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TEMPOS DISTANTES
Copyright © 2012 Editora Perse
Capa e Projeto Gráfico
Carlos Neves
Tela a óleo da artista plástica
Nice Ventura
Autor:
Carlos Neves Marques
Registrado na Biblioteca Nacional.
ISBN - International Standard Book Number – 978-85-8196-199-6
Literatura – Romance Épico
Publicado pela Editora Perse
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
PERSE https://www.clubedosautores.com.br
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Prólogo
Esta é a historia de minha vida. Eu nunca havia entendido porque conhecia a Bahia desde pequeno e
não sabia que existia o RGS a cidade de São Luiz Gonzaga o que só fui saber muitos anos depois, já
adulto. Antes eu pensava tratar-se do Santo. Eu desde criança adorava este nome. Mas hoje eu sei
por que eu adorava este nome São Luiz Gonzaga. Também não sabia porque eu me dava tão bem
com pessoas de cor negra, a ponto do meu melhor amigo ser um negro. Eu sempre soube que Luiza
existia, principalmente depois de 1984, e sabia que ia reencontrá-la. E quando a reencontrei parecia
que havia sido ontem que a deixei. E tudo voltou ao que era como antes. E quando conheci o museu
em Madre de Deus na Bahia, eu parecia ter conhecido tudo aquilo antes. Foi então quando decidi a
escrever o romance “Tempos Distantes” e tudo me veio a minha mente como sendo um filme. Vivendo
cada cena que havia acontecido na época da escravidão. Isso só fortaleceu minhas crenças. Hoje eu
se bem quem foi Anabela e o que ela fez para ter sua vida pensando num reinado que nunca existiu.
Mas até hoje ela guarda seus desejos de ser o que foi. Porém, meu reencontro com Luiza foi mais
intenso e verdadeiro. Como algo inacabado do passado distante, tivesse existido de fato. Foi então
que Luiza me contou de suas tardes tristes a ponto de fazê-la chorar de saudades e tristezas
incompreensíveis, e isso só acabou depois de nos encontrarmos. Esta é a minha historia de vida
passada, a qual levo a todos que vão ler esta obra.
Carlos Neves.
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Agradecimentos.
Meus sinceros agradecimentos à amiga Nice Ventura que tão brilhantemente
escreveu o prefácio desta obra.
E a minha eterna gratidão a você, Nice Ventura, pelo belo prefácio, e por
ter me cedido sua tela para ilustrar a Capa desta Obra.
Meus agradecimentos às amigas Renata Marques, Helena de Paula, Daísa
Galvão e ao meu irmão Celso Marques, que sempre me incentivaram para que eu
escrevesse esta e outras obras.
Meus mais sinceros agradecimentos à minha querida amiga e poetisa Neusa
Conti Staut, que muito me ajudou na revisão desta obra.
Meu especial agradecimento a Deus do meu coração por permitir que eu
recebesse a inspiração para escrever este romance.
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Prefácio.
Carlos Neves faz brotar aos olhos dos leitores, seu livro Tempos Distantes.
Um romance escrito de forma peculiar, posto que, temos em mãos o
testemunho de acontecimentos verídicos, onde se fixa a história de amor nos
tempos dos escravos.
O elenco é constituído de personagens, que provocam encontros e
desencontros, o passado no presente... Dando seguimento as fases do romance,
continua em capítulo permeado pela justiça, cujo objetivo, é oferecer uma
vida mais humana e direito que lhe é peculiar, como ser vivente.
Este livro, "Tempos Distantes", tem um encanto, que nos faz encantar
pela proposta sentimental e a importância do respeito para edificação do bem,
para promoção de uma aliança, decorrente do verdadeiro amor entre um homem e
uma mulher.
Também discorre em linguagem, que pertence ao povo, o simples e o
comum, entre eles: a esperança, acima de tudo; a saudade, esta, está ligada
fortemente; os valores afetivos, posto que sem condições de assimilar pra si;
amizade isenta de ser externado, conservando no íntimo...
Esta história envolve crenças místicas e naturalísticas da época em
constante ação de dissabores, tristezas, separações, pactos, e dores. Entretanto,
incluindo muitos momentos de amor, alegria e êxtase...
Nesta narrativa, encontramos muitas emoções!
É um livro realista, e a redenção está nessa medula profundamente sincera
que o percorre para uma decisão sem vacilo. É preciso ler. Delicie seu olhar nestas
páginas.
Acompanhe cuidadosamente o esforço do autor.
Cordialmente,
Nice Ventura
Escritora, Poetisa e Artista plástica
Comendador, Real Ordem Mérito Cultural, Dom João VI de Portugal. Membro Acadêmica,
(sete Academias) Delegada da Falas (Federação das Academias, Letras, Artes do Estado de São
Paulo para Região dos Lagos
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Dedicatória.
Dedico este romance a todos os escravos que fizeram parte do
passado da nossa história.
Nada poderá justificar a escravidão.
Que os homens sintam vergonha de todas as práticas de tortura, e de
todas as formas que escravize seu semelhante.
Eu repudio tudo o que foi feito contra a dignidade dos negros
escravizados no Brasil.
Carlos Neves
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Prólogo
Não temos um registro de quando o homem passou a praticar o triste ato de escravizar seu semelhante. Acredita-se, que desde os tempos mais remotos da humanidade
o homem já mantinha esta prática.
Podemos ver a escravidão por vários aspectos, desde a escolha de um chefe
tribal, onde ele, com seus interesses, cria uma casta de subalternos, como também em um
sistema monárquico, onde são formados da mesma maneira a elite deste tipo de governo indo do Duque até o plebeu. No meu entender, isto sem dúvida é um tipo de discriminação
e imposição dos mais fortes para com os mais fracos.
Também existe a escravidão de uma nação, quando a mais fraca passa a ser
controlada pela mais forte, como foi o caso de países do primeiro mundo, que dominaram
outras nações. Quantos idealistas que clamaram por liberdade pagaram com suas vidas,
por terem espalhado seus gritos aos povos escravizados.
Mas a pior das escravidões é a que submete o escravo a trabalhos humilhantes e
pesados.
Nas Américas, a escravidão de negros trazidos do continente Africano, chegou a
ser deplorável. O Brasil viveu esta mancha vergonhosa de escravizar esta raça.
Contudo, em todas estas formas de manter o semelhante submisso e escravo,
sempre resultou em revoltas alimentadas por ideais de liberdade.
O homem, como qualquer animal neste mundo, ama a sua liberdade.
Só assim ele pode manter sua dignidade.
A história da humanidade está cheia de fatos que demonstram este anseio de
liberdade.
Esta obra “Tempos Distantes” foca a luta de um mestiço em beneficio da raça
negra escravizada no Brasil.
Nenhum povo ficou eternamente escravizado. Sempre chegou o dia em que a
liberdade abriu suas portas para eles.
Os negros escravizados em nosso país foram a alavanca que impulsionou o
Brasil para ser o que hoje ele é, mas isso a um alto custo para esta raça negra, que sofreram
as mais tristes e deploráveis humilhações, onde muitos perderam suas vidas.
Este romance tem inicio em 1850 quando muitos brasileiros já bradavam
contra este ato de que a escravidão prosseguisse sem rédeas.
Carlos Neves
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Capitulo - I
Bahia –1849
Chovia bastante naquele dia, mas mesmo assim, os negros trabalhavam
na lavoura de cana de açúcar do Sr. Joaquim Carneiro, rico e influente fazendeiro
do recôncavo baiano, que desfrutava de grande prestígio nos meios políticos de
Salvador.
Homem de poucas palavras, e de atitudes bem calculadas, sentia-se como a
maioria dos fazendeiros, dono da verdade e senhores da lei.
Mantinha com pulso de ferro suas próprias leis, que por muitas vezes, usava
com um sádico prazer de crueldade, para impor a sua autoridade.
Ambicioso, mantinha um grande número de escravos na lavoura. Sua maior
produção era de cana de açúcar, com a qual fabricava rapadura para ser vendida na
capital. Além desta cultura, ele produzia milho, farinha de mandioca e arroz.
Também possuía um pequeno, mas eficiente artesanato de montaria, como arreios e
selas para cavalos, cuja matéria prima era adquirida em Salvador.
Arrogante como a maioria dos fazendeiros da época, ficou viúvo aos
quarenta e dois anos. Casou-se novamente aos quarenta e três anos com a prima de
sua falecida esposa, uma linda mulher de vinte anos, chamada Carmelita, filha
caçula de um pequeno comerciante de Salvador. Carmelita era muito tem-
peramental e extremamente vaidosa. Fazia valer suas vontades diante dos pais.
Rejeitara casar-se algumas vezes, por achar que seus pretendentes não
tinham bastantes recursos financeiros para manter sua vaidade e acesso a alta
sociedade. Ambicionava poder e uma vida cheia de regalias. Por trás daquela
mulher tão ambiciosa, existia uma mulher que sonhava com um grande amor, e não
mediria limites para viver o que desejava.
Grávida, Carmelita não escondia sua raiva por estar com o corpo deformado
e com isso procurava manter-se recolhida a maior parte do dia em seu quarto. Uma
jovem e linda criada negra, Camila, era a sua companhia, que sempre cuidava para
que nada lhe faltasse.
Naquele dia, Carmelita teve que sair de seu refugio e cuidar dos
preparativos para receber os visitantes que vinham da capital. Entre eles um
militar inglês, Robert Stoker, com seu filho. Um grande amigo do seu marido, o
Sr. Humberto Tavares. Trazia também em sua companhia mais dois comerciantes.
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Carmelita sabia da fama do seu marido deitar-se com as negras em uma
cabana afastada da sede da fazenda. Odiava estas aventuras do marido, mas
aceitava calada, pois sabia que este era um costume entre os senhores de engenho e
não poderia impedir que Joaquim parasse de fazer tais coisas. Sabia até, que ele já
havia se deitado com a fiel cozinheira Zazá, quando ela ainda era jovem, e que hoje
era ela que escolhia as novas negrinhas para seu marido. Com isso, Zazá desfrutava
de regalias dentro de casa, sendo considerada intocável, a ponto de nem mesmo
Carmelita poder interferir nos seus mandos na cozinha, o que ela achava um
absurdo.
Podia sim, dizer o que queria que fosse servido nas refeições, depois
deixava que ela cuidasse de tudo. Isso havia sido uma das exigências de Joaquim
antes de casar-se.
Na época ele havia dito.
- Nunca enfrente, ou desmereça Zazá. Ela terá toda a autoridade de con-
duzir seus afazeres e escolher suas ajudantes na senzala.
Suas ajudantes, ele queria dizer, que eram as “negrinhas” com quem ele iria
levar para a cabana – imaginara Carmelita.
Carmelita que já sabia da fama de Joaquim desde que era casado com a sua
prima, entendeu de pronto aquele seco recado, porém a sua ganância pelo luxo e
influência social, falavam mais alto. Não amava o marido, apenas o suportava. Seu
casamento havia sido um erro, e Joaquim apenas se servia do seu corpo, e a tratava
com desprezo. Deste modo, passou a alimentar esperanças de um dia viver um
grande amor, mesmo que isso a fizesse trilhar pelo caminho da infidelidade.
Às nove horas a chuva abrandou, e aos poucos o sol surgia.
Lá pelas nove e meia, Joaquim desmonta do seu cavalo e passa por
Carmelita sem dá uma única palavra, indo direto para a cozinha.
Seu semblante estava carregado. Um sinal de que ele estava de mau humor.
Para evitar qualquer aborrecimento, Carmelita recolheu-se a seus aposentos. Já
podia até imaginar do que se tratava, pois na noite anterior ele só apareceu para se
deitar quando já era alta madrugada, um sinal que estivera com alguma negra na
cabana. Pôde até sentir o cheiro da negrinha quando ele deitou-se ao seu lado.
Quando Joaquim entrou na cozinha, fez sinal para que a criadagem se
retirasse e o deixasse a sós com Zazá. Então, encostando sua boca bem perto dos
ouvidos da negra, disse com os dentes cerrados.
- Vosmercê é incompetente. Eu falei pra vosmercê qui queria uma neguinha
selada, e tu me arrumas aquela “zinha” já furada.
Zazá arregalou os olhos espantados, engolindo em seco e respondeu:
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- Meu sinhô, eu juro de pé junto qui num sabia qui ela já tava furada, apois
ao qui me constava, ela ainda era selada. Ela nem de me assuntá nada qui já tinha
sido furada..
- Estes nêgos desgraçados num sabem qui num pode de se deitar com as
negrinhas antes de mim? Eles estão a me desafiar?
- Não, meu sinhô... Apois intenda. É difícil pru mode eles num cruzarem
com as negrinhas. São fogosos, e deve de ter acontecido deles se envolverem e
acabaram se deitando nos matos.
- Pois trate de arrumar uma qui me sirva para a próxima vez, entendeu?
Zazá ficou pensando por alguns segundos. Tinha algo em mente, que
achou ter chegado o momento para por em prática. Estava na hora dela entregar sua
filha pra ser a rapariga do patrão. Zazá já havia ensinado tudo pra menina se tornar
uma grande rapariga. Tudo isso pra filha ser livre e ter um pedaço de chão.
Então respondeu:
- Sim sinhô. Pode deixar qui já inté tenho nas idéias de quem vô de arrumar.
Joaquim ao ouvir aquela revelação, abrandou a voz e alisando o traseiro de
Zazá, quis saber quem ela tinha em vista.
- Me conta logo quem é esta “zinha”. Não me consta que tenha mais alguma
negra nesta fazenda para se deitar comigo.
Zazá sorriu satisfeita. Era hora de barganhar e fazer valer tantos anos de
humilhação. Havia esperado 15 anos por esta oportunidade e agora chegara a hora
de sua grande chance. Havia deixado guardado este segredo para uma ocasião
especial. Pretendia esperar mais um pouco, mas achou melhor executar seu plano
logo de uma vez e ver no que resultaria.
- Mas pra esta menina, vosmercê vai de ter uma condição especiá. Afinar de
conta se trata de um neguinha muito bem cuidada e preparada esperciamente pru
meu sinhozinho.
- Deixa de rodeios e diz logo quem é esta zinha.
- O sinhô vai dá a ela alforria e um pedaço de chão, lá adispois do barranco
vermeio, assim ela pode de ter a vida dela assussegada. Esta é minha condição.
- Que vosmercê tá falando? Ta ficando demente antes do tempo me falando
uma danação desta? Não preciso de dá nada pra ter quem eu quero!
Zazá sorriu muito segura de si, e carregando a panela de verduras para
cima do fogão, respondeu:
- Homi de Deus! Vosmercê me conhece desde qui nasci e ainda num sabe
como te sô fié. Se tô falando tais palavras, devia intão de saber qui tenho argo de
especiá pru mode o sinhô desfrutar na cabana.
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Aquilo que Zazá falava era verdade. Ela tinha sido sempre sua fiel cúmplice
há tantos anos, e nunca havia falhado uma única vez.
Joaquim ficou pensativo. O que teria Zazá a ponto de exigir dele tal coisa, se
ele poderia ter quem quisesse, e não ter que pagar nada por isso? Devia ser alguém
muito especial para que ela pedisse tanto. Não custaria nada tentar ver do que se
tratava.
- Tudo bem, mas esta neguinha num deve de ser da minha fazenda, e
também quero conhecer a menina antes.
Zazá nem podia acreditar no que acabava de ouvir. Sua expressão de
felicidade ficou estampada na sua face. Olhou nos olhos do patrão e disse:
- Sua palavra vale ouro. Vou mandá “Carrapeta” buscá a sua jóia – e
virando-se para a porta do alpendre ligado a cozinha, chamou:
- Carrapeta, minha fia, vem cá pru mode tu me fazer um agrado.
Uma negrinha magricela apareceu na porta de olhos arregalados e esperou
as ordens de Zazá. Esta cochichou no pé do ouvido da negrinha e voltou a seus
afazeres.
Joaquim sentou-se num tamborete junto a uma mesa para esperar.
Em menos de dez minutos entrou na cozinha a negrinha “Carrapeta” e
cochichou nos ouvidos de Zazá, que sorrindo disse:
- Diz pra esta menina entrar qui o sinhozinho tá esperando.
Joaquim ao ver a mocinha entrar, não pode esconder seu espanto diante da
beleza que estava diante dele. Uma linda mulata, bem feita de corpo, alta e de ar
imponente, trajando um ralo vestido feito de saco de arroz, que mal escondia seu
belo corpo.
- Esta é minha fia. O nome dela é Anabela, mas muitos a chamam de
tumbém pur “Bebela”
- Sua fia? Mas cuma eu nunca a vi antes pur aqui? Sabia que tinha uma fia,
mas nunca pensei ser uma “belezura” destas.
Anabela era alta como a mãe. Seu corpo era bem torneado e realçava suas
curvas por baixo daquele ralo vestido. Tinha um rosto oval, e o nariz quase afilado,
contrastava com o normal da raça negra. Era mulata, o que indicava ter pai branco.
As íris dos seus olhos eram da cor de mel. Seus cabelos eram bem crespos, porém
bem cuidados. Lábios bem feitos e carnudos. Tinha uma postura imponente.
Mantinha a cabeça erguida, mesmo com o olhar baixo sem encarar Joaquim.
Por sua vez, Joaquim estava encantado com aquela linda mulata e não
escondia sua surpresa ao saber que se tratava da própria filha de Zazá.
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- Tumei de ter cuidado pru mode do sinhô num ficar de olhos nela antes da
hora. Escondi todos estes anos, e a preparei pra este dia.
- Nêga safada. Cuma me esconde o que me pertence? E quem é o pai dela?
- Isso não vem de assuntar. Ela tá prontinha pra se adeitar cum o sinhô.
Ensinei tudim pra ela, e vai ter a melhor neguinha que nunca imaginô de ter na
vida. Escondi sim, pru mode o sinhô num colocar ela no canaviá.
- Tu merecias umas chibatadas neste lombo. Aqui ninguém pode me escon-
der nada.
Joaquim levantou-se, pegou uma vassoura que estava ao lado da mesa e com
o cabo, levantou o vestido da garota até o meio das pernas. Viu que realmente a
menina tinha lindas pernas. Observou que seu traseiro era bem arredondado e
empinado. Não poderia negar que estava diante de uma bela mulher.
Foi até perto de Zazá e falou:
- Nêga safada e esperta. Soube bem guardar esta jóia e usar num momento
de minha fraqueza. O trato tá feito. Ela terá o que vosmercê pediu, mas só pur ser
tua fia, eu não podia te negar este pedido. Dou também pelos anos de tua serventia,
mas de outra feita tu sabe bem o que há de acontecer.
Depois que disse isso deixou a cozinha e foi até varanda da casa a espera
dos visitantes.
Quando Zazá viu Joaquim sair, disse a si mesma cheia de rancor:
- Sim, meu sinhô... É minha fia sim, e ela vai ser livre. Vai pudê ter a vida
dela sem chibatas. Foi pra isso qui eu a criei e esperei este dia chegar, mas se
vosmercê subesse da verdade quem ela é, ia me butar no tronco. Mas, esta é a
minha vingança por tudo de má, qui tu faz a mim e a meu povo. Ela vai sofrer, mas
a preparei pra isso, apois ela sabe qui num fica mais cuma escrava. Ela se deita
contigo, seu vermi, mas cum nojo de tu.
Ao chegar à varanda da casa, Joaquim sentou-se na sua cadeira de balanço
pensativo. Zazá havia escondido a filha por tantos anos para só agora lhe amostrar?
O que aquela negra estaria querendo além do que ela pedia? Conhecia bem aquela
negra e sabia que ela não faria nada disso se não tivesse algo em mente. Não era
somente a alforria e a terra que ela estava planejando. Tinha certeza que havia algo
mais além do que pedia. Não lhe custava dar um pedaço de chão pra que a
negrinha tivesse um canto pra se acomodar. Afinal aquelas terras que ela queria não
lhe serviam de nada.
Ficou remoendo suas desconfianças com o olhar fixo na porteira da
fazenda. Logo mais a tarde, a comitiva da capital chegaria. Teria o resto do dia
cheio distribuindo atenções. Saberia como lidar com estas pessoas, já se
acostumara a tratar e colocar este tipo de gente em seus devidos lugares. Ser
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bajulador quando isso se fizesse necessário, ser duro e severo quando fosse ele a
ser bajulado. Afinal ele era o mais rico e uma das maiores influencias políticas
daquela região.
Foi preciso a esposa chamá-lo três vezes para ir almoçar até que ouvisse.
Levantou-se, e a passos firmes tomou seu lugar a mesa. Notou logo a face fechada
de Carmelita, sinal que ela não estava em seus melhores dias. – Que se danasse –
pensou, quase em voz alta.
O almoço foi servido, e em silêncio Joaquim se serviu. Só então Carmelita
pode se servir. Isso fazia parte dos costumes. Primeiro o patrão se serve e depois os
demais. A criadagem era mantida à alguma distância junto a porta que ficava entre
a sala e cozinha, aguardando de pé serem solicitados a servirem. Camila mais perto
de Carmelita era a única que podia atendê-la, não desgrudava da patroa. Joaquim a
observou com um olhar, como se a deixasse nua e pensou – Está na hora desta
negra saber o que é se deitar com um homem.
Camila era bonita. Tinha um corpo bem cheio, mas não era o que se poderia
dizer, que fosse gorda. Apenas bem carnuda.
Joaquim observava e logo percebeu um olhar frio de reprovação da sua
esposa. Desviou seus olhos para a mesa e se serviu de mais leitão assado.
- Tem idéia à que horas estes vossos amigos chegam? – perguntou Carmelita
sem encará-lo.
- Deve de ser lá pelas quatro ou adispois. Num creio que cheguem antes.
Devem de ter parado pra almoço na fazenda do Melchiades.
- Num vou descer antes da janta.
- Que desfeita é essa? Tem que recebê-los junto comigo.
- Num quero...
- E vosmercê já tem inté querer aqui? Aqui quem quer sou eu, e não se fala
mais nisso. Quando eles chegarem diante da porteira, eu te chamo, e vosmercê sai
do vosso quarto e vem pra recebê-los do meu lado.
Joaquim pegou o guardanapo que estava aberto sobre as pernas e limpando
a boca disse a uma das criadas, estendendo sua taça de cristal em direção a ela:
- D’Jesus, bota mais vinho aqui no meu copo.
Foi servido prontamente e de um só gole quase esvaziou o vinho da taça.
Pediu mais e colocou a taça sobre a mesa de forma bruta.
Carmelita se mantinha em silêncio, mas seus pensamentos eram de ódio –
Cabra safado... Mas eu vou te suportar até tu não ter mais esta arrogância. Aí vai
ver quem manda de fato aqui. Do jeito que tu vai, num há de demorar o bastante pra
continuar me fazendo desfeitas.
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Notou que o marido estava tão disperso e pensou – O que este safado está
pensando tanto que nem se dá conta de nada a sua volta?
“Bebela”. Os pensamentos de Joaquim não deixavam de pensar naquela bela
mulata. Sua mente fervilhava embriagados de volúpias, lembrando do que havia
visto daquele belo corpo, que viu a pouco na cozinha. Ia saber esperar o dia certo.
Passaria a tratá-la com muita atenção, e faria dela a escrava ainda mais linda da sua
fazenda. Quando se cansasse, a deixaria ir embora como havia prometido a Zazá.
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Capitulo – II
Passava um pouco das dezesseis horas, quando a comitiva da capital
apontou na porteira da fazenda.
Joaquim de pronto levantou-se e avisou a Carmelita da chegada dos
visitantes. Ela mesma contrariada ficou ao lado do marido aguardando a chegada
daquelas pessoas que julgava serem inoportunas.
Cinco escravos que já estavam de sobre aviso e o capitão de mato, Zé
Pedreiras com dois dos seus ajudantes tomaram posições um pouco adiante da
varanda.
Eram seis os visitantes. Bem a frente vinha o velho amigo de Joaquim, Sr.
Humberto Tavares. Logo atrás dois homens, um jovem mulato, bem vestido, alto,
com belo físico e seus olhos verdes contrastando com sua pele escura ressaltavam
como duas esmeraldas. Ao seu lado, um inglês, trajando uma farda do exercito
inglês, com divisas de Primeiro Tenente.
Logo atrás deles, dois senhores de meia idade, e finalmente um mateiro
pouco mais para trás.
Os visitantes desmontaram e Sr. Humberto foi o primeiro a desmontar e
cumprimentar o Sr. Joaquim e Carmelita. Foi ele que tomou a iniciativa de
apresentar todos os demais companheiros.
Carmelita não escondeu a admiração pelo rapaz mulato ao lado do inglês.
Seu coração bateu forte ao ver aquele belo jovem.
- Que jovem mais lindo! – pensou cheia de admiração.
- Este é o Ten. Robert Traves, que veio negociar as terras que o amigo
havia comentado, estar disposto a vender. E este rapaz é seu filho de 19 anos, que
se chama Roberto. Apesar de mulato, ele é letrado e muito inteligente. Tem o
domínio da língua inglesa e francesa. Além disso, Mr. Robert veio comprar as
terras pra ele. É seu filho de sangue. Filho único, por isso todo este carinho. Podem
chamá-lo de Bob, que é assim que todos o chamam.
Carmelita suspirava de emoção vendo o rapaz. Os demais visitantes foram
apresentados. Os dois comerciantes eram de Salvador, Sr. Sebastião Lins e Sr.
Zacarias Alelaffe.
Bob também estava encantado com a beleza de Carmelita.