqui não se trata de uma verdadeira incapacidade, já que não é a qualidade do

sujeito em si mesmo que está em causa. Trata-se de um ilegitimidade, é um modo

de ser para com os outros, já que supõe uma relação entre o sujeito e o conteúdo

do acto.

Nacionalidade:

Definição: é um vínculo jurídico político que liga certas pessoas ao Estado

Português por oposição aos estrangeiros e apátridas.

O artigo 14 do cc vem equiparar os estrangeiros aos nacionais quanto ao

direito civil, salvo disposição legal em contrário. Tal como o faz o artigo 15º da

CRP.

Vamos encontrar excepções quanto à capacidade de gozo no artigo 33º da

CRP que prevê a extradição que não é admitida em relação aos portugueses.

Também as quotas de 40% de trabalhadores nacionais vem limitar a capacidade

dos estrangeiros. Essa equiparação não obsta a aplicação no direito civil das

regras de direito internacional privado.

Domicilio:

a) Importância da noção: trata-se de uma noção relevante de forma a

fazer o ponto de conexão entre a pessoa e um determinado lugar, nos

casos de: 1- o tribunal competente para quaisquer acções, salvo

disposição especial é o do domicilio do réu; 2- as obrigações

pecuniárias deverão ser efectuadas no domicilio do credor; 3- a

sucessão por morte abre-se no lugar do ultimo domicilio do seu auto; 4-

ai deverão ser praticadas diligências ou efectuadas comunicações

dirigidas a dar conhecimento a uma pessoa de um facto, quando esse

conhecimento é pressuposto de produção de efeitos jurídicos.

b) Noção: a. Domicilio voluntário geral: lugar da residência habitual – artigo

82º;

Page 48: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

48

b. Paradeiro: local onde a pessoa se encontra em cada momento –

artigo 225º;

c. Residência ocasional: lugar onde a pessoa vive temporariamente

ou acidentalmente. Ela não faz surgir um domicílio, embora, na

falta do mesmo, funcione como seu equivalente – artigo 82º/2.

Uma pessoa pode ter dois ou mais domicílios se tiver duas ou mais

residências habituais, por exemplo alguém que passa alternadamente uma

semana na sua casa da Régua e uma semana na sua casa em Vila do Conde). Mas

se uma pessoa passar algumas semanas numa casa arrendada não passa a ter aí

um segundo domicilio.

O estabelecimento do domicílio resulta de um acto voluntário, pelo facto de aí

se residir habitualmente ou de aí se exercer uma profissão. Não é, no entanto, um

negócio jurídico, mas um simples acto jurídico: os efeitos jurídicos realizam-se

por força da lei mesmo que as pessoas os não quisessem.

A lei prevê ainda um domicílio profissional que se localiza onde a profissão é

exercida – artigo 83º e um domicílio electivo que é estipulado por escrito para

determinados negócios – artigo 84º (reveste-se de um negocio jurídico).

O nosso direito conhece alguns casos de domicilio legal, ou seja,

independentemente da vontade: 1- domicilio dos menores e interditos – artigo

85º (embora não refira inabilitados, quando estes têm todo o seu património

entregue à administração do curador, ou seja, sujeito ao instituto da representação

aplicar-se-á este artigo ex vi – artigo 156º); 2- empregados públicos – artigo 87º;

3- agentes diplomáticos portugueses – artigo 88º.

Ausência:

Noção: desaparecimento sem notícias, ou seja, sem que da pessoa se saiba

parte – artigo 89º/1. As medidas que se poderão tomar:

a) Curadoria provisória;

b) Curadoria definitiva;

c) Morte presumida.

Estas têm a ver com a maior ou menor probabilidade de regresso do ausente.

Nenhuma delas está dependente das anteriores para a sua instauração judicial,

podendo-se desde logo recorrer à morte presumida independentemente de antes

se ter instaurado a curadoria definitiva. Visam sobretudo evitar os prejuízos

decorrentes da falta de administração dos bens da pessoa ausente.

Medidas Legais:

a) Curadoria provisória:

a. Pressupostos: 1- desaparecimento de alguém sem noticias 2-

necessidade de prover acerca da administração dos seus bens 3-

falta de representante legal ou procurador artigo 89º/1.

Page 49: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

49

Mesmo que haja representantes, a curadoria provisória será estabelecida se

este não exercer as suas funções, por não poder, quer por não querer artigo

89º/2.

Aqui a presunção é a de possível regresso do ausente daí que o Ministério

Público ou qualquer interessado tenha legitimidade para a requerer artigo 91º.

O artigo 92 mostra quem deverá ser escolhido para curador. Dos bens será

prestada caução artigo 93º. Como é visível pelo artigo 94º o curador funciona

como simples administrador – o artigo 98º estabelece os casos do termo da

curadoria.

b) Curadoria definitiva:

a. Pressupostos: dois anos sem se saber do ausente ou cinco anos se

ele tiver deixado representante legal ou procurador artigo 99º.

Aqui a probabilidade do não regresso é maior daí que a

legitimidade para a requerer seja mais reduzida como se denota

pelos artigos 99º e 100º. Após a justificação da ausência, procede-

se à abertura de testamentos artigo 101º, à partilha e entrega dos

bens aos legatários e herdeiros que são arguidos como curadores

definitivos – artigo 104º. A curadoria definitiva termina nos casos

previstos no artigo 118º.

c) Morte presumida:

a. Pressupostos: dez anos sobre a data das últimas noticias ou cinco

anos se o ausente tiver completado 80 anos de idade, os

interessados para o efeito do requerimento da curadoria definitiva

têm legitimidade para pedirem a declaração de morte presumida

artigo 114º. Mas, se a pessoa for menor são necessários cinco anos

sobre a data em que completaria a maioridade se fosse vivo

artigo 114º/2.

Aqui, como é alta a probabilidade de morte física do ausente, o artigo 115º

estatui que a sua declaração produz os mesmos efeitos do que a morte. No

entanto há atenuantes. O casamento não cessa ipso facto, no entanto o cônjuge do

ausente pode contrair novo casamento sem necessidade de recorrer ao divórcio

artigos 115º e 116º. Se o ausente regressar, e como a bigamia é proibida,

considera-se o primeiro casamento dissolvido por divórcio. Caso o ausente

regresse aplica-se o artigo 119º.

Os direitos de Personalidade:

GENERALIDADES:

A personalidade humana surge como objecto de direitos e deveres. Os

direitos de Personalidade tratam-se de direitos absolutos que incidem sobre os

vários modos de ser físicos ou morais da sua personalidade.

Tratam-se de direitos:

a) Gerais: todas as pessoas deles gozam;

b) Subjectivos: dizem respeito à pessoa humana;

Page 50: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

50

c) Absolutos: impõe-se a todos, ou seja, são oponíveis erga omnes em

duas vertentes:

a. Vertente passiva: poder de exigir aos demais sujeitos o

respeito pelos seus direitos de personalidade. Trata-se de um

non facere, ou seja, de uma abstenção por parte dos demais

sujeitos (dever geral de abstenção);

b. Vertente activa: poder de exigir em certas circunstâncias um

comportamento positivo dos demais sujeitos, um facere, ou

seja, a obrigação da prática de certos actos que salvaguardam a

personalidade desse sujeito. Sobretudo no que diz respeito ao

direito à vida quando esta está em perigo, sem, no entanto,

utilizar meios que vão ferir a personalidade física da pessoa em

risco ou lesem a sua dignidade humana. Diferentemente dos

direitos reais, que embora absolutos, apenas implicam a vertente

passiva.

d) Intransmissíveis: estes direitos dizem respeito ao ser do seu titular.

Qualquer negócio de cedência, alienação, oneração, etc, será contrária

à ordem pública. No que diz respeito à sua sucessão mortis causa esta

só parece existir para os direitos especiais de personalidade com um

regime muito especial.

e) Relativamente indisponíveis: eles estão fora do comércio jurídico.

No entanto, tal não impede que na esfera pessoal do indivíduo se

verifiquem mutações juridicamente tuteladas que derivam do seu poder

de auto-determinação. Poderão ainda haver limitações lícitas ao

exercício dos direitos de personalidade como estipula o artigo 81º,

sendo necessário que esta limitação seja: voluntária, não contrária aos

princípios da ordem pública. Mas mesmo lícitos são sempre

revogáveis, se bem com a obrigação de indemnizar os prejuízos

causados às legítimas expectativas da outra parte – artigo 81º/2. Sendo

que o critério utilizado para aferir dessas legítimas expectativas seja o

do bónus pater famílias (exemplo, um lutador de boxe que abandona

um combate terá que indemnizar o empresário dos prejuízos causados

à razoável confiança que este tenha depositado na continuação do

consentimento.

f) Perenidade e imprescritibilidade: não são vitalícios mas perpétuos já

que gozam de protecção mesmo depois da morte – artigo 71º/1.

Também não se extinguem pelo facto de não serem utilizados.

g) Extra-patrimoniais: se concluir-mos que os direitos patrimoniais são

todos aqueles que são possíveis de serem avaliados em dinheiro, estes

não se encontram nessa categoria.

h) Carácter originário ou inato: decorrem do mero reconhecimento da

personalidade jurídica, não sendo necessário um pressuposto ulterior

para a sua existência.

A questão doutrinal que se coloca é a de saber se o nosso sistema jurídico

(constante nos artigos 70º e ss) tem apenas um direito geral de personalidade;

Page 51: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

51

apenas direitos especiais de personalidade; ou existirão conjuntamente um direito

geral de personalidade a par de direitos especiais de personalidade (posição

adoptada por R. Capelo de Sousa) que nos parece ser também a posição do nosso

código consagrando no artigo 70º uma tutela geral da personalidade contraposta à

dos artigos 72º a 80º que consagram bens especiais da personalidade.

O direito Geral de Personalidade: de facto, no artigo 70º fala-se de uma

tutela geral da personalidade contraposta aos artigos 72º a 80º que consagram

bens especiais da personalidade. Ainda a palavra “qualquer” do artigo 70º/1

numa interpretação literal implica a defesa desse direito geral de personalidade

(DGP).

Se não se defendesse a existência deste DGP, não se compreenderia como é

que do artigo 70º se retirariam direitos especiais de personalidade (exemplo,

direito à integridade física ou mesmo direito à vida). Estes ficariam, em última

análise, ao arbítrio do próprio interprete. Assim desse DGP se desentranham

diversos direitos especiais de personalidade.

No entanto, nem todos os aspectos da personalidade humana são protegidos,

apenas a personalidade humana juscivilisticamente tutelada, isto é, aquela

personalidade que pode ser considerada como bem jurídico, como objecto da

relação jurídica. Assim, encontramos limites ao DGP que fazem com que este

mesmo não seja determinado:

1- A própria natureza do bem da personalidade: cada pessoa tem a sua

própria personalidade. Temos, então, que considerar três aspectos:

a) Essencialidade: aquilo que é comum a todos os homens (ex. dignidade

da pessoa humana);

b) Individualidade: algo que torna cada ser humano único e irrepetível

com características próprias que particularizam o ser do ponto de vista genético

e de adequação ao meio, tornando-o capaz de ser identificado e não confundido

com quaisquer outro seres (exemplo, impressões digitais, características de

inteligência, físico, intelecto);

c) Pessoalidade: traduz a relação de cada homem com aspectos do mundo

exterior nos quais é projectada a personalidade (exemplo, numa obra artística

em que o autor espelha a sua concepção da vida, do mundo, ou expressa o seu

estilo a ponto dessa obra ser identificada – daí a existência de um direito

material e moral de autor).

2- O direito geral de personalidade de determinada pessoa “acaba quando

começa o de outra”. Ele é constituído pelos DGP das outras pessoas. Isto

porque vivemos em comunidade onde há uma limitação de recursos.

3- A ponderação de bens, onde encontramos causas de justificação da

ilicitude, caso da legítima defesa.

Ainda no que diz respeito à colisão de direitos, consagrada no artigo 335º,

neste caso os titulares de direitos deverão ceder na medida do necessário para que

Page 52: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

52

todos produzam os seus efeitos sem detrimento para qualquer das partes (335º/1).

No caso do DGP colidir com um direito desigual deverá prevalecer aquele que se

considere superior (335º/2);

4- Haverá apenas responsabilidade civil nos casos de danos não

patrimoniais gravosos (496º/1);

Conteúdo do DGP: ele abrange a unidade e a globalidade da personalidade.

Algo que deve ser sistematizado:

A) Relação do homem consigo próprio:

1- Vida humana: sem dúvida que está abrangida pelo artigo 70º e deve ser

tomada na sua plenitude não havendo quaisquer direito do titular eliminar a

sua própria vida (o suicídio é proibido em Portugal), sendo também

irrelevante o consentimento do ofendido a esse respeito (a eutanásia também

é proibida). A vida humana não pode ser comparada ou ponderada com a vida

de outrem e nem mesmo com uma pluralidade de vidas humanas, daí que não

seja licito o sacrifício de uma vida humana para salvar outras. Uma vida

humana tem o mesmo valor que 5 ou 10. A única excepção admitida é a da

legítima defesa. Com base no artigo 24º da CRP parece inegável a existência

de vida humana no nascituro. No entanto, não só a nível Constitucional mas

também a nível civil o nascituro será para todos os efeitos um indivíduo nos

termos do artigo 70º/1. Sendo ilícito e indemnizável o aniquilamento da sua

vida. Seria aliás, muito estranho só atribuir essa indemnização caso ele

nascesse com vida pois, estaríamos a premiar o assassino mais eficaz. O

artigo 496º vem dar direito à requisição da indemnização por parte dos

legitimados no artigo. Coloca-se, então a questão: a que titulo se transmite a

indemnização?

Vaz Serra: diz que se transmite por sucessão aos previstos no artigo

496º/2;

Galvão Teles: transmite-se por sucessão mas aos sucessores em geral do

falecido de acordo com o artigo 2133º;

Antunes Varela:a indemnização cabe por direito próprio aos familiares

referidos no artigo 496º/2, devido à proximidade efectiva que existe

relativamente a estes familiares. Parece-nos a melhor solução sobretudo:

o Aos trabalhos preparatórios que são da

responsabilidade de Vaz Serra em que esteve prevista

a aquisição por direito sucessório, que foi

abandonada no texto definitivo;

o Enquadramento sistemático do artigo 496º que cabe

ao regime da responsabilidade e não da sucessão;

o No artigo 496º/2 emprega-se o termo “cabe” que dá a

ideia de uma devolução imediata, de uma

Page 53: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

53

transferência por direito próprio. Na sucessão estas

expressões não se empregam.

Esta teoria tem a grande vantagem de não haver uma subtracção do montante

da indemnização à responsabilidade por dívidas de herança. Se a aquisição se

desse por direito sucessório essa indemnização juntar-se-ia a à herança e também

ela às dividas deixadas pela herança.

Durante algum tempo pensava-se que o dano da perda da vida, sendo esta não

patrimonial, não deveria ser indemnizável. O que seria indemnizável seriam os

danos patrimoniais e pessoais sofridos pelos familiares do falecido. Atente-se que

estes também são indemnizáveis – 483º. ( a indemnizabilidade dos danos não

patrimoniais resulta do artigo 496º/1, tendo estes que ser graves (algo medido por

padrões objectivos em face das circunstancias entre os quais figura o dano da

morte4)

2- Corpo: 4 elementos: a) Somático: conjunto organizado e lógico que incorpora várias funções do

homem e a sua constituição;

b) Psique: mecanismos neuro-psíquicos;

c) Saúde: estado de equilíbrio entre estes dois elementos (exterior e interior);

d) Autodeterminação corporal: capacidade de qualquer ser humano ser

livre em relação ao seu próprio corpo. Existem, no entanto, algumas

limitações: 1- elementos que sejam regeneráveis e não insubstituíveis

poderão ser alvo de doação5 mortis causa. Quando a transferência é feita

em vida terá de ser gratuita, já que a venda vai contra os bons costumes e

a ordem pública. 2- No que diz respeito às intervenções médicas temos

que distinguir entre diferentes tipos de intervenção:

a. Feitas em beneficio do próprio titular: há a obrigatoriedade de

consentimento que tem que ser pedido pelo médico, nos termos do

artigo 340º. O médico deverá elucidar acerca das consequências da

intervenção e dos seus riscos. Dever de esclarecimento que é maior

nas intervenções estéticas. O consentimento não será válido no caso

de grande desproporção entre o benefício e os riscos da

intervenção. Nesse caso haverá ofensa aos bons costumes

340º/2;

b. Quando se trata de uma situação de urgência: numa intervenção

em benefício do próprio titular, presume-se que o consentimento é

dado nos termos do artigo 340º/3;

c. Feitas em beneficio alheio ou em beneficio geral: nestes casos a

presunção de consentimento não é aplicada. Terá de haver sempre

consentimento do lesado (exemplo, daí serem ilícitos testes com

novos fármacos não aprovados pelo INFARMED, sem autorização

do próprio e com a devida informação acerca dos riscos);

4 São indemnizáveis quer os danos presentes, quer os futuros, quer os emergentes quer os cessantes;

5 Sémen, leite materno, sangue, etc.

Page 54: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

54

3- O espírito e os seus sistemas fundamentais:

a) Estrutura sentimental: ela é criada pelo próprio homem, pela sua

experiência humana em sociedade. Ela pode ser alterada através de uma

situação externa (tortura, sequestro violento e continuado, etc).Nestes

casos não se viola apenas os sentimentos, algo que não seria juridicamente

tutelado, mas toda a estrutura sentimental.

b) Inteligência: faz parte da nossa personalidade e poderão existir ataques a

ela (através de uma composição química) que alteraria a própria estrutura

da nossa inteligência.

c) Estrutura da vontade: esta pode também ser violentada através de

coacção grave.

4- A capacidade criadora e as respectivas criações: formada por todos os

aspectos referentes ao espírito e ainda capacidades físicas (exemplo, as mãos

de um escultor). Esse poder de criação, bem como as próprias criações são

protegidas pelo DGP.

B) Relação do homem com o mundo: o ser humano não subsiste por si

próprio, isolado, como se vivesse numa redoma6. Ele está em relação

directa com o seu meio e com as outras pessoas que fazem parte desse

meio. Daí que haja um conjunto de relações de personalidade na relação

do “eu” com o Mundo.

1- Identidade: a cada ser humano deve-se atribuir os factos que praticou e não

suprimir factos praticados ou atribuir-lhe acções que não praticou, ou seja, a

violação pode ser feita por excesso ou por defeito. Na identidade há ainda um

direito à imagem, à determinação da aparência externa e também à história

penal.

2- Igualdade: há uma dignidade humana que é igual para todas as pessoas, uma

igualdade natural, que tem a ver com o facto de sermos homens;

3- Existência: inserção do ser humano na realidade físico e ambiental do Mundo

(exemplo, casos de violação deste direito poderão ser o da coincineradora em

Souselas ou do Urânio empobrecido nos Balcãs;

4- Segurança: bem necessário ao ser humano para viver. Não só uma segurança

física (que pode ser garantida pelas forças estaduais) como psicológica

(ninguém pode ser vitima de assédio sexual);

5- Liberdade: quer num sentido negativo (ninguém ser obrigado por outrem a

adoptar ou não determinado comportamento); quer num sentido positivo

(direito a fazer empreender tudo o que não é vedado pela lei, bons costumes

ou pela ordem pública;

Podemos afirmar que há um direito geral de liberdade, cada ser humano tem o

direito a escolher os seus próprios fins e a escolher os meios para os alcançar. É

possível encarar a liberdade sob varias perspectivas:

Física: uma liberdade de movimentos, uma liberdade sexual;

6 Redoma: s.f. resguardo de vidro.

Page 55: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

55

Moral: entre as quais se inclui a liberdade de estado civil, religioso, e dentro

destes solteiro ou casado. Também a liberdade de expressão , de consciência, de

opção religiosa;

Social: a liberdade de imprensa, de associação, de reunião e de escolha de

profissão ou actividade;

Juridica: liberdade de celebrar ou não actos jurídicos, liberdade de escolha de

vários tipos;

6- Honra: aparece referida, de forma expressa, em algumas disposições do

código civil artigos 79º/3 e 484º.

Trata-se de projecção social das qualidades morais do indivíduo, como se

espelho se tratasse. É diferente do sentimento de honra próprio que não tem na

comunidade grande expressão. Trata-se sim da imagem que adquirimos pelos

nossos méritos e desméritos. Esta é formada por quatro elementos:

01- Dignidade humana: é a honra propriamente dita, que não varia com o

estatuto da pessoa, pois está ligada directamente à dignidade humana ,

exemplo: honestidade.

02- Bom-nome: prestigio da pessoa no plano profissional.

03- Crédito: prestigio económico de uma pessoa, qualidades de

honestidade, rectidão, prudência e diligência que geram a confiança

financeira.

04- Decoro: adequação do comportamento pessoal aos padrões de

comportamento social (ex. nudismo).

7- Reserva do ser pessoal: algo que a pessoa deseja manter para si (ex.

ferimentos e manchas que a pessoa não quer exibir, não podendo ser

revelados). Engloba ainda o direito de estar sozinho, de negar quaisquer

auxílios.

8- Reserva da vida privada: engloba os aspectos gerais da vida familiar

doméstica, económica, financeira (exemplo, sigilo bancário).

9- Desenvolvimento da Personalidade: implica a auto-determinação cognitiva,

desenvolvimento biológico.

Os meios de tutela do direito geral de personalidade: segundo o artigo

70º/2 dá lugar:

a) Responsabilidade civil que tem um carácter indemnizatório

(podendo ser uma restituição natural ou uma indemnização em

dinheiro)

b) Medidas preventivas com vista a evitar a consumação da ameaça

ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.

Tutela da Personalidade dos concebidos e das pessoas falecidas:

Esta tem lugar com fundamento na protecção da vida, da integridade física e

da honra.

Page 56: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

56

O artigo 71º mostra-nos que os direitos de personalidade são protegidos para

além da morte do seu titular. O doutor Mota Pinto defende que o artigo 71/1 tem

uma formulação infeliz pois é da opinião que a tutela incide sob os direitos ou

interesses mencionados no 71/2 e não sobre os direitos do defunto, defende uma

articulação com o 68º que estatui que a personalidade cessa com a morte.

O doutor Capelo de Sousa discorda desta posição já que defende que uma

coisa é a ofensa às pessoas mencionadas no 71/2 e outra coisa é a ofensa à

própria pessoa falecida. Até porque esta poderá não ter quaisquer herdeiros.

Todos os mencionados no artigo 71/2 têm legitimidade visto que existe uma

sucessão de direitos pessoais, mas o que se quer tutelar são os direitos de

personalidade do falecido.

Os direitos especiais de Personalidade:

a) Direito ao nome: previsto no artigo 72º. No caso de duas pessoas terem o

nome total ou parcialmente idêntico, o seu titular não pode usa-lo com o

propósito de prejudicar os interesses de outro. Estatui o artigo 72/2 que nestes

casos o tribunal decretará as providencias que melhor concilem os interesses em

conflito de acordo com os juízos de equidade.

b) Direito ao pseudónimo: é também garantido por meio do artigo 74º. A sua

protecção depende da notoriedade que tenha. É diferente da alcunha atribuída por

terceiros; do nome artístico; do nome próprio completo ou abreviado , iniciais,

etc.

c) Reserva e resguardo de escritos: no que diz respeito a cartas – missivas

confidenciais o destinatário deverá guardar reserva no que respeita ao conteúdo

das mesmas artigo 75º/1. Morto o destinatário pode ser ordenada a restituição

ou destruição da carta artigo 75º/2 - no que respeita à sua publicação esta está

sujeita ao consentimento do seu autor – 76º. É garantida ainda a

confidencialidade das memórias familiares e de outros escritos confidenciais

77º. No que concerne a cartas missivas não confidenciais, consagradas no

artigo 78º que dizem respeito apenas ás que têm um destinatário concreto (não se

aplicando às cartas abertas, que não têm um destinatário concreto), aqui a reserva

não é tão grande, deve-se apenas respeitar o autor da carta, o conteúdo e a

natureza da carta;

d)Direito à imagem: está no artigo 79º. Estipula que é necessário o

consentimento da pessoa para que o seu retracto possa ser publicado (79º/1 e 2)

desse mesmo artigo consagra as excepções à necessidade de consentimento da

pessoa, o nº3 por seu lado é encarado como uma excepção à excepção: o retrato

não poderá ser publicitado se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação

ou decoro da pessoa retratada.

e)Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada: consagrada no

artigo 80º. No entanto, a extensão de reserva é definida de acordo com o caso

Page 57: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

57

concreto e a condição das pessoas7, direito a uma esfera de segredo ou na

formula Inglesa “right to be alone”. Existem outros direitos especiais de

personalidade previstos expressamente na lei, caso do direito moral de autor

consagrado no código de direitos de autor e conexos.

Articulações entre o direito geral de personalidade e os direitos especiais

de personalidade:

Eles estão numa relação de lei geral (DGP) que prevê um conjunto de

situações que são o regime regra e lei especial (direitos especiais – vigoram

apenas para um numero determinado de casos que não se opõem ao regime

regra). Isto importa algumas consequências: o direito geral de personalidade

aplica-se sempre ás relações de personalidade em que haja disposição especial.

Diferentemente as normas respeitantes aos direitos especiais aplicam-se apenas

relativamente às relações de personalidade especifica. Assim, se nos direitos

especiais não estiver prevista qualquer sanção se aplica o artigo 70/2, ou seja, o

regime do DGP aplica-se subsidiariamente.

Limitações voluntárias dos direitos de personalidade:

Estão previstas no artigo 81º. Trata-se de situações em que através de

determinados actos (ex. consentimento) ou determinados negócios jurídicos

voluntariamente aceites pelo titular dos direitos, esses mesmos direitos são

limitados. Isto apenas é possível quando estes actos ou negócios não contrariem

os princípios da ordem pública (ex. um contrato de prostituição) não será

admissível já que contraria a ordem pública, uma vez que um acto sexual não

deve ser vendável, mas sim um acto de amor (…), já um contrato de pugilismo

desde que siga as regras da modalidade é admissível, sendo no entanto contrário

à ordem pública se um dos lutadores é contratado já para perder.

No entanto, mesmo quando está de acordo com a ordem pública, essa

limitação é sempre revogável artigo 81º/2. Há, porém, uma obrigação de

indemnizar a outra parte. Só que esta indemnização não é igual à de indemnizar

em termos gerais (que segundo o artigo 483º/1 prevê a indemnização de todos os

danos resultantes da violação). Aqui não são todos os danos, mas apenas os

correspondentes às legítimas expectativas da outra parte, utilizando-se o conceito

do bónus pater famílias (exemplo, se antes do combate o lutador tem dores

reumáticas, neste caso o empresário não pode esperar que ele combata, como tal

se houver menos assistência, o prejuízo é apenas imputável ao empresário, no

entanto, se o lutador pudesse realizar o combate e por falta de coragem não

quisesse combater aí já haverá lugar a indemnização, que deverá comportar uma

parte significativa do prejuízo, embora não todo).

7 Mesmo o vedetismo ou celebridade não exclui a discrição, ou seja, o direito de fixar os limites do que

pode e não pode ser publicado. A complacência com a publicidade não significa uma renúncia à esfera de

intimidade, embora, embora é sempre uma renuncia a uma esfera tão extensa como de outros cidadãos.

Page 58: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

58

Assim, e desde que não violem a ordem pública, todos os direitos podem ser

agredidos desde que haja o consentimento do lesado com excepção do direito à

vida.

Existem três modalidades do consentimento para a limitação voluntária dos

direitos de personalidade:

a)Vinculante: atribui-se ao lesante um verdadeiro direito de agressão, de tal

modo, que uma revogação, sempre possível, implica o incumprimento do

contrato. Assim, o consentimento vinculante é o resultado de um negócio jurídico

e a outra parte fica com um verdadeiro direito de agressão (exemplo, combate de

boxe);

b)Autorizante: aqui não há um vínculo jurídico, há apenas um poder factico

de agressão que é revogável a todo tempo, tendo como consequência a

indemnização das legítimas expectativas que foram frustradas – art. 81º/2 (ex.

doação de um rim);

c) Tolerante: este não atribui sequer um poder de agressão, mas constitui

uma simples causa de justificação desta. Um dos consentimentos tolerantes é o

consentimento presumível 340º/3.

Vejamos sistematicamente:

Quando se tratam de intervenções cirúrgicas, feitas em benefício próprio,

estes deverão ser os critérios que presidem ao consentimento:

a)Esclarecimento do diagnostico da doença;

b)Esclarecimento das consequências imediatas da intervenção cirúrgica;

a) Baseiam-se num negócio jurídico

lateral ou contrato;

b)Têm um carácter constitutivo: com a

celebração de um vinculo jurídico

(vinculante) ou compromisso jurídico

sui generis (autorizante);

c)Limitados pelo 81º/1.

a) Baseiam-se num simples acto

jurídico lateral;

b)Têm um carácter integrativo;

c)Tem de ser prestado antes da lesão;

d)Torna licito o acto do lesante com

excepção do 340º/2

Consentimento vinculante / autorizante:

Consentimento tolerante:

Page 59: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

59

c)Narrar os riscos típicos das intervenções desse tipo;

d)Terá que descrever um possível efeito letal, algo que depende da

personalidade do doente, visto que se existissem riscos quase improváveis estes

podiam fazer recuar um paciente mais receoso.

Note-se que quando o consentimento do lesado é nulo ou ilegal, tal não faz

com que o acto violador do direito deixe de ser ilícito e como tal não isenta o seu

autor da obrigação de indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

Todavia poder-se-á muitas vezes invocar o artigo 570º (influencia da culpa do

lesado sobre o valor da indemnização, podendo esta ser diminuída ou mesmo

excluída, o que por si não exclui a responsabilidade criminal.

↔ 2ºSEMESTRE

As pessoas colectivas:

1- Conceito e elementos constitutivos

Noção: são as organizações constituídas por uma colectividade de pessoas

ou por uma massa de bens que visam a satisfação de interesses comuns ou

colectivos às quais a ordem jurídica atribui a personalidade jurídica.

Importa o facto da personalidade jurídica, visto existirem outros

agrupamentos que realizam determinados fins mas que não têm personalidade

jurídica e como tal, não são pessoas colectivas.

Podem ser organizações constituídas por uma colectividade de pessoas

Corporações (Associações e Sociedades) ou por uma massa de bens

(Fundações).

Visam interesses comuns ou colectivos que digam respeito a uma pluralidade

de pessoas e geralmente têm carácter duradouro.

Elementos constitutivos: segundo a análise de Manuel de Andrade a PC

tem dois elementos constitutivos: o substrato e o reconhecimento:

a) Substrato: é o elemento extra – jurídico, a materialidade de um

conjunto de pressupostos de facto que servem de base ao

reconhecimento da qualidade de sujeito jurídico. Se estes pressupostos

não existirem não haverá lugar à Personalidade Jurídica. Ele é o

elemento material, vejamos os seus sub-elementos:

a. Elemento pessoal ou patrimonial: será mais correcto referirmos

elemento pessoal e , ou patrimonial visto que todas as pc têm uma

actividade humana, mas detêm também um acervo de bens. Há,

assim, elementos pessoais e patrimoniais. No entanto, podemo-nos

referir ao predomínio de um dos elementos. Elemento pessoal

verifica-se na corporação e é a colectividade de indivíduos,

humanos ou pessoas singulares / agrupadas através de actividades

Page 60: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

60

pessoais e meios materiais para a realização de um fim comum;

elemento patrimonial verifica-se nas fundações e é a massa de

bens ou dotação que o fundador afectou à realização de

determinados fins;

b. Elemento teleológico: trata-se da finalidade prosseguida pela pc,

ou seja, o fim ou causa determinante da formação da colectividade

social ou da dotação fundacional. O fim visado pela pc tem que

satisfazer os seguintes requisitos: 1- deve preencher os requisitos

gerais do objecto de qualquer negócio jurídico: artigo 280º, por

força do 158º - A; 2 – a finalidade deve ser comum ou colectiva.

Esta realidade é notória na nulidade do chamado pacto leonino –

artigo 994º, também na proibição de fundações dirigidas a fins

privatisticos ou egoísticos do fundador ou da sua família como

resulta do 188º/1; 3- pode ter uma finalidade “duradoura ou

transitória” (veja – se o caso da sociedades comerciais que podem

ter por objecto a pratica de um acto de comércio – artigo 14º CSC;

c. Elemento intencional: trata-se da vontade de constituir uma nova

pessoa jurídica – animus personificandi, distinta dos associados, do

fundador ou dos beneficiários 1 – por falta deste elemento não

têm personalidade jurídica as chamadas comissões especiais

(exemplo, para uma viagem de curso) 199º e ss. As mesmas

disposições são aplicáveis aos chamados patrimónios de oblação

fundos para fins de beneficência e outros; 2 – falta também o

elemento intencional nas fundações de facto: massas patrimoniais

não destacadas do património do instituidor que mantem uma obra

social, mas que pode em qualquer momento pôr termo a essa

afectação de bens. Também nas fundações fiduciárias: liberalidades

concedidas a favor de uma: pc já existente para que ela prossiga um

certo fim de utilidade publica (exemplo, legado a uma câmara

municipal para manter uma biblioteca);

d. Elemento organizatório: conjunto de preceitos disciplinadores das

características e do funcionamento da pessoa colectiva (contidos

nos estatutos ou no acto de constituição ou instituição) e existência

de órgãos (centros institucionalizados de poderes funcionais),

composto por um ou mais indivíduos que exprimem a vontade

imputável à pessoa colectiva ou a executam. Os órgãos podem ser

deliberativos , formam a vontade da pc mas não a manifestam, não

a projectam para o exterior. A sua actividade desenvolve-se apenas

no seu interior são órgãos internos: ex. assembleia geral de

sócios. Executivos: executam a vontade da pc, vão exteriorizar a

vontade da pc são órgãos externos, exemplo, os directores. Dos

órgãos há que distinguir os simples agentes auxiliares (só executam

por incumbência ou sob direcção dos órgãos da pc determinadas

operações materiais que interessam à Pc, exemplo operários. As pc

podem ainda ter mandatários : realizam um ou mais negócios

jurídicos em regime de mandato ou de incumbência dos órgãos.

Page 61: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

61

Exemplo, advogado constituído para um litigio em que a sociedade

seja parte.

b) Reconhecimento: é o elemento de direito que confere personalidade

jurídica ao substrato das corporações ou das fundações. Não basta a

existência de todos aqueles pressupostos, tem de haver um

reconhecimento por parte da ordem jurídica. Modalidades:

a. Normativos: derivado automaticamente da lei ex vi lege – a lei diz

que determinados entes materiais caso preencham determinados

pressupostos jurídicos obtêm personalidade jurídica. Pode ser

incondicionado se a ordem jurídica atribui pj a todo o substrato

completo da pc sem mais exigências. Sistema da livre constituição

das pessoas colectivas (muito raro): condicionado: o

reconhecimento faz-se através do preenchimento de determinados

pressupostos ou requisitos jurídicos que respeitam aos elementos

caracterizadores do substrato e só quando verificados se adquire

automaticamente a personalidade jurídica (o mais usual);

b. Individual ou por concessão: não é de carácter geral e traduz-se

num acto individual e discricionário de uma autoridade pública que

perante cada caso concreto personificará ou não o substrato.

2- Classificação das Pessoas Colectivas:

1- Corporações (associações e sociedades) e Fundações:

a. Corporações: pessoas colectivas em cujo substrato predomina o

elemento pessoal, ou seja, são colectividades de pessoas,

abrangendo as associações e as sociedades. Características:

i. São constituídas e governadas por essa colectividade de

pessoas (associados), que assumem o pacto social através de

escritura notarial. Eles dominam, pelos órgãos a vida e o

destino da corporação;

ii. São susceptíveis de mutação (entra e saída de novos sócios ,

alteração de estatutos);

iii. Visam um fim próprio, comum, aos associados, podendo ser

ou não altruístico;

iv. São governadas pela vontade dos associados, regidas por

uma vontade própria e imanente (vem de dentro) com

órgãos dominantes que podem alterar os próprios estatutos

“são auto-organizações para um interesse próprio” – Manuel

de Andrade.

b. Fundações: pessoas colectivas em cujo substrato predomina o

elemento patrimonial, ou seja, a massa de bens ou dotação de um

fundador ou de uma pluralidade de fundadores, ou da afectação de

fundos obtidos por subscrição publica. Características:

Page 62: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

62

i. São instituídas por acto unilateral do fundador ou

fundadores que afectam uma certa massa uma certa massa

de bens a uma determinada finalidade ou interesse social;

ii. O fundador estabelece no acto de instituição o fim da

fundação, os bens que lhe são destinados e as normas

disciplinadoras da sua vida e destino;

iii. Visam um fim estranho às pessoas que entram na

organização da fundação, fim que é definido pelo seu

fundador, de natureza social e não egoística;

iv. São regidos pela vontade inalterável e transcendente do seu

fundador, que se impõe à vontade dos órgãos servintes da

fundação e ao próprio fundador. Manuel de Andrade chama-

lhes “hetero-organizações para um interesse alheio”.

Pessoas colectivas de direito público e pessoas colectivas de direito

privado:

Pessoas colectivas privadas: corporações ou fundações dotadas de

personalidade jurídica, regidas fundamentalmente por normas de direito privado

e que não disfrutam do ius imperi, não tendo quaisquer poderes de autoridade,

direito de poder público ou função de autoridade Estadual ou autárquica.

a) De utilidade pública: embora se dirigindo à satisfação de um interesse

dos próprios associados ou do fundador o fim a que se propõe é um

interesse público. Aplicam-se-lhes directamente os artigos 157º a 194º.

a. Pessoas colectivas de fim desinteressado ou altruístico: o

interesse a satisfazer é de natureza altruística, ou seja, promovem-

se interesses de outras pessoas ou beneficiários, daí o nome de

associações de beneficência;

b. Pessoas colectivas de fim interessado ou egoístico: o fim visado

interessa de modo egoístico aos próprios associados, mas ao

mesmo tempo interessa à comunidade. Esse fim pode ser de vária

ordem: 1 – de fim ideal: o objectivo egoístico é um interesse de

natureza ideal, ou seja, não económico (ex. desporto, recreio,

instrução,etc); 2- de fim económico não lucrativo, pretende

conseguir certas vantagens patrimoniais para os seus associados

(empréstimos em boas condições, por ex) mas sem uma finalidade

lucrativa, pois não se tratam de lucros para repartir pelos

associados (ex.sindicatos). Ao mesmo tempo que o fim visado por

o 1 e 2 interessa de modo egoístico aos associados, interessa

também a colectividade, daí serem de utilidade pública.

b) De utilidade particular: o seu fim é de mero interesse particular e

como tal têm um fim lucrativo. Falamos, portanto das sociedades:

a. Sociedades comerciais: aquelas que têm por objecto a prática de

um ou mais actos do comércio. Nas sociedades comerciais vigora o

principio da tipicidade ou do numerous clausus:

Page 63: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

63

i. Sociedades em nome colectivo: há uma responsabilidade

pessoal, solidária e ilimitada dos sócios perante os credores

depois de executado o património social;

ii. Sociedades por quotas: só o património social responde

perante os credores pelas dívidas da sociedade, respondendo

os sócios solidariamente, mas apenas pela parte que lhes

cabe do capital social, ou seja, pela sua quota. Daí o cuidado

necessário nos negócios feitos com estas sociedades, já que

cada um só é responsável até ao montante da sua quota. Daí

conterem o nome de limitada para se saber que a

responsabilidade não é total.

iii. Sociedades anónimas: o capital social é dividido por

acções, cada sócio responde para com a sociedade apenas

pelo capital que subscreveu, estando os sócios isentos de

responsabilidade pessoal pelas dívidas da sociedade,

respondendo por elas apenas os bens sociais.

iv. Sociedades em comandita: nelas os sócios comanditados

assumem responsabilidade ilimitada e os sócios

comanditários respondem apenas pela sua entrada no capital

social: Simples não há representação do capital por

acções, aplicando-se subsidiariamente o regime das

sociedades em nome colectivo; Por acções as

participações dos sócios comanditários são representadas

por acções, aplicando-se subsidiariamente o regime das

sociedades anónimas se houver pelo menos 5 sócios

comanditários.

b. Sociedades civis sob forma comercial: têm exclusivamente por

objecto a prática de actos não comerciais, mas que adoptam um dos

tipos de sociedades comerciais para inequivocamente terem

personalidade jurídica.

c. Agrupamentos complementares de empresas: associações de

pessoas singulares ou colectivas que visam aumentar a

rentabilidade das empresas pertencentes às entidades agrupadas,

não visando o lucro do conjunto do agrupamento em si próprio mas

o lucro de cada uma das empresas associadas.

d. Sociedades de direito especial: podem ser de tipo comercial, ex,

sociedade de locação financeira ou de tipo civil, ex, sociedades de

advogados têm um regime especial.

A lei distingue no artigo 157º entre Associações, Fundações e Sociedades, no

artigo 157º e 188º apenas se atribui personalidade jurídica às fundações cujo fim

for de interesse social. Às sociedades não se aplicam directamente as disposições

do capitulo sobre as pessoas colectivas, mas sim as referentes ao contrato de

sociedade 980º ss.

Pessoas colectivas públicas: são dotadas de personalidade jurídica,

regidas fundamentalmente por normas de direito público e que prosseguem

Page 64: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

64

primariamente fins de interesse público e que por isso mesmo disfrutam em

maior ou menor extensão de ius imperi, ou seja, do poder de autoridade pública

ou de direitos de poder público, nomeadamente a possibilidade de por via

normativa ou através de autoridade directa emitir comandos vinculativos

executáveis pela força, sendo caso disso, contra a vontade dos que se lhe

sujeitam. Estas pessoas colectivas detêm privilégios especiais, vejam-se os

artigos 705º/a,b; 738º e 744º. Subordinam-se à jurisdição dos tribunais

administrativos. Têm um regime tributário específico com plenas isenções

fiscais. Têm um regime particular das relações de trabalho.

a) Pessoas colectivas de população e território: estão sujeitas ao seu

poder toda a população de um certo espaço territorial, cujos

interesses cabe a ela promover exemplo, Estado Português, Regiões

autónomas e autarquias locais;

b) Serviços públicos personalizados ou institutos públicos: existem

institutos públicos de tipo fundacional como por exemplo: parque

natural da Peneda Geres e existem institutos públicos de tipo

associativo como por exemplo Universidades públicas;

c) Empresas públicas e nacionalizadas: são expressamente

equiparadas pelo legislador às empresas públicas pelo decreto - lei

nº 260/76 de 8 de Abril, embora em alguns dos seus aspectos sejam

reguladas pelo direito privado;

d) Empresas públicas de regime especial: exploram serviços

públicos, asseguram actividades que interessam fundamentalmente à

defesa nacional ou exercem actividades em regime de monopólio.

Constituição em concreto das pessoas colectivas privadas:

1- Constituição das associações:

a. I-Formação do substracto e II- reconhecimento; há que ter em

conta: a) acto de constituição – 167º/1 ; b) os estatutos – 167º/2. O

acto de constituição em regra, é simultâneo, no plano cronológico,

com os estatutos. Há, no entanto, uma distinção no plano lógico

porque o acto constitutivo tem uma maior importância embora

esteja compreendido nos estatutos. Quanto à forma – o acto

constitutivo, os estatutos e as suas alterações devem constar de

escritura pública – art. 168º/1. Em caso de inobservância desta

exigência a sanção é a nulidade por falta de forma 220º. Além

disso o acto de constituição e os estatutos devem ser publicados no

jornal oficial sob pena de ineficácia em relação a terceiros, cabendo

oficiosamente ao notário remeter o respectivo extracto para

publicação, bem como à autoridade administrativa e ao MP a

constituição e estatutos, bem como as suas alterações – artigo

168º/2 e 3. Quanto ao seu reconhecimento o código de 1966 no seu

artigo 158º, na sua redacção primitiva estabelecia o reconhecimento

por concessão, havendo, assim, um controlo administrativo da

constituição das associações. Vão desaparecer, primeiro o decreto-

lei 594/74 que afirma o direito à livre associação e estabelece o

Page 65: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

65

reconhecimento normativo, depois a CRP de 1976 a afirmar esse

mesmo direito. Hoje o reconhecimento é feito ex lege, é a lei que

atribui directamente a personalidade jurídica, como resulta da

redacção actual do artigo 158. Através da forma há em primeiro

controle da legalidade feito pelo notário (artigo 190º/1/a do código

do notariado) devendo este recusar violações dos artigos 167º e

280º evitando a posterior extinção judicial destas associações. A

sua actuação nada tem de discricionário, devendo apenas respeitar

os requisitos legais.

2- Constituição das Fundações: diferentemente do que acontece com as

associações, nas fundações o reconhecimento é individual ou por

concessão da competência da autoridade administrativa – artigo 158º/2. A

autoridade administrativa tem poderes vinculados à lei, como sejam os da

verificação se o seu fim está de acordo com o artigo 280º. Já serão

discricionários os poderes no que toca ao reconhecimento das fundações

do artigo 188º - a) se o fim da fundação não for considerado de interesse

social o reconhecimento será negado (188/1); b) tal como no caso de

insuficiência do património afectado à fundação (188º/2 e 3). No que diz

respeito à formação do substrato as fundações podem ser instituídas por

acto intervivos ou por testamento – 185º/1. Este acto quando contido num

testamento é livremente revogável até ao momento da morte do testador

(2311) mas torna-se irrevogável quando o testador faleça (185º/4). Ao

contrário, quando a fundação é instituída por acto inter vivos só se torna

irrevogável quando o reconhecimento é requerido ou principia o

reconhecimento oficioso (185º/3). Se os bens destinados à fundação

consistem na totalidade ou numa quota do património do falecido, ou seja,

uma herança são aplicadas as normas da instituição de herdeiro exemplo

artigo 2068º (responsabilidade pelas dividas do falecido), 2301º direito de

acrescer entre herdeiros. Se diversamente se atribuírem à fundação apenas

bens ou valores determinados, ou seja, um legado, aplicam-se as normas

do legado – exemplo, 2277º. Requisitos a observar para se erigir a

fundação:

a. Se os estatutos foram formulados pelo testador, devem os herdeiros

ou executores testamentários requerer o reconhecimento que pode

ser oficiosamente promovido pela autoridade competente (185º/2);

b. Na falta de estatutos lavrados pelo instituidor ou na insuficiência

deles, compete aos executores do testamento elabora-los ou

completa-los, incumbindo a sua elaboração à própria autoridade

competente para o reconhecimento, se os executores os não

lavrarem dentro de um ano posterior à abertura da sucessão (187º);

c. No caso de instituição por acto inter vivos falamos de um negócio

jurídico unilateral de natureza gratuita e não de doação. Até ao

momento em que é requerido o reconhecimento ou principie o

processo oficioso o fundador pode revogar a disposição, a partir daí

Page 66: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

66

não o poderá fazer, como resulta do artigo 185º/3. Se entretanto o

fundador morrer aplicar-se-á o artigo 185º/4.

Quanto à publicidade é aplicável o regime das associações com o artigo

185º/5 a remeter para a parte final do artigo 168º (esta “parte final” é lapso do

legislador já que o artigo antes da sua nova redacção tinha apenas um numero –

os aplicáveis são o nº2 e 3º).

3- Constituição das pessoas colectivas eclesiásticas:

a. Da Igreja Católica:

i. Associações religiosas: têm por fim principal a sustentação

do culto;

ii. Associações não religiosas: criadas no âmbito de uma

confissão religiosa mas têm um fim diferente – para

adquirirem personalidade jurídica basta a participação

escrita feita pelo Bispo da Diocese onde tiverem a sua sede,

ou por seu legitimo representante ao governador civil

competente – 449º e 450º do código administrativo,

concordata lei 4/71;

b. Outras confissões: para adquirirem personalidade jurídica:

i. Associações religiosas: através de acto de registo da

participação escrita da sua constituição – lei 4/71;

ii. Associações não religiosas: é aplicado o regime regra das

pessoas colectivas presente no código civil.

4- Constituição das sociedades: às sociedades não se lhes aplicam

directamente as disposições do capítulo sobre as pessoas colectivas, mas

sim as referentes ao contrato de sociedade 980º seguintes. O

reconhecimento das sociedades comerciais ou civis em forma comercial é

o reconhecimento normativo condicionado através de escritura pública.

Capacidade de gozo8 das pessoas colectivas: enquanto a capacidade de

gozo das pessoas singulares é de carácter geral, a das pessoas colectivas é uma

capacidade jurídica específica artigo 160º. 160º/2- estão excepcionados do

âmbito da capacidade jurídica das pessoas colectivas : a) relações jurídicas

vedadas por lei (ex. capacidade testamentaria activa – 2182º); b) relações

jurídicas inseparáveis da personalidade singular (direitos derivados da vida

humana como casamento ou filiação, por exemplo).

À primeira vista parecia estarem-lhe negados os direitos de personalidade, no

entanto elas podem ser titulares de pelo menos alguns, caso do direito ao nome

artigo 72º, o direito à honra que pode-se desentranhar da tutela geral da

personalidade artigo 70º.

160º/1 resulta do argumento a contrario a exclusão dos direitos e

obrigações que não sejam necessários ou convenientes à prossecução dos seus

fins.

8 (para não esquecer) Aptidão para ser titular de um circulo, com mais ou menos restrições de relações

jurídicas.

Page 67: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

67

O fim estatutário será a medida do âmbito da capacidade, ou seja, serão os

actos necessários, adequados ou convenientes ao fim que está previsto nos seus

estatutos.

Tal restrição não impede que as pessoas colectivas de fim desinteressado ou

fim egoístico ideal possam praticar actos de natureza lucrativa, em ordem a obter

recursos para a prossecução dos seus fins. Isto diz-nos Manuel de Andrade.

Manuel de Andrade, deriva ainda do principio da especialidade a

incapacidade das sociedades comerciais fazerem doações, ainda que essa

proibição não seja total, já que a sociedade pode fazer doações remuneratórias a

empregados e clientes – 941º e pode praticar donativos conformes aos usos

sociais – 940º/2. As pessoas colectivas têm capacidade testamentária passiva

2033º/2/b. Quanto à aceitação de doações podemos aplicar por analogia este

mesmo artigo.

Capacidade para o exercício de direitos das pessoas colectivas: à

primeira vista as pessoas colectivas não têm essa capacidade, pois ela consiste na

aptidão para pôr em movimento a (esfera jurídica) capacidade jurídica por

actividade própria sem necessidade de ser representado ou assistido por outrem.

Ora, as pessoas colectivas só podem agir por intermédio de certas pessoas físicas,

não agindo por si mesmas, estariam, assim, privadas da capacidade para o

exercício de direitos. Isto defendem alguns autores. Outros autores são da opinião

contrária. Isto depende da natureza do vínculo entre a pessoa colectiva e as

pessoas que procedem em seu nome e no seu interesse. Se for um vinculo de

verdadeira organicidade, teremos capacidade para o exercício de direitos, pois a

relação entre um órgão e o ente em que se integra é de verdadeira identificação,

agindo o órgão é a própria PC que age. Se for um nexo de mera representação ,

devemos rejeitar a tese da capacidade para o exercício de direitos pois há

autonomia entre as personalidades jurídica do representante e do representado (é

uma relação intersubjectiva entre 2 sujeitos, contrario da relação orgânica que é

intrasubjectiva).

Devemos seguir o primeiro critério, o de um nexo de verdadeira

organicidade. Vemos isso pelo artigo 162º, mas sobretudo pela responsabilidade

civil extra – contratual da pessoas colectivas. Normalmente não há

responsabilidade civil extracontratual dos representados pelos actos dos seus

representantes o artigo 500º abrange um sector da representação: casos em

que o procurador pode ser considerado um comissário. Isto só acontece quando

está numa relação de dependência com o representado, quando está sujeito a um

seu poder de direcção. Ora, os órgãos não são encarregados de nenhuma

comissão, os órgãos superiores (ex. assembleia geral) não estão numa relação de

dependência, mas são eles os formuladores da vontade da pessoa colectiva. Ora,

o artigo 165º estatui essa responsabilidade civil para as pessoas colectivas, daí

que digamos que as pessoas colectivas tenham capacidade para o exercício de

direitos.

Responsabilidade civil das pessoas colectivas:

Page 68: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

68

1- Responsabilidade contratual: resulta da capacidade da pessoa

colectiva contrair obrigações. Vem enunciada no artigo 165º. As

pessoas colectivas respondem pelos actos dos seus órgãos, agentes ou

mandatários que produzam a violação de uma obrigação em sentido

técnico, remetendo-nos para o 800º. Seria injustificável a exclusão

dessa forma de responsabilidade, sendo prejudicial para a própria

pessoa colectiva visto que ninguém queria contratar com ela. Há resp.

civil nos termos gerais da resp. civil contratual 798º seguintes. Há a

necessidade de culpa do órgão ou agente tanto nos casos de falta de

cumprimento como nos de cumprimento defeituoso 799º/1. Para

existir resp. civil contratual das pessoas colectivas é necessário que o

contrato donde emerge a obrigação infringida tenha sido celebrado por

quem tinha poderes para vincular a pessoa colectiva em causa.

2- Responsabilidade extracontratual: danos causados a terceiros fora

de uma relação contratual entre o lesante e o lesado. Existe

responsabilidade civil por facto ilícito culposo: em que os órgãos

deliberativos violam direitos ou interesses legalmente protegidos de

terceiros provocando-lhes em termos de causalidade adequada danos:

exemplo – deliberação de uma empresa descarregar nas aguas de um

rio poluentes que vão danificar culturas – a pessoa colectiva tem que

indemnizar as pessoas cujos patrimónios danificou nos termos dos

artigos 483º seguintes.

Mas a responsabilidade civil mais comum nas pessoas colectivas é a

responsabilidade civil objectiva ou pelo risco, segundo o principio ubi commoda

ibi incommoda (onde estão as coisas cómodas aí estão as coisas incomodas), ou

seja, a pessoa colectiva emprega determinadas pessoas para vantagem própria,

como tal deve suportar os riscos da sua actividade.

O artigo 165º remete-nos para a responsabilidade dos comitentes por actos

dos seus comissários que consta do artigo 500º.

Pressupostos da responsabilidade civil da pessoa colectiva:

a) Precisa de haver uma comissão, é preciso que a pessoa colectiva tenha

encarregado outra pessoa de uma qualquer comissão. Embora entenda-

se que basta um nexo de vinculação jurídica entre a pessoa colectiva e

o agente (exemplo, contrato de trabalho)500º/1.

b) Precisa que sobre o órgão, agente ou mandatário recaia a obrigação de

indemnizar – artigo 500º/1, ou seja, é preciso que tenha havido culpa

da pessoa física que praticou o acto ilícito, salvo se se tratarem de

matérias em que se responde sem culpa ou ainda no caso excepcional

de responsabilidade por intervenções licitas. Exige-se que o acto tenha

causado danos e que os danos estejam em relação de causalidade

adequada com o acto – 500º/1;

c) É preciso que o acto danoso tenha sido praticado pelo órgão, agente ou

mandatário no exercício da função que lhe foi confiada – 500º/2. Mas

Page 69: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

69

quando podemos considerar um acto como praticado no exercício de

funções?

a. Procedimentos levados a cabo pelo agente na qualidade de

representante da pessoa colectiva;

b. Comportamentos causados pelas funções que lhe foram atribuídas;

c. Actos integrados no quadro geral da competência, ou poderes que

lhe foram confiados, mesmo que praticados tendo em vista

interesses próprios e / ou com a intenção de lesar um terceiro –

500º/2, desde que esses mesmos actos tenham ou objectivos

exclusivamente inerentes aos interesses da pessoa colectiva ou

prossigam simultaneamente interesses pessoais e da pessoa

colectiva.

Há um nexo de instrumentalidade entre o acto e a função e os poderes que o

agente desfruta no exercício da sua competência.

d. Ainda nos casos em que o agente visa apensa interesses pessoais e

integrado formalmente no quadro geral da sua competência se

aproveita de uma aparência social que cria um estado de confiança

(boa-fé) do lesado na licitude do comportamento do agente

teoria da aparência jurídica.

Estaremos no não exercício das funções quando se prosseguem

exclusivamente interesses e objectivos pessoais do agente nexo de mera

ocasionalidade.

O agente, órgão ou mandatário fica também obrigado a indemnizar ao lado da

pessoa colectiva. Mas será uma responsabilidade conjunta? ( a pessoa colectiva

deve 500 por exemplo e o agente, outros, 500) ou solidária? (em que cada um

deve os 1000 e o credor tanto se pode dirigir a um como o outro).Trata-se de

uma obrigação solidária aplicando-se o 497º ex vi do artigo 499º, o que

acontece é que via da regra o lesado recorre à Pessoa Colectiva.

No que respeita a relações internas:

a) A Pessoa Colectiva que tiver satisfeito a indemnização tem direito de

regresso contra o órgão, agente ou mandatário, podendo exigir o reembolso de

tudo o que haja pago, desde que este tenha culpa no plano das relações internas

(exemplo, pode haver externamente mas não internamente como no caso do

motorista que adormece e atropela outra pessoa, mas em que a causa da fadiga se

deve às instruções dadas pela entidade patronal para um trabalho sem o

necessário repouso) 500º/3 (houve culpa da parte do comitente também!);

b) Também o órgão, agente ou mandatário pode exercer acção de regresso

contra a pessoa colectiva se não houve da sua parte qualquer culpa no plano das

relações internas 497º/2;

c) No caso de indefinição da culpa no plano interno é aplicada a parte final

do artigo 497º/2 em que há presunção de igualdade nas culpas.

Page 70: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

70

O Objecto da Relação Jurídica:

Generalidades: o objecto é aquilo sobre que incidem os poderes do titular do

direito, é o “quid” sobre que incidem os poderes do titular activo da relação

jurídica (contrário de conteúdo que é o conjunto de poderes ou faculdades que o

direito subjectivo comporta).

a) Objecto imediato: aquilo que directamente está submetido aos poderes

ideais que integram um direito subjectivo, exemplo é o acto de entrega

da coisa – a prestação;

b) Objecto mediato: aquilo que só de uma forma mediata ou indirecta, isto

é, através de um elemento mediador está submetido aqueles poderes,

exemplo, a própria coisa que deve ser entregue.

Possíveis objectos da relação jurídica: a) A própria pessoa, ou seja, certas manifestações ou modos de ser físicos

ou morais da pessoa, ou seja, iura in se ipsum – direitos sobre a própria

pessoa. Autores criticam do ponto de vista lógico (já que levaria a

distinguir no homem duas pessoas: uma sujeito e outra objecto dos seus

direitos de personalidade) e do ponto de vista moral (legitimaria o

suicídio ou a automutilação) este possível objecto. No entanto a lei

concretiza alguns direitos sobre certos aspectos da personalidade – arts.

70º ss. Também não acontecerá a legitimação do suicídio ou

automutilaçao visto que o artigo 81º diz que toda a limitação voluntária

dos direitos de personalidade é nula se for contraria aos princípios da

ordem pública;

b) A pessoa de outrém – falamos aqui, hoje, não de direitos subjectivos

mas de poderes-deveres (exemplo, o poder paternal e o poder tutelar)

incidem directamente sobre a pessoa do filho ou do pupilo, não são

direitos de domínio ou soberania sobre a pessoa, não ferindo a sua

dignidade, pelo contrário visando o seu beneficio, contrário do que

antigamente se pensava com a escravatura;

c) Coisas:

a. Sentido filosófico: tudo o que pode ser pensado, ainda que não

tenha existência real e presente;

b. Sentido físico: tudo o que tem existência corpórea (quad tanji

potest) ou pelo menos é susceptível de ser captado pelos sentidos;

c. Sentido jurídico: tudo aquilo que pode ser objecto de relações

jurídicas artigo 202º. Esta definição será pouco exacta, o certo é

que têm de apresentar as seguintes características: 1- existência

autónoma ou separada: exemplo, uma casa é uma coisa, não o

sendo cada uma das suas paredes; 2- possibilidade de apropriação

exclusiva por alguém, não sendo coisas os bens que escapam ao

domínio do homem, como por exemplo os planetas ou então por

falta de delimitação ou captura são aproveitados por todos os

homens, como por exemplo a luz; 3- aptidão para satisfazer

Page 71: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

71

interesses ou necessidades humanas daí que uma gota de água ou

um grão de areia não sejam coisas.

Classificação das coisas:

Coisas no comercio e fora do comercio

a) o artigo 202º/2 considera fora do comércio as coisas insusceptíveis de

serem objecto de direitos privados como: a) as coisas que se encontrem

no domínio publico – artigo 84º CRP; b) são por natureza

insusceptíveis de apropriação individual – exemplo ar atmosférico;

b) Coisas corpóreas e incorpóreas:

a. Corpóreas ou materiais: têm existência física, podem ser

apreendidas pelos sentidos, podem ser tocadas, o interesse de saber

se são corpóreas reside no artigo 1302º;

b. Incorpóreas: existem dois tipos:

i. Bens imateriais: podem ser objecto de propriedade

intelectual, exemplo direitos de autor e propriedade

industrial (marcas, patentes) ambos sujeitos a legislação

especial – 1303º;

ii. Direitos enquanto objecto de outros direitos: são também

coisas incorpóreas, exemplo – penhor de direitos e o

trespasse de um estabelecimento comercial ou industrial –

artigo 115º do RAU.

c) Coisas móveis e imóveis: artigo 204º - o código civil enumera um

conjunto de coisas que são taxativamente imóveis e no artigo 205º diz

que as restantes são móveis. (ver a definição de frutos – artigo 212º e

de benfeitorias – artigo 216º)

Património:

Património global: conjunto de relações jurídicas activas e passivas (direitos

e obrigações) avaliáveis em dinheiro de que uma pessoa é titular, ou seja,

relações jurídicas susceptíveis de avaliação pecuniária que pode resultar:

a) Valor de troca: este é alienável mediante uma contraprestação;

b) Valor de uso: o direito embora não permutável proporciona o gozo de um

bem que só se obtém mediante uma despesa (exemplo um bilhete para um

espectáculo).

É esta a noção que se refere o artigo 2030º/2 .

# Contrário – esfera jurídica – totalidade das relações jurídicas de que uma

pessoa é sujeito – património mais direitos e obrigações não avaliáveis em

dinheiro.

Património activo: abrange apenas os direitos patrimoniais ou seja, os

activos que não os deveres e obrigações patrimoniais, chamados passivos. É

Page 72: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

72

esta a noção de património a que o artigo 225º?? Alude quando fala de

fazenda (:..)

Património liquido: trata-se da saldo patrimonial: relações jurídicas activas

ou direitos – relações jurídicas passíveis ou obrigações. (activos – passivos)

Património autónomo: conjunto circunscrito de relações patrimoniais sujeito

a um regime jurídico particular, ou seja, um mesmo sujeito é titular de um

património global e de um património autónomo. Mas qual o critério do

reconhecimento da autonomia ou separação de património? O critério

preferível é o da responsabilidade por dívidas. Património autónomo ou

separado será o que responde por dívidas próprias, isto é só responde e

responde só ele por certas dívidas. Temos então 2 reflexos: a) património

autónomo – só responde por certas dividas e não responde por outras; b) por

aquelas dívidas só o património autónomo responde não afectando o

património geral do seu titular.

O caso mais nítido de património autónomo no direito privado Português é o

da herança – é o conjunto das relações jurídicas patrimoniais que, por força da

morte de um individuo, passam da titularidade deste para os herdeiros e

legatários. Características da plena autonomia patrimonial:

a) Tanto no caso de aceitação a beneficio do inventario (2071º/1) como se no

caso de aceitação pura e simples (2071º2) o herdeiro não responde pelas dividas

da herança para além das forças dos bens herdados, ou seja, não responde ultra

vires hereditatis. Sendo que o ónus da prova de insuficiência do activo

hereditário cabe ao herdeiro e não aos credores na aceitação pura e simples

(2071º/2) e o ónus da prova da existência de mais bens além dos inventariados

cabe aos credores na aceitação a beneficio de inventario (2071º/1) só a

herança responde pelas suas dividas e não os herdeiros;

b) A herança só responde, em principio, pelas dividas da herança e não por

outras dividas (2070º)

Se um bem desse património autónomo se perde, adquirindo-se outro valor,

este valor deve substituir-se ao primeiro bem tomando o seu lugar no património

autónomo, fazendo as suas vezes. A isto se chama sub-rogação real , instituição

da substituição de uma coisa que se perdeu por força de um acto ou facto jurídico

que simultaneamente implicou a aquisição de um valor ou pondo esse novo valor

o lugar do anterior como novo objecto da mesma relação jurídica que já existia.

Patrimónios conjuntos: estamos perante um único património pertencendo a

vários sujeitos:

A) Património colectivo: figura de raiz Germânica, trata-se da

mesma massa patrimonial que pertence em bloco, globalmente,

a um conjunto de pessoas sem possibilidade de cada uma dessas

pessoas alienar um quota ou fracção desse património ou

Page 73: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

73

requerer a divisão enquanto não terminar a causa geradora do

surgimento do património colectivo. O BGB chama-lhe

“Gemeirsahaft zur gesanten tand”, o património colectivo é,

assim, determinado por uma causa ou fim. A forma que se

conhece no nosso direito de um património colectivo é o da

comunhão conjugal (quer a comunhão geral de bens, quer a

comunhão de adquiridos). Quanto às dívidas da

responsabilidade de ambos os conjugues temos o artigo 1695º;

quanto à responsabilidade de dívidas de um dos cônjuges temos

1696º, refira-se que a menção mencionada no 1969º só é

possível de execução quando se processa à extinção da

comunhão conjugal, com a extinção do casamento ou através da

separação de bens entre os cônjuges. Nos artigos 1682º e 1681º

- A temos a necessidade de consentimento dos cônjuges na

alienação ou oneração de bens móveis e imóveis de forma a

garantir a estabilidade no casamento.

B) A compropriedade ou propriedade comum: figura de raiz

Romanística, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente

titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa –

1403º/1. Trata-se de uma comunhão por quotas ideias, em que

cada proprietário tem direito a uma quota ideal ou fracção do

objecto comum – 1403º/2. Daí que ao contrário do património

colectivo, o comproprietário possa dispor de toda a sua quota na

comunhão ou de parte dela – 1408º. Daí, também, que o

comproprietário não seja obrigado a permanecer na indivisão ,

podendo exigir a divisão da coisa comum – 1412º. O BGB

chama-lhe “Bruchteilegemeinschaf” (comunhão segundo

quotas).

#

O facto jurídico: Noção: é todo o acto humano ou acontecimento natural juridicamente

relevante, ou seja, produtor de efeitos jurídicos / contrario de factos ajuridicos

que são factos da vida real irrelevantes ou indiferentes ao qual a ordem jurídica

não liga quaisquer consequências (exemplo, um convite para um passeio).

Classificação dos factos jurídicos:

a) Factos jurídicos voluntários e involuntários: factos jurídicos

voluntários ou actos jurídicos são os factos jurídicos resultantes da

manifestação ou actuação da vontade humana enquanto elemento

juridicamente relevante, exemplo testamento ou contrato. Factos

jurídicos involuntários ou naturais: são estranhos a qualquer

processo volitivo, ou porque resultam de causas de ordem natural

(exemplo, morte natural de um animal) ou porque a sua eventual

voluntariedade não tem qualquer relevância jurídica (exemplo o

nascimento).

Page 74: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

74

b) Factos jurídicos lícitos e ilícitos: trata-se de uma classificação dos

factos jurídicos voluntários ou actos jurídicos, factos jurídicos

lícitos: facto conforme a ordem jurídica e por ela tutelado ou

garantido. Factos jurídicos ilícitos: facto contrário à ordem jurídica

e por ela reprovados e sancionados.

c) Negócios jurídicos e simples actos jurídicos: estamos no domínio

dos factos jurídicos voluntários. Negócios jurídicos: são factos

voluntários cujo núcleo essencial é integrado por uma ou mais

declarações de vontade tendentes a produzir determinados efeitos

jurídicos que coincidem ou tendencialmente coincidem com a

vontade das partes os efeitos dos negócios jurídicos produzem-se ex

voluntate exemplo, contratos. Actos jurídicos: são factos

voluntários cujos efeitos se produzem mesmo que não tenham sido

previstos ou queridos pelos seus autores, embora muitas vezes haja

concordância entre a vontade destes e os referidos efeitos. Os

efeitos dos simples actos jurídicos produzem-se ex lege. Exemplo:

ocupação de animais bravos (caça e pesca)ou de animais e coisas

moveis perdidas – 1318º, interpelação do devedor – 805º/1,

estabelecimento do domicilio – 82ºss.

d) Quase negócios jurídicos e operações jurídicas: distinção feita

dentro dos simples actos jurídicos. Quase-negócios jurídicos ou

actos jurídicos quase negociais: traduzem-se na manifestação

exterior de uma vontade (exemplo, interpelação do devedor –

805º/1. Operações jurídicas: traduzem-se na efectivação ou

realização de um resultado material ou factual a que a lei liga

determinados efeitos jurídicos, exemplo, ocupação de animais

bravios – 1318º. Também são designados por actos materiais; actos

reais (“realakten”) ou actos exteriores.

e) Factos ilícitos negociais e extranegociais: falamos de ilícitos civis:

violam interesses particulares / contrário de ilícitos penais que

violam interesses gerais da comunidade. Ilícito negocial: resulta da

violação da parte de um devedor de uma obrigação, perante um

certo credor resultante normalmente de um contrato. Ilícito

extranegocial: resulta da violação de um dever geral de abstenção

que se impunha perante um direito absoluto. Porquê ilícito negocial

ou extranegocial e não contratual ou extracontratual? É mais

rigoroso desta forma, visto que o ilícito contratual existe tanto

quando não se cumpre uma obrigação resultante de um contrato,

como da violação resultante de um negócio unilateral.

f) Delitos e quase-delitos civis: delito é o mesmo que acto ilícito.

Delito é praticado com dolo, ou seja, com intenção de provocar

esse resultado. Quase – delitos é praticado com negligência, ou

seja, com omissão de um dever de cuidado ou diligencia. Bastante

importante saber para efeitos da responsabilidade civil artigo

494º.

Page 75: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

75

Efeitos dos factos jurídicos: os factos jurídicos desencadeiam

determinados efeitos que consistem que consistem fundamentalmente numa

aquisição, modificação ou extinção de relações jurídicas.

Aquisição de direitos: pensamos no lado activo da relação jurídica;

a) Noçao: é a ligação de um direito a um determinado sujeito. Diz-se que o

sujeito adquire um direito, quando esse direito se a liga a esse sujeito.

Aquisição de direitos e constituição de direitos são duas coisas diferentes.

Constituição de direitos: é o aparecimento de um direito pela primeira vez

na ordem jurídica, é a criação de um direito que não existia anteriormente. Toda

a constituição implica a sua aquisição, visto não haverem direitos sem sujeito.

Mas nem toda a aquisição envolve a constituição de direitos exemplo,

aquisição derivada translativa.

b) Aquisição originária e aquisição derivada:

Aquisição derivada: aquisição em que o direito que se adquire depende não

só do facto aquisitivo mas também do direito anterior, exemplo, aquisição de

propriedade através do contrato de compra e venda. Existe uma tripla

dependência (1) existência (o direito tem de existir); (2) conteúdo (se na

compra e venda o vendedor tinha um direito mas apenas o de usufruto este não

pode transferir um direito mais amplo que não tem; (3) objecto ou área de

incidência (imagine-se que o alienante era apenas comproprietário, tendo apenas

uma fracção, só poderá transferir essa fracção, como tal não pode ter um objecto

mais vasto do que o direito anterior).

Aquisição originária: aquisição em que o direito que se adquire depende

apenas do facto aquisitivo (facto jurídico que o fez nascer), não dependendo da

existência ou da extensão de um direito anterior, que poderá até não existir.

Exemplo: usucapião 1287º seguintes; ocupação de coisas moveis 1318º

seguintes; no caso de caça e pesca 1319º nem sequer há um direito anterior e

em todos eles o direito do adquirente não foi adquirido por causa do direito

anterior, mas apenas dele.

c) Modalidades de aquisição derivada: translativa, constitutiva e

restitutiva:

Translativa: o direito que se adquire tem exactamente o mesmo conteúdo ou

extensão do direito anterior. O direito que se adquire é o mesmo que estava na

esfera jurídica do transmitente (compra e venda, por exemplo).

Constitutiva: o direito que se adquire tem um conteúdo ou extensão inferior

ao direito anterior, o direito que se adquire é menos extenso que o direito

anterior. Exemplo, o proprietário de um prédio constituir um usufruto a favor de

outrem.

Page 76: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

76

Restitutiva: o titular de um direito real limitado demite-se dele, restituindo-se

o direito à sua plenitude inicial, deixando de estar comprimido, retoma a

dimensão inicial, exemplo, a destruição de um usufruto, passando a ser um

direito de propriedade pleno novamente.

d) Distinção entre aquisição derivada e sucessão:

Sucessão: é o subingresso de alguém num direito de outrém, coincide apenas

com a aquisição derivada translativa.

Quando falamos em sucessão referimo-nos aos direitos e também às dívidas,

enquanto a aquisição rigorosamente só diz respeito a direitos. As dívidas não se

adquirem, mas sim assumem-se daí a epigrafe do artigo 595º. Podemos utilizar

sucessão num sentido amplo (tanto mortis causa como intervivos) e aí o titular

anterior do direito designa-se por autor, antecessor ou causante e o adquirente por

sucessor ou causado.

Mas frequentemente utiliza-se sucessão num sentido estrito, designando

apenas a sucessão mortis causa aí o autor da sucessão é designado por

hereditando ou de cuius e os sucessores ou causados por herdeiro ou legatário

conforme sucedam na totalidade ou numa quota do património ou em bens ou

valores determinados.

e) A transmissão de direitos:

A transmissão de direitos equivale à aquisição derivada translativa. No

entanto, num sentido amplo pode-se utilizar a expressão transmissão de direitos

para qualquer forma de aquisição derivada. A transmissão, tal como a sucessão

refere-se tanto aos direitos, como às dívidas.

f)Importância da distinção entre aquisição derivada e aquisição

originária: enquanto que na aquisição originária a extensão do direito adquirido

depende apenas do facto ou titulo aquisitivo, na aquisição derivada a extensão do

direito do adquirente depende do conteúdo do facto aquisitivo e depende ainda da

amplitude do direito do transmitente, não podendo este transmitir mais direitos

do que os que tem, segundo a velha máxima nemo pluris iuris in alium transferre

potest quam ipse habet (ninguém pode transferir para outrem mais direitos de

que o próprio tem). É esta a regra fundamental da aquisição derivada. Logo se A

vende a B uma coisa da qual não era proprietário esse acto é nulo com

fundamento legal no artigo 892º e ss venda de coisa alheia.

No entanto, este principio comporta excepções, ou seja, situações em que o

adquirente pode obter um direito que não pertencia ao transmitente ou é mais

amplo do que aquele que pertencia a esse mesmo transmitente.

a) Instituto do registo predial e registos similares: as pessoas devem

inscrever, com o fim de lhes dar publicidade os diversos actos inerentes

a bens imóveis e outros bens indicados. O nosso registo predial é:

Page 77: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

77

i. Um registo de aquisições (não de pessoas como é o caso do

registo civil);

ii. É facultativo: a sua inobservância não é uma infracção de

um dever, mas apenas a inobservância de um simples ónus

do adquirente;

iii. É declarativo, é mera condição de eficácia da aquisição e

não condição da sua validade como acontece com os

registos constitutivos caso do Alemão. A aquisição sem

registo não deixa de ser válida e enquanto não há registo

prevalece inteiramente a primeira aquisição de acordo com a

regra prior in tempore, potior in iure, só fugindo a isto a

constituição de hipoteca em que o registo é constitutivo e

como tal condição de validade.

Do registo decorrem três tipos de efeitos:

1- Efeito imediato ou automático do registo: é a presunção de titularidade

do direito;

2- Efeitos laterais do registo: todos os previstos na lei independentemente

dos outros dois efeitos (ex. art. 291º)

3- Efeito central do registo: artigo 4º, 5º e 6º do código de registo predial

enquanto não for registado, embora a aquisição produza efeitos inter

partes, estes efeitos não se poderão opôr a terceiros quando não haja tal

aquisição sido registada (“os factos sujeitos a registo só produzem

efeitos contra terceiros depois da data do registo”). Assim, quanto aos

bens sujeitos a registo, não se aplica a regra da prioridade ou

prevalência da transmissão mas a regra da prioridade do registo.

A--------------B

C

Assim, se B adquire um bem sujeito a registo mas não o regista e C

adquire o mesmo bem (sendo C terceiro para efeitos de registo), e o regista,

aplica-se a regra da prioridade do registo, e não da aquisição do direito sobre

o bem, de modo que, embora A já não seja proprietário do bem, se verifica

uma situação de aquisição a non domino (aquisição de um bem que já não era

titulado por A) – logo, há uma excepção ao princípio do nemo plus iuris.

Mas quem são os terceiros para efeitos de registo predial?

Trata-se de uma noção que até aos anos 60 era bastante pacifica na nossa

jurisprudência e na nossa doutrina, mas que se viu a partir desses mesmos anos

(60) bastante conturbada. Algo que permanece até aos nossos dias.

Escola de Coimbra, defendida por Manuel de Andrade, Mota Pinto e Orlando

de Carvalho diz que terceiros para efeitos de registo são os que do mesmo autor

ou transmitente adquirem sobre o mesmo bem direitos total ou parcialmente

incompatíveis ou conflituantes. É a chamada estrutura da aquisição triangular, já

que apenas poderá haver um proprietário. Quem não fosse o proprietário segundo

Page 78: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

78

a regra do nemus pluris iuris nada podia transmitir e como tal quem com ele

contratou nada poderá obter. Pois quem adquiriu a domino, ainda que não tenha

registado é sempre preferido a quem adquire a non domino. Pressupõe-se, assim,

que o transmitente é o mesmo, segundo este esquema.

A B (nr)

C (r)

Fora isto, nada mais se exige para a inoponibilidade a terceiros, nem se a

aquisição é intervivos ou mortis causa, nem se a aquisição é gratuita ou onerosa,

nem se o registo é feito com o conhecimento de aquisição conflituante não

inscrita ou com o desconhecimento da mesma.

A posição da Escola de Lisboa defendida por Oliveira Ascensão e por

Meneses Cordeiro é mais restritiva. Para estes, terceiros para efeitos de registo

são apenas os que adquirem a título oneroso e de boa fé, ou seja, com o

desconhecimento da aquisição conflituante. Doutor Orlando de Carvalho e

Doutor Mota Pinto consideram esta restrição inadmissível e subversiva da função

do registo e a segurança que o mesmo trás ao tráfego jurídico. No que diz

respeito à boa fé e defendido que tal traria o caos à segurança que se pretende no

comércio jurídico, trazendo ao adquirente delongas, incertezas e gastos tendentes

a provar que desconhecia uma alienação anterior. Má fé psicológica que é algo,

muito difícil de provar. No que diz respeito à onerosidade da aquisição o Doutor

Orlando de Carvalho diz-nos que não tem aqui qualquer sentido pois não tem

qualquer relevo no quadro da oponibilidade dos direitos.

No que diz respeito à jurisprudência acerca deste assunto nos tempos mais

próximos, o acórdão de fixação de jurisprudência de 15/ 97 de 4 Julho do STJ

veio sustentar a posição de Coimbra, no entanto o acórdão de 8/99 de 10 Julho

modificou as coisas e consolidou a posição da escola de Lisboa com a exigência

da boa-fé.

b) Regra geral da protecção de terceiros contra qualquer invalidade

(nulidades e anulabilidades) artigo 291º este artigo estabelece um

regime de inoponibilidade da nulidade e anulação de negócios jurídicos

anteriores com base nos seguintes pressupostos cumulativos:

i. Estejam em causa bens imóveis ou bens móveis sujeitos a

registo;

ii. Onerosidade da aquisição;

iii. Ser terceiro, são terceiros aqueles que inseridos numa

mesma cadeia de transmissões linear e sucessiva, vêm a sua

aquisição afectada por um vício de um negócio precedente

(não pode haver invalidade própria);

Page 79: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

79

iv. Haja boa fé, sendo a boa fé determinada no nº3 do artigo

291º, como ignorância não culposa das causas de invalidade

dos actos anteriores à aquisição do direito pelo terceiro, ou

seja, tem de haver um desconhecimento efectivo no

momento da sua aquisição;

v. Ser um negócio nulo ou anulável – só funciona contra

causas de invalidade;

vi. A aquisição ter de ser registada antes do registo da acção

efeitos laterais do registo;

vii. A posição do terceiro só se consolida após 3 anos (espécie

de quarentena) do decurso do negócio inválido 291º/2 (se

for numa cadeia9 conta o ultimo negocio invalido) Embora

no caso da anulabilidade há sanção pelo decurso do tempo

287º/1.

c) Regra especial de protecção de terceiros contra nulidade

decorrente de simulação artigo 243º, como resulta do artigo 240º

os negócios simulados são nulos. No entanto o artigo 243º/1 vem

estabelecer um regime de inoponibilidade desta nulidade com base

numa simulação, desde que se preencham dois requisitos cumulativos:

a. Ser terceiro. Inicialmente o Doutor Orlando de Carvalho defendia a

mesma definição de terceiros do artigo 291º. Autores da Escola de

Coimbra como o Doutor Manuel de Andrade e como Doutor Mota

Pinto defendiam que terceiros não seriam apenas os defendidos por

Orlando de Carvalho, mas todos os que vissem a sua posição

jurídica afectada pela simulação (a que não sejam os próprios

simuladores ou os herdeiros após a morte). O Doutor Orlando de

Carvalho, nos últimos escritos, antes da sua morte parece ter

evoluído para esta concepção de terceiros para efeitos do artigo

241º defendida pelos restantes autores da Escola de Coimbra;

b. Esteja de boa fé o artigo 243º/2 , este só fala em ignorância da

simulação e não em desconhecimento sem culpa como vem no

artigo 291º/3, ou seja, haverá boa fé, ainda que com culpa do

terceiro, ou seja, se houver possibilidade de ele conhecer. Aqui a

má fé superveniente não releva pois o momento considerado é o da

aquisição dos direitos 243º/2. Embora se considere sempre má fé a

aquisição por parte de terceiro após o registo da acção de simulação

243º/3.

ANEXO:

Coloca-se o problema de se saber se a simulação é inoponivel só aos

terceiros de boa fé prejudicados com a invalidação do negócio, ou seja, aos que

9 No caso: A (vicio) B (vicio) C D(boa fé) E (má fé). Orlando de Carvalho entende que se na

cadeia um dos adquirentes estivesse protegido os seus sucessivos adquirentes também o estavam,

beneficiando derivadamente da protecção protecção intercorrente de terceiros na cadeia. Dr. Pinto

Monteiro tem grandes dúvidas, sobretudo quando o ulterior adquirente está de má fé beneficiando de um

mecanismo alheio, apesar da sua convicção psicológica contraria à lei.

Page 80: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

80

com isso sofriam uma perda, ou também aos terceiros que deixam de lucrar com

a invalidação do negócio.

Corrente mais ampla defendida por Pires de Lima, Antunes Varela, Castro

Mendes, Vaz Serra, dizem que terceiros são também os que deixam de lucrar

com a invalidação do negócio. Baseiam-se na letra da lei, visto que o artigo

243º/1 nada diz e num elemento histórico visto o anteprojecto conter essa

restrição e o texto definitivo nada dizer.

Corrente mais restritiva defendida por Mota Pinto, Manuel de Andrade diz

que será apenas inoponivel aos terceiros que, com a invalidação do negócio

sofram prejuízos. Invocam para isso o elemento racional, atendendo ao fim do

artigo 243º (que é de proteger a confiança de terceiros) optam por uma solução

mais justa que será a de impedir a invocação da simulação que causa prejuízos e

já não a que origina vantagens ou lucros (exemplo, no caso de uma venda por

100 em que se declarou simuladamente 30, não pode invocar a sua qualidade de

terceiro de boa fé para preferir pelo preço declarado é-lhe oponível a nulidade

,sendo admitido a preferir pelo preço real.

(ver melhor isto)

Modificações de direitos: Noção: tem lugar quando alterado ou mudado um elemento de um direito,

permanece a identidade do referido direito apesar da alteração ocorrida. Esta

perduração significa que o ordenamento jurídico continua a tratar o direito como

se não tivesse existido uma alteração o direito é o mesmo.

Modalidades:

Modificação subjectiva: 10

- há uma substituição dos sujeitos na titularidade

do direito, permanecendo a identidade objectiva do direito. Há uma sucessão no

direito. Exemplo, é o que acontece na cessão e na sub-rogação nos créditos –

577º ss e 589º ss; pode ainda resultar de uma multiplicação dos sujeitos por

adjunção (um novo devedor assume a obrigação para com o credor mas o

devedor anterior permanece vinculado);

Modificação objectiva: há uma modificação no conteúdo ou no objecto do

direito permanecendo o direito idêntico. Exemplo, modificação do conteúdo:

concedido pelo credor uma prorrogação do prazo para o cumprimento.

Modificação do objecto: o devedor não cumprindo culposamente a obrigação o

seu dever de prestar é substituído por um dever de indemnizar.

Extinção de direitos:

Noção: tem lugar quando um direito deixa de existir na esfera jurídica de uma

pessoa, extinção subjectiva ou perda de direitos: se o direito sobrevive em si,

10

Por substituição: quando o sujeito activo se substitui outro;

Multiplicação: a um sujeito activo se substituem vários;

Concentração: a vários sujeitos activos sucede um único.

Page 81: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

81

apenas mudando a pessoa do seu titular, ou seja, o direito extingiu-se para aquele

sujeito mas subsiste na esfera jurídica de outrem. Acontece sempre que tem lugar

a uma sucessão. Extinção objectiva: se o direito desaparece, deixando de existir

para o seu titular ou para qualquer outra pessoa, exemplo a destruição do objecto

do direito.

a)Modalidades particulares da extinção de direitos: Prescrição extintiva: extinção de um direito que pode não ser

acompanhado pela aquisição correspondente. Tem a ver com objectivos de

conveniência ou oportunidade social e mesmo de segurança e exigibilidade, mais

do que propriamente com objectivos de justiça. No entanto, a justiça não lhe é

estranha já que há a ponderação de uma inércia negligente do titular do direito

em exercita-lo o que faz presumir uma renuncia ou pelo menos o torna indigno

da certeza e segurança.

Prescrição aquisitiva ou usucapião: ao contrario da prescrição extintiva

aqui adquirem-se direitos reais.

Diferenças entre prescrição extintiva e caducidade: quando um direito

deva ser exercido durante certo prazo aplicam-se as regras da caducidade, salvo

se a lei se referir expressamente à prescrição – artigo 298º/2.

a) A prescrição extintiva é inderrogável como resulta do artigo 300º,

enquanto que se admitem estipulações convencionais acerca da

caducidade artigo 330º;

b) A caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal artigo 333º,

enquanto que a prescrição tem de ser invocada, não podendo o tribunal

oficiosamente supri-la artigo 303º;

c) A caducidade, em princípio, não comporta causas de suspensão nem de

interrupção artigo 328º, ao contrário da prescrição que se suspende e

interrompe nos casos previstos na lei 318º ss e 323º ss;

d) A caducidade só é impedida, em princípio, pela prática do acto 331,

embora o reconhecimento do direito contra quem deve ser exigido

também impede a caducidade. Por seu turno a prescrição se interrompe

pela citação ou notificação judicial 323º.

e) O prazo ordinário da prescrição 20 anos, art. 319º, prevendo a lei

para certas hipóteses uma prescrição de cinco anos art. 310, havendo

prazos mais curtos para as chamadas prescrições presuntivas, se fundam

numa presunção do cumprimento. Enquanto que na caducidade não

vem previstos na lei prazos normais, existem prazos processuais, mas

normalmente tem um carácter substantivo com amplitudes muito

variáveis exemplo, o artigo 1786º.

Conceito e elementos dos negócios jurídicos

I. Conceito e importância do negocio jurídico:

a. Negocio jurídico – facto voluntário, licito, cujo conteúdo essencial

e constituído por uma ou mais declarações de vontade dirigidas a

Page 82: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

82

realização de certos efeitos práticos com a intenção de os alcançar

sob tutela do direito e em que o ordenamento jurídico atribui

efeitos jurídicos correspondentes, determinados, em geral em

conformidade com a intenção manifestada pelo declarante ou

declarantes. A sua importância prende-se com o facto de ser o

instrumento principal de realização do princípio da autonomia da

vontade, um dos princípios fundamentais do nosso direito civil.

II. Natureza jurídica – diz respeito à relação que deve existir entre a

vontade dos seus autores e os efeitos produzidos pela ordem jurídica.

a. Teoria dos efeitos jurídicos: deve haver, exacta e completa

correspondência entre o conteúdo da vontade das partes e os efeitos

jurídicos produzidos tais como a lei os determina. Os próprios

efeitos derivados de normas supletivas resultariam da tacita

vontade das partes. Criticas:

i. As partes dos vários negócios não tem uma ideia completa e

exacta de todos os efeitos que o ordenamento jurídico atribui

as suas declarações de vontade. Se esta doutrina fosse

verdade só os juristas completamente informados sobre o

ordenamento poderiam celebrar negócios jurídicos.

ii. As normas supletivas só deixam de se aplicar quando uma

vontade real contaria for manifestada, não bastando provar-

se que as partes não consideraram o ponto ou até não teriam

querido aquele regime.

b. Teoria dos efeitos práticos: basta que a declaração se dirija a

certos efeitos práticos ou empíricos sem carácter ilícito, fazendo a

lei corresponder a esses efeitos práticos, efeitos jurídicos

concordantes. Critica: tal como esta doutrina define o negócio

jurídico este não se distingue de outros actos que não são negócios

jurídicos que se fiam na honorabilidade das partes, (exemplo,

empréstimo de honra).

c. Teoria dos efeitos práticos jurídicos: trata-se do ponto de vista

correcto. Quem realiza negócios jurídicos visa certos resultados

práticos ou materiais e quere-os realizar por via jurídica. Tem,

como tal, também uma vontade de efeitos jurídicos, não se

dirigindo apenas a efeitos práticos. Só que aqui não há uma

representação completa dos efeitos jurídicos correspondentes

aquela vontade de efeitos práticos, basta uma representação global,

pratica dos efeitos jurídicos imediatos e fundamentais.

Por falta de intenção de efeitos jurídicos temos de distinguir os negócios

jurídicos dos chamados negócios de pura obsequiosidade, exemplo um convite

para jantar.

Por falta de vontade de efeitos jurídicos há ainda que distinguir os negócios

jurídicos dos chamados “gentlments agreement´s” convenções sob matéria

que é normalmente objecto de matéria de negócios jurídicos, mas que estão

Page 83: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

83

desprovidos, no caso de intenção de efeitos jurídicos, exemplo um empréstimo de

honra.

III- Elementos dos negócios jurídicos:

1. Essenciais: podem ser aqueles relativos à existência do negócio jurídico,

sem os quais o mesmo não chegaria a ter existência material, falamos da

declaração, dos sujeitos e do conteúdo. Ainda, segundo a sistematização

tradicional, que considera essenciais os requisitos ou condições gerais de

validade de qualquer negócio. Falamos da capacidade das partes e da sua

legitimidade; a declaração de vontade sem vícios; idoneidade do objecto

jurídico artigo 280º.

Podemos falar ainda de elementos essenciais no sentido dos elementos

essenciais de cada negócio típico ou inominado. São as características próprias

de cada modalidade negocial, exemplo locação artigo 1022º ss, em que temos

1- obrigação de proporcionar à outra parte o solo de cada coisa 2- gozo esse que

é temporário (diferente de compra e venda) 3- obrigação da outra parte pagar a

correspondente retribuição (diferente do comodato).

2. Naturais: são os efeitos negociais derivados de disposições legais

supletivas. Não é necessário que as partes configurem qualquer clausula

para a produção destes efeitos, exemplo artigo 885º.

3. Acidentais: são as cláusulas acessórias dos negócios jurídicos. Elas não

caracterizam o tipo negocial em abstracto mas tornam-se imprescindíveis

para que o negócio concreto produza os efeitos a que elas tendem,

exemplo cláusula de juros.

Classificação dos negócios jurídicos:

1. Unilaterais e bilaterais:

a. Unilaterais: há uma só declaração de vontade (exemplo,

testamento) ou varias declarações de vontade paralelas

formando um só grupo (exemplo, procuração feita por duas

pessoas a favor de um mesmo advogado);

b. Contratos ou negócios jurídicos bilaterais: há duas ou mais

declarações de vontade, de conteúdo oposto mas convergente

com a pretensão de um resultado jurídico unitário. Há, assim,

uma oferta ou proposta e a aceitação que se concilia num

consenso.

Características do regime dos negócios unilaterais:

a) É desnecessária a anuência da contraparte. A eficácia do negócio não

careceu de concordância de outrem;

b) Vigora o princípio da tipicidade ou do numerus clausus, sendo apenas

admitidos os negócios que estiverem especificamente previstos na lei

artigo 457º.

Page 84: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

84

c) É importante distinguir entre negócios unilaterais receptícios – a

declaração só é eficaz se for e quando for levada ao conhecimento de

certa pessoa, exemplo denuncia do arrendamento, artigo 1055º.

Negócios jurídicos não recepticios – basta a emissão da declaração sem

ser necessária comunica-la a quem quer que seja, exemplo testamento.

Características do regime dos negócios bilaterais: a) Não se trata de dois negócios unilaterais, já que cada uma das

declarações é emitida em vista do acordo;

b) A proposta de contrato é irrevogável depois de chegar ao

conhecimento do destinatário artigo 230º, mantendo-se

durante os lapsos de tempo referidos no artigo 228º (diferente

do código de 1867) em que a proposta era revogável, embora o

proponente que se retractasse incorresse em responsabilidade

pré-contratual, responsabilidade essa ainda hoje admitida no

artigo 227º. (É o chamado dano da confiança, que resulta de

lesão do interesse contratual negativo, devendo-se colocar o

lesado na situação em que estaria se não tem chegado a

depositar uma confiança que foi frustrada na celebração de um

contrato válido e eficaz).

c) Coloca-se o problema de saber qual o momento da sua

perfeição, visto que o mesmo é integrado por duas declarações

de vontade:

i. Doutrina da aceitação: o contrato está perfeito

quando o destinatário da proposta declarou aceitar a

oferta que lhe foi feita;

ii. Doutrina da expedição: o contrato está perfeito

quando o destinatário expediu por qualquer meio a

sua aceitação;

iii. Doutrina da recepção: o contrato está perfeito

quando a resposta contendo a aceitação chega à

esfera de acção do proponente;

iv. Doutrina da percepção: o contrato só está perfeito

quando o proponente tomou conhecimento efectivo

da aceitação.

O artigo 224º vai consagrar no nosso direito a doutrina da recepção.

Dentro dos contratos há que distinguir entre:

Contratos unilaterais: geram obrigações apenas para uma parte (exemplo,

doação);

Contratos bilaterais ou sinalagmáticos: geram obrigações para ambas as

partes, obrigações ligadas entre si por um nexo de causalidade ou

correspectividade (exemplo, compra e venda).

Importância:

Page 85: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

85

a) Só nos contratos bilaterais há excepção de não cumprimento do contrato,

428º;

b) A faculdade de resolução com fundamento em impossibilidade de

cumprimento ou mora existe nos contratos bilaterais (condição resolutiva tácita)

801º/2 e pode também ter lugar em alguns contratos unilaterais exemplo arts.

1140º e 1150º.

Autores falam dos contratos bilaterais imperfeitos, nestes há inicialmente

apenas obrigações para uma das partes, surgindo eventualmente mais tarde

obrigações para a outra parte, em virtude do cumprimento das primeiras e em

dados termos. Nestes contratos não há excepção de não cumprimento do contrato

e também não há condição resolutiva tácita. Exemplo: mandato e o depósito

gratuitos – artigo 1157º e ss e artigos 1185º e ss.

Negócios inter vivos e mortis causa:

- Inter vivos: destinam-se a produzir efeitos em vida das partes, trata-se da

generalidade dos negócios jurídicos;

- Mortis causa: destinam-se a produzir efeitos depois da morte do declarante

ou depois da morte de alguma das partes (exemplo, testamento).

Características:

1- Nos negócios mortis causa há uma prevalência dos interesses do declarante

sobre o interesse na protecção da confiança do declaratário, ao contrário dos

negócios inter vivos em que há uma tutela das expectativas da parte que se

encontra em face da declaração negocial;

2- O testamento é claramente um negócio mortis causa;

As doações por morte são, em principio nulas – artigo 946º como quaisquer

outros pactos ou contratos sucessórios – 2028º/2. Estes são objecto de uma

conversão legal em disposições testamentarias – 946º/2.

Certos pactos sucessórios contidos em convenções antenupciais são válidos –

artigo 1700º. Em relação a estes, as disposições a favor de um dos esposados

feitas pelo outro ou por terceiro são negócios híbridos ou mistos já que têm

características de negócio mortis causa já que só se verifica transferência de bens

depois da morte, no entanto há uma restrição de poderes feita ao disponente, algo

que é típico dos negócios inter vivos – artigo 1701º.

As disposições a favor de terceiros feitas pelos esposados são negócios mortis

causa se o terceiro não interveio na convenção antenupcial – artigo 1704º e serão

negócios híbridos se ele interveio como aceitante – artigo 1705º.

Negócios consensuais ou não solenes e negócios formais ou solenes:

Formais ou solenes: aqueles para os quais a lei prescreve a necessidade de

observância de determinada forma, o acatamento de determinados formalismos

ou de determinadas solenidades e, sem o qual o negócio jurídico é invalido –

artigo 220º.

Page 86: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

86

Não solenes: aqueles em que a validade do negócio jurídico não está

dependente de qualquer requisito formal, podendo ser realizado por qualquer

comportamento (…).

O principio geral do nosso código em matéria de formalismo negocial é o da

liberdade declarativa ou liberdade de forma (artigo 219º). Quanto nos casos

excepcionais em que a lei prescrever uma certa forma e esta não for observada a

declaração negocial é nula artigo 220º.

Forma: determinada figuração exterior permitida pela lei ou pela vontade

comum das partes para a respectiva declaração de vontade.

Modalidades:

a) Documento autêntico – artigo 363º/2: exemplo venda de imóveis (875º)

b) Documento autenticado – artigo 363º/3: em que há confirmação de

determinado negócio jurídico através do notário

c) Documento particular – artigo 363º/2 (2ª parte) : exemplo contrato

promessa (artigo 410º/2)

Negócios Reais quanto à constituição e quanto aos efeitos:

São aqueles negócios em que se exige, além das declarações de vontade das

partes a prática anterior ou simultânea de um certo acto material de entrega de

uma coisa como elemento da estrutura do negócio jurídico e não como efeito do

contrato, exemplo o depósito ou o mútuo.

Negócios obrigacionais, reais, familiares e sucessórios: o critério desta

classificação diz respeito à natureza da relação jurídica constituída, modificada

ou extinta pelo negócio jurídico.

Nos negócios sucessórios o princípio da liberdade contratual sofre

importantes restrições resultantes de algumas normas imperativas (exemplo,

testamento);

Nos negócios familiares pessoais: a liberdade contratual está praticamente

excluída, podendo os interessados celebrar ou não o negócio mas não podendo

fixar-lhe livremente o conteúdo ou celebrar contratos diferentes dos previstos na

lei: principio da tipicidade ou do numerous clausus (casamento, adopção);

Nos negócios familiares patrimoniais: existe em maior escala a liberdade de

convenção, embora com algumas restrições (exemplo, convenções antenupciais);

Nos negócios reais o princípio da liberdade contratual sofre considerável

limitação derivada do principio da tipicidade ou do numerous clausus – artigo

1306º;

Nos negócios obrigacionais: é neste domínio em que mais se afirma o

princípio da liberdade negocial quanto aos contratos, no que respeita aos

negócios unilaterais vigora o princípio da tipicidade 457º.

Page 87: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

87

Negócios patrimoniais e negócios pessoais: o critério desta classificação é

também o da natureza da relação jurídica a que o negócio se refere.

Pessoais: resulta a constituição, modificação ou extinção de relações jurídicas

de carácter pessoal, exemplo, casamento, adopção.

Neste domínio há o predomínio de normas imperativas. Há também um

predomínio da vontade real, psicológica do declarante sobre a vontade declarada.

Patrimoniais: resulta a constituição, modificação ou extinção de relações

jurídicas de carácter patrimonial, ou seja, avaliáveis em dinheiro, exemplo –

compra e venda.

Há o predomínio do princípio da liberdade contratual.

Aqui há o predomínio da vontade declarada sobre a vontade real, de forma a

tutelar a confiança do declaratário e também os interesses do trafico jurídico –

artigo 236º/1.

Negócios onerosos e negócios gratuitos: Importância da distinção: manifesta-se, por exemplo em matéria de

impugnação pauliana (artigo 612º), também para a protecção do terceiro

adquirente de boa fé contra qualquer invalidade de negócio jurídico anterior.

(artigo 291º,etc)

A distinção tem como critério o conteúdo e finalidade do negócio

Negócios onerosos ou a titulo oneroso: pressupõe atribuições patrimoniais

de ambas as partes, existindo, segundo a perspectiva destas, um nexo ou relação

de correspectividade entre as atribuições patrimoniais. Cada uma das partes faz,

assim, uma atribuição patrimonial que considera retribuída ou contrabalançada

pela atribuição da contraparte. Cada uma das atribuições é a contrapartida da

outra.

Não é necessário um equilíbrio das atribuições patrimoniais consideradas pelo

seu valor objectivo, o que releva é a vontade ou intenção das partes, é, assim,

uma avaliação subjectiva, já que objectivamente elas podem não ser equivalentes

por várias razões, como por exemplo o valor afectivo de um objecto ex:

arrendamento : aluguer .

Negócios gratuitos ou a titulo gratuito: uma das partes tem a intenção de

efectuar uma atribuição patrimonial a favor de outra sem contrapartida ou

correspectivo, sem a pretensão de nenhum equivalente económico. A outra parte

age com a consciência e vontade de receber essa vantagem sem proporcionar um

sacrifício correspondente. Actua-se, assim, com a intenção de proporcionar uma

vantagem à outra parte, o chamado animus donandi ou animus beneficiandi

exemplo, a doação e depósitos gratuitos.

Existem certas figuras negociais que se podem apresentar como onerosas

ou gratuitas, exemplo, cessão de créditos – 577º.

É possível a existência de contratos unilaterais onerosos (exemplo, mutuo

oneroso – artigo 1145º, é que aqui a correspectividade não se estabelece entre

duas obrigações, mas entre uma prestação contemporânea (entrega do dinheiro

para ser utilizado) e uma obrigação (a de restituir o capital e pagar os juros).

Page 88: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

88

Contratos comutativos e contratos aleatórios: trata-se de uma subdivisão

dentro dos contratos onerosos.

Comutativos: cada uma das partes sabe que esperar do efeito do contrato, dar

e recebe (…)

Aleatórios: as partes submetem-se a uma álea, a um risco, a uma sorte, a uma

possibilidade de ganhar ou perder.

Pode haver:

a) Uma só prestação dependendo de um facto incerto, a determinação de

quem a realizará (exemplo, aposta);

b) Pode haver uma prestação certa e outra incerta, de maior montante do que

aquele (ex. seguro de incêndio);

c) Pode haver duas prestações certas na sua existência, mas uma delas incerta

quanto ao momento da sua verificação e ao seu montante (ex. seguro de vida).

Os contratos de jogo e aposta não são contratos válidos, nem constituem

fontes de obrigações civis, no entanto quando lícitos são fonte de obrigações

naturais – artigo 1245º, exceptuando-se as competições desportivas com relação

às pessoas que nelas tomarem parte – 1246º e outras excepções previstas em

legislação especial – artigo 1247º.

Negócios parciários: são uma subespécie dos negócios onerosos.

Contrato pelo qual uma pessoa promete uma certa prestação em troca de uma

participação nos proventos que a contraparte obtenha por força daquela

prestação. Exemplo, parceria pecuária – 1121º.

Negócios de mera administração e negócios de disposição Utilidade desta distinção: há uma restrição, por força da lei ou de sentença,

dos poderes de gestão patrimonial dos administradores de bens alheios, ou de

bens próprios e alheios, ou até de bens próprios (ex. inabilitações), aos actos de

mera administração ou de ordinária administração ex. administração de bens –

artigos 1922º, 1967º e ss, Inabilitações – artigo 153º e 154º.

Por vezes a lei qualifica ela própria certos negócios jurídicos como actos de

administração ordinária ou então de disposição. Veja-se o caso do artigo 1024º

em que a lei qualifica como acto de administração ordinária a locação num prazo

inferior a 6 anos.

Outras vezes a lei concretiza, fazendo uma enumeração de certos actos que

são permitidos ou vedados ao administrador – exemplo, artigos 1889º, 1937º e

1938º.

No entanto, a lei muitas vezes restringe os poderes de certas pessoas a actos

de ordinária administração sem qualquer especificações. Quando a lei não

esclarece através de uma definição ou de uma enumeração quais os actos que

integram uma dada categoria teremos de nos guiar pelos interesses que estão em

jogo e o sentido das normas que espelham esses mesmos interesses11

.

11

Assim, no caso de administradores de bens alheios a lei atende à falta de interesse pessoal do

administrador que o pode induzir a correr riscos que não correria se os bens fossem seus. No caso de

limitação de poderes de alguém sobre o seu próprio património a lei considera deficiências físicas e

Page 89: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

89

Assim, actos de mera administração são os correspondentes a uma gestão

concedida e limitada, com exclusão dos actos arriscados (que podem originar

grandes lucros e também prejuízos elevados) que afectam a substancia dos bens.

São, assim, os actos que correspondem a uma actuação prudente, dirigida a

manter o património e a aproveitar as suas virtualidades normais de

desenvolvimento. São, assim, actos de mera administração:

a) Actos de conservação dos bens administrados: actos destinados a fazer

quaisquer reparações necessárias nesses bens tentendes a evitar a sua

deterioração ou destruição;

b) Actos tendentes a prover à frutificação normal: essa frutificação é a pelo

modo habitual para os bens administrados (ex. actos destinados a prover ao

cultivo de uma terra nos termos usuais ao seu arrendamento).

Actos de disposição são os actos que afectam a substância da património

administrado, que alteram a forma ou a composição desse capital administrado,

que atingem a raiz dos bens, utrapassando os parâmetros de uma actuação

prudente e comedida. São, assim, actos de disposição:

a)Actos de frutificação anormal: como é o caso da transformação de um

Pinhal em Vinha;

b) Actos tendentes a prover ao melhoramento do património administrado,

desde que não sejam feitos com os rendimentos existentes da administração:

como é o caso da abertura de um poço ou cercar o muro a um prédio rústico sem

qualquer necessidade disso.

c) As alienações onerosas: actos que envolvem a transferência da propriedade

para outrem (compra e venda, troca). No entanto, nem todas as alienações

onerosas são actos de disposição. Só o são as que afectam a substância dos bens

(ex. não é acto de disposição o corte e venda de 20 pinheiros secos que nada

estavam a fazer no pinhal).

d) Onerações: trata-se da imposição de um ónus real sobre um determinado

prédio (ex. constituição de uma servidão de passagem).

e) Doações: tratam-se de liberalidades de alienação sem contrapartida.

#

Elementos essenciais do negócio jurídico:

I- Capacidade e legitimidade: são requisitos gerais de validade dos negócios

jurídicos. Capacidade negocial de gozo: susceptibilidade de um sujeito jurídico

ser titular de direitos e obrigações derivados de negócios jurídicos. Constitui a

regra geral e contrapõe-se-lhe a incapacidade negocial de gozo – proibição

absoluta de titularidade de tais relações, dirigida a certas pessoas – os incapazes,

que assim se vêm impedidos de realizar determinados negócios jurídicos. Gera,

mentais que implicam alta probabilidade de a pessoa concluir negócios muito prejudiciais para os seus

próprios interesses.

Page 90: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

90

em regra, uma nulidade e é insuprível pela representação legal ou pela

assistência.

Capacidade negocial de exercício: aptidão para celebrar, modificar ou

extinguir negócios jurídicos, por actividade própria ou através de um

representante voluntário. A regra geral é a de que um maior de 18 anos tem

capacidade de exercício, contrapõe-se-lhe a incapacidade negocial de exercício:

impedimento ou proibição não absoluto de realizar determinados negócios

jurídicos. Gera, em regra, uma anulabilidade e é suprível pelos institutos da

representação ou assistência.

Legitimidade: relação existente entre o sujeito e o objecto do negócio que

justifica que o primeiro se ocupe juridicamente do objecto, em geral por ser

titular dos interesses cuja modelação é visada pelo negócio. Haverá ilegitimidade

negocial: quando falta essa relação face ao objecto que é detida por terceiro, cujo

interesse a lei protege, de tal forma que o sujeito não pode afectar esse direito ou

obrigação.

II- Declaração negocial:

A) Noções gerais: é um elemento integrante do negócio jurídico, conduzindo

a sua falta à inexistência material do negócio. O código civil regula a declaração

negocial nos artigos 217º e ss.

Declaração negocial: é o comportamento de uma pessoa (por palavras

escritas ou faladas ou até sinais) que segundo os usos da vida, convenção dos

interessados ou até de disposição legal apareça como destinado a exteriorizar um

certo conteúdo de vontade negocial, ou em todo o caso, o revela e traduz sendo a

vontade negocial: a intenção de realizar certos efeitos práticos com ânimo de que

sejam juridicamente tutelados e vinculantes pela ordem jurídica. Dá-se aqui

claramente um conceito objectivista de declaração negocial, sendo a sua nota

principal não um elemento interior como a vontade efectiva ou psicológica, mas

num elemento exterior no comportamento declarativo. A função da declaração

negocial consiste em exteriorizar a vontade psicológica do declarante e torná-la

cognoscível para o declaratário. Ora, hoje o direito civil coloca na sua primeira

linha de protecção as expectativas dos declaratários e a segurança do comércio

jurídico, daí que a nossa lei dê prioridade ao elemento objectivo – ao

comportamento exteriorizado pelo declarante do que a sua vontade psicológica.

Neste sentido claramente o Doutor Mota Pinto, o Doutor Manuel Andrade e o

Doutor Capelo de Sousa.

Elementos constitutivos: a) A declaração propriamente dita: elemento externo, consiste no

comportamento declarativo;

b) A vontade – elemento interno, consiste no querer concreto, na realidade

volitiva que normalmente existirá e coincidirá com o sentido objectivo da

declaração. Esta vontade real pode decompor-se em três subelementos:

Page 91: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

91

1- A vontade de acção (Handlugswille) – consiste na consciência e intenção

livre de realizar um comportamento declarativo. Exemplo: não existe vontade de

acção quando uma pessoa por acto reflexo ou distraidamente faz um gesto e este

aparece como uma declaração negocial, ou quando uma pessoa é coagida a

realizar um negócio;

2- A vontade da declaração: (Erklanvnjswille) ou vontade da relevância

negocial da acção (Geltunjswille): consiste em o declarante atribuir ao

comportamento querido o significado de uma declaração negocial. Este

subelemento só está presente se o declarante tiver a consciência e a vontade de

que o seu comportamento tenha significado negocial vinculativo, exemplo: pode

faltar vontade da declaração se uma pessoa julgando assinar uma simples ficha

para o arquivo de um banco assina uma declaração negocial. Se um individuo

num leilão faz um gesto de saudação a um amigo e isso é entendido como oferta

de uma certa importância, sem que a pessoa se aperceba disso.

3- Vontade negocial: vontade do conteúdo da declaração ou intenção do

resultado (Geschftswille): consiste na vontade de celebrar um negócio jurídico de

conteúdo coincidente com o significado exterior da declaração. É uma vontade

efectiva correspondente ao negócio concreto que aparece exteriormente

declarada. Exemplo: pode haver desvio na vontade negocial quando uma pessoa

atribui aos termos da declaração um sentido diverso do que é exteriormente

captado , exemplo uma pessoa quando quer comprar a quinta da regaleira e

erradamente declara que quer comprar a quinta da gusteira pensando erradamente

ser este o seu nome (erro no nome).

Vimos que pode haver uma falta de vontade de acção, uma falta de vontade

da declaração e um desvio na vontade negocial. São estes os casos de divergência

entre a vontade e a declaração. Essa divergência pode ainda resultar de um desvio

da vontade de acção: um lapsus lingual ou lapsus calami, exemplo a pessoa quer

escrever quinta da regaleira, ou prédio é o nº20 e por lapso enagana-se a escrever

ou falar e sai-lhe quinta da regaleira nº30.

Declaração negocial expressa e declaração negocial tácita: o principio

da liberdade declarativa envolve a possibilidade de se realizarem validamente

declarações negociais não só expressas, como também tácitas – artigo 217º/1. No

entanto, por vezes a lei exige que a declaração negocial seja expressa caso dos

artigos 731º, 957º e 1737º.

A distinção consagrada na lei no artigo 217º é a proposta pela teoria

subjectiva expressa: quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio

directo de expressão da vontade (217º/1 – 1ª parte).

Tácita: quando do seu conteúdo directo se infere? um outro, ou seja, a

declaração negocial destina-se a um certo fim mas implica e torna cognoscível

um regulamento sobre outro ponto. Trata-se de uma dedução de facto que com

toda a probabilidade revela essa declaração negocial (217º/1). Trata-se de um

meio indirecto ou lateral de afirmação de uma determinada vontade, É necessário

que os factos sejam inequívocos, trata-se de uma probabilidade, mas de uma

probabilidade total.

Page 92: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

92

Exemplo: aceitação expressa da herança feita por palavras ou por escrito;

aceitação tácita: a pessoa toma conta dos bens, paga o imposto sucessivo, paga

dívidas da herança são factos que com toda a probabilidade fazem com que

haja uma declaração de vontade no sentido de aceitação da herança.

A declaração tácita é compatível com a existência de um negócio formal

artigo 217º/2 , exemplo – testamento em que não há declaração expressa de

atribuição de um determinado legado, mas por uma declaração de vontade do

testador chega-se a essa conclusão. Em conformidade com o critério de

interpretação dos negócios jurídicos consagrado no artigo 236º conclui-mos que

no que respeita a uma declaração tácita em que dum comportamento se pode

concluir um certo sentido negocial, tal não exige a consciência subjectiva por

parte do autor desse significado implícito (bastando) que objectivamente ele

possa ser deduzido do comportamento do declarante.

O silêncio como meio declarativo: a questão é a de saber se o silêncio

entendido não apenas como um nada dizer, mas como um nada fazer pode

considerar-se uma declaração tácita no sentido de aceitação de propostas

negociais.

O artigo 218º dá-nos essa resposta – só vale quando esse valor lhe seja

atribuído por lei, uso ou convenção. Em princípio, então, o silêncio não vale

como declaração negocial. Repudia-se o velho princípio do Direito Canónico:

qui tacet consentire videtur (quem cala consente) isto seria inaceitável visto

que violaria a autonomia das pessoas, dando-lhes sempre o ónus de responder a

qualquer proposta de contrato. Poder-se-ia também aproveitar a impossibilidade

de responder das pessoas, por diversas razões, para se captarem aceitações

negociais.

Também é afastada a ideia de que o silêncio vale como declaração quando o

silenciante podia e devia falar – qui tacet consentire vidatem ubi loqui potuit ao

debuit, o saber se devia ou não falar não é claro e mesmo se houvesse o dever de

falar, não se deve concluir do silêncio uma certa declaração, mas apenas a

verificação de um incumprimento do dever de falar susceptível de incorrer o

silenciante na obrigação de reparar os danos causados a outrém pela frustração da

sua confiança em receber uma resposta – dano da confiança ou interesse

contratual negativo.

Só tem valor como declaração quando a lei, convenção negocial ou o uso

lho atribuam, caso do artigo 923º/2.

No que respeita às mercadorias recebidas pelas pessoas, quando remetidas

com a proposta, há legislação que protege o destinatário, que não é obrigado a

recambia-las, devendo apenas restitui-las se o proponente as mandar buscar,

estando na sua conservação apenas obrigado a abster-se de as deteoriar por dolo

ou negligencia.

Declarações negociais presumidas e declarações negociais fictas:

Page 93: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

93

Declaração negocial presumida: quando a lei liga a determinado

comportamento o significado de exprimir uma determinada vontade negocial,

podendo ilidir-se tal presunção mediante prova em contrário – artigo 350º/2 – 1ª

parte (presunção tantum iuris). Temos como exemplos: os artigos 923º/2 e 1054º.

O regime regra é o das presunções legais poderem ser ilididas por prova em

contrário, só assim não sendo quando a lei proibir – 350º/2.

Protesto e reserva:

Protesto: o autor de um certo comportamento declarativo, por recear que lhe

seja imputado, por interpretação, um certo sentido vai afirmar-se abertamente

não ser esse o seu intuito. É no fundo uma contradeclaração.

Reserva: modalidade de protesto em que se especifica que um certo

comportamento não significa renúncia a um direito próprio ou reconhecimento

de um direito alheio – exemplo, a vitima de um acidente recebe do causador uma

soma em dinheiro, mas declara que isso não significa renuncia a receber o

montante total dos danos.

A forma da declaração negocial:

Vantagens do formalismo negocial:

a) Assegura uma maior reflexão das partes. Nos negócios formais o tempo

que vai desde a decisão de concluir o negócio e a sua celebração permite repensar

o negócio, livrando as partes da precipitação e da ligeireza;

b) Separa os termos definitivos do negócio da fase pré – contratual , ou seja,

da negociação;

c) Permite uma formulação mais precisa e completa da vontade das partes;

d) Dá um maior grau de certeza sobre a celebração do negócio e os seus

termos evitando-se a falibilidade da prova por testemunhas;

e) Dá publicidade ao acto o que é importante para terceiros.

Inconvenientes do formalismo negocial:

a) Redução da fluência e celeridade do comércio jurídico;

b) Embaraça a conclusão válida dos negócios, com demoras, incómodos e

despesas;

c) Pode levar a eventuais injustiças devido a uma desvinculação de uma das

partes do negócio com fundamento em nulidade por vício de forma, apesar de

essa mesma parte ter querido o acto negocial.

I – Modalidades da forma negocial. Principio da liberdade formal:

No nosso direito civil vale o princípio da liberdade de forma consagrada no

artigo 219º. Existem, no entanto, importantes excepções a este principio

consagradas no nosso código como regulamentação especial, caso do 875º em

que se estabelece a obrigação de celebrar escritura pública.

Page 94: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

94

Forma legal: quando o formalismo exigível para certo negócio é imposto

pela lei;

Forma convencional: quando o formalismo exigível resulta de uma

estipulação ou negócio jurídico das partes; algo que deriva do principio da

liberdade contratual – artigo 405º;

Forma voluntária: forma adoptada pelas partes sem que a lei ou convenção

anterior a isso as obrigasse.

O facto de os particulares verem as suas estipulações reconhecidas acerca da

forma do negócio, tal não significa que os mesmos possam afastar, por acordo,

normas legais que exigem para certos actos requisitos formais já que são normas

imperativas. Assim, as partes poderão utilizar a forma convencional em negócios

que a lei não exige forma ou exige uma solenidade menos forte.

II – Âmbito da forma exigida:

a) Na forma legal: abrange as cláusulas essenciais do negócio jurídico, bem

como as cláusulas acessórias anteriores ou contemporâneas, sob pena de

nulidade artigo 221º/1. Há, no entanto, uma excepção na segunda parte deste

artigo reconhecendo-se a validade de estipulações verbais,

anteriores ou contemporâneas ao documento exigido desde que se verifiquem

cumulativamente as seguintes condições:

1- Que se trate de cláusulas acessórias, não devendo ser estipulações

essenciais, que devem completar o documento indo para além do seu conteúdo

mas nunca o contradizendo;

2- Não sejam abrangidos pela razão de ser da exigência de documento;

3- Que se prove que as cláusulas acessórias correspondem à vontade das

partes. (há uma presunção do documento formal ser completo, pelo que, na

dúvida sobre a existência de uma estipulação acessória é de decidir pela sua não

existência. É também inadmissível a prova por testemunhas se tiver por objecto

convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos autênticos e

particulares – artigo 394º. Assim, as estipulações não formalizadas, anteriores ou

contemporâneas só produzirão efeitos se houver lugar a confissão ou forem

provadas por documento, mesmo que menos solene : exemplo, carta. Quanto às

estipulações posteriores ao documento estão dispensadas de forma legal prescrita

para a declaração se as razões da exigência especial da lei não lhes forem

aplicáveis – artigo 221º/2.

b) Na forma voluntária: não abrange, em princípio, as estipulações

acessórias anteriores ou contemporâneas ao escrito, tal como acontece para as

estipulações posteriores ao documento – artigo 222º.

c) Na forma convencional: está prevista no artigo 223º.

Page 95: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

95

Inobservância de forma legal:

Formalidades ad substantiam: exigidas para a validade do negócio, são

insubstituíveis por outro género de prova, gerando a sua falta a nulidade do

negócio – artigo 364º/1;

Formalidades ad probationem: são meramente probatórias, a sua falta pode

ser suprida por outros meios de prova mais difíceis de conseguir – ex: confissão

– artigo 364º/2.

a) Inobservância da forma legal: o código civil liga à inobservância da

forma legal a nulidade – artigo 220º. Poderá parecer injusto a nulidade de uma

compra em que o comprador já pagou o preço e o vendedor já o recebeu, em que

este não seria obrigado a restituir a importância recebida ou o primeiro não seria

obrigado a restituir a coisa vendida, mas tal não se verifica, pois uma vez

declarado nulo o negócio deverá ser restituído tudo o que tiver sido prestado em

virtude do negócio viciado – artigo 289º.

Nos casos em que a lei determine outra consequência, a nulidade deixará de

ser a sanção para a inobservância da forma legal – artigo 220º. A doutrina tem

colocado o problema de saber se a possibilidade de invocação da nulidade por

vicio de forma não pode ser excluída por aplicação da cláusula geral de boa-fé ou

do abuso de direito – artigo 334º, ou seja, deverá admitir-se a invocação de

nulidade com fundamento em vicio de forma, quando essa invocação por uma

das partes constitua um abuso de direito? Exemplo, arguição da nulidade, com

fundamento em vicio de forma por um contraente que a provocou ou que criou

na contraparte a expectativa de que a nulidade jamais seria arguida. Manuel de

Andrade defende a improcedência da arguição de nulidade nos casos de

manifesto abuso de direito. Larenz por seu lado, acha que as normas imperativas

não podem ser postas em causa, compensando a injustiça com a obrigação de

indemnizar por parte do autor do abuso. Mota Pinto coloca o valor social da

segurança jurídica acima de um critério de justiça de cada caso, afirmando a

nulidade dos negócios afectados por vício de forma, sendo que haverá lugar a

indemnização ex vi artigo 227º (…).

b) Inobservância da forma convencional: a este respeito rege o artigo 223º

que se limita a estabelecer presunções que podem ser ilididas mediante prova em

contrário – artigo 350º. Essas presunções são duas:

1- Se a convenção foi estipulada antes da conclusão do negócio, consagra-se

uma presunção de essencialidade, em que as partes apenas se querem vincular

através da forma convencionada. Ela tem carácter constitutivo. Aquando da sua

inobservância Mota Pinto diz que o negócio é ineficaz enquanto que Vaz Serra

diz que o negócio não está concluído entre as partes – artigo 223º/1.

2- Se a convenção é contemporânea ou posterior ao negócio, sendo que na

primeira hipótese haja fundamento para admitir que as partes se quiseram

vincular desde logo, presume-se que as partes não quiseram substituir o negócio

mas apenas facilitar a prova consolidando o acto ou tornando o conteúdo do

Page 96: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

96

negócio mais claro ou outro qualquer efeito – artigo 223º/2. Como tal a sua

inobservância não têm quaisquer consequências sobre o negócio.

c) Inobservância de forma voluntária: a sua inobservância não tem

quaisquer consequências.

#

I – Interpretação dos negócios jurídicos: (não confundir com interpretação

das leis artigo 9º);

O negócio jurídico contem uma ordem normativa, pela qual, as partes, através

das declarações de vontade, pautam a sua conduta.

Interpretação: actividade dirigida a fixar o sentido e o alcance dos negócios,

segundo as respectivas declarações de vontade, ou seja, trata-se de determinar o

sentido e o alcance do conteúdo das declarações de vontade e consequentemente

dos efeitos que o negócio visa produzir.

Ela não pode ser abandonada ao senso empírico, deve ser pautada por regras

ou critérios cuja sua formulação é o objecto da teoria da interpretação que tem

critérios convertidos em verdadeiras normas jurídicas – 236º ss.

Para haver declaração a interpretar temos de estar no domínio da autonomia

da vontade privada das partes que tem:

a) Elemento subjectivo: acto de vontade, acto determinante ou conteúdo da

vontade real – fonte geradora de efeitos jurídicos;

b) Elemento objectivo: acto social de comunicação, aquele a quem a

declaração negocial se destina ou a conhece.

Isto dá origem a posições subjectivistas, o intérprete deve investigar através

de todos os meios adequados a vontade real do declarante, sendo que o negócio

valerá com o sentido subjectivo, ou seja, com o sentido querido pelo autor da

declaração.

Posições objectivistas: o intérprete não procura a vontade real do declarante,

mas procura um sentido exteriorizado ou cognoscível através de certos elementos

objectivos. Trata-se de uma interpretação normativa e não de uma interpretação

psicológica.

Dentre as doutrinas objectivistas merece referência a teoria da impressão do

destinatário: declaração deve valer com o sentido que 1 destinatário razoável,

colocado na posição concreta do real destinatário lhe atribuiria, vai-se considerar

o real declaratário nas condições concretas em que se encontra e com os

elementos que conhece, mais os que uma pessoa razoável (normalmente

esclarecida, zelosa e sagaz – o bónus pater famílias, teria conhecido e figura-se

em raciocínios sobre essas circunstancias, como o teria feito um declaratario

razoável.

Trata-se da posição mais justa, já que tutela a legitima confiança do

declaratário, é também a mais fácil, rápida e confere maior segurança ao

comercio juridico. Posição adoptada pelo nosso código no artigo 236º/1.

Page 97: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

97

Este sentido que corresponde à impressão do destinatário sofre, no entanto

uma limitação (defendida por Larenz e Ferrer Correia): para que tal sentido possa

relevar, torna-se necessário que seja possível a sua imputação ao declarante, isto

é, que este pudesse razoavelmente contar com ele – artigo 236º/1 parte final.

Considera-se que só seja justificado fazer responder o declarante por um sentido

que não deu à declaração, se este sentido lhe era imputável limitação

subjectivista.

Esta teoria da impressão do destinatário envolve um ónus da adequada

manifestação da vontade por parte do declarante. Este deve escolher os meios

convenientes para exprimir um sentido que não seja reconhecido ou cognoscível

pelo declaratario. Assim, se o declarante se move em circunstâncias especiais

deve tomar a iniciativa de se expressar convenientemente para o sentido ser

correctamente apreendido.

Outra excepção é a consagrada no artigo 236º/2, de acordo com a máxima

julsa demostratio non nocet estabelece que sempre que o declaratario conheça a

vontade real do declarante, é de acordo com o ultimo que vale a declaração.

Assim, o sentido querido pelo declarante releva mesmo quando a declaração é

ambígua ou inexacta se o declaratario conhecer o seu sentido. Tendo em atenção,

no entanto, as limitações para os negócios formais previstos no artigo 238º/2.

Não haverá declaração negocial se faltar a vontade de acção – artigo

246º.

Quando a interpretação leve a um resultado duvidoso, deveremos atender ao

artigo 237º, prevalecendo nos negócios gratuitos o sentido menos gravoso para o

disponente e nos onerosos o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações. Se,

no entanto, a duvida for insanável devemos aplicar por analogia o artigo 224º/3,

sendo a declaração ineficaz.

Nos contratos de adesão, defende-se o princípio de que na dúvida deve

intrepertar-se contra o emitente das condições gerais pré-ordenadas.

A doutrina tradicional sofre certos desvios que se traduzem:

a) Maior objectivismo: é o que sucede nos negócios formais. Nestes o

sentido objectivo corresponde à impressão do destinatário, não pode valer se não

tiver um mínimo de correspondência, embora imperfeita, no texto do documento

– artigo 238º/1. A consequência, defende Manuel de Andrade é a nulidade em

sede interpretativa, pois o que temos é um problema de vício de forma (o sentido

não está formalizado) cuja sanção correspondente é a nulidade – artigo 220º.

Admite-se, no entanto, que um sentido não traduzido no documento possa valer

desde que:

Corresponder à vontade real e concordante das partes, mesmo no caso de

impropriedade das expressões utilizadas, é a falsa demonstrato non nocet – artigo

238º/2;

Page 98: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

98

Não oposição a essa validade das razões determinantes da forma do

negócio (certeza e segurança ou interesses de terceiros) – artigo 238º/2 (parte

final);

b) Maior subjectivismo: é o caso das disposições testamentárias. Na sua

interpretação consagra-se o sentido subjectivo, em que vale a vontade real do

testador, estando esta condicionada pelo contexto do testamento – artigo 2187º -

o significado decisivo é o que o testador quis dizer. Na pesquisa desta vontade do

testador é admitido o recurso à prova complementar, ou seja, elementos ou

circunstâncias estranhas aos termos do testamento, fundadas em qualquer dos

meios de prova geralmente admitidos (esclarecimentos orais ou escritos,

anotações pessoais, etc). Exige-se, no entanto, que a vontade assim reconstituída

tenha um mínimo de correspondência, ainda que imperfeita no contexto.

Limitação dada pelo teor do documento que manifesta o carácter solene do

negócio testamentário – artigo 2187º/2. Podemos retirar deste artigo as seguintes

conclusões:

1- Invalidade de um sentido contrário ao texto do testamento, ainda que

alicerçado noutros meios probatórios;

2- Admissibilidade das disposições testamentárias tácitas –artigo 217º/2;

3- O testador pode utilizar no testamento um termo numa acepção pessoal,

inteiramente fora dos usos gerais da língua, mas desde que dê a entender por

qualquer forma no testamento (com essa expressão entre aspas ou seguida de

reticências) ou que se prove que a significação anómala era utilizada

habitualmente pelo testador – exemplo: A diz que deixa a sua biblioteca a B, se

se provar que A não tinha biblioteca e que utilizava essa expressão para significar

garrafeira é valido esse legado há aqui um mínimo de correspondência no

testamento. Já haverá nulidade do testamento se o testador usou termos numa

acepção extravagante que estava fora dos seus próprios hábitos de linguagem, ou

incorreu em erro na declaração. Com a excepção de no testamento constarem

outras referencias que levem a considerar (clarificar) patente o significado

extravagante ou o erro (na ultima hipótese rege o artigo 2203º) exemplo: A quis

deixar os seus bens a Clara e escreveu (a quem eduquei), foi ele quem a educou

durante 15 anos escreveu “ se se apurar que a única pessoa que A educou foi

Clara é patente que A queria referir-se a Clara e aí já surgirá efeitos) (o exemplo

está meio confuso, mas dá para perceber).

Integração dos negócios jurídicos: o problema é o de saber qual a

regulamentação das questões não previstas pelas partes, nem resultantes de

disposição legal imperativa ou supletiva, mas exigida pela resolução do litigio

entre as partes e que estas deveriam ter previsto aquando do ordenamento

negocial das suas relações. Nestes casos o artigo 239º remete em primeiro lugar

para a vontade hipotética das partes, ou seja, a vontade que teriam tido caso

tivessem previsto o ponto omisso. Esta integração deve ser determinada para

cada negócio e não para os vários tipos de negócios. No entanto, o juiz dever-se-

á afastar da vontade hipotética quando a solução que as partes teriam estipulado

contrarie os ditames da boa fé. Neste caso a declaração deve ser integrada de

acordo com as exigências da boa fé (entenda-se boa fé objectiva) –regras de

Page 99: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

99

honradez e honestidade que as partes devem pôr na celebração e conclusão dos

negócios. As próprias normas supletivas poderão, em casos excepcionais, não se

aplicar por contrariarem o comando da boa – fé – artigo 334º. É de referir que há

prioridade da aplicação do direito supletivo sobre o problema da integração

negocial, tudo porque o direito supletivo obedece à resolução de interesses gerais

e porque esta vontade hipotética não é verdadeiramente manifestada por qualquer

das partes. Assim, havendo norma supletiva não há verdadeiramente uma lacuna,

daí o artigo 239º referir “na falta de disposição legal”.

Certos problemas, mesmo que seja evidente a prova da vontade hipotética das

partes não podem ser equacionadas e resolvidos em sede de integração. A

integração não pode conduzir a uma ampliação do objecto negocial que foi

pretendido pelas partes, ou seja, não pode ir contra o que está expressamente no

contrato, exemplo: A vende a B uma tonelada de açúcar pelo preço de x, não

pode agora pretender-se a entrega de uma tonelada e meia pelo mesmo preço,

mesmo que se prove que no momento do contrato A teria vendido e B teria

comprado mais esses 0,5 toneladas, se a questão tem sido abordada.

#

Divergência entre a vontade e a declaração:

I- Noções gerais: normalmente há coincidência entre a vontade (elemento

interno) e a declaração negocial (elemento externo). No entanto, pode haver dois

tipos de vícios:

a) Na formulação da vontade (divergência entre a vontade real e a declaração

– entre o querido e aquilo que foi declarado;

b) Na formação da vontade: a vontade não foi formada livre e

esclarecidamente, há uma divergência entre a vontade hipotética e a vontade real.

Divergência entre a vontade real e a declaração pode ser:

a) Intencional: quando o declarante emite, consciente e livremente uma

declaração com um sentido objectivo diverso da sua vontade real

b) Não intencional: quando o declarante não se apercebe da divergência ou

porque é forçado irresistivelmente a emitir uma declaração diferente da sua

vontade real.

Intencional Não intencional

Simulação

Reserva mental

Declarações não sérias

Erro, (…)

Falta consciência do dec

Coação física

Page 100: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

100

Analisemos o aspecto teleológico dos interesses em jogo:

O Interesse do declarante reclamando o principio da autonomia da vontade

aponta para a sua não vinculação ao sentido objectivo da declaração que não

coincide com a sua vontade real, apontando para a invalidade do negócio.

O interesse do declaratário aponta para a tutela da confiança e para a

irrelevância da divergência. Há a pretensão da protecção das legítimas

expectativas. Tal como para a auto – responsabilidade do declarante.

O interesse de terceiros também concorre aqui, terceiros aos quais podem

derivar direitos ou que podem ter adquirido direitos quer do declarante, quer do

declaratário.

Releva ainda o interesse geral do comércio jurídico que aponta para a

segurança e celeridade no tráfego e, como tal, para as legitimas expectativas do

declaratario.

Interesses fundamentais para a validade e produção dos efeitos da declaração.

Teorias que visam resolver o problema:

a) Teoria da vontade: defende a invalidade do negócio logo que haja uma

divergência entre a vontade e a declaração sem necessidade de mais requisitos –

Savigny;

b) Teoria da culpa in contrahendo: acrescenta à teoria anterior a obrigação

de indemnizar por parte do declarante se houve ou dolo deste e boa fé do

declaratario. Cobre o interesse contratual negativo ou interesse da confiança,

repondo o declaratario lesado na situação em que estaria se não tivesse concluído

o negócio. Ihering,

c) Teoria da responsabilidade: assenta na teoria anterior, mas no caso de

dolo ou culpa do declarante , estando o declaratário de boa – fé o negócio é

válido. Começa o declarante a responder pela aparência exterior da sua vontade,

como se de facto a tivesse querido.

d) Teoria da declaração: dá relevo fundamental à declaração, ao que foi

exteriormente manifestado, com as seguintes modalidades:

1- A mais extrema em que há uma adesão rígida à expressão literal;

2- A chamada doutrina da confiança, a divergência só produz a invalidade se

for conhecida ou cognoscível do declaratário.

3- A doutrina da aparência eficaz, limita a doutrina da confiança apenas aos

casos em que o declaratario confiou efectivamente nesse sentido (exclui-se os

casos em que ele confiou num terceiro sentido)

Não há, no entanto, uma teoria que se possa aplicar às várias modalidades de

divergência. Não são idênticas as soluções mais razoáveis específicas de cada

uma das várias divergências entre o “querido” e o “declarado”.

I – A simulação: Noção e elementos: trata-se da principal divergência entre a vontade real e

a declaração negocial.

Page 101: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

101

Simulação: é a divergência intencional entre a vontade real do declarante e a

declaração negocial. Divergência procedente de acordo entre o declarante e o

declaratario e determinada pelo intuito de enganar terceiros – artigo 240º/1.

Temos três elementos:

a) Intencionalidade da divergência;

b) Acordo entre declarante e declaratario, chamado acordo simulatório;

c)Intuito de enganar terceiros.

Modalidades e seu regime:

Simulação inocente: há apenas um mero intuito de enganar terceiros, sem

os prejudicar (animus decipiendi). Realizada sobretudo por razões sociais (ex. A

doa a B um faqueiro de prata havendo entre eles acordo de devolução, tudo para

crer a C e D, seus vizinhos, que A é muito rico) é rara.

Simulação fraudulenta: há não só o intuito de enganar terceiros, como

também o de os prejudicar ou de contornar uma norma legal imperativa (animus

nocendi), exemplo: venda efectuada por um devedor a um comprador fictício, de

forma a enganar os seus credores; exemplo 2 – venda de imóvel simulado um

preço inferior ao real para prejudicar a fazenda nacional ou simulando um preço

superior para prejudicar um preferente, etc.

Simulação absoluta: as partes fingem celebrar um negócio jurídico e na

realidade não querem celebrar nenhum negócio jurídico. Há apenas o negócio

simulado e por detrás dele nada mais. Simulação relativa: as partes fingem

celebrar um certo negócio jurídico e na realidade querem um outro negócio

jurídico de tipo ou conteúdo diverso. Por detrás do negócio simulado há um

negócio dissimulado ou oculto.

Efeitos da simulação absoluta: a simulação importa a nulidade do negócio

simulado – artigo 240º/2. Aqui não há que defender as expectativas do

declaratário já que este tem conhecimento e intervém no acordo simulatório.

Apenas os interesses de terceiros de boa fé que tenham confiado na validade do

negócio exigem ponderação.

Nulidade que pode ser invocada por qualquer interessado, de acordo com o

artigo 286º, até pelos próprios simuladores, ainda que a simulação seja

fraudulenta como resulta do artigo 242º/1, pode ser deduzida tanto por via de

acção como por via de excepção artigo 287º/2, pode ser arguida a todo tempo

quer o negócio esteja ou não cumprido.

No caso da simulação, não poderá haver, regra geral, usucapião, pois o

adquirente é um possuidor precário – artigo 1253º/c – com a excepção do artigo

1290º.

Modalidades da simulação relativa:

Page 102: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

102

Subjectiva: são simulados os próprios sujeitos do negócio jurídico, é o que

acontece com a interposição fictícia de pessoas: A quer dar um prédio a B, mas

finge doar a C para este posteriormente doar a B, havendo concluio entre os três.

Pode-se fazer isto para fugir aos artigos 953º e 2196º (o interposto aqui é um simples “testa de

ferro”)??????

Supressão de um sujeito real: faz – se uma venda de A a B e outra de B a C,

mas para pagar uma só SISA os três sujeitos concordam em documentar numa só

escritura uma só venda de A a C.

Não confundir com a interposição real: o interposto actua em nome próprio

mas no interesse e por conta de outrem, por força de um acordo entre ele e só um

dos sujeitos (ex. A está interessado num bem que B não lhe vende, vai acordar

com C no sentido deste comprar o bem a A e depois lhos vender) – não havendo

concluio entre os três sujeitos, não há simulação mas um mandato sem

representação , mesmo que a outra parte saiba que o interposto não actua em

nome próprio – artigo 1180º.

Objectiva: é simulado o conteúdo do negócio e pode ser:

Sobre a natureza do negócio: o negócio simulado é de um tipo jurídico

diverso ao negócio dissimulado (ex. finge-se uma venda e quer-se uma doação);

Sobre o valor do negócio: há divergência relativa ao quantuum da venda,

fingiu – se um preço superior ou inferior ao preço real.

Efeitos da simulação relativa: tal como a simulação absoluta, o negócio

simulado está ferido de nulidade – artigo 240º/2.

Quanto ao negócio dissimulado aplica-se o artigo 241º e este será objecto do

tratamento jurídico que lhe caberia se tivesse sido concluído sem dissimulação.

Assim, o negócio dissimulado poderá ser válido e eficaz como poderá ser

inválido consoante que aconteceria se o negócio tivesse sido abertamente

concluído.

Efeitos da simulação quanto aos negócios formais:

A lei estabelece um regime especial para os negócios formais no artigo

241º/2. Nesta questão a doutrina divide-se, quando o negócio dissimulado é de

carácter formal:

Doutor Mota Pinto defende que o negócio dissimulado será nulo por vicio de

forma se este não respeitar o formalismo exigido, mesmo que a sua forma fique

satisfeita com as solenidades próprias do negócio simulado. Baseia-se no

argumento literal da lei “só é válido se tiver sido observada a forma exigida por

lei” nada dizendo para o caso de as razões de formalismo do negócio dissimulado

se acharem satisfeitas com a observância de solenidades do negócio simulado e

no argumento racional de que a forma legal não visa dar só a conhecer a

trasmissao dos bens, mas também a coisa da sua transmissão. Admite-se uma

excepção para o caso de as partes fazerem constar das declarações uma

contradeclaração – um escrito de reserva com os requisitos formais exigidos para

Page 103: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

103

esse negócio (algo que nos parece absurdo porque ao fazer isso, por exemplo

numa escritura pública tal traria a descoberto o negócio simulado e o notário não

celebraria o negócio).

Doutor Orlando de Carvalho, Pires de Lima, Antunes Varela e Manuel de

Andrade defendem uma outra posição, defendendo que o negócio dissimulado

não deveria ser nulo se as razões que estão na base da exigência da sua forma

ficarem satisfeitas com a observância das solenidades próprias do negócio

simulado. Há como que um aproveitar da forma do negócio simulado sempre que

esta coincidir com a forma do negócio dissimulado.

Legitimidade da invocação da simulação: o artigo 242º/1 atribui

legitimidade aos próprios simuladores para a arguição da nulidade mesmo sendo

a simulação fraudulenta. Algo que, no entanto, sofre uma apreciável restrição

indirecta por força do artigo 394º/2 onde se estatui a inadmissibilidade da prova

testemunhal no acordo simulatório e do negócio dissimulado. A prova é quase

restringida à prova documental e à confissão, estando inadmissíveis a prova

testemunhal e a prova por presunções em virtude do artigo 351º (julgo).

A nulidade do negócio simulado, tal como todas as nulidades, podem ser

invocadas por qualquer interessado e declarada ex officio pelo tribunal – artigo

286º. Após a morte do de cuius os herdeiros legitimários, como quaisquer outros

herdeiros podem arguir a nulidade dos actos simulados praticados pelo de cuiuis.

Só que intervêm como sucessores do simulador e não como terceiros.

Em vida do hereditando o artigo 242º/2 permite aos herdeiros agir em vida do

autor da sucessão contra os negócios por ele simuladamente feitos com intenção

de os prejudicar, não bastando que provoque graves prejuízos.

São terceiros interessados na nulidade: a) fazenda nacional; b) os preferentes;

c) os credores (mesmo que não haja insolvência – artigo 605º/1.

Conflitos entre terceiros de boa fé: são possíveis conflitos entre terceiros

que pretendem arguir a nulidade do negócio e terceiros cujos interesses exigem

que o negócio seja considerado como válido. O código não tem normas explícitas

sobre estes conflitos. Vejamos algumas hipóteses:

1- Conflito entre credores comuns do alienante simulado e credores comuns

do simulado adquirente : Manuel de Andrade defende que se deve dar

preferência aos últimos;

2- Conflito entre credores comuns do simulado alienante e subadquirentes do

simulado adquirente : devem prevalecer os interesses dos últimos diz Manuel de

Andrade.

3- Conflito entre subadquirentes do simulado alienante e subadquirentes do

simulado adquirente: sendo aquisições tidas como válidas, trata-se de um

problema de incompatibilidades entre direitos reais adquiridos do mesmo

transmitente - prevalece a venda mais antiga ou a que primeiro foi registada.

Prova da simulação: a prova do acordo simulatório e do negócio

dissimulado por terceiros é livre, podendo ser feita por qualquer um dos meios

admitidos na lei: confissão, documentos, testemunhas, presunções, etc.

Page 104: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

104

Reserva Mental: o declarante emite uma declaração não coincidente com

a sua vontade real, sem qualquer concluio com o declaratário, visando enganar

este. Está prevista no artigo 244º/1. São duas as notas que a definem:

a) Emissão de uma declaração contrária à vontade real;

b) Intuito de enganar o declaratário.

Apenas com intuito de enganar: ex. A declara a B fazer-lhe uma doação,

sem que na realidade tenha essa intenção, pois visa apenas dissuadir B do

suicídio pela sua grave situação económica;

Fraudulenta: para além do intuito de enganar, há ainda intenção de

prejudicar (ex. A declara comprar a B um automóvel para o enganar, não tendo

intenção de fazer qualquer compra, tendo feito a declaração por julgar

erradamente que a lei exige escritura pública para a venda do automóvel e que

depois podia arguir a nulidade).

Os efeitos desta figura são determinados pelo artigo 244º/2.

A declaração negocial emitida com a reserva ocultada ao declaratario é, em

principio válida, salvaguardando, assim, condições de justiça e de segurança do

comércio jurídico e da confiança da contraparte.

O negócio será, no entanto, nulo se o declaratário teve conhecimento da

reserva. Aqui não há confiança a proteger. Não bastará para a relevância da

reserva a sua cognoscibilidade, sendo necessário o seu efectivo conhecimento.

Terá, no caso de ser nulo, os efeitos da simulação.

Existe uma excepção colocada pela doutrina, por exemplo nos casos em que

se tenta dissuadir de um suicídio ou de um acto patrimonialmente ruinoso. Aqui

aplicar-se-á a cláusula geral do abuso de direito – artigo 334º, visto que excede

os limites da boa fé e dos bons costumes a pretensão do declaratario no sentido

da validade dessa declaração, neste sentido Mota Pinto e Orlando de Carvalho.

Declaração não séria: o declarante emite uma declaração não coincidente

com a sua vontade real, sem o intuito de enganar qualquer pessoa, procedendo-se

na expectativa de que a falta de seriedade não passe despercebida. Podem ser

declarações jocosas, cómicas, didácticas, publicitárias, etc. Na chamada graça

malévola apesar de ter uma finalidade também jocosa ela é reserva mental e não

declaração não seria porque se espera que a outra parte caia no engano. Em

principio carece de qualquer efeito – artigo 245º/1, porque não chega a haver

uma verdadeira declaração, se o declaratário conhecia a falta de seriedade ou

pelo menos esta era exteriormente perceptível.

O artigo 245º/2 estabelece um regime especial no caso da declaração ser feita

em circunstâncias que induzem o declaratário a aceitar justificadamente a sua

seriedade. Neste caso a declaração também não tem qualquer efeito, no entanto

há responsabilidade do declarante pelo interesse negativo ou confiança –

responsabilidade pré-negocial.

Page 105: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

105

Divergências não intencionais entre a vontade e a declaração:

I- Coação física ou coacção absoluta: o declarante é transformado num

autómata, sendo forçado a dizer ou a escrever o que não quer, não através de uma

mera ameaça, mas pelo emprego de uma força física irresistível que o

instrumentaliza e o leva a adoptar o comportamento (ex. torcer o braço de

alguém para o obrigar a assinar um papel).

Distingue-se da coação relativa, porque nesta a liberdade está cercada, mas

não completamente excluída, ao contrário da coação absoluta em que o coagido

não pode combater esse mal. A coação física, comporta, nos termos do artigo

246º a ineficácia da declaração negocial, esta não produz quaisquer efeitos. Não

havendo dever de indemnização a cargo do declarante.

II- Falta de consciência na declaração: o declarante emite uma declaração

sem sequer ter a consciência (a vontade de fazer uma declaração negocial,

podendo até faltar completamente a vontade de agir) – ex. negócio em estado de

sonambulismo, ex. um indivíduo que entra num leilão e faz um gesto para

cumprimentar alguém que é tomado como um lance sem que a pessoa se

aperceba disso. O artigo 246º estatui que o negócio não produz quaisquer efeitos,

porque não há um comportamento humano consciente e voluntário, mas sim

involuntário e mesmo reflexo. Algo que a doutrina Alemã não aceita

calmamente. Estabelece-se, no entanto, no fim do artigo 246º que se o declarante

tiver culpa na falta de consciência da declaração, o declaratario tem o direito a

ser indemnizado pela chamada responsabilidade pré-negocial. Algo que Larenz e

Canaris chamam de responsabilidade por uma aparência jurídica (ex. no

caso do leilão se o amigo que ele quer cumprimentar nem sequer estiver virado

para ele, mas ele acena com a mão à mesma e isso é tomado como um lance pelo

leiloeiro).

III- Erro na declaração ou erro-obstáculo: o declarante emite a declaração

divergente da vontade real, sem ter consciencia dessa falta de coincidência – caso

do lapsus lingual ou lapsus calami ou pelo chamado erro in predicando –

atribuição às palavras de um significado diverso do seu sentido objectivo.

É diferente das chamadas declarações sob o nome de outrem – nestas, ao

contrário do erro – obstáculo não há qualquer comportamento por parte do

sujeito a quem a declaração é atribuída (A faz-se passar por B fazendo um

negocio e falsificando a sua assinatura) – esta hipótese estará sob o artigo 246º -

através de uma aplicação analógica , o negócio será no entanto eficaz

relativamente ao declarante aparente se este o aprovar – falsa demonstratio non

nocet.

No caso de erro – obstáculo o princípio geral consta do artigo 247º, exigindo-

se para a anulação que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a

essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro.

Mota Pinto critica este requisito dizendo que facilita os interesses do

declarante para anular o negócio, sacrificando-se em demasia os interesses do

Page 106: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

106

declaratario e os do comércio jurídico, dizendo que se deveria ir mais além

exigindo o conhecimento ou a cognoscibilidade do erro.

No entanto, se o erro fosse conhecido, o problema não se resolveria em sede

de erro – obstáculo, mas em sede interpretativa – artigo 236º/2. Deslocar-se-ia

para uma área de validade, deixando uma área de invalidade do artigo 247º. Se o

erro é apenas cognoscível o caso será resolvido em sede de erro – obstáculo se

for relevante o que tornará o negócio inválido e será resolvido em sede

interpretativa se o erro é irrelevante.

Mota Pinto defende que nalguns casos, em que a aplicação do artigo 247º lese

com extrema injustiça os interesses do declaratario, poder-se-ia obstar à anulação

com base em abuso de direito – 334º.

No artigo 248º consagra-se uma excepção no caso do declaratario aceitar o

negócio como o declarante queria a anulabilidade fundada em erro não procede.

(ver o artigo 248º).

Segundo o artigo 249º o erro de cálculo ou escrita revelados no contexto da

declaração ou nas circunstâncias que a acompanham não dão lugar à

anulabilidade mas apenas à rectificação do negócio.

Pode haver o caso em que o declaratário compreendeu um terceiro sentido

que não coincide com o querido pelo declarante nem com o sentido declarado.

Falamos neste caso de dissenso.

O dissenso pode resultar de uma falta de acordo dos sentidos objectivos (ex.

A declara vender x e B declara comprar y) como consequência há quem defenda

que:

a) O negócio é inexistente – Mota Pinto, Oliveira Ascensão e Carvalho

Fernandes;

b) Que é nulo – Castro Mendes;

c) Que ele não foi concluído porque não houve acordo nos termos do artigo

232º;

Pode, no entanto, haver acordo dos sentidos objectivos mas desacordo entre

as vontades reais:

a) Uma só das partes atribuiu à sua declaração um sentido diverso do que tem

objectivamente – aplica-se a doutrina do erro – obstáculo,

b) Cada uma das partes atribui ao negócio um sentido diverso não coincidente

com o seu teor objectivo – hipótese acima transcrita. Aqui o dissenso tem

interesse autónomo. Mota Pinto defende que a declaração é anulável sem a

exigência dos requisitos do artigo 247º.

Erro na transmissão da declaração: hipótese prevista no artigo 250º que

o regulamenta o seu nº1 nos mesmos termos do erro – obstáculo, ou seja, é

anulável se o declaratario conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade

para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro. Mota Pinto transporta as

suas críticas face ao erro – obstáculo nos mesmo termos para este regime.

Existe uma excepção estabelecida no artigo 250º/2 – admitindo-se a anulação

sempre que o intermediário emite intencionalmente, ou seja, com dolo uma

declaração diversa da vontade do declarante. No entanto, o declarante deve

Page 107: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

107

suportar o risco de uma transmissão defeituosa ou de uma deturpação ocorrida

enquanto a declaração não chega à esfera do declaratario. (ex. telegrafista

transmite em vez da compra de 20 cavalos, a compra de 18, face à pequena

diferença o negócio deve-se considerar válido e o declarante deve suportar esse

risco).

#

Vícios da vontade:

Generalidades: trata-se de perturbações do processo formativo da vontade

negocial, de tal forma, que esta, embora concorde com a declaração é

determinada por motivos considerados como ilegítimos. Assim, o declarante diz

o que queria dizer mas isso está inquinado por uma má formação da vontade. Se

ele conhecesse os termos e circunstâncias do negócio jurídico não tomaria essa

decisão mas uma outra ou então nem tomaria decisão nenhuma.

O erro como vicio da vontade:

Ignorância ou representação inexacta por parte do declarante de uma

qualquer circunstancia de facto ou de direito que foi determinante na formação da

sua vontade negocial de tal modo que se ele estivesse esclarecido acerca dessa

circunstancia não teria realizado o negócio ou não o teria realizado nos precisos

termos em que o concluiu. É o que os Alemães chamam de erro – motivo

“Motivirnt” (ta mal a palavra em alemão!).

Distinção entre erro – vício / e erro obstáculo e / pressuposição:

O erro – vicio é um erro na formação da vontade e diz respeito a

circunstâncias anteriores ou contemporâneas à conclusão do negócio. Há

divergência entre a vontade real e a vontade hipotética.

O erro obstáculo é um erro na formação da vontade – há divergência entre

vontade real e a declaração.

Pressuposição: convicção por parte do declarante de que certa circunstância

se verificará no futuro ou de que se manterá um certo estado de coisas. A

alteração anormal das circunstâncias constitui fundamento de resolução ou

modificação do contrato previstos os pressupostos / 437º (não é erro). (…)

Modalidades:

a) Erro sobre a pessoa do declaratario: erro sobre a identidade e erro sobre

as qualidades (exs. A contrata com B julgando que este é C; A contrata com B

porque pensa erradamente que este é filho de um seu amigo) – artigo 251º

b) Erro sobre o objecto do negócio: pode incidir sobre o objecto mediato -

sobre a identidade ou sobre as qualidades (ex. A compra um terreno julgando

erradamente que ele tem água); objecto imediato – sobre a natureza do negócio

(ex. A contrata com B julgando que o contrato tem os efeitos de locação quando

afinal tem os efeitos de uma venda a prestações). 251º

Page 108: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

108

c) Erro sobre os motivos do negócio: é uma noção residual, trata-se de um

erro que recaia nos motivos determinantes da vontade, mas que não se refira à

pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio. Nele podemos integrar o erro

sobre pessoa de terceiros e o erro sobre os fins ou objectivos de natureza

subjectiva que motivam o declarante – artigo 252º.

Condições gerais de relevância do erro – vicio como motivo de

anulabilidade:

a) Essencialidade: o erro tem de ser essencial, ou seja, tem que ter motivado

a conclusão do negócio em si mesmo e não apenas nos termos em que foi

concluído. O erro tem de ser causa da celebração do negócio e não apenas dos

seus termos – o erro é essencial se sem ele não se celebraria o negócio ou se

celebraria um negócio com outro objecto ou de outro tipo ou com outra pessoa.

Caso contrário o erro é incidental – influiu apenas nos termos do negócio pois

o errante contrataria, sempre, embora noutras condições. Este erro não releva tal

como não releva o erro indiferente em que mesmo sem ele o negócio teria sido

concluído nos mesmos termos em que foi. Para o caso do erro incidental Mota

Pinto defende a aplicação analógica do 911º sendo o negócio válido nos termos

em que teria sido concluído sem o erro; O Doutor Mota Pinto e também Carvalho

Fernandes prevêm a redução do negócio segundo os termos da norma geral –

artigo 292º.

b) Propriedade: o erro tem de ser próprio. Ele só é próprio quando incide sobre

uma circunstância que não seja a verificação de qualquer elemento legal da

validade do negócio. O erro será impróprio quando versa sobre os requisitos

legais da forma negocial, capacidade do errante,etc ( no entanto o erro sobre as

qualidades da pessoa do declaratario é já erro sobre a pessoa do negócio – ex.

incapacidade do declaratario. Aqui o fundamento da invalidade não é o erro mas

o requisito legal cuja deficiência vicia o negócio.

Na vigência do Código de Seabra a doutrina considerava ainda:

a) Escusabilidade: necessidade de ausência de culpa da parte do errante. O erro

indesculpável ou grosseiro, segundo Cabral de Moncada e outros, não anularia o

negócio, embora houvesse doutrina (Manuel Andrade e Ferrer Correia) que

defendesse que a anulabilidade ocorreria mesmo no caso de erro culposo, pois a

situação do contraente não enganado já é tomada em conta ao permitir-se a

anulação apenas quando se verifiquem certos requisitos especiais. Face ao novo

código este requisito é dispensável. No entanto, no caso de erro culposo, não

obstante a anulação, os interesses da outra parte estão protegidos pelo artigo 227º

- responsabilidade pré – negocial.

b)Individualidade ou singularidade: quando fosse exclusivamente do errante e

não de toda a gente em geral (Manuel de Andrade) afirmava o absurdo deste

critério, já que quando o erro é comum a uma generalidade de pessoas é que mais

Page 109: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

109

justificado se torna que o errante o possa invocar para a anulação do negócio. Em

face do nosso código essa exigência é ainda mais indefensável. (invocavam o

artigo 664º do código de Seabra, interpretavam à letra).

Condições especiais de relevância do erro – vicio como motivo de

anulabilidade

Erro sobre os motivos: o artigo 252º/1 permite a anulação desde que haja

uma cláusula verbal ou escrita, expressa ou tácita, no sentido de a validade ficar

dependente da existência da circunstância sobre que versou o erro. Não basta ou

conhecimento ou cognoscibilidade do erro pois tal daria lugar a bastantes litígios

que se repercutirão na celeridade e segurança jurídicas, até porque as pessoas

contratam pelos mais diversos motivos.

O artigo 252º/2 estabelece um regime especial para certos casos de erro sobre os

motivos, se o erro incidir sobre as circunstancias que constituem a base negocial,

representação mental de uma das partes, reconhecida pela outra, ou a

representação comum de vários interessados acerca da existência ou ocorrência

de determinadas circunstancias, sobre a base das quais se funda a vontade do

agente. Nestes casos haverá lugar á anulabilidade nos termos dos artigos 437º a

439º, erro relativamente ao qual se forma a base do negócio, com base no qual as

partes fixaram os pressupostos da contratação, erro normalmente bilateral sobre

as condições fundamentais do negócio jurídico que determinam ambas as partes,

ou determina uma das partes e em que a outra não poderia deixar de aceitar o

condicionamento do negócio sem violação dos ditames da boa fé.

Não sendo o artigo autónomo, já que remete para o 437º, coloca-se a questão:

terá lugar a anulabilidade, como acontece nos demais erros vicio? Ou haverá

lugar à resolução ou modificação do contrato nos termos da alteração

superveniente das circunstancias do artigo 437º? .ou seja, esta remissão é para os

pressupostos ou para os pressupostos e para a sanção?

Mota Pinto defende que será só para os pressupostos, sendo a sanção a da

anulabilidade pois no caso de erro sobre a base negocial, o estado de coisas

erradamente figurado é anterior ou contemporâneo do negócio, ou seja, está na

génese do negócio, não é uma vicissitude surgida depois do negócio como

acontece com a alteração superveniente das circunstâncias. O erro sobre a base

negocial é um vício na formação da vontade e não algo posterior.

Erro sobre o objecto do negócio: o artigo 251º prevê que o negócio será

anulável nos termos do artigo 247º, ou seja, desde que o declaratário conhecesse

ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante do elemento sobre que

incidiu o erro. Mota Pinto mantém as suas críticas para este regime, que

anteriormente fizera para o erro na declaração. Não se faz qualquer delimitação

das qualidades do objecto no artigo, no entanto, é necessário uma delimitação,

pois seria absurdo, por exemplo anular o negócio com fundamento no

desconhecimento de um preço mais barato noutro local. Serão, então qualidades

do objecto: a) a constituição material do objecto (ex. se é de ouro ou de prata); b)

Page 110: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

110

as condições factuais ou jurídicas que pela sua natureza e duração evoluem no

valor ou no préstimo desse objecto (ex. se o objecto é usado ou não).

Erro sobre a pessoa do declaratario: está igualmente previsto no artigo 251º,

remetendo a sua anulabilidade para os termos do artigo 247º, na mesma maneira

que o erro sobre o objecto do negócio acima analisado.

Anulabilidade de todos eles: a) só pode ser invocada pelo errante, enganado,

coacto ou incapaz; b) só pode ser invocada no ano subsequente à cessão do vicio,

no entanto se o negócio não estiver cumprido pode ser invocada a todo tempo; c)

pode ser sanada por confirmação (…)

Artigos 287º e 288º

#

O Dolo:

A noção de dolo consta do artigo 253º/1. Trata-se de um erro determinado por

um certo comportamento da outra parte. Existirá dolo quando se verifique o

emprego de qualquer sugestão ou artificio com a intenção ou consciência de

induzir ou manter em erro o autor da declaração – dolo positivo ou comissivo, ou

quando tenha lugar a dissimulação pelo declaratario ou por terceiro do erro do

declarante, há um dever de elucidar por força da lei, de estipulação negocial das

partes ou das concepções dominantes do comercio jurídico e o declaratario ou

terceiro não o fazer – dolo negativo ou omissivo.

Não há dolo no caso de erro provocado por informações inexactas sem

intenção ou consciência de enganar, embora com negligência. No entanto, quem

provocou o erro poderá incorrer em responsabilidade civil. Segundo o artigo

253º/2 só haverá dolo quando exista dever de elucidar por força da lei, de

estipulação negocial ou das concepções dominantes no comércio jurídico. Não

será, portanto dolo, segundo o mesmo artigo as sugestões ou artifícios usuais

considerados legítimos segundo as concepções dominantes no comércio jurídico

(exemplo, A diz a B que o lote de acções vai subir proximamente – é algo que

qualquer vendedor diz e se o comprador cai é porque é ingénuo).

Modalidades:

Dolus bonus: sugestões ou artifícios usuais e toleráveis (considerados

legítimos), concepções imperantes no comércio jurídico – artigo 253º/2.

Dolus malus: sugestões ou artifícios que alguém emprega com a intenção ou

a consciência de conduzir ou manter em erro, que não são usuais, bem como a

dissimulação quando o dever de elucidar o declarante resulta de lei, estipulação

negocial ou das concepções dominantes do comércio jurídico.

Só é relevante como fundamento de anulabilidade e de responsabilidade o

dolus malus.

Page 111: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

111

Dolo inocente: não há intuito enganatório.

Dolo fraudulento: há intuito ou consciência de prejudicar.

Dolo essencial: o enganado foi induzido pelo dolo a concluir o negócio em si

mesmo e não apenas nos termos em que foi concluído, sem dolo não se teria

concluído qualquer negócio.

Dolo incidental: o enganado apenas foi influenciado quanto aos termos do

negócio, ele contrataria sempre, mas noutras condições. Não conduzirá este dolo

necessariamente a anulação como defendeu Mota Pinto anteriormente para o erro

– vício.

Efeitos: o principal efeito do dolo é a anulabilidade do negócio – artigo

254º/1, mas acresce a responsabilidade pré-negocial do autor do dolo por ter

dado origem à invalidade, com o seu comportamento contrário as regras da boa –

fé, durante os preliminares e a formação do negócio – artigo 227º -

responsabilidade pelo dano da confiança.

- Dolo do declaratário:

a) Tem de ser dolus malus – artigo 255º/2 a contrario sensu;

b) Tem de ser essencial ou determinante (o erro é que tem que ser essencial)

c) Ser dolo positivo ou negativo (tanto faz)

d) Intenção de enganar o declarante de forma a induzi-lo ou a mante-lo na

situação de erro – artigo 253º/1;

Não é necessário que o dolo seja unilateral, o próprio dolo bilateral pode ser

invocado como fundamento de anulação – artigo 254º/1 (parte final).

Neste caso, o negócio é anulável dando lugar também a responsabilidade pré-

negocial, neste sentido Mota Pinto, Vaz Serra, Pires de Lima, Antunes Varela.

Outros autores falam de responsabilidade extra negocial por factos ilícitos –

artigo 483º ss, neste sentido12

Castro Mendes e Carvalho Fernandes.

- Dolo de terceiro – artigo 254º/2:

Aplicam-se todos os outros requisitos e ainda:

- Se o declaratario conhece ou lhe foi cognoscível o dolo de terceiro o

negócio será totalmente anulável – artigo 254º/2 (1ª parte)

- Se o declaratário não conheceu, nem devia conhecer o dolo de terceiro o

dolo só releva se ao terceiro adveio, por força do negócio directamente algum

direito (clausula a seu favor). 1- se o terceiro beneficiário foi o autor do dolo o

negócio é anulável em relação a esse sujeito mas não é anulável face ao

declaratario – invalidade parcial; 2 – se o terceiro beneficiário não foi o autor do

dolo o negócio é anulável em relação a ele se ele conhecia ou não devia ignorar o

dolo.

12

Se o dolo é exercido por um representante do declaratario ou por seus agentes a situação será tratada

como dolo do declaratário.

Page 112: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

112

A coacção moral: consta do artigo 255º/1, o seu conceito, receio de um

mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a

declaração. É, então, a perturbação da vontade traduzida no medo resultante de

ameaça ilícita de um mal com o intuito de extorquir a declaração negocial.

Só há vicio quando a liberdade do coagido não foi totalmente excluída,

quando lhe foram deixadas possibilidades de escolha, embora a submissão à

ameaça fosse a única escolha possível. Assim, mesmo no caso de ameaça com

arma de fogo ou no caso de emprego da violência física como começo para

compelir o negócio estaremos face a coação moral ou relativa. Só cairemos no

âmbito da coacção física ou absoluta quando a liberdade exterior do coagido é

totalmente excluída e ele é utilizado como verdadeiro autómato – exemplo

assinatura de um documento com a mão a ser conduzida por outrem com força

irresistível).

Não basta o simples medo ou receio, a lei no artigo 255º/1 exclui o chamado

temor reverencial - receio de desagradar a certa pessoa a quem se deve respeito

ou de quem se é dependente.

A ameaça pode dizer respeito à pessoa, honra ou à fazenda do declarante ou

de terceiro – artigo 255º/2

A coacção moral origina a anulabilidade do negócio – artigo 256º, havendo

lugar, segundo Mota Pinto a responsabilidade pré – negocial do coactor – artigo

227º

Coação exercida pelo declaratário, só será anulável se:

a) Que se trate de uma coação essencial ou principal;

b) Intenção de extorquir a declaração – artigo 255º/1 e que a declaração tenha

sido efectivamente extorquida – 256º/1 (1ª parte)

c) Ilicitude da ameaça – artigo 255º/1, esta pode resultar:

c1) Ilegitimidade dos meios empregues (ex. ameaça de agressão, de morte,

mesmo que o autor da ameaça não pretenda senão a satisfação do seu direito)

c2) Ilegitimidade dos fins (ameaça de recurso às vias de direito como

participação criminosa, penhora, etc, para conseguir vantagens indevidas,

também duma ameaça de exercício abusivo extrajudicial de um direito exemplo:

doação por um paralítico a quem ameaça abandona-lo).

Não há coacção se há apenas a ameaça de um direito para conseguir a

satisfação ou garantia de um direito existente – artigo 255º/3.

Coação exercida por terceiro:

Provoca a anulabilidade do negócio e põe a cargo do coactor uma obrigação

de indemnizar o declarante e o declaratário se este não for cúmplice do terceiro.

São exigidos para esta coação os requisitos da coacção do declaratario e

ainda:

Page 113: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

113

a) (d)Ameaça de um mal grave, algo que é apreciado objectivamente, mas em

relação aos vários tipos de indivíduos;

b) (e)Justificado receio da consumação do mal, deve-se atender à viabilidade

da sua execução, à capacidade de resistência do tipo médio de indivíduo com as

condições pessoais do declarante.

Trata-se de um regime “menos apertado” que o dolo, isto porque se o coagido

não poder invocar a coacção não poderá invocar outro vício da vontade, enquanto

que no dolo, se este não poder ser invocado, há sempre possibilidade de invocar

o erro simples.

Na anulabilidade começa a contar o prazo não a partir do momento em que é

feita a ameaça, mas a partir do momento em que cessa a ameaça. No caso de

ameaça de recorrer a vias judiciais (Capelo de Sousa defende que a ameaça

termina a partir da sentença da 1ª instancia).

#

O Estado de Necessidade: situação de receio ou temor gerada por um

grave perigo que determina o necessitado a celebrar um negócio para superar o

perigo em que se encontra, que confere à outra parte benefícios excessivos ou

injustificados. O facto que lhe dá origem pode ser natural ou humano.

Confronto com a coação: pode gerar confusão quando o estado de

necessidade for ocasionado por um facto humano (ex. alguém que tinha o dever

jurídico ex. médico, ou um imperativo moral de auxilio, só o prestando depois de

exigir uma retribuição a que não tinha direito). Há aqui um aproveitar-se da

situação, sendo que quem se aproveite não provoca essa situação, ao contrário da

coacção em que a situação é criada pelo coactor.

Efeitos: o estado de necessidade deve subsumir-se ao artigo 282º onde se

estatui a anulabilidade dos negócios usurários.

Requisitos objectivos: benefícios excessivos ou injustificados,

desproporção manifesta entre as prestações que ultrapasse o que pode ter alguma

justificação.

Requisitos subjectivos: a) - situação de necessidade, inexperiência ,

ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter. b) – conhecimento

da situação de inferioridade e aproveitamento consciente para dela tirar

benefícios.

No caso da pessoa que se aproveita conscientemente da situação de necessidade

ter o dever de auxiliar o necessitado (ex. médico que o é obrigado pelo seu

código deontológico). Neste caso parte da doutrina diz que ao faze-lo ele está a

contribuir para a situação de perigo prolongando-a, estará nesse caso a ameaçar

daí ser considerado também coacção moral.

Page 114: Teoria Geral Do Direito Civil (I + II)

http://apontamentosdireito.atspace.com/index.html

114

Mota Pinto defende ainda que tais negócios deverão ser nulos com fundamento

em contrariedade à lei ou ofensa aos bons costumes – artigo 280º.

Ordem pública – conjunto de princípios fundamentais subjacentes ao sistema

jurídico que o Estado e a sociedade estão interessados em que prevaleçam. Noção

variável ao longo dos tempos.

Bons costumes – variam com os tempos e lugares, abrangendo o conjunto de

regras éticas aceites pelas pessoas honestas, correctas, de boa – fé num dado

ambiente e num dado momento.

#

Incapacidade acidental: o artigo 257º prevê duas modalidades:

a) Incapacidade de entendimento;

b) Falta de livre exercício da vontade. Prevê-se a anulabilidade desde que se

verifique um requisito: a notoriedade ou o conhecimento da perturbação psíquica,

tutelando-se, desta forma, a confiança do declaratário. Essa notoriedade é

avaliada nos termos do artigo 257º/2 pelo princípio do bónus pater famílias.

Elementos acidentais dos negócios jurídicos:

a) A condição – artigo 270º : subordinação pelas partes do negócio jurídico a

um acontecimento futuro de verificação incerta. Existem duas modalidades:

condições suspensivas: à verificação da condição fica subordinada a produção

dos efeitos do negócio;

Condições resolutivas: a verificação da condição importa a destruição dos

efeitos negociais.

Saber se uma condição é suspensiva ou resolutiva é um problema de

interpretação do negócio jurídico.

b) O termo: subordinação pelas partes do negócio jurídico a um acontecimento

futuro de verificação certa. Existem duas modalidades: termo suspensivo: neste

caso fica subordinada a própria produção dos efeitos do negócio jurídico nos

termos do 278º. Termo resolutivo: os efeitos produzem-se desde logo, mas

cessam a partir de certo tempo.

c) O modo: cláusula acidental, pela qual nas doações e liberalidades

testamentárias, o disponente impõe ao beneficiário a obrigação de adoptar um

certo comportamento, no interesse do disponente, de terceiro ou do próprio

beneficiário – artigos 963º e 2244º.