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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA
JOÃO DA SILVA ARAÚJO JÚNIOR
TECNOLOGIAS DIGITAIS E AUTONOMIA:
a aquisição de segunda língua sob a ótica da complexidade
FORTALEZA
2013
JOÃO DA SILVA ARAÚJO JÚNIOR
TECNOLOGIAS DIGITAIS E AUTONOMIA:
a aquisição de segunda língua sob a ótica da complexidade
Tese de Doutorado apresentada à Banca Examinadora constituída pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística (PPGL) da Universidade Federal do Ceará (UFC) como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Linguística. Linha de Pesquisa: Linguística Aplicada Orientador: Prof. Dr. Júlio Araújo
FORTALEZA
2013
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará
Biblioteca de Ciências Humanas
A689t Araújo Júnior, João da Silva.
Tecnologias digitais e autonomia: a aquisição de segunda língua sob a ótica da complexidade /
João da Silva Araújo Júnior – 2013. 245 f.: il., enc.; 30 cm.
Tese(doutorado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades, Departamento de Letras Vernáculas, Programa de Pós-Graduação em Linguística, Fortaleza, 2013.
Área de Concentração: Linguística. Orientação: Prof. Dr. Júlio César Rosa de Araújo. 1.Aquisição da segunda língua. 2.Autonomia(Filosofia).
3.Complexidade(Filosofia). 4.Estratégias de aprendizagem. 5.Tecnologia da informação. 6.Comunicação na tecnologia. 7.Análise de interação em educação. 8.Língua inglesa – Estudo e ensino – Falantes de português. 9.Língua espanhola – Estudo e ensino – Falantes de português. I.Título.
CDD 418.0071
JOÃO DA SILVA ARAÚJO JÚNIOR
TECNOLOGIAS DIGITAIS E AUTONOMIA: a aquisição de segunda língua sob a ótica da complexidade
Esta Tese de Doutorado foi submetida ao Programa de Pós-Graduação em Linguística como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Doutor em Linguística, outorgado pela Universidade Federal do Ceará e encontra-se à disposição dos interessados na Biblioteca do Centro de Humanidades (CH) da referida Universidade.
Autorizo, para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta Tese por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
______________________________ João da Silva Araújo-Júnior
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________ Prof. Dr. Júlio Araújo (PPGL-UFC)
Presidente-Orientador
__________________________________________________ Profa. Dra.Antônia Dilamar Araújo (PosLa-UECE)
1ª Examinadora externa
__________________________________________________ Prof. Dr. Messias Dieb (PPGEB-UFC)
2º Examinador externo
__________________________________________________ Profa. Dra. Livia Márcia Tiba Rádis Baptista (PPGL-UFC)
3ª Examinadora interna
__________________________________________________ Profa. Dra. Dra. Eulália Leurquin (PPGL-UFC)
4ª Examinadora interna
__________________________________________________ Prof. Dr. Antônio Luciano Pontes (PPGL-Uern)
Suplente Externo
__________________________________________________ Profa. Dra. Vládia Borges (PPGL-UFC)
Suplente Interno
Tese defendida e aprovada em 21 de outubro de 2013
DEDICATÓRIA
Para meu pai, João, e para minha mãe, Maria dos Remédios.
AGRADECIMENTOS
Esta pesquisa não seria possível sem a contribuição e o apoio de inúmeras
pessoas. Quero, no entanto, enfatizar meus agradecimentos às seguintes:
ao meu orientador, professor e amigo, Dr. Júlio Araújo (PPGL/UFC),
pela paciência, competência, pontualidade, disponibilidade e dedicação
com que me acompanhou durante essa longa jornada acadêmica;
à professora Dra. Antônia Dilamar Araújo (PosLa/UECE), que, desde o
mestrado em Linguística aplicada, contribui de forma significativa para
minha formação acadêmica e que apresentou importantes contribuições
por ocasião da segunda qualificação;
à professora Dra. Lívia Baptista (PPGL/UFC), pelas importantes
contribuições a esta pesquisa, por ocasião da qualificação do projeto, e
pela atenção com que sempre me recebe desde a graduação;
a Caroline Queiroz, minha companheira generosa e compreensiva
durante os quatro anos de doutorado;
À professora Dra. Júnia Braga (PosLin/UFMG) pela leitura atenta e
rigorosa de minha Tese em andamento;
à professora Dra. Vera Menezes (PosLin/UFMG), por haver permitido,
generosamente, que eu utilizasse as narrativas do projeto AMFALE
nesta pesquisa;
a Marta Portugal, minha amiga e colega do departamento de Letras da
UFMA, pela compreensão e pelo companheirismo;
aos professores e funcionários do PPGL/UFC, pela atenção generosa.
aos colegas e parceiros do grupo de pesquisa Hiperged, pelas trocas e
debates acirrados em nossas sessões de estudo.
RESUMO
Esta pesquisa analisa o uso de estratégias de aprendizagem (EA) de segunda língua (SL) no âmbito dos usos das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) com o objetivo de flagrar a emergência de EA e de compreender a relação entre essa emergência e a autonomia dos aprendizes usuários dessas tecnologias. Para tal, nos orientamos metodológica e epistemologicamente pelo paradigma da complexidade (MORIN, 2011), a partir do qual, tanto a autonomia como a aprendizagem de segunda língua (ASL) são abordadas como sistemas adaptativos complexos (SAC) (PAIVA, 2005). Nessa perspectiva, concebemos a autonomia, no processo de ASL, em duas dimensões: em sua dimensão metacognitiva ela é concebida como competência de aprendizagem, a qual envolve capacidades e atitudes dos aprendizes no gerenciamento e controle do processo de aprendizagem; em sua dimensão sociointeracional, por sua vez, é concebida como processo de integração comunicativa dos aprendizes, o qual envolve cooperação e negociação de sentido por meio da língua alvo. Para alcançar os objetivos propostos, realizamos uma investigação de natureza exploratória com base na análise de narrativas de aprendizagem de brasileiros aprendizes de inglês e de espanhol. Para a análise inicial das EA nos orientamos pela tipologia de Oxford (1990), que contempla estratégias de natureza cognitiva, metacognitiva e social. O exame das narrativas mostrou que os usos das TDIC relacionam-se com a emergência de estratégias de sociointeração, baseadas na cooperação e na negociação de sentido. Assim, concluímos que a emergência de estratégias no âmbito dos usos das tecnologias digitais relaciona-se com a emergência de autonomia em sua dimensão sociointeracional, ou seja, como processo de integração comunicativa dos aprendizes.
Palavras-chave: aprendizagem de segunda língua; sistemas adaptativos complexos; autonomia; estratégias de aprendizagem.
ABSTRACT
This research analyzes the learning strategies (EA) of second language (SL) in the context of the uses of digital technologies for information and communication (TDIC). It aims to catch the emergence of EA and the relation of this emergence with the autonomy of the learners users of these technologies, by the light of epistemological paradigm of complexity (MORIN, 2011). Autonomy within the ASL is designed in this study in two dimensions: in its cognitive dimension it is conceived as acquisition competence, which involves skills and attitudes of learners in the management and control of the learning process, in its social dimension it is conceived as a process of integration of communicative learners, which involves processes of interaction and collaboration through the target language. Thus, from the perspective of complexity, both autonomy and second language acquisition are discussed as complex adaptive systems (SAC) (PAIVA, 2005). To achieve the proposed objectives, we conducted an exploratory investigation based on learning narrative of learners of Spanish and English. For the initial analysis of the strategies we were guided by the typology of Oxford (1990), which includes strategies of cognitive and interactional nature. In analyzing the narratives of learning related to the uses of TDIC observe the emergence of social strategies (ESC) based on cooperation and on meanings negotiation. Emerging strategies in the context of the uses of TDIC manifested in the learning narratives, point to the emergence of autonomy in its social dimension, in other words, as a process of communicative integration of learners.
Keywords: second language acquisition; complex adaptive systems; autonomy; learning strategies.
RESUMEN
Esta investigación analiza el uso de estrategias de aprendizaje (EA) de segunda lengua (SL) en el marco de los usos de las tecnologías digitales de información y comunicación (TDIC) con el fin de captar la emergencia de EA y de comprender la relación entre esa emergencia y la autonomía de los aprendices usuarios de esas tecnologías. Para ello, nos apoyamos en el paradigma epistemológico de la complejidad (MORIN, 2011), a partir del cual comprendemos, tanto la autonomía como la adquisición de segunda lengua (ASL), como sistemas adaptativos complejos (SAC) (PAIVA, 2005). En esta perspectiva, entendemos la autonomía, en el proceso de ASL, en dos dimensiones: en su dimensión metacognitiva ella se concibe como competencia de adquisición, lo que implica habilidades y actitudes de los aprendientes en la gestión y en el control del proceso de aprendizaje; en su dimensión sociointeracional, por su parte, se concibe como proceso de integración comunicativa de los alumnos, lo que implica la cooperación y la negociación de sentido a través de la lengua meta. Para lograr los objetivos propuestos, realizamos un estudio exploratorio a partir del análisis de narrativas de aprendizaje (NA) de brasileños aprendices de inglés y de español. Para el análisis inicial de las EA nos guiamos por la tipología de Oxford (1990), que incluye las estrategias cognitivas, metacognitivas y sociales. El análisis de las NA mostró que los usos de TDIC se relacionan con la emergencia de estrategias de sociointeracción, basadas en la cooperación y en la negociación de sentido. Por lo tanto, llegamos a la conclusión de que la emergencia de EA en el contexto de los usos de las tecnologías digitales está relacionada con la emergencia de autonomía en su dimensión sociointeracional, es decir, como un proceso de integración comunicativa de los aprendientes.
Palabras-clave: adquisición de segunda lengua; sistemas adaptativos complejos; autonomía; estrategias de aprendizaje
SUMÁRIO
LISTA DE ABREVIATURAS ..................................................................................... 13
LISTA DE QUADROS ............................................................................................. 15
LISTA DE FIGURAS ......................................................................................... 16
LISTA DE GRÁFICOS.............................................................................................. 17
CONSIDERAÇÕES INICIAIS ........................................................................... 16
CAPÍTULO 1 ..................................................................................................... 25
O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE ........................................................... 25
1.1. A complexidade como paradigma epistemológico ............................................................................. 25
1.2 Os sistemas adaptativos complexos ....................................................................................................... 30
CAPÍTULO 2 ..................................................................................................... 36
ASL E AUTONOMIA SOB A ÓTICA DA COMPLEXIDADE ........................... 36
2.1 As Teorias sobre aquisição de SL e a autonomia ................................................................................ 36 2.1.1 Teorias nativistas e crítica ao behaviorismo ......................................................................................... 37 2.1.2 Teorias nativistas ............................................................................................................................................ 41 2.1.3 Teorias ambientistas ...................................................................................................................................... 45 2.1.4 Teorias interacionistas .................................................................................................................................. 48
2.2 A ASL como um sistema adaptativo complexo (SAC) ....................................................................... 54
2.3. A autonomia como um sistema adaptativo complexo (SAC) ........................................................... 59 2.3.1 Um panorama dos estudos sobre autonomia ........................................................................................ 59 2.3.2 A autonomia no paradigma da complexidade ...................................................................................... 66 2.3.3 Duas dimensões da autonomia: competência e integração .............................................................. 68
2.4 ASL e autonomia como sistemas aninhados ........................................................................................ 71
CAPÍTULO 3 ..................................................................................................... 73
ESTRATÉGIAS DE APRENDIZAGEM, TECNOLOGIAS DIGITAIS E AUTONOMIA ................................................................................................... 73
3.1. Uso de estratégias e autonomia ............................................................................................................. 74 3.1.1. As estratégias de aprendizagem de SL e autonomia: um panorama .......................................... 75 3.1.2. O inventário de Oxford (1990) e a natureza multidimensional das estratégias ..................... 88
3.2. Tecnologias digitais, estratégias e autonomia .................................................................................102 3.2.1. Comunicação mediada por TDIC e aprendizagem de segunda língua (ASL) ....................... 102 3.2.2. A comunicação significativa no âmbito da ASL .............................................................................. 108 3.2.3. Comunicação mediada por TDIC, estratégias e autonomia ......................................................... 111
CAPÍTULO 4 ................................................................................................... 114
PERCURSO METODOLÓGICO ..................................................................... 114
4.1 Caracterização da pesquisa ..................................................................................................................114 4.1.1 Um novo paradigma para a linguística aplicada ............................................................................... 114 4.1.2 A pesquisa qualitativa ................................................................................................................................. 117 4.1.3 A pesquisa exploratória .............................................................................................................................. 119 4.1.4 A pesquisa com base em narrativas ....................................................................................................... 119
4.2 O universo da pesquisa..........................................................................................................................121 4.2.1 O banco de narrativas e a amostra......................................................................................................... 121
4.3. Procedimentos de análise .....................................................................................................................125 4.3.1. Para caracterização dos narradores ..................................................................................................... 125 4.3.2. Para caracterização da ASL como uma SAC .................................................................................... 126 4.3.3.Para caracterização das estratégias ....................................................................................................... 126 4.3.4. Para a análise da emergência de estratégias ...................................................................................... 128 4.3.5. Para a análise da emergência de autonomia ...................................................................................... 128
CAPÍTULO 5 ................................................................................................... 130
RESULTADOS E DISCUSSÕES ...................................................................... 130
5.1. Caracterização dos narradores ...........................................................................................................131
5.2. O funcionamento do SAC ASL sob a perspectiva dos aprendizes ................................................138
5.3. O uso de estratégias de aprendizagem (EA) .....................................................................................154 5.3.1. A dimensão cognitiva das EA .................................................................................................................. 155 5.3.1.1. Uso de estratégias cognitivas ................................................................................................................ 158 5.3.1.2. Uso de estratégias de memória ............................................................................................................ 165 5.3.1.3. Uso de estratégias de compensação ................................................................................................... 167 5.3.2. A dimensão metacognitiva das EA ....................................................................................................... 170 5.3.2.1. Uso de estratégias metacognitivas ...................................................................................................... 170 5.3.2.2. Uso de estratégias afetivas .................................................................................................................... 174 5.3.3. A dimensão Sociointeracional dos EA ................................................................................................. 176 5.3.4. A complexidade das EA e a cognição como um atrator ................................................................. 182
5.4. O uso das TDIC e a emergência da sociointeração ..........................................................................183
CAPÍTULO 6 ....................................................................................................... 202
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 202
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 208
ANEXOS ......................................................................................................... 222
ANEXO 1 : NARRATIVAS DO GN1 ................................................................ 222
ANEXO 2: NARRATIVAS DO GN2................................................................. 242
ANEXO 3: FORMULÁRIO PARA A PERMISSÃO DO USO DA NARRATIVA ........................................................................................................................ 243
LISTA DE ABREVIATURAS
AASSLL -- AAPPRREENNDDIIZZAAGGEEMM DDEE SSEEGGUUNNDDAA LLÍÍNNGGUUAA..
CCAA -- CCOOMMPPEETTÊÊNNCCIIAA DDEE AAPPRREENNDDIIZZAAGGEEMM..
CCAALLLL -- CCOOMMPPUUTTEERR-- AASSSSIISSTTEEDD LLAANNGGUUAAGGEE LLEEAARRNNIINNGG..
CCCC -- CCOOMMPPEETTÊÊNNCCIIAA CCOOMMUUNNIICCAATTIIVVAA..
CCMMCC -- CCOOMMUUNNIICCAAÇÇÃÃOO MMEEDDIIAADDAA PPOORR CCOOMMPPUUTTAADDOORR..
CCSS -- CCOOMMUUNNIICCAAÇÇÃÃOO SSIIGGNNIIFFIICCAATTIIVVAA..
EEAA -- EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASS DDEE AAPPRREENNDDIIZZAAGGEEMM..
EEAADD -- EEDDUUCCAAÇÇÃÃOO AA DDIISSTTÂÂNNCCIIAA..
EEAAFF –– EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASS AAFFEETTIIVVAASS..
EECC -- EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASS DDEE CCOOMMUUNNIICCAAÇÇÃÃOO..
EECCGG –– EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASS CCOOGGNNIITTIIVVAASS..
EECCPP -- EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASS DDEE CCOOMMPPEENNSSAAÇÇÃÃOO..
EEMMGG –– EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASS MMEETTAACCOOGGNNIITTIIVVAASS..
EEMMMM -- EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASS DDEE MMEEMMÓÓRRIIAA..
EESSCC –– EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASS SSOOCCIIAAIISS..
EENNSSTT -- EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASS DDEE NNAATTUURREEZZAA SSOOCCIIOOIINNTTEERRAACCIIOONNAALL
EENNMMGG –– EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASS DDEE NNAATTUURREEZZAA MMEETTAACCOOGGNNIITTIIVVAA
EENNCCGG –– EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASS DDEE NNAATTUURREEZZAA CCOOGGNNIITTIIVVAA
GGUU –– GGRRAAMMÁÁTTIICCAA UUNNIIVVEERRSSAALL..
IIEEAALLEE-- IINNVVEENNTTÁÁRRIIOO DDEE EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASS DDEE AAPPRREENNDDIIZZAAGGEEMM DDEE LLÍÍNNGGUUAASS EESSTTRRAANNGGEEIIRRAASS..
LLAA -- LLIINNGGUUÍÍSSTTIICCAA AAPPLLIICCAADDAA..
LLEE –– LLÍÍNNGGUUAA EESSTTRRAANNGGEEIIRRAA..
NNAA –– NNAARRRRAATTIIVVAA DDEE AAPPRREENNDDIIZZAAGGEEMM
PPCC -- PPAARRAADDIIGGMMAA DDAA CCOOMMPPLLEEXXIIDDAADDEE..
PPCCSS -- PPRROOCCEESSSSOOSS DDEE CCOOMMUUNNIICCAAÇÇÃÃOO SSIIGGNNIIFFIICCAATTIIVVAA..
PPIICC –– PPRROOCCEESSSSOO DDEE IINNTTEEGGRRAAÇÇÃÃOO CCOOMMUUNNIICCAATTIIVVAA
SSAACC -- SSIISSTTEEMMAASS AADDAAPPTTAATTIIVVOOSS CCOOMMPPLLEEXXOOSS..
SSLL -- SSEEGGUUNNDDAA LLÍÍNNGGUUAA..
TTDDIICC -- TTEECCNNOOLLOOGGIIAASS DDIIGGIITTAAIISS DDEE IINNFFOORRMMAAÇÇÃÃOO EE CCOOMMUUNNIICCAAÇÇÃÃOO..
UUIITT -- UUNNIIÃÃOO IINNTTEERRNNAACCIIOONNAALL DDEE TTEELLEECCOOMMUUNNIICCAAÇÇÕÕEESS..
LISTA DE QUADROS
QQUUAADDRROO 11 -- DDIIFFEERREENNTTEESS DDIIMMEENNSSÕÕEESS DDOO PPRROOCCEESSSSOO DDEE AASSLL 5511
QQUUAADDRROO 22 -- CCRRIITTÉÉRRIIOOSS DDEE CCLLAASSSSIIFFIICCAAÇÇÃÃOO DDAASS EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASS ((VVIILLAAÇÇAA,, 22001111)) 7755
QQUUAADDRROO 33 -- CCLLAASSSSIIFFIICCAAÇÇÃÃOO DDEE EEAA PPRROOPPOOSSTTAA PPOORR OO`̀MMAALLLLEEYY EE CCHHAAMMOOTT ((11999900)) 7788
QQUUAADDRROO 44 -- CCLLAASSSSIIFFIICCAAÇÇÃÃOO DDAASS EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASS:: CCLLAASSSSEESS EE GGRRUUPPOOSS ((OOXXFFOORRDD,, 11999900)) 8833
QQUUAADDRROO 55 -- CCLLAASSSSIIFFIICCAAÇÇÃÃOO DDEE EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASS PPRROOPPOOSSTTAA PPOORR CCOOHHEENN ((11999988)) 8855
QQUUAADDRROO 66 -- TTIIPPOOLLOOGGIIAASS DDEE EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASS EE DDIIMMEENNSSÕÕEESS DDAASS EEAA 8866
QQUUAADDRROO 77 -- AASS EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASS DDEE MMEEMMÓÓRRIIAA ((OOXXFFOORRDD,, 11999900)) 8899
QQUUAADDRROO 88 -- AASS EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASS CCOOGGNNIITTIIVVAASS ((OOXXFFOORRDD,, 11999900)) 9911
QQUUAADDRROO 99 -- EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASS DDEE CCOOMMPPEENNSSAAÇÇÃÃOO ((OOXXFFOORRDD,,11999900)) 9922
QQUUAADDRROO 1100 -- EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASS MMEETTAACCOOGGNNIITTIIVVAASS ((OOXXFFOORRDD,,11999900)) 9944
QQUUAADDRROO 1111 -- EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASS AAFFEETTIIVVAASS ((OOXXFFOORRDD,,11999900)) 9955
QQUUAADDRROO 1122 -- EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASS SSOOCCIIAAIISS ((OOXXFFOORRDD,, 11999900)) 9977
QQUUAADDRROO 1133 -- DDIIMMEENNSSÕÕEESS DDAASS EEAA EE DDAA AAUUTTOONNOOMMIIAA 110000
QQUUAADDRROO 1144 -- CCOORRRREELLAAÇÇÃÃOO EENNTTRREE TTIIPPOOLLOOGGIIAA DDEE OOXXFFOORRDD ((11999900)) EE DDIIMMEENNSSÕÕEESS DDAASS EEAA 112266
QQUUAADDRROO 1155 -- MMOODDEELLOO DDEE AAPPRREESSEENNTTAAÇÇÃÃOO DDAA OOCCOORRRRÊÊNNCCIIAA DDEE EEAA NNOOSS GGNN 112277
QQUUAADDRROO 1166 -- CCAARRAACCTTEERRIIZZAAÇÇÃÃOO GGEERRAALL DDOOSS NNAARRRRAADDOORREESS 113311
QQUUAADDRROO 1177 -- FFOORRMMAAÇÇÃÃOO EE PPRROOFFIISSSSÃÃOO DDOOSS NNAARRRRAADDOORREESS 113333
QQUUAADDRROO 1188 -- LLOOCCAALL DDEE AAPPRREENNDDIIZZAAGGEEMM EE CCOONNTTAATTOO CCOOMM UUSSUUÁÁRRIIOOSS DDAA LLÍÍNNGGUUAA AALLVVOO 113355
QQUUAADDRROO 1199 -- OOCCOORRRRÊÊNNCCIIAASS DDEE EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASS NNOOSS DDOOIISS GGNN 115544
QQUUAADDRROO 2200 -- OOCCOORRRRÊÊNNCCIIAA DDEE UUSSOO DDEE FFEERRRRAAMMEENNTTAASS DDIIGGIITTAAIISS PPAARRAA AA AASSLL 118822
QQUUAADDRROO 2211-- AAÇÇÕÕEESS EENNVVOOLLVVEENNDDOO TTEECCNNOOLLOOGGIIAASS TTDDIICC 118833
QQUUAADDRROO 2222 –– OOCCOORRRRÊÊNNCCIIAA DDEE EEAA NNOO GGNN11 118888
QQUUAADDRROO 2233 –– OOCCOORRRRÊÊNNCCIIAASS DDEE EEAA DDOO GGNN11 CCOONNSSIIDDEERRAANNDDOO AAPPEENNAASS OO UUSSOO DDAASS TTDDIICC 118899
LISTA DE FIGURAS _______________________________________________________________________
FFIIGGUURRAA 11 -- AA OORRGGAANNIIZZAAÇÇÃÃOO DDAASS NNAARRRRAATTIIVVAASS NNAA PPÁÁGGIINNAA DDOO PPRROOJJEETTOO AAMMFFAALLEE 112200
FFIIGGUURRAA 22 –– PPAAGGIINNAA EELLEETTRRÔÔNNIICCAA DDOO PPRROOJJEETTOO AAMMFFAALLEE PPAARRAA EENNVVIIOO DDEE NNAA 112211
FFIIGGUURRAA 33 -- SSEEQQUUÊÊNNCCIIAA DDEE NNAARRRRAATTIIVVAASS DDEE AAPPRREENNDDIIZZEESS DDEE LLÍÍNNGGUUAA IINNGGLLEESSAA 112222
LISTA DE GRÁFICOS
GGRRÁÁFFIICCOO 11 –– PPOORRCCEENNTTAAGGEEMM DDEE OOCCOORRRRÊÊNNCCIIAASS DDEE EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASS NNOO GGNN11
CCOONNFFOORRMMEE IINNVVEENNTTÁÁRRIIOO DDEE OOXXFFOORRDD ((11999900)) 118888
GGRRÁÁFFIICCOO 22 -- PPOORRCCEENNTTAAGGEEMM DDEE EEAA NNOO GGNN11 CCOONNSSIIDDEERRAANNDDOO AAPPEENNAASS OOSS
UUSSOOSS DDAASS TTDDIICC CCOOMM BBAASSEE EEMM OOXXFFOORRDD ((11999900)) 119900
16
CONSIDERAÇÕES INICIAIS ____________________________________________________________
O fechamento ao mundo e aos outros se torna transgressão ao impulso natural da incompletude. O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura
com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em
permanente movimento na História.
(FREIRE, 1996, p.136)
A epígrafe que introduz este capítulo põe em cena o que consideramos ser uma
questão chave à compreensão de fenômenos como a língua, a linguagem, a
aprendizagem e a autonomia: o vínculo dialógico entre os sujeitos e o seu meio. Nesse
sentido, vale advertir, embora o autor não o diga, a abertura dos sujeitos ao mundo
implica, em última instância, abertura dos próprios fenômenos do mundo ao contexto e
à atuação dos sujeitos, em um movimento dialético permanente e complexo.
Esse entendimento de que os fenômenos devem ser compreendidos a partir do
vínculo que estabelecem com o meio e com os sujeitos, e não como objetos isolados,
representou significativas implicações no cenário da linguística aplicada (LA),
notadamente a partir da década de noventa do século XX, momento a partir do qual há
um significativo alargamento do raio de interesse da LA, até então voltada basicamente
aos processos formais de ensino de línguas. Assim, essa ampliação resulta da
compreensão de que para dar conta da compreensão de fenômenos como a
aprendizagem de línguas é necessário considerar a natureza complexa dos fatos, a
inseparabilidade dos fenômenos e a heterogeneidade das causas.
À luz dessa perspectiva, em artigo publicado em 1997 na Applied Linguistics1,
uma das mais importantes e influentes revistas na área da Linguística Aplicada no
1 LARSEN-FREEMAN, D. Chaos/complexity science and second language acquisition. Applied Linguistics. 18, 1997, pp. 141-165
17 mundo, Larsen-Freeman (1997) discute o processo aprendizagem de segunda língua
(doravante ASL) sob a ótica da complexidade e do caos. No entendimento da autora, a
exemplo dos sistemas naturais, o processo de ASL pode ser concebido como um
sistema complexo, não-linear, dinâmico, imprevisível, sensível às condições iniciais,
aberto e auto-organizado. Essa aproximação teórica, expressa no referido artigo, teve
significativa repercussão na LA, de modo que o número 27 da citada revista, publicado
em 2006, é todo dedicado às discussões acerca da aprendizagem de línguas na
perspectiva da complexidade e do caos.
Concebido inicialmente no campo da física como forma de contraposição às
chamadas correntes deterministas da ciência, o paradigma da complexidade (doravante
PC) tem como postulado básico a ideia de que na compreensão de um dado fenômeno
(sistema) devem ser considerados os mais variados fatores (agentes) que intervêm sobre
ele. Ultimamente o PC tem servido de horizonte teórico-epistemológico a diversas
pesquisas no campo das ciências humanas e sociais. Na LA, como já mencionamos, o
PC tem sido bastante produtivo na compreensão de fenômenos como aprendizagem de
segunda língua (PAIVA, 2005b; LARSEN-FREEMAN (1997), ensino (LEFFA, 2006) e
formação de professores (SABOTA, 2011).
A inserção da LA nessa perspectiva teórico-epistemológica coincide com um
momento de significativas mudanças no que tange ao processo de aprendizagem2 de
línguas, seja segunda língua (SL3) ou língua estrangeira (LE4), mudanças essas
2 Nesta pesquisa utilizaremos mais comumente o termo aprendizagem, embora o termo aquisição apareça em alguns momentos, particularmente para referir-nos à teorias de aprendizagem/aquisição de SL. A opção pelo termo aprendizagem nesta pesquisa resulta da compreensão de que as narrativas de aprendizagem analisadas neste estudo remetem mais comunmente a processos formais e conscientes de aprendizagem. Cabe ressaltar, no entanto, que esta pesquisa não discute a distinção entre a aprendizagem e aquisição. 3 Nesta pesquisa utilizaremos mais comumente a abreviação SL para referir-nos a segunda língua e ASL para referir-nos a aprendizagem de segunda língua. Entretanto, estamos conscientes de que a expressão segunda língua (SL) não tem aceitação pacífica entre os pesquisadores da área da LA. Para Griffin (2005), esta expressão, motivada pelo critério cronológico, apresenta problemas nos casos em que um indivíduo aprende na infância simultaneamente duas ou mais línguas, ou ainda nos casos em que indivíduos mudam sua residência ainda crianças e passam a conviver com outra língua a qual passa a dominar melhor. Nestes dois casos, a autora questiona sobre qual seria a primeira e qual seria a segunda língua. 4 O termo língua estrangeira (LE) é, segundo Griffin (2005), o mais utilizado e o menos apropriado para o caso, uma vez que, em alguns contextos, há uma dificuldade para definir o que é estrangeiro. Como exemplo dessa dificuldade, a autora menciona a situação da língua espanhola em alguns estados norte-americanos de forte presença de falantes nativos dessa língua, tais como a Flórida.
18 resultantes sobretudo dos usos das tecnologias digitais de informação e comunicação
(doravante TDIC)5 nos processos de ensino e de aprendizagem.
O surgimento e a popularização das TDIC significaram um divisor de águas
nos mais diversos setores da sociedade. Na educação, por exemplo, o impacto dessas
tecnologias resultou no aprimoramento da chamada modalidade de educação a distância
(EAD6) ou em políticas públicas de expansão tecnológica, como o PROInfo7 e o
PROUCA8.
Em função disso, a relação entre tecnologia, ensino e aprendizagem tem
constituído interesse de estudiosos dos mais diversos campos de pesquisa e, muito
embora não haja consenso no que concerne aos resultados da didatização9 dessas
tecnologias, é inegável que a educação hoje não tem passado à margem das inovações
tecnológicas e das possibilidades pedagógicas decorrentes do desenvolvimento das
tecnologias digitais.
Na área da LA, o interesse em investigar as implicações das tecnologias digitais
no processo de ASL fica evidente em diversos estudos desenvolvidos nos últimos anos.
No geral, esses estudos se voltam para o desenvolvimento de alguma habilidade
comunicativa em processos formais de ensino e aprendizagem, como a compreensão
auditiva (LEAL, 2009) ou a produção oral (MARTINS, 2010; MENEZES, 2010). Há
também os estudos que se voltam para o trabalho pedagógico envolvendo algum gênero 5 Nesta pesquisa utilizaremos a abreviação TDIC para referir-nos às tecnologias digitais de informação e comunicação. Ressaltamos, no entanto, que autores estudiosos do uso de tecnologias digitais na educação como Joly, Silva e Almeida (2012) já utilizam essa abreviação há algum tempo. 6 A modalidade de educação à distância (EAD) no Brasil tem respaldo legal na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996) e pelo Decreto 5.622, em vigência desde sua publicação em 20 de janeiro de 2005. A LDB estabelece em seu artigo 80, a possibilidade de uso orgânico dessa modalidade. Destacamos seis princípios da EAD segundo a portaria normativa (SEED/MEC, 2007): interação e aprendizado colaborativo, a autonomia na aprendizagem; a flexibilização do tempo e do espaço; a potencialização das ferramentas tecnológicas na educação; a qualidade dos materiais e da metodologia empregados no ensino; o apoio e o suporte ao acadêmico. 7 PROINFO é o programa nacional de tecnologia educacional do MEC criado em 1997 que tem como objetivo promover o uso pedagógico da informática na rede pública de educação básica. O programa do Governo Federal brasileiro prevê a parceria com governos estaduais e municipais para levar às escolas públicas computadores, recursos digitais e conteúdos educacionais. Segundo o MEC, até 2011, o programa adquiriu mais de 12 mil laboratórios de informática em todo o Brasil. A estimativa era de que até o final de 2012 o programa entregasse 600 mil tabletes a professores do ensino médio da rede pública. Dados encontrados em www.portal.mec.gov.br acessado em 20 de agosto de 2012. 8 PROUCA é o programa um computador por aluno, criado em 2005, pelo Banco nacional do desenvolvimento (BNDES), em parcerias com estados e municípios. O programa visa promover a inclusão digital nas escolas da rede pública, mediante a aquisição de computadores portáteis com conteúdo pedagógicos destinados ao desenvolvimento dos processos de ensino e aprendizagem. Segundo dados divulgados pelo BNDES, o programa atendeu até 2008 a mais de vinte e sete mil escolas. 9 Didatização é termo relativamente novo, porém recorrente, no âmbito na didática de línguas, em especial nos estudos sobre o uso dos gêneros textuais no ensino de línguas, materna ou estrangeira. A esse respeito recomendo leitura de: Saito e Santos(2010), sobre o uso didático do gênero crônica; Guimarães (2006), sobre a distização de gêneros textuais no ensino de língua portuguesa no ensino médio; e Barroso (2011), sobre o uso dos gêneros do argumentar na perspectiva do Interacionismo Sociodiscursivo ( ISD).
19 textual digital (SOARES et al, 2010) ; há ainda os estudos que se voltam para as
tentativas de conciliar metodologicamente diferentes modalidades de ensino (HEINZE
& PROCTER, 2004; GARRISON & VAUGHAM, 2008). Ainda nessa perspectiva,
encontramos estudos que se voltam para a emergência de eventos complexos em aulas
on-line e face a face, à luz do paradigma da complexidade (MARTINS, 2008).
No que tange à relação entre tecnologias digitais e aprendizagem de SL, um dos
aspectos mais recorrentes nos estudos sobre o assunto é a questão da autonomia dos
aprendizes no âmbito dos usos dessas tecnologias. Basta ver, por exemplo, Braga
(2004), no âmbito da aprendizagem em tandem10, e Rodrigues (2010), na esfera da
modalidade Blended learning,11 de modo que, a questão da autonomia vem despontando
como fenômeno importante no âmbito da ASL no contexto de uso das TDIC.
O interesse em investigar a autonomia12 dos aprendizes no processo de ASL não
é novidade na LA. Não foram raras, nessa área, as pesquisas que se voltaram para a
caracterização de posturas autônomas de aprendentes13 de SL no âmbito dos processos
formais de aprendizagem. Basta ver por exemplo: Rubin e Thompson (1994), que
buscaram traçar uma espécie de caminho para alcançar a autonomia; Naiman et
al.(1996), que postularam que os aprendizes com maior êxito na aprendizagem são os
que assumem a responsabilidade por sua própria aprendizagem; Leffa (2003), que
buscou situar a questão na cena pedagógica da aprendizagem formal de línguas para
caracterizar o aprendiz autônomo como aquele que planeja conscientemente o seu
processo de aprendizagem lançando mão de estratégias que viabilizem um maior êxito
em seu processo de aprendizagem; Paiva (2005b) que, ao investigar a autonomia com
10 A aprendizagem de línguas em tandem (o termo em inglês tandem nomeia uma bicicleta para duas pessoas) baseia-se na promoção de parcerias entre aprendizes falantes de diferentes línguas, ambos interessados em aprender a língua do outro. A partir da década noventa o processo de aprendizagem em tandem ganhou o reforço das tecnologias da informação, que incrementaram a comunicação mediada por computador, tanto assíncrona (ex.: e-mail) quanto sincrônica (ex.: chat), razão pela qual a aprendizagem de línguas em tandem é atualmente concebida, sobretudo, como uma proposta pedagógica de aprendizagem de línguas mediada pelo computador. Essa proposta pedagógica é fortemente baseada na autonomia dos aprendizes, os quais devem buscar desenvolver competência comunicativa na segunda língua mediante a interação com o parceiro. 11 A abordagem pedagógica conhecida como blended learning foi concebida inicialmente como uma forma de integração entre momentos presenciais e momentos não-presenciais de ensino, envolvendo diferentes recursos tecnológicos. Atualmente, essa abordagem tende a ser vista sob a perspectiva do processo de agenciamento dos sujeitos da aprendizagem (RODRIGUES, 2010). Nesta perspectiva, o blended learning vem estimulando reflexões a respeito da postura autônoma do aprendiz de SL diante do processo de aprendizagem, questão que parece ser central na relação tecnologia digital/aprendizagem de SL. 12 São muitos os estudos sobre autonomia no que tange ao processo de ASL. No capítulo 3 apresentamos um panorama dessas pesquisas. 13 Os termos aprendiz e aprendente serão tomados como equivalentes nesta pesquisa.
20 base em narrativas de aprendizagem14 de SL, constatou que, apesar dos obstáculos
encontrados, os aprendizes evidenciam graus de autonomia que os levam a procurar
experiências mais significativas de aprendizagem, pondo em marcha estratégias
individuais. E assim, poderíamos mencionar tantos outros, como Little (1991), Benson
(2001) e Braga (2004).
Embora a maioria dos estudos que mencionamos sobre autonomia não tenham
sido desenvolvidos no horizonte da complexidade, eles nos fornecem pistas importantes
para nossa investigação, entre elas está a compreensão da autonomia como um
fenômeno de natureza complexa, ou seja, em estreita relação com uma diversidade
significativa de fatores, tais como: estados psicológicos dos aprendizes (LITTLE,1991),
seu meio social (BENSON, 2001), suas estratégias individuais (BRAGA, 2004), entre
outros. É com base nessa natureza complexa e tendo como horizonte teórico-
epistemológico o paradigma da complexidade que Paiva (2005b) investe no conceito de
autonomia como um sistema sócio-cognitivo complexo, sujeito a restrições das mais
diversas naturezas: social, cultural, cognitiva, metacognitiva, tecnológica, psicológica,
etc.
Essa compreensão representa uma virada na concepção de autonomia, uma vez
que esta, sob a ótica da complexidade, é concebida em termos relativos, já que depende
de uma diversidade de fatores envolvidos no processo de ASL, sejam eles de natureza
social (grupo social do aprendiz, contexto tecnológico, uso social da língua alvo15, os
processos instrucionais) ou metacognitiva (motivação, maturidade do aprendiz, idade,
propósitos, estratégias, etc.). Assim, na perspectiva da complexidade não se concebe a
existência de aprendentes plenamente autônomos em todo e qualquer momento ou
circunstância, mas aprendizes que avançam ou retrocedem em independência e em
controle sobre o processo de aprendizagem, conforme suas condições individuais e o
meio em que aprendem.
Portanto, como um sistema complexo, a autonomia dos aprendentes de segunda
língua deve ser considerada dentro de um sistema maior do qual é um subsistema, o 14 As narrativas de aprendizagem, como veremos no Cap. 4, não devem ser confundidas com os protocolos verbais. Os protocolos verbais tem sido uma ferramenta recorrente nas pesquisas em LA, sobretudo em pesquisas sobre tradução e leitura. (TOMITCH, 2007). Cohen (1987) distingue três tipos de protocolos verbais: o autorrelatório, a auto-observação e a autorrevelação. No primeiro caso o leitor realiza uma descrição geral de seu comportamento ao ler, apresentando o modo como ele age (ou acredita que age) durante o processo de leitura; no segundo tipo, a auto-observação, o leitor descreve uma situação específica de leitura que acabou de correr; no terceiro tipo, a autorrevelação, o leitor descreve o processo de leitura no momento exato em que lê , é o que Cohen( 1987) chama de verbalização concorrente. 15 Nesta pesquisa utilizaremos indistintamente os termos língua alvo e língua meta para referir-nos à segunda língua (ou língua estrangeira) aprendida pelos sujeitos desta pesquisa.
21 próprio sistema ASL. Desse modo temos dois sistemas aninhados, a autonomia e a
aprendizagem, que interagem entre si e, simultaneamente, interagem com uma
infinidade de agentes que os condicionam, entre os quais: fatores biológicos, aptidão,
atitude, idade, estilos cognitivos, motivação, personalidade, contexto imediato, entre
outros (PAIVA, 2005b). Por conseguinte, ao estudar o fenômeno da autonomia faz-se
necessário considerar o processo mais amplo o qual ela integra, o próprio fenômeno da
aprendizagem.
No que diz respeito ao sistema ASL, Paiva (2005b) chama a atenção para o fato
de que os caminhos de aprendizagem percorridos pelos aprendizes nunca são idênticos,
ainda que os estímulos ou contextos sejam parecidos. Ou seja, o processo de
aprendizagem não ocorre de modo idêntico para todos os aprendentes, já que cada
indivíduo, mesmo integrando um grupo aparentemente homogêneo, aprende a seu
modo, conforme suas experiências prévias, sua motivação, sua maturidade, sua
interação com seu contexto, seu domínio das tecnologias disponíveis, sua disposição
para responsabilizar-se pela aprendizagem, e tantos outros fatores. Em função disso, a
aprendizagem de uma SL, a exemplo da autonomia, resulta da interação entre os
diversos fatores que sobre ela incidem, de modo que um único fator, como o uso de uma
determinada tecnologia, por exemplo, pode ocasionar mudanças significativas
(perturbações16) no sistema ASL.
No caso da ASL, compreendemos que a possibilidade de interagir na língua
alvo, mediante os usos das tecnologias digitais, pode conduzir a diferentes posturas e
atitudes dos aprendizes. Estas posturas e atitudes, por sua vez, podem conduzir ao uso
de diferentes EA, de modo que tais estratégias podem apontar para comportamentos
mais ou menos autônomas dos aprendizes dentro do sistema ASL. Essa é uma tendência
natural dos sistemas complexos, pois estes tendem a adaptar-se às dinâmicas das
interações dos fatores que incidem sobre seu funcionamento. Assim, é razoável supor
que uma mudança significativa no contexto da aprendizagem, como é o caso do uso
das TDIC pelos aprendizes, resulte em uma adaptação17 do sistema ASL, o que por sua
16 Dentro do PC a perturbação, ou interferência direta de um fator qualquer, é a condição necessária para que o sistema evolua em complexidade. É a partir de uma perturbação que um sistema sofre um processo de readaptação. Qualquer perturbação no estado inicial do sistema poderá conduzir a uma grande diferença em seu estado final. 17 A adaptabilidade é a capacidade do sistema de adequar-se ao seu meio, de modo a permanecer em meio às constantes transformações internas e externas.
22 vez pode resultar na emergência18 de determinadas propriedades, como, por exemplo, de
estratégias ou de uma postura mais autônoma dos aprendizes.
Ao tratarem da autonomia no processo de ASL, Leffa (2003), Braga (2004) e
Paiva (2005b) já apontavam para o que é uma das questões norteadoras de nosso estudo,
qual seja, a relação entre as estratégias de aprendizagem (doravante EA) de SL e o
desenvolvimento da autonomia dos aprendizes. As EA são, segundo esses autores,
ações, pensamentos ou habilidades que um aprendiz usa para aprender ou para usar a
língua alvo, portanto, compreendê-las pode dar pistas, por exemplo, de como se
desenvolve a autonomia do aprendiz em um determinado contexto, como no caso do
contexto dos usos das TDIC. Em função disso, é com base nas relações entre as EA e a
autonomia dos aprendizes no âmbito da ASL e no contexto dos usos das TDIC que
construímos as questões norteadoras desta pesquisa, as quais apresentamos a seguir.
Considerando que a ASL e a autonomia caracterizam-se como sistemas
complexos aninhados, de que maneira as estratégias de aprendizagem de segunda língua
(SL) no âmbito dos usos das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC)
se relacionam a autonomia dos aprendizes? O pressuposto básico de nossa pesquisa,
implícito na questão central, é o de que o uso das TDIC pode fazer emergir estratégias
de aprendizagem no sistema ASL.
Nesse sentido, surge uma questão secundária: como se configura a dinâmica
complexa do uso de EA pelos aprendizes de SL dentro do sistema ASL com a
interferência das TDIC? Entendemos as EA como indícios palpáveis do modo como os
indivíduos lidam com o processo de aprendizagem. Elas podem, portanto, nos dizer
muito sobre como se aprende uma SL, considerando o contexto dos usos das
tecnologias digitais e a possível emergência de EA decorrente dos usos dessas
tecnologias.
Considerando a relevância das EA para o processo de ASL e a possível relação
entre as EA e a autonomia dos aprendizes, surge uma terceira questão de pesquisa:
Como se configura a relação entre as EA emergentes no âmbito dos usos das TDIC e a
autonomia dos aprendizes?
18 A emergência refere-se ao surgimento de novos padrões no comportamento dos agentes dentro do sistema e no comportamento do próprio sistema.
23
Assim, partindo do pressuposto de que a ASL e a autonomia caracterizam-se
como sistemas complexos aninhados, esta pesquisa tem como objetivos:
(1) Objetivo geral: Analisar, no sistema aprendizagem de segunda língua (ASL),
a relação entre as estratégias de aprendizagem (EA) e a autonomia dos
aprendizes no âmbito dos usos das tecnologias digitais de informação e
comunicação (TDIC).
(2) Objetivos específicos:
(2.1) Descrever as estratégias de aprendizagem (EA) de segunda língua (SL)
usadas pelos aprendizes no âmbito dos usos das tecnologias digitais de
informação e comunicação (TDIC) buscando identificar a emergência de
estratégias.
(2.2) Caracterizar a possível relação entre as estratégias de aprendizagem (EA)
emergentes no contexto dos usos das tecnologias digitais de informação e
comunicação (TDIC) e a autonomia dos aprendizes.
Para operacionalizar as questões e os objetivos deste trabalho, a distribuição das
informações na presente tese foi organizada em sete momentos: o primeiro deles
consiste desta introdução, na qual foi situada a problemática da pesquisa dentro do
campo da LA, buscando justificar a pertinência dessa investigação e situar os objetivos
que a norteiam.
No segundo momento, capítulo 1, apresentamos e discutimos o paradigma da
complexidade como modelo epistemológico para a pesquisa em linguística aplicada,
tendo o cuidado de introduzir o conceito de sistemas adaptativos complexos (SAC), o
qual servirá de base para a compreensão da ASL e da autonomia nos capítulos
subsequentes. No terceiro, capítulo 2, situamos a problemática da ASL e da autonomia
na perspectiva da complexidade. Desse modo, a autonomia e a ASL são compreendidos
como sistemas aninhados, sendo nossa atenção voltada prioritariamente para o SAC
autonomia. No quarto momento, capítulo 3, discutimos a relação entre as EA e o
contexto das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC). Nesse sentido,
trazemos a noção de comunicação significativa no processo de ASL a fim de
compreendermos as implicações das interações mediadas por TDIC no fenômeno da
ASL. No quinto momento, capítulo 4, apresentamos o percurso metodológico da
pesquisa, o objeto da investigação e seu alinhamento ao paradigma epistemológico da
24 complexidade. Também delineamos, nesse capítulo, o universo da pesquisa e os
procedimentos de análise adotados. No sexto momento, capítulo 5, analisamos as
narrativas de aprendizagem e apresentamos os resultados quantitativos e qualitativos das
análises. Por fim, no sétimo momento, apresentamos as considerações finais e as
recomendações para futuras pesquisas.
25
CAPÍTULO 1 __________________________________________________
O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE
É extraordinário que uma ideia tão fundamental quanto o sistema aberto
tenha emergido tão tardia e localmente.
(MORIN, 2011, p.23)
A epígrafe que introduz este capítulo traz consigo a discussão em torno da noção
de sistema aberto, ideia central do paradigma epistemológico da complexidade e mola
mestra de um posicionamento teórico-metodológico que busca suplantar um modelo
científico radicado nos princípios da redução, da simplificação e da causalidade. Assim,
neste capítulo, apresentamos o PC como modelo epistemológico de nossa investigação.
Para tanto, introduzimos a noção de complexidade em contraposição ao paradigma
clássico de ciência. Em seguida, introduzimos a noção de sistema adaptativo complexo
(SAC) buscando apresentar as principais propriedades desses sistemas. Por fim,
apresentamos alguns posicionamentos de estudiosos da linguagem que adotam em suas
pesquisas a perspectiva da complexidade.
1.1. A complexidade como paradigma epistemológico
Um paradigma científico é, na visão de Kuhn (2003), um conjunto de princípios
teóricos e epistemológicos compartilhado pelos membros de uma comunidade
científica, ou seja, é o consenso dessa comunidade em relação a alguns conceitos que
definem o que é válido para um dado campo científico. Esse posicionamento é o ponto
de partida para a compreensão do que chamaremos nesta pesquisa de paradigma da
complexidade.
26
Fora do âmbito científico, na linguagem do cotidiano, o termo complexidade
denota complicação, dificuldade ou confusão. Na esfera científica, no entanto, em
especial a partir da obra do sociólogo francês Edgar Morin (2011), a complexidade
passou a ser usada para definir o modelo epistemológico que tem como base a noção de
complexidade decorrente das inter-relações entre as mais diversas propriedades que
constituem um dado fenômeno, seja este físico, biológico, social ou cognitivo.
Em função disso, não há exatamente uma única ciência da complexidade. O que
chamaremos aqui de PC é o que compreendemos como síntese teórica de diversas
abordagens científicas que têm na noção de complexidade um modelo epistemológico,
entre as quais estão: a teoria do caos (LORENZ, 1963), a teoria dos geral dos sistemas
(BERTANLANFFY, 1975) e a teoria da complexidade (MORIN, 2011).
Entretanto, as noções de complexo e de complexidade nem sempre gozaram de
aceitação no âmbito das ciências. Assim, segundo Morin (2011), o modelo cartesiano19,
que se tornou o paradigma epistemológico por excelência da moderna ciência ocidental,
postula que à ciência cabe “dissipar a aparente complexidade dos fenômenos a fim de
revelar a ordem simples a que eles obedecem” (p. 20). Esse princípio básico do modelo
cartesiano promove o que o autor denomina mutilação dos fenômenos estudados, pois,
segundo ele, ao desconsiderar a complexidade constituinte dos fenômenos, esse
paradigma epistemológico provoca cegueira ao invés de elucidação.
Ao contrapor-se ao que chama de modelo reducionista de ciência, Morin (2011)
questiona-se sobre a viabilidade de um modelo epistemológico não-reducionista que
considere a natureza complexa dos fenômenos estudados. Em resposta ao seu
questionamento o autor propõe o estabelecimento de um paradigma epistemológico
baseado na noção de complexidade. Para fundamentar a necessidade desse paradigma, o
autor busca inicialmente pôr à mostra as fissuras do modelo cartesiano, as quais,
segundo ele, vieram à tona com as descobertas oriundas de dois campos científicos: da
microfísica, a partir da desreificação da noção de matéria e da consequente inserção do
acaso no campo da física; e da macrofísica, relativas, por exemplo, às descobertas da
interdependência espaço/tempo. 19 Em sua revolucionária e seminal obra Discurso sobre o método, Descartes (1637), um expoente do iluminismo nas ciências naturais, buscou estabelecer regras formais de investigação científica. As ideias apresentadas na citada obra serviram de base para o que passou a denominar-se modelo cartesiano ou modelo clássico de ciência.
27
A consequência capital dessas descobertas é, segundo Morin (2011, p. 9), o
reconhecimento de que
o simples (as categorias da física clássica que constituem o modelo de qualquer ciência) não é mais o fundamento de todas as coisas, mas uma passagem, um momento entre complexidades, a complexidade microfísica e a complexidade macrofísica.
Para o autor, o resultado mais visível da derrocada do modelo clássico de ciência
é o surgimento da teoria sistêmica, segundo a qual “toda realidade conhecida, desde o
átomo até a galáxia, passando pela molécula, a célula, o organismo e a sociedade, pode
ser concebida como um sistema, isto é, associação combinatória de elementos
diferentes” (MORIN, 2011, p.19).
Um sistema, no paradigma cartesiano, poderia ser compreendido mediante a
descrição e equação do conjunto de variáveis que o constitui. Assim, seria possível
saber o seu estado em qualquer momento futuro, para tal, bastaria que fossem medidas
as suas condições iniciais e usadas as equações. Nesse sentido, supunha-se que o
conhecimento das partes individuais do sistema levaria ao conhecimento do sistema
como um todo. No entanto, conceber todos os sistemas como fechados, nos diz Morin
(2011, p. 23), “implica uma visão de mundo classificadora, analítica, reducionista, numa
causalidade unilinear”. Foi essa visão reducionista que, segundo o autor, se instaurou na
física do século XIX.
Em contraposição à proposta clássica, Morin (2011) compreende que um
sistema, na perspectiva da complexidade, caracteriza-se primeiramente por sua abertura.
Assim, ao contrário dos sistemas fechados, os quais se encontram em relativo equilíbrio
com o seu meio, uma vez que as trocas de energia/matéria que mantém com o exterior
são praticamente nulas, os sistemas abertos caracterizam-se por sua natureza paradoxal,
pois é a troca de matéria/energia com seu ambiente que permite a sua aparente
estabilidade e equilíbrio. No caso do organismo humano, para usar o exemplo dado pelo
próprio autor, a estrutura permanece a mesma embora os constituintes mudem
constantemente. De acordo com as suas palavras,
nossas moléculas e nossas células renovam-se sem cessar, enquanto que o conjunto permanece estável e estacionário. Por um lado o sistema deve-se fechar ao mundo exterior a fim de manter suas estruturas e seu meio interior que não fosse isso, se desintegraria. Mas é a abertura que permite este fechamento (MORIN, 2011, p.21).
28
Nesse paradoxo, vemos uma contraposição ao paradigma cartesiano, pois na
lógica sistêmica compreende-se que as leis de organização da vida não são de equilíbrio,
mas de desequilíbrio. Nesse sentido, não há porque isolar um sistema para estudá-lo,
sem considerar a relação que ele mantém com seu meio, uma vez que essa relação não é
eventual, mas constitutiva do próprio sistema. Assim sendo, a noção de sistema aberto
constitui a mola mestra do paradigma da complexidade, sendo compartilhada pelas mais
diversas áreas científicas, da biologia às ciências sociais, e servindo de base para
compreensão de fenômenos dos mais diversos tipos.
Nas ciências sociais, o paradigma da complexidade significou um golpe no
modelo positivista, que havia se instalado nesse campo científico a partir do século
XIX. O positivismo, uma vertente do modelo cartesiano aplicada aos estudos dos
fenômenos sociais, tinha como pressuposto a ideia de que as ciências que estudam os
fenômenos sociais e as que estudam os fenômenos naturais eram aparentadas, razão pela
qual poderiam compartilhar os mesmos princípios epistemológicos. Assim, a adoção da
concepção positivista no campo das ciências sociais significou, a uma só vez, o
distanciamento desse campo de estudos com relação à filosofia e a aproximação com
métodos experimentalistas de investigação. (SILVA, 2008).
O experimentalismo no campo das ciências sociais significava a cientifização do
pensamento e do comportamento humanos, com vistas à obtenção de resultados claros,
objetivos e completamente corretos. Os teóricos filiados a esse movimento acreditavam
em um ideal de neutralidade, que deveria ser atingido para validar suas produções. Essa
atitude implicava a separação radical entre o pesquisador e o objeto investigado, pois,
para os positivistas, o conhecimento se explicava por si mesmo, necessitando apenas
que o pesquisador o recuperasse e o colocasse à mostra. Esse foi, portanto, o raciocínio
que conferiu ao positivismo um posicionamento científico extremamente poderoso no
século XIX.
No entanto, o ímpeto experimentalista nas ciências sociais logo passou a
incomodar os pesquisadores dessa área, principalmente sociólogos e antropólogos, para
o quais o modelo experimental dava credibilidade somente a situações singulares e
muito específicas, de difícil extrapolação para realidades mais amplas e, portanto, pouco
servia aos estudos dos fenômenos sociais, uma vez que não dava conta de sua
complexidade. Essa contraposição culminou com a defesa de uma nova perspectiva
29 epistemológica para a condução das investigações sociais. Surgem, dessa forma, para
além do modelo de inspiração positivista, as pesquisas de cunho qualitativo.
Essa nova concepção de pesquisa, diferentemente da visão defendida por Comte
(1978), se propunha a trabalhar com variáveis subjetivas20, tais como, valores, crenças,
hábitos, atitudes, representações, opiniões etc. Procurava-se, assim, adequar-se e
aprofundar-se à complexidade dos fatos e dos processos particulares e específicos dos
indivíduos e das questões sociais. Era, portanto, uma abordagem empregada para buscar
a compreensão de fenômenos caracterizados por um alto grau de complexidade
(SILVA, 2008). É na esteira dessa contestação que ganhará espaço o paradigma
epistemológico da complexidade.
No tocante ao processo de consolidação do paradigma epistemológico da
complexidade, Morin (2011) chama a atenção para dois equívocos frequentes. O
primeiro diz respeito à crença de que a complexidade conduz à eliminação da
simplicidade. Para o autor, a simplificação, a distinção e a precisão, aspectos-chaves do
paradigma cartesiano, integram-se ao paradigma da complexidade. No entanto, o novo
paradigma recusa as consequências mutiladoras e redutoras que esses aspectos conferem
à pesquisa científica.
O segundo equívoco refere-se à tendência a confundir complexidade com
completude, pois, embora, segundo o autor, o pensamento complexo tenha pretensão de
dar conta das articulações entre os campos disciplinares, é preciso reconhecer que o
conhecimento completo é impossível. Nesse sentido, conclui o autor, a impossibilidade
de uma onisciência, ainda que em teoria, é um dos axiomas da complexidade.
Por fim, o autor apresenta o que considera ser as grandes vantagens de uma
teoria sistêmica: a primeira é o fato de que ela põe no centro da teoria uma unidade
complexa, um todo que não se reduz à soma de suas partes constitutivas, e não uma
unidade elementar discreta; a segunda diz respeito à concepção de sistema como uma
noção ambígua, nem “real” nem puramente formal; a terceira refere-se à natureza
transdisciplinar do novo paradigma.
20 No que concerne ao ideal de neutralidade do pesquisador com relação aos fenômenos investigados, um dos pilares do modelo positivista, Morin (2011) argumenta detalhadamente em favor da inseparabilidade do sujeito em relação ao objeto. Esse posicionamento marca significativamente a pesquisa qualitativa no âmbito das ciências sociais.
30
As vantagens apresentadas por Morin (2011) podem servir para justificar a
produtividade do paradigma da complexidade nas ciências humanas, nas ciências
sociais e nas ciências da linguagem. Nessas áreas, é cada vez mais comum a abordagem
dos fenômenos como sistemas complexos, noção que constitui a mola mestra do PC e
que passamos a discutir no próximo item.
1.2 Os sistemas adaptativos complexos
Como dissemos há pouco, o que denominamos aqui paradigma epistemológico
da complexidade compreende um grupo de abordagens teóricas originadas nas mais
diversas áreas de pesquisa e que têm como eixo epistemológico a noção de
complexidade, de modo que nessas abordagens a noção de sistema complexo, ou
sistema aberto, constitui elemento nuclear, a partir do qual os fenômenos são estudados.
Nessa perspectiva, na linguística Aplicada (LA), além do termo sistema
complexo, também tem sido frequente o uso do termo sistema adaptativo complexo
(NASCIMENTO, 2011), sendo relevante olharmos para o adjetivo adaptativo como
uma referência ao que para muitos estudiosos é a principal característica dos sistemas
complexos: a adaptabilidade. (HOLLAND, 1996).
Holland (1996), um dos mais conhecidos estudiosos dos sistemas adaptativos
complexos (doravante SAC), afirma que uma das principais características desses
sistemas é o que ele denomina “ação condicional”, ou seja, os agentes de um SAC
atuam em função dos estímulos recebidos, podendo adaptar suas ações de acordo com o
contexto que se apresenta a partir das interações anteriores. Assim, os SAC adaptam-se
ao mudarem sua configuração a partir da experiência acumulada.
Nessa mesma direção, De Wolf e Holvoet (2005) afirmam que a adaptabilidade
de um SAC refere-se à necessidade do sistema de equilibrar-se entre a seleção de um
comportamento específico e a consideração de uma grande variedade de
comportamentos. Em função de sua adaptabilidade, um SAC encaminha-se para a
constituição de algumas situações, ou estados de possível funcionamento, visando o
incremento de sua ordem interna.
A raiz da palavra sistema deriva do grego synistanai, que significa reunir, juntar
ou dispor juntos. Assim, à luz desse sentido etimológico, um sistema pode ser
31 compreendido como um conjunto de elementos dinamicamente relacionados, com um
objetivo compartilhado. O termo complexo (complexus), por sua vez, remete
etimologicamente ao que está tecido junto. Portanto, há complexidade quando os
elementos que compõem o todo são inseparáveis (MORIN, 2011). O adjetivo adaptativo
remete, como dissemos, à capacidade que tem um sistema de adaptar-se em meio ao
constante fluxo de interações entre os seus agentes. É a adaptabilidade, portanto, que
garante a sobrevivência de um sistema.
Dito isso, podemos afirmar que uma das características basilares dos SAC é sua
dinamicidade, decorrente da interação entre os variados fatores que o constituem. Em
função das constantes interações, um SAC nunca está absolutamente estabilizado, ou
seja, nunca atinge um nível de organização que possa ser considerado definitivo. É
nesse sentido que, segundo Nascimento (2011), um SAC diferencia-se dos demais
sistemas complexos, já que, ao interagir com seu ambiente e com os agentes externos
que interferem sobre ele, os sistemas adaptativos complexos adaptam-se às novas
condições e aprendem com elas, adotando uma nova dinâmica que concilia as mudanças
com sua identidade anterior.
Além da dinamicidade, os SAC apresentam uma série de outras características,
as quais enumeramos a seguir. Identificar as principais propriedades desses sistemas é
salutar à compreensão da ASL e da autonomia com SAC, tarefa da qual nos ocuparemos
no capítulo seguinte. Cabe salientar, no entanto, que os atributos que apresentamos a
seguir não fazem referência direta a um fenômeno específico ou a uma área de estudo
em particular.
Assim, um SAC apresenta as seguintes caraterísticas: abertura, dinamicidade,
auto-organização, não linearidade, adaptabilidade, emergência, estrutura aninhada e
sujeição a atratores. A abertura refere-se ao fato de que os SAC permitem que energia
ou matéria externas entrem no sistema, o que permite que um sistema distante do
equilíbrio esteja em constante adaptação, mantendo sua estabilidade. (LARSEN-
FREEMAN; CAMERON, 2008). A dinamicidade, por sua vez, refere-se, como
antecipamos há pouco, à constante interação entre os agentes de um SAC, o que faz
com que ele se torne dinâmico e suscetível às mudanças decorrentes de seu contexto.
Segundo Nascimento (2011) a dinamicidade de um sistema é o reflexo de um processo
32 de organização de seus elementos. Dessa organização dinâmica, segundo o autor,
emerge uma ordem aparente.
A auto-organização, uma das propriedades mais mencionadas pelos estudiosos
da questão, diz respeito à capacidade dos SAC de se ajustarem espontaneamente ao seu
contexto. Muito embora não haja uma hierarquia de comando e controle sobre o
sistema, este apresenta uma constante auto-organização para ajustar-se ao ambiente.
Paiva e Nascimento (2009, p.526) afirmam que “um SAC caracteriza-se pela sua auto-
organização dinâmica que o mantém longe-de-equilíbrio, mudando, adaptando-se e, ao
mesmo tempo, mantendo a estabilidade de sua identidade”. Assim, segundo os autores,
a organização de um SAC se dá de forma espontânea, a partir da desordem, e não parece
ser dirigida por leis físicas conhecidas, de modo que a ordem surge das múltiplas
interações entre os componentes do sistema. Desse modo, a auto-organização é a
habilidade dos SAC de criarem novas estruturas mediante a interação de seus agentes
entre si, do sistema como um todo com seus agentes e do sistema com outros sistemas,
com os quais se encontra aninhado.
Outra característica dos SAC é sua organização e seu desenvolvimento não-
lineares, o que deriva do fato de que esses sistemas são sensíveis às condições iniciais.
Isso se deve ao fato de que as interações entre os elementos de um SAC faz com que o
comportamento global seja mais do que a soma de suas propriedades, por isso o
comportamento do sistema não é facilmente previsto já que seu funcionamento não é
linear (PAIVA, 2009). Essa característica relaciona-se com outra importante
propriedade desses sistemas, a emergência, pois, ao interagirem de maneira
aparentemente aleatória e não-linear, os agentes de um SAC promovem a emergência
de novos padrões no comportamento dos agentes dentro do sistema e no comportamento
do próprio sistema como um todo.
A respeito da não-linearidade e da imprevisibilidade do comportamento dos
SAC, Fleischer (2011) chama atenção para alguns equívocos comuns relativos à
compreensão da natureza caótica desses sistemas. O primeiro equívoco, mencionado
pelo autor, diz respeito à compreensão de que a natureza caótica de um sistema implica
uma absoluta incerteza e indeterminação. Na verdade, lembra o autor, um sistema
complexo, embora resulte de interações aleatórias de uma variedade de agentes,
converge para um conjunto de atratores, os quais constituem estados que os sistemas
tendem a assumir. O segundo equívoco, refere-se a uma visão reducionista de sistemas
caóticos. A esse respeito, lembra o autor, com base em Eve (1997), que um sistema não
33 deve ser interpretado em termos de ser ou não ser caótico, já que, na verdade, adverte
Fleischer (2011), alguns sistemas são apenas eventualmente caóticos21.
Outro equívoco mencionado por Fleischer (2011) refere-se à compreensão de
que os paradigmas científicos existentes nas ciências sociais serão substituídos
completamente pelo paradigma da complexidade. A esse respeito, o autor adverte que
seria mais apropriado considerar o paradigma da complexidade como teoria que explica
classes de fenômenos não descritos adequadamente por teorias tradicionais.
Outra importante característica dos SAC é a adaptabilidade, propriedade
intimamente relacionada com a auto-organização, pois consiste no fato de que o fluxo
permanente e as constantes interações entre os agentes do sistema promovem a
necessidade de que ele se adapte ao meio, para que se mantenha. Essa constante
adaptação do sistema é o que permite sua sobrevivência em meio ao constante fluxo.
Os atratores são comportamentos habituais dos sistemas. São estados que
estatisticamente os sistemas tendem a assumir. Desse modo, por mais que não se possa
prever precisamente o estado que um determinado sistema alcançará, há uma
expectativa de que ele apresente determinadas características. No caso do SAC ASL,
por exemplo, embora não se possa prever de forma precisa o resultado do processo de
aprendizagem de uma língua por um determinado aprendiz, há uma expectativa de que,
por exemplo, após um ano de aprendizagem e tendo a possibilidade de interagir com
usuários dessa língua, o aprendente consiga comunicar-se minimamente na língua alvo,
mesmo que utilizando estruturas linguísticas mais simples.22Essa expectativa constitui
um comportamento habitual do SAC ASL, o que no PC recebe o nome de atrator.
Esses comportamentos habituais, no entanto, não devem ser confundidos com
comportamentos previsíveis, uma vez que eles dependem da interação de uma de uma
série de fatores. Nesse sentido, devemos considerar possibilidades de que o sistema
apresente comportamentos estranhos (atratores estranhos) em decorrência de uma nova
interação entre seus agentes ou com outros sistemas. 21A noção epistemológica de caos teve sua origem ligada principalmente aos estudos do francês Henri Poincaré (1854-1912), astrônomo teórico, matemático e filósofo da ciência, que teve papel fundamental nos estudos sobre sistemas dinâmicos e o caos determinístico. Em sua obra Ciência e método, publicada no início do século XX, Poincaré (1914) expõe a questão da sensibilidade dos sistemas às condições iniciais. Ao analisar o universo das probabilidades, o francês destaca a influência dos pequenos erros e desvios nos fenômenos naturais. Segundo ele, o modelo clássico de ciência observa os eventos considerando apenas parte das influências aos quais o fenômeno está sujeito. 22 No capítulo 2 apresentamos as características dos SAC ASL e autonomia com exemplos específicos desses dois sistemas.
34
Em suma, os SAC são sistemas compostos por um grande número de elementos
ativos (agentes), os quais se adaptam e mudam seus comportamentos por causa de suas
interações (HOLLAND, 1995), de modo que qualquer elemento no sistema influencia e
é influenciado por outros elementos. Assim, as variáveis inter-relacionadas apresentam
caráter essencialmente organizativo, fazendo com que o sistema evolua a um nível
superior para além das tendências estatísticas, fazendo emergir novas propriedades.
Essa perspectiva tem orientado diversos estudos de fenômenos que interessam
às ciências da linguagem, particularmente na LA, área em que muitos fenômenos vêm
sendo estudados como SAC: a linguagem (LEFFA, 2003; LARSEN-FREEMAN, 1998;
PAIVA E NASCIMENTO, 2009); a aprendizagem de segunda língua (LARSEN-
FREEMAN, 1997; PAIVA, 2009)); as comunidades autônomas online de aprendizagem
(BRAGA, 2007), a interação humana (FLEISCHER,2009); a língua (CASTILHO,
2009), entre outros.
No que tange à linguagem como um SAC, Paiva e Nascimento (2009, p. 177-
178) afirmam que a sua organização hierárquica e a sua natureza recursiva colocam-na
no âmago dos sistemas adaptativos complexos.
Na linguagem, a recursividade, instanciada, por exemplo, na organização hierárquica dos constituintes de uma oração, não é uma propriedade e/ou um mecanismo cuja instanciação se restringe ao âmbito da frase e/ou enunciado. Ao contrário, tal propriedade, como veremos, instancia-se em mecanismos responsáveis pela configuração de qualquer texto.
Assim, a linguagem se caracteriza como um sistema adaptativo complexo
(SAC), e, como tal, é aberta ao contexto em que se desenvolve e com esse contexto
mantém uma constante e dinâmica interação, operando a “produção-de-si” e a
“reorganização-de-si” (MORIN, 2003), em um processo constante de recursividade. À
luz dessa perspectiva, a concepção de linguagem como um sistema adaptativo complexo
é assim exposta por Nascimento (2011, p. 72):
Entender linguagem como um sistema complexo é, essencialmente, entender a linguagem como um sistema aberto, não linear, auto-organizante, em constante troca de energia com seu exterior, exibindo espaços de fase entendidos como graus de estabilidade e variabilidade. É, essencialmente, entender a linguagem, o processo de auto-eco-organização do animal humano como um processo essencialmente criativo.
Com relação à concepção de língua sob a ótica da complexidade, Pinker (1999),
com base na análise de palavras regulares e de palavras irregulares na língua inglesa,
35 afirma que o desenvolvimento diacrônico de uma língua constitui um sistema
complexo. Essa perspectiva encontra ecos no trabalho de Castilho (2011, p. 38-39) que,
em seus estudos no âmbito da linguística histórica, postula a língua como um sistema
dinâmico e complexo sob dois ângulos:
Do ângulo de sua produção, as línguas serão definíveis como um conjunto de processos mentais, pre-verbais, organizáveis num multissistema operacional (...) Do ângulo de seus produtos, as línguas serão apresentadas como um conjunto de categorias igualmente organizadas num multissistema.
No que concerne às implicações da complexidade na concepção de língua e de
aprendizagem de línguas, Leffa (2003, p. 25) nos diz que
A aprendizagem de uma língua é, portanto, um fenômeno duplamente complexo. É complexo internamente, nas relações que precisa estabelecer entre os elementos do sistema linguístico (a fonologia com a morfologia, a sintaxe com a semântica, a fonologia com o discurso – a prosódia, por exemplo, pode estar intimamente relacionada com a posição do sujeito na interação com o outro – e assim por diante); e é também complexo externamente, nas relações que estabelece com outros sistemas.
Assim, do mesmo modo que serve ao estudo da língua e da linguagem,
compreendemos que o PC é apropriado para a compreensão do processo de ASL, uma
vez que esse paradigma epistemológico viabiliza a compreensão dos inúmeros fatores
que interagem nesse processo, entre os quais, os que mais interessam a esta
investigação: a autonomia dos aprendizes, as estratégias de aprendizagem por eles
usadas e o contexto tecnológico em que eles se inserem. É do estudo desses processos
sob a ótica da complexidade que tratamos nos próximos capítulos.
36 CAPÍTULO 2 _____________________________________________________________________ ASL E AUTONOMIA SOB A ÓTICA DA COMPLEXIDADE
De um lado, são muitos os elementos que compõem essa aprendizagem [de uma língua]. De outro lado, não
basta identificar esses elementos; é preciso também tentar descrever como eles interagem.
(LEFFA, 2009, 26.)
Neste capítulo, discutimos a ASL e a autonomia à luz do paradigma da
complexidade, como sistemas adaptativos complexos (SAC) aninhados. Para tal,
buscamos inicialmente compreender a complexidade e a dinamicidade constitutivas
desses processos a partir de uma revisão da literatura. Nesse sentido, um panorama das
teorias sobre ASL nos permite reconhecer a diversidade de fatores que atuam sobre o
processo de aprendizagem de uma segunda língua, o que constitui indicio da
complexidade e da dinamicidade desse processo. Do mesmo modo, o panorama dos
estudos sobre a autonomia nos possibilita compreender que, na literatura sobre ASL,
esse fenômeno relaciona-se com diferentes dimensões do processo de aprendizagem, o
que implica que a autonomia assume diferentes significados, de acordo com os fatores
(cognitivos, metacognitivos ou interacionais) do processo de aprendizagem com os
quais ela interage.
2.1 As Teorias sobre aquisição/aprendizagem de SL e a autonomia
As teorias e hipóteses sobre ASL surgidas nos últimos 40 anos, tiveram como
base, sobretudo, as descobertas sobre o funcionamento da mente humana e os estudos
sobre a prática docente. Propostas em diferentes momentos e lugares, essas abordagens
teóricas se diferenciam fundamentalmente pela ênfase que dão a um ou mais aspectos
do processo de aprendizagem/aquisição, entre os quais: fatores ambientais, input
linguístico, habilidades inatas, características individuais dos aprendizes, aspectos
cognitivos, motivação, idade, interação, etc.
37
Há várias propostas de classificação de teorias e hipóteses sobre ASL, a exemplo
de Ellis (1985), McLaughlin (1987) e Larsen-Freeman e Long (1994). Esta última
proposta reúne as teorias de ASL em três grupos: teorias inatistas (ou nativistas), teorias
ambientistas e teorias interacionistas. Essa divisão, segundo Griffin (2005), reflete as
três principais perspectivas a partir das quais a ASL tem sido investigada nas últimas
décadas, a saber: a perspectiva da língua como sistema; a perspectiva centrada no
contexto dos aprendizes; e, por fim, a perspectiva centrada na interação dos aprendizes
por meio da língua-alvo. Em função dessa percepção, presente na proposta de Larsen-
Freeman e Long (1994), de que as diferentes teorias de ASL resultam de diferentes
concepções de língua e de aprendizagem, achamos conveniente tomar como base para
este estudo a classificação proposta por essas autoras, a exemplo do que fez Baptista
(2000), uma vez que, ao nos alinharmos ao paradigma da complexidade, achamos
relevante compreender as diferentes dimensões do fenômeno da ASL e da autonomia
dos aprendizes.
A seguir, ao apresentarmos a classificação proposta por Larsen-Freeman e Long
(1994), teceremos, paralelamente, algumas considerações de autores que têm se
debruçado sobre as teorias de ASL. Julgamos relevante, ainda, ao final de cada um dos
grupos de teorias, introduzirmos uma discussão em torno da autonomia no âmbito da
perspectiva apresentada, de modo que ao final deste item tenhamos uma visão
panorâmica das diferentes visões da autonomia dos aprendizes nas abordagens teóricas
discutidas.
2.1.1 Teorias nativistas e crítica ao behaviorismo
A maioria dos estudos sobre as teorias de ASL (LARSEN-FREEMAN e LONG,
1994; ELLIS,1985; MCLAUGHLIN, 1987; dedicam ao behaviorismo uma atenção à
parte. De fato, não há uma proposta teórica behaviorista explícita para a compreensão
da ASL, o que comumente chamamos de visão behaviorista de aprendizagem de línguas
é, na verdade, um conjunto de princípios linguísticos e psicológicos a partir dos quais se
busca explicar o processo de ASL. Conforme veremos na sequência, a compreensão da
ASL com base nos postulados behavioristas significa a quase total exclusão do
protagonismo dos aprendizes no processo de aprendizagem, o que nos autoriza a afirmar
que não há lugar nessa perspectiva para pensarmos a autonomia.
38
A base teórica da chamada visão behaviorista de ASL são as teorias de
aprendizagem geral propostas por psicólogos, como Watson (1930) e Skinner (1957).
As teorias de aprendizagem geral de Watson (1930) são o marco teórico inicial do que
hoje se entende como behaviorismo. Nessa perspectiva, os eventos psicológicos são
estudados a partir de evidências comportamentais. Assim, o behaviorismo surge como
uma psicologia objetivista e empírica, em contraposição à vertente subjetivista, que
tinha como foco de atenção os eventos mentais.
A ênfase do behaviorismo nos processos comportamentais e empíricos deve-se,
segundo Graham (2007), à compreensão de que os eventos mentais podem ser
traduzidos em conceitos comportamentais. Assim, o behaviorismo surge com profunda
influência do positivismo23, defendendo, por conseguinte, que a pesquisa experimental
era a mais apropriada ao campo da psicologia, o que implicaria, entre outras coisas, na
abolição, no âmbito da psicologia, de termos como: pensamento, emoção, percepção,
imagem, desejo, propósito, etc. (PAIVA, 2012).
O próprio Watson (1930) é categórico em afirmar que o behaviorismo limita-se
a formular leis sobre os fenômenos observáveis, os comportamentos, os quais são
explicados em termos de estímulos e respostas. O estímulo pode ser, por exemplo, um
objeto ou uma mudança no organismo, tal como fome. A resposta, por sua vez, é a ação
do indivíduo decorrente do estímulo (PAIVA, 2012).
No que tange à noção de língua e de linguagem, o behaviorismo defende que
comunicar-se é um comportamento e que, portanto, falar é fazer. (WATSON, 1930). E
para responder à principal crítica dos que questionam uma visão de linguagem que não
leve em conta o significado, Watson (1930) afirma que sua teoria não tem pretensão de
investigar o significado e que, portanto, ela deve ser julgada dentro de suas próprias
premissas.
Em função do exposto acima, a perspectiva behaviorista de aprendizagem tem
como base a noção de formação de hábitos e como princípios norteadores os seguintes:
(1) a aprendizagem se dá mediante a repetição; (2) a formação dos hábitos desejados
tem influência direta dos reforços positivos e dos negativos; (3) atividades de
aprendizagem graduadas promovem eficiência no processo de aprendizagem.
23 Sobre positivismo apresentamos uma pequena síntese no capítulo 1.
39
Esses princípios tiveram larga influência na compreensão dos processos de
ensino e aprendizagem de línguas, materna ou segunda língua, em especial a partir da
publicação da obra verbal behavior, de Skinner(1957), para quem o comportamento
verbal é reforçado pela mediação de um interlocutor. Desse modo, a aprendizagem da
língua por uma criança ocorre mediante os reforços de uma dada comunidade de
falantes às vocalizações por ela produzidas, podendo ser esses reforços positivos ou
negativos, de modo que, sendo positivo, os reforços promovem a formação de hábitos.
Nesse sentido, a aprendizagem deriva de condicionamento, ou seja, um comportamento
é premiado e reforçado até que esteja de tal forma condicionado que, quando na
ausência do reforço, ele continuará a acontecer.
Uma das aplicações mais conhecidas dos princípios behavioristas nos estudos
sobre ASL é a chamada análise contrastiva, na qual é central a noção de transferência,
ou seja, o processo de aprendizagem de algo novo é marcado por aprendizagens
anteriores. No âmbito linguístico, ao aprender a formação do plural, por exemplo, em
uma segunda língua, um aprendiz falante nativo do português tenderá a acrescentar o
“s”, já que esta forma está consolidada no comportamento do aprendiz.
No que tange à compreensão do processo de ASL, a perspectiva behaviorista
sustenta duas importantes teses, as quais apresentam significativas implicações nos
processos de instrução formal. São elas: a defesa de que a prática conduz à perfeição, ou
seja, a aprendizagem ocorre sempre que houver imitação e repetição, por exemplo, de
estruturas, o que acarreta a formação de hábitos de uso de estruturas linguísticas; e a
compreensão de que a língua materna, e por consequência os hábitos linguísticos nela
formados, constitui causa de fracassos no percurso de ASL.
A primeira tese tem implicações significativas na compreensão dos processos de
aprendizagem de SL, notadamente no que concerne aos contextos de instrução formal,
nos quais a prática de repetição de sons e de estruturas linguísticas constitui, ainda na
atualidade, procedimento didático recorrente. Há, no entanto, sobretudo a partir das
chamadas teorias interacionistas, a tendência a reconhecer que ao manejar o input
linguístico os aprendizes o modificam, e não apenas o imitam ou repetem. A segunda
tese, por sua vez, insuflou posicionamentos contrários aos usos da língua materna nas
40 rotinas instrucionais24 de ensino de SL, de modo que abordagens metodológicas de
ensino de SL, como o método direto25, propõem a inteira exclusão da língua materna
dos processos de instrução formal.
Como vemos, a ASL na perspectiva do behaviorismo, está inteiramente
condicionada ao input fornecido pelo ambiente. Não há, portanto, como propor no
interior dessa teoria um debate em torno da autonomia dos aprendizes, já que estes
atuam em função do estímulo oferecido por seu contexto, restando-lhes como estratégia
a imitação como forma de resposta ao estímulo provido. Assim, não se concebe, na
visão behaviorista, um aprendente que atue usando diferentes estratégias a partir de suas
características individuais, de suas afinidades e de suas motivações. Desse modo, a
abordagem behaviorista ofusca a individualidade e o protagonismo dos sujeitos que
aprendem, bem como as idiossincrasias da atuação estratégica desses indivíduos.
No entanto, ao privilegiar o input, essa abordagem oferece uma importante
contribuição aos posteriores estudos sobre a aprendizagem de línguas, de modo que
hoje, praticamente, não se contesta a importância do insumo linguístico para o processo
de aprendizagem de uma SL. Por outro lado, ao privilegiar demasiadamente o estímulo,
a abordagem behaviorista deixa de lado importantes dimensões da ASL, sobretudo a
dimensão metacognitiva, relativa, por exemplo, à competência dos aprendizes para
gerenciarem o manejo dos insumos disponíveis em seu contexto, e a dimensão
sociointeracional, relacionada às modificações desses insumos, decorrentes, por
exemplo, da negociação de sentido.
24 Ao empregarmos o termo rotinas instrucionais fazemos referência aos procedimentos concretos aos quais se submetem os aprendizes nos contextos formais de aprendizagem. 25 O Método Direto (MD) teve como marco inicial a publicação da obra A arte de aprender e ensinar línguas, do professor francês François Gouin em 1875 ( HOWATT, 2000). O livro consistia em uma orientação metodológica, que o autor denominou Método Seriado (MS). Esse método buscava realizar um ensino direto da língua estrangeira, ou seja, sem tradução ou explicitação de regras gramaticais, através de uma série de frases contextualizadas e conectadas entre si. O MS encontrou muitas barreiras entre os professores e estudiosos da época, mas acabou dando origem ao respeitado Método Direto, idealizado por Charles Berlitz em 1878 (HOWATT, 2000). O MD partia do princípio de que o aprendizado de uma segunda língua ocorria de modo similar ao aprendizado da língua materna. Assim, as aulas contavam com interação oral e uso espontâneo da lingua. Não havia tradução e pouca ou nenhuma análise de regras gramaticais ou estruturas sintáticas. Segundo Brown (1994), as principais características do MD eram: aulas curtas e conduzidas na língua estrangeira; abordagem indutiva para o ensino de gramática; ensino do vocabulário do quotidiano através de figuras e objetos; construção progressiva de habilidades comunicativas através de um sistema de perguntas e respostas de níveis cada vez mais elevados de dificuldade; ênfase em atividades orais. O MD tornou-se popular no final do século XIX e no início do século XX em escolas privadas de idiomas estrangeiros na Europa.
41
A perspectiva behaviorista de aprendizagem/aquisição sofreu diversas críticas a
partir da década de 60 do século XX. O mais contundente crítico de Skinner (1957),
naquela época, foi Noam Chomsky (1957), para quem a aquisição de uma língua não se
explica com base na imitação, mas com base na internalização de regras. Essa
contraposição ao behaviorismo resultou em importantes propostas teóricas para explicar
a aquisição de línguas, como vemos a seguir.
2.1.2 Teorias nativistas
As teorias nativistas tratam a ASL a partir da natureza sistêmica da língua. Nesse
sentido, essas abordagens relegam a um segundo plano o papel dos indivíduos como
usuários da língua, suas características individuais, suas motivações e sua autonomia no
processo de aprendizagem. A essa perspectiva teórica pertencem propostas como a de
Chomsky (1957) e as de Krashen (1981), as quais representam uma clara oposição ao
Behaviorismo reinante na psicologia da década de cinquenta do século XX.
A proposta chomskyana, conhecida como Hipótese da gramatica universal, teve
como principal fundamento a existência de um mecanismo inato para aquisição da
linguagem. Esse mecanismo consistiria em uma espécie de pré-programação linguística
do cérebro que possibilitaria a aquisição de uma língua pelos membros de uma
comunidade linguística. A partir de um input linguístico, portanto, o indivíduo
decodificaria padrões e os incorporaria por inferência às outras situações de
comunicação. No intuito de explicar as características desse mecanismo inato de
comunicação, Chomsky (1957) cunhou o conceito de Gramática Universal (GU).
O dispositivo de aquisição proposto por esse autor consta de quatro capacidades:
a capacidade de diferenciar sons da fala de outros sons; a capacidade de organizar
fenômenos linguísticos em categorias, tais como nomes de coisas, tempo, espaço, etc.; a
capacidade de reconhecer o que se pode ou não fazer em um sistema linguístico26; e, por
fim, a capacidade de avaliar o sistema linguístico para simplificar o processo de
comunicação, pondo em ação o princípio da economia linguística que consiste na
seleção do que é estritamente necessário para realizar a comunicação.
26 Segundo Griffin (2005) é essa capacidade que ocasiona, por exemplo, que uma criança cometa erros lógicos do tipo “eu não sabo”, por haver aprendido que na primeira pessoa do singular acrescenta o “O” a raiz.
42
Assim, Chomsky (1957) entende o processo de aquisição de uma língua com base
no próprio sistema linguístico. Ou seja, os aprendizes relacionam os dados que
percebem em seu entorno a um sistema linguístico que permite categorizar esses dados
a fim de selecionar os apropriados ao propósito imediato de comunicação (GRIFFIN,
2005).
Mitchell e Miles (2004) resumem em três os principais questionamentos de
Chomsky (1957) sobre a linguagem. São eles: de que está constituído o conhecimento
da língua? como se adquire tal conhecimento? como se coloca em uso o conhecimento
da língua adquirido?
Com relação à primeira pergunta, Chomsky (1957) alega que todos os seres
humanos herdam um conjunto idêntico de princípios e parâmetros universais que
controlam a forma que a linguagem humana pode assumir. Esse conjunto se organiza
em função da língua à qual o falante é exposto, e, uma vez configurado em função de
uma língua pode variar de modo a atender as exigências de uma outra língua a qual o
indivíduo seja exposto. Como resposta à segunda pergunta, o autor propõe o conceito de
Gramática Universal (GU), um mecanismo inato que permite que o indivíduo, mesmo
diante de um input desordenado, crie representações mentais que se encontram para
além do insumo ordinário. Por fim, para responder à terceira pergunta, o linguista
propõe os conceitos de competência e desempenho, sendo o primeiro um mecanismo de
natureza computacional e o segundo o uso efetivo que o indivíduo faz da língua.
Como mecanismo de natureza computacional, a competência, na proposta de
Chomsky (1957), constitui a capacidade que um indivíduo tem de produzir, entender e
de reconhecer a estrutura de todas as frases de sua língua. Nessa perspectiva, a língua é
compreendida como um conjunto ilimitado de frases, o qual compreende não apenas as
frases existentes, mas também as potenciais, que podem ser geradas a partir
interiorização das regras da língua, tornando os falantes capazes a produzir ou
compreender frases nunca ouvidas por eles. O desempenho, por sua vez, constitui os
usos efetivos que os falantes fazem da língua, ao falarem, ouvirem, escreverem ou
lerem. Esse desempenho linguístico leva em conta o conhecimento que os falantes têm
da língua (a competência) e as condições contextuais que condicionam a atuação dos
indivíduos.
43
Sob a perspectiva inatista, as pesquisas a respeito da ASL debruçaram-se
principalmente sobre o conhecimento de gramática que o aprendiz possui, relegando a
um segundo plano os usos efetivos da língua alvo (LIGHTBOWN e SPADA,1993).
Essa perspectiva teve significativo impacto sobre as teorias de aprendizagem/aquisição
de segunda língua e, por isso, uma das principais questões levantadas era se o
dispositivo para aquisição ainda estaria ativo durante o processo de ASL por um
indivíduo adulto.
A proposta de Chomsky (1957) significou uma espécie de revolução cognitiva
nos estudos da linguagem, de modo que no final da década de oitenta ela foi utilizada
como base para a compreensão do processo da ASL por Stephen Krashen, e, muito
embora os estudos de Krashen (1981) tenham um caráter mais introspectivo que
experimental, as hipóteses por ele elaboradas repercutiram significativamente entre os
estudiosos da ASL até a década de noventa (LARSEN-FREEMAN; LONG, 1994).
As hipóteses de Krashen (1981) têm como base o caráter sistêmico da língua. A
primeira delas, a da ordem natural, noção análoga a de GU de Chomsky, propõe que o
aprendiz de SL segue uma ordem natural de aquisição, a qual o processo de instrução
formal não consegue modificar podendo apenas impulsionar. O progresso do aprendiz
por esse caminho natural resulta de dois tipos de processo: o de aquisição e o de
aprendizagem27. Pelo primeiro processo, o de aquisição, o aprendiz tem acesso à língua
em seu estado natural, enquanto que pelo segundo processo, o de aprendizagem, o
aprendiz percebe a língua por meio de estudo formal de regras linguísticas, sem a ajuda
do contexto. A distinção entre esses dois processos representa a segunda hipótese do
autor.
A terceira hipótese, a da monitoração, ou modelo do monitor, propõe que o
aprendiz aplica uma espécie de monitor no processo de aprendizagem/aquisição, o qual
seria responsável por tomar decisões durante o processo de comunicação com base nas
regras morfológicas, fonológicas e sintáticas aprendidas ou adquiridas. A quarta
27 Essa proposta de diferenciação recebeu diversas críticas já que é imprecisa a fronteira entre os conhecimentos novos, resultantes do processo formal e consciente de aprendizagem, e os conhecimentos resultantes de um processo natural e inconsciente. Ainda a respeito dessa diferença, Ellis (1994) busca superar o dualismo biológico X instrucional e aposta na diferenciação entre conhecimentos explícitos e implícitos sendo o primeiro grupo relacionado a processos resultantes de uma formação intencional ou de instrução formal; enquanto que o segundo é resultante de processos espontâneos, não conscientes e não resultantes de instrução formal.
44 hipótese, que segundo Griffin (2005) é a menos apoiada em dados sólidos, propõe que
para haver aquisição, o aprendiz deve estar exposto a informações de certa natureza, as
quais devem estar um nível acima do que se encontra o conhecimento linguístico do
aprendiz. Isso equivale a que a aprendizagem/aquisição só ocorre se o aprendiz estiver
preparado mental e linguisticamente. Essa hipótese ficou conhecida como hipótese do
input.
A quinta hipótese, designada de Filtro Afetivo, propõe uma estreita relação entre
os fatores afetivos e a aquisição de uma SL. Essa hipótese prevê que todo indivíduo
possui um filtro afetivo, que, estando ativo, pode inviabilizar a aquisição de
determinados tipos de conhecimentos. Assim, a aversão do aprendiz com relação a
determinados aspectos relativos à cultura dos falantes da língua alvo, por exemplo, pode
constituir um bloqueio mental no processo e aquisição,
Em suma, no âmbito das teorias nativistas, particularmente na proposta de
Chomsky (1957), o protagonismo e a autonomia dos aprendizes de ASL encontram seus
limites na própria concepção da natureza da língua, compreendida como um sistema de
conhecimento com sede na mente/cérebro. Aos usuários ou aos aprendentes da língua,
tratados sempre numa perspectiva ideal, cabe apenas extrair do sistema os elementos
que este incorpora, ou seja, as operações mentais de percepção, categorização e
simbolização do mundo. Por outro lado, é necessário reconhecer nas teses de Krashen
(1981) uma abertura à compreensão de importantes agentes que atuam no processo de
ASL, a exemplo da afetividade e da motivação, dois fatores que podem representar
importantes implicações no uso de EA por parte dos aprendizes.
Em suma, se o behaviorismo condicionava os aprendizes ao input, as teorias
nativistas os aprisionam às estruturas abstratas da própria língua alvo, relegando pouca
ou nenhuma importância aos fatores ligados aos contextos, seja social, cultural ou
tecnológico, do processo de aprendizagem/aquisição e às implicações desses contextos
no uso de estratégias de aprendizagem por parte dos aprendentes. Essa lacuna motivou o
surgimento, a partir da década de setenta do século XX, de propostas teóricas que
buscaram reconhecer o papel do meio social e cultural no processo de ASL, como
mostramos a seguir.
45 2.1.3 Teorias ambientistas
O segundo grupo de teorias de ASL identificado por Larsen-Freeman e Long
(1994) é o das teorias ambientistas. Estreitamente ligadas às influências da sociologia,
da sociolinguística e da antropologia, essas teorias buscam explicar a ASL a partir da
relação do aprendiz com o seu meio social e cultural. Nesse sentido, como veremos, os
aprendizes, como o próprio processo de ASL, estão condicionados ao ambiente. Nesse
grupo de teorias, três tiveram maior repercussão: a teoria da aculturação, a teoria da
desnativização e a teoria da acomodação.
A primeira, proposta por Schumann (1978), situa a ASL dentro de um processo
mais amplo, denominado por ele de Aculturação. Assim, o nível de domínio da língua-
alvo e o grau de ligação do aprendiz à cultura da língua-alvo estão diretamente
relacionados (GRIFFIN, 2005). Desse modo, a ASL é concebida como processo que se
realiza mediante a assimilação, por parte dos aprendizes, de valores e comportamentos
culturais da(s) comunidade(s) de falantes da língua-alvo. Nessa perspectiva, segundo
Grinfin (2005), a distância que existe entre o grupo de origem do aprendiz e o grupo de
usuários da língua-alvo é determinante para o êxito (ou não) da aprendizagem. A
distância/proximidade dos aprendizes com relação à cultura dos falantes da língua alvo
pode ser de natureza social ou psicológica, de modo que a primeira está mais ligada aos
contatos efetivos dos aprendizes com falantes da língua meta ou com aspectos ligados à
cultura da língua alvo, enquanto que a segunda relaciona-se com a identificação dos
aprendentes com aspectos culturais da língua que aprende.
Para a elaboração de sua proposta, Schummam (1978) baseou-se em uma
investigação com aprendizes de SL e verificou que os indivíduos que apresentaram
menor desempenho no processo de aprendizagem foram os que exibiam maior grau de
distanciamento social e psicológico com relação aos falantes da língua alvo, o que levou
o pesquisador a concluir que a integração social e psicológica do aprendiz à comunidade
de usuários da língua alvo tem importância decisiva para o êxito no processo de
aprendizagem (PAIVA, 2004).
A teoria da aculturação prevê sete fatores que determinam distâncias sociais e
psicológicas dos aprendizes com relação à cultura da comunidade de falantes da língua
alvo. O primeiro fator prevê que se os membros de dois grupos são ou se percebem
como iguais e se o uso/aprendizagem da língua é positivo ou negativo haverá êxito no
46 processo de ASL. O segundo prevê que haverá êxito no processo de aprendizagem se os
membros do grupo de falantes da língua alvo querem a integração dos aprendizes, de
modo que não basta que os aprendizes queiram integrar-se, é preciso que ele se sinta
aceito pela comunidade de falantes da língua-alvo. O terceiro fator prevê que haverá
êxito na aquisição se os membros dos dois grupos desejam que os aprendizes de SL
compartilhem elementos sociais.
O quarto fator, proposto por Schummam (1978), diz respeito ao fato de que
quanto menor e menos coeso o grupo ao qual pertence o aprendiz maior é a necessidade
de integração com outros grupos e consequentemente maior será o nível de aquisição. O
quinto fator prediz que quanto maior a afinidade cultural e o compartilhamento de
práticas religiosas, acontecimentos históricos e festividades, mais êxito terá o processo
de SL. O sexto, por sua vez, presume que quando há uma atitude positiva entre os dois
grupos há maior êxito no processo de aprendizagem. Por fim, o sétimo supõe que a
expectativa de convívio com a comunidade de falantes da SL promove um maior
esforço por aprender a interagir na língua-alvo, o que reflete positivamente na aquisição.
Os sete fatores propostos por Schummam (1978) resumem importantes aspectos
da relação entre os aprendizes de SL e o seu contexto de aprendizagem. Assim, aspectos
como identidade e motivação emergem como agentes diretamente relacionados ao êxito
ou ao fracasso do processo de aquisição. Nesse sentido, essa proposta teórica aporta
importantes contribuições à compreensão das implicações dos aspectos culturais no
processo de aprendizagem de uma SL, sobretudo quando se trata de aprendizagem em
contexto exolíngue28 mediado por processos de instrução formal, pois nesse contexto os
aprendentes têm, geralmente, reduzido contato com a cultura da língua alvo e com
falantes dessa língua. Assim, a identificação com a cultura do outro, o desejo de
integrar-se a ela ou a expectativa de conviver com ela podem constituir fatores
determinantes da motivação para aprender a língua alvo.
28 Compreendemos aqui por aprendizagem formal em contexto exolíngue a situação em que um aprendiz, ou um grupo de aprendizes de SL ou de LE, aprende a língua em um contexto em que a língua alvo não é usada no cotidiano (FERRONI,2012) . É o que ocorre, por exemplo, com os narradores que produziram as quarenta narrativas analisadas nesta pesquisa. Essa conjuntura apresenta características peculiares se a compararmos ao processo de aprendizagem por imersão e integração do aprendiz ao contexto de uso da língua alvo. Um dos aspectos mais significativos nessa diferença é o fato de que em um contexto exolíngue de aprendizagem formal de ASL, o input da sala de aula é, em muitos casos, o único ao qual os aprendizes têm acesso
47
Essa proposta teórica repercutiu de tal forma no campo de estudos de ASL, que
diversas outras abordagens posteriores buscaram aprofundar os postulados a ela ligados,
a exemplo da teoria da desnativização e da teoria da acomodação, ambas preocupadas
com as implicações das variáveis culturais no processo de aquisição. A primeira,
proposta por Andersen (1983), adicionou à proposta de Schumann (1978) aspectos
cognitivos ao propor que o processo de aculturação poderia mudar as formas de pensar e
de atuar de um aprendiz. Assim, um indivíduo abandona seus pensamentos e
comportamentos nativos e acomoda-se voluntariamente a um novo contexto cultural,
fazendo uso de estratégias que garantam seu ajustamento linguístico e cultural ao grupo
de usuários da língua alvo, em um processo que Andersen (1983) denomina
desnativização.
Esse aprofundamento das teses da aculturação apresenta importantes
contribuições aos estudos sobre ASL, notadamente no que tange ao reconhecimento do
estreito vínculo entre os aspectos culturais e os aspectos cognitivos envolvidos no
processo de aprendizagem de uma SL. Contudo, julgamos que a proposta de Andersen
(1983) negligencia demasiadamente a importância da língua materna, e dos aspectos
culturais a ela vinculados, como relevante fator de contraste no processo de ASL.
A teoria da acomodação, proposta por Giles (1977), por sua vez, sustenta que a
ASL é fortemente afetada pelo grau de motivação do aprendiz em distanciar-se ou
diferenciar-se de seu próprio grupo. Nesse sentido, os estudos de Gardner e Lambert
(1972), da década de setenta do século XX, serviram de base a essa teoria, uma vez que
estabelecem a relação entre o nível de motivação dos aprendizes de SL e sua
identificação com o seu próprio grupo étnico. Assim, segundo Giles (1977), o alto grau
de motivação dos aprendizes está relacionado a um baixo nível de identificação desses
indivíduos com seu próprio grupo. A carência de identificação de um aprendiz com seu
grupo é associada a um desejo de aproximação, acomodação e integração a outro grupo.
Assim, a aquisição da língua do outro grupo caberia como elemento de integração ao
outro grupo.
Desse modo, ao vincular o grau de motivação em aprender a SL ao desejo de
acomodação à cultura da língua alvo, Giles (1977) presta importante contribuição aos
estudos sobre ASL. Contudo, embora reconheçamos que a apreciação positiva da
cultura da língua alvo represente um importante fator no processo de aprendizagem
48 dessa língua, particularmente no que tange à motivação, vemos com receio a vinculação
do êxito na aprendizagem à pouca identificação do aprendiz com relação a seu próprio
grupo cultural. Em função disso, compreendemos que a aproximação com a cultura do
outro pode dar-se por meio de estratégias sociointeracionais, ou seja, os aprendizes
podem desenvolver entendimento cultural, tornar-se consciente dos pensamentos e
sentimentos dos outros e desenvolver empatia com falantes da língua meta sem
necessariamente desprestigiar sua própria cultura.
Em suma, no âmbito das teorias ambientistas, a proximidade ou o
distanciamento dos aprendizes com relação à cultura dos grupos falantes da língua alvo
emerge como um fator determinante do processo de ASL. Assim, essas teorias abrem-
se, embora timidamente, ao protagonismo e à autonomia dos aprendentes, uma vez que
esses sujeitos podem usar estratégias que os aproximem da cultura daqueles grupos,
contribuindo positivamente para o processo de aquisição. Desse modo, reconhecemos
nessas abordagens teóricas um relativo avanço no reconhecimento do protagonismo dos
aprendizes no processo de ASL, em comparação com as teorias nativistas.
Há, no entanto, nas propostas ambientistas importantes lacunas no que concerne
aos processos de integração dos aprendentes à cultura das comunidades falantes da
língua alvo. Uma dessas lacunas diz respeito aos aspectos relativos ao engajamento
comunicativo dos aprendizes nesses processos de integração. Assim, frente às
abordagens ambientistas, caberia perguntar: como se dá efetivamente a interação entre
aprendentes e usuários da língua alvo? quais as implicações dessas interações para o
êxito do processo de ASL? Questões dessa natureza parecem ter motivado o
desenvolvimento de abordagens teóricas voltadas prioritariamente para os aspectos
interacionais envolvidos na aprendizagem de uma SL, como mostramos a seguir.
2.1.4 Teorias interacionistas
As teorias de ASL reunidas por Larsen-Freeman e Long (1994) sob rótulo de
teorias interacionistas têm em comum a ênfase dada à interação dos aprendizes por meio
da língua alvo. Nesse grupo de teorias, é possível reconhecer o papel significativo do
engajamento social e comunicativo dos aprendentes no processo de ASL. A esse grupo
pertencem duas importantes teorias de ASL: a teoria do discurso e a teoria da
competência variável.
49 A chamada teoria do discurso teve sua origem na década de setenta do século
XX, a partir dos estudos de Hatch (1978). Surgida em um momento de efervescência
dos estudos sobre ASL, essa teoria tem como pilares as noções de competência
comunicativa e negociação de significados propostas por Halliday (1973) e Hymes
(1971). A hipótese nuclear da teoria do discurso é a de que uma língua, seja materna ou
não, é aprendida mediante a participação dos aprendizes no intercâmbio de mensagens
significativas (GRIFIN, 2005).
Seguindo por essa senda teórica, a ASL é compreendida como um
processo que se dá por meio da negociação de sentido entre os interlocutores, de modo
que é a participação ativa dos aprendizes nos processos de comunicação que faz com
que eles aprendam a dominar a L2, mais ou menos bem e com maior ou menor rapidez
(GRIFIN, 2005, p. 47). A teoria do discurso prevê 4 fases no processo de ASL, cada
uma das quais associa elementos linguísticos às necessidades de comunicação do
sujeito: a fase das fórmulas, a fase das estruturas verticais, a fase dos padrões
discursivos e a fase do desenvolvimento da personalidade própria na SL. Na fase de uso
de fórmulas, o aprendiz lida com “pequenos blocos” de língua (fórmulas) cujos sentidos
são facilmente reconhecidos no contexto comunicativo e que não exigem muito da
memória para serem recordadas. (GRIFFIN, 2005).
Na segunda fase, o aprendiz, ainda sem recursos linguísticos suficientes para
interagir espontaneamente com seus interlocutores, seleciona estruturas linguísticas já
utilizadas por outros usuários da língua e as reutiliza garantindo, assim, sua participação
na comunicação. Essa carência de recursos linguísticos permanece até a terceira fase,
quando os aprendizes seguem tomando emprestadas estruturas de seus interlocutores,
mas agora alcançam elementos discursivos e sintáticos e não simplesmente lexicais.
Na quarta fase, por fim os aprendizes desenvolvem sua própria personalidade na
língua alvo, ou seja, embora continue utilizando os empréstimos, agora o fazem
arriscando-se a utilizá-los no intuito de participar ativamente da comunicação,
expressando seus pontos de vista e suas ideias, com o objetivo de garantir sua
participação na comunicação e contribuir efetivamente no processo de interação.
Segundo Griffin (2005), esses quatro momentos, evidenciam o progresso dos
aprendizes de um nível mais simples ao um nível mais complexo, ou seja, os aprendizes
iniciantes utilizam com maior frequência a primeira fase enquanto que os aprendizes de
50 um nível mais avançado tendem a usar a terceira fase. Cada uma dessas fases prevê
ainda o processo de retroalimentação, quando o interlocutor estimula (ou não) o
aprendiz, promovendo a participação deste no processo de comunicação ou excluindo-o
do processo.
A teoria do discurso apresenta, inegavelmente, uma série de avanços no que
tange à compreensão da natureza complexa do processo de aprendizagem de SL. Um
indício dessa compreensão pode ser identificado nas diferentes dimensões envolvidas
em cada uma das fases de aquisição: a dimensão linguística, revelada nas fórmulas e nas
estruturas linguísticas; a dimensão cognitiva, expressa, por exemplo, no modo como os
aprendentes lidam com as formas e estruturas da língua; e a dimensão sociointeracional,
implicada nos diferentes modos como os aprendizes interagem com seus interlocutores
em diferentes fases do processo de aquisição, até conseguir expressar opiniões e ideias
próprias.
A principal contribuição da teoria do discurso aos estudos sobre ASL consiste,
sem dívida, na compreensão da relevância dos processos de interação para a
aprendizagem de uma SL. Assim, ao conceder um lugar central à interação, essa
abordagem abre o caminho para que sejam discutidos os inúmeros aspectos envolvidos
no uso da língua alvo por aprendizes em processos de interação comunicativa, entre tais
aspectos, vale destacar o papel ativo dos aprendizes nos processos de negociação de
sentido.
No entanto, essa teoria apresenta limitações importantes. Uma delas diz respeito
à compreensão de que a competência comunicativa (CC) se desenvolve de forma linear,
como faz supor a proposta das quatro fases. Assim, essa teoria deixa de considerar as
implicações de uma série de variáveis que interferem na CC, tais como: os propósitos
comunicativos dos aprendizes, a disponibilidade dos interlocutores em negociar sentido,
a familiaridade dos aprendizes com os tópicos conversacionais, entre outros. Desse
modo, o fato de que um aprendiz use adequadamente elementos linguísticos da SL em
um determinado contexto não implica que esse conhecimento esteja de fato adquirido
pelo aprendiz.
Questões como essa motivaram a abordagem teórica que ficou conhecida como
teoria da competência variável, proposta por Ellis (1985). Tendo como foco a dimensão
interacional do processo de aquisição, essa teoria representa um aprofundamento da
51 proposta de Hatch (1978) e sustenta que a CC dos aprendizes depende de aspectos
situacionais, já que o uso de uma SL na comunicação envolve uma série de fatores, e,
portanto, ao mudar um desses fatores, muda também o uso da língua. Desse modo é que
se propõe a noção de uma competência variável ou situacional.
A competência comunicativa é, assim, compreendida por Ellis (1985) como
fenômeno de natureza dinâmica, já que recebe a influência de variáveis dos mais
diversos tipos, tais como fatores inatos, fatores biológicos e fatores ambientais. Assim,
nos diferentes momentos do processo de aquisição, ou período da interlíngua, os
conhecimentos dos aprendizes se ajustam às situações, tendo os usos sociais da língua
um papel central nesse processo de ajustamento, uma vez que é nos usos significativos
da língua que os aprendizes reúnem base para entender a língua e seus usos nos
processos de comunicação.
Desse modo, a proposta de Ellis (1985) contribui significativamente à
compreensão do processo de ASL, particularmente em dois aspectos: no
reconhecimento da importância da dimensão sociointeracional, na qual os aprendizes
jogam um papel decisivo ao interagirem negociando sentido e usando estratégias
sociointeracionais que possibilitem sua integração em processos de comunicação
significativa; e na compreensão de que os processos de comunicação submetem-se a
uma série de variáveis de natureza biológica, ambiental e social.
Em suma, no âmbito das teorias interacionistas, o protagonismo dos aprendizes
goza de maior reconhecimento, pois, muito embora as duas teorias mencionadas não
tratem especificamente da autonomia dos aprendentes, é possível reconhecer nelas
alguns traços que apontam para o papel decisivo desse importante construto no processo
de ASL, particularmente no que tange ao protagonismo desses indivíduos no âmbito dos
processos de negociação de sentido. A esse respeito, vale destacar que os processos de
interação no âmbito da aprendizagem de segunda língua em contexto exolíngue
resultam sobretudo do esforço dos aprendizes em engajar-se em processos de interação.
Assim, diante da escassez de possibilidades de interação imposta pelo contexto é o
aprendiz quem faz uso de EA que viabilizem sua inserção em processos e cooperação e
de negociação de sentido com usuários da língua alvo, sejam nativos ou não.
Ao concluirmos esse breve panorama das principais abordagens teóricas sobre
ASL, chamamos atenção para duas importantes constatações que emergem da
52 apreciação das diferentes propostas: a primeira refere-se à escassa atenção dada às
questões relativas à individualidade dos aprendizes e às implicações desse fator no
processo de aprendizagem; a segunda, por sua vez, diz respeito ao fato de que as
diferentes abordagens teóricas constituem visões fragmentadas de um mesmo processo,
e que, portanto, todas elas juntas evidenciam a natureza multidimensional, dinâmica e
complexa do processo de ASL.
Com relação à primeira constatação, compreendemos que, ao negligenciar a
atenção ao protagonismo dos aprendizes, as abordagens deixam de pautar os aspectos
idiossincráticos do processo de aprendizagem, e, portanto, olvidam um importante
aspecto desse processo, o fato de que cada indivíduo aprende a seu modo, a partir de sua
história particular de aprendizagem, de sua motivação, de suas afinidades, de seu
controle afetivo, de sua disponibilidade de tempo e de espaço, de sua identificação com
a língua alvo e com os aspectos culturais a ela relacionados, de sua desenvoltura para a
interação, de sua disponibilidade para gerenciar sua aprendizagem, de sua familiaridade
com os recursos tecnológicos disponíveis em seu contexto e de tantos outros fatores
ligados à singularidade dos aprendentes. Cada um desses fatores, em maior ou menor
grau, interferem no uso de EA por esses sujeitos, em sua postura mais ou menos
autônoma e, por conseguinte, nos produtos resultantes dessa postura.
No que concerne à segunda constatação, compreendemos que a natureza
multidimensional da ASL diz respeito aos diferentes tipos de fatores envolvidos nesse
processo, os quais podem ser de natureza ambiental, biológica, linguística, cognitiva,
interacional, metacognitiva, entre outros. Em função disso, podemos falar de diferentes
dimensões do processo de ASL (dimensão ambiental, dimensão biológica, dimensão
interacional, entre outras), cada uma das quais implica uma grande quantidade de
fatores, os quais são abordados nas diferentes teorias e hipóteses, conforme mostramos
no quadro 1, a seguir.
53
Quadro 1: Diferentes dimensões do processo de ASL
Algumas dimensões do processo de
ASL
Alguns fatores envolvidos no
processo de ASL
Abordagens
teóricas
Biológica
Idade, período crítico, maturidade, etc.
Teorias nativistas
Ambiental
Oferta de input, a cultura dos falantes da língua alvo, estímulo, instrução formal, valores culturais, integração social do aprendiz, motivação, etc.
Teorias Ambientistas Abordagem Behaviorista
Cognitiva
Input, estímulo, instrução formal, feedback, imitação, memória, etc.
Teorias nativistas Teorias Ambientistas Abordagem Behaviorista
Linguística
Proximidade entre a LM e a SL, transferência, léxico, estruturas linguísticas etc.
Teorias nativistas Teorias interacionistas
Metacognitiva
Planejamento, autoavaliação, instrução formal, ansiedade, motivação, etc.
Teoria interacionistas Teorias nativistas
Interacional
Cooperação com usuários da língua alvo, feedback, negociação de sentido, motivação, engajamento do aprendiz, competência comunicativa, etc.
Teoria interacionistas
O quadro acima não tem a pretensão de apresentar a totalidade das dimensões ou
dos fatores envolvidos no processo de ASL, mas apenas algumas das que ficaram
salientes a partir as diversas abordagens teóricas apresentadas. Cabe ressaltar que a
distinção entre as diferentes dimensões, expostas no quadro acima, tem objetivo
eminentemente didático, uma vez que no processo de aprendizagem tanto as dimensões
como os fatores atuam em constante e dinâmica interação. Em função dessas interações,
a compreensão de um determinado aspecto do processo de ASL, como a dificuldade de
um aprendiz em produzir determinados sons da língua alvo, deve levar em
consideração, por exemplo, fatores cognitivos como a prática de repetição do som em
questão, fatores linguísticos como o contraste com os sons da língua materna, fatores
interacionais como a atenção na fala dos interlocutores, fatores metacognitivos como o
planejamento para a prática formal do som em questão, entre outros.
À luz dessa compreensão, entendemos que o estudo da ASL e da autonomia dos
aprendizes demanda uma abordagem teórica que dê conta, ao mesmo tempo, da
54 multiplicidade de fatores que interagem nesse processo e das interações aleatórias
desses agentes, bem como das implicações dessas interações para o protagonismo dos
aprendizes, tal como prevê Leffa (2009) na epígrafe deste capítulo. Nessa perspectiva, o
paradigma da complexidade revela-se um modelo teórico-epistemológico que representa
uma alternativa promissora para o estudo do fenômeno da ASL, bem como do
fenômeno da autonomia. Assim, nas duas próximas seções tratamos desses fenômenos à
luz da complexidade.
2.2 A ASL como um sistema adaptativo complexo (SAC)
Nesta seção mostramos que a ASL é um fenômeno multidimensional, dinâmico
e complexo com todas as características de um SAC, pois resulta da interação dinâmica
e aleatória de uma grande quantidade de agentes e apresenta diferentes dimensões, as
quais se definem com base na interação entre fatores dos mais diferentes tipos
(cognitivos, interacionais, linguísticos, metacognitivos, etc.). Antes, porém,
apresentamos um breve panorama dos estudos sobre ASL como um sistema complexo,
pois compreendemos que essa digressão histórica fornecerá subsídios teóricos
relevantes à compreensão do funcionamento do sistema aprendizagem, notadamente no
que tange à sua interação com a autonomia e com as EA utilizadas pelos aprendentes.
No decorrer desta última década, tem sido significativo o número de pesquisas
na LA norteadas pelo paradigma da complexidade (LARSEN-FREEMAN, 1997;
PAIVA, 2005b; 2004; LANTOLF, 2006), o qual considera que um dado sistema (seja
social, cognitivo, físico ou biológico) se caracteriza pela abertura, dinamicidade, auto-
organização, não-linearidade, adaptabilidade, emergência, estrutura aninhada entre
outras características apresentadas no capítulo 1.
Os primeiros estudos que buscaram compreender a ASL sob a ótica do
paradigma epistemológico da complexidade foram os de Larsen-Freeman (1997, 2007,
2008). Nesses estudos, a tese central, sustentada pela autora, é a de que a ASL
caracteriza-se como um sistema complexo, no sentido de que é influenciado por
inúmeros fatores cujas interações aleatórias determinam a trajetória de seu
desenvolvimento, de modo que nenhum dos múltiplos fatores constituintes do sistema é,
por si só, determinante.
55 Cabe destacar, no entanto, que mesmo os estudos sobre ASL que não se
orientam pelo paradigma epistemológico da complexidade tendem a reconhecer a
natureza complexa do fenômeno da ASL. É o que vemos, por exemplo, em Van Lier
(2004), que reconhece a aprendizagem de línguas como um processo complexo,
influenciado por inúmeros fatores, os quais não podem ser reduzidos a relações lineares
individuais, ou seja, uma causa (tal como um método, uma tarefa, um exemplo, uma
repetição) e um subsequente efeito (uma palavra, uma estrutura memorizada, o uso
espontâneo do discurso de um item alvo, uma resposta correta em uma prova).
A complexidade, como perspectiva teórica e paradigma epistemológico na LA,
representa uma alternativa relevante para a investigação de fenômenos como a ASL.
Sob a ótica da complexidade a ASL é caracterizada como um sistema adaptativo
complexo (SAC), ou seja, um sistema resultante das interrelações dinâmicas entre os
mais diversos aspectos nele envolvidos. Nesse caso, aspectos como o contexto sócio-
cultural do aprendiz e as questões de natureza cognitiva interferem diretamente no
processo de aprendizagem, fazendo emergir determinados comportamentos e posturas.
No Brasil, Paiva (2005b) foi a primeira a investigar a ASL sob a ótica dos SAC.
Em seu modelo fractal de aquisição de línguas a autora faz uma breve revisão de
modelos de ASL, mostrando que eles são visões fragmentadas de um mesmo sistema.
Em seguida, em Paiva e Nascimento (2011), a autora co-organiza o livro Sistemas
Adaptativos Complexos: linguagem e aprendizagem (PAIVA e NASCIMENTO, 2011),
no qual são apresentadas relevantes pesquisas nos mais diversos campos da LA sob a
ótica da complexidade.
Também no Brasil, Leffa (2003) nos diz que
A aprendizagem de uma língua é, portanto, um fenômeno duplamente complexo. É complexo internamente, nas relações que precisa estabelecer entre os elementos do sistema linguístico (a fonologia com a morfologia, a sintaxe com a semântica, a fonologia com o discurso – a prosódia, por exemplo, pode estar intimamente relacionada com a posição do sujeito na interação com o outro – e assim por diante); e é também complexo externamente, nas relações que estabelece com outros sistemas (LEFFA, 2003, p. 25).
Incontestavelmente, a inserção da LA no paradigma da complexidade representa
um momento novo para os estudos em ASL, a começar pela contraposição às teorias e
hipóteses que, por um lado, relegavam a um segundo plano a aleatoriedade das
56 interações entre os diversos fatores que interferem no processo de aprendizagem (tais
como idade, motivação, contexto tecnológico, cultura, grupo social e identidade dos
aprendizes, etc) e por outro lado tendiam a postular uma certa linearidade no processo
de aprendizagem, negligenciando atenção aos fatores idiossincráticos dos diferentes
aprendizes. Essa contraposição é bem exposta por Oliveira (2009, p.3):
Assim, apostou-se na simples transmissão linear do conhecimento, de fora para dentro, sem se dar a devida importância ao aluno como ser modificante e reconstrutor do que lhe é oferecido pelo professor e por tudo a sua volta, tratando aquele como um mero “receptor” e transformando-o em reprodutor de um conteúdo estático e frio.
As palavras de Oliveira (2009) nos deixam entrever que a aprendizagem, na
ótica da complexidade, não é compreendida como processo linear, que se organiza
como blocos empilhados ao longo do tempo. Ela se acumula sim, mas de uma maneira
totalmente dinâmica, em contínua reorganização e adaptação a cada situação e estímulo.
Essa reorganização faz com que o estado atual do processo seja diferente de todos os
experimentados anteriormente.
Os posicionamentos aqui apresentados sobre aprendizagem, quer em sentido
amplo, quer especificamente sobre aprendizagem de línguas, nos permitem reconhecer
importantes características da ASL como um sistema complexo, tais como a
dinamicidade (LEFFA, 2003; VAN LIER, 2004), a não linearidade (OLIVEIRA, 2009)
e abertura (LARSEN-FREEMAN, 1997). Essas características, expostas de forma
genérica no capítulo 1, constituem aspectos chave dos SAC, razão pela qual achamos
conveniente discuti-las no domínio específico da ASL.
Desse modo, ao aceitarmos que a ASL caracteriza-se como um SAC,
reconhecemos que ela se define pela abertura aos fatores sociais, cognitivos,
tecnológicos ou culturais; pela dinamicidade, decorrente da interação aleatória entre
esses fatores; pela auto-organização, referente à inclinação desse sistema a desenvolver
novas estruturas em decorrência das diferentes interações internas e externas; pela não-
linearidade, relativa à imprevisibilidade dos processos e dos produtos resultantes das
interações; pela adaptabilidade, referente à capacidade desse sistema de adaptar-se
espontaneamente aos diferentes contextos; pela emergência, referente ao
desenvolvimento de padrões resultantes das interações entre os diversos agentes do
sistema; e, por fim, pela sua estrutura aninhada, que diz respeito ao fato de que o
57 processo de ASL deve ser compreendido em relação com outros sistemas, como a
autonomia e o contexto tecnológico.
Entretanto, as características enumeradas acima não devem ser compreendidas
isoladamente. Elas se complementam e se enredam, de modo que não há como
estabelecer fronteiras nítidas entre elas. Essa complementaridade fica evidente quando
buscamos compreender um determinado fenômeno no processo de ASL, como, por
exemplo, o fato de um aprendiz de SL em contexto exolíngue receber, como hóspede,
por algum tempo, um falante nativo da língua alvo. Esse fato pode acarretar a
emergência do uso de estratégias de sociointeração por parte do aprendiz. Do mesmo
modo, podemos dizer que o sistema ASL passará por um processo de adaptação à nova
conjuntura, em função das possibilidades de interação significativa, as quais obrigarão o
aprendiz a reelaborar hipóteses e a reposicionar suas estratégias, privilegiando a
utilização de EA voltadas para a interação.
Ainda com relação ao exemplo acima, o contato entre o aprendiz e o falante da
língua alvo poderá evidenciar a dinamicidade do SAC ASL, à medida que a interação
entre aprendiz e falante nativo dependerá de uma diversidade de fatores dos mais
variados tipos, tais como a motivação do aprendiz, sua desinibição para comunicar-se,
seu nível de conhecimento da língua alvo, a disponibilidade do hóspede em contribuir
com aprendizagem de anfitrião, o tempo de permanência do visitante, o período de
tempo diário em que os dois permanecerão juntos, entre outros, de modo que a
configuração de um desses fatores pode promover importantes implicações no processo
de aprendizagem. Assim, se o hóspede não apresentar-se disposto a cooperar,
pacientemente, com a aprendizagem do anfitrião, por estar mais interessado em
aprender a língua do país que visita, poderá dificultar o processo de aprendizagem.
A interdependência entre os diversos fatores mencionados acima, evidenciará a
não-linearidade do processo de ASL, uma vez que não é possível prever o resultado
final, ou mesmo parcial, do convívio entre o aprendente e o falante nativo, o que denota
a singularidade do processo de aprendizagem para cada indivíduo. Entretanto, espera-se
que ao final do convívio entre os dois, o aprendiz apresente um nível mais elevado de
competência comunicativa na língua alvo, de modo que essa expectativa constitui um
atrator do sistema, decorrente de todas conjunturas que se apresentaram.
58
O exemplo acima, e todas as evidências de complexidade que ele apresenta,
mostra que a ASL, como um sistema complexo, constitui-se de um grande número de
elementos ativos (variáveis), os quais se e adaptam e mudam seus comportamentos por
causa de suas interações, tal como previa Holland (1995). Desse modo, qualquer
elemento no sistema ASL influência e é influenciado por outros elementos. Assim, as
variáveis inter-relacionadas apresentam caráter essencialmente organizativo, fazendo
com que o sistema evolua a um nível superior, mediante a emergência de novas
propriedades. No caso do exemplo acima, essas novas propriedades podem ser: um
nível mais elevado de competência comunicativa do aprendiz; uma maior frequência de
uso de estratégias de sociointeração; ou, ainda, um maior nível de competência do
aprendiz para gerenciar o seu processo de aprendizagem, mediante o planejamento e a
avaliação de sua atuação como aprendente.
Uma propriedade importante do SAC ASL, evidenciada pelo exemplo mostrado
há pouco, é sua abertura constante ao protagonismo dos aprendizes. Estes, por sua vez,
despontam como agentes cruciais no processo de aprendizagem, usando EA que lhe
permitam driblar os obstáculos que se interpõem em seu percurso para aproveitar os
recursos de que dispõe o seu contexto. É nesse sentido, que Paiva (2005b, p.8), ao
reunir evidências da natureza complexa do processo de aprendizagem de SL, identifica
sinais eloquentes do protagonismo dos aprendentes e o relaciona com a adaptabilidade
do processo de ASL. Assim, segundo a autora, os aprendizes por ela observados
buscaram
adaptar-se ao contexto de aprendizagem de línguas estrangeiras, procurando aumentar as oportunidades de uso do inglês, em evidentes demonstrações de autonomia. Alguns relataram que conversavam consigo mesmo em frente ao espelho; outros tentavam nomear em inglês tudo o que viam ao longo do seu percurso de ônibus para o trabalho; assistiam a muitos filmes; ouviam canções; correspondiam-se com estrangeiros; e, principalmente, liam muito.(
As constatações da citada autora acusam evidentes sinais do protagonismo
estratégico dos aprendizes, os quais buscam usar, constantemente, EA que possam
favorecer a aprendizagem exitosa da língua alvo. Esse protagonismo estratégico dos
aprendentes apresenta-se como fator primordial no sistema a ASL, uma vez que aponta
para o papel desses sujeitos, os quais parecem atuar em duas frentes: no processo de
gerenciamento da aprendizagem, mediante o planejamento e o controle das ações e dos
recursos envolvidos na aprendizagem, como bem mostra o exemplo apresentado por
59 Paiva (2005b), em que os aprendizes usam uma série de estratégias (conversavam
consigo mesmo em frente ao espelho, nomear em inglês tudo o que viam, ouviam
canções); e na busca por um maior nível de competência comunicativa que lhe garanta,
em última instância, um maior grau de integração aos processos interacionais mediados
pela língua alvo, o que pode ser evidenciado, por exemplo, no esforço em corresponder-
se com estrangeiros.
Essas duas frentes de atuação dos sujeitos da aprendizagem, a primeira
notadamente de caráter metacognitivo e a segunda de caráter eminentemente
sociointeracional, remetem a um construto de natureza sócio-cognitivo que muitos
estudiosos da ASL nos últimos quarenta anos, a exemplo de Logan (1973), Holec
(1981) Dickinson (1987), Little (1991), Dam (1990) e Benson (2001), vêm
denominando autonomia. A natureza desse construto e sua interação com o sistema
ASL são discutidas no item a seguir.
2.3. A autonomia como um sistema adaptativo complexo (SAC)
Nesta seção discutimos a autonomia à luz da complexidade. Para tal, iniciamos
com um breve panorama de estudos sobre a questão na área da LA, para em seguida
apresentarmos a autonomia como um SAC. Nesse sentido, acreditamos que uma
incursão pela literatura nos fornecerá base teórica para a compreensão dos diversos
aspectos e das diferentes dimensões implicados no construto da autonomia, bem como
de sua interação como os diversos agentes que atuam na aprendizagem de uma SL.
2.3.1 Um panorama dos estudos sobre autonomia
Segundo a nossa incursão pela literatura em LA, os primeiros sinais de reformas
educacionais voltadas para uma valorização da autonomia dos aprendizes tiveram lugar
no início da década de 70 do século XX, cenário em que se destacam teóricos como
Freire (1996) e Rogers (1979), autores que representam bem aquele momento de
efervescência de ideias relacionadas à noção de autonomia. Assim, em seu Pedagogia
da Autonomia: Saberes necessários para a prática educativa, de 1970, por exemplo,
Freire (1996), ao criticar o que considerava ser um sistema educacional elitista e
autoritário, assegura que o papel da educação formal deve ser o de libertar e o de
promover a autonomia dos indivíduos, e não simplesmente treiná-los para o
desempenho de determinadas destrezas previamente estabelecidas. Na mesma direção,
60 Rogers (1979), em seu Freedom to learn (Liberdade para aprender), expõe o que
considera ser requisito essencial na tarefa de educar: a promoção da aprendizagem
experiencial, que consiste em considerar os interesses e as vivências dos indivíduos. Em
comum, os posicionamentos apresentados nas duas obras apresentam um novo olhar
para o lugar dos aprendizes no processo formal de aprendizagem. Nesse novo lugar, o
desenvolvimento da autonomia apresenta-se como condição necessária ao processo de
aprendizagem.
No campo de estudos voltados para ASL a noção de autonomia ganhou força a
partir da década de setenta do século XX, em especial a partir da criação do Centre de
Recherches et d’application em Langues – CRAPEL na Universidade de Nancy na
França (BENSON, 2001). No entanto, as duas últimas décadas testemunharam o
crescente interesse pela questão, o que impulsionou o surgimento de diversas
abordagens sobre o assunto. Por conseguinte, uma revisão da literatura sobre autonomia
no âmbito da ASL nos permitiu perceber, pelo menos, duas grandes vertentes de estudo,
as quais tendem a mesclar-se em algumas ocasiões: a primeira trata da autonomia como
processo ou modalidade de aprendizagem; a segunda, por sua vez, trata da autonomia
como uma competência ou habilidade.
Na primeira vertente encontramos pesquisas para as quais a noção de autonomia
remete ao processo por meio do qual a aprendizagem ocorre. Assim, encontramos
estudos que empregam termos tais como: individualização (LOGAN, 1973) e
autoinstrução (DICKINSON, 1987), os quais remetem a uma atenção maior ao processo
de ensino, que de fato era o foco de interesse dominante nas décadas de setenta e
oitenta. Isso explica, de certo modo, a referência constante nesses estudos ao papel do
professor. (COY, 2005).
Os termos individualização e autoinstrução refletem bem a noção de autonomia
que vigorou até a década de oitenta do século XX. O primeiro foi tomado com
diferentes sentidos em diferentes momentos. Na década de 70, por exemplo, houve uma
clara tendência a associá-lo ao conceito de independência. Ou seja, o professor
elaborava e implementava atividades que permitiam aos aprendizes atuarem de forma
individual, mas sem permitir que esses indivíduos desenvolvessem possibilidades
alheias aos propósitos orientados pelo professor. A partir dos anos 80 o termo
individualização foi reinterpretado, passando a significar personalização ou atenção à
61 necessidade e ao estilo de cada aprendiz. A primeira concepção de individualização é
visível em Logan (1973), para quem a individualização consistia no processo segundo o
qual o professor proporcionava materiais e atividades para que o aluno atuasse de forma
independente, de modo que o professor não necessitava preocupar-se com as
necessidades individuais de cada aprendiz.
O termo autoinstrução, por sua vez, refere-se à situação na qual o aprendiz, só
ou em companhia de outro(s) aprendiz(es), atua sem a presença de um professor
(DICKINSON, 1987). A identificação da autonomia com a autoinstrução gerou
acirradas discussões entre os estudiosos da questão. Little (1991), por exemplo, ao
definir o que segundo ele não é autonomia, afirma que esta não pode ser confundida
com a simples ausência do professor, uma vez que é plenamente possível conceber um
aprendiz autônomo em um contexto instrucional. Não há, nesse sentido, uma abertura
para além do que os materiais propõem. Os materiais propostos assumem de certa
maneira o mesmo papel desempenhado tradicionalmente pelo professor.
A virada na concepção de autonomia ocorreu na década de 80, quando se passou
a argumentar em favor de uma abordagem mais centrada no aprendiz, mais reflexiva e
menos prescritiva. Nessa perspectiva, os aprendizes assumiam responsabilidade sobre o
processo de aprendizagem e deveriam assumir o compromisso de desenvolver
estratégias de aprendizagem (MORRISON, 2008). Os estudos decorrentes dessa nova
concepção constituem uma segunda vertente de estudos sobre autonomia.
A esta segunda vertente pertencem os principais estudos sobre a questão no
âmbito da ASL. De um modo geral a autonomia é vista aqui como capacidade,
habilidade ou competência do aprendiz. Um dos mais mencionados estudos desta
vertente é o de Holec (1981), que concebe autonomia como habilidade que tem o
aprendiz de assumir o controle da própria aprendizagem para tornar-se responsável por
decisões importantes concernentes a esse processo, tais como decisões relativas a:
objetivos, métodos, técnicas, ritmo, tempo, lugar e avaliação.
Na mesma direção, Dickinson (1987) descreve autonomia como a situação na
qual o aprendiz é totalmente responsável por todas as decisões relacionadas com a
aprendizagem e com a implementação dessas decisões. Não há, nesta perspectiva, o
envolvimento de um professor, de uma instituição ou de material preparado
especialmente para a aprendizagem. Esse posicionamento dialoga com o de Allwright
62 (1990), para quem a autonomia constitui um estado de constantes mudanças no que
concerne ao aprendiz, que se encontra em equilíbrio entre o máximo auto-
desenvolvimento e a máxima interdependência com relação ao outro. Assim, este autor
antecipa uma tendência que será retomada trinta anos depois, qual seja, a de considerar
a autonomia como condicionada ao contexto do aprendiz, às suas características
cognitivas e à sua interação com outros indivíduos.
Entre os estudos que pertencem a essa segunda vertente, o que mais aprofunda a
questão da autonomia no âmbito da ASL é o de Little (1991). Em sua conhecida
definição do que não é autonomia, o autor a concebe como um processo e não como
uma etapa final a que chegam alguns aprendizes. Os cinco pontos levantados pelo autor
são: (1) a autonomia não é sinônimo de autoinstrução, ou seja, ela não se resume à
aprendizagem na ausência do professor; (2) nos contextos formais de aprendizagem, a
autonomia não exige que o professor abra mão de toda iniciativa e controle; (3) ela não
é uma metodologia de ensino; (4) ela não é um comportamento facilmente descritível, já
que pode manifestar-se de muitas formas; (5) ela não é um estado final e definitivo
alcançado pelos aprendizes.
A principal contribuição de Little (1991) consiste na compreensão da autonomia
como fenômeno variável em função do contexto de aprendizagem. Assim, um mesmo
aprendiz pode apresentar um alto grau de autonomia em uma determinada ocasião e não
ser autônomo em outra. Ademais, complementa Little (1991), não há garantias de que um
aprendiz permaneça autônomo em diferentes fases do processo de ASL.
Ainda na segunda vertente, encontramos autores como Dam (1990), para quem a
autonomia se caracteriza pela disposição do aprendiz para assumir o próprio processo de
aprendizagem para conduzi-la de acordo com suas necessidades e propósitos. A
disposição à qual se refere Dam (1990) atua em conjunto com uma capacidade para
atuar de forma independente e em cooperação com outros indivíduos. A definição
proposta por Dam (1990) aproxima-se bastante da proposta por Holec (1981), o qual,
como vimos, definiu autonomia como habilidade e atitude dos aprendizes no processo
de aprendizagem.
Mais recentemente, Benson (2001) e Little (2006) têm apresentado novas
contribuições à compreensão da autonomia no âmbito da ASL. O primeiro autor propõe
uma noção de autonomia bem mais abrangente, que busca dar conta do processo de
63 engajamento do aprendiz no processo de aprendizagem e nos usos efetivos da língua
alvo, ou seja, na interação significativa, no trabalho colaborativo em grupo, na
aprendizagem sobre o contexto social de uso da língua, na exploração dos objetivos
pessoais e sociais da aprendizagem, no gerenciamento da aprendizagem, na discussão
sobre as normas da língua alvo, etc. Essa concepção de autonomia como conceito mais
abrangente representa um avanço em direção a uma concepção de autonomia como
fenômeno complexo, uma vez que a noção defendida pelo autor abrange uma
pluralidade de aspectos que vão desde o gerenciamento do processo de ASL, o que
implica o uso de estratégias de natureza metacognitiva, até o processo de uso efetivo da
língua para a comunicar-se.
Little (2006), por sua vez, ao considerar o contexto formal de aprendizagem de
segunda língua, afirma que o conceito de autonomia é essencial não só para o resultado,
mas também para o processo mesmo de aprendizagem. Assim, segundo ele, se
desejamos promover o desenvolvimento da autonomia em contextos formais de
aprendizagem, devemos assegurar-nos de que nossos alunos se comportem de forma
autônoma desde o início. Ao mesmo tempo, conclui o autor, é necessário reconhecer
que a aprendizagem formal baseia-se em intenções conscientes, de maneira que a
aprendizagem autônoma depende fundamentalmente do desenvolvimento de uma
capacidade de reflexão, que, em última instância, implica o desenvolvimento da
metacognição explícita.
O posicionamento acima aponta para a dimensão metacognitiva do processo de
ASL, particularmente no âmbito da instrução, contexto em que a autonomia dever ser,
na concepção do autor, fomentada durante todo o processo de aprendizagem tendo,
nesse sentido, papel importante o treinamento no uso de estratégias.
Outros exemplos de estudos pertencentes a essa segunda vertente são os que se
desenvolveram no âmbito do CRAPEL (Centre de recharche et d`aplications
pedagoges em langues) da Universidade de Nancy na França. Ali a autonomia aparece
como uma filosofia da aprendizagem, a qual consiste em que os aprendizes decidam
seus objetivos, seu modo de aprendizagem, os materiais a serem utilizados e o ritmo de
utilização dos materiais (ROY, 2005).
Essa segunda vertente de estudos sobre autonomia reflete, em certa medida, as
mudanças ocorridas nas três últimas décadas no que tange à compreensão do processo
64 de ASL. Nestas últimas décadas tem sido crescente o interesse na LA em investigar o
processo de aprendizagem desde a perspectiva dos aprendizes, de modo que é cada vez
mais visível o fato de que os termos aprendizagem e aprendizes vêm ganhando espaços
nos estudos sobre aquisição de SL. Essa mudança sinaliza principalmente para uma
tendência em investigar o papel dos aprendizes no processo de aprendizagem.
Com o advento das TDIC e a sua inserção nos processos aprendizagem de
línguas, há atualmente uma tendência reconhecer a autonomia como princípio norteador
do processo de aprendizagem de SL mediada por essas tecnologias. Nessa perspectiva,
identificamos duas concepções de autonomia, uma relacionada a processos
metacognitivos, a outra relativa à atuação dos aprendizes nos processos de interação
comunicativa.
Na primeira concepção destacamos a contribuição Warschauer e Healey (1998),
que concebem a autonomia como característica essencial do CALL, particularmente em
sua fase integrativa, caracterizada pelo uso da internet. A autonomia, segundo esses
autores, deve ser entendida como controle do aprendiz sobre sua própria experiência de
aprender. Nesse sentido a internet, garantem os autores, possibilita que os aprendizes:
determinem seu ritmo de trabalho seu percurso de aprendizagem; ignorem ou
aprofundem certas informações de acordo com seu interesse ou suas afinidades;
avancem ou retrocedam a diferentes partes do programa segundo seus interesses e
necessidades; e utilizem ferramentas de busca e acesso a uma gama considerável de
informações e recurso fora de seu computador pessoal.
Na segunda concepção, destacamos o posicionamento de Little e Brammerts
(1996), autores que compreendem a autonomia, no âmbito da aprendizagem em
tandem29 via internet, como capacidade do aprendiz de interagir com seu interlocutor
sem que haja necessidade de um planejamento prévio de tópicos. Nesse sentido, vemos
uma clara tendência à compreensão da autonomia na perspectiva da sociointeração, em
que o aprendiz autônomo é aquele que consegue integrar-se aos processos de
comunicação sem que necessariamente esteja preso um plano ou programa
preestabelecido. Nessa perspectiva, Braga (2004), ao estudar o processo de
aprendizagem de SL em regime tandem via e-mail, observa que o uso de determinadas
EA pelos aprendizes revela um significativo grau de autonomia desses sujeitos.
29 Sobre a aprendizagem e tandem, ver nota 10.
65
Não obstante sejam muitas as definições de autonomia e as aplicações desse
conceito no campo da ASL, vale destacar que desde a década de 70 do século XX
raramente se pôs em questão o fato de que a autonomia dos aprendizes é aspecto
importante no processo de ASL. Em parte, essa aceitação do valor positivo da
autonomia deve-se às mudanças atravessadas pela sociedade em geral e pela educação
em específico.
No âmbito educacional os indivíduos passaram a ser compreendidos como
sujeitos responsáveis, com objetivos, interesses e estilos de aprendizagem, e não como
sujeitos passivos. Mais recentemente, no contexto de desenvolvimento e popularização
das tecnologias digitais de informação e comunicação, em especial da internet, a
autonomia figura entre os princípios da aprendizagem mediada por essas tecnologias,
uma vez que elas proporcionam inúmeras possibilidades de comunicação significativa
na língua alvo, como veremos no capítulo 3.
No Brasil, segundo Paiva (2005b), o estudo que marca o início desse interesse
pela autonomia dos aprendizes de SL é o de Freitas (1998), que defende a necessidade
do ensino sistematizado do uso de estratégias de aprendizagem na ASL como forma de
elevar o desempenho dos aprendizes e encorajá-los a uma postura autônoma.
A esse respeito, Leffa (2003) buscou traçar um percurso histórico da noção de
autonomia e situou esta questão na cena pedagógica da aprendizagem formal de línguas
para caracterizar o aprendiz autônomo como aquele que planeja conscientemente o seu
processo de aprendizagem lançando mão de estratégias que viabilizem um maior êxito
em seu processo de aprendizagem.
Na última década, os estudos que mais aprofundaram, no Brasil, a questão da
autonomia no processo de aprendizagem de SL foram os de Paiva (1994), em que a
autora atribui relevante papel ao professor na construção da autonomia do aprendiz e
advoga que o professor deve incentivar os aprendentes a tornarem-se responsáveis por
sua própria aprendizagem, conscientizando-os sobre os processos cognitivos e sobre o
gerenciamento desses processos; e Paiva (2005b), a partir do qual a autora passa a
discutir a autonomia sob a ótica do paradigma da complexidade e, em função dessa
decisão, conduz as discussões a um cenário mais amplo, apresentando implicações para
além dos processos de instrução formal, como mostramos a seguir.
66 2.3.2 A autonomia no paradigma da complexidade
No panorama que desenhamos há pouco, a noção de autonomia como fenômeno
complexo e em estreita relação com os contextos de aprendizagem, surgiu em mais de
uma ocasião, como vemos nas ideias de Little (1991), de Allwright (1990) e de Benson
(2001). É, no entanto, em Paiva (2005b) que encontramos a referência mais direta à
autonomia como sistema complexo. Assim, na visão da autora, autonomia dos
aprendizes, ou os graus de autonomia, emerge da interação entre uma série de fatores
dentro do sistema ASL.
Nessa perspectiva, ao estudar ASL e autonomia com base em narrativas de
aprendizagem de LE, Paiva (2005b) apresenta uma série de fatores que, segundo ela,
interagem para a emergência da autonomia dos aprendizes, entre os quais: sua
motivação, suas necessidades, suas crenças sobre aprendizagem, suas experiências
anteriores de aprendizagem, sua autoestima e sua afiliação ao idioma. No entanto,
esclarece a autora, nenhum desses fatores sozinho pode condicionar o grau de
autonomia de um aprendiz, uma vez que, por tratar-se de um sistema adaptativo
complexo (SAC), a relação entre um dos fatores (como a idade, por exemplo) e um
determinado grau de autonomia é caótica, não sendo possível estabelecer uma
linearidade nessa relação. Nesse sentido, Paiva (2005b) declara que
nunca podemos afirmar, com segurança, o que vai acontecer em um processo de aprendizagem, pois os níveis de autonomia variam e o que funciona para um aprendiz não é produtivo para outro. Há um conjunto imprevisível de comportamentos dinâmicos possíveis no contexto da aprendizagem, pois a criatividade é uma das características dos sistemas complexos (p.4).
Assim, por ignorarem o papel da autonomia dos aprendizes, segundo a autora, os
vários métodos de ensino de línguas geraram propostas e explicações lineares sobre o
processo de aprendizagem, sem levar em conta que o ser humano é sempre o mediador
de sua aprendizagem, mesmo quando seu grau de autonomia é mínimo. Esses métodos
ignoraram ainda que, devido às diferenças individuais dos aprendizes, efeitos diferentes
poderão surgir em reação a um mesmo conjunto de variáveis.
Segundo Paiva (2005b), a autonomia, na perspectiva positivista e linear,
estabelece o paradigma de causalidade entre a autonomia e algum dos fatores
envolvidos nos processos de ensino e de aprendizagem. Um exemplo de equívoco
proporcionado por essa concepção linear é a infundada equação professor/autonomia do
67 aprendiz, na qual se funda a equivocada compreensão de que o professor é responsável
direto pela autonomia dos aprendizes. Ou ainda, a equação método de
ensino/autonomia, fundada na ideia de que o método, por si só, determina o grau de
autonomia de um aprendiz. Em suma, à luz da complexidade, Paiva (2005b, p. 88)
define autonomia como
um sistema sócio-cognitivo complexo, sujeito a restrições internas e externas. Ela se manifesta em diferentes graus de independência e controle sobre o próprio processo de aprendizagem envolvendo capacidades, habilidades, atitudes, desejos, tomadas de decisão, escolhas e avaliação tanto como aprendiz de língua ou como seu usuário, dentro ou fora da sala de aula.
A definição proposta por Paiva (2005b) rompe, a nosso ver, com a dicotomia
autônomo/não autônomo, de modo que a autonomia deixa de ser compreendida em
termos absolutos, o que implicava uma distinção reducionista entre aprendizes
autônomos e aprendizes não-autônomos, e passa ser compreendida em termos relativos
e multidimensionais, o que implica compreender os aprendizes como sujeitos mais ou
menos autônomos em diferentes dimensões, quer social, quer cognitiva, e em diferentes
contextos de aprendizagem e de uso da língua.
Essa concepção de autonomia, como fenômeno complexo e variável, apresenta
significativas contribuições para o estudo desse importante construto sócio-cognitivo, e,
por extensão, para o entendimento do SAC ASL, sobretudo no que concerne a sete
aspectos. O primeiro deles refere-se à compreensão de que a autonomia dos aprendizes
depende de variáveis contextuais, emocionais, ideológicas, culturais, etc, havendo,
portanto, restrições constantes à atuação autônoma desses sujeitos. O segundo, diz
respeito ao fato de só se pode definir a autonomia do aprendiz em termos de graus, de
acordo com os níveis de independência e de controle desse sujeito sobre o processo de
aprendizagem, de modo que é possível que um mesmo aprendente seja mais autônomo
em um dado contexto e menos autônomo em outro.
O terceiro aspecto refere-se à compreensão de que a autonomia não se relaciona
unicamente com processos cognitivos ou metacognitivos, mas também sociais. O
quarto, consiste na compreensão de que a autonomia pode ocorrer tanto na
aprendizagem formal (instrucional) como na aprendizagem natural, tanto na
aprendizagem em contexto exolíngue como na aprendizagem em contexto endolíngue.
O quinto aspecto diz respeito ao entendimento de que um indivíduo pode ser mais ou
menos autônomo, quer como aprendiz (dimensão metacognitivo da autonomia), quer
68 como usuário da língua alvo nos processos de comunicação (dimensão socio-
interacional). O sexto aspecto, por sua vez, alude ao fato de que, nos processos de
interação comunicativa na língua alvo, a autonomia deve ser compreendida como
processo de integração comunicativa do aprendiz e não como um estágio final de
competência comunicativa. Por fim, o sétimo refere-se à compreensão de que os
diferentes graus de autonomia manifestam-se nas estratégias, de aprendizagem e de uso
da língua, que os aprendentes usam no processo de ASL.
Em suma, a abordagem da autonomia sob a ótica da complexidade nos põe
diante da natureza multidimensional desse construto, de modo que, só é possível
compreendê-lo se considerarmos as variáveis que interferem sobre ele e as diferentes
dimensões que o constituem. Desse modo, pelo que até aqui expusemos, parece-nos
razoável considerar que a autonomia, no âmbito da ASL, apresenta ao menos duas
importantes dimensões: uma dimensão metacognitiva, relacionada com o gerenciamento
da aprendizagem mediante o planejamento e o controle dos processos implicados na
aprendizagem; e uma dimensão sociointeracional, relacionada com o processo de
integração comunicativa do aprendiz no âmbito dos usos significativos para língua alvo
para a interação com outros aprendizes e com usuários da língua. Essas duas dimensões,
bem como as variáveis que elas envolvem, são melhor discutidas no próximo item.
2.3.3 Duas dimensões da autonomia: competência e integração
O panorama que apresentamos há pouco e a definição de autonomia sob a ótica
da complexidade, apresentada por Paiva (2005b), nos permitem visualizar duas
dimensões da autonomia no âmbito da ASL: uma dimensão metacognitiva, em que a
autonomia relaciona-se com o processo de gerenciamento da aprendizagem e pode ser
compreendida como competência de aprendizagem; e uma dimensão sociointeracional,
relacionada aos usos da língua alvo nos processos de interação comunicativa e pode ser
compreendida como processo de integração comunicativa dos aprendizes.
A autonomia como competência de aprendizagem constitui-se de um conjunto
de ações, pensamentos, capacidades, atitudes, posturas, escolhas e conhecimentos que
os aprendizes utilizam nos processos de planejamento, gerenciamento e controle do
processo de aprendizagem. Como competência de aprendizagem, a autonomia tem
relação direta com os aspectos cognitivos e metacognitivos envolvidos no processo de
aprendizagem de uma segunda língua.
69 Embora os autores mencionados no panorama de estudos sobre autonomia não
tenham feito referência ao termo competência de aprendizagem, essa noção de
autonomia já estava presente em posicionamentos de autores como Holec (1981), que
define autonomia como habilidade que tem o aprendiz para assumir o controle da
própria aprendizagem para tornar-se responsável por decisões importantes concernentes
ao processo aprendizagem, e Dickinson (1987), quando este define autonomia como
responsabilidade dos aprendizes no que tange às decisões relacionadas com a
aprendizagem e à implementação dessas decisões. Também encontramos respaldo para
essa compreensão em Warschauer e Healey (1998), que, no âmbito do CALL,
concebem autonomia como controle do aprendiz sobre o processo de aprendizagem,
sobretudo no que concerne ao ritmo e ao percurso da aprendizagem.
A autonomia como processo de integração comunicativa dos aprendizes, por sua
vez, vincula-se aos usos da língua em situações significativas de comunicação. Assim,
ela envolve processos de cooperação e interação por meio da língua alvo. Como
processo de integração, a autonomia tem relação direta com os aspectos sociais e
interacionais envolvidos no processo de aprendizagem. Essa concepção encontra
amparo no posicionamento de Dam (1990), uma vez que, mesmo definindo autonomia
como capacidade, o autor entende que ela atua em conjunto com uma capacidade dos
aprendizes para atuarem de forma independente e em cooperação com outros
interagentes.
Também encontramos respaldo para essa concepção em Benson (2001), que
propõe conceber a autonomia como engajamento dos aprendizes nos processos efetivos
de uso da língua alvo, os quais envolvem processos colaborativos e conhecimento do
contexto social de uso da língua. No âmbito das TDIC esse entendimento encontra
amparo no posicionamento de Little e Brammerts (1996), autores que, no âmbito da
aprendizagem em regime tandem, como mostramos há pouco, compreendem a
autonomia como capacidade do aprendiz de integrar-se em processos significativos de
comunicação.
Do mesmo modo, corrobora essa noção de autonomia o posicionamento de
Hatch (1978), para quem, conforme mostramos há pouco, o processo de ASL evolui
para uma fase em que os aprendizes desenvolvem sua própria personalidade na língua
alvo, arriscando-se a utilizar a língua aprendida no intuito de participar ativamente da
comunicação, expressando seus pontos de vista e suas ideias, com o objetivo de garantir
70 sua integração aos processos de comunicação e de contribuir efetivamente no processo
de negociação de sentido. Nessa perspectiva, compreendemos que o desenvolvimento
da personalidade compreende a um processo de integração comunicativa dos
aprendentes.
Essas duas dimensões reforçam a concepção de que a autonomia caracteriza-se
como um fenômeno multidimensional, complexo e dinâmico, uma vez que ela interage
com diferentes dimensões e diferentes fatores implicados no processo de aprendizagem.
Desse modo, as dimensões do SAC autonomia vinculam-se a dois diferentes âmbitos do
processo de ASL: o âmbito do gerenciamento da aprendizagem, propriamente dito, com
todos os fatores cognitivos e metacognitivos nele envolvidos; e o âmbito dos usos
efetivos da língua alvo, sobretudo nos processos de comunicação significativa nos quais
os aprendizes se envolvem.
Como um sistema adaptativo complexo, a autonomia caracteriza-se pela abertura
a uma multiplicidade de fatores, tais como o contexto social, cultural, e tecnológico, às
características de cada aprendiz (tais como motivação, idade, nível de conhecimento da
SL), ao processo de instrução formal, entre outros. Cada um desses agentes interfere em
maior ou menor escala no processo de gerenciamento da aprendizagem por parte dos
aprendizes e no processo de integração comunicativa desses sujeitos.
Do mesmo modo, o SAC autonomia é marcado pela não-linearidade, a qual
refere-se ao caráter caótico das interrelações entre os diversos fatores que ela envolve.
Isso implica no fato de que é impossível prever, por exemplo, se um determinado
aprendiz alcançará um alto nível de competência de aprendizagem, mesmo reunindo
características supostamente favorecedoras dessa dimensão, tais como motivação e
conhecimento significativo da SL. Essa imprevisibilidade deriva da diversidade de
fatores dos mais diversos tipos (idade, língua materna, motivação, ambiente, etc.) que
atuam sobre esse sistema.
A adaptabilidade é outra importante característica da autonomia como SAC.
Uma evidência dessa propriedade do sistema é a estreita relação entre a dimensão
metacognitiva da autonomia, relativa ao gerenciamento da aprendizagem, e a
capacidade dos aprendizes de adaptarem-se aos mais diversos contextos de
aprendizagem. A esse respeito, Paiva (2005b), como mostramos no item anterior,
constata evidentes sinais de adaptação dos aprendentes, quando esses indivíduos, como
71 protagonistas do processo de aprendizagem, se adaptam às condições impostas pelo
contexto exolíngue de aprendizagem, procurando aumentar as oportunidades de uso da
língua-alvo, dando evidentes demonstrações de competência de aprendizagem.
Outra importante característica da autonomia, como SAC, é a emergência,
propriedade relativa aos novos padrões que surgem das interações entre os diversos
agentes de um sistema. No caso da autonomia, a possibilidade de comunicar-se
frequentemente com usuários da língua alvo, por exemplo, pode promover maior grau
de integração comunicativa dos aprendizes. Nesse caso poderíamos falar da emergência
de autonomia como processo de integração comunicativa. No entanto, é preciso
considerar, nesse mesmo exemplo, que, por tratar-se de um sistema não-linear, não há
garantias de que a autonomia emergirá de fato, pois ela depende de características
individuais do aprendiz, o qual pode ser excessivamente inibido, por exemplo, a ponto
de não querer interagir com falantes mais proficientes da língua alvo.
Por fim, a autonomia caracteriza-se por sua estrutura aninhada a outros sistemas,
tais como: a ASL, a língua, as estratégias, a motivação, a idade, entre outros etc. Essa
propriedade do SAC autonomia é, portanto, fundamental para compreendermos a
relação entre esses dois sistemas em diferentes contextos de aprendizagem,
particularmente no contexto de uso das tecnologias digitais. Por essa razão, dedicamos o
último item deste capítulo exclusivamente à discussão dessa propriedade.
2.4 ASL e autonomia como sistemas aninhados
Segundo Paiva (2009) os sistemas humanos e sociais devem ser compreendidos
como sistemas aninhados a outros sistemas. Essa constatação, em última instancia,
implica em compreender um grande ecossistema, o que, a nosso ver, constitui um
desafio metodológico, em especial devido ao fato de que a ciência clássica nos impôs a
pretensão de isolar os fenômenos a serem investigados.
A maioria dos sistemas é composto de sistemas aninhados e estudar um sistema humano é uma questão de vê-lo como um sistema aninhado. Por exemplo, a aquisição de segunda língua pode ser vista como um sistema aninhado que, por sua vez, é um componente essencial da própria linguagem, que também pode ser entendida como um sistema complexo (PAIVA, 2009, p. 4).
A natureza aninhada do SAC ASL esteve presente, embora não explicitamente,
nas diversas abordagens teóricas sobre aprendizagem/aquisição de SL, expostas no
72 início deste capítulo. Assim, nas teorias nativistas, sobretudo na proposta de Chomsky
(1957), podemos dizer que a aprendizagem apresenta-se aninhada à língua. O mesmo
ocorre nas teorias ambientistas, nas quais a ASL apresenta-se aninhada à cultura dos
aprendizes e dos falantes da língua alvo. Nas teorias interacionistas, particularmente na
teoria da competência variável, por sua vez, a ASL aninha-se aos contextos particulares
de interação. Desse modo, reconhecemos que as diferentes propostas teóricas
anteciparam, embora timidamente, a natureza aninhada do sistema ASL.
Na mesma direção, quando realizamos uma incursão pela literatura sobre
autonomia, nos deparamos, por diversas vezes, com posicionamentos que indiretamente
nos faziam ver a autonomia como sistema aninhado. É o que notamos, por exemplo, no
posicionamento de Little (1991), em que a autonomia apresenta-se aninhada ao contexto
imediato da aprendizagem, e no posicionamento de Dickinson (1987), em que o
aninhamento da autonomia se dá com a atuação metacognitiva dos aprendizes.
O reconhecimento do aninhamento dos sistemas ASL e autonomia implica
importantes desafios a esta investigação. Assim, inicialmente algumas questões
apresentam inegável relevância, entre elas destacamos: que dimensões do SAC ASL
relacionam-se com as diferentes dimensões da autonomia? Que agentes do sistema ASL
relacionam-se com a emergência da autonomia? Quais as implicações do contexto
tecnológico dos aprendizes de SL no desenvolvimento da autonomia?
Essas questões poderão ser respondidas se compreendermos melhor os
mecanismos que viabilizam a aprendizagem de uma língua: as estratégias individuais de
aprendizagem e de comunicação usadas pelos aprendizes para aprender a língua alvo e
para usá-la nos mais diversos contextos. Esses mecanismos de natureza cognitiva,
metacognitiva e social parecem constituir o elo entre os sistemas ASL e autonomia,
conforme expomos no capítulo seguinte.
73 CAPÍTULO 3 _______________________________________________________
ESTRATÉGIAS DE APRENDIZAGEM, TECNOLOGIAS DIGITAIS E AUTONOMIA
O uso de estratégias depende de fatores contextuais e é necessariamente relativo.
(ELLIS, 2005, p. 34)
À luz das questões expostas e debatidas nos dois primeiros capítulos deste
estudo, sobretudo no que diz respeito à natureza complexa e dinâmica da aprendizagem
e da autonomia, este capítulo discute o protagonismo estratégico dos aprendizes de SL,
buscando compreender a atuação estratégica desses sujeitos na dinâmica do processo de
aprendizagem. Para tanto, partimos da premissa exposta pela epígrafe acima, segundo a
qual o uso de estratégias de aprendizagem e de uso da língua pelos aprendentes está
vinculada às condições impostas pelo contexto de aprendizagem.
Nesse sentido, este capítulo divide-se em duas partes. Na primeira, tratamos da
relação entre o uso de EA pelos aprendentes de SL e as dimensões da autonomia desses
sujeitos, buscando compreender diferentes visões sobre as estratégias e seus tipos, com
especial atenção à proposta de Oxford (1990). Em seguida, retomamos essa mesma
relação no âmbito dos usos das tecnologias digitais de informação e comunicação
(TDIC) para discutirmos as implicações da comunicação mediada pelas TDIC no uso de
EA pelos aprendizes de SL. Assim, buscamos compreender a atuação estratégica dos
aprendizes em sua interação concomitante com SAC ASL e com o SAC autonomia.
74 3.1. Estratégias de aprendizagem e autonomia
Neste estudo, as estratégias de aprendizagem (EA) são compreendidas como um
amplo conjunto de ações, pensamentos e habilidades usado pelos aprendizes de SL para
aprenderem e para usarem a língua alvo nos mais diversos contextos de aprendizagem e
de comunicação.
De um modo geral, as pesquisas em LA voltadas para as EA estiveram desde o
início, na década de setenta do século XX, relacionadas direta ou indiretamente à
questão da autonomia dos aprendizes. Em grande parte, essas pesquisas buscaram
compreender de que maneira o uso de determinadas EA favorecia uma postura mais
autônoma dos aprendentes de SL, ou ainda, buscaram relacionar a autonomia a
determinados tipos de estratégias. De uma maneira ou de outra, o interesse em
investigar a relação entre EA e autonomia fez-se presente no campo de pesquisas sobre
ASL desde a década de setenta do século XX, de modo que, segundo Coscarelli (1997),
um dos principais objetivos das pesquisas relacionadas com estratégias de
aprendizagem é formar um aprendiz autônomo, isto é, mais capaz de autodirigir sua
aprendizagem.
À luz dessa relação, Borges e Benevides-Jr (2012), ao investigarem os perfis de
uso de estratégias de aprendizagem de alunos em ambiente virtual, alertam para a
necessidade de que a autonomia dos aprendizes seja avaliada com base nas EA que
esses sujeitos usam. Para os autores, a análise das estratégias pode conduzir a uma
melhor compreensão do significado de autonomia. Nesse sentido, eles questionam:
Não seriam as EA, na realidade, aquilo que deveríamos medir para avaliar a autonomia de aprendizagem? Nesse sentido, pensamos ser necessário trabalhar a relação entre as EA e a autonomia, de forma a investigarmos se EA e sua utilização se configuram como meio para avaliar o grau de autonomia dos aprendizes e, assim, chegarmos a uma compreensão mais ampla do que se entende por “autonomia de aprendizagem.” (BORGES E BENEVIDES JÚNIOR, 2012, p.5)
Ao exporem a estreita relação entre a atuação estratégica e a autonomia dos
aprendentes, os autores colocam em cena o que consideramos ser um ponto chave para
75 compreensão da autonomia no âmbito da ASL, pois, segundo eles, as EA servem de
parâmetros para a avalição dos níveis de autonomia dos aprendizes.
O posicionamento acima parece-nos propício para iniciarmos uma discussão em
torno do uso de EA por aprendizes de SL. Nesse sentido, além de compartilharmos
desse entendimento dos autores, compreendemos que os diferentes tipos de estratégias
usadas pelos aprendentes favorecem diferentes dimensões da autonomia. Assim, a
depender das estratégias que esses sujeitos usem, eles se tornam mais autônomos em
uma determinada dimensão, quer metacognitiva, quer sociointeracional.
À luz dessa compreensão, entendemos que é relevante identificarmos os
diferentes tipos de EA, bem como os distintos agentes que interagem na dinâmica do
uso de estratégias pelos aprendentes. Nessa perspectiva, a atuação estratégica desses
sujeitos caracteriza-se pela dinamicidade e pela não-linearidade, uma vez que ela resulta
de uma série de variáveis, tais como: estilos de aprendizagem, características cognitivas,
experiências pessoais, conhecimento prévio, motivação, atenção, equilíbrio emocional,
entre outros (PEREZ et al, 2002).
Como vemos, o interesse pelo estudo das EA cresce em consonância com o
reconhecimento da relevância das características individuais dos aprendizes e da
importância das condições contextuais que incidem sobre a atuação estratégica desses
indivíduos, de modo que, desde os primeiros estudos sobre a questão, na área da LA,
houve uma tendência dos pesquisadores a reconhecer: (1) a natureza plural das EA; (2)
a influência das características individuais dos aprendizes no processo de uso de EA; (3)
a influência do contexto de aprendizagem na utilização de EA; (4) a relação entre as EA
e o êxito no processo de aprendizagem. É o que fica evidente a seguir, quando
apresentamos no panorama de estudos sobre EA no âmbito da ASL. Situar o conjunto
da produção sobre EA no âmbito das pesquisas sobre ASL é salutar ao nosso trabalho
porque nos ajudará a compreender a relação entre EA e autonomia em diferentes
contextos de aprendizagem, a exemplo do contexto das tecnologias digitais.
3.1.1. As estratégias de aprendizagem de SL e autonomia: um panorama
As estratégias de aprendizagem de SL, conforme dissemos há pouco, constituem
um dos campos de estudo mais produtivos da LA, tendo motivado um número
significativo de pesquisas (RUBIN, 1975; WENDEN e RUBIN, 1987; O´MALLEY e
76 CHAMOT, 1990; OXFORD, 1990; BROWN, 1994; COHEN, 1998; PAIVA, 2005b),
muitas das quais são até hoje consideradas referência para os estudos da questão.
O termo estratégia (strategy) surge na LA a partir do estudo de Rubin (1975),
que investigou as EA de aprendizes considerados bem sucedidos e defendeu que as EA
deveriam ser ensinadas aos aprendentes de SL a fim de que eles pudessem melhorar seu
desempenho no processo de aprendizagem. Assim, segundo a autora, o uso de EA tem
estreita relação com o êxito no processo de ASL, de modo que, para a autora, o aprendiz
bem sucedido é aquele que faz uso de estratégias para superar os obstáculos no processo
de aprendizagem. Desse modo, as EA são compreendidas como técnicas ou dispositivos
que os aprendizes empregam para adquirir conhecimento, o que evidencia a noção de
EA como de natureza instrumental e mediadora no processo de ASL.
No estudo inaugural de Rubin (1975) dois aspectos das EA ganham especial
relevância. O primeiro refere-se à estreita relação entre o uso de estratégias e a
construção da autonomia dos aprendizes, o que fica evidente quando a autora relaciona
o êxito dos “bons aprendizes” à automonitoração e ao desejo de comunicar-se, dois
fatores ligados à autonomia, em sua dimensão metacognitiva e sociointeracional,
respectivamente, como mostramos no capítulo 2. O segundo aspecto diz respeito à
compreensão de que as EA podem e devem ser ensinadas aos aprendizes, o que revela
que o interesse pelas EA estava inicialmente relacionado à perspectiva do processo
formal de aprendizagem, cenário no qual a aprendizagem das EA representa uma etapa
no processo de construção da autonomia dos aprendizes e um evidente esforço em prol
do ensino explícito da metacognição.
Em suma, embora seu estudo inaugural tenha um caráter marcadamente
prescritivo, pois tinha a preocupação de orientar como devem proceder os aprendizes
para obterem êxito no processo de aprendizagem, Rubin (1975) lançou as bases para a
compreensão das EA no campo ASL. A partir de seu estudo, as pesquisas sobre a
questão se multiplicaram, sem, no entanto, afastarem-se da discussão em torno da
relação entre o uso de EA e a autonomia dos aprendizes, sendo esta comumente
relacionada a determinados tipos de estratégias, sobretudo metacognitivas. Nesse
sentido, vale lembrar que a classificação das estratégias em tipos passou a ser aspecto
recorrente nos estudos sobre EA.
77
A esse respeito, Cohen (2002) chama a atenção para o fato de que a classificação
das EA em tipos obedece comumente a um dos seguintes critérios: (1) a função das
estratégias, (2) a habilidade linguística desenvolvida e (3) o propósito das estratégias
(ver quadro 2). Com base no primeiro critério, comumente se diferenciam dois grandes
grupos de estratégias: as de aprendizagem, propriamente ditas, e as de uso linguístico,
também denominadas estratégias de comunicação. Sob o segundo critério são
comumente diferenciadas as estratégias de compreensão escrita, as de produção escrita,
as de compreensão oral e as de produção oral. Por fim, com base no terceiro critério,
habitualmente são identificados os seguintes tipos de estratégias: as cognitivas, as
metacognitivas, as afetivas e as sociais.
Quadro 2- Critérios de classificação das estratégias (COHEN, 2002)
CLASSIFICAÇÃO DE ESTRATÉGIAS
CRITÉRIOS TIPOS MAIS COMUNS
Função
Estratégias de aprendizagem
Estratégias de uso linguístico
Habilidade
Estratégias de compreensão oral
Estratégias de produção oral
Estratégias de compreensão escrita
Estratégias de produção escrita
Propósito
Estratégias cognitivas
Estratégias metacognitivas
Estratégias afetivas
Estratégias sociais
Os diferentes critérios de classificação de EA, expostos no quadro 2, podem
ajudar a compreender as diferentes perspectivas a partir das quais os estudiosos se
debruçam sobre a questão. Assim, ao adotar o critério da função, o pesquisador parte da
dicotomia aprendizagem/uso, buscando mostrar que esses processos implicam
estratégias de naturezas distintas. Ao adotar o critério da habilidade a ser desenvolvida,
por sua vez, o pesquisador mostra-se em estreita sintonia com o âmbito dos processos
formais de ensino e aprendizagem, já que nesses contextos essas quatro habilidades
constituem referência para o desenvolvimento e execução de propostas didáticas.
78 Finalmente, ao optar pelo critério do propósito30 dos aprendizes, o pesquisador
demonstra preferir a perspectiva dos aprendizes, os quais usam estratégias com
diferentes propósitos (armazenar informações, controlar o acesso a elas, interagir com
usuários da língua, controlar a ansiedade, entre outros), independentemente desses
mecanismos integrarem ou não os processos de instrução formal.
A identificação desses critérios podem oferecer-nos pistas relevantes a respeito
das diferentes abordagens teóricas do sobre as EA no âmbito da ASL. Em função disso,
a seguir, além das diferentes concepções de EA, apresentamos as principais
classificações de estratégias e os critérios subjacentes a cada uma delas.
Na década de oitenta do século XX, o interesse pelas EA no âmbito da ASL
esteve ligado especialmente à chamada Psicologia Cognitiva (O’MALLEY E
CHAMOT, 1990 e 1996), perspectiva a partir da qual a aprendizagem é concebida
como processamento de informações, o qual se dá mediante processos de compreensão,
armazenamento e modificação desses insumos por parte dos aprendizes. Nessa
perspectiva, os estudos sobre EA que melhor representam esse período são os de
O’Malley e Chamot (1990; 1996), para quem as estratégias são pensamentos e
comportamentos que os aprendizes empregam para compreensão, retenção e uso de
informações novas. Nesse sentido, sustentam os autores, faz-se necessário que os
aprendizes sejam treinados no uso das EA para que tenham maior êxito no processo de
aprendizagem, sendo esse êxito o resultado da postura autônoma desses indivíduos.
Cabe destacar, contudo, que a autonomia, na perspectiva da psicologia cognitiva, é
concebida como independência do aprendiz com relação ao professor, sendo esta a meta
principal de um treinamento para o uso de estratégias.
Na concepção dos citados autores, a relação entre as estratégias usadas pelos
aprendentes e a autonomia desses sujeitos fica evidente em sua proposta de
classificação, a qual identifica três classes de estratégias, as metacognitivas, as
cognitivas e as sócio-afetivas, sendo a primeira relativa aos processos de reflexão,
planejamento, controle, monitoração e auto-avaliação por parte dos aprendentes. Esses
processos concretizam-se mediante mecanismos de: (1) a antecipação ou o planejamento; (2) a
atenção geral; (3) a atenção seletiva; (4) a auto-gestão; (5) a auto-monitoração; (6) a
30 Neste estudo optamos pelo critério dos propósitos para descrevermos o comportamento estratégico dos aprendizes no contexto das tecnologias digitais, uma vez que nos interessa a perspectiva dos aprendentes a partir de suas narrativas de aprendizagem.
79 identificação de um problema; e (7) a auto-avaliação. Esses processos e mecanismos, como
vemos, apresentam estreito vínculo com a dimensão metacognitiva da autonomia, tal como
concebida no capítulo 2. Desse modo, compreendemos que a autonomia, em sua dimensão
metacognitiva, encontra amparo na proposta de O’malley e Chamot (1990).
A segunda classe de EA proposta pelos autores, estratégias cognitivas,
relaciona-se com o manuseio direto do input linguístico pelos aprendizes mediante
processos de manipulação mental ou física das informações e de aplicação de técnicas
específicas na execução de tarefas de aprendizagem. Essa segunda classe, reúne as
seguintes estratégias: (1) a repetição; (2) a utilização de referências ou fontes; (3) a
classificação ou o agrupamento de itens; (4) a anotação; (5) a dedução ou a indução de
significados; (6) a substituição de itens; (7) a elaboração; (8) o resumo; (9) a tradução;
(10) a transferência de conhecimentos; e (11) a inferência de significados.
A distinção entre essas duas classes de estratégias remete a uma clara relação de
gerenciamento da primeira sobre a segunda, de modo que os processos metacognitivos
de planejamento, reflexão, avaliação e monitoração atuam sobre os processos de
cognitivos de manuseio direto dos insumos linguísticos. A esse respeito, Chamot (1990)
assegura que o uso de estratégias de metacognição contribui de forma significativa para
o sucesso da aprendizagem, uma vez que é por meio delas que os aprendizes podem
desenvolver níveis mais elevados de autonomia e consciência sobre o processo de
aprendizagem de uma língua.
Por fim, a terceira classe, estratégias sócio-afetivas, vincula-se aos processos de
interação comunicativa com outros indivíduos com o objetivo de favorecer a
aprendizagem e o controle da dimensão afetiva pertinente ao processo de aprendizagem
de uma língua. A essa classe pertencem estratégias como: (1) o esclarecimento e a
verificação mediante perguntas; (2) a cooperação com outros indivíduos por meio da
língua alvo; (3) o controle das emoções; e o (4) auto-reforço ou gratificação.
Alguns dos processos contemplados nessa terceira classe apresentam estreita
relação com a autonomia em sua dimensão sociointeracional, a exemplo das estratégias
de esclarecimento, de verificação mediante perguntas e de cooperação como outros
indivíduos por meio da língua alvo. As demais estratégias dessa classe, por sua vez,
relacionam-se com a dimensão metacognitiva da autonomia, uma vez que ao
controlarem emoções e ao gratificarem-se os aprendentes atuam no gerenciamento
afetivo do processo de aprendizagem.
80
Quadro 3 - Classificação de estratégias proposta por O`malley e Chamot (1990)
TIPO DE ESTRATÉGIA
DESCRIÇÃO
Metacognitivas
Planejamento e gerenciamento do processo de aprendizagem
Cognitivas
Manipulação do input
Sócio-afetivas
Interação
A classificação de O´Malley e Chamot (1990) se dá com base no propósito das
estratégias e expõe de forma explícita a compreensão das EA como fenômenos
multidimensionais, com ênfase nas dimensões metacognitiva, cognitiva e
sociointeracional. A dimensão metacognitiva, expressa nas estratégias de mesmo nome,
referentes à capacidade dos aprendizes de planejar e gerenciar o processo de
aprendizagem, retoma, em certa medida, a noção de automonitoração, postulada por
Rubin (1975) como um dos aspectos determinantes na caracterização do bom aprendiz.
A dimensão cognitiva, por sua vez, sintetiza os aspectos centrais abordados pela
psicologia cognitiva, relacionados ao processamento de informações mediante os
mecanismos de compreensão, armazenamento e modificação do input. Por fim, a
dimensão social, que retoma o aspecto da interação, antecipada no estudo inaugural de
Rubin (1975), segundo a qual o “bom aprendiz” é aquele que busca situações que o
permitam interagir por meio da língua-alvo.
Um elemento bastante particular da proposta de O´Malley e Chamot (1990) é a
fusão entre a dimensão social e a dimensão afetiva em uma única classe de estratégias: a
sócio-afetiva. Essa decisão dos autores resulta, sobretudo, da compreensão de que os
fatores sociais do processo de aprendizagem não se separam dos fatores afetivos.
Contudo, não compartilhamos dessa escolha dos autores por compreendermos que ao
optarem por uma classificação baseada nos propósitos das estratégias (COHEN, 1998),
eles deveriam necessariamente considerar o fato de que as estratégias sociais e as
afetivas divergem substancialmente no que concerne aos propósitos, pois enquanto
aquelas têm o propósito de promover a interação significativa por meio da língua alvo
81 mediante processos de cooperação e negociação de significados, estas têm o propósito
de controlar os níveis de ansiedade e de motivação. Desse modo, as EA afetivas, por seu
perfil de controle e gerenciamento dos aspectos emocionais, guardam muito mais
afinidade com as estratégias metacognitivas que com as sociais.
Em suma, na proposta de O´Malley e Chamot (1990) vemos plenamente
contempladas três dimensões das EA no âmbito da ASL: a dimensão cognitiva, relativa
ao manejo direto do input linguístico; dimensão metacognitiva, atinente ao
gerenciamento dos processos cognitivos mediante reflexão, planejamento,
monitoramento, avaliação, controle da ansiedade e gratificação; e, por fim, a dimensão
sociointeracional, concernente aos processos de cooperação e de negociação de sentido.
A partir da década de noventa a perspectiva da psicologia cognitiva,
predominante até então nos estudos sobre as EA no âmbito dos estudos sobre ASL,
perdeu espaço para outras perspectivas teóricas, em especial para a interacionista, cujo
princípio norteador é a ideia de que o uso de estratégias depende, em parte, da interação
do aprendiz com o seu contexto e com as situações às quais é exposto. Essa
compreensão é percebida fortemente nos estudos de Oxford (1990) e de Cohen (1996),
os quais, apesar de adotar uma perspectiva teórica diferente de seus antecessores,
mantêm a tendência a compreender as EA a partir de uma ótica multidimensional.
O estudo de Oxford (1990) sobre as EA, que culminou com seu inventário de
estratégias de aprendizagem de línguas (IEALE31), constitui o mais exaustivo esforço
de compreender as EA no âmbito da ASL. Não por acaso o IEALE, um inventário
composto por sessenta e duas estratégias, é o modelo mais utilizado até hoje nas
pesquisas sobre ASL nos mais diversos países e na aprendizagem das mais diversas
línguas (VILAÇA, 2011). Em função disso, esse estudo apresenta relevantes
contribuições para a compreensão do protagonismo estratégico dos aprendizes,
notadamente no que concerne à compreensão da natureza multidimensional, complexa e
variável dessa atuação.
Para Oxford (1990) as EA são ações conscientes e específicas empregados pelos
aprendizes para melhorarem o próprio desempenho no processo de aprendizagem de
31 A abreviação em inglês para Strategies inventory language learning é SILL. Nesta investigação, no entanto, optamos pela sigla em português IEALE (inventário de estratégias de aprendizagem de línguas estrangeiras)
82 uma língua, com vistas ao desenvolvimento da competência comunicativa. Essa
definição é aprofundada pela autora em doze características que, segundo ela, reúnem os
principais aspectos das EA no âmbito da ASL. Entre as características apontadas pela
autora destacamos seis, que são, a nosso ver, as que mais inovam na concepção das EA,
como fenômenos multidimensionais e complexos, resultantes de uma diversidade
fatores que interagem no processo de aprendizagem. Algumas dessas características
apontam para a relação entre as EA e as diferentes dimensões da autonomia dos
aprendizes.
Em primeiro lugar, segundo a autora, as EA possibilitam que os aprendizes se
tornem mais autodirigidos e capazes de buscar oportunidades de aprender fora da sala
de aula, sem a mediação do professor. Esta característica remete a um aspecto basilar na
proposta de Oxford (1990), porquanto se refere à compreensão de que o domínio das
estratégias, particularmente das metacognitivas, por parte dos aprendizes deve
possibilitar que esses indivíduos avancem no domínio do auto-gerenciamneto da
aprendizagem, o que, na proposta da autora, está diretamente relacionado ao
planejamento, ao desenvolvimento e à avaliação da aprendizagem. Achamos relevante
ainda destacar nesta característica a relação que a autora estabelece, embora
indiretamente, entre as EA e a autonomia dos aprendizes, uma vez que os processos de
autodireção e autogerenciamento estão diretamente relacionados com o que nesta
pesquisa denominamos competência de aprendizagem, a qual se relaciona com o uso de
estratégias metacognitivas e afetivas.
Em segundo lugar, as EA, segundo a autora, não envolvem apenas aspectos
cognitivos, mas também aspectos sociais, emocionais, metacognitivos, o que, embora
não represente uma novidade com relação à proposta de O`Malley e Chamot (1990),
reflete a transição de uma perspectiva com base na psicologia cognitiva a uma
perspectiva interacional, sendo um dos sinais dessa transição a valorização de elementos
sociais, emocionais e metacognitivos. A esse respeito, á necessário destacar que,
segundo Oxford (1990), a divisão das estratégias em categorias (cognitiva,
metacognitiva, afetivas e sociais) não é rígida, uma vez que elas estão muitas vezes
inter-relacionadas, interagindo no processo de ASL em função do contexto de
aprendizagem e das caraterísticas individuais dos aprendizes. Esse posicionamento da
autora remete à natureza dinâmica das EA, as quais podem interagir na resolução de
problemas específicos do processo de aprendizagem.
83
Em terceiro lugar, as EA são ações e comportamentos específicos empregados
pelos aprendizes para a apreensão, internalização e uso da segunda língua. Assim, como
um instrumento de aprendizagem, as estratégias permitem a mediação dos aprendizes
(sujeitos da aprendizagem) com a língua em processo de aprendizagem ou uso (objeto
da aprendizagem) (VILAÇA, 2011) .
No que tange à natureza específica das ações e dos comportamentos estratégicos
dos aprendizes, cabe destacar que, para a autora, o uso de estratégias não ocorre de
forma linear mas circunstancial, ou seja, diante de uma mesma dificuldade, diferentes
aprendizes podem utilizar diferentes estratégias. Em função disso não é possível
estabelecer uma relação linear entre um problema e uma estratégia. A esse respeito, a
autora apresenta como exemplo o fato de que a estratégia de inferir significado de
palavras ou expressões resulta comumente de dificuldades de compreensão de um texto,
mas nem todos os aprendizes inferem significados a partir de uma dificuldade de
compreensão, não sendo possível, desse modo, prever o uso de uma determinada
estratégia a partir de um dado problema.
Ao conceber uma relação não-linear entre problemas e estratégias, Oxford
(1990) aproxima-se sobremaneira da perspectiva da complexidade, antecipando
posicionamentos claramente alinhados a essa perspectiva, como a concepção da
natureza dinâmica e não-linear do uso de estratégias. Esse posicionamento é
compartilhado, posteriormente, por autores como Brown (1994), para quem as EA são
métodos específicos de se abordar problemas particulares.
A quarta característica das EA encontrada na proposta de Oxford (1990) investe
na ideia de que as EA têm como objetivo o desenvolvimento da competência
comunicativa. Essa compreensão constitui uma das inovações dessa proposta, uma vez
que remete à finalidade última do uso de estratégias, a qual ultrapassa os limites do
processo de aprendizagem e alcança o âmbito da comunicação por meio da língua alvo.
Ao retomar o conceito de Competência comunicativa de Canale e Swain (1980), a
autora assegura que as estratégias auxiliam os aprendizes nos processos de comunicação
significativa e contextualizada. Esse posicionamento da autora revela sua preocupação
com a dimensão sociointeracional das estratégias e deixa transparecer a relação entre as
EA e a dimensão sociointeracional da autonomia, a qual se sustenta no processo de
integração comunicativa dos aprendizes.
84
A quinta característica aposta na distinção entre duas grandes classes de EA, as
estratégias diretas (direct strategies) e as estratégias indiretas (indirect strategies). A
primeira relaciona-se com processos de aprendizagem que envolvem o manejo direto da
língua alvo e divide-se em três grupos: estratégias de memórias (memory strategies),
estratégias cognitivas (cognitive strategies) e estratégias de compensação
(compensation strategies). A segunda classe, por sua vez, relaciona-se com os processos
de gerenciamento da aprendizagem e divide-se em três grupos: estratégias
metacognitivas (metacognitive strategies), estratégias afetivas (affective strategies) e
estratégias sociais (social strategies)32. Ao sugerir essa classificação mais ampla das
EA, a autora propõe uma ênfase nos processos de planejamento e gerenciamento da
aprendizagem, processos diretamente relacionados à dimensão metacognitiva da
autonomia dos aprendizes. Essa classificação inicial proposta por Oxford (1990)33 pode
ser visualizada no quadro 4.
Quadro 4 - Classificação das estratégias: classes e grupos (OXFORD, 1990)
CLASSE DE
ESTRATÉGIAS
GRUPOS DE
ESTRATÉGIAS
Estratégias Diretas
Estratégias de memória
Estratégias cognitivas
Estratégias de compensação
Estratégias Indiretas
Estratégias metacognitivas
Estratégias afetivas
Estratégias sociais
As características apontadas por Oxford (1990) e a classificação proposta por
essa autora assinalam o caráter multidimensional e complexo das EA, o que implica na
32 Embora nos pareça questionável a opção da autora em incluir em uma mesma classe estratégias tão distintas, como o são as metacognitivas e as sociais, compreendemos que, de fato, sob a perspectiva da autonomia dos aprendizes, os três grupos de estratégias reunidos sob o rótulo de estratégias indiretas agrupam duas diferentes dimensões da autonomia: uma dimensão metacognitiva, relacionada ao gerenciamento do processo de aprendizagem e ao consequente desenvolvimento do que chamamos no capítulo 2 de competência de aquisição; e uma dimensão social e interacional, relacionada ao uso da língua alvo em situações significativas de comunicação/interação nas quais se desenvolvem processos de cooperação e negociação de significados. Esta segunda dimensão corresponde à que denominamos no capítulo 2 processo de integração comunicativa. Assim, na proposta de classificação de Oxford (1990), melhor detalhada no próximo item, vemos claramente contempladas as duas dimensões da autonomia com as quais operamos nesta investigação. 33 Mais à frente, neste mesmo capítulo, dedicaremos um item exclusivamente à proposta de classificação de Oxford (1990) e a seu inventário de estratégias.
85 concepção de que a o uso de estratégias caracteriza-se como um fenômeno complexo,
resultante da interação entre agentes dos mais variados tipos, entre os quais a autora
enfatiza fatores cognitivos, metacognitivos, sociais, afetivos e culturais. É salutar, no
entanto, reconhecer que a complexidade constitutiva do processo de uso de EA está para
além de quantidade de fatores envolvidos na o uso de estratégias e tem relação com as
propriedades que emergem da interação entre esses fatores, de modo que a interação
entre agentes como instrução e tecnologia pode fazer emergir, por exemplo, estratégias
metacognitivas relacionadas ao gerenciamento do processo de aprendizagem.
A identificação de estratégias relacionadas a processos de interação, como é o
caso das estratégias sociais de Oxford (1990) e das estratégias sócio-afetivas de
O´Malley e Chamot (1990), parece ter marcado os estudos sobre as EA, pois partir da
década de noventa passou-se a diferenciar mais comumente as estratégias com base no
critério da função que elas desempenham. Assim, passou a ser recorrente a distinção
entre as estratégias de aprendizagem e as estratégias de uso, ou de comunicação, como
observamos em classificações como a de Cohen (1998).
Cohen (1998) é o primeiro a propor abertamente essa distinção. Para o autor as
estratégias são “processos de aprendizagem selecionados de forma consciente pelos
aprendizes e que podem resultar em ações para melhorar a aprendizagem ou o uso de
uma segunda língua e de uma língua estrangeira”34 (p.4). A distinção entre processos e
ações parece marcar a tentativa do autor de conciliar um posicionamento de base
cognitivista com um de base interacionista, duas perspectivas que marcam
profundamente os estudos sobre as EA na década de noventa do século XX. Assim, ao
definir as estratégias como processos, o autor dialoga com cognitivistas, para quem as
estratégias têm como função processar o input por meio da identificação, agrupamento,
retenção, armazenamento. Por outro lado, ao aceitar que os processos mentais podem
resultar em ações que melhoram a aprendizagem e o uso da língua, o autor dialoga com
os interacionistas, que enfatizam caráter prático, específico e individual das EA. Sua
classificação reflete essa tentativa de conciliação, como veremos a seguir.
O que o autor denomina de estratégias de aprendizagem linguística corresponde
aos processos mentais e às ações conscientemente realizadas pelos aprendizes com o
34 Tradução nossa de: “[…] learning processes which are consciously selected by learners and which may result in action taken to enhance the learning or use of second and foreign language […]
86 objetivo de melhorar seu conhecimento da língua alvo. Nesse grupo, o autor identifica
processos (cognitivos, metacognitivos, afetivos e sociais) e ações (armazenamento,
planejamento, etc.). Assim, esse grupo compõe-se das seguintes estratégias: as
estratégias cognitivas de memorização; as metacognitivas de gerenciamento e
supervisão; as afetivas de motivação, auto-encorajamento e redução da ansiedade; e as
sociais de formação de perguntas, de cooperação e de criação de oportunidades de
interação.
As estratégias de uso linguístico, por sua vez, referem-se a processos cujo
objetivo não é propriamente melhorar o conhecimento linguístico do aprendiz, mas
ajudá-lo a usar o conhecimento linguístico que o mesmo já tenha adquirido. Desse
modo, o autor identifica um grupo bem mais restrito, em que ocorre apenas o processo
cognitivo e as seguintes ações: de recuperação, para acessar elementos da memória; de
ensaio, para prática de estruturas linguísticas da língua-alvo; de compensação, para criar
a impressão de que o aprendiz apropriou-se de conhecimentos, embora não o tenha de
fato; e de comunicação, para fazer com que uma mensagem seja significativa e
informativa ao interlocutor.
Quadro 5 – Classificação de estratégias proposta por Cohen (1998)
PROCESSOS AÇÕES Estratégias
de aprendizagem linguística Estratégias de uso
Linguístico
Cognitivas
Memória:
Identificação Agrupamento
Retenção Armazenamento
Recuperação
Ensaio Compensação Comunicação.
Metacognitivas
Planejamento:
Pre-planejamento Planejamento on-line
Supervisão Avaliação:
Pré-avaliação Pós-avaliação
--------
Afetivas
Motivação Auto-encorajamento
Redução da ansiedade
-----------
Sociais
Formulação de perguntas Cooperação com o outro
Criação de oportunidades para Interagir com falantes nativos
-------------
Da proposta de Cohen (1998) depreendemos ao menos uma contribuição
importante para a compreensão do vínculo existente entre as EA e a autonomia dos
87 aprendizes: a compreensão de que a interação comunicativa situa-se tanto no plano da
aprendizagem quanto no plano dos usos. Essa opção evidencia a tendência do autor a
considerar a dimensão sociointeracional das estratégias no âmbito da aprendizagem e
não em uma esfera alheia ou posterior esse processo. Assim, o autor compreende que ao
cooperarem e ao negociarem significados com usuários mais proficientes ou com
falantes nativos da língua alvo, mesmo fora do ambiente instrucional, os aprendizes não
se distanciam cognitivamente do processo de aprendizagem.
Este posicionamento do autor dialoga harmonicamente com a concepção de
integração comunicativa que propomos neste estudo, a qual, reiteramos, não deve ser
confundida com uma suposta independência comunicativa, uma vez que a integração
deve ser compreendida como processo permanente e não como um estágio definitivo de
independência e distanciamento do processo de aprendizagem em sentido amplo, ou
mesmo do contexto instrucional. Assim, entendemos que a dimensão sócio-interacional
da autonomia pode consolidar-se tanto nos contextos formais de aprendizagem como
fora deles.
A proposta de classificação de Cohen (1998), contudo, apresenta uma lacuna
importante, uma vez que o autor não nos faz perceber com clareza a diferença entre as
estratégias de aprendizagem e as de uso, já que ambas atuam no processo de
aprendizagem e no nível cognitivo, como mostra o quadro 5. Essa dificuldade em
estabelecer fronteiras entre os processos de aprendizagem e de uso no âmbito do
processo de ASL pode justificar o fato de que os estudos anteriores a Cohen (1998),
como Oxford (1990) e O`Malley e Chamot (1990), tenham preferido empregar o termo
estratégias de aprendizagem para referir-se tanto a processos de aprendizagem quanto a
processos de uso.
Em suma, uma incursão pela literatura nos faz perceber as EA como fenômenos
de natureza multidimensional e complexa. A multidimensionalidade diz respeito ao fato
de que, ao usarem estratégias para aprender e para usar a língua alvo, os aprendizes
atuam em diferentes dimensões do processo de aprendizagem: quer na dimensão
cognitiva, ao, por exemplo, organizar ou armazenar o input; quer na dimensão
metacognitiva, ao planejar a aprendizagem ou ao controlar a ansiedade; quer
sociointeracional, ao cooperar e negociar sentido. Essas diferentes dimensões em cada
uma das propostas estudadas podem ser melhor visualizadas no quadro 6.
88
Quadro 6 – Tipologias de estratégias e Dimensões das EA
DIMENSÃO
COGNITIVA DIMENSÃO
METACOGNITIVA DIMENSÃO
SOCIOINTERACIONAL
Natureza das EA relacionadas a cada dimensão
Estratégias de
natureza cognitiva (ENCg)
Estratégias de natureza metacognitiva (ENMg)
Estratégias de natureza
sociointeracional (ENSt)
Perfil das EA relacionada a cada
dimensão
Estratégias de manejo do input
linguístico
Estratégias de gerenciamento do processo
de aprendizagem
Estratégias de interação, cooperação e negociação de
sentido
O’Malley e Chamot (1990)
Estratégias cognitivas
Estratégias metacognitivas
Estratégias
sócio-afetivas
Oxford (1990)
Estratégias
diretas: De memória
Cognitiva De compensação
Estratégias indiretas:
Metacognitivas Afetivas
Estratégias indiretas:
Sociais
Cohen(1998)
Processos Cognitivos
Processos
Metacognitivos e
Afetivos
Processos
Sociais
O quadro 6 nos permite visualizar, além da natureza multidimensional das EA,
expressa em cada uma das propostas, a pluralidade de tipos de estratégias envolvidas em
cada uma das dimensões. Assim, vale considerar que cada um dos tipos específicos de
EA (cognitivas, de memória, de compensação, metacognitivas, afetivas e sociais)
envolve uma multiplicidade de fatores dos mais variados tipos (contextuais,
instrucionais, tecnológicos, entre outros), os quais interagem dinamicamente definindo
os processos e os produtos da atuação estratégica dos aprendentes, como nos mostra o
item a seguir, em que aprofundamos a tipologia de Oxford (1990).
3.1.2. O inventário de Oxford (1990) e a natureza multidimensional das EA
Das propostas de compreensão das EA no âmbito da ASL até aqui apresentadas,
a de Oxford (1990) parece ter sido a que mais influenciou os estudos na área da LA. O
inventário de 62 estratégias de aprendizagem, proposto por essa autora, recebeu uma
versão em Português (Paiva, 1998) e tem sido usado por grande parte dos estudiosos do
89 assunto no Brasil, a exemplo de Braga (2004) e Benevides Júnior (2012). O mérito
principal dessa proposta é, sem dúvida, o reconhecimento da natureza dinâmica e
multidimensional do processo de uso de EA pelos aprendizes, além do fato de que a
autora apresenta um inventario de EA, o qual resulta de um estudo rigoroso da atuação
dos aprendentes.
Destarte, entendemos que um estudo mais aprofundado da tipologia e do
inventário de Oxford (1990) nos fornecerá mais subsídios para compreendermos o
funcionamento do protagonismo estratégico dos aprendentes, notadamente no que
concerne ao modo como interagem as diferentes variáveis e às implicações decorrentes
dessas interações na emergência de estratégias em determinados contextos de ASL. Ao
final de uma leitura mais pormenorizada dessa proposta teremos mais subsídios teóricos
para entender o funcionamento do processo de uso de EA em diferentes contextos de
aprendizagem.
A classificação de estratégias proposta por Oxford (1990), e o seu inventário de
estratégias de aprendizagem de línguas (IEALE), apresenta uma classificação minuciosa
das EA, a começar pela identificação de duas grandes classes de estratégias: as
estratégias diretas (direct strategies) e as estratégias indiretas (indirect strategies). A
classe de estratégias diretas relaciona-se a processos de aprendizagem que envolvem o
manejo direto da língua alvo e divide-se em três grupos: estratégias de memória
(memory strategies), estratégias cognitivas (cognitive strategies) e estratégias de
compensação (compensation strategies). A classe de estratégias indiretas, por sua vez,
relaciona-se a processos de planejamento e gerenciamento da aprendizagem e divide-se
em três grupos: estratégias metacognitivas (metacognitive strategies), estratégias
afetivas (affective strategies) e estratégias sociais (social strategies). Esta classificação
inicial proposta por Oxford (1990) pode ser visualizada no quadro 4.
Na classe de estratégias diretas as estratégias de memória (EMm) referem-se
ao armazenamento de novas informações da língua-alvo mediante procedimentos tais
como o uso de imagens e sons, uso de rimas, utilização de palavras-chave, substituição
de novas palavras em um contexto, etc. As EMm se subdividem em quatro subgrupos,
de modo que cada um desses subgrupos reúnem diferentes estratégias, em um total de
dez, distribuídas do modo como apresentamos a seguir: o subgrupo (1), criação de
elos mentais, engloba três estratégias, a saber, agrupar (em sinônimos, antônimos ou
90 em campo semântico), associar/elaborar ( relacionar informação nova com outras já
existentes na memória), colocar palavras novas em contexto; o subgrupo (2), utilização
de imagens e sons, envolve as estratégias de utilizar imagens (gravuras, desenhos), usar
mapa semântico, usar palavras chave, representar sons na memória (usar rimas para
lembrar); o subgrupo (3), revisão efetiva, consiste na estratégia de revisar de forma
estruturada (revisão em intervalos regulares que podem ir se espaçando a medida que a
informação torna-se natural e automática); finalmente o subgrupo (4), emprego de ação,
envolve a estratégia de usar sensações ou respostas físicas e a estratégia de usar
técnicas mecânicas ( cartão relâmpago, por exemplo), como nos mostra o quadro7.
Quadro 7 - As estratégias de memória
(OXFORD, 1990)
GRUPO
SUBGRUPO
ESTRATÉGIAS
Estratégias de
memória
1.Criar ligações mentais
Agrupar Associar Inserir novas palavras em contexto
2.Aplicar imagens e sons
Usar imagens Realizar mapeamento semântico Usar palavras-chave Representar sons na memória
3.Revisar bem Revisar sistematicamente 4.Empregar ações
Usar respostas ou sensações físicas Usar técnicas mecânicas
As estratégias de memória ancoram, portanto, uma multiplicidade de ações
envolvidas no processo de armazenamento de informações, tais como agrupar, associar,
mapear, representar entre outras. Essas ações, por sua vez, incidem sobre uma
diversidade de informações, mas sobretudo sobre o léxico e os sons da língua. No
âmbito da aprendizagem formal de SL as estratégias de memorização são geralmente
associadas a processos mecânicos e pouco produtivos, geralmente aplicados na
memorização de vocabulário. Cabe lembrar, no entanto, que, para além dos processos
de instrução, os indivíduos usam espontaneamente estratégias que lhes permitam
armazenar informações, quer na língua materna, quer na SL, principalmente por meio
da associação de informações novas a informações já memorizadas.
91
O segundo subgrupo de EA indiretas é o das estratégias cognitivas (ECg), as
quais constituem processos de compreensão e produção de novas informações na
língua-alvo, e representam o maior grupo de estratégias da proposta de Oxford (1990),
em um total de quinze, divididas em quatro subgrupos: (1) prática; (2) recepção e envio
mensagens; (3).análise e raciocínio; e (4).criação de estrutura para "input" e "output".
As estratégias que compõem cada um desses subgrupos são apresentadas a seguir e,
resumidamente no quadro 8.
O subgrupo (1), estratégias de prática, apresenta cinco estratégias: repetir, que,
embora não seja a mais criativa ou importante das estratégias, pode ser usada de várias
maneiras inovadoras e é essencial ao desenvolvimento das quatro habilidades
linguísticas (produção escrita, produção oral, compreensão auditiva e compreensão
leitora); praticar formalmente sons e ortografia com ênfase na percepção de sons
(pronúncia e entonação) associada ao conhecimento do sistema da língua alvo com o
intuito de consolidar o conhecimento na língua alvo; reconhecer e usar fórmulas,
paradigmas e expressões formulaicas para aprimorar a compreensão e a produção por
parte dos aprendizes; recombinar, envolve a construção de sentenças mais longas na
tentativa de unir informações novas a informações já consolidados; praticar de forma
natural, usado da língua alvo com objetivo principal da comunicação, no âmbito das
habilidades de leitura, escrita, escuta e fala.
O subgrupo (2), recepção e envio mensagens, reúne duas estratégias: apreender
(lendo ou escrevendo) a idéia com rapidez buscando a ideia principal (skimming35) ou
detalhes (scanning36); e usar recursos para captar e enviar mensagens, por meio
impresso (dicionário, glossário, gramática, etc) ou por meio não-impresso (vídeo, rádio,
cinema, etc)
O subgrupo (3), análise e raciocínio, constitui-se de cinco estratégias:
raciocinar dedutivamente aplicando regras já conhecidas, uma estratégia de
processamento descendente, partindo do geral para o específico; analisar expressões,
que consiste na compreensão da língua através da quebra da expressão em partes
menores; analisar contrastivamente comparando sons, vocabulário e estruturas da
35 Skimming, segundo Paiva (2005a), é uma estratégia que consiste na leitura rápida para entender as ideias e conceitos principais do texto. Para tanto, segundo a autora, o leitor recorre ao título, subtítulos, ilustrações, nome do autor, a fonte do texto, itálicos, sumários, etc. 36 Scanning é uma estratégia de leitura que consiste na busca de informações específicas no texto (PAIVA, 2005a).
92 língua alvo aos mesmos elementos da língua materna e buscando estabelecer
semelhanças e diferenças.; traduzir, estratégia que permite aos aprendizes usarem a
própria língua materna como base para compreensão da língua alvo; e transferir, que
consiste na aplicação do conhecimento prévio para facilitar a compreensão ou a
produção de conhecimentos novos.
O subgrupo (4), criação de estrutura para input e output, abrange três
estratégias: anotar, estratégia que pode ser usada em sala de aula ou em situações do
cotidiano como em uma lista de supermercado, num mapa semântico ou num esquema
de resumo; resumir, que ajuda os aprendizes a estruturarem informações novas e os
obriga a demonstrar o conhecimento por meio da condensação; sublinhar e destacar,
que consiste em dar ênfase aos pontos considerados mais importantes.
Quadro 8 – As estratégias cognitivas (OXFORD, 1990)
GRUPO
SUBGRUPO
ESTRATÉGIAS
Estratégias Cognitivas
1.Prática
Repetir Práticar formalmente sons e sistemas ortográficos Reconhecer e usar fórmulas e padrões, Recombinar Praticar espontaneamente
2. Recepção e envio de mensagens
Compreensão da ideia principal
Usar mecanismos para recepção e envio de mensagens
3.Analise e raciocínio
Raciocinar dedutivamente análisar expressões Analisar contrastivamente Traduzir Transferir/verter
4.Criação de estrutura para input e output
Anotar
Resumir
Sublinhar e destacar
As quinze estratégias que constituem o grupo de ECg evidenciam a natureza
direta desse grupo de EA. Por meio dessas quinze estratégias os aprendizes atuam
diretamente sobre a informação a ser aprendida, buscando solucionar problemas que
requerem análise direta de materiais de aprendizagem. Em razão disso, as ECg têm
93 papel central no processo de ASL, uma vez que constituem um leque variado de ações
voltadas para a manipulação ou a transformação da língua alvo pelo aprendiz.
As ECg constituem, portanto, um conjunto complexo de ações, pensamentos e
habilidades que garantem aos aprendizes o manuseio dos insumos linguísticos aos quais
esses indivíduos têm acesso. O uso de ECg vincula-se a variáveis dos mais diversos
tipos, entre as quais: a instrução e os treinamentos no manejo do input nela envolvidos;
as afinidades dos aprendizes; os estilos cognitivos. Todas essas variáveis conferem às
estratégias cognitivas um caráter particularmente complexo e dinâmico
O terceiro subgrupo das EA diretas é o das estratégias de compensação (ECp)
permitem que os aprendizes utilizem a língua-alvo mesmo que não tenham
conhecimento suficiente fazendo uso de procedimentos tais como inferência com base
no contexto ou em pistas linguísticas (prefixos, desinências, etc.), uso da língua
materna, mímicas, gestos, etc. Elas se dividem, segundo Oxford (1990), em dois
subgrupos: (1) Inferência; e (2) superação de limitações da fala e da escrita, de modo
que os dois subgrupos reúnem um total de dez estratégias.
Quadro 9: Estratégias de compensação (OXFORD,1990)
GRUPO SUBGRUPO ESTRATÉGIAS
Estratégias de compensação
1.Inferência
Usar pistas linguísticas
Usar outras pistas
2.Superação de limitações da fala e da escrita
Recorrer à língua materna Pedir ajuda Usar mímica e gestos
Evitar comunicação Selecionar o tópico Ajustar ou aproximar a mensagem Criar palavras Usar circunlocução ou sinônimos
94
O subgrupo (1), inferência, reúne duas estratégias: usar pistas linguísticas, tais
como cognatos, prefixos, entre outros; usar outras pistas, a exemplo de estrutura do
texto, conhecimento do mundo, conhecimento dos participantes. Neste subgrupo as EA
destinam-se basicamente aos processos de compreensão escrita e compreensão oral.
O subgrupo (2), superação de limitações da fala e da escrita, como o próprio
nome anuncia destinam-se aos processos de produção oral e escrita. Reúne ao todo oito
estratégias: recorrer à língua materna; pedir ajuda; usar mímica e gestos; evitar
comunicação de forma parcial ou total esquivando-se de usar a língua alvo; selecionar
o tópico; ajustar ou aproximar a mensagem alterando-a, omitindo itens ou
simplificando as ideias; criar palavras; usar circunlocução ou sinônimos.
As ECp constituem, portanto, um conjunto de ações pensamentos e habilidades
voltados para a superação das limitações do conhecimento da língua alvo. Assim, elas
permitem que os aprendizes façam uso dessa língua mesmo sem o conhecimento
suficiente para fazê-lo, lançando mão, por exemplo, de mecanismos de inferência ou
recorrendo eventualmente à língua materna. Em função disso, Paiva (2005b) garante
que o uso desse tipo de estratégias é um bom indício da adaptabilidade no sistema ASL,
uma vez que ao utilizá-las os aprendizes superam lacunas em seu conhecimento
linguístico, restaurando o equilíbrio na interação com o input ou com os interlocutores.
Enfim, as estratégias indiretas constituem um mosaico de ações, pensamentos e
habilidades voltadas ao manejo do input. Desse modo, em sentido amplo, essa classe de
estratégias, e por extensão os três subgrupos que a compõem, integra a dimensão
cognitiva das EA, já que elas atuam mediante o armazenamento, processamento e
transformação dos insumos linguísticos. Nesse sentido, a metáfora do teatro, empregada
pela autora, ilustra bem o conceito de EA diretas, uma vez que, na citada metáfora, elas
são como atores de teatro, os quais dramatizam a peça e são vistos pelo público. Assim,
essas EA atuam diretamente com a língua, na realização de uma variedade de tarefas e
em situações específicas.
Na mesma metáfora da peça de teatro, proposta pela autora, as estratégias
indiretas atuam como os diretores, que organizam, corrigem, treinam, encorajam,
guiam, checam e estimulam. Estas, por sua vez, estão relacionadas ao gerenciamento da
aprendizagem, mediante processos de planejamento, avaliação, controle da ansiedade,
uso da língua alvo em processos de interação, entre outros. Essa classe divide-se em três
95 grupos: estratégias metacognitivas (metacognitive strategies), estratégias
afetivas(afective strategies) e estratégias sociais(social strategies). (Vide quadro 4).
Além dos aspectos de planejamento e gerenciamento, esta classe de EA contempla
aspectos da dimensão social do processo de aprendizagem, em especial no que concerne
à interação dos aprendizes com outros aprendizes ou com usuários mais proficientes da
língua alvo, sejam falantes nativos ou não. A seguir apresentamos os grupos, os
subgrupos e as estratégias dessa classe de estratégias.
Quadro 10: Estratégias metacognitivas (OXFORD,1990)
GRUPO SUBGRUPO ESTRATÉGIAS
Estratégias Metacognitivas
1.Centralização na aprendizagem
Apreender e relacionar com material já conhecido;
Prestar atenção;
Retardar a produção oral para focar na audição
2.Planejamento da aprendizagem
Fazer descobertas sobre a aprendizagem de língua; Organizar espaço e tempo Estabelecer metas e objetivos identificar o propósito de uma atividade Planejar para uma tarefa Procurar oportunidades para praticar.
3.Avaliação da aprendizagem. Realizar auto monitoração Realizar auto avaliação.
Na classe de EA indiretas as estratégias metacognitivas (EMg) são responsáveis
pela reflexão acerca do próprio processo de aprendizagem e permitem que os aprendizes
organizem e planejem a forma de aprender. As AE desse grupo permitem verificar o
andamento do processo de aprendizagem, o que implica reflexão e auto avaliação sobre
a forma como se está aprendendo. Oxford (1990) subdivide as ECg em três subgrupos:
(1) centralização na aprendizagem; (2) planejamento da aprendizagem; e (3) avaliação
da aprendizagem. Os três subgrupos juntos totalizam onze estratégias.
O subgrupo (1), centralização na aprendizagem, abrange três estratégias:
apreender e relacionar com material já conhecido; prestar atenção; retardar a
produção oral para focar na audição. O subgrupo (2), planejamento da aprendizagem,
reúne seis EA: fazer descobertas sobre a aprendizagem de língua; organizar espaço e
tempo (espaço físico, luz, horário); estabelecer metas e objetivos; identificar o
propósito de uma atividade ouvir, falar, ler, escrever com um propósito definido;
96 planejar para uma tarefa; procurar oportunidades para praticar. O subgrupo (3),
avaliação da aprendizagem, reúne duas EA: realizar auto monitoração com vistas a
identificar os erros; realizar auto avaliação com o propósito de avaliar o próprio
progresso.
As EMg, como expõe o quadro acima, permitem que os aprendentes gerenciem
o processo de aprendizagem por meio da organização, planejamento e autoavaliação da
cognição. Assim, as EA desse grupo estão diretamente relacionadas à competência de
aprendizagem, ou seja, de um saber metacognitivo relacionado à habilidade de aprender
e à responsabilidade pelo processo de aprendizagem. Essas EA vinculam-se, portanto, à
dimensão metacognitiva, ao lado das estratégias afetivas de controle da ansiedade e de
auto-encorajamento, as quais mostramos a seguir.
As Estratégias afetivas (EAf), referem-se ao monitoramento de fatores emotivos
em favor da aprendizagem. São ações que visam administrar (controlar e manejar)
atitudes, emoções e motivação relacionadas à aprendizagem. As EAf podem servir a um
plano macro, o processo de aprendizagem como um todo, ou a um plano micro, o
estudo ou um treino de um aspecto linguístico específico. Incluem-se nesse grupo de
EA três subgrupos: (1) diminuição da ansiedade; (2) auto encorajamento; e (3)medição
da temperatura emocional. Juntos os três subgrupos apresentam dez EA.
Quadro 11: Estratégias Afetivas (OXFORD,1990)
GRUPO SUBGRUPO ESTRATÉGIAS Estratégias Afetivas
1.Diminuição da ansiedade
Relaxar
Usar música
Rir 2.Auto encorajamento
Fazer afirmações positivas
Correr riscos de forma inteligente
Gratificar-se 3.Medição da temperatura emocional.
Ouvir seu corpo
Usar "check lists" Escrever um diário
Discutir seus sentimentos com alguém.
97
O subgrupo 1, diminuição da ansiedade, reúne três estratégias: relaxar
progressivamente ( respirar fundo, meditar, etc ); usar música; rir (assistir a uma
comédia, ouvir/ler piadas). O subgrupo 2, auto encorajamento, consta de três
estratégias: fazer afirmações positivas sobre o processo de aprendizagem; correr riscos
de forma inteligente; e gratificar-se. O subgrupo 3, medição da temperatura emocional,
abrange quatro EA: ouvir seu corpo; usar "check lists" (auto-avaliação); escrever um
diário (lição do livro/ atividades principais/ desempenho/dificuldades); discutir seus
sentimentos com alguém.
As EAf, como expomos acima, têm estreita relação com a autoestima dos
aprendentes, sendo esta compreendida como a atitude de aprovação ou reprovação que o
indivíduo tem com relação a si mesmo e ao processo de aprendizagem. Nesse sentido, o
controle dos aspectos afetivos, mediante o relaxamento, a gratificação e as afirmações
positivas, constitui aspecto relevante no processo de ASL, quer no manejo do input,
quer nos processos de comunicação significativa.
Desse modo, as EMg e as EAf, propostas por na tipologia de Oxford (1990)
integram o que denominamos aqui de dimensão metacognitiva das EA uma vez que elas
atuam, respectivamente, no gerenciamento da aprendizagem e no controle dos aspectos
afetivos envolvidos no processo de ASL. Essa dimensão envolve fatores dos mais
variados tipos: tempo, espaços, metas, objetivos, autoestima, ansiedade, entre outros, os
quais interagem de modo a constituir o mosaico da atuação metacognitiva dos
aprendentes. Destarte, a dimensão metacognitiva das EA, assim compreendida,
apresenta estreita relação com a dimensão metacognitiva do sistema autonomia, em que
este é compreendido como competência de aprendizagem.
O terceiro grupo das EA indiretas é constituído pelas estratégias sociais (ESc),
as quais referem-se à pratica de interação e colaboração com outros indivíduos, sejam
estes aprendizes ou falantes da língua-alvo. Essas estratégias ajudam os aprendizes a
exporem-se a situações significativas de comunicação a fim de verificarem em situações
concretas o que aprenderam. As ESc se dividem em três subgrupos: (1). Perguntas; (2).
Cooperação; e (3) empatia. Juntos, os três subgrupos reúnem seis estratégias, a seguir
mostramos cada uma delas.
O subgrupo (1), perguntas, reúne duas estratégias. A primeira, pedir esclarecimentos
ou verificação, que consiste em pedir, por exemplo, que o interlocutor repita,
98 parafraseie, explique, fale mais devagar ou dê exemplos; a verificação, por sua vez,
consiste em que os aprendizes perguntem, por exemplo, se um determinado enunciado,
estrutura ou vocábulo está correto e/ou adequado a determinado contexto. A segunda,
pedir correção, é, segundo Oxford (1990), mais comum na relação aluno-professor no
contexto de instrução formal, contudo, compreendemos que no processo de interação
entre aprendizes de diferentes níveis de proficiência na língua alvo, ou ainda entre um
aprendiz e um falante nativo, ela pode ocorrer com frequência.
O subgrupo (2), cooperação, reúne duas EA: cooperar com colegas e Cooperar com
usuários proficientes da língua. Essas duas EA são, segundo Oxford (1990), essenciais
para o processo de ASL, uma vez que, segundo a autora, a cooperação está diretamente
relacionada com a autoestima, a autoconfiança e a motivação dos aprendizes, além de
promoverem um feedback imediato entre os interagentes.
O subgrupo (3), Empatia, reúne duas EA: desenvolver entendimento cultural e
tornar-se consciente dos pensamentos e sentimentos dos outros. A empatia constitui
habilidade de se colocar no lugar do outro com o propósito de entender melhor sua
perspectiva, assim, segundo Oxford (1990), ela constitui elemento importante para que
um processo de comunicação seja bem sucedido em qualquer língua, mas
particularmente quando se trata de uma SL.
Quadro 12 – Estratégias Sociais (OXFORD, 1990)
GRUPO
SUBGRUPO
ESTRATÉGIAS
Estratégias Sociais
1.Perguntas
Pedir esclarecimentos ou verificação Pedir correção
2.Cooperação:
Cooperar com colegas Cooperar com usuários proficientes da língua
3.Empatia
Desenvolver entendimento cultural Tornar-se consciente dos pensamentos e sentimentos dos outros
Por conseguinte, o grupo ESc, proposto por Oxford (1990), reúne uma
ampla gama de possibilidades de ações baseadas fundamentalmente nos usos
significativos da língua alvo para interagir, cooperar e negociar significados. A
complexidade dessas ações pode ser concebida com base na própria natureza dialética
dos processos de interação e cooperação nos quais se envolve voluntariamente um
aprendiz de SL, os quais envolvem fatores como: negociação de sentido, compreensão
99 da cultura do interagente, correção recíproca, feedback imediato sobre a produção oral,
propósitos comunicativos dos interagentes, entre outros.
Dos seis grupos de estratégias apresentados por Oxford (1990) esse é o que
mais destoa dos demais. Não são propriamente estratégias de planejamento,
gerenciamento e controle do processo de aprendizagem, como ocorre do as EMg e as
EAf, mas um grupo de EA que se aproxima bastante de estratégias de uso linguístico
propostas por Cohen (1998). Devido a esse perfil das estratégias sociais, e por
compreendermos que essas EA divergem das estratégias metacognitivas, seja pelo
critério função ou pelo critério do propósito, achamos conveniente classificá-las
separadamente em um grupo que denominaremos de estratégias sociointeracionais,
vinculadas à dimensão sociointeracional das EA.
Em suma, a tipologia de Oxford (1990) evidencia o caráter multidimensional das
EA de SL, buscando dar ênfase a três dimensões: a dimensão cognitiva, predominante
em toda a classe de estratégias diretas; a dimensão metacognitiva, predominante na
classe de EA indiretas, particularmente nas estratégias metacognitivas (EMg) e nas
estratégias afetivas (EAf); e a dimensão sociointeracional, presente nas estratégias
sociais (ESc), conforme mostrou o quadro 6.
Resumidamente, há três aspectos centrais na proposta de Oxford (1990), os quais
contribuem substancialmente aos objetivos desta pesquisa, uma vez que apontam a
importantes questões referentes às dimensões das EA e à relação entre essas dimensões
e a autonomia dos aprendizes. O primeiro aspecto diz respeito à constatação de que a
divisão inicial das EA em duas grandes classes aponta para uma preocupação da autora
em estabelecer a diferença entre duas instâncias da atuação estratégica dos aprendizes:
uma mais diretamente relacionada ao manejo dos objetos de aprendizagem
propriamente ditos, representada nas estratégias diretas; a outra relacionada ao
gerenciamento do processo de aprendizagem e à interação significativa por meio da
língua alvo, aspectos representados pela estratégias indiretas.
O segundo aspecto, por sua vez, refere-se ao fato de que a segunda instância,
representada pelas estratégias indiretas, tem uma relação mais estreita com a autonomia
dos aprendizes, seja no âmbito da metacognição, da afetividade ou da interação, três
aspectos que se relacionam com diferentes dimensões da autonomia dos aprendentes.
Assim, ao gerenciar conscientemente o processo de aprendizagem por meio de
100 estratégias metacognitivas e ao buscar controlar seu nível de ansiedade ou motivação
por meio das estratégias afetivas, os aprendizes desenvolvem de certa forma seu nível
de competência de aprendizagem. Por outro lado, quando interagem voluntariamente
com colegas ou com usuários mais proficientes da língua alvo, mediante a cooperação e
a negociação de sentido, os aprendizes avançam no processo de integração
comunicativa.
Por fim, o terceiro aspecto refere-se à complexidade da atuação estratégica dos
aprendizes, a qual se caracteriza pela multiplicidade de fatores que interagem no uso de
estratégias e pela qualidade dos produtos dessa interação. Assim, no que diz respeito à
multiplicidade dos fatores, podemos destacar: o propósito do aprendiz ao utilizar uma
estratégia; o problema de aprendizagem ou de comunicação a ser resolvido; as
estratégias para as quais os aprendentes foram instruídos; as preferências dos aprendizes
por determinadas estratégias; o nível de competência comunicativa dos aprendizes; o
contexto tecnológico em que se dá a aprendizagem; entre outros fatores. A interação
dinâmica e aleatória entre esses fatores implica na impossibilidade de se prever as
estratégias que serão utilizadas por um determinado aprendiz no processo de ASL. No
que concerne aos produtos há uma considerável gama de possibilidades de uso de
estratégias, de modo que o IEALE de Oxford (1990) prevê 62 delas, as quais se inter-
relacionam e se integram de acordo com a interação dinâmica entre os diversos fatores
enumerados há pouco.
Nesta pesquisa, acolhemos esses três aspectos, pois consideramos que eles
contribuem significativamente para a compreensão das EA e da autonomia como
fenômenos multidimensionais e complexos. Dessa maneira, além de diferenciarmos as
EA com base nos critérios de propósito, também buscamos relacioná-las às diferentes
dimensões da autonomia dos aprendizes e, por extensão, do próprio processo de
aprendizagem.
Destarte, temos que, no plano das EA, a dimensão cognitiva envolve as EA de
natureza cognitiva (ENCg), que incluem as estratégias de memória (EMm), cognitivas
(ECg) e de compensação (ECp) da tipologia de Oxford(1990) e cujo uso caracteriza-se
pela atuação direta do aprendiz sobre o input, quer para armazená-lo, quer para
compreendê-lo, quer para transformá-lo. A dimensão metacognitiva, por sua vez,
envolve as EA de natureza metacognitiva, que reúnem as Estratégias afetivas (EAf) e as
101 metacognitivas (EMg) da proposta de Oxford (1990) e cujo uso implica o
gerenciamento do processo de aprendizagem, mediante processos de planejamento,
autoavaliação, controle da ansiedade, gratificação, entre outros. Por fim, a dimensão
sociointeracional das EA envolve as estratégias de natureza sociointeracional (ENSt),
que abrange as estratégias sociais (ESc) da proposta da mesma autora e que implicam
processos de cooperação e negociação de sentido por meio da língua alvo, conforme
mostramos no quadro a seguir.
Quadro 13 – Dimensões das EA e da autonomia
DIMENSÕES Dimensão
Cognitiva Dimensão
Metacognitiva Dimensão
Socio-interacional No plano das
EA
Estratégias
de natureza cognitiva
Estratégias de natureza
metacognitva
Estratégias de
natureza sociointeracional
No plano da Autonomia
dos aprendizes
________
A autonomia manifesta-se como competência de
aprendizagem.
A autonomia manifesta-se como processo de
integração comunicativa
Por outro lado, no plano da autonomia, temos uma dimensão metacognitiva, que
se relaciona com o gerenciamento da aprendizagem, por meio do planejamento, a
autoavaliação, do controle da ansiedade, dentre outros processos que caracterizam o que
chamamos de competência de aprendizagem do aprendiz. A dimensão sociointeracional
da autonomia relaciona-se aos processos de cooperação e de negociação de sentido na
língua alvo, os quais constituem o que chamamos de processo de integração
comunicativa dos aprendizes. Nossa proposta é melhor visualizada no quadro 13.
Nossa proposta de classificação baseia-se, portanto, em três dimensões, as
quais se referem tanto às EA quanto à autonomia dos aprendizes: a dimensão cognitiva,
a dimensão metacognitiva e a dimensão sociointeracional. Reiteramos, no entanto, que
essa classificação tem caráter didático, uma vez que compreendemos que as diferentes
dimensões de um mesmo fenômeno (como a aprendizagem, a autonomia ou as EA)
102 interagem de forma dinâmica, não sendo possível estabelecer limites precisos entre eles.
Desse modo, buscamos privilegiar a relação, ao invés da disjunção. Estabelecidas essas
relações, cabe discuti-las no âmbito dos usos das tecnologias digitais, tendo em vista os
objetivos deste estudo. É dessa discussão que nos ocupamos no próximo item deste
capítulo.
3.2. Tecnologias digitais, EA e autonomia
Neste item debatemos a relação entre o uso de EA, como fenômeno complexo,
e a autonomia no âmbito dos usos das TDIC. Para isso, buscamos compreender as
implicações dos usos dessas tecnologias na utilização de estratégias por parte dos
aprendizes de SL, particularmente nas dimensões metacognitiva e sociointeracional,
haja vista a relação entre essas duas dimensões e as dimensões da autonomia. Por fim,
buscamos estabelecer uma relação entre a comunicação mediada por TDIC e a
autonomia dos aprendizes, não sem antes discutirmos a noção de comunicação
significativa no contexto das tecnologias digitais.
3.2.1. Comunicação mediada por TDIC e aprendizagem de segunda língua (ASL)
Nesta subseção, introduzimos o contexto das tecnologias digitais de informação
e comunicação (TDIC) e suas implicações para o processo de ASL, em particular no
que concerne ao uso de estratégias de aprendizagem. Entender os usos das tecnologias
digitais como contexto é importante porque, como mostra Ellis (2005, p. 34)
O uso de estratégias depende de fatores contextuais e é necessariamente relativo. Assim, embora o ensino se apoie no uso de certas estratégias (...), há também dados que sugerem que os aprendizes resistirão a usar essas estratégias se avaliarem que as que já utilizam são válidas”.37
Essa estreita relação entre o contexto dos aprendizes e as estratégias que esses
sujeitos usaram para aprender uma segunda língua expõe a necessidade de se estudar as
implicações do contexto tecnológico no processo de ASL. Assim, o que denominamos
neste estudo de contexto das tecnologias digitais refere-se ao período a partir do qual as
chamadas TDIC passaram por um intenso processo de desenvolvimento e
37 Tradução nossa. “El uso de estrategias depende de factores contextuales y es necesariamente relativo. Así, aunque se apoya la enseñanza del uso de ciertas estrategias, (…) hay también datos que sugieren que los aprendientes se resistirán a usar esas estrategias si estiman que las existentes son válidas.”
103 popularização, impulsionados principalmente pela criação e pelo uso massificado da
internet.
O número de pessoas que usam a internet em todo o planeta só cresce. Dados da
União Internacional de Telecomunicações (UIT) estimam que o número de usuários de
internet no mundo alcançou os 2 bilhões em 2011. No Brasil, somos, em 2012, 79,9
milhões de internautas, segundo dados do Ibope NetRatings38, números que colocam
nosso país no 5º lugar entre as nações mais conectadas.
A popularização do acesso à internet possibilitou aos indivíduos uma ampliação
significativa das possiblidades de comunicação, informação, pesquisa, trabalho e
integração, de modo que a internet tornou-se inegavelmente um ampliador de
possibilidades nos mais diferentes setores da sociedade, tais como, na educação, nas
relações de trabalho, na política, nos movimentos sociais, nos meios de comunicação de
massa, nos relacionamentos afetivos, entre outros.
Em seu atual estágio de desenvolvimento, as tecnologias digitais, encabeçadas
pela internet, possibilitaram o fenômeno da convergência de mídias, o qual foi discutido
por Jenkins (2009), em sua obra Cultura da convergência: a colisão entre os velhos e
novos meios de comunicação, em que o autor debate o alvoroço em torno das novas
mídias e expõe as importantes transformações culturais que ocorrem à medida que esses
meios convergem. Segundo o autor, o fenômeno da convergência de mídias tem posto
em evidência o surgimento de ecossistemas de mídias. Assim, ao contrário do que
muitos previam, um aniquilamento das mídias tradicionais (televisão, rádio e impresso)
pelas novas mídias, as tecnologias integram-se em um mesmo espaço enunciativo, em
um mesmo dispositivo móvel, seja um, smartphone, um tablet, ou um computador
portátil.
Como toda mudança tecnológica representa implicações importantes nos mais
diversos setores da sociedade, também na aprendizagem esses impactos devem fazer-se
notar, embora, possamos questionar se eles são positivos ou negativos. Assim, na área
da LA, por exemplo, são muitos os estudos que investigam as implicações dessas
tecnologias para o ensino e aprendizagem de línguas. Nessa direção, destacamos
algumas publicações, organizadas no Brasil, que discutem em um cenário mais amplo a
relação entre linguagem e tecnologia, com alguns direcionamentos para o ensino e 38 www.ibopenetratings.com.br
104 aprendizagem de línguas, a saber, Araújo e Biasi-Rodrigues (2005), Araújo (2007),
Araújo e Dieb (2009), Ribeiro et al (2010), Vetromille-castro, Heemann e Fialho (2012)
e tantas outras publicações relevantes.
De um modo geral, os estudos que se ocupam das implicações das TDIC nos
processos de ensino e aprendizagem de línguas interessam-se por questões tais como: o
desenvolvimento de alguma habilidade comunicativa em contextos formais de ensino,
como a compreensão auditiva (LEAL, 2009) ou a produção oral (MARTINS, 2010;
MENEZES, 2010); o trabalho pedagógico envolvendo algum gênero textual digital
(SOARES et al, 2010); as modalidades mistas de ensino e aprendizagem de línguas
(HEINZE & PROCTER, 2004; GARRISON & VAUGHAM, 2008); o uso de fóruns
educacionais (ROZENFIELD e GABRIELLI, 2009) e de comunidades virtuais
(ARAÚJO e PEREIRA, 2010) no processo de ASL e tantos outros campos de interesse
Há, ainda, pesquisas voltadas para o uso de estratégias em ambientes digitais,
que focam uma determinada habilidade de comunicação, como produção escrita ou a
compreensão escrita. Oliveira (2002), para citar um exemplo, realizou uma pesquisa
experimental com brasileiros aprendizes de língua inglesa em um ambiente digital
instrucional com o objetivo de mapear as estratégias de leitura e constatou o uso de
setenta e uma estratégias utilizadas no processo de leitura em ambiente hipertextual. A
pesquisa constatou ainda não haver uma recarga cognitiva ocasionada pelo uso do
formato digital dos textos.
As pesquisas sobre a relação tecnologias digitais/aprendizagem de línguas
tendem a multiplicar-se, em um cenário favorável ao crescimento da importância de se
aprender línguas estrangeiras no Brasil39 e no mundo. Nesse cenário, a utilização das
tecnologias digitais como ferramentas mediadoras no processo de ASL tende a ampliar-
se, pois, como nos diz Paiva (2001, p. 15), a internet provê “oportunidades variadas de
interação, possibilidade de inserção em uma comunidade mundial de aprendizes e
falantes da língua e consequente comunicação significativa enriquecida com negociação
de sentido em contextos reais”. 39 No Brasil, a aprendizagem de LE, tende a seguir sua trajetória de crescimento, em especial devido ao papel de protagonista que o país vem desempenhando nos últimos anos no cenário internacional, tanto através do fortalecimento de blocos internacionais econômicos e/ou regionais estratégicos, como por meio de esforços da política externa brasileira de projetar internacionalmente o nosso país. Nesse contexto, acreditamos que as Tecnologias digitais de Informação e comunicação, em particular a internet, podem ser usadas de forma sistemática como ferramenta para o desenvolvimento de competências comunicativas em LE.
105
A esse respeito, Griffin (2005) destaca a necessidade de que se reavalie a
questão do input ao qual os aprendizes têm acesso,40 uma vez que esses indivíduos têm,
com as tecnologias digitais, a possibilidade de acessar uma gama considerável de
informações na língua alvo fora do contexto instrucional. Nesse sentido,
a importância das novas tecnologias reside em abrir novas vias de acesso a uma grande variedade de input para os alunos, razão pela qual se faz necessário voltar a estudar o tipo de input que existe agora nas salas de aula. (GRIFFIN, 2005, p. 123-124)41.
À luz dessa realidade, a possibilidade de comunicação significativa na língua
alvo é, segundo Paiva (2001), a maior qualidade da internet no âmbito da ASL, pois o
aprendiz tem a oportunidade de participar de uma série de formas de comunicação
autêntica. Alguns exemplos, segundo a autora, são:
deixar mensagens em “livro de visitas”, enviar avaliação sobre um texto lido para o autor; receber feedback automático e pessoal após fazer exercícios on-line, etc. Assim, o aluno não precisa mais esperar pelo feedback do professor e não pode mais ludibriar a si mesmo, buscando a resposta em apêndices ou encartes nos materiais didáticos antes de fazer os exercícios. (PAIVA, 2001, p. 8 )
Como podemos observar nos posicionamentos das autoras mencionadas, as
potencialidades comunicativas da internet para o processo de ASL podem ser facilmente
enumeradas. Contudo, compreendemos que o potencial das TDIC para a ASL vai além
da possibilidade de acessar input fora da sala de aula ou de ter acesso a atividades online
que promovam práticas cognitivas de aprendizagem com feedback imediato. O atual
estágio de desenvolvimento das tecnologias digitais permite o desenvolvimento de
práticas de interação baseadas na cooperação e na negociação de significados na língua
alvo.
A esse respeito, Silva (2008) nos diz que o computador conectado à internet
possibilita aos aprendizes de segunda língua interagirem significativamente na língua
alvo, sendo a interação compreendida como diálogo, cocriação e controle dos processos
40 O processo formal de ASL em contextos exolíngues (situação dos aprendizes que produziram as narrativas analisadas nesta investigação) apresenta características peculiares se o compararmos ao processo de aprendizagem por imersão e integração do aprendiz ao contexto de uso da língua alvo. Um dos aspectos mais significativos nessa diferença é o fato de que em um contexto exolíngue de aprendizagem formal de ASL, o input da sala de aula é, em muitos casos, o único ao qual os aprendizes têm acesso 41 Tradução nossa de: “la importancia de las nuevas tecnologías reside en abrir nuevas vías de acceso a una gran variedad de input para los alumnos, por lo que habría que volver a estudiar el tipo de input que existe ahora en las aulas”.(GRIFFIN, 2005, p. 123-124)
106 de aprendizagem mediante dispositivos e interfaces de gestão, de autoria e de
comunicação.
À luz dessas possibilidades de interação, Benson (2001) garante que o principal
aporte da internet ao processo de aprendizagem de uma língua é o fato de que ela tem
potencial para promoção da aprendizagem colaborativa, pois, segundo esse autor, a
internet, como ferramenta no processo de ASL, abre um leque de possibilidades de
interação, tais como: aprendiz/aprendiz, aprendiz/usuário, aprendiz/professor. Essas
interações, segundo o autor, podem desenvolver-se tanto no ambiente instrucional (sala
de aula, laboratório de línguas, etc.) como fora dele.
Na mesma direção posiciona-se Braga (2004), para quem a comunicação
mediada por computador (CMC) permite que os aprendizes de SL comuniquem-se com
um ou mais aprendizes ou falantes da língua alvo de maneira síncrona ou assíncrona,
trazendo assim, para sala de aula, maiores oportunidades de interação social. Desse
modo, segundo a autora, os usos que fazemos da internet oferecem oportunidades de
aprendizagem de SL, pois possibilita ao aprendiz empregar a língua para propósitos
comunicativos múltiplos. Nessa perspectiva, ao referir-se especificamente às práticas de
colaboração mediadas por tecnologias digitais no âmbito da aprendizagem de SL, a
autora (p. 137) garante que
as práticas colaborativas em CALL, em especial a modalidade tandem, oferecem oportunidades de comunicação autêntica e oportunidades de aprendizagem e uso da língua. Entretanto, ressalte-se que, para que essas práticas colaborativas auxiliem os aprendizes de língua a se tornarem autônomos e proficientes na língua alvo, três componentes devem ser considerados: a estrutura pedagógica da atividade proposta, o papel do professor e o papel do aluno.
É importante notar, no posicionamento de Braga (2004), a relação que a autora
estabelece entre os usos das TDIC, as oportunidades de comunicação autêntica que
essas tecnologias proporcionam e a autonomia dos aprendizes. No entanto, a autora
reconhece que o simples fato do aprendiz usar a tecnologia para interagir por meio da
língua alvo, não garante uma postura autônoma desses sujeitos, sendo necessário
segundo ela, considerar, no caso específico da aprendizagem em tandem, fatores
relacionados: à estrutura pedagógica das atividades de colaboração, a atuação do
professor e a atuação dos aprendizes. Nesse sentido, a autora reconhece a complexidade
dos fatores envolvidos na construção da autonomia dos aprendizes, não deixando de
107 reconhecer, no entanto, a importância da atuação estratégica desses sujeitos nessa
construção.
Ainda no que diz respeito às possibilidades de interação na língua alvo
mediante o usos das TDIC, PAIVA (2001, p. 7) nos diz que
a Internet oferece um ambiente propício à interação com falantes nativos ou aprendizes de línguas estrangeiras em todas as partes do mundo. Revela-se um excelente espaço para o aprendiz ao construir seu conhecimento do idioma e melhorar seu desempenho no uso da língua. Ao contrário da sala de aula tradicional, que muitas vezes estimula a mera imitação de modelos lingüísticos, a Internet oferece situações de comunicação autênticas.
Esse posicionamento da autora amplia o debate em torno dos usos das TDIC no
processo de ASL, uma vez que introduz a concepção de que os usos dessas tecnologias
no processo de aprendizagem de línguas trazem implicações para o desempenho dos
aprendizes nos usos efetivos da língua alvo em situações de comunicação “autêntica”.
Esse entendimento, a nosso ver, sugere eventuais implicações das tecnologias digitais
na dimensão sociointeracional do processo de ASL.
Nessa mesma direção, Warschauer (1996) relaciona a internet a uma terceira
fase de CALL (computer- assisted language learning), a fase integrativa, que se refere
ao momento de expansão de uso da internet no processo de aprendizagem de línguas.
Essa terceira fase é marcada principalmente pela ampliação das possibilidades de
interação e comunicação, com clara tendência à valorização de acesso a materiais
autênticos.
Em outro trabalho, Warschauer (2010) lista 5 razões principais para o uso da
Internet no processo de ensino e aprendizagem de SL: (1) contextos autênticos e
significativos; (2) aumento de letramento através da leitura, escrita e oportunidades de
publicação na Internet; (3) interação, a melhor forma para se adquirir uma língua; (4)
vitalidade obtida pela comunicação em um meio flexível e multimídia; e (5)
empowerment42 dos aprendizes, pois o domínio das ferramentas da Internet os torna
autônomos ao longo do processo de aprendizagem.
Os posicionamentos até aqui expostos convergem para o reconhecimento do
potencial das TDIC para o processo de ASL, sobretudo no que tange a dois aspectos: à 42 Em português o termo tem sido traduzido como empoderamento (MOURA FILHO, 2009) e faz referência ao processo de apropriação, por parte dos aprendizes, das ferramentas de que o contexto dispõe para o processo de aprendizagem.
108 imensa variedade de input disponível aos aprendizes por meio dessas tecnologias
(PAIVA, 2001; GRIFFIN, 2005; WARSCHAUER, 1996); e à possibilidade de
interação com falantes da língua alvo, nativos ou não, dos mais distantes lugares do
globo (BENSON, 2001; PAIVA, 2001; BRAGA, 2004; WARSCHAUER, 2010;
SILVA, 2012).
Entretanto, boa parte desses autores faz referência discreta a um aspecto que
consideramos ser essencial para compreendermos as implicações dessas tecnologias
para o processo de ASL: a compreensão de que as TDIC ampliam as possibilidades de
comunicação significativa, ou comunicação autêntica, como prefere Paiva (2001). No
próximo item deste capítulo buscamos compreender o estatuto da comunicação
significativa no âmbito da ASL. Dessa maneira, esperamos entender melhor a relação
entre a comunicação mediada por TDIC e a atuação estratégica dos aprendizes.
3.2.2. A comunicação significativa no âmbito da ASL
Neste item discutimos a noção de comunicação “autêntica” e de comunicação
significativa no âmbito da aprendizagem de SL. Ao debatermos essa questão buscamos
compreender de que modo as TDIC proporcionam ao processo de ASL novas
possibilidades de uso da língua alvo para cooperação e negociação de sentido. Essa
discussão nos ajudará a entender as possíveis implicações dessas tecnologias para a
atuação estratégica dos aprendizes.
Como vimos no item anterior, no âmbito das pesquisas sobre ASL no contexto
das TDIC há diversas referências à questão da autenticidade, quer no tocante aos textos
que circulam nos ambientes digitais, textos “autênticos”, quer no que tange à natureza
das interações que essas tecnologias promovem, comunicação “autêntica”. No entanto, a
noção de autenticidade no âmbito da ASL está longe de ser um ponto pacífico entre os
estudiosos da questão, razão pela qual se faz necessário que a elucidemos aqui.
Sobre o significado do termo autêntico no âmbito da ASL já há uma expressiva
literatura na área da LA. Basta ver, por exemplo, Coste (1970), Charaudeau (1984),
Breen (1985), Van Lier (1991), Franzoni (1992), Pacheco (2006) e Baptista (2010).
Boa parte desses estudos discute a noção de autenticidade no que diz respeito aos
materiais instrucionais, quer no que tange à seleção e aos usos de materiais autênticos
109 nos processos de instrução formal, quer no que diz respeito às implicações desses usos
nas rotinas instrucionais de ensino de línguas.
Franzoni (1992), por exemplo, discute a questão da autenticidade no processo de
aprendizagem formal em contexto exolíngue partindo da ideia de que esse processo
pressupõe “apropriação” do que é considerado “alheio”. Nesse cenário, o professor e os
materiais linguísticos que servem de input (em especial textos orais e escritos),
constituem referências, às vezes as únicas, aos aprendizes. Nesse contexto, segundo a
autora, o professor e os materiais linguísticos constituem papel de representantes quase
que exclusivos da língua-alvo. (FRANZONI, 1992, p. 18).
Para iniciar um debate em torno do significado de autêntico no contexto formal
de ASL, Franzoni (1992) menciona três cenários, que, segundo a autora, ajudam a
compreender a discussão em torno da questão. O primeiro é a crítica ao chamado
método de gramática e tradução (MGT), que consistia no ensino de uma língua
estrangeira do mesmo modo como se ensinavam as línguas clássicas, como o latim e o
grego, ou seja, com o foco em textos eruditos que representavam amostras cultas das
línguas estudadas (FRANZONI, 1992, p. 42). Nesse contexto, a noção de autenticidade
surge como sinônimo de naturalidade e o que se reivindicava era que fossem
introduzidos textos mais próximos à oralidade.
O segundo cenário mencionado por Franzoni (1992), também no âmbito
metodológico, refere-se aos estudos de Coste (1970) sobre o ensino do francês. Para
esse autor, autêntico, no âmbito do ensino de francês como LE, remete a tudo aquilo que
não foi preparado, adaptado ou retocado para o ensino de francês como língua
estrangeira. Nesse sentido, a noção de autêntico aparece em contraposição ao
pedagogicamente modificado ou adaptado com finalidades instrucionais.
O terceiro momento, em que emerge o conceito de documento autêntico, refere-
se às críticas às chamadas abordagens áudio-orais/visuais e situacionais e ao surgimento
das chamadas abordagens nocionais-funcionais e comunicativas. Segundo Franzoni
(1992), naquela ocasião criticava-se a falta de naturalidade dos diálogos que visavam
fornecer modelos simples e estruturas fáceis de serem assimiladas pelos aprendizes.
A partir desses três cenários, a dicotomia autêntico/não-autêntico, segundo
Franzoni (1992), passou a ser uma constante nos estudos em LA voltados para ASL em
110 contextos formais, de modo que a concepção de autenticidade mais difundida nas
pesquisas em LA, segundo a autora, remete a dois aspectos: a contraposição à noção de
artificial e a ausência de metacognição. Nesse sentido, um texto autêntico seria aquele
que circula na esfera social e que, portanto, não foi produzido com fins pedagógicos, ou
seja, não foi produzido para servir de modelo em um contexto instrucional.
Com relação a essa concepção reducionista de autenticidade, Franzoni(1992)
destaca a contribuição de Breen (1985), que adverte sobre a necessidade de que a
autenticidade no contexto de ASL seja considerada de forma relativa, uma vez que ela
resulta da relação de interdependência entre os textos, os aprendizes, as tarefas de
aprendizagem e a situação social da sala de aula. Ainda segundo esse autor, em um
processo de leitura e interpretação de textos, por exemplo, o que deve ser considerado
autêntico, ou não autêntico, é a interpretação e não o texto propriamente dito. Além do
mais, reitera o autor, para os aprendizes, os textos são sempre instrumentos de
aprendizagem, razão pela qual a autenticidade é relegada a um segundo plano. O que
importa, segundo ele, é a autenticidade das tarefas que, uma vez desenvolvidas em um
contexto social específico, como é o caso a sala de aula, gozam de autenticidade, sendo
que esta se concretiza à medida em que o contexto de ensino e aprendizagem favoreça a
sua realização. Nesse sentido, o autor fala de tarefas autênticas de aprendizagem.
Nessa mesma direção, Van Lier (1991) concebe diferentes tipos de
autenticidade, reiterando que o autêntico deve ser compreendido em termos de graus de
autenticidade e não simplesmente em termos de presença ou ausência dela. Assim, o
autor diferencia a autenticidade de origem (o documento não é falso), a autenticidade de
propósito (o documento e seu uso são adequados ao fim almejado) e a autenticidade
existencial (o documento, seu conteúdo y seu uso são percebidos como relevantes por
parte dos aprendizes).
A noção de autenticidade existencial, concebida por Van Lier (1991), aproxima-
se do que compreendemos por comunicação significativa, a qual, independentemente de
integrar o âmbito formal de aprendizagem, é compreendida pelos aprendizes como
cooperação e negociação de sentido. A esse respeito, Pacheco (2006), em uma
perspectiva discursiva no âmbito do contrato didático, questiona a noção de
autenticidade, uma vez que, segundo ela, o aprendiz sabe identificar o que é
comunicação autêntica dentro e fora da sala de aula. Assim, segundo essa autora, os
111 aprendizes reconhecem seu papel social de aprendentes, quer na sala de aula, quer fora
dela, e, por essa razão, até uma atividade de metalinguagem pode constituir uma
comunicação autêntica entre um professor e um aprendiz, desde que haja negociação de
sentido.
Em função do que foi até aqui exposto, no tocante à noção de autenticidade e de
comunicação autêntica, nesta pesquisa, optamos por evitar a utilização desses termos ao
fazermos referência à comunicação mediada pelas tecnologias digitais. Desse modo, por
considerarmos que o que marca a ‘autenticidade’ de um processo de comunicação é a
cooperação e a negociação de sentido, faremos a opção pelos termos comunicação
significativa ou processo de comunicação significativa.
Em suma, compreendemos que esses processos caracterizam-se pelos seguintes
traços: constituem processos de interação que envolvem negociação de sentido, seja no
âmbito instrucional ou fora dele; envolvem colaboração e troca de informações entre os
indivíduos, seja com outros aprendizes ou com usuários proficientes da língua alvo;
exigem o engajamento dos indivíduos (aprendizes ou usuários) na resolução de
problemas mediante o uso da língua alvo; e envolvem habilidades escrita, leitura, fala
ou escuta contextualizados.
Após compreendermos o estatuto da “autenticidade” no âmbito da aprendizagem
de segunda língua, passamos a discutir as implicações dos processos de comunicação
significativa mediados por TDIC, quer no uso de EA, quer na autonomia dos aprendizes
de SL. É a essa discussão que dedicamos o último item deste capítulo.
3.2.3. Comunicação mediada por TDIC, estratégias de aprendizagem e autonomia
Para finalizarmos este último capítulo teórico, achamos conveniente retomar
a questão que norteia esta investigação e em função da qual percorremos até aqui um
longo trajeto, discutindo questões teóricas relevantes, fazendo escolhas conceituais e
estabelecendo relações que garantissem uma coerência teórica a este estudo. Por
conseguinte, os posicionamentos até aqui assumidos, quer referentes aos sistemas ASL
e autonomia, quer relativos ao uso de EA e aos processos de comunicação significativa
mediados por TDIC, servem de base para esboçarmos a questão que constitui o cerne
desta pesquisa: a relação entre os usos das tecnologias digitais e a autonomia dos
112 aprendizes. Qual é, afinal, a relação entre as TDIC e a autonomia dos aprendizes? A
que dimensão ou dimensões da autonomia essas tecnologias se relacionam?
Compreendemos que a resposta a essa questão passa necessariamente pela
compreensão da natureza complexa do processo de ASL, da autonomia e da atuação
estratégica dos aprendizes, entendimento a partir do qual os usos das TDIC podem ser
interpretados como um elemento perturbador da ordem aparente em que se encontram
esses sistemas. Assim, as implicações dos usos dessas tecnologias poderão fazer-se ver
no uso de EA pelos aprendizes, o qual constitui instância mais visível, observável e
narrável do processo de ASL, e na qual se materializam as tendências e as mudanças no
sistema aprendizagem.
Assim, uma vez que aceitamos que a ASL é um sistema adaptativo complexo
(SAC) e, portanto, aberto ao contexto, e uma vez que acolhemos a ideia de que as TDIC
constituem um fator que atua sobre o processo de ASL, esperamos que as implicações
das TDIC no processo de ASL manifestem-se nas estratégias usadas pelos aprendizes, já
que ao utilizarem estratégias esses indivíduos se submetem às condições impostas pelo
contexto, ao mesmo tempo que empregam os recursos de que sua conjuntura dispõe.
Destarte, a resposta à questão que norteia esta pesquisa pode emergir das
narrativas de aprendizagem, artefatos plurais que registram uma multiplicidade de
ações, pensamentos, habilidades, escolhas, avanços e retrocessos e que, por essa razão,
constituem uma visão privilegiada do sistema ASL, a partir da perspectiva dos sujeitos
que vivenciam concretamente o processo de aprendizagem, os aprendizes. Assim,
esperamos que a análise desses artefatos nos possibilite uma visão do funcionamento do
sistema ASL e nos permita ver em que ponto o uso das tecnologias digitais se relaciona
com a autonomia dos aprendizes.
Em suma, os três capítulos teóricos desta pesquisa fornecem ao menos quatro
argumentos que nos fazem supor a relação entre as TDIC e a autonomia dos aprendizes.
O primeiro diz respeito à natureza complexa do processo de ASL, o qual se caracteriza
pela interação dinâmica e constante com os mais diversos agentes, entre os quais o
contexto de aprendizagem e os recursos tecnológicos de que esse contexto dispõe. O
segundo refere-se à natureza complexa das EA, as quais se constituem com base em
uma série de variáveis, sendo uma delas a variável contextual, de modo que, ao usar
estratégias, os aprendizes apropriam-se dos recursos tecnológicos disponíveis em seu
contexto.
113
O terceiro argumento, por sua vez, refere-se à natureza multidimensional da
autonomia, a qual se constitui numa perspectiva metacognitiva ou numa perspectiva
sociointeracional, dois planos que se relacionam respectivamente ao gerenciamento do
processo de aprendizagem e à interação por meio da língua alvo, dois processos
eminentemente ligados à utilização de estratégias. A quarta razão, por fim, estreitamente
relacionada às três primeiras, refere-se ao reconhecimento de que os usos das TDIC no
processo de aprendizagem de línguas representam um potencial no que concerne às
possibilidades de acesso amplo ao input linguístico e no que tange às possibilidades de
comunicação significativa, aspectos que se relacionam com diferentes dimensões das
EA, da autonomia e do processo de ASL como um todo.
Expostos esses três argumentos, passamos a descrever como se deu,
efetivamente, análise das narrativas de aprendizagem, as quais constituem, em última
instância, relatos idiossincráticos da atuação estratégica dos aprendizes e, por
conseguinte, proporcionam um ponto de vista privilegiado do processo de ASL. Nesse
sentido, apresentamos no próximo capítulo o percurso metodológico desta
investigação.
114 CAPÍTULO 4 ____________________________________________________________________ PERCURSO METODOLÓGICO
Qualquer conhecimento opera por seleção de dados significativos e rejeição de dados não significativos:
separa (distingue ou disjunta) e une (associa, identifica); hierarquiza (o principal, o secundário) e
centraliza (em função de noções-chaves)...
(MORIN, 2011, P.10)
A epígrafe que introduz este capítulo resume com bastante clareza as diretrizes
que soem nortear a realização de uma pesquisa científica, a qual opera
fundamentalmente a partir da definição de um objeto e da consequente seleção ou
proposição de categorias que orientem as escolhas do pesquisador. Nessa perspectiva,
cabe ao investigador ajustar coerentemente suas escolhas metodológicas ao objeto e à
perspectiva teórica à qual se alinha sua investigação. À luz desse entendimento,
apresentamos neste capítulo o percurso metodológico desta pesquisa, buscando expor:
seu alinhamento ao paradigma epistemológico da complexidade; sua natureza
qualitativa e exploratória; seu foco nas narrativas de aprendizagem e seus
procedimentos de análise dos dados.
4.1 Caracterização da pesquisa
Neste item, expomos as características gerais desta investigação, a começar pelo
seu alinhamento teórico-epistemológico ao paradigma da complexidade, abordagem a
partir da qual se justificaram as demais decisões. Foi, portanto, em função dessa escolha
que as demais foram validadas, de modo que a natureza qualitativa e exploratória deste
estudo garantiu-lhe a abertura e a flexibilidade no que concerne à análise dos dados que
lhe serviram de base. Do mesmo modo, a escolha das narrativas como universo da
pesquisa afiançou o acesso do pesquisador a informações de natureza plural e complexa.
4.1.1 Um novo paradigma para a linguística aplicada
Do ponto de vista epistemológico, esta pesquisa se inseriu, como dissemos, na
perspectiva do paradigma da complexidade (MORIN, 2011), a partir do qual
115 compreendemos que a pesquisa científica se dá inevitavelmente em uma fronteira
transdisciplinar. Dizemos que a nossa pesquisa pode ser considerada uma práxis
transdisciplinar porque ela abre-se à convergência de contribuições teóricas de outros
campos de estudos da linguagem, sobretudo da linguística, localizados para além das
tênues fronteiras da LA. Nesse sentido, nosso fazer acadêmico vai ao encontro da
perspectiva na qual a Linguística Aplicada se insere, particularmente a partir da década
de noventa do século XX, momento em que há uma significativa ampliação do raio de
interesse da LA, até então encastelada nos domínios do interesse pelos contextos
formais de ensino de línguas (MOITA-LOPES, 1996).
Nesse novo momento dos estudos em LA, o paradigma da complexidade se
mostra como uma alternativa produtiva que propõe um distanciamento do modelo
epistemológico cartesiano, pois enquanto esse modelo prima pela certeza indubitável,
pela simplificação e pela segmentação dos fenômenos observados, o paradigma da
complexidade coloca as possibilidades no horizonte da incerteza, da diversidade, da
relação e da complexidade. Esta concepção de ciência fica bem evidente nas palavras de
Morin (2011, p. 55), para quem “ninguém pode basear-se, hoje, na sua pretensão ao
conhecimento, numa evidência indubitável ou num saber definitivamente verificado.
Ninguém pode construir seu conhecimento sobre uma rocha de certeza”.
Segundo esse autor, o grande problema do modelo cartesiano é o reducionismo e
a fragmentação do saber. Para entender e ser num mundo globalizado, de culturas e
interesses tão díspares é necessário, segundo ele, religar as ciências biológicas, físicas e
humanas. Esse posicionamento aponta, portanto, para uma clara defesa de um método
científico que prime pela transdisciplinaridade.
Nossa opção pelo paradigma da complexidade deveu-se, portanto, à
compreensão de que para dar conta de um fenômeno tão complexo como o que
investigamos, a aprendizagem de segunda língua no contexto dos usos das tecnologias
digitais, seria necessário partir de uma concepção aberta de ciência, que levasse em
conta a natureza complexa dos fatos, a inseparabilidade dos fenômenos e a
heterogeneidade das causas. Nessa perspectiva, o alinhamento de nossa pesquisa a esse
paradigma conferiu ao menos duas implicações metodológicas importantes a esta
investigação: a primeira, de natureza epistemológica, refere-se ao estatuto da
Linguística Aplicada (LA), área, por essência, transdisciplinar, no qual se insere esta
116 investigação; a segunda, de natureza mais técnica, refere-se ao desenho metodológico
que afiançou viabilidade à nossa pesquisa.
Com relação à LA, cabe destacar a virada teórico-metodológica pela qual essa
área de pesquisa vem passando nas últimas décadas. Desde seu surgimento, na década
de cinquenta, até a década de noventa, a LA se constituiu a partir do interesse um tanto
pragmático e fragmentado pela sistematização do ensino de segunda língua. Nesse
intuito, bastante especializado e fruto da dicotomia teoria/aplicação, muitos aspectos do
processo de aprendizagem eram deixados de lado em nome do interesse pelo
aprofundamento e análise da relação professor-aluno-metodologias-material didático.
(LIMA, 2012)
Essa visão de ensino-aprendizagem como processo isolado, enclausurado em
contextos formais, passou a ser questionada e combatida a partir da década de noventa à
luz de uma concepção ampliada de ensino e de aprendizagem, que considerava a
relevância de fatores externos ao contexto formal de aprendizagem. Nessa nova
perspectiva, segundo Lima (2012), os estudos em LA passaram a dar maior ênfase a
aspectos tais como: políticas públicas para o ensino de línguas estrangeiras, cidadania,
significado político do aprendizado de línguas estrangeira, línguas estrangeiras na
perspectiva política e econômica, questões interculturais e diferenças culturais, mudança
social, línguas estrangeiras e os currículos escolares, consciência crítica entre outros.
Essa virada no campo da LA pode ser percebida em estudos como o de Richards
e Nunan (1990), voltado para a formação do professor de língua estrangeira, por meio
de abordagens que envolvem esses profissionais no desenvolvimento de teorias de
ensino, de modo a levá-los a compreender a natureza da tomada de decisões, e de
estratégias para uma autoconsciência crítica e a autoavaliação, ao invés de simplesmente
familiarizá-los com métodos e técnicas para uso em sala de aula.
Nossa investigação situou-se, portanto, nesse segundo momento da LA, pois
compreendemos que em uma investigação acerca do uso de EA no âmbito da ASL seria
fundamental que considerássemos os mais diversos fatores (sociais, cognitivos,
metacognitivos, culturais) envolvidos nesse processo. Assim, entendemos a LA nos
moldes do que aponta Moita-Lopes (1996, p. 22-23), para quem
117
a LA é entendida aqui como uma área de investigação aplicada, mediadora, interdisciplinar, centrada na resolução de problemas de uso da linguagem, que tem um foco na linguagem de natureza processual, que colabora com o avanço do conhecimento teórico..”.
Com relação à segunda implicação, de natureza mais técnica, o alinhamento
com o paradigma da complexidade nos permitiu superar a concepção de que a escolha
de um desenho metodológico inviabiliza o uso de outro. Acreditamos, com isso, haver
privilegiando o próprio objeto de pesquisa em detrimento de um desenho metodológico
único. Esta iniciativa nos assegurou compreender o fenômeno estudado de uma forma
mais ampla sem subjugá-lo a um único modelo de investigação. Nessa perspectiva, este
estudo se inseriu nos rol das pesquisas qualitativas de natureza exploratória.
Vale reiterar, no entanto, que nossa preocupação esteve para além dos rótulos
epistemológicos, pois o que nos interessou primeiramente foi avalizar que nossas
escolhas metodológicas nos permitissem extrair o máximo de evidências do fenômeno
que investigamos.
4.1.2 A pesquisa qualitativa
Nossa escolha pela abordagem qualitativa, como antecipamos há pouco, deveu-
se fundamentalmente ao nosso alinhamento ao paradigma epistemológico da
complexidade, o qual demandou uma abordagem metodológica que possibilitasse
considerar e interpretar os mais diversos fatores encontrados no decorrer da
investigação. Além disso, a própria natureza do corpus sobre o qual nos debruçamos,
composto de narrativas de aprendizagem, exigia necessária abertura interpretativa, em
função da natureza plural desses artefatos.
A pesquisa qualitativa surge no século XX como contraposição ao modelo
cartesiano de ciência, que pregava o apagamento da subjetividade do investigador em
nome de um suposto rigor metodológico, o que em última instância significava o
distanciamento entre o investigador e o fenômeno investigado. Esse modelo de ciência
não atendia aos interesses das ciências sociais, razão pela qual passou a ser duramente
criticado pelos estudiosos dessa área.
Bakhtin (2000), foi um dos teóricos que, com maior intensidade, questionou o
modelo cartesiano de ciência, pois ele discutiu a complexa relação entre o investigador e
o investigado na tarefa da pesquisa acadêmica e defendeu que a relação entre o sujeito
118 que investiga e o fenômeno investigado é inevitável. Essa tornou-se a principal premissa
das chamadas pesquisas qualitativas. Hoje, portanto, a pesquisa qualitativa ocupa um
lugar de destaque entre as várias possibilidades de estudar os fenômenos que envolvem
os seres humanos e suas complexas relações sociais nos mais variados contextos.
Entre as principais características que identificam hoje os chamados estudos
qualitativos destaca-se a consideração de que “um fenômeno pode ser melhor
compreendido no contexto em que ocorre e do qual é parte, devendo ser analisado em
uma perspectiva integrada” (GODOY, 1995, p.20). Isso implica que o pesquisador
“capta” o fenômeno investigado a partir da perspectiva dos sujeitos nele envolvidos
buscando considerar todos os aspectos relevantes encontrados no decorrer da
investigação. Para tal, o investigador deve reunir e analisar os mais variados tipos de
dados para entender a dinâmica do fenômeno.
A pesquisa qualitativa, pensamos, insere-se coerentemente na perspectiva teórico-
metodológica que orienta este estudo, o paradigma da complexidade, uma vez que
segundo Araújo & Oliveira (1997), esse tipo de pesquisa enfatiza mais o processo do
que o produto e tem a pretensão de retratar a perspectiva dos participantes por meio de
um plano de investigação aberto e flexível que busca enfocar a realidade de forma
complexa e contextualizada.
Com relação à postura do investigador em uma pesquisa qualitativa, Bogdan e
Biklen (1994) destacam que ele deve estar menos preocupado em confirmar hipóteses
preestabelecidas e mais atento aos dados particulares reunidos, para, a partir deles, fazer
abstrações. Ainda segundo esses autores, é preciso considerar o significado que o
fenômeno estudado tem para os sujeitos da pesquisa, o que exige do investigador uma
habilidade interpretativa, já que as evidências emergem da análise dos fenômenos
estudados.
Considerando que esta investigação teve como foco narrativas de aprendizagem
de SL, buscamos ficar atentos às evidências que emergiram desses dados. Essa
necessária abertura metododológica justifica-se pela própria natureza dos dados, pois as
narrativas são formas de um indivíduo organizar suas experiências e sua apreciação de
si mesmo, dos outros e do mundo onde vive, razão pela qual ao analisarmos as
narrativas procuramos observá-las para além das questões delineadas em nosso objeto
de pesquisa. Assim, buscamos encará-las com um olhar atento e aberto aos
119 direcionamentos que elas apontavam, pois, como veremos, elas acabaram pondo à
mostra aspectos relevantes que não haviam merecido atenção até a definição do objeto,
e que podem ser determinantes para a compreensão do fenômeno investigado.
4.1.3 A pesquisa exploratória
Tendo em vista os objetivos propostos para esta investigação e o corpus que
analisamos, o nosso estudo também se caracterizou como uma pesquisa exploratória,
uma vez que tínhamos o propósito de familiarizar-nos com uma temática ainda pouco
conhecida por nós. Assim, o estudo pormenorizado das narrativas de aprendizagem nos
proporcionou uma visão mais clara na natureza dinâmica e complexa do fenômeno que
nos propomos a investigar.
Como em qualquer pesquisa exploratória, este estudo exigiu bastante de nossa
intuição como explorador. Desse modo, analisando cuidadosamente os dados,
contrapondo-os, associando-os e agrupando-os, chegamos a evidências importantes, as
quais, coerentemente organizadas, serviram de base para a construção de hipóteses ao
final desta pesquisa. Outro aspecto nuclear desta pesquisa, relativa à sua natureza
exploratória, foi a exigência de um profundo estudo bibliográfico, uma vez que pouco
conhecíamos a respeito do objeto explorado, o que exigiu deste pesquisador uma leitura
prévia e atenta da literatura relativa ao fenômeno (GIL, 2008). Todos os aspectos
mencionados justificam a natureza exploratória deste estudo, o qual, como mostramos a
seguir, teve como base narrativas de aprendizagem.
4.1.4 A pesquisa com base em narrativas
O nosso alinhamento ao paradigma da complexidade postulou um instrumento
que possibilitasse o acesso a uma pluralidade de informações e de perspectivas do
processo de ASL que não fossem exclusivamente destinados à resolução das questões
inicialmente delineadas para esse estudo, o que garantiria abertura a uma ampla
variedade de fatores desse processo. À luz desse critério, optamos pela pesquisa com
base em narrativas de aprendizagem, as quais constituem relatos do processo de ASL a
partir da perspectiva idiossincrática dos sujeitos da aprendizagem.
A pesquisa com base em narrativas, de acordo com Bell (2002), baseia-se nos
pressupostos epistemológicos da produção de sentido por seres humanos a partir de
120 experiências aleatórias. Nesse procedimento de investigação o pesquisador seleciona os
elementos da experiência nos quais tem interesse e os categoriza de forma a refletir os
conceitos e as crenças subjacentes às narrativas. Essas narrativas, segundo Pavlenko
(2002), não são meras produções individuais, mas artefatos que sofrem interferência das
convenções sociais, culturais – raça, etnia, classe social, gênero, sexualidade – e
históricas, incluindo a interação com o leitor (real ou imaginário) e o propósito para o
qual a narrativa foi produzida.
Nessa mesma direção, Paiva (2007, p. 6), ao considerar as narrativas de
aprendizagem de línguas, compreende que esses artefatos
conferem significados a contextos de aprendizagem na perspectiva dos próprios aprendizes, pois são eles que explicam como aprendem ou aprenderam uma língua. Isso nos conduz a um grau de entendimento do fenômeno da aquisição que, possivelmente, não poderíamos perceber por meio de outra metodologia.
Dessa maneira, quando um aprendiz relata os fatos que vivenciou no processo de
aprendizagem, ele reconstrói sua trajetória dando-lhe novos significados, de modo que
sua narrativa, não sendo verdade literal dos fatos, constitui uma a representação que
deles faz o sujeito.
À luz dessa compreensão, entendemos que a análise das NA permitiu-nos
compreender a experiência de diferentes aprendizes e recolher informações sobre as
quais esses sujeitos nem sempre têm consciência (BELL, 2002, p. 209). Desse modo,
embora estejamos conscientes da impossibilidade de acesso direto aos processos
cognitivos ou metacognitivos de um aprendiz, reconhecemos que as NA analisadas por
nós retratam visões idiossincráticas do processo de aprendizagem, tendo possibilitado o
acesso a uma parte significativa dos aspectos relevantes desse processo. Entre esses
aspectos, destacamos os relatos de experiências relacionadas ao uso de uma pluralidade
de EA, as quais resultam de uma multiplicidade de fatores contextuais, instrucionais ou
interacionais.
Em suma, a pesquisa com base em narrativas de aprendizagem mostrou-se
bastante apropriada aos objetivos deste estudo, uma vez que ela nos permitiu penetrar o
universo idiossincrático dos aprendizes, particularmente no que tange ao auso de EA, e
compreender o processo de aprendizagem a partir da perspectiva dos sujeitos mais
diretamente nele envolvidos.
121 4.2 O universo da pesquisa
Neste item apresentamos o universo desta pesquisa, buscando delinear os
critérios de composição da amostra analisada, a partir do corpus de narrativas de
aprendizagem do projeto AMFALE/UFMG.
4.2.1 O banco de narrativas e a amostra
Constituiu o universo desta investigação dois grupos de narrativas extraídas do
banco de narrativas de aprendizagem43 (doravante NA) de línguas estrangeiras (LE) do
projeto AMFALE/UFMG coordenado pela Profa. Dra. Vera Menezes Paiva. Esse banco
reúne narrativas (ver figura 1) de aprendizagem de línguas estrangeiras (inglês, francês,
espanhol, alemão, italiano, português) a partir da contribuição de pesquisadores
brasileiros e internacionais interessados nos mais variados aspectos do processo de
aprendizagem de LE.
Figura 1 - A organização das narrativas na página do projeto AMFALE (www.veramenezes.com/amfale)
43 No Brasil, a principal referência de pesquisa em LA com base em narrativas de aprendizagem de línguas estrangeiras é o projeto AMFALE (aprendendo com memórias de falantes e aprendizes de língua estrangeira), da Faculdade de Letras da UFMG. O projeto reúne pesquisadores interessados em investigar aspectos diversos dos processos de aprendizagem e de formação de professor de línguas estrangeiras através de narrativas de aprendizagem. A coordenadora do projeto, Profa. Dra. Vera Menezes Paiva, além de pesquisa específica sobre autonomia, está empenhada em construir um modelo teórico de aprendizagem de língua estrangeira com suporte da teoria dos sistemas complexos, ou teoria do caos, e de um conjunto de teorias de aprendizagem/aquisição e de evidências empíricas em narrativas de aprendizagem. Pesquisadores da UFMG e de outras instituições, utilizando diferentes suportes teóricos, estão investigando diversos aspectos através do corpus que está sendo construindo com as narrativas (VER www.veramenezes.com/amfale).
122
A produção de NA para o projeto AMFALE obedece a determinadas exigências,
entre as quais a de que os aprendizes informem idade, sexo, tempo de estudo ou de
ensino, no caso de professores, conforme orienta o site do projeto (ver figura 2). A
mesma página eletrônica também oferece um formulário de autorização de uso das NA
para fins de pesquisas, conforme mostramos no anexo 3.
Figura 2- Página eletrônica do projeto AMFALE para o envio de narrativas
(www.veramenezes.com/amfale)
Para esta investigação, selecionamos, do mencionado banco de NA, uma
amostra de narrativas em português de aprendizes brasileiros de diferentes línguas
estrangeiras.44A decisão metodológica de estender a investigação a mais de uma língua
estrangeira, e não apenas a uma, deveu-se principalmente à natureza exploratória desta
pesquisa. Assim, essa escolha possibilitou que tivéssemos uma compreensão da
diversidade de EA usadas por aprendizes de diferentes línguas.
44 Todos os critérios de composição da amostra são apresentados mais à frente, neste mesmo capítulo.
123
Figura 3 – Sequência de narrativas de aprendizes de língua inglesa (www.veramenezes.com/amfale)
A seleção da amostra na totalidade de narrativas do banco deu-se em três etapas.
Na primeira, copiamos todas as narrativas em português dos aprendizes de língua
espanhola, de língua francesa e de língua inglesa (ver figura 3) do banco de narrativas
do projeto AMFALE, em um total de 199 narrativas, sendo 154 de aprendizes de inglês,
36 de aprendizes de espanhol e 9 de aprendizes de francês. Em seguida salvamos as
cento e noventa e nove (199) narrativas, separadas por língua aprendida, no editor de
texto word 2010. A escolha dessas três línguas deveu-se ao fato de que elas são as mais
estudadas como língua estrangeira atualmente no Brasil45. Essa primeira etapa
considerou o banco de narrativas disponível em 2 de maio de 2012.
A segunda etapa consistiu na busca de narrativas que fizessem referência, de
alguma maneira, às tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC). Para tal,
utilizamos a ferramenta de busca de palavras do editor de texto word utilizando as
seguintes palavras: internet, web, email, chat, games, blog, redes sociais, orkut,
45 Essa afirmação apoia-se em estudos de autores como Gil (2009) e Leffa (1999).
124 facebook, twitter, site, skype e ICQ. Com esse procedimento chegamos a 69 narrativas
que faziam menção a essas tecnologias, sendo quarenta e seis (46 ) de aprendizes de
língua inglesa, vinte e três (23) de aprendizes de língua espanhola e nenhuma de
aprendizes de língua francesa. Por essa razão passamos a considerar apenas narrativas
de aprendizes de língua inglesa e de língua espanhola.
A terceira etapa consistiu na leitura atenta das 69 narrativas com a finalidade de
encontrar aquelas que efetivamente narrassem experiências de uso efetivo dessas
tecnologias para o processo de aprendizagem ou de uso da língua alvo. Por esse critério
excluímos aquelas narrativas que faziam uma referência ampla e vaga a essas
tecnologias, sem mencionar o seu uso efetivo no processo de aprendizagem. Chegamos
a um total de 46 narrativas, 34 de aprendizes de língua inglesa e 12 de aprendizes de
língua espanhola. Dessas 46 narrativas escolhemos aleatoriamente 15 de aprendizes de
inglês e 5 aprendizes de língua espanhola, perfazendo um total de 20 NA. Essas 20
narrativas formam o que decidimos chamar de grupo de narrativas 1 ou GN1. Assim, o
perfil amplo dos vinte narradores do GN1 caracterizou-se pelo seguinte: aprendizes
brasileiros de com idade entre 16 e 29 anos e com tempo de aprendizagem entre 2 e 15
anos. As narrativas desse grupo foram produzidas entre 2004 e 2007 e todos os 20
narradores submeteram-se a processos de instrução formal.
A quarta e última etapa de seleção da amostra consistiu na composição do grupo
de narrativas 2, ou GN2, as quais foram escolhidas no universo das cento e trinta (130)
NA excluídas na primeira etapa de seleção da amostra. Nesta etapa de seleção,
consideramos o perfil amplo dos narradores do GN1, ou seja, foram separadas do
universo de 130 NA aquelas escritas por: aprendizes brasileiros de língua espanhola ou
de língua inglesa, com idade entre 16 e 29 anos e com tempo de aprendizagem entre 2 e
15 anos e produzidas entre 2004 e 2007 por aprendentes que se submeteram durante
algum período a processos de instrução formal. Dos 130 narradores, 89 (68%) deles
apresentavam esse perfil. Desse total foram escolhidas aleatoriamente vinte narrativas,
sendo 15 de aprendizes de língua inglesa e 5 de aprendizes de língua espanhola.
Assim, portanto, a amostra que serviu a esta pesquisa está constituída de dois
grupos de narrativas: o grupo de narrativas 1 (GN1), de narradores que mencionam os
usos dessas tecnologias no processo de ASL; e o grupo de narrativas 2 (GN2), de
narradores que não mencionam as tecnologias digitais. Essa separação das NA em 2
125 grupos resultou da observação de que a maior parte das NA não fazia nenhuma
referência às tecnologias digitais, de modo que essa distinção se insinuou na própria
constituição do corpus de NA do projeto AMFALE. Desse modo, com os critérios e
procedimentos até aqui expostos, queremos deixar claro que na composição da amostra
não escolhemos narrativas com base em algum tipo de estratégia de aprendizagem. Vale
destacar ainda, que todas as quarenta narrativas foram produzidas e reunidas entre 2004
e 2007.
Cada uma das quarenta (40) NA que compõem a amostra, recebeu uma
identificação própria, a qual faz referência às seguintes informações: grupo de narrativa
a que pertence (GN2 ou GN1), o número da narrativa dentro do grupo (N), o sexo do
narrador (M ou F) e a língua que o narrador aprende (ING ou ESP). Assim, a
identificação GN1 N07F ING refere-se à narrativa de número sete (7) do grupo de
narrativas 1 (GN1) de um narrador do sexo feminino (F), aprendiz de língua inglesa
(ING). Assim, considerando que preferimos omitir os nomes dos aprendizes das
narrativas analisadas, a identificação acima exposta serviu para referir-nos às narrativas
durante todas as etapas de análise.
4.3. Procedimentos de análise
A análise dos dados se deu em cinco etapas, cada uma das quais buscou
contemplar aspectos previstos nas questões e nos objetivos propostos na introdução
desta pesquisa. Assim, tivemos cinco etapas de análise: caracterização dos narradores;
caracterização da ASL como um sistema complexo; descrição da atuação estratégica
dos aprendizes; análise da emergência de estratégias; analise da emergência de
autonomia.
4.3.1. Para caracterização dos narradores
A primeira etapa de análise constou de uma caracterização ampla dos quarenta
(40) narradores, na qual reunimos as seguintes informações: idade, sexo, tempo de
aprendizagem da língua, escolaridade, profissão, local (instituição) de aprendizagem da
língua, vivência em países falantes da língua alvo e oportunidades de uso da língua
alvo.
Essas informações foram reunidas em três quadros, os quais buscaram contrapor
esses dados com o objetivo de identificar tendências gerais relativas aos narradores e
126 aos seus históricos de aprendizagem. Essa caracterização revelou importantes
implicações dos fatores acima mencionados (idade, sexo, tempo de aprendizagem da
língua, etc.) no uso de EA pelos aprendizes e para o sistema ASL como um todo.
4.3.2. Para caracterização da ASL como uma SAC
A segunda etapa da análise consistiu na identificação das características da ASL
como um SAC a partir das evidências extraídas das narrativas dos dois GN. Para tal, nos
baseamos nas sete características apresentadas no capítulo 1 desta pesquisa:
adaptabilidade, dinamicidade, não-linearidade, auto-organização, emergência, sujeição a
atratores e organização aninhada. Nesse sentido, cada uma das características foi
ilustrada com exemplos retirados das NA.
O objetivo dessa etapa foi fornecer subsídios para as etapas subsequentes,
sobretudo no que concerne à natureza complexa do processo de ASL. Assim, as
análises realizadas nessa etapa forneceram importantes contribuições à compreensão da
atuação estratégica dos aprendizes e da autonomia.
4.3.3.Para caracterização do uso de EA
A terceira etapa de análise consistiu numa caracterização ampla das EA usadas
pelos aprendizes. Nessa etapa, buscamos considerar, sobretudo, as diferentes dimensões
das EA. Desse modo, procuramos observar tendências a partir de uma visão ampla do
uso de estratégias, quer na totalidade da amostra, quer em cada um dos dois grupos de
narrativas (GN2 e GN1). Assim, pudemos estabelecer parâmetros de comparação entre
os diferentes GN.
Para a caracterização da atuação estratégica dos aprendizes nos dois grupos de
narrativas (GN) tomamos como base dois aspectos: as dimensões das EA, apresentadas
no capítulo 3; e a tipologia de Oxford (1990), juntamente com as sessenta e duas (62)
EA previstas em seu IEALE. A opção pela classificação desta autora, deveu-se, como já
dissemos, ao fato dela haver proposto um inventário de EA, e não apenas tipos, o que
nos ajudou na descrição pormenorizada das estratégias narradas pelos aprendizes. Cabe
ressaltar, entretanto, que os dois aspectos que serviram de base para esta etapa de
análise aparecem correlacionados, conforme mostramos no quadro 6 do capítulo 3, e
como resumimos no quadro a seguir.
127 Quadro 14 – Correlação entre tipologia/inventário de Oxford (1990) e dimensões das
EA
Dimensão Cognitiva
Dimensão
Metacognitiva
Dimensão
sociointeracional
Natureza das EA relacionadas a cada
dimensão
Estratégias de
natureza cognitiva (ENCg)
Estratégias de natureza metacognitiva (ENMg)
Estratégias de natureza
sociointeracional (ENSt)
Perfil das EA
relacionada a cada dimensão
Estratégias de manejo do input
linguístico
Estratégias de gerenciamento do processo de aprendizagem
Estratégias de interação, cooperação e negociação
de sentido
Tipologia de
Oxford (1990)
Estratégias diretas: De memória (EMm)
Cognitiva(ECg) De compensação
(ECp)
Estratégias indiretas: Metacognitivas(EMg)
Afetivas (EAf)
Estratégias indiretas:
Sociais (ESc)
Assim, ao correlacionarmos os dois aspectos, apresentamos a caracterização da
atuação estratégica dos aprendizes em três etapas. Na primeira apresentamos a dimensão
cognitiva das EA, descrevendo o uso de estratégias de natureza cognitiva (ENCg), que
correspondem às estratégias cognitivas (ECg), às estratégias de memória (EMm) e às
estratégias de compensação (ECp) de Oxford (1990). Na segunda etapa, apresentamos a
dimensão metacognitiva, expondo o uso de estratégias de natureza metacognitiva
(ENMg), representadas pelas estratégias metacognitivas (EMg) e pelas estratégias
afetivas (EAf) da tipologia de Oxford (1990). Na terceira etapa, por fim, tratamos da
dimensão sociointeracional, mediante a descrição do uso de estratégias de natureza
sociointeracional (ENSt), representadas pelas estratégias sociais (ESc) da proposta de
Oxford(1990). A apresentação desses dados deu-se conforme o quadro abaixo.
Quadro 15: Modelo de apresentação da ocorrência de EA nos GN
Dimensão
EA
No de
ocorrências
%
Tipo de
Estratégia (Oxford,1990)
No de
Ocorrências
%
Cognitiva
ENCg
EMm
Ecg
Ecp
128
Metacognitiva
ENMg
EMg
Eaf
Sociointeracional ENSc ESc
TOTAIS 100% 100%
Os resultados desta etapa apontaram para importantes tendências, quer
quantitativas, quer qualitativas, referentes à ao uso de EA na totalidade da amostra, as
quais serviram de base para a etapa seguinte em que buscamos verificar a emergência de
EA no âmbito dos usos das TDIC.
4.3.4. Para a análise da emergência de estratégias
A quarta etapa de análise, em que buscamos identificar a emergência de EA no
âmbito dos usos das TDIC, consistiu em dois momentos: no primeiro buscamos indícios
qualitativos de que as tecnologias digitais constituem um fator de perturbação no
sistema ASL; no segundo, analisamos o uso de EA pelos aprendizes, considerando
apenas as narrativas do GN1. Esse segundo momento foi dividido em duas etapas: na
primeira consideramos todas as estratégias usadas no GN1; na segunda, por sua vez,
isolamos apenas os usos das TDIC, para que assim considerássemos apenas as EA
usadas mediante os usos dessas tecnologias.
Os dados quantitativos desta segunda etapa de análise foram apresentados
conforme mostramos no quadro 15, na terceira etapa de análise. Todos os resultados
quantitativos desta etapa foram comparados com os da etapa anterior para que
tivéssemos indícios quantitativos da emergência de estratégias. Essa etapa apontou
importantes evidências, tanto qualitativas como quantitativas, da emergência de
estratégias no âmbito dos usos das tecnologias digitais.
4.3.5. Para a análise da emergência de autonomia
Por fim, a quinta etapa de análise tocou diretamente a segunda questão desta
pesquisa ao voltar-se para a relação entre as EA emergentes e o a autonomia dos
aprendizes. Particularmente nos interessou relacionar as EA emergentes com as
diferentes dimensões da autonomia. Desse modo, os dados apresentados nas quatro
129 etapas anteriores foram fundamentais para esta etapa, uma vez que a emergência de
autonomia relaciona-se com a natureza complexa do SAC ASL e da atuação estratégica
dos aprendizes.
Em suma, o paradigma epistemológico da complexidade, materializado em uma
pesquisa qualitativa, mostrou-se extremamente produtivo no estudo sobre ASL,
particularmente por permitir ao pesquisador entrever as conexões sistemáticas e
interdependentes entre os inúmeros fatores envolvidos nesse processo, além de
possibilitar uma abertura interpretativa condizente com a complexidade de fenômenos
como a aprendizagem, as EA e a autonomia.
130 CAPÍTULO 5 _______________________________________________________________________ RESULTADOS E DISCUSSÕES
A complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações,
retroações, determinações e acasos que constituem nosso mundo fenomênico.
(MORIN, 2011, p.13).
Este capítulo é antecedido por uma epígrafe que sintetiza com bastante nitidez o
modo como a complexidade se manifesta nos fenômenos, isto é, no tecido dos
acontecimentos, das relações e dos acasos, de modo que para compreendermos um
fenômeno, à luz da complexidade, devemos considerar as relações internas e externas
que se estabelecem em sua tessitura. É este, precisamente, o objetivo deste capítulo, no
qual apresentamos os dados quantitativos e qualitativos obtidos a partir da análise das
narrativas de aprendizagem. Nesse sentido, reiteramos a impotância de
compreendermos os resultados sempre no horizonte da incerteza, uma vez que eles
131 emergem irremediavelmente de recortes e relações impetrados pelo pesquisador, o qual
opera inevitavelmente por seleção e rejeição de dados, pela separação, associação,
identificação, hierarquização e centralização dos dados, como nos alertava Morin (2011)
na epígrafe do capítulo 4.
Nesse sentido, este capítulo está dividido em cinco seções, as quais têm como
referência os objetivos e questões propostos na introdução desta pesquisa. Em função
disso, na primeira seção (5.1) apresentamos uma caracterização dos narradores das
quarenta narrativas que constituem a amostra analisada, com especial atenção para
aspectos como idade, sexo, tempo de aprendizagem da língua, escolaridade, profissão,
vivência em países falantes da língua alvo e oportunidades de uso da língua alvo. Na
seção 5.2 apresentamos, com base nas narrativas de aprendizagem, oito importantes
características da ASL como um sistema adaptativo complexo. Na terceira seção (5.3)
tratamos do uso de EA pelos aprendizes buscando enfatizar a pluralidade dos fatores
que atuam sobre esse processo e procurando sublinhar a complexidade das estratégias
utilizadas no processo de aprendizagem, assim, identificamos atratores do SAC ASL
relacionados à utilização de EA dos aprendizes. Na seção 5.4 analisamos as
implicações dos usos das TDIC no uso de EA pelos aprendizes dando especial atenção à
emergência de estratégias decorrentes dos usos dessas tecnologias. Na quinta seção
(5.5), por fim, relacionamos a emergência de estratégias às dimensões da autonomia
buscando identificar a emergência de autonomia no âmbito dos usos das TDIC na ASL.
5.1. Caracterização dos narradores
No sistema ASL os aprendizes constituem seguramente um dos agentes com
papel mais decisivo nos rumos do processo de aprendizagem, pois sua capacidade de
driblar estrategicamente os obstáculos que se interpõem no seu percurso é crucial para
que efetivamente ocorra a aprendizagem. Assim, investigar o processo de ASL a partir
da perspectiva de quem aprende constitui, a nosso ver, uma prática promissora na área
da LA, o que justifica, em certa medida, a relevância de pesquisas com base em
narrativas de aprendizagem.
Essas narrativas, conforme expusemos no capítulo quatro, são artefatos sociais
que conferem significados a contextos de aprendizagem na perspectiva dos próprios
aprendizes, pois estes, ao narrarem o modo como aprendem ou aprenderam uma língua,
132 reconstroem suas trajetórias dando-lhes novos significados e, assim, proporcionando ao
pesquisador um ângulo privilegiado do fenômeno da aprendizagem.
Contudo, além dos aspectos levantados pelos aprendizes ao narrarem suas
trajetórias de aprendizagem, consideramos que são pertinentes para esta investigação
alguns outros fatores, os quais nem sempre aparecem nas narrativas, mas que podem
contribuir para a compreensão tanto das próprias trajetórias de aprendizagem quanto do
sistema ASL como um todo. Referimo-nos a fatores tais como: idade, sexo, tempo de
aprendizagem da língua, escolaridade, profissão, vivência em países falantes da língua
alvo e oportunidades de uso da língua alvo. Esses aspectos não podem ser desprezados
uma vez que ao interagirem com outros fatores podem apresentar, em maior ou menor
escala, implicações no uso de EA pelos aprendizes, podendo, portanto, ter implicações
no processo de ASL.
Quadro 16: Caracterização geral dos narradores GN1 GN2
Sexo Idade Tempo de aprendizagem
Sexo Idade Tempo de aprendizagem
M F M F
N01 X 19 10 anos N01 X 28 7 anos N02 X 22 11 anos N02 X 22 5 anos N03 X 17 2 anos N03 X 24 2 anos N04 X 16 3 anos N04 X 20 2 anos N05 X 18 5 anos N05 X 23 2 anos N06 X 20 5 anos N06 X 17 7 anos N07 X 29 2 anos N07 X 22 5 anos N08 X 22 10 anos N08 X 22 7 anos N09 X 20 5 anos N09 X 21 10 anos N10 X 17 8 Anos N10 X 26 7 anos N11 X 20 5 anos N11 X 26 4 anos N12 X 25 12 anos N12 X 23 7 anos N13 X 23 8 anos N13 X 26 13 anos N14 X 19 10 anos N14 X 21 11 anos N15 X 17 4 anos N15 X 29 11 anos N16 X 21 6 anos N16 X 21 3 anos N17 X 21 4 anos N17 X 23 2 anos N18 X 23 3 anos N18 X 21 4 anos N19 X 24 6 anos N19 X 29 5 anos N20 X 20 2 anos N20 X 22 2 anos
Total Média de
idade
Média Total Média de
idade M F
5 15 20,5 6,05 4 16 23,3 5,75 25% 75% 20% 80%
133
A faixa etária dos aprendizes que produziram as narrativas que compõem a
amostra sobre a qual nos debruçamos situa-se entre dezesseis e vinte e nove anos46 de
idade, sendo que a maioria dos quarenta narradores (60%) tem idade entre dezoito e
vinte e três anos, idade em que no Brasil, geralmente, os jovens cursam uma faculdade.
As mulheres constituem maioria absoluta na totalidade de narrativas analisadas, elas são
77,5% do total de narradores. Quanto ao tempo de aprendizagem dos narradores há uma
grande variação já que há aprendizes com treze anos de aprendizagem e outros com 2
anos, embora a maioria (55%) tenha entre três e cinco anos de aprendizagem, conforme
mostra o quadro 16.
Ao relacionarmos os três dados considerados no quadro 16 nos deparamos com
três tendências relevantes para esta pesquisa. A primeira diz respeito ao fato de que o
agente sexo não marcou diferenças significativas entre os aprendizes no que concerne
ao uso das TDIC no processo de aprendizagem de SL. Nesse aspecto as mulheres
representam a maioria dos aprendizes, tanto no GN2, grupo em que elas representam
80%, quanto no GN1, em que elas representam 75%. Essa predominância feminina
entre os aprendizes de segunda língua pode ser interpretada de duas formas: como um
reflexo das próprias características da população brasileira47, em que as mulheres são
maioria; e pelo fato de que grande parte dos narradores são alunos de cursos de letras,
área das ciências humanas em que as mulheres tradicionalmente predominam48.
A segunda tendência apontada pelo quadro 16 refere-se ao fato de que os
narradores do GN1 são mais jovens que os do GN2. Essa diferença pode ser observada
tanto na média de idade dos dois grupos de narradores (20,5 anos no GN1 e 23,3 anos
no GN2) como no maior número de aprendizes com idade mais baixa no GN1. Assim,
enquanto no GN1 metade dos vinte narradores tem até vinte anos de idade, no GN2 esse
número não passa de cinco. Essa diferença mostra-se relevante se considerarmos que a
faixa de idade dos narradores é a mesma nos dois grupos (de 16 a 29 anos).
46 No capítulo 4 explicamos detalhadamente a seleção das narrativas para composição amostra. Lá também explicamos como o critério idade dos narradores foi considerado para a seleção das narrativas do GN2. 47 Segundo a PNAD (Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio), realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) realizada em 2011 o Brasil tem mais mulheres do que homens. De uma população de 195,2 milhões de habitantes, 100,5 milhões – ou 51,5% - são mulheres e 94,7 milhões são homens – 48,5% do total. 48 Não encontramos estatísticas oficiais que deem conta da predominância feminina nos cursos de Letras. Em função disso nos baseamos em nossa experiência como egresso e atual professor desse curso.
134
Em função disso parece razoável relacionar o maior uso das TDIC no processo
de ASL ao fator idade, de modo que aprendizes mais jovens tendem a usar mais
frequentemente as TDIC para aprender uma SL. A esse respeito, cabe destacar o
posicionamento de autores como Joly, Silva e Almeida (2012) para quem o uso das
TDIC tem relação direta com o fator idade. Em função disso, parece-nos admissível
acreditar que a geração com menos de vinte anos, por ter crescido em contato as TDIC,
apresenta potencialmente maior familiaridade com essas tecnologias.
Um terceiro aspecto que merece destaque é a relação entre a idade dos
aprendizes e o seu tempo de aprendizagem da língua, pois, embora os narradores do 2
apresentem menor média de idade, o tempo médio de aprendizagem desses indivíduos é
maior. Essa constatação pode justificar-se pelo fato de que usuários com maior tempo
de aprendizagem da língua, e, teoricamente, como maior nível de proficiência na língua
alvo, tendem a utilizar mais frequentemente as TDIC como instrumento de interação
com usuários mais proficientes da língua. Não há, no entanto, outros indícios que
corroborem esta hipótese.
No que tange à escolaridade e à atuação profissional dos narradores, dezoito
deles (45%) são acadêmicos de Letras, oito (20%) são acadêmicos de outro cursos
(biblioteconomia, Química, Matemática, Engenharia civil, Relações internacionais e
Direito), cinco (12,5%) são estudantes do ensino médio, quatro (10%) são professores
de inglês, três (7,5%) não informam a escolaridade nem a profissão. Nos dados
levantados, chama a atenção o fato de que os cinco narradores estudantes do ensino
médio pertencem ao GN1, ou seja, são todos aprendizes que mencionam o uso das
TDIC no processo de aprendizagem, o que reforça a tese, já levantada há pouco, de que
aprendizes mais jovens tendem a usar mais essas tecnologias no processo de ASL.
Ainda a esse respeito, cabe ressaltar que entre os vinte narradores que fazem uso
das TDIC há maior diversidade no que tange à formação, em comparação com o GN2:
são sete acadêmicos de Letras, cinco estudantes do ensino médio, um acadêmico de
matemática, um de Biblioteconomia, um de Engenharia civil, um de Relações
internacionais e Direito e quatro universitários que não informam o curso. Esse perfil
diverso mostra que o uso das TDIC no processo de ASL não se restringe a um grupo
específico de aprendizes de uma mesma área de formação, profissão, idade ou sexo, e
135 que, portanto, a aprendizagem de SL mediada por tecnologias digitais é um processo
que se espraia por uma diversidade de contextos de aprendizagem.
Quadro 17 – Formação e profissão dos narradores
GN1 GN2
Formação/profissão Formação/profissão N01 Universitário (não informa o Curso) N01 Acadêmica de Letras N02 Acadêmico de letras N02 Acadêmica de biblioteconomia N03 Estudante do ensino médio N03 Acadêmica de artes cênicas N04 Estudante do ensino médio N04 Acadêmica da letras N05 Estudante do ensino médio N05 Acadêmica de química N06 Acadêmico de Letras N06 Acadêmico de Letras N07 Acadêmico de matemática N07 Acadêmica da Letras N08 Acadêmico de letras N08 Acadêmica de Letras N09 Acadêmico de letras N09 Acadêmica de Letras N10 Estudante do ensino médio N10 Acadêmica de Letras N11 Acadêmica de biblioteconomia N11 Acadêmica de Letras N12 Universitário (não informa curso) N12 Professora de inglês N13 Acadêmico de Engenharia civil N13 Professora de inglês N14 Universitário (não informa o curso) N14 Acadêmica de letras N15 Estudante do ensino médio N15 Professora de inglês com mestrado N16 Acadêmica de Letras N16 Acadêmico de Relações internacionais N17 Não informa N17 Acadêmico de Letras N18 Acadêmica de letras N18 Acadêmica de Letras N19 Acadêmica de Letras N19 Não informa N20 Acadêmica de Relações internacionais e de
Direito N20 Não informa
Com relação ao contexto formal de aprendizagem da língua alvo, boa parte dos
aprendizes menciona mais de um local de aprendizagem. Nesse sentido, prevalece a
aprendizagem em centros de línguas, citada por 62, 5% (sessenta e dois virgula cinco
por cento) dos narradores, seguida pela aprendizagem na universidade, aludida por 45%
(quarenta e cinco por cento) dos aprendizes, e pela aprendizagem no ensino regular
(fundamental ou médio), mencionada por 42,5% (quarenta e dois vírgula cinco por
cento). É válido observar ainda que o local de aprendizagem menos citado nas
narrativas é a escola de educação básica, não obstante a língua estrangeira moderna seja
obrigatória no currículo da educação básica no Brasil. Desse modo, podemos supor que
todos os narradores vivenciaram o processo de ensino de uma LE na escola regular,
embora menos da metade deles faça referência a essas experiências. Esse dado pode ter
sua explicação no fato de que historicamente o ensino de línguas nas escolas regulares
136 se dá, em muitas ocasiões, de forma precária, como é possível perceber na narrativa do
exemplo 01.
EXEMPLO 0149 GN2 N10M ING A língua estrangeira que estudo é o inglês. São muitos anos de estudos, que começaram nas escolas públicas com a velha prática do verbo TO BE, passando para exercícios que eu não compreendia muito bem e completando com as listas de verbos e vocabulário que tínhamos que decorar. E assim foi pela 5º, 6º, 7º e 8º séries. Uma repetição geral de tudo. Para mim aquilo em nada representava uma aula de inglês. Nada me fazia acreditar que eu estava aprendendo inglês. Os resultados eram muitos lentos e eu tinha pressa em aprender. Quando percebi o quanto ainda faltava para conseguir a falar fluentemente e que os métodos escolares eram ineficientes resolvi entrar em uma escola particular.
O exemplo 01 evidencia um aspecto levantado em boa parte das narrativas, as
quais fazem referência ao fato de que ensino de língua estrangeira praticado na escola
regular, no nível fundamental ou médio, volta-se prioritariamente para aspectos formais
da língua, mediante a prática mecânica de formas. Nesse sentido, o exemplo acima
apresenta as experiências de um aprendiz, de vinte e seis anos de idade e sete anos de
aprendizagem de inglês, em diferentes contextos instrucionais. Primeiro, no ensino
regular, o aprendiz narra experiências que considera negativas com o ensino baseado na
“velha prática do verbo TO BE” e na memorização de listas de verbos e de vocabulário.
Nessa primeira experiência há uma clara tendência do aprendiz a considerar que a
escola regular não se caracteriza como um local de aprendizagem de língua inglesa, o
que o leva ingressar em um curso específico de idioma. Assim como no exemplo 01, em
muitas das narrativas analisadas encontramos indícios de que o contexto formal de
aprendizagem traz importantes implicações para o uso de EA pelos aprendizes. Desse
modo, compreendemos que conhecer o tipo de instituição em que os narradores
aprendem ou aprenderam a língua pode contribuir para a compreensão de fatores
relacionados à sua atuação estratégica.
Outro fator relevante a ser considerado na caracterização dos narradores é o fato
de que, por aprenderem a língua alvo em contexto exolíngue, as estratégias sociais
49 Os exemplos constituem trechos das narrativas, as quais são identificadas pelas seguintes referências (ver anexos desta Tese): GN2 ou GN1, referentes aos dois grupos de narrativas que constituem a amostra analisada, seguidos de N + um número de 1 a 20, referente ao número da narrativa do referido grupo de narrativas, e da letra “F” (de feminino) ou “M” (de masculino) e, por fim, a abreviação ING ou ESP, referente à língua alvo do aprendiz. Desse modo, GN1 N15M ING refere-se a grupo de narrativas 1, narrativa de número 15 escrita por um aprendiz de língua inglesa do sexo masculino.
137 utilizadas por eles devem, a princípio, buscar suprir a escassez de possibilidades de
interação na língua alvo. Por essa razão, apresentamos no quadro 18, além dos contextos
formais, as possibilidades de interação verbal apresentadas pelos narradores. Esse dado
nos permitirá relacionar eventualmente as estratégias sociointeracionais utilizadas pelos
aprendizes às oportunidades de interação que ele vivencia.
Quadro 18 – Local de aprendizagem e contato com usuários da língua alvo
GN1 GN2
Onde aprende (u)
Contato com falantes da língua alvo
Onde aprende (u) Contato com falantes da língua alvo
N01 Escola, MSN N01 Escola e Curso livre ------------ N02 Curso livre Internet N02 Curso livre Recebeu estrangeiros N03 ------------- Internet N03 Escola e
Universidade ---------------
N04 -------------- Internet N04 Curso livre -------------- N05 Curso livre Internet, ICQ N05 Curso livre -------------- N06 Escola, curso e
Universidade Bate-papos na internet N06 Escola e
Universidade ----------------
N07 Curso livre Bate-papos, ICQ N07 Curso livre e Universidade
---------------
N08 Escola e curso livre
Por e-mails e bate papo N08 Escola/ curso livre Contatos esporádicos com estrangeiros
N09 Escola, Universidade
Bate-papos, ICQ, Contatos esporádicos com estrangeiros
N09 Curso livre e Universidade
-------------------
N10 Curso livre ------------------- N10 Escola, Curso livre e Universidade
------------------
N11 Curso livre E-mails e cartas N11 Escola e Universidade
----------------
N12 Escola e curso livre
------------------- N12 Escola e curso livre ------------------
N13 Escola, E-mails N13 Curso livre e Universidade
----------------
N14 Curso livre, Universidade
-------------- N14 Escola e Universidade
----------------
N15 Escola, ---------------- N15 Escola, curso livre e Universidade
-----------------
N16 Curso livre, universidade
Chat
N16 Curso livre Viajou para a Espanha
N17 Escola -------------------- N17 Curso livre e Universidade
------------------
N18 Universidade, curso livre
E-mail, chat N18 Curso livre, Universidade
Contatos esporádicos com estrangeiros
N19 Universidade Chat N19 Cursos livres Contatos esporádicos com estrangeiros
N20 Curso livre --------------- N20 Universidade ------------------------
138
O quadro 18 mostra que, de fato, os narradores têm consciência da escassez de
possibilidades de interação significativa na língua alvo, de modo que no GN2 apenas
25% dos aprendizes afirma ter possibilidades de interagir com usuários da língua alvo,
seja mediante viagens ao exterior, recepção de estrangeiros ou contato com estrangeiros
no Brasil. No GN1, no entanto, esse índice alcança 65%, já que para os narradores do
GN1 as TDIC representam a possibilidade de contato com falantes nativos da língua
alvo ou com usuários mais proficientes dessa língua.
Em suma, as características aqui levantadas a respeito do perfil dos narradores
são relevantes a esta investigação, de modo que elas serão oportunamente retomadas por
ocasião do efetivo exercício de análise das narrativas, desse modo, elas favorecerão uma
melhor compreensão do uso de EA pelos aprendizes e do funcionamento do processo de
ASL como um SAC, questão da qual nos ocupamos a seguir, quando apresentamos,
com base na amostra analisada, as principais características da ASL como um sistema
adaptativo complexo (SAC).
5.2. O funcionamento do SAC ASL sob a perspectiva dos aprendizes
O panorama das abordagens teóricas sobre ASL, apresentado no capítulo 2,
evidenciou a negligência daquelas propostas no que tange ao reconhecimento do
protagonismo dos aprendizes. Nesse sentido, ao pautarmos nossas análises nas
narrativas de aprendizagem desses sujeitos, buscamos reconhecer o lugar desses
indivíduos no processo de aprendizagem, pois, ao exporem sua atuação estratégica, os
aprendentes desvelam a complexidade do processo de ASL, a qual se manifesta na
interação entre os inúmeros agentes que interagem dinamicamente nesse processo.
Portanto, para captarmos a natureza complexa do processo de aprendizagem, o
ponto de vista dos aprendizes constitui um ângulo privilegiado a partir do qual
percebemos mais claramente as características do sistema, tais como a abertura, a
dinamicidade, a auto-organização, a não-linearidade, a adaptabilidade, a emergência, a
estrutura aninhada e a sujeição a atratores. Cabe ressaltar, no entanto, que embora os
exemplos que ilustram as características a seguir sejam referentes à atuação dos
aprendizes, estes constituem apenas um dos agentes do sistema, e que, portanto, a
ênfase nesse agente deve-se às características das narrativas.
139
A abertura do SAC a fatores como contexto social, cultural, e tecnológico, às
características de cada aprendiz, às rotinas instrucionais implementadas pelos
professores e pelas instituições é uma dos aspectos que mais facilmente identificamos
nas narrativas. Cada um desses fatores interfere, em maior ou menor escala, no processo
de aprendizagem, de modo que a compreensão do processo de ASL deve considerar sua
abertura e sua natureza aninhada a outros fatores que, por sua vez, constituem outros
sistemas também complexos.
No que tange à abertura ao contexto e às condições em que se dá a
aprendizagem, as NA apontam para inúmeros flancos aos quais o processo de
aprendizagem se abre, cada um deles interferindo em maior ou menor escala no
funcionamento do sistema, é o que acontece, por exemplo, na abertura da ASL ao
processo de instrução, que interfere das mais diversas formas, seja por meio da figura do
professor, da metodologia, dos materiais ou dos colegas, como podemos observar nos
exemplos a seguir.
EXEMPLO 02
GN2 N15F ING
Primeiro, uma professora, claro, acredito que todos tenhamos tido um professor que fez a diferença em nossa vida. No meu caso, no meio do caminho havia uma professora de inglês. Cláudia. Ela era muito jovem, 16 anos e acabara de chegar dos Estados Unidos.
Nos exemplos 02, 03 e 04 a abertura da ASL ao processo de instrução
manifesta-se na figura do professor, o qual pode constituir um agente que atua de forma
positiva, como nos exemplos 02 e 03, ou negativa, como mostra o exemplo 04, no
percurso dos aprendizes. Desse modo, por ser o professor o agente que interage mais
diretamente com o aprendiz no âmbito da instrução, os aprendizes tendem a atribuir a
ele a maior responsabilidade pelo êxito ou pelo fracasso de aprendizagem.
EXEMPLO 03
GN 1 – N17F ESP ...eu tive uma professora no segundo grau, e ela era espanhola e ela tinha uma pronúncia toda especial e eu sempre gostei...”
140
Sem compreender plenamente a complexidade dos fatores envolvidos no
processo de aprendizagem, os aprendizes tendem a concebê-lo de forma simplificada,
atribuindo a um único agente, o professor, a responsabilidade pelo seu fracasso e pelo
seu êxito. Assim, os aprendizes deixam de considerar importantes agentes, como sua
motivação, seus propósitos, sua atuação estratégica. Essa visão reducionista dos
aprendizes, no entanto, vai além, pois ao atribuírem unicamente ao docente a
responsabilidade eles atribuem a atuação docente a aspectos particulares, tais como: ao
fato da professora ter chegado há pouco tempo dos Estados Unidos (exemplo 02), ao
fato da professora ser espanhola e ter uma bela pronuncia (exemplo 03) ou o fato do
professor seguir rigorosamente as orientações do livro didático.
EXEMPLO 04
GN2 N11F ING ...não acredito que minha história de aprendizagem seja muito diferente da maioria dos estudantes que passam por um período mecânico, acompanhados de professores que apenas fazem o que está no livro sem nenhuma criatividade, provocando uma sucessão de fracassos...
É relevante observar que, ao atribuírem ao docente o êxito do processo de
aprendizagem, os aprendizes mencionam desse mesmo docente, aspectos que poderiam
ser mencionados como fatores de fracasso, é o que vemos no exemplo 1, em que a
professora tem apenas dezesseis anos, o que para muitos alunos poderia constituir um
fator de fracasso para o processo de aprendizagem já que se poderia se supor a pouca
experiência da docente. O mesmo pode ser dito da professora do exemplo 03, que,
sendo falante nativa da língua alvo do aprendiz, poderia ser taxada como
desconhecedora das dificuldades dos aprendizes brasileiros, ou ainda como alguém que,
embora usuário da língua, não tenha a formação pedagógica adequada para ensiná-la em
contextos formais de aprendizagem, fatores que também poderiam ser interpretados
pelos aprendizes como causadores de fracasso do processo de aprendizagem.
Do mesmo modo, o professor do exemplo 04, o qual é avaliado negativamente
por seguir rigorosamente o material didático, poderia ser visto positivamente por alunos
que o considerariam organizado e sistemático, dois fatores geralmente avaliados
positivamente forma positiva. Ao mesmo professor, poder-se-ia elogiar por não
dispersar-se dos objetivos propostos pelos materiais instrucionais. Essa constatação
aponta para a natureza não linear da aprendizagem uma vez que a um mesmo fator do
141 processo instrucional pode ser atribuído o sucesso ou o fracasso da aprendizagem para
diferentes aprendizes.
Essa abertura do processo de ASL às rotinas instrucionais pode ser observada
também na interferência dos procedimentos metodológicos adotados pela instituição ou
pelo professor, os quais são constantemente referidos pelos aprendizes como relevantes
e, por vezes, cruciais, como mostram os exemplos que seguem:
EXEMPLO 05
GN2 N9F ING Passei pro ensino médio e tive uma experiência muito ruim, os métodos eram tão antiquados, a professora mandava fazer etiquetas no canto de cada página com seu nome e número pra poder checar. Era muito antiquado, e mandava a gente decorar listas de verbos. Então eu pensei que eu deveria estudar sozinho pra poder aprender.
EXEMPLO 06
GN 2 N16F ESP Então, nesse curso, as aulas eram muito boas, a professora nativa, então ela falava o tempo inteiro, desde a primeira aula, em espanhol com a gente. Evitava traduzir, usava a estratégia de explicar no idioma o que a gente queria saber.
Os exemplos 05 e 06 evidenciam as implicações dos aspectos metodológicos no
processo de aprendizagem, os quais são avaliados positivamente pelo narrador, como
mostra o exemplo 05, ou negativamente, como evidencia o exemplo 06. Assim, embora
geralmente falte aos aprendizes clareza no que concerne à compreensão da concepção
de língua e de ensino subjacentes aos procedimentos metodológicos adotados pelos
professores, é comum atribuir a este o fracasso e o êxito no processo de aprendizagem.
Embora incipiente, essa visão dos aprendizes reflete a estreita relação entre o processo
de ASL e as rotinas instrucionais implementadas nas aulas de SL.
Em suma, a abertura do sistema ASL às rotinas de instrução apresenta reflexos
na atuação estratégica dos aprendizes, de modo que, uma grande parcela das EA usadas
tem relação direta com o processo formal de aprendizagem, em que os indivíduos têm
ou tiveram experiências com determinadas estratégias e as avaliam como positivas,
como no caso da estratégia de comunicar-se sempre na língua alvo (exemplo 06), ou
negativas, como no caso da memorização de listas de verbos (exemplo 05).
142
Outro indício da abertura do SAC ASL é a interação entre esse sistema e as
afinidades pessoais dos narradores, um fator que tem relação direta com a motivação e
com os propósitos dos aprendizes ao buscarem aprender uma SL, aspectos que marcam
as condições iniciais do processo de aprendizagem e que apresentam reflexos no
decorrer de todo o processo de aprendizagem. A presença constante desse aspecto nas
narrativas sinaliza para a estreita relação entre aprendizagem e aspectos como a
motivação inicial dos indivíduos, seus interesses pessoais e seus gostos por atividades
aparentemente alheias ao processo de aprendizagem, tais como jogar videogames,
gostar de ouvir rock ou gostar de cinema. Os exemplos que seguem apontam para essa
interação.
EXEMPLO 07
GN2 N04F ING E o gosto também pelo rock, pela música. Isso tudo me fez ter essa vontade de aprender a língua e ter um contato mais profundo, traduzia letras de música.
O exemplo 07 mostra bem a relação entre as afinidades dos aprendizes e o
processo de aprendizagem. O gosto pelo rock levou a aprendiz de língua inglesa, de
vinte anos de idade e com dois anos de aprendizagem, a interessar-se mais fortemente
pela língua alvo. Esse processo deve-se ao fato de que a motivação no âmbito da ASL
relaciona-se, sobretudo, com questões que extrapolam o objeto de aprendizagem
propriamente dito, a língua, e se expande em direção a aspectos relacionados, por
exemplo, a particularidades culturais de comunidades falantes da língua alvo, como as
manifestações musicais.
EXEMPLO 08
CÓDIGO: GN1 - N10F ING ...pesquiso sobre música (meu hobbie) na internet tiro letras de músicas de ouvido.
Vale destacar ainda, que o gosto pela música conduz à utilização de estratégias
cognitivas como a tradução, conforme mostra o exemplo 07, a prática espontânea de
leitura e compreensão auditiva, como mostra o exemplo 08, ou a prática formal de sons,
como mostra o exemplo 09. O uso dessas estratégias mostra a abertura do processo de
uso de EA às afinidades dos aprendizes. Além do gosto pela música, afinidades como
143 jogar videogames e gostar de cinema aparecem como elementos motivadores no
processo de desenvolvimento de habilidades como compreensão escrita, no caso dos
videogames, e compreensão auditiva, no caso dos filmes.
EXEMPLO 09
CÓDIGO: GN1 – N09M ING
Como eu já era fã de bandas tipo Oásis, Pearl Jam eu comecei a estudar letras dessas músicas, das musicas das bandas. Eu comecei a ouvir e pegar a letra. Já pegava a letra pronta, estudava a letra, traduzia a letra. Depois eu comecei a prestar atenção pra ver se eu conseguia pegar algum som, pra conhecer sons. Eu ouvia um som assim na letra eu pensava que era uma palavra.
As constatações acima reforçam a defesa de que a identificação com aspectos
culturais das comunidades falantes da língua alvo constitui variável importante para o
funcionamento do SAC ASL (GARDNER E LAMBERT,1972). Não por acaso, a
maioria das narrativas analisadas relata afinidades culturais como mecanismos
desencadeadores de motivação inicial para a aprendizagem da língua. Entretanto, faz-se
necessário reconhecer que a relação entre a aprendizagem e a motivação deve ser
compreendida como interação dinâmica entre dois sistemas que podem retroalimentar-
se, de modo que quanto maior o conhecimento sobre a língua, maiores podem ser as
afinidades com relação a aspectos da cultura daquela língua e vice-versa.
Outro indício da abertura do sistema ASL é a sua relação com o contexto
tecnológico. Nesse caso, não nos referimos especificamente ao contexto das tecnologias
digitais, mas aos mais diversos recursos tecnológicos disponíveis em diferentes épocas e
lugares. Esses recursos permitem aos aprendizes, por exemplo, o manejo do input ou o
treino de habilidades como compreensão auditiva, produção escrita, produção oral e
compreensão escrita. Desse modo, as tecnologias disponíveis em diferentes épocas e
lugares interferem na utilização de EA, como bem mostram os exemplos 10, 11 e 12.
EXEMPLO 10
GN2 N02F ING Pego palavras que não sei e olho no dicionário, pego fita de cursos de livros para ficar ouvindo quando não tenho nada pra fazer.
144
Ouvir fitas de áudio e pesquisar em dicionários, como mostra o exemplo 10, são
exemplos do uso de distintas tecnologias para diferentes propósitos no processo de
ASL. No caso do dicionário, trata-se de uma tecnologia desenvolvida não
especificamente para a aprendizagem, mas que serve frequentemente como apoio ao
aprendiz nas mais diversas situações de aprendizagem ou de uso da língua alvo. No
caso das fitas de áudio, temos uma tecnologia que, embora não tenha sido desenvolvida
para o ensino e a aprendizagem de línguas estrangeiras, foi de tal forma incorporada a
esses processos que passou a integrar os materiais didáticos produzidos por editoras,
como instrumentos cuidadosamente preparados para o desenvolvimento de habilidades
linguísticas, em especial a compreensão auditiva.
Outra importante tecnologia que foi paulatinamente incorporada ao processo de
aprendizagem de línguas foi o vídeo, como mostra o exemplo 11, em que a aprendiz,
para praticar a habilidade de produção auditiva, veda as legendas para não ler a
transcrição das falas dos personagens dos filmes. O exemplo constitui um indício
evidente do processo de incorporação de tecnologias do cotidiano ao processo de ASL,
além de evidenciar as implicações dessas tecnologias na utilização de EA pelos
aprendizes, os quais, conscientes da importância do acesso ao input audiovisual
autêntico50, privilegiam aspectos comunicativos da língua, sem necessariamente aterem-
se às estruturas gramaticais.
EXEMPLO 11
GN2 N07F ING
...assistia filmes em inglês e colocava fita isolante na legenda para praticar a habilidade de 'listening'
O vídeo, segundo Jensen e Vinther (1983), exige do aprendiz de língua
estrangeira esforço para inferir por si mesmo não apenas o significado literal de
sentenças, mas sobretudo o valor pragmático dos enunciados em sua interdependência
funcional. Assim, assistir a um vídeo em LE demanda um significativo esforço
cognitivo para processar o que se vê e se ouve, e o exemplo acima mostra um aprendiz
que se submete arduamente a esse esforço, ao abrir mão do input escrito para focar no
input audiovisual.
50 Referimo-nos à autenticidade de origem, conforme expõe Van Lier (1991).
145
Nas últimas duas décadas, com o surgimento e a popularização das tecnologias
digitais, a internet vem emergindo como uma tecnologia com implicações significativas
no modo de aprender uma segunda língua, o que se faz ver, por exemplo, no uso dessa
tecnologia nos processos de interação entre aprendizes de línguas estrangeiras e falantes
nativos da língua alvo, como mostra o exemplo a seguir.
EXEMPLO 12
GN1 N16F ESP E com isso, meu objetivo foi procurar nativos, pra conseguir falar espanhol, e comecei a treinar então com pessoas da internet e procurar gente pra conversar, conheci muitos amigos na internet, pedia que eles me corrigissem também... E essa interação é exatamente o que me motivava e o que me motiva até hoje, que é fascinante você poder, você sentir que você consegue se comunicar com pessoas de outros países.
O exemplo acima ratifica a tese de que o contexto tecnológico traz implicações
significativas à atuação estratégica dos aprendizes. Na narrativa do exemplo 12, o
aprendiz, mediante o uso da internet, utiliza estratégias de sociointeração baseadas na
cooperação e na negociação de significados em sua língua alvo, o espanhol. Esse uso só
foi possível pelo fato de o atual estágio de desenvolvimento das TDIC possibilitar
interação significativa a usuários aprendizes de SL em contexto exolíngue.
Desse modo, a abertura do processo de aprendizagem às tecnologias
disponíveis no contexto mostra a capacidade do sistema de desenvolver-se a partir das
possibilidades de seu meio, de modo a ajustar-se ao seu ambiente. Assim, o processo de
ASL tende a apoderar-se, por exemplo, de tecnologias que se desenvolveram à margem
do processo de aprendizagem, ao qual são incorporadas tornando-se, posteriormente
ferramentas comuns nas rotinas instrucionais, como é o caso da fita de áudio, da fita de
vídeo e da própria internet.
Em suma, a abertura da ASL a agentes como o processo de instrução, as
afinidades dos aprendizes e as tecnologias disponíveis em seu contexto permite que esse
sistema troque informações com o seu meio em um processo de constante adaptação ao
seu contexto, sem, no entanto, perder sua relativa estabilidade, como nos dizem Larsen-
Freeman e Cameron (2008), de modo que essa permanente abertura dos SAC remete a
duas outras características desses sistemas: a adaptabilidade e a auto-organização, as
quais passamos a elucidar e a exemplificar a seguir.
146
A adaptabilidade, como expusemos no capítulo 1, alude à competência que os
sistemas têm de amoldarem-se espontaneamente a diferentes conjunturas. Sobre essa
qualidade, Paiva (2005b) verifica, por exemplo, que os aprendizes tendem a adaptar-se
ao seu contexto de aprendizagem buscando alargar suas oportunidades de aprendizagem
e de uso da língua-alvo. Essa tendência fica evidente em diversas narrativas analisadas,
nas quais percebemos a adaptação tanto do sistema como um todo, quando, por
exemplo, o sistema incorpora tecnologias do cotidiano (exemplos 10,11 e 12), quanto
no caso de agentes individuais do sistema, a exemplo do que ocorre quando aprendizes
se adaptam a uma metodologia ou procuram outras formas de aprender fugindo das
circunstâncias que a conjuntura lhes impõe, como mostram os exemplos que seguem.
EXEMPLO 13
GN1 – N09M ING
a professora mandava fazer etiquetas no canto de cada página com seu nome e número pra poder checar. Era muito antiquado, e mandava a gente decorar listas de verbos. Então eu pensei que eu deveria estudar sozinho pra poder aprender. Já me interessava quando eu era menor quando eu entrei e tive uma experiência dessas eu pensei 'vou ter de estudar sozinho pra eu aprender'. Aí eu comecei. Como eu já era fã de bandas tipo Oásis, Pearl Jam eu comecei a estudar letras dessas músicas, das musicas das bandas. Eu comecei a ouvir e pegar a letra.
Os exemplos 13, 14 e 15 narram evidentes episódios de adaptação de aprendizes
à sua conjuntura. Nesse caso, vale ressaltar que adaptar-se não se trata apenas de aceitar
passivamente as circunstâncias que se apresentam, mas, na maioria dos casos, de
romper com determinadas conjunturas para viabilizar o processo de aprendizagem. O
narrador do exemplo 13, um jovem acadêmico de letras de vinte anos de idade e que
estuda inglês desde os quinze anos, constitui um exemplo claro de rompimento com
rotinas instrucionais que ele considera “antiquadas” e de busca de um outro caminho
para seguir aprendendo. Ao sentir-se frustrado com uma determinada rotina
instrucional, o jovem rompe com as circunstancias que, segundo ele, o impedem de
aprender e recorre a outros meios, a partir de suas afinidades com bandas de música que
cantam em inglês.
Esse processo de ruptura em favor da aprendizagem aparece como uma
constante nas narrativas analisadas. Assim, no exemplo 14, presenciamos a ruptura
decorrente de uma mudança no processo instrucional devido à saída de um professor e
entrada de outro. Em um primeiro, momento percebemos um estado de aparente
147 equilíbrio do processo de aprendizagem, em que a aprendiz está plenamente adaptada ao
modo de atuar de uma determinada docente. Em um segundo momento, o estado de
equilíbrio é perturbado pela mudança de professor. Diante da perturbação no processo
de aprendizagem a narradora rompe com o processo instrucional e inaugura um novo
momento de sua trajetória, no qual ela recorre às suas afinidades pessoais relacionadas à
música para seguir aprendendo.
EXEMPLO 14
GN2 N15F ING Logo, Cláudia voltou aos Estados Unidos, um professor chato ocupou seu lugar na sala de aula e eu parei de “falar” inglês. Daí, me ocorreu uma idéia genial, colecionar letras de música em inglês.
Nas narrativas 13 e 14, acima, é possível identificar claramente o momento em
que ocorre o rompimento e a adaptação dos aprendizes ao seu meio. No primeiro
exemplo, o narrador expõe claramente sua decisão, “vou ter de estudar sozinho pra eu
aprender”, e passa a pautar sua aprendizagem em práticas individuais baseadas em suas
afinidades. No segundo exemplo, a narradora apresenta seu rompimento ao afirmar
“Daí, me ocorreu uma ideia genial, colecionar letras de música em inglês” e prossegue o
seu percurso de aprendizagem sem abandonar o processo. Nos dois exemplos, o
processo de aprendizagem resistiu às perturbações impostas pelas circunstâncias do
meio, de modo que os dois aprendizes, ao produzirem as narrativas, acumulam um
longo período de aprendizagem, quinze e onze anos, respectivamente.
A ruptura, no entanto, não é o único meio de adaptação dos aprendizes ao meio.
Diferentemente do que constatamos nos exemplos acima, o exemplo 15 mostra a
acomodação de um aprendiz a uma determinada rotina instrucional.
EXEMPLO 15 GN2 N10M ING
No curso particular os métodos eram parcialmente diferentes, trabalhávamos com um programa de computador que detinha todas as tarefas do período. Os métodos de ensino eram livros, fitas cassetes, exercícios e provas. Foi muito difícil para eu me adaptar, pois o meu nível de inglês era baixo. Para aprender as estruturas básicas do inglês comecei a ler livros de fácil assimilação. Comecei a criar frases com os auxiliares e preposições. Os tempos verbais também foram uma grande dificuldade no estudo do inglês.
148
No exemplo 15 flagramos um processo de adaptação do aprendiz a uma nova
rotina instrucional, a qual ele avalia como positiva, embora reconheça que teve
dificuldade, já que o seu conhecimento da língua estava aquém do que exigia o novo
“método”. Nesse sentido, vale ressaltar que, diante da mudança, o aprendiz optou pela
aceitação das novas circunstâncias, de modo que para adaptar-se as novas condições de
aprendizagem ele atuou de forma autônoma para ajustar-se ao processo, buscando
recursos que o possibilitassem acompanhar as novas rotinas instrucionais.
Esses diferentes posicionamentos dos aprendizes diante de situações de
perturbação no processo de aprendizagem demonstram a capacidade do sistema de
adaptar-se ao meio para continuar existindo. Assim, as rupturas não implicam a ruína do
processo de aprendizagem, mas uma auto-organização do SAC, o qual se reestrutura
com base nas condições impostas pelo meio. Portanto, a adaptabilidade dialoga com
uma outra importante propriedade dos sistemas complexos, que diz respeito à
capacidade desses sistemas de se auto-organizarem constantemente.
Uma evidência da auto-organização do SAC ASL é a tendência desse sistema a
alastra-se para além dos processos instrucionais e atingir diferentes âmbitos de
atividades dos indivíduos, como mostram os exemplos a seguir.
EXEMPLO 16 GN2 N19M ESP Estou sempre praticando, sempre praticando... às vezes falando sozinho, ou as vezes ouvindo o idioma original de uma novela por exemplo, mexicana, ou de uma novela espanhola, de um filme estrangeiro mas que tenha o áudio em espanhol.... e sempre falando
O exemplo 16 constitui uma demonstração de que, mesmo submetida à instrução
formal, a aprendizagem de uma SL tende a ultrapassar os limites e as limitações do
processo formal de aprendizagem em contexto exolíngue, para estabelecer-se nos mais
diversos âmbitos da vida dos aprendizes. No caso do narrador do exemplo 16, um
jovem aprendiz de língua espanhola de vinte e nove anos e com cinco anos de
aprendizagem dessa língua em cursos livres, expande sua aprendizagem às diversas
situações que vivencia, seja falando sozinho, assistindo a uma novela mexicana em
áudio original ou acionando o idioma espanhol ao assistir a um filme original de outra
língua.
149
Processo semelhante ocorre com o aprendiz do exemplo 17, o qual estende seu
processo de aprendizagem a atividades do cotidiano como acessar o e-mail ou sites, ler
rótulos de produtos, ler adesivos nas janelas de ônibus. Todas essas tarefas,
aparentemente alheias ao processo de aprendizagem, são incorporadas a esse processo,
em um claro esforço de compensar a escassez de input no contexto do aprendiz.
EXEMPLO 17
GN 1 – N18F ESP Na internet que eu consultava eu observava antes se podiam ser lidas em outros idiomas e os mudava para o espanhol, até mesmo meu e-mail, que até hoje é do "yahoo" da Espanha. Tentava traduzir até as embalagens de produtos que normalmente vem em português e espanhol, e também adesivos nas janelas dos ônibus.
A auto-organização, como antecipamos no capítulo 1, refere-se à capacidade dos
sistemas de criarem novas estruturas mediante as interações de seus agentes entre si, do
sistema como um todo com seus agentes e do sistema com outros sistemas. Um
exemplo patente da auto-organização do sistema ASL é a sua tendência a extrapolar os
limites das rotinas instrucionais do processo formal de aprendizagem em contexto
exolíngue para alastrar-se pelas diversas esferas de atuação dos aprendizes, como
mostraram os exemplos acima. Desse modo, embora não haja, ao menos aparentemente,
nenhuma lei natural ou exigência formal que determine, por exemplo, que os aprendizes
de SL em contexto exolíngue busquem suprir a carência de usos significativos da língua
alvo, essa busca é recorrente, como revelam os exemplos mencionados.
Vale destacar ainda, que em nenhum dos exemplos mencionados acima os
narradores fazem referência a um imperativo que os coaja a buscar situações de uso para
além das rotinas instrucionais mediante a utilização de estratégias de compensação, no
entanto parece ser fora dessas rotinas que a aprendizagem ganha significado e se
concretiza de fato para eles. Em todos os exemplos mencionados, o processo de
aprendizagem realiza um movimento para fora dos contextos formais de instrução e se
estende por atividades do cotidiano aparentemente alheias ao processo de
aprendizagem, de modo a que não se possa mais, a não ser didaticamente, identificar os
limites entre a aprendizagem da língua e seu uso efetivo.
Em estreita relação com o processo de auto-organização dos SAC está o
processo de emergência, o qual, como vimos no capítulo 1, diz respeito ao surgimento
150 de novas propriedades no sistema, as quais derivam das interações entre os seus
diversos agentes. No caso da ASL, as narrativas de aprendizagem analisadas neste
estudo revelam que interação entre o processo de aprendizagem de SL e os usos das
TDIC promovem a emergência de propriedades relacionadas ao uso de EA pelos
aprendizes, como mostramos ao final deste capítulo.
A emergência e a auto-organização são duas características que resultam da
natureza dinâmica dos SAC e constituem propriedades centrais desses sistemas. Essa
dinamicidade, como vimos no capítulo 1, decorre da interação entre os variados agentes
que o constituem um SAC. No caso do sistema ASL, temos agentes tais como: a
instrução, a motivação, as EA utilizadas, a autonomia, as tecnologias, entre outros. É em
função das constantes interações entre esses agentes que a ASL se constitui. Desse
modo, no caso da aprendizagem de uma língua, não há como prever os resultados do
processo de aprendizagem, uma vez que ela ocorre de modo diferente para cada
aprendiz, em diferentes contextos e em diferentes épocas.
Essa dinamicidade do processo de ASL fica evidente, por exemplo, na utilização
de estratégias pelos aprendizes, já que diante de uma situação específica, como por
exemplo deparar-se com uma palavra que não conhece, um aprendiz pode acionar
diferentes estratégias como mostram os exemplos a seguir.
EXEMPLO 18 GN1 – N12M ING
Eu sempre procuro entender o significado de expressões e palavras que não conheço através do contexto, evito ao máximo o uso de dicionário. Acho que isso ajuda.
EXEMPLO 19 GN2 N08M ING
O primeiro instrumento usado por mim neste processo foi o dicionário. Eu adorava e ainda adoro matar as minhas curiosidades nele.
EXEMPLO 20 GN1 – N01F ING
...e quando surgem dúvidas de vocabulário sempre procuro no dicionário, aqueles inglês/inglês.
Ao deparar-se com palavras desconhecidas, os diferentes narradores usam
estratégias distintas. Enquanto no exemplo 18 o narrador procura entender o significado
das palavras através do contexto, utilizando a estratégia de inferência, o aprendiz do
151 exemplo 19 recorre diretamente ao dicionário, utilizando estratégia de tradução
interlinguística. Há ainda a possibilidade de recorrer aos significados do termo na
própria língua alvo, recorrendo à tradução intralinguística, é o que faz o narrador do
exemplo 20. Essas diferentes escolhas se justificam com base em uma série de fatores
que interagem aleatoriamente na utilização de EA. Entre tais fatores podem estar por
exemplo: diferentes estilos de aprendizagem; diferentes níveis de conhecimento da
língua, o que implicaria que quanto mais conhecimento do vocabulário da língua, menor
a necessidade de recorrer a um dicionário; a natureza dos textos com o qual lida o
aprendiz, assim, enunciados curtos oferecem menos possibilidades de inferência; o
treinamento do aprendiz no uso de terminadas estratégias, de modo que o aprendiz que
foi ensinado a recorrer ao dicionário terá mais probabilidade de fazê-lo ao encontrar
uma palavra desconhecida.
Assim, em função da interação dinâmica e aleatória entre esses diversos fatores
torna-se difícil prever a atuação do aprendiz diante de determinada situação. É desse
modo que podemos falar de uma não linearidade dos eventos no processo de ASL, pois
a interação aleatória faz com que os resultados sejam imprevisíveis, de modo que a
relação entre uma dificuldade e a utilização de uma estratégia para resolvê-la, para citar
um exemplo, não é linear ou predeterminada, já que os indivíduos usarão as EA que
acharem convenientes, adequadas, acessíveis ou aquelas para as quais foram treinadas
para utilizar, de acordo com a circunstância específica em que eles se encontram. Nesse
sentido, como bem lembra Paiva (2005b), os caminhos de aprendizagem percorridos
pelos indivíduos nunca são idênticos, ainda que os estímulos ou os contextos de
aprendizagem sejam parecidos.
A imprevisibilidade do comportamento de um sistema, no entanto, não deve ser
compreendida com uma absoluta indeterminação, como nos alertou Fleischer (2011) ao
lembrar que, embora resulte de interações aleatórias de uma variedade de agentes, os
sistemas convergem para um conjunto de atratores, os quais constituem estados que os
SAC tendem a assumir. A análise das NA apontam para alguns atratores do sistema
ASL, um deles diz respeito ao fato de que esse SAC tende a evoluir rumo à integração
comunicativa dos aprendizes, como mostram os exemplos a seguir.
152 EXEMPLO 21
GN1 – N03F ING
Quando comecei a querer aprender inglês procurei, primeiramente, livros de ensino elementar, que davam coordenadas básicas para o aprendizado da língua, e a medida que ia aprendendo evoluía o nível dos livros. Assim que consegui me comunicar em inglês integralmente, passei para a prática: leio revistas, periódicos e jornais de outros países da língua inglesa pela internet, mantenho amizades com pessoas de diversos países.
EXEMPLO 22
GN1 N13M ING
O recente advento da internet levou-me à leitura constante, e aprimoramento. Realizei diversos negócios via internet através de troca de e-mails e consegui ser compreendido, o que já me satisfaz de certa forma. Julgo que até hoje estou aprendendo e percebo que devo seguir um passo à frente, com algum tipo de curso, autônomo ou não, para conseguir falar e escrever fluentemente.
EXEMPLO 23
GN1 – N16F ESP
...eu tinha uma certa facilidade pra pegar gramática e falava bastante nas aulas, aproveitava o tempo das aulas pra estar em contato, pra usar o idioma, falava com o espelho, pensava “como deve-se falar isso em espanhol?” E com isso, meu objetivo foi procurar nativos, pra conseguir falar espanhol, e comecei a treinar então com pessoas da internet e procurar gente pra conversar...
Os exemplos acima desenham uma clara tendência a conceber a aprendizagem
como um processo permanente de integração comunicativa que culmina com processos
significativos de comunicação, quase sempre associados à interação com usuários da
língua, especialmente falantes nativos. Essa interação por meio da língua alvo fora das
rotinas instrucionais emerge, na perspectiva dos aprendizes, como horizonte a ser
alcançado por esses sujeitos. Assim, no exemplo 21 a integração parece ter sua
culminância provisória no momento em que o narrador interage com falantes nativos da
língua alvo e com eles estabelece laços de amizade. Antes, no entanto, o aprendiz expõe
o percurso evolutivo de sua aprendizagem.
Processo semelhante ocorre no exemplo 22, em que o percurso de aprendizagem
do narrador, que ele denomina “aprimoramento”, culmina com a interação com falantes
nativos pela internet, esse momento de culminância é o que, segundo o narrador, o
satisfaz. No exemplo 23, a narrativa expõe de forma ainda mais clara o processo de
integração comunicativa do aprendiz, que vai do conhecimento da “gramática”,
153 passando por interações no contexto formal de aprendizagem, e posteriormente para a
conversa diante do espelho, para finalmente culminar com a interação com falantes
nativos na internet.
O fato de conseguir comunicar-se, utilizando estratégias de cooperação e de
negociação de sentido, é o que parece dar sentido à trajetória da aprendizagem desde a
perspectiva dos narradores. Entretanto, ao assumirmos que a busca pela integração
comunicativa é um atrator do sistema ASL não estamos dizendo que todos os
aprendizes têm essa integração como meta explícita, mas que a aprendizagem efetiva da
língua tende a evoluir em direção a essa meta, razão pela qual o sistema tende a auto-
organizar-se visando a permitir que a aprendizagem culmine com a interação.
Desta forma, as narrativas ratificam a tese de que o SAC ASL apresenta um
conjunto de atratores, os quais devem ser compreendidos com comportamentos
habituais dos sistemas, estados que estatisticamente os sistemas tendem a assumir. Esses
comportamentos habituais, no entanto, não devem ser confundidos com
comportamentos previsíveis, uma vez que eles dependem da interação de uma de uma
série de fatores. Nesse sentido, devemos considerar possibilidades de que o sistema
apresente comportamentos estranhos (atratores estranhos) em decorrência de uma
determinada interação entre seus agentes ou com outros sistemas.
Um exemplo de comportamento que constitui um atrator estranho no sistema
ASL é a possibilidade de que um aprendiz se interesse em desenvolver apenas uma
determinada habilidade linguística, como a compreensão escrita, por exemplo. Isso pode
ocorrer em ocasiões em um indivíduo queira satisfazer a uma exigência particular, como
realização de uma prova que exija apenas essa habilidade. Nesse caso, o aprendiz
interessa-se exclusivamente pela leitura sem pretensões de utilizar a língua alvo para
interagir em situações para além de seus objetivos específicos. Consequentemente ele
utilizará estratégias exclusivamente voltadas para esse fim. Esse, no entanto, não
constitui o comportamento esperado do SAC ASL, razão pela qual se pode dizer que a
aprendizagem que privilegia exclusivamente um determinado tipo de conhecimento
constitui um atrator estranho do sistema ASL.
Dessa maneira, as narrativas analisadas apontam para a natureza complexa da
ASL revelando as propriedades desse sistema e apontando os diversos agentes que
interagem em seu funcionamento. Os exemplos apresentados permitem uma visão mais
154 clara da complexidade constitutiva do processo de aprendizagem de SL a partir da
perspectiva dos próprios aprendizes, cujas narrativas revelam desse sistema: sua
abertura ao contexto e às condições por ele impostas e sua natureza aninhada a outros
sistemas que com ele interagem; sua adaptação às circunstâncias que a conjuntura lhe
impõe; sua auto-organização autônoma; a emergência de propriedades decorrentes da
interação de seus agentes e de sua interação com outros sistemas; a sua natureza
dinâmica e não-linear resultante da interação aleatória de seus agentes; a sua sujeição a
atratores, sendo estes os comportamentos estatisticamente esperados embora não
previsíveis.
Desse modo, o estudo da ASL com base em NA evidencia a necessidade que a
aprendizagem seja compreendida sob a ótica da complexidade. De modo que as teorias
de aprendizagem/aquisição descritas no capítulo 2 não são suficientes, isoladamente,
para compreender a multiplicidade dos agentes que interagem no processo de ASL.
Todas aquelas abordagens teóricas representam esforços para explicar subsistemas (o
ambiente, a interação, o aprendiz, o input, a cultura, entre outros) de um mesmo sistema
e, portanto, não devem ser descartadas, mas aliadas, de forma a promoverem uma visão
global do processo de ASL.
Como vemos, um dos agentes do SAC ASL notadamente rico em complexidade
é o processo de uso de EA, o qual se abre ao contexto de aprendizagem e permite a
influência dos mais diversos aspectos envolvidos na aprendizagem de uma SL. Por essa
razão, faz-se necessário analisar o uso de EA à luz da complexidade, a fim de
compreendermos as suas diferentes dimensões, a sua atuação no contexto dos usos das
tecnologias digitais e a sua relação com as diferentes dimensões da autonomia. É dessa
tarefa que nos ocupamos na próxima seção deste capítulo.
5.3. O uso de estratégias de aprendizagem
A atuação estratégica dos aprendizes, como vimos no capítulo 3, constitui o
conjunto de ações, pensamentos e habilidades usadas por esses indivíduos para
aprenderem e para usarem a língua alvo. Essa ataução, como expusemos no citado
capítulo, é um fenômeno complexo que apresenta diferentes dimensões, as quais se
diferenciam com base nos propósitos dos aprendentes diante da língua alvo. Nesse
sentido, diferenciamos três dimensões das EA: a cognitiva, relativa ao manejo do input
linguístico mediante processos de armazenamento, transformação e organização das
informações; a metacognitiva, referente ao gerenciamento do processo de
155 aprendizagem, por meio dos processos de planejamento, controle e avaliação; e a
sociointeracional, referente aos usos efetivos da língua alvo em processos significativos
de interação, cooperação e negociação de sentido.
Assim, considerando a primeira parte do objetivo específico 1 desta
investigação, o qual consiste em descrever as estratégias de aprendizagem (EA) de
segunda língua (SL), nesta seção apresentamos um quadro geral do processo de uso de
estratégias na amostra analisada, identificando atratores, que podem revelar-se na
predominância quantitativa de determinadas estratégias. Também buscamos
compreender a natureza complexa do processo de uso das EA, em especial sua abertura
aos contextos de aprendizagem. Para tal, tomamos como base as dimensões cognitiva,
metacognitiva e sociointeracional desse processo, manifestas nas narrativas analisadas.
A esse respeito, cabe ressaltar que compreendemos que nem todas as EA utilizadas
pelos quarenta aprendizes foram mencionadas nas narrativas, porém julgamos que as
estratégias ali apontadas foram significativas para a trajetória dos narradores, de modo
que elas podem nos proporcionar um ponto de vista privilegiado do processo de ASL.
5.3.1. A dimensão cognitiva das EA
A dimensão cognitiva das EA, como dissemos, relaciona-se com processos de
armazenamento, transformação e organização do input linguístico. Assim, ao utilizar
estratégias dessa natureza os aprendizes lidam diretamente com a informação
linguística, o que implica, segundo Oxford (1990) um leque significativo de
possibilidades. Nesse sentido, a análise quantitativa das estratégias utilizadas pelos
aprendizes narradores mostra uma clara predominância de estratégias dessa natureza
totalidade da amostra, no GN2 e no GN1. Essa constatação nos permite afirmar que as
EA relacionadas à dimensão cognitiva se destacam quantitativamente, com 73,7% da
EA, em comparação com as relacionadas à dimensão sociointeracional, 21,3%, e à
metacognitiva, com 4,8%, respetivamente o segundo e o terceiro grupo em número de
estratégias51 utilizadas.
51 Cabe lembrar que nossa opção pela proposta de Oxford (1990) para a identificação das EA justifica-se pelo fato desta autora ter sido a que mais se preocupou em detalhar minuciosamente cada um dos tipos e subtipos de estratégias de sua classificação, o que culminou com um inventário de 72 EA.
156
Quadro 19 – Ocorrências de estratégias nos dois GN
Dimensão
EA
No de
ocorrências
%
Tipo de
Estratégia (Oxford,1990)
No de
Ocorrências
%
Cognitiva
ENCg
138
73,7%
EMm 5 2,6%
Ecg 127 67,9%
Ecp 6 3,2% Metacognitiva
ENMg
9
4,8%
EMg 6 3,2%
Eaf 3 1,6%
Sociointeracional
ENSc 40
21,3% ESc 40 21,3%
TOTAIS 187 100% 187 100%
Essa predominância de estratégias de natureza cognitiva na amostra analisada
pode ser atribuída a muitos fatores, mas a um em especial: a natureza do processo de
aprendizagem formal de uma segunda língua em contexto exolíngue, conjuntura na qual
se encontram ou se encontraram os quarenta aprendizes narradores. Ao processo de
instrução formal podemos atribuir o fato de que as EA mais recorrentes nas narrativas
sejam justamente as que tradicionalmente predominam nas rotinas instrucionais, tais
como: a tradução, a prática de sons e de formas, a memorização, a inferência, a
repetição, a prática espontânea, a compreensão da ideia principal, a análise contrastiva e
a anotação. Todas essas estratégias são recorrentes nas rotinas instrucionais como
mostram as próprias narrativas analisadas, portanto, são as mais facilmente utilizadas
pelos aprendizes já que os mesmos, ao se submeterem ao processo de instrução, são
treinados para utilizá-las, como bem mostram os exemplos 24 e 25. Assim, a
predominância de ECg constitui um claro reflexo da instrução formal, embora não
possamos afirmar que esse seja o único fator que determine o uso dessas estratégias.
EXEMPLO 24
GN1– N04M ING
157 Faço o curso todo sábado duas horas, tem um livro, a professora dá música, ela passa filme também, passa exercício, explica a matéria, tem aula de informática com computador, jogos em inglês e tudo...
EXEMPLO 25
GN 1 – N16F ESP Tinha gramática mas as aulas eram bastante diversificadas, o curso tinha infra-estrutura boa... Tinha aparelho de som, a professora levava música, tinha livros que a gente podia ler, filmes, legendados em espanhol, por exemplo, e uma vez a gente fez uma classe de cozinha e aí a gente fez uma receita típica....
Os exemplos acima mostram algumas práticas recorrentes nas rotinas
instrucionais e que têm implicações no uso de EA pelos aprendizes de segunda língua.
O reflexo dessas práticas instrucionais na atuação estratégica dos aprendizes é
perceptível, por exemplo, na incidência de EA envolvendo música ou vídeo na amostra
analisada, de modo que 60% dos aprendizes menciona estratégias com música,
enquanto que 30% menciona os filmes.
Outro fator que ajuda a explicar a predominância das ENCg é o fato de que esse
tipo de estratégia constitui um leque significativo de mecanismos para lidar com
amostras da língua alvo em um contexto exolíngue de aprendizagem, em que os
aprendizes não utilizam a SL em seu cotidiano e têm poucas oportunidades para
interação. Não por acaso, no inventário proposto por Oxford(1990) as EA relacionadas
ao que aqui chamamos dimensão cognitiva alcançam um total de trinta e cinco de um
total de sessenta e duas. As ENCg são portanto essenciais para aprendizes com pouco
acesso ao input linguístico, com poucas possibilidades de interagir por meio da língua
alvo, em um nível inicial de aprendizagem, com um conhecimento linguístico ainda
reduzido e tendo a necessidade de manusear de forma consciente as amostras da língua.
Diante dessa predominância quantitativa das estratégias de natureza cognitiva e
considerando que o uso dessas estratégias parece surgir como um atrator do SAC ASL
no contexto de aprendizagem exolíngue, cabe-nos uma análise qualitativa das ENCg, as
quais compreendem às estratégias cognitivas, às de memória e às de compensação,
segundo a proposta que apresentamos ao final do capítulo 3.
158 5.3.1.1. Uso de estratégias cognitivas
Segundo Oxford (1990) as ECg têm papel central no processo de ASL, uma vez
que constituem um leque variado de atuação, podendo ser, por exemplo, o mecanismo
de repetição, de análise de expressões e de resumo. A principal função dessas
estratégias é a manipulação ou a transformação da língua alvo pelo aprendiz, sendo elas
as mais recorrentes nas narrativas analisadas, com 67, 9% no total da amostra, se
considerarmos o IEALE. A seguir, apresentamos alguns exemplos de ECg encontrados
nas narrativas narrativas, relacionando-os com os quatro subgrupos identificados por
Oxford(1990), a saber: (1) ECg de prática, (2) ECg de recepção e de envio de
mensagens, (3) ECg de análise e de raciocínio e, por fim, (4) ECg de criação de
estruturas para input e output.
As estratégias cognitivas de prática constituem, segundo Oxford (1990), o mais
importante grupo de ECg, uma vez que, sem a oportunidade de praticar, o aprendiz não
conseguiria adquirir uma SL. Na amostra analisada encontramos três estratégias desse
tipo: a repetição, a prática formal de sons e a estratégia de prática espontânea.
EXEMPLO 26
GN2 N06F ING
Eu tinha as fitas e cds do curso, porque a gente podia estudar em casa, aí eu estudava sozinha, sempre fazendo as atividades, mas eu não tinha estratégias, eu apenas fazia os exercícios e escutava o cd pra repetir para a pronúncia. Atualmente eu estudo sozinha, trabalho com ingles.
EXEMPLO 27
GN2 N12F ING
Outra coisa que me ajudou muito, acredito, foi a atitude de repetir as falas no mesmo momento que eram passadas no CD ou fita.
EXEMPLO 28
GN2 N17F ESP
Com relação aos verbos, eu usava de repetição mesmo na escrita para aprender. Pronúncia, geralmente eu presto atenção na pronúncia de um falante; e escrita é com prática, com texto, com redação...
Os exemplos 26, 27 e 28 apresentam usos da estratégia de repetição em
diferentes contextos. No primeiro e no segundo temos a repetição do input auditivo por
parte das aprendizes de inglês, enquanto que no terceiro se dá a repetição da escrita de
verbos por uma aprendiz de língua espanhola. Nos três exemplos é possível notar a
influência da instrução formal no processo de uso de EA pelos narradores, a começar
159 pelo fato de que os dois primeiros narradores utilizam para a prática de repetição os
próprios materiais didáticos auditivos usados pelo professor, as fitas ou CDs dos curso.
Quanto à terceira narradora, ela procede à repetição escrita de formas verbais,
estratégia decorrente provavelmente de uma rotina instrucional envolvendo algum
tempo verbal. Assim, a utilização da estratégia de repetição mostra abertura do processo
de uso de EA ao processo de instrução formal, ao mesmo tempo que mostra a expansão
dos processos cognitivos desenvolvidos na sala de aula para fora dela. E, muito embora
não seja a mais criativa ou importante das estratégias, a repetição pode ajudar no
desenvolvimento de diferentes habilidades linguísticas, mas principalmente da produção
oral e da compreensão auditiva.
Outra estratégia cognitiva de prática bastante recorrente e que tem estreita
relação como habilidades de compreensão auditiva e produção oral é a prática formal de
sons, a qual consiste em enfatizar a percepção de sons (pronúncia e entonação)
associada ao conhecimento sistema fonológico da língua alvo. Como mostra o exemplo
a seguir.
EXEMPLO 29
GN2 – N09M ING
Depois eu comecei a prestar atenção pra ver se eu conseguia pegar algum som, pra conhecer sons. Eu ouvia um som assim na letra eu pensava que era uma palavra. Eu pensava 'bom, deve ser tal palavra' aí eu tentava ver se eu conseguia achar escrito da maneira que eu pensei que pudesse ser no dicionário.
No exemplo 29 o aprendiz de inglês pratica o reconhecimento de sons na língua
alvo mediante a audição de músicas, o que mostra a abertura do uso de EA às afinidades
desses sujeitos, além de mostrar que as estratégias cognitivas são utilizadas em conjunto
e não isoladamente. No caso do exemplo acima o narrador primeiro presta atenção no
som, em seguida tenta reconhecê-lo e finalmente busca comprovar sua hipótese por
meio de uma consulta ao dicionário.
O manejo do input auditivo pode ocorrer ainda de forma espontânea, sem que
haja um objetivo especifico a alcançar, tais como reconhecimento, diferenciação e
160 repetição. Neste caso o aprendiz utiliza a estratégia de prática espontânea que consiste
nos usos naturais da língua alvo, no âmbito de uma das quatro habilidades linguísticas,
como podemos ver no exemplo seguinte:
EXEMPLOS 30
GN2 N19M ESP
Estou sempre praticando, sempre praticando... às vezes falando sozinho, ou as vezes ouvindo o idioma original de uma novela por exemplo, mexicana, ou de uma novela espanhola, de um filme estrangeiro mas que tenha o áudio em espanhol.... e sempre falando, né... tentando falar, inclusive com minha amiga Ana Paula através do MSN, inclusive ela me ajuda muito e.... através de viárias formas, através de jornais, através de livros, então eu to sempre tendo essa preocupação em me aperfeiçoar.
No exemplo 30, acima, as práticas espontâneas de assistir a novelas com áudio
original em espanhol, de ver filmes originais de outra língua e selecionar o espanhol na
opção idioma e de ler livros ou jornais distanciam-se da prática formal, normalmente
resultante de treino, e aproximam-se bastante das práticas linguísticas cotidianas de uso
da língua materna. Essa estratégia tem, portanto, relação com as afinidades dos
aprendizes e parecem não se subordinarem a processos formais decorrentes do treino
mediante instrução.
Assim, as estratégias de prática representam um importante mecanismo de
manejo de input linguístico na língua alvo. A sua utilização parece estar diretamente
relacionada à abertura da atuação estratégica a fatores como o processo de instrução
formal e as afinidades dos aprendentes, de modo que compreendemos que essas EA são
essenciais ao processo de ASL, já que sem a oportunidade de manejar input não se
concebe a viabilidade do processo de aprendizagem.
Um segundo grupo de EA cognitivas importante que encontramos na amostra foi
o de recepção de mensagens, com especial destaque para a apreensão rápida da ideia
principal ou de informações específicas, mecanismos fundamentais para lidar com input
auditivo ou escrito. Nesse sentido, no exemplo 26 uma aprendiz usa essa estratégia ao
lidar com input audiovisual, fazendo uso da técnica de skimming52, que ajuda o aprendiz
a apreender informações centrais descartando informações periféricas ou que sirvam de
pano de fundo.
52 Ver nota 38.
161 EXEMPLO 31
GN2 N01F ING
A princípio, limitava-me em seguir as instruções da professora, até que comecei a assistir seriados de televisão (dos mais simples, com duração de 30 minutos e voltados para pré-adolescentes e adolescentes, como, por exemplo, "Small Wonder" e "Mysecretidentity") e desenhos animados no som original, sem legendas. É claro que não entendia tudo o que era dito, mas a idéia geral e grande parte das situações mais específicas eram bem compreendidas.
A apreensão da ideia principal é uma estratégia recorrente nas práticas de
compreensão escrita ou auditiva, tanto nos usos da língua materna como nos de línguas
estrangeiras. Não é, portanto, uma EA proveniente necessariamente do processo de
instrução formal, pois na prática ela é utilizada cotidianamente pelos usuários de uma
língua.
Um terceiro tipo de estratégia cognitiva encontrado na amostra foi o de EA de
análise e raciocínio, especialmente a estratégia tradução e a de análise contrastiva. A
tradução apresenta a maior recorrência na amostra de narrativas entre todas as
estratégias previstas no IEALE, sendo mencionada por mais de 50% dos narradores, os
quais a utilizam majoritariamente dois fins: para a compreensão de elementos da língua
alvo tendo como base a língua materna, processo que consiste basicamente na
conversão de informações da língua alvo, como vocábulos, expressões, frases ou textos,
para língua materna; e para treinar e testar espontaneamente conhecimentos sobre a
língua alvo. Neste segundo caso, que não é previsto na proposta de Oxford (1990), a
tradução pode ser também da língua materna para a língua alvo, não estando portanto
necessariamente relacionado à compreensão de informações da língua alvo, mas a uma
espécie de auto-avaliação do conhecimento linguístico por parte do aprendiz, como
mostram os exemplos 32 e 33.
EXEMPLO 32
GN1 – N18F ESP Tentava traduzir até as embalagens de produtos que normalmente vem em português e espanhol, e também adesivos nas janelas dos ônibus.
162 EXEMPLO 33
GN2 N04F ING
E o gosto também pelo rock, pela música. Isso tudo me fez ter essa vontade de aprender a língua e ter um contato mais profundo, traduzia letras de música.
O exemplo 32, acima, narra o uso da estratégia de tradução para manejo de
informações relacionadas ao cotidiano do aprendiz, a leitura de embalagens e de
adesivos. Essa prática desenvolvida pelo aprendiz de espanhol no citado exemplo parece
não ter relação com uma exigência para a compreensão da informação na língua alvo,
mas com uma espécie de treino espontâneo com o objetivo de testar conhecimentos da
língua alvo. Essa tendência parece confirmar-se no exemplo 33, quando a aprendiz
traduz letras de música sem que isso seja necessariamente uma exigência para acessar
informações dessas letras, mas como uma forma de treino de conhecimentos. A esse
respeito vale observar que nem o aprendiz de espanhol do exemplo 32 nem a aprendiz
de inglês do exemplo 33 mencionam a tradução com estratégia de compreensão, dado
que, a nosso ver, comprova a nossa tese de que a tradução pode ser compreendida como
uma estratégia de prática espontânea.
A tradução como estratégia para compreensão de informações na língua alvo,
por sua vez, relaciona-se com a solução de problemas decorrentes da compreensão de
textos escritos ou orais. Nesse caso a tradução atua sobre informações pontuais como
palavras, expressões ou frases desconhecidas pelo aprendiz, como mostram os exemplos
seguintes.
EXEMPLO 34
GN1 – N16F ESP Aí quando eu comecei a aprender eu levava música, comecei a tentar traduzir música, levava expressões, perguntava a professora o que significava, e então amigas minhas que gostavam de música espanhola me pediam a tradução eu traduzia pra elas.
EXEMPLO 35
GN1 – N11F ING Para aprender inglês costumo: ouvir músicas, depois procurar a letra e traduzir as palavras que não conheço
163
Os exemplos 34 E 35 ratificam a tese de que a estratégia de tradução para
compreensão de informações fora dos das rotinas instrucionais são utilizadas mais
comumente para solucionar problemas pontuais de apreensão de significados de
vocábulos ou expressões. Destarte, o uso da tradução como estratégia no processo de
ASL relaciona-se com uma série de fatores, entre os quais destacamos dois que se
sobressaem na análise das amostras: o fato de que em contexto de aprendizagem
exolíngue o aprendiz atua prioritariamente com a língua materna em seu cotidiano e
portanto tende a submeter a esta língua as informações da língua alvo, como mostra o
exemplo 32; e o fato de que em algumas ocasiões as rotinas instrucionais tendem a focar
o uso dessa estratégia, tendência particularmente observável nos níveis iniciais de
ensino.
A segunda estratégia de análise e raciocínio encontrada na análise das narrativas
foi a de analise contrastiva, a qual consiste no exame de elementos linguísticos da
língua alvo, como sons, palavras e estruturas, com o objetivo de reconhecer
semelhanças e diferenças com relação à língua materna. Os exemplos seguintes
mostram diferentes posturas atinentes ao estabelecimento de paralelos entre a língua
materna e a SL.
EXEMPLO 36
GN2 N18F ESP
Pra eu aprender até que eu não sou muito disciplinada não, não tenho aquelas disciplinas rigorosas. Tanto é que quando você me perguntou que tipo de estratégias... eu te falei que eu me baseava na língua portuguesa. Isso me prejudicou bastante, porque quando você está aprendendo uma língua estrangeira você não deve pensar na sua língua natural pra responder na língua que você está aprendendo (...)...então eu sempre me baseei na língua portuguesa pra tentar assimilar melhor o espanhol. Agora que eu to conseguindo separar um pouco as coisas e eu tenho feito umas leituras.
EXEMPLO 37
GN1 – N09M ING
Eu tentava sempre ficar pensando em inglês. Sempre que eu pudesse eu lembrava assim 'eu to pensando nisso, vou tentar pensar em inglês'. Eu discutia comigo mesmo meus problemas em inglês. Isso me ajudou muito também.
No exemplo acima, a aprendiz de língua espanhola afirma ter se baseado durante
um longo período em sua língua materna, o português, para “asimilar” melhor a língua
164 espanhola. A proximidade do léxico e na sintaxe das duas línguas constitui seguramente
um elemento favorecedor da análise contrastiva por parte dos aprendizes. O espanhol e
o português são diacronicamente oriundas da mesma família linguística, e esse
avizinhamento tem servido de reforço à hipótese de que os brasileiros aprendizes de
espanhol são falsos iniciantes, já que nesse caso há entre a língua materna e a língua
alvo uma interface de estruturas sintáticas e de léxico. É importante notar, no entanto,
que o mesmo narrador expõe a “separação” entre as duas línguas como uma meta a ser
alcançada, pelo que se pode deduzir que a comparação entre a língua materna e a língua
estrangeira constitui uma estratégia emergencial e indesejada no ponto de vista do
aprendiz. Essa visão parece ser corroborada pelo exemplo 37, em que o aprendiz expõe
seu desejo de pensar na língua alvo, o que implica evitar paralelos entre a LM e a língua
alvo.
Por fim, há um quarto tipo de estratégias cognitivas encontrada nas narrativas,
trata-se das EA de criação de estrutura para input e output, as quais permitem que os
aprendizes demonstrem os conhecimentos adquiriram e servem de base para o uso da
língua alvo nas habilidades de fala e escrita. Neste grupo se sobressaem nas narrativas
as EA de anotação, como vemos nos exemplos que seguem.
EXEMPLO 38
GN2 N01F ING habituei-me a tomar notas de estruturas e palavras novas e atrativas, para usá-las nos textos que tinha que escrever, e, ocasionalmente, quando adequadas, na linguagem oral.”
EXEMPLO 39
GN2 N12F ING Uma coisa (atitude) que muito me ajudou foi as diversas anotações que sempre fiz nos livros.
Os dois exemplos acima mostram diferentes usos da estratégia de anotar. No
exemplo 38 a anotação de estruturas e de palavras novas serve de base para serem
usadas nas produções escritas ou orais. No exemplo 39, por sua vez, as anotações
ocorrem nos livros didáticos e, provavelmente, servem para fazer observações acerca de
informações dos mais diversos tipos. A utilização da estratégia de anotar parece estar
estreitamente relacionada a diferenças individuais de estilos cognitivos, uma vez que
certos aprendentes processam os input construindo esquemas visuais ou linguísticos.
165
Em suma, as estratégias cognitivas constituem um conjunto complexo de ações,
pensamentos e habilidades que garantem aos aprendizes o manuseio dos insumos
linguísticos aos quais esses indivíduos têm acesso. Assim, a utilização dessas estratégias
é fundamental no processo de ASL, uma vez que permite que os aprendentes lidem com
a língua alvo mediante procedimentos tais como: a prática de repetição de sons e de
estruturas; a prática espontânea de sons ou de formas; a recepção de informações
mediante a apreensão da ideia principal; a tradução e a de análise contrastiva de
estruturas e sons da língua alvo com base na língua materna; ou a criação de estrutura
para output, mediante o uso de anotações.
O uso de estratégias cognitivas vincula-se, portanto, a variáveis dos mais
diversos tipos, embora as narrativas mostrem mais claramente a mediação de fatores tais
como: a instrução e os treinamentos diretos ou indiretos nela desenvolvidos, no caso da
tradução ou da apreensão da ideia principal; as afinidades dos aprendizes, a exemplo das
diversas estratégias que envolvem músicas, filmes e novelas; os estilos cognitivos, a
exemplo do uso de anotações; a distância/proximidade entre a língua materna e a língua
alvo no que tange às estruturas sintáticas e ao léxico, no caso da utilização da estratégia
de análise contrastiva. Todas essas variáveis conferem às estratégias cognitivas um
caráter particularmente complexo.
O uso de estratégias cognitivas deve, no entanto, ser analisada como componente
constitutivo de um conjunto mais amplo de ações, pensamentos e habilidades que
compõem as estratégias de natureza cognitiva, as quais incluem também estratégias de
memória e de compensação, como mostramos a seguir.
5.3.1.2. Uso de estratégias de memória
As estratégias de memória, como vimos no capítulo 3, relacionam-se com o
armazenamento de novas informações da língua-alvo por meio de procedimentos como
o uso de imagens e sons, uso de rimas, utilização de palavras-chave, substituição de
novas palavras em um contexto. O tipo mais recorrente dessas estratégias na amostra
analisada é o que consiste na memorização de informações agrupadas, tais como verbos
e vocabulário de um determinado tema, como mostram os seguintes exemplos.
166
EXEMPLO 40
GN2 N08M ING Devo dizer que a memorização de palavras e de regras gramaticais foram essenciais para mim.
O exemplo acima mostra uma das raras referências à memorização como prática
produtiva ou positiva, na perspectiva do aprendiz, para o processo de aprendizagem de
SL na amostra analisada, já que nas demais narrativas a utilização dessas estratégias
parece representar sobretudo um reflexo de rotinas instrucionais avaliadas
negativamente pelos narradores, como é possível observar nos exemplos abaixo.
EXEMPLO 41
GN2 N14F ING A partir da 5ª série o contato passou a ser como é na maioria das escolas, foco nas regras gramaticais, tradução de textos, listas de vocabulário, memorização de regras gramaticais e vocabulário. Foi assim até
3º ano do científico. EXEMPLO 42
GN1 – N09M ING
a professora mandava fazer etiquetas no canto de cada página com seu nome e número pra poder checar. Era muito antiquado, e mandava a gente decorar listas de verbos.
EXEMPLO 43
GN2 N10M ING
São muitos anos de estudos, que começaram nas escolas públicas com a velha prática do verbo TO BE, passando para exercícios que eu não compreendia muito bem e completando com as listas de verbos e vocabulário que tínhamos que decorar.
Nos exemplos acima é possível observar a presença constante da prática de
memorização no âmbito da instrução formal. Um outro dado significativo evidenciado
pelos exemplos é o tom negativo presente no posicionamento dos narradores com
relação a essa prática. O narrador do exemplo 42, por exemplo, qualifica de antiquado a
prática de memorização de listas de verbos. Enquanto que o narrador do exemplo 35
inclui essa prática entre as que ele denomina de “velhas práticas”, como a conjugação
do verbo TO BE. A esse respeito, cabe destacar ainda o fato de que o aprendiz de
língua inglesa do exemplo 36 deixa transparecer o fato de que a memorização constitui
prática forçosamente desenvolvida pelos alunos, como denota o trecho “listas de
vocabulário que tínhamos que decorar”.
167
Assim, portanto, embora tendo presença constante nas narrativas analisadas a
estratégia de memorização é geralmente associada a uma prática pouco produtiva e
demasiado mecânica, que não apresenta benefícios à aprendizagem efetiva da língua
alvo. Desse modo, os aprendizes parecem fazer ecoar um posicionamento recorrente nos
estudos sobre ASL, que majoritariamente compreendem a prática de memorização no
âmbito da instrução formal como de pouca produtividade em uma abordagem de ensino
com foco nos usos significativos da língua alvo.
Em suma, a visão negativa que os aprendizes têm da prática da memorização
parece ter suas raízes no processo de instrução formal, particularmente em dois aspectos
desse processo: na forma mecânica como se costuma usar essa estratégia, como a
memorização de listas de verbos ou de vocábulos; e na quase completa exclusão dessa
estratégia das rotinas instrucionais nas abordagens de ensino que privilegiam a
comunicação. Esse dado constitui mais uma evidência da abertura do processo de uso de
estratégias à instrução formal, aspecto que tem sua raiz na abertura do próprio sistema
ASL ao seu contexto.
Bem diferente do que ocorre com a memorização, a utilização de estratégias de
compensação, outra importante EA de natureza cognitiva, goza de bastante aceitação
entre os aprendizes, que a reconhecem como procedimento fundamental para o uso da
língua alvo em contexto exolíngue, como mostramos a seguir.
5.3.1.3. Uso de estratégias de compensação
As estratégias de compensação, como vimos no capítulo 3, constituem um grupo
de EA cujo objetivo é superar as limitações do conhecimento da língua alvo para
proceder ao uso dessa língua nos mais diversos contextos e para os mais diversos fins.
Assim, ao utilizarem tais estratégias os aprendizes utilizam a língua meta mesmo sem o
conhecimento suficiente para fazê-lo, lançando mão, por exemplo, de mecanismos de
inferência ou fazendo usos eventuais da língua materna. Na amostra analisada a
recorrência mais significativa desse tipo de EA se dá com o uso de inferência para a
compreensão escrita ou compreensão oral, como mostram os exemplos a seguir.
168
EXEMPLO 44
GN1 – N12M ING
Eu sempre procuro entender o significado de expressões e palavras que não conheço através do contexto, evito ao máximo o uso de dicionário. Acho que isso ajuda.
EXEMPLO 45
CÓDIGO: GN1 – N09M ING
Depois eu comecei a prestar atenção pra ver se eu conseguia pegar algum som, pra conhecer sons. Eu ouvia um som assim na letra eu pensava que era uma palavra. Eu pensava 'bom, deve ser tal palavra' aí eu tentava ver se eu conseguia achar escrito da maneira que eu pensei que pudesse ser no dicionário
Os exemplos 44 e 45 narram o uso da inferência para lidar com input escrito e
com input auditivo. No primeiro caso, mostrado no exemplo 37, o aprendiz de inglês de
25 anos de idade e com tempo de aprendizagem da língua doze anos, narra a sua
preferência pela estratégia de inferência mediante o contexto para compreender
significados de palavras e expressões. O narrador expõe ainda o fato de que evita o uso
de dicionário para solucionar problemas de compreensão e que compreende que essa
prática é positiva ao seu processo de aprendizagem.
No exemplo 45, por sua vez, o aprendiz de língua inglesa de vinte anos de idade
e com cinco anos de aprendizagem desse idioma, narra a prática de inferência mediante
o uso de pistas fonéticas. O narrador menciona ainda o fato de que a sua prática de
inferência por meio de pistas fonéticas costumava seguir-se de consulta a um dicionário
para a confirmação da informação inferida. Esse procedimento nos mostra que esse
aprendiz, a semelhança do que vimos no exemplo 44, também evita o uso do dicionário,
retardando ao máximo sua consulta.
Assim os dois exemplos mostram a inferência como uma estratégia que revela o
protagonismo dos aprendizes no processo de ASL, uma vez que, ao usarem EA dessa
natureza, esses sujeitos desempenham papel ativo na produção do sentido, utilizam
conhecimentos para estabelecerem relações entre os elementos do texto, avaliam
informações, elaboram hipóteses, enfim, agem estrategicamente.
A utilização de estratégias de compensação constitui, segundo Paiva (2005b),
um bom exemplo de adaptabilidade no SAC ASL, pois a utilização dessas estratégias
auxilia o aprendiz na superação de limitações no seu conhecimento linguístico. Isto é,
169 para superar lacunas em seus conhecimento linguístico o aprendiz lança mão desse tipo
de estratégia e, assim, restaura o equilíbrio na interação com o texto ou com outro
falante.
Em suma, os exemplos analisados até aqui revelam uma multiplicidade de ações,
pensamentos e a habilidades que constituem o mosaico da atuação estratégica dos
aprendentes no manejo do input mediante o seu armazenamento, processamento e
transformação. Os exemplos também revelam uma pluralidade de varáveis que atuam
sobre o uso dessas estratégias, tais como a instrução formal (como na memorização) , as
afinidades (no caso da tradução de músicas) , o contexto tecnológico (no caso da prática
espontânea de leitura na internet ou da repetição de sons) , os propósitos dos aprendizes,
a língua materna (no caso da análise contrastiva e da tradução); o conhecimento de
mundo dos aprendizes. Toda essa pluralidade de fatores mostra a abertura do processo
de uso de EA às condições impostas pelo contexto e pelas características individuais dos
aprendizes.
Desse modo, a utilização de EA de natureza cognitiva vincula-se a uma
importante dimensão do SAC ASL, como um todo, a dimensão cognitiva, a qual reúne
os aspectos envolvidos no armazenamento, na transformação e na organização do input
linguístico. Assim, ao utilizar estratégias dessa natureza os aprendizes lidam
diretamente com a informação linguística, o que implica um leque significativo de
possibilidades. Essa gama de possibilidades justifica, em parte, a predominância dessas
estratégias nas narrativas analisadas, embora outro fator incida significativamente sobre
a ocorrência dessas EA, qual seja, a própria natureza do processo de aprendizagem
formal em contexto exolíngue, o qual se caracteriza comumente pela escassez de input e
pelas poucas possibilidades de interação significativa na língua alvo.
É necessário considerarmos, no entanto, que a aprendizagem de uma segunda
língua não se limita ao processamento do input linguístico disponível no contexto do
aprendiz, uma vez que se faz necessário que o aprendiz gerencie os processamentos
desses insumos linguísticos em prol da aprendizagem. Desse modo, é necessário utilizar
estratégias que de planejamento, avaliação, controle, e motivação, as quais devem atuar
sobre os processos cognitivos. Esses processos referem-se à dimensão metacognitiva
das EA, a qual passamos a expor a seguir.
170 5.3.2. A dimensão metacognitiva das EA
A dimensão metacognitiva das EA, como expusemos no capítulo 3, relaciona-se
com a utilização de estratégias relacionadas ao gerenciamento do processo de
aprendizagem mediante mecanismos de planejamento, monitoramento, autoavaliação,
autoencorajamento e controle da ansiedade. Também vimos no citado capítulo que esses
processos vinculam-se à dimensão metacognitiva da autonomia dos aprendentes de SL,
a qual se caracteriza pelo que denominamos competência de aprendizagem (CA), que
consiste no gerenciamento do processo de ASL.
Desse modo, a dimensão metacognitiva relaciona-se sobretudo com dois tipos de
estratégias do IEALE, as metacognitivas e as afetivas. De acordo com o que expomos
no quadro 19, a ocorrência desses dois grupos de estratégias é baixa na amostra
analisada, apenas 4,8% das EA mencionadas pelos narradores. Atribuímos essa baixa
incidência de estratégias de natureza metacognitiva na amostra, principalmente, ao fato
de que os narradores têm como referência de aprendizagem os contextos de instrução
formal, os quais, a nosso ver, privilegiam o ensino baseado em estratégias cognitivas,
deixando de lado o desenvolvimento de estratégias direcionadas ao gerenciamento do
processo de aprendizagem.
Os narradores que mencionam os usos de estratégias de natureza metacognitiva
não apresentam diferenças significativas concernentes à idade ou ao tempo de
aprendizagem, em comparação ao conjunto dos narradores, mas são, em sua maioria,
aprendizes que buscam aprender de forma mais independente e que manifestam clareza
quanto aos objetivos em aprender a língua. Esse dado mostra que o uso dessas
estratégias relaciona-se com um significativo grau de competência para gerenciar a
aprendizagem e com um alto grau de motivação para aprender a língua alvo, o que se
reflete tanto na utilização de EA do tipo metacognitivas como na utilização de EA de
tipo afetiva, como mostramos a seguir.
5.3.2.1.Uso de estratégias metacognitivas
Na amostra analisada encontramos os três tipos de estratégias previstos no
IEALE de Oxford (1990), no entanto, merece destaque a maior ocorrência da estratégia
de estabelecer metas e objetivos, que, como mostram os exemplos 46, 47 e 48,
171 relacionam-se com o planejamento da aprendizagem por meio da adoção de propósitos
de curto ou de longo prazo, como mostram os exemplos.
EXEMPLO 46
GN2 N11F ING
Nesta minha segunda fase, dediquei a princípio a tentar superar o meu bloqueio de falar e para isso tive que me matricular em um curso de conversação particular, eu e o professor, com apenas um objetivo, falar correta ou erroneamente. Este foi um dos passos primordiais no meu aprendizado, pois aquela era uma situação que me obrigava a falar, e lentamente fui me tornando mais proficiente. Agora estou com meu foco direcionado para minha outro grande dificuldade: gramática.
EXEMPLO 47
GN1 16F ESP
Com isso eu comecei a pegar facilidade, eu tinha uma certa facilidade pra pegar gramática e falava bastante nas aulas, aproveitava o tempo das aulas pra estar em contato, pra usar o idioma, falava com o espelho, pensava “como deve-se falar isso em espanhol?”. E com isso, meu objetivo foi procurar nativos, pra conseguir falar espanhol, e comecei a treinar então com pessoas da internet e procurar gente pra conversar, conheci muitos amigos na internet, pedia que eles me corrigissem também
No exemplo 46, a aprendiz de língua inglesa de 26 anos e acadêmica do curso de
letras demonstra ter consciência de suas dificuldades e estabelece metas para resolvê-
las. É importante notar que o uso desse tipo de estratégia implica a utilização de outras
EA, como é o caso das EA de autoavaliar-se com relação ao comprimento das metas
estabelecidas. No exemplo 46 é nítido esse desdobramento, em que a aprendente
reconhece sua evolução no que tange à “conversação” na língua alvo. Esse é um
exemplo que mostra claramente a natureza complexa da atuação estratégica dos
aprendentes, pois evidencia que as estratégias se relacionam e, por vezes, são utilizadas
em conjunto.
O exemplo 47, por sua vez, a aprendiz de espanhol e acadêmica de Letras, com
21 anos de idade e seis anos de aprendizagem, usa ao mesmo duas estratégias
metacognitivas: o estabelecimento de objetivos e a busca de oportunidades para praticar
a língua, ambos demonstram uma clareza da aprendiz no que diz respeito aso seus
objetivos em aprender a língua e em superar as dificuldades referentes a esse processo,
172 de modo que sua narrativa aponta desde o início a disposição para aprender sozinha
caso a instrução formal não contemple seus objetivos de aprendizagem.
Ao procurarem oportunidades de praticar seus conhecimentos da língua alvo os
aprendentes têm uma preferência explícita pela prática de produção oral em contexto de
interação, um dado que ratifica a compreensão de que a utilização de estratégias
metacognitivas se relaciona com um maior nível de competência em aprender uma
língua, como mostra o exemplo 48.
EXEMPLO 48 GN1 – N09M ING
Então agora eu conheço muita gente falando em inglês, então estou sempre tentando praticar com os amigos. Sempre tem estrangeiro, tem brasileiro que falam inglês então eu estou sempre tentando conversar na língua que estou aprendendo.
A busca de ocasiões de interação oral com falantes nativos ou com outros
aprendizes como forma de pôr em prática os conhecimentos aprendidos é sem dúvida
um dos sinais mais evidentes de que os aprendizes tendem a buscar sua integra
comunicativa, a qual está associada, na visão dos aprendizes, sobretudo, à interação
verbal, preferencialmente com falantes nativos ou com aprendizes mais competentes
linguisticamente. Esse dado mostra que embora a utilização desta estratégia não
implique necessariamente o uso da língua para interação, parece ser verdade que o uso
de estratégias sociais depende do uso anterior da estratégia de busca pela prática já que
em contexto de aprendizagem exolíngue o aprendente precisa dispor-se a buscar
oportunidades de interagir.
A procura por oportunidades de uso da língua meta constitui um evidente indício da
adaptabilidade dos agentes do sistema, pois, diante da escassez de input e de
oportunidades de interação fora do âmbito instrucional, os aprendentes procuram
aumentar as oportunidades de uso da língua-alvo, em evidentes demonstrações de
autonomia.
Outro importante grupo de estratégias metacognitivas mencionado nas narrativas é a
centralização da aprendizagem, que consiste na focalização da atenção em determinados
aspectos, sejam gramaticais, fonéticos, lexicais ou pragmáticos.
173 EXEMPLO 49 GN1 – N09M ING
E sempre que eu tinha oportunidade, eu não tinha computador, eu ia pra casa do meu sobrinho, que lá tinha computador, e ficava conversando no site do ICQ. Eu entrava no site do ICQ Inglaterra, e conversava nas salas da Inglaterra, e começava a conversar com o pessoal. Geralmente eu ficava seis horas por domingo, lá na frente conversando, tentando usar o que eu aprendi com as músicas e entrevistas que eu via, sempre prestando atenção ao que eles estavam falando e lendo as legendas também.
No exemplo acima, o aprendiz de língua inglesa de vinte anos e com cinco anos
de aprendizagem narra sua estratégia de focar sua atenção em determinados aspectos
linguísticos ou comunicativos da comunicação de falantes nativos da língua inglesa em
ambiente virtual. Ao focar sua atenção na interação sem necessariamente participar
dela, co aprendiz parece retardar o uso da língua para que possa aprender por meio da
observação e posteriormente utilizar os conhecimentos adquiridos mediante a
observação. Assim, vemos novamente a utilização conjunta de estratégias
metacognitivas por um aprendiz que busca gerenciar o seu processo de aprendizagem.
O terceiro grupo de estratégias metacognitivas encontrado nas NA é o de
avaliação da aprendizagem, que inclui a estratégia de auto-avaliação, cuja utilização
exige do aprendiz uma postura de auto-crítica, que o permita repensar suas metas e suas
estratégias. Trata-se, portanto, de uma EA que sintetiza a dimensão metacognitiva, pois
interage com as diversas EA cognitivas ou metacognitivas usadas pelos aprendizes,
como vemos no exemplo a seguir.
EXEMPLO 50
GN1 - N10F ING
estou sempre fazendo testes como o TOEIC para verificar meu nível e me preparar para testes como o CAE
O exemplo 50 mostra a utilização da EA de auto-avaliação para verificação de
nível de conhecimento, o que permite à aprendiz, com oito anos de aprendizagem da
língua, verificar o próprio progresso na aprendizagem da língua. A prática da auto-
avaliação está estreitamente relacionada ao estabelecimento de metas, como preparar-se
para um teste de proficiência, no citado exemplo, e permite a aprendente olhar para a
174 sua própria prática de aprendizagem e refletir acerca das dificuldades identificadas, para
assim tomar decisões que lhe permitam avançar no processo de ASL.
Em suma, as estratégias metacognitivas permitem que os aprendentes gerenciem
o processo de aprendizagem por meio da organização, planejamento e autoavaliação da
cognição. Assim, as EA desse grupo estão diretamente relacionadas à competência de
aprendizagem, ou seja, a um saber metacognitivo relacionado ao saber aprender e a
tornar-se responsável pelo processo de aprendizagem. Essas EA vinculam-se, portanto,
à dimensão metacognitiva, ao lado das estratégias afetivas de controle da ansiedade e de
auto-encorajamento, as quais mostramos a seguir.
5.3.2.2. Uso de estratégias afetivas
As Estratégias afetivas, como expomos no capítulo 3, relacionam-se ao
monitoramento ou controle dos fatores emotivos envolvidos no processo de ASL e
atuam no sentido de administrar atitudes, emoções e motivação relacionadas à
aprendizagem. Nas narrativas analisadas esse grupo de estratégias não aparece de forma
recorrente (apenas 1,6% do total de estratégias narradas), o que não significa que elas
não sejam utilizadas com frequência pelos aprendentes. Assim, acreditamos que as NA
de aprendizagem não constituem instrumentos que favoreçam a expressão dessas EA já
que elas atuam na regulação da aprendizagem, agindo nos bastidores, para usar a figura
empregada por Oxford (1990), controlando os processos cognitivos.
Destarte, as estratégias afetivas encontradas na amostra analisadas são
essencialmente de dois tipos: as que agem no controle da ansiedade, seja por meio da
criação de um ambiente propício que permita o relaxamento do aprendente; e as que
agem sobre a autoestima do aprendente promovendo o autoencorajamneto mediante o
uso de afirmações positivas sobre o processo de aprendizagem. Os exemplos a seguir
mostram essas diferentes atuações dessas estratégias.
EXEMPLO 51
GN2 N03M ING
Bom, meu aprendizado do inglês é de uma forma mais autônoma, em casa mesmo, com música. Primeiro eu tento eliminar todos os ruídos externos, aí por isso eu uso fone de ouvido para ouvir música, com a letra, lendo a letra e depois procurando tradução para essas letras.
175
O exemplo 51 faz referência à busca por criar um ambiente propício à
aprendizagem. Ao eliminar os ruídos externos e proceder aprendizagem mediante a
prática prazerosa de ouvir música o aprendiz demonstra a habilidade de gerenciar sua
aprendizagem driblando as adversidades impostas pelo ambiente. Assim, ao buscar
eliminar os ruídos que comprometem seu desempenham o aprendente age
deliberadamente para criar condições emocionais para a aprendizagem, atuando como
sujeito que influencia conscientemente sua aprendizagem.
Outra dificuldade sobre a qual podem atuar as estratégias afetivas é a
relacionada aos eventuais traumas ou bloqueios desencadeados por rotinas instrucionais,
já que essas rotinas podem ser geradoras de muita ansiedade para os aprendentes, uma
vez que estes se submetem constantemente a correções e avaliações, o que pode
ocasionar sentimentos de desconforto, frustração, tensão e incapacidade. Assim, o
controle da ansiedade é uma estratégia importante e que evidencia um significativo grau
de autonomia dos aprendizes. Nesses casos essas estratégias afetivas de controle da
ansiedade e de auto-encorajamento podem atuar em conjunto para viabilizar o processo
de aprendizagem, como ocorre no exemplo seguinte.
EXEMPLO 52
GN1 – N09M ING
Bom, eu gosto de inglês desde que eu estava na oitava do fundamental. Eu estudava lá como disciplina do ensino fundamental. Passei pro ensino médio e tive uma experiência muito ruim, os métodos eram tão antiquados, a professora mandava fazer etiquetas no canto de cada página com seu nome e número pra poder checar. Era muito antiquado, e mandava a gente decorar listas de verbos. Então eu pensei que eu deveria estudar sozinho pra poder aprender. Já me interessava quando eu era menor quando eu entrei e tive uma experiência dessas eu pensei 'vou ter de estudar sozinho pra eu aprender'. Aí eu comecei. Como eu já era fã de bandas tipo Oásis, Pearl Jam eu comecei a estudar letras dessas músicas, das musicas das bandas.
Ao fazer afirmações positivas sobre o processo de aprendizagem, afirmando ser
capaz de aprender sozinho, o aprendiz atua sobre sua autoestima e promove um
sentimento favorável à aprendizagem, rompendo com as experiências negativas
relacionadas a rotinas instrucionais que, segundo o narrador, lhe trouxeram frustração.
Essa virada afetiva do aprendiz com relação ao processo de ASL deve-se
fundamentalmente à sua capacidade de gerenciar o seu processo de aprendizagem,
transitando de uma experiência negativa a uma experiência significativa baseada em
suas afinidades.
176
A dimensão afetiva das EA, como mostram as narrativas, têm estreita relação
com a autoestima dos aprendentes, sendo esta compreendida como a atitude de
aprovação ou reprovação que o indivíduo tem com relação a si mesmo e ao processo de
aprendizagem. Nesse sentido, o controle dos aspectos afetivos representam implicações
importantes no sucesso ou no insucesso da aprendizagem de línguas.
Em suma, em sua dimensão metacognitiva, as EA interagem com fatores dos
mais variados tipos: o tempo e os espaços de aprendizagem; as metas e os objetivos dos
aprendizes, sejam a curto, médio ou longo prazo; a autoestima dos aprendentes;
planejamento e autoavaliação, entre outros. Toda essa gama de agentes atua sobre o
processo de aprendizagem e constitui o mosaico da dimensão metacognitiva da atuação
estratégica dos aprendentes e, por conseguinte, da autonomia e do sistema ASL.
Vale destacar que a dimensão metacognitiva das EA tem estreita relação com a
autonomia, compreendida como competência de aprendizagem. Ou seja, do ponto de
vista metacognitivo, o aprendiz autônomo é aquele que gerencia sua aprendizagem
mediante a utilização de estratégias voltadas para o planejamento, a execução, a
autoavaliação, o auto-encorajamento e o controle da ansiedade e das emoções. É,
portanto, uma dimensão relacionada ao saber aprender, mediante a criação de condições
afetivas favoráveis à aprendizagem da língua.
Por fim, cabe ressaltar que não encontramos diferenças quantitativas
significativas entre o GN2 e o GN1 no que concerne à ocorrência de estratégias de
natureza metacognitiva, o que pode indicar que os usos das tecnologias digitais não
constitui variável determinante no uso de EA metacognitivas pelos aprendentes. Assim,
o uso dessas tecnologias parece incidir muito mais significativamente sobre a dimensão
sociointeracional, como vemos a seguir.
5.3.3. A dimensão Sociointeracional das EA
A dimensão sociointeracional das EA, conforme exposto no capítulo 3,
relaciona-se com a utilização de estratégias direcionadas ao uso da língua alvo mediante
a interação e a cooperação com outros aprendizes ou com usuários mais proficientes da
língua, seja pedindo ajuda, solidarizando-se, desenvolvendo compreensão cultural,
negociando significado ou fazendo perguntas. Trata-se, portanto, de uma dimensão
crucial do processo de ASL, uma vez que é na interação que a aprendizagem se efetiva,
177 pois ao interagir, cooperar e negociar sentidos por meio da língua alvo o aprendente
seleciona e emprega os recursos necessários para comunicar com sucesso aquilo que
pretende.
Na amostra analisada, as EA de sociointeração representam 21,3% da ocorrência
total de EA. Esse percentual é bem inferior ao de EA de natureza cognitiva (73,7%),
dado que pode ser atribuído, sobretudo, ao fato de que a aprendizagem de SL em
contexto exolíngue implica uma escassez de oportunidades de interagir
significativamente por meio da língua meta. Assim, boa parte dos aprendizes busca criar
oportunidades de interação, pois reconhecem que a interação significativa constitui
aspecto fundamental para o processo de aprendizagem. Essa busca por suprir a carência
de oportunidades de interação constitui, como mostramos há pouco, um indício da
adaptabilidade do SAC ASL às condições impostas pelo contexto, neste caso específico,
pelo contexto de aprendizagem exolíngue em que se situam os narradores.
Nas narrativas analisadas, encontramos três tipos de EA sociointeracionais: as de
realizar perguntas, sobretudo para pedir correção aos interagentes; as de cooperar com
outros usuários da língua, principalmente na negociação de significados; e as de
estabelecer empatia com usuários, mediante a compreensão de aspectos culturais.
Todas essas estratégias podem ser visualizadas nos exemplos que seguem.
EXEMPLO 53 GN1 – N16F ESP E com isso, meu objetivo foi procurar nativos, pra conseguir falar espanhol, e comecei a treinar então com pessoas da internet e procurar gente pra conversar, conheci muitos amigos na internet, pedia que eles me corrigissem também...
No exemplo acima o aprendente narra sua experiência de interação com falantes
nativos da língua alvo. Na ocasião, a aprendiz de língua espanhola solicita que seus
interagentes a corrijam, o que revela uma postura de aprendizagem característica da
relação professor aluno no processo de instrução formal. Essa postura do interagente
aberto à correção é uma dos sinais evidentes do processo de integração comunicativa, o
qual se desenvolve sobretudo na cooperação como usuários mais proficientes da língua
alvo mediante a negociação de significados. Como mostram os exemplos a seguir.
178 EXEMPLO 54
GN2 N08M ING
Sempre que tenho a oportunidade de conversar com um estrangeiro, o faço para tentar ganhar certa fluência no meu "speaking".
EXEMPLO 55
GN2 N02F ING
Eu também tenho contato com estrangeiros, hospedei um americano, conversava com ele. Também conversei com holandês que falava muito bem inglês. Acho que é muito importante para praticar. Acho que estar recebendo estrangeiros foi muito legal. Aprendi muita coisa que você não aprende na escola, a questão das gírias, como os jovens conversam, não é aquela coisa muito 'certinha'. Foi muito difícil no começo, mas depois é muito mais fácil perceber as coisas.
EXEMPLO 56
GN2 N15F ING
No meu caso, no meio do caminho havia uma professora de inglês. Cláudia. Ela era muito jovem, 16 anos e acabara de chegar dos Estados Unidos. Eu tinha 12 anos e fazia 6ª série. Logo nos tornamos amigas!! Nos víamos nos fins de semana e “falávamos” inglês enquanto brincávamos de Barbie... bons tempos!! Eu não falava efetivamente a língua, mas sim utilizava algumas poucas palavras em inglês no meio de frases em português, mas na minha imaginação não havia português em nossos encontros... Era tão bom
EXEMPLO 57 GN2 N16F ESP
E também tentei, sempre quando eu viajo, e encontro pessoas que falam o espanhol, eu tento falar o espanhol para treinar, que é uma língua que eu gosto muito, e que eu acho que eu tenho mais fluência na fala.
EXEMPLO 58 GN1 – N16F ESP
Quando eu comecei a aprender um pouquinho eu já.... eu gostava muito de participar, a interação era muito efetiva na aula e sempre tinha atividades em grupo pra gente falar... a oralidade foi desenvolvida.
EXEMPLO 59
GN2 N11F ING
Nesta minha segunda fase, dediquei a princípio a tentar superar o meu bloqueio de falar e para isso tive que me matricular em um curso de conversação particular, eu e o professor, com apenas um objetivo, falar correta ou erroneamente. Este foi um dos passos primordiais no meu aprendizado, pois aquela era uma situação que me obrigava a falar, e lentamente fui me tornando mais proficiente.
179
Os exemplos acima mostram que a cooperação, como EA, pode ocorrer de
diversas maneiras e com diversos propósitos. Assim, temos cooperação entre aprendizes
em contexto instrucional, como mostra o exemplo 58; entre um aprendiz e estrangeiro,
não necessariamente falante da língua alvo, como no exemplo 55; entre um aprendiz e
um falante nativo no país da aprendiz, no exemplo 55, ou em outro país, como no
exemplo 57; entre aprendiz e professor fora do ambiente instrucional, no exemplo 56; e
entre o aprendente e o professor em contexto instrucional, no exemplo 59.
Com relação aos propósitos da cooperação, boa parte dos aprendizes busca
fundamentalmente aprimorar seu conhecimento dos usos da língua alvo sem definir uma
finalidade específica. Desse modo, é comum o uso de verbos como “treinar”,
“aprimorar”, “praticar”, “conversar”; e substantivos como “fluência”, “oralidade” e
“interação”. Esses termos remetem a uma apreciação mais ampla dos processos de
cooperação. Há, no entanto, alguns indícios de que esses processos de cooperação
atendem a finalidades mais específicas, como é o caso da aprendizagem de gírias, no
exemplo 55, ou do aprimoramento da produção oral, no exemplo 56.
É importante observar que a cooperação com falantes nativos aporta
conhecimentos que, na visão de alguns aprendizes, não são aprendidos nos processos de
instrução formal, como é o caso das gírias no exemplo 55. Nesse caso, vale destacar que
os processos de cooperação podem desconstruir hipóteses relativas à língua alvo, como
no caso da ideia de que a aprendizagem de uma SL deve basear-se exclusivamente em
registros formais e cultos (“certinhos”, no dizer do aprendiz), deixando de lado os
registros informais do cotidiano. Essa desconstrução é possível pelo fato de que a
cooperação instaura um constante processo de negociação de sentido mediante um
constante feedback, o qual desencadeia uma perene atualização dos conhecimentos
linguísticos e pragmáticos dos interagentes, sobretudo dos aprendizes.
Com relação à interação no âmbito da instrução formal, é válido observar que a
comunicação desenvolvida entre professor e aluno ou entre alunos no âmbito das rotinas
instrucionais aparece constantemente nas narrativas como fator relevante para o
desenvolvimento da competência comunicativa dos aprendentes, como bem mostram os
exemplos 56, 58 e 59. Desse modo, compreendemos que a chamada interação
desenvolvida em contextos instrucionais de ensino de SL apresenta implicações
significativas nas estratégias sociointeracionais utilizadas pelos aprendizes fora dos
180 domínios da instrução formal, particularmente se a relação professor-aprendiz ou
aprendiz-aprendiz no âmbito instrucional é ancorada na cooperação e na negociação de
significados.
No âmbito da ASL, a negociação de significado constitui-se de características
um tanto quanto diferentes do que ocorre entre falantes que compartilham a mesma
língua materna, já que por ser um aprendente de SL, principalmente se for um iniciante,
o interagente não conta com todo conhecimento linguístico e comunicativo de que
necessita para uma conversa fluente na língua alvo, razão pela qual o aprendiz precisa
contar uma compreensão maior por parte de seu interlocutor, como evidencia o exemplo
abaixo.
EXEMPLO 60
GN1 N16F ESP E com isso, meu objetivo foi procurar nativos, pra conseguir falar espanhol, e comecei a treinar então com
pessoas da internet e procurar gente pra conversar, conheci muitos amigos na internet, pedia que eles me corrigissem também... E essa interação é exatamente o que me motivava e o que me motiva até hoje, que é fascinante você poder, você sentir que você consegue se comunicar com pessoas de outros países.
O exemplo 60 evidencia a parceria necessária entre aprendizes e usuários da
língua alvo no processo de cooperação. Nesse sentido, é importante notar que a aprendiz
refere-se a seus interagentes como amigos, pois essa relação garante a cooperação
solidária que favorece a aprendizagem. Assim, o uso da estratégia de cooperação com o
intuito de negociar sentido constitui um dos sinais mais evidentes do processo de
integração comunicativa dos aprendizes. Esse processo de negociação consiste em
interagir de modo a esclarecer dúvidas que prejudicam a comunicação, as quais podem
surgir no próprio processo de comunicação ou anterior a ele. Desse modo, os aprendizes
podem pedir que o interlocutor repita, parafraseie, explique, fale mais devagar ou dê
exemplos.
As EA de cooperação são, segundo Oxford (1990), essenciais para o processo de
ASL, uma vez que, segundo a autora, a cooperação está diretamente relacionada com a
autoestima, a autoconfiança e a motivação dos aprendizes, além de promoverem um
feedback imediato sobre a comunicação dos aprendentes.
181
A interação, portanto, envolve uma complexidade de fatores: os interagentes dos
aprendizes, que podem ser outros aprendizes, professores, usuários mais proficientes da
língua alvo ou estrangeiros nativos ou não da língua meta; os contextos de interação,
que podem ser o contexto instrucional ou contextos alheios à instrução formal, no Brasil
ou em outros países; os propósitos dos interagentes, seja aprender, ensinar, esclarecer,
perguntar ou negociar sentido. Toda essa gama de aspectos constitui a natureza
complexa das EA em sua dimensão sociointeracional.
Em suma, a dimensão sociointeracional das EA caracteriza-se por uma ampla e
complexa variedade de ações e habilidades nos mais variados contextos, mas
fundamentalmente baseia-se nos usos significativos da língua alvo para interagir,
cooperando e negociando sentido. Essa busca dos aprendentes por oportunidades de
interação significativa por meio da língua alvo reforça as teses interacionistas, sobretudo
a teoria do discurso (HATCH, 1978), segundo a qual a ASL é um processo que se dá
fundamentalmente mediante a negociação de significados, de modo que é o
engajamento do aprendente nos processos de comunicação que faz com que ocorra a
aprendizagem.
Em função disso, a busca por engajar-se comunicativamente em situações de uso
da língua meta parece ser uma constante no processo de aprendizagem, o que pode ser
observado nos relatos de boa parte dos narradores, os quais constantemente buscam
interagir nas mais diversas situações: ao encontrarem um estrangeiro (exemplo 54), ao
encontrarem com os amigos (exemplo 53), ao hospedarem um estrangeiro (exemplo
55), ao conversarem com a professora fora do contexto instrucional (exemplo 56), ao
viajarem a outro país (exemplo 57), com os colegas em sala de aula (exemplo 58), em
um curso de conversação (exemplo59).
Todos os exemplos até aqui expostos reforçam a tese de que os indivíduos
tendem a buscar graus mais elevados de autonomia comunicativa, que os permitam
cooperar e negociar sentido sem a mediação da instrução formal. Os exemplos também
evidenciam que esse processo de integração comunicativa é dinâmico, já que depende
da interação de diversos fatores, tais como motivação dos aprendizes, oportunidades de
interagir, nível de conhecimento linguístico, disponibilidade dos interagentes, entre
outros.
182 5.3.4. A complexidade das EA e a cognição como um atrator
Pelo que expusemos até aqui, parece-nos razoável afirmar que a complexidade
da atuação estratégica dos aprendizes pode ser compreendida a partir de duas
perspectivas: a da pluralidade dos fatores que atuam sobre ela; e a da pluralidade dos
produtos dessa atuação. Com relação à primeira perspectiva, é possível identificar, com
base nas análises, os seguintes fatores que atuam sobre o uso de EA: a instrução e todos
os aspectos a ela relacionados (professor, instituição, metodologia, materiais didáticos);
as tecnologias disponíveis, desde as mais comuns, como a escrita, até as mais
sofisticadas, como a comunicação síncrona via internet; as afinidades dos aprendizes,
desde os passatempos mais corriqueiros, como o gosto por vídeo games, até os
eventuais, como viajar a outros países; o treinamento no uso de estratégias; o nível de
competência comunicativa dos aprendizes; a motivação, que pode referir-se a afinidades
bem específicas, como o gosto por uma banda internacional, ou a um desejo de aprender
novas língua e conhecer outras culturas; o tempo de aprendizagem; a idade e a
consequente familiaridade com novas tecnologias; entre outros fatores. Todos esses
agentes em interação aleatória conferem dinamicidade ao processo de utilização de EA.
Em função disso, não há como prever que estratégias serão usadas por um determinado
aprendiz em determinado contexto.
No que concerne à pluralidade da própria atuação estratégica dos aprendentes,
ressaltamos a sua natureza multidimensional, refletida em uma multiplicidade de ações,
pensamentos e habilidades utilizadas pelos aprendizes no processo de ASL. Essa
multiplicidade se estende por diferentes dimensões do processo de ASL, entre as quais
destacamos a cognitiva, a metacognitiva e a sociointeracional. Assim, a pluralidade e a
complexidade das EA, no que tange a seus produtos, compreende à possibilidade de
usar uma ampla gama de estratégias, que compreendem desde estratégias de caráter
cognitivo, como a tradução e a memorização, até as de natureza sociointeracionais,
como a cooperação e a negociação de significados, passando por estratégias de natureza
metacognitiva, como a autovaliação e o controle da ansiedade. Toda essa pluralidade de
ações, pensamentos e habilidades constitui a natureza complexa das EA.
A complexidade constitutiva das EA, no entanto, não implica a impossibilidade
de que sejam identificadas tendências e inclinações da atuação dos aprendizes. Nesse
sentido, os dados até aqui analisados apontam para a maior frequência de utilização de
183 estratégias de natureza cognitiva (ENCg). Essa tendência evidencia-se tanto do ponto
de vista quantitativo, em termos percentuais a utilização de estratégias cognitivas
representa 73,7% do total de estratégias (Vide quadro 19), como do ponto de vista
qualitativo, expresso na pluralidade de estratégias ligadas à dimensão cognitiva das EA,
que vão desde a memorização até a inferência, passando pela tradução e pela
transferência.
Destarte, por todas as evidências até aqui elencadas atinentes à atuação
estratégica dos aprendentes, parece-nos razoável afirmar que, no âmbito da
aprendizagem exolíngue, o uso de ENCg parece constituir um atrator do SAC ASL.
Esse comportamento do sistema ASL pode der atribuído, sobretudo, ao fato de que, no
citado contexto, os aprendizes de SL têm acesso reduzido ao input e escassas
possibilidades de interação com usuários da língua alvo, como é o caso dos sujeitos das
narrativas deste estudo.
Essa tendência, no entanto, deve ser compreendida sempre em termos variáveis,
uma que o uso de EA se submete constantemente às interações dos agentes dos SAC
ASL, de modo que uma mudança nos agentes, ou nas interações entre eles, pode
ocasionar implicações significativas nesse processo. Isso parece ser o que ocorre no
caso dos usos das TDIC no processo de ASL, os quais representam importantes
implicações na atuação estratégica dos aprendentes, como mostramos a seguir.
5.4. O uso das TDIC e a emergência da sociointeração
No capítulo introdutório deste estudo, apresentamos algumas considerações a
respeito do potencial das TDIC para a aprendizagem de SL e conjeturamos a respeito da
ideia de que a interação entre essas tecnologias e o processo de ASL poderia promover a
emergência de novas propriedades nesse sistema. Assim, naquele mesmo capítulo,
propusemos como um dos objetivos desta investigação descrever as EA usadas pelos
aprendizes no âmbito dos usos das TDIC com o intuito de identificar a emergência de
EA. Nesse sentido, apresentamos neste item os indícios quantitativos e qualitativos
dessa emergência, buscando expor evidências de que os usos das tecnologias digitais
constituem um agente determinante no processo de uso de EA pelos aprendizes.
Do ponto de vista qualitativo, as implicações das TDIC no uso de EA
manifestam-se como uma perturbação no sistema ASL, a qual decorre
184 fundamentalmente da abertura do SAC ASL ao contexto tecnológico no qual se insere.
Assim, ao empregarem as TDIC para aprender e usar a língua alvo, os aprendizes
utilizam uma gama de estratégias, quer destinadas ao manejo do input disponibilizados
por essas tecnologias, quer voltadas à interação com usuários da língua alvo.
Nesse sentido, o que as NA mostram, à primeira vista, é uma pluralidade de
formas de uso das TDIC no processo de ASL, de modo que esses usos limitam-se aos
recursos tecnológicos disponíveis aos usuários. Destarte, os avanços das tecnologias
apresentam implicações no conjunto das EA usadas, de modo que narrativas de
aprendizagem produzidas hoje mostrariam usos de ferramentas digitais não
mencionados pelas NA analisadas nesta pesquisa.53
Ao considerarmos as ferramentas digitais aludidas nas NA (ver quadro 20),
temos a predominância de chats (26%), o que aponta, de certa forma, a uma preferência
dos aprendizes pela interação síncrona. Em segundo lugar aparecem os sites (17,3%),
dos mais variados tipos, com particular destaque para os relacionados a músicas e para
os sites de revistas e jornais. Em terceiro lugar aparece o e-mail (8,6%), o qual é
referido como mecanismo de comunicação com falantes nativos da língua alvo.
Quadro 20: Ocorrência de uso de ferramentas digitais54 para a ASL FERRAMENTA OCORRÊNCIA %
Internet (sem especificar) 22 47,8% Chat/ICQ 12 26,0%
Sites (sem especificar) 8 17,3% E-mail 4 8,60%
TOTAIS 46 100%
Os dados do quadro acima, a princípio, remetem a duas dimensões das EA: à
dimensão cognitiva relacionada ao acesso amplo ao input em sites dos mais variados
tipos; e à dimensão sociointeracional, relativa à interações mediante ferramentas como
chats e e-mails.
53 Vale lembrar que as NA analisadas neste estudo foram produzidas entre 2004 e 2007, conforme informamos no capítulo 4. 54 Um dado relevante é a ausência da menção ao fenômeno das redes sociais, sobretudo o twitter e o facebook, que nos últimos anos tiveram um significativo impacto nas rotinas comunicacionais no contexto digital. A ausência desses fenômenos só reforça a tese de que a aprendizagem de SL se apropria dos recursos tecnológicos disponíveis em seu contexto. Assim, compreendemos que uma NA produzida a partir de 2010 ao mencionar as TDIC dificilmente deixaria de fazer referência às redes sociais.
185
Por outro lado, ao consideramos os usos que aprendizes fazem dessas
ferramentas, constatamos haver uma tendência maior a usar essas tecnologias para
interação, de modo que a maioria dos narradores usuários das TDIC (41,17%) prefere a
comunicação por chat e por e-mail, enquanto que 35,29% prefere pesquisar e ler em
sites, 14,70% prefere fazer exercícios on-line e 8,82% prefere ouvir músicas na internet,
como mostra o quadro 21.
Esses números indicam uma clara preferência dos usuários pela interação
comunicativa com usuários da língua alvo, o que também pode ser observado pela
frequência nas narrativas do GN1 de verbos como “conversar” e “bater-papo”. Essa
preferência justifica-se, sobretudo, pelo fato de que os aprendizes em contexto
exolíngue têm poucas possibilidades de usos significativos da língua alvo fora do
âmbito instrucional e encontram na internet possibilidades de suprir essa carência.
Quadro 21: Ações envolvendo tecnologias TDIC AÇÕES OCORRÊNCIA %
“Conversar”, bater papo (chat, e-mail) 14 41,17%
Pesquisar/ ler em sites 12 35,29%
Fazer exercícios 5 14,70%
Ouvir música 3 8,82%
TOTAL 34 100%
A Conversa, ou bate-papo, via internet relaciona-se nas narrativas com uma
variedade significativa de propósitos. Entre os mais mencionados pelos narradores
estão: atualizar o vocabulário (exemplo 61), não esquecer o vocabulário já aprendido
(EXEMPLO 62), aprimorar o conhecimento da língua (EXEMPLO 74) , usar o
conhecimento já aprendido (EXEMPLO 72), realizar negócios (EXEMPLO 71), como
mostramos nos exemplos que seguem.
EXEMPLO 61
GN1 – N01F ING
Sempre que dá entro em chats e teclo com pessoas de fora para atualizar um pouco o vocabulário e também para não esquecer o que já aprendi.
Os exemplos 61 e 62 mostram uma clara tendência a usar a interação síncrona como
mecanismo de atualização e manutenção do conhecimento. A aprendiz de inglês, de
dezenove anos de idade e dez de aprendizagem da língua, do exemplo 61, parece ter
186 claros seus objetivos ao fazer uso da internet, atualizar e consolidar (não esquecer) os
conhecimento adquiridos no percurso de dez anos como aprendiz da língua inglesa.
Nesse sentido a narradora parece consciente da necessidade usar a língua para “não
esquecer” o que já aprendeu. Essa consciência da dinâmica da aprendizagem e esse
reconhecimento de que os conhecimentos se consolidam mediante o uso são fatores
relevantes no processo de utilização de estratégias, já que ao reconhecer a possibilidade
de “esquecer o já aprendido” a aprendiz utiliza, por exemplo, estratégias voltadas para
interação com falantes nativos ou com usuários mais proficientes da língua alvo.
EXEMPLO 62 GN1 – N09M ING
Eu entrava no site do ICQ Inglaterra, e conversava nas salas da Inglaterra, e começava a conversar com o pessoal. Geralmente eu ficava seis horas por domingo, lá na frente conversando, tentando usar o que eu aprendi com as músicas e entrevistas que eu via, sempre prestando atenção ao que eles estavam falando e lendo as legendas também.
O mesmo ocorre com o narrador do exemplo 62, de 20 anos de idade e cinco anos
de aprendizagem de inglês, que passa seis horas aos domingos interagindo por meio do
chat com falantes de inglês. Esta busca ávida por interação parece resultar do
reconhecimento de que ao “usar o que aprendeu” o conhecimento se consolida e não se
perde.
Em suma, embora reconheçamos que nas narrativas mencionadas os aprendizes
recorrem a algumas crenças sobre o processo de aprendizagem, como por exemplo, à de
que quando não usamos a língua ela é esquecida, o que parece ficar evidente nos
exemplos analisados é o fato de que os aprendizes reconhecem a importância de se usar
estratégias de sociointeração como forma de atender a uma importante dimensão do
processo de ASL, a sociointeracional.
É partir das constatações acima expostas que compreendemos que os usos das
tecnologias digitais representam uma perturbação na aparente ordem do SAC ASL. Essa
aparente ordem relaciona-se, por exemplo, com a existência de atratores, como a
predominância das estratégias de natureza cognitiva no contexto exolíngue de
aprendizagem formal.
A perturbação em um SAC, como vimos no capítulo1, resulta de interações
entre os agentes internos ou externos ao SAC e pode obrigar o sistema a se adaptar às
187 novas condições. Essa perturbação pode ocorrer tanto em agentes específicos do
sistema, como no caso do aprendiz que se adapta a uma nova rotina instrucional para
seguir aprendendo, ou em aspectos mais amplos, como a utilização de EA, a qual tende
a mudar diante de uma perturbação, como o uso sistemático de determinadas
tecnologias que permitam o maior acesso a insumos linguísticos ou que possibilitem a
interação síncrona com usuários da língua alvo nos mais distantes lugares do globo. Os
exemplos a seguir apresentam indícios dessa perturbação no SAC ASL.
EXEMPLO 63 GN1 N12M ING Depois que entrei nessa de internet, a coisa foi mais rápida. Eu sempre me forcei a entender o que estava escrito em determinado lugar e tal... Na marra mesmo. Eu sempre procuro entender o significado de expressões e palavras que não conheço através do contexto, evito ao máximo o uso de dicionário. Acho que isso ajuda.
No exemplo 63 temos um indício claro de que as TDIC, e particularmente a
internet, apresenta implicações no processo de ASL, de modo que essas tecnologias
representam um divisor de aguas na trajetória de aprendizagem do narrador, um jovem
de vinte e cinco anos e com doze anos de aprendizagem, o qual reconhece que o uso das
tecnologias digitais imprimiu maior rapidez ao processo de aprendizagem, além de uma
melhor desenvoltura na compreensão de informações sem a ajuda de dicionários.
Processo semelhante pode ser observado no exemplo a seguir, em que o narrador
descreve uma experiência de uso das TDIC a partir do contexto de instrução.
EXEMPLO 64 GN1 – N07F ING O professor Heitor, numa de suas aulas, mandou que nos cadastrássemos na internet para conseguir um contato internacional... Ai me vi numa situação que não dava mais para "fugir do inglês". Em quatro meses eu conseguia comunicar-me tranquilamente.
No exemplo acima, o aprendiz refere-se ao uso das TDIC como um fator que o
força a usar a língua alvo e que o conduz a um nível mais elevado de integração
comunicativa. Essa narrativa nos remete a uma característica central dos SAC, a
adaptabilidade, a qual se manifesta na perturbação, que obriga o sistema, ou algum de
seus agentes, a reorganizar-se, fazendo emergir novas propriedades. Assim, no que
tange ao exemplo 64, a aprendiz afirma que, ao não mais esquivar-se de usar a língua
alvo, alcança um nível mais alto de competência comunicativa.
188
Compreendemos que essa perturbação no SAC ASL resulta principalmente da
natureza da aprendizagem exolíngue, a qual se caracteriza pela escassez de input
linguístico e pelas poucas oportunidades de interação significativa fora das rotinas
instrucionais. Destarte, as implicações das tecnologias digitais para o uso de EA
consistem sobretudo em dois fatores: na possibilidade de acessar uma gama
considerável de informações na língua alvo; e na ampliação das possibilidades de
interação na língua.
No que concerne ao primeiro fator, as narrativas evidenciam um aumento da
oferta de input na língua alvo fora do contexto instrucional. Nesse sentido, a
importância das TDIC reside em abrir novas vias de acesso a uma grande variedade de
insumos, sobretudo textos, vídeos, músicas, dicionários, sites de buscas, tradutores,
entre outros, como mostram os exemplos a seguir.
EXEMPLO 65 GN1 – N03F ING
Leio revistas, periódicos e jornais de outros países da língua inglesa pela internet, mantenho amizades com pessoas de diversos países (nativas ou não da língua) e procuro fazer exercícios em sites.
EXEMPLO 66 GN1 – N18F ESP Além disso, todas as páginas na internet que eu consultava eu observava antes se podiam ser lidas em outros idiomas e os mudava para o espanhol, até mesmo meu e-mail, que até hoje é do "yahoo" da espanha.
O acesso a assas informações representa implicações significativas no uso de
EA, sobretudo na utilização de estratégias cognitivas, tais como prática espontânea de
compreensão leitora e de compreensão oral, tradução, entre outras. No entanto, os
impactos mais visíveis dos usos dessas tecnologias parece verificar-se na dimensão
sociointeracional das EA, mais precisamente no que concerne ao favorecimento de
práticas de interação baseadas na cooperação e na negociação de significados na língua
alvo, como mostram os exemplos a seguir.
EXEMPLO 67 GN1 – N07F ING Uma coisa que me ajudou muito foi o ICQ. Conversar em tempo real, nos exige resposta rápida e isso me forçou a aprender rápido. Acho que as mensagens instantâneas na internet ajudam muito...
189
EXEMPLO 68 GN1 – N06F ING
Foi também quando comecei a usar a internet e usar bate-papos para aprimorar meu inglês.
Os exemplos acima ratificam a hipótese de que as TDIC apresentam um
potencial para a promoção da interação significativa entre aprendizes e usuários da
língua alvo. Desse modo, as tecnologias digitais permitem aos aprendizes de SL
comunicarem-se com um ou mais aprendizes ou falantes da língua alvo de maneira
síncrona ou assíncrona, o que de certa forma exige desses sujeitos novos
comportamentos, que deem conta dos desafios decorrentes das novas formas de
comunicação, como mostra o exemplo 67.
Por outro lado, o uso das TDIC revela-se um espaço propício para que os
aprendizes construam ou “aprimorem” seus conhecimentos, como mostra o exemplo 68,
baseados em processos de cooperação significativa e não simplesmente com base na
imitação de modelos linguísticos impostos pelo processo de instrução formal. Essas
implicações dos usos das TDIC no uso de ENSt podem ser também observadas
quantitativamente, na frequência de estratégias de natureza sociointeracional no âmbito
dos usos dessas tecnologias, como mostra o quadro 22.
Quadro 22 – Ocorrência de EA no GN1
Dimensão
EA
No de
ocorrências
%
Tipo de
Estratégia (Oxford,1990)
No de
Ocorrências
%
Cognitiva
ENCg
67
65,6%
EMm 1 0,98%
ECg 64 62,7%
ECp 2 1,9% Metacognitiva
ENMg 5
4,9%
EMg 4 3,9%
EAf 1 0,98% Sociointeracional
ENSc 30 29,4% ESc 30 29,4%
TOTAIS 102 100% 102 100%
190
O uso de estratégias sociointeracionais na totalidade das narrativas analisadas
(GN2 e GN1), como mostrou o quadro 19 no item anterior, ocorre em intensidade
razoavelmente baixa (21,3%) se comparada às estratégias de natureza cognitiva
(73,7%). No entanto, ao considerarmos apenas o GN1, grupo de narrativas nas quais os
aprendentes narram usos das TDIC no processo de aprendizagem, a ocorrência das
estratégias de sociointeração é bem maior (29,4%), persistindo, no entanto, a
predominância de das ECg (65,6%), como mostra o quadro 22. Essa diferença pode
constituir indício de que o uso das tecnologias digitais pode relacionar-se ao uso mais
frequente de estratégias voltadas para a interação, a cooperação e a negociação de
sentido.
Gráfico 1 – Porcentagem de ocorrências de estratégias
no GN1 segundo Oxford (1990)
No quadro 22 e no gráfico 2 visualizamos dois aspectos centrais referentes ao
uso de EA: o primeiro, já antecipado há pouco, é a emergência da sociointeração; o
segundo diz respeito à predominância das ENCg, mesmo entre os aprendizes que
utilizam as TDIC, e que por isso têm a possibilidade de interagir de forma síncrona com
usuários mais proficientes da língua alvo. Esse segundo aspecto reforça a tese de que a
cognição constitui de fato um atrator do SAC ASL em contexto exolíngue.
Quantitativamente, essa emergência se evidencia de forma ainda mais acentuada
quando consideramos apenas os usos das tecnologias digitais, já que ao avaliarmos
apenas a utilização dessas tecnologias (ver quadro 23), as estratégias de sociointeração
191 são utilizadas com maior frequência (53,6%), em comparação com as estratégias
cognitivas (46,3%), como mostram o quadro 23 e o gráfico 2.
Quadro 23 – Ocorrências de estratégias do GN1 considerando apenas o uso das TDIC
Dimensão
EA
No de
ocorrências
%
Tipo de
Estratégia (Oxford,1990)
No de
Ocorrências
%
Cognitiva
ENCg
19
46,3%
EMm 0 0,0%
ECg 19 46,3%
ECp 0 0,0% Metacognitiva
ENMg
0
0,0%
EMg 0 0,0%
EAf 0 0,0% Sociointeracional
ENSc 22 53,6% ESc 22 53,6%
TOTAIS 41 100% 41 100%
O quadro acima aponta para três constatações capitais para esta investigação, as
quais nos permitem visualizar a relação entre a emergência de estratégias no contexto
dos usos das tecnologias digitais e a dimensão social da autonomia dos aprendizes. A
primeira constatação diz respeito ao fato de que ao usar as TDIC no processo de ASL os
aprendentes tendem a privilegiar a interação, quer com falantes nativos da língua alvo,
quer com usuários mais proficientes dessa língua. Essa tendência já havia sido, de certo
modo, antevista quando identificamos que as práticas predominantes relacionadas aos
usos das TDIC eram as relacionadas à comunicação síncrona. A preferência pela
comunicação síncrona, sobretudo mediante o uso dos chat, aponta para um anseio dos
aprendizes de interagirem significativamente com outros aprendentes ou com usuários
mais proficientes de língua alvo, por meio de instrumentos que permitam o feedback
imediato e a negociação de sentido. Essa predominância de estratégias de natureza
sociointeracional pode ser visualizada mais claramente no gráfico a seguir.
192
Gráfico 2 - Porcentagem de EA no GN1 considerando apenas os usos das TDIC com base em Oxford (1990)
O gráfico acima aponta para a predominância de estratégias de natureza
sociointeracional no âmbito dos usos das tecnologias digitais. No entanto,
compreendemos que esses indícios quantitativos da predominância da sociointeração
devem ser analisados em consonância com os indícios qualitativos, relacionados, por
exemplo, a maior diversidade de ENSt usadas quando os aprendizes usam as TDIC.
Assim, enquanto o GN2 apresenta apenas a estratégia de cooperação, as narrativas de
usos das tecnologias digitais encontradas no GN1 apresentam os seguintes tipos: pedir
esclarecimentos, pedir correção e cooperar para os mais diferentes propósitos.
Essas EA são utilizadas normalmente em conjunto, razão pela qual não constitui
tarefa fácil isolá-las para análise. No entanto, há dois elementos que parecem
característicos nos processos de utilização das ENSt: a solidariedade comunicativa entre
usuários mais proficientes e aprendizes; e a negociação de sentido, como vemos nos
exemplos que seguem.
193 EXEMPLO 69
GN1 N07F ING Acho que as mensagens instantâneas na internet ajudam muito, por exemplo um dia um amigo ao falar sobre a temperatura lá, usou a expressão crispytemperature... como eu não sabia o que era, corri para o translator e achei: crocante.... Logo eu disse para o Timo: Desculpe me mas eu não entendi o que significa crispytemperature. Então ele me explicou que eu imaginasse um crack sound e a neve a -30º C era como se "pedras" de gelo batessem na vidraça.
No exemplo acima, temos duas estratégias de sociointeração utilizadas
conjuntamente: a de cooperar e a de pedir esclarecimentos. Na negociação do
significado do termo “crispytemperature”, embora o aprendiz tenha recorrido ao
dicionário, a negociação se deu de fato na interação com um usuário mais proficiente da
língua alvo. Cabe lembrar que, ao desconhecer uma palavra ou expressão, um aprendiz
pode utilizar uma diversidade de estratégias (inferência, consulta a dicionários, etc.), no
entanto a interação síncrona condiciona os interlocutores a tomarem decisões de forma
mais rápida e urgente, sem muitas vezes poderem recorrer a outras estratégias que não
sejam negociação direta de significado.
O exemplo supracitado parece evidenciar a disposição dos interagentes em
fazerem-se compreender, adequando suas intervenções em prol da compreensão por
parte do interlocutor. Esse processo caracteriza-se por uma interação negociada55, na
qual os interlocutores modificam a estrutura ou o léxico da conversação para assegurar a
compreensão e garantir a continuidade da interação. Esse princípio de solidariedade
comunicativa é crucial a qualquer interação, sobretudo quando se trata de interação
entre um aprendiz de SL e um usuário mais proficiente da língua meta, seja nativo ou
não.
Um dos sinais mais evidentes do processo de integração comunicativa dos
aprendizes, a negociação de sentido consiste em interagir de modo a esclarecer dúvidas
que prejudicam a comunicação, as quais podem surgir no próprio processo de
comunicação ou anterior a esse processo. Desse modo, os aprendizes podem pedir que o
interlocutor repita, parafraseie, explique, fale mais devagar ou dê exemplos, de modo a
e preencherem lacunas na comunicação. Assim, a aprendente do exemplo 68 mostra-se
bastante consciente das possibilidades de driblar o problema do desconhecimento do 55 A chamada interação negociada ou interação modificada, definida por Long (1983), consiste em ajustes conversacionais ou modificações na estrutura da conversação como meio de assegurar a compreensão entre os interlocutores e manter a continuidade da conversa. Esses ajustes acontecem não somente com falantes nativos de uma língua, mas também com aqueles que estão aprendendo uma segunda língua (SL).
194 termo em questão, além de mostrar-se uma boa conhecedora das possibilidades que a
internet oferece para solucionar problemas como esse.
Assim, ao realizar uma tradução automática do termo desconhecido, no entanto,
a jovem não soluciona o problema, ao que recorre à negociação direta de significado
com seu interlocutor. Este último recurso utilizado por ela seria, seguramente, o
primeiro em uma situação de interação face a face. No entanto, a jovem estudante
parece querer preservar sua imagem de falante com bom nível de proficiência e só em
último caso recorre à negociação direta de significado. Outro fator que pode explicar a
negociação como último recurso é o fato da aprendiz querer preservar a fluência da
interação, que poderia ser interrompida para solucionar um problema de compreensão.
O uso da internet para interagir com falantes nativos de inglês, como mostra o
exemplo 68, tem explicação na história de aprendizagem da jovem, que ao entrar no
mestrado foi informada de que teria que saber muito inglês, ao mesmo tempo que foi
motivada a interagir com nativos dessa língua por meio do ICQ, ao que prontamente
atendeu por acreditar que essa interação promoveria uma aprendizagem rápida,
conforme narra a aprendiz.
Outra estratégia de sociointeração utilizada com frequência no âmbito dos usos
das TDIC é a de pedir correção. Essa estratégia, que é mais comumente utilizada na
relação professor-aluno em contexto de instrução formal, aparece com frequência nas
interações síncronas mediadas por tecnologias digitais, especialmente entre aprendizes
usuários mais proficientes da língua meta. Ela também envolve a negociação de sentido
e o princípio da solidariedade comunicativa entre usuários mais proficientes e
aprendizes, como mostra o exemplo a seguir.
EXEMPLO 70
GN1 N16F ESP E com isso, meu objetivo foi procurar nativos, pra conseguir falar espanhol, e comecei a treinar então com pessoas da internet e procurar gente pra conversar, conheci muitos amigos na internet, pedia que eles me corrigissem também... E essa interação é exatamente o que me motivava e o que me motiva até hoje, que é fascinante você poder, você sentir que você consegue se comunicar com pessoas de outros países.
Ao pedir que a corrijam, a aprendiz do exemplo acima mostra-se disponível à
opinião dos interagentes e garante a abertura suficiente para aprender interagindo
195 significativamente. Essa abertura constitui requisito essencial do processo negociação
de sentido e sinaliza para uma postura bastante consciente e metacognitiva da
aprendente, a qual mostra reconhecer a importância dos processos de comunicação
significativa para a sua aprendizagem.
Por fim, a estratégia de cooperar, que apresenta nas NA analisadas uma
caracterização mais genérica, sendo a mais recorrente ENSt no âmbito dos usos das
tecnologias digitais. A utilização dessa estratégia mostrou-se bastante plural no que
concerne aos propósitos dos aprendizes. Assim, na amostra de narrativas do GN1 é
frequente a referência à cooperação com falantes nativos da língua alvo como estratégia
relacionada aos seguintes propósitos: para realizar negócios (exemplo 71); para
satisfazer a ânsia de ser compreendido na língua alvo (exemplo 71); para praticar a
língua alvo (exemplo 72); para atualizar o vocabulário (exemplo 73); para aprimorar o
conhecimento da língua (exemplo 74);
EXEMPLO 71
GN1 N13M ING Realizei diversos negócios via internet através de troca de e-mails e consegui ser compreendido, o que já me satisfaz de certa forma. EXEMPLO 72 GN1 N02F ING Gosto também de praticar meu inglês via internet, com estrangeiros. Escrevo muito e sempre. No começo eu usava muito o dicionário, mas hoje eu evito. EXEMPLO 73 GN1 N01F ING Entro em chats e teclo com pessoas de fora para atualizar um pouco o vocabulário. EXEMPLO 74 GN1 N06F ING Comecei a usar a internet e usar bate-papos para aprimorar meu inglês
Nos exemplos 73 e 74 a interação com falantes nativos por meio de bate-papo
virtual permite o aprimoramento e a consolidação de conhecimentos e habilidades
comunicativas dos aprendizes. Esse fato evidencia a importância da interação verbal no
processo de aprendizagem de uma SL, pois é ao interagirem com falantes da língua ou
com aprendizes mais proficientes que os aprendentes testam suas hipóteses sobre os
196 usos da língua, negociam significados e sentem-se atendidos em suas necessidades de
usuários da língua alvo.
A interação mediada por TDIC é importante também para driblar a escassez de
possibilidades de uso da língua alvo. Nesse sentido as narradoras dos exemplos 73 e 74,
a primeira com dezenove anos e com dez anos de aprendizagem e a segunda com vinte
anos de idade e cinco anos como aprendiz da SL, são aprendizes já com um longo
período de aprendizagem e aprendem a língua geograficamente distante de seus usos
cotidianos, razão pela qual veem como necessário romper a “barreira” que as separa dos
usos significativos da língua alvo.
Como vemos, a interação com falantes nativos da língua alvo por meio da
internet é constantemente associada à pratica ou aprimoramento dos conhecimentos
adquiridos, o que fica evidente pela recorrência de verbos tais como “praticar”,
“aprimorar”, “treinar” entre outros. As EA de cooperação são, portanto, essenciais para
o processo de ASL, uma vez que estão diretamente relacionadas com a autoestima, a
autoconfiança e a motivação dos aprendizes, além de promoverem um feedback
imediato.
Em suma, além de uma pluralidade de ENSt, os processos de interação mediada
por TDIC, envolvem uma vasta gama de possibilidades de temas e propósitos. Assim,
os aprendentes mencionam aspectos que vão da “realização de negócios” (exemplo 71)
à atualização do vocabulário (exemplo 61), passando pelo estabelecimento de laços de
amizades (exemplo 65) e por outras inúmeras finalidades. Esse leque de possibilidades
remete à natureza complexa da interação mediada por tecnologias digitais, as quais
amparam uma ampla gama de anseios dos aprendentes. Esse aspecto marca um dos
diferenciais da interação por meio das TDIC com relação à interação no âmbito da
instrução, uma vez que esta se caracteriza pela relativa restrição quanto aos propósitos
comunicacionais, os quais se submetem normalmente aos objetivos do programa ou à
metodologia.
Destarte, os indícios quantitativos e qualitativos até aqui mostrados nos
autorizam a concluir que, embora as estratégias sociointeracionais estejam presentes nos
mais diversos momentos da aprendizagem de SL em contexto exolíngue, elas parecem
ser impulsionadas pelos usos das TDIC, os quais favorecem processos de interação
197 significativa que envolvem uma ampla gama de propósitos conversacionais, além de
uma variada possibilidade de parceiros dos mais diversos lugares do globo.
Sobre a interação no âmbito das tecnologias digitais, especialmente por meio do
chat, as narrativas dos exemplos acima revelam que a distância física entre os
interlocutores, e a consequente ausência de pistas visuais e auditivas decorrente dessa
distância, promove uma ampliação da quantidade de informações a serem negociadas.
Assim, a descrição de uma pessoa ou de um ambiente por meio de chat na internet, por
exemplo, exige dos interlocutores maior uso de informações linguísticas que possam
suprir a ausência de impressões visuais ou auditivas, o que exige dos interagentes maior
disponibilidade para negociação de significados.
A utilização de ENSt no âmbito das TDIC implica, portanto, uma pluralidade de
ações e propósitos ancorados na ânsia dos aprendentes por interação significativa na
língua alvo. Assim, ao decidirem interagir com parceiros mais proficientes por meio das
tecnologias digitais os aprendentes contam com a solidariedade comunicativa dos
interagentes, o que os permite “aprimorar”, “treinar” e ampliar por meio da cooperação
os conhecimentos adquiridos.
Assim, a interação mediada por TDIC caracteriza-se por favorecer comunicação
plenamente significativa, já que essas tecnologias ancoram variados processos de
comunicação, os quais por sua vez envolvem: ampla possibilidade de negociação de
sentido; uma rica troca de informações entre os indivíduos, seja com outros aprendizes
ou com usuários proficientes da língua alvo; processos de interação que exigem o
engajamento dos indivíduos (aprendizes ou usuários) na resolução de problemas
mediante o uso da língua alvo; processos de interação que se relacionam com o
desenvolvimento da competência comunicativa, impulsionada pela negociação de
sentido entre os interlocutores. Todos esses processos convergem para a integração
comunicativa dos aprendizes, quando estes investem voluntariamente em processos de
cooperação e negociação de sentido, buscando beneficiar-se das possibilidades de
interação que as tecnologias digitais favorecem.
A emergência de estratégias sociointeracionais deve, portanto, ser compreendida
em conformidade com a emergência de novas possibilidades de interação por meio das
TDIC. Assim, é pertinente investigar se essa emergência se sustenta, por exemplo, no
âmbito dos usos das redes sociais, como facebook e twitter, redes que favorecem trocas
em dimensões planetárias. Ou ainda, na emergência de redes sociais específicas para
198 aprendizes de segunda língua ou de língua estrangeira, como é o caso do livemocha56.
Todos esses mecanismos, a princípio, potencializam a emergência da sociointeração e
de todos os aspectos comunicacionais que convergem no uso de EA dessa natureza.
Assim, considerando a questão retomada no início deste item que indagava a
respeito da relação entre as tecnologias digitais e a emergência de estratégias, e
considerando que a emergência em um SAC se caracteriza pelo surgimento de novos
padrões no comportamento do sistema decorrentes das interações entre os agentes do
sistema, é possível afirmar que a sociointeração é um padrão emergente no SAC ASL
no âmbito dos usos das TDIC. A sociointeração, no entanto, deve ser compreendida
como atuação estratégica complexa e dinâmica, uma vez que envolve uma pluralidade
de processos de interação, cooperação e negociação de significado. Todos esses
processos estão diretamente relacionados à dimensão sociointeracional da autonomia,
como mostramos a seguir.
5.5. A emergência da autonomia como processo de integração comunicativa
Considerando os objetivos propostos na introdução deste estudo,
especificamente no concerne à caracterização da relação entre as estratégias de
aprendizagem (EA) emergentes no contexto das tecnologias digitais de informação e
comunicação (TDIC) e a autonomia dos aprendizes, os dados levantados até aqui nos
permitem afirmar que os usos dessas tecnologias estão diretamente relacionados com o
processo de integração comunicativa, o qual, como discutimos no capítulo 3, vincula-se
à dimensão sociointeracional da autonomia.
Esse processo de integração ganha força nas narrativas à medida que os
aprendizes expõem o propósito de engajar-se voluntariamente em processos de
comunicação significativa mediada por TDIC. Com base nessa meta, esses sujeitos
celebram o fato de que conseguem compreender (exemplo 60) e ser compreendidos por
falantes da língua alvo (exemplo 22), conseguem realizar negócios (exemplo 71),
conseguem fazer amizades (exemplo 75), etc. Todos esses processos remetem à
56 O Livemocha é uma rede social online voltada para a aprendizagem de línguas. Essa rede oferece uma combinação de aprendizagem online de idiomas e prática com falantes nativos, na qual as pessoas ensinam e aprendem umas com as outras. Essa rede pode ser acessada pelo endereço eletrônico: www.livemocha.com.
199 integração comunicativa desses sujeitos, a qual resulta fundamentalmente da utilização
de estratégias de sociointeração, baseadas na cooperação e na negociação de sentido.
É importante notar que o processo de integração comunicativa mediado por
tecnologias digitais, evidenciado nas narrativas, não resulta diretamente de um
programa ou planejamento instrucional, mas do engajamento voluntário dos aprendizes,
os quais buscam integrar-se espontaneamente sem um planejamento formal prévio,
arriscando-se conscientemente a expor suas fragilidades decorrentes, por exemplo, do
pouco conhecimento linguístico.
Esse arriscar-se voluntariamente parece constituir um fator chave na integração
comunicativa, pois ele implica que os aprendizes aventurem-se em interações que
comumente extrapolam os domínios da aprendizagem exolíngue para integrarem-se a
processos que envolvem: resolução de problemas sem um planejamento; tomada
imediata de decisões; desenvolvimento de empatia com o interlocutor como condição
para manter a interação; envolvimento do outro no processo comunicativo; ruídos na
comunicação; etc. O aspecto mais crítico dessa integração, no entanto, é o fato de que
ela depende de interlocutores que não necessariamente compartilham dos objetivos dos
aprendizes, o que implica que nem sempre haverá disposição dos usuários da língua
alvo em contribuir com os aprendentes, já que não há, por exemplo, um contrato de
parceria didática entre eles57. Os resultados desse engajamento podem ser observados
nos exemplos que seguem.
EXEMPLO 75
GN1 N16F ESP ... comecei a treinar então com pessoas da internet e procurar gente pra conversar, conheci muitos amigos na internet, pedia que eles me corrigissem também... E essa interação é exatamente o que me motivava e o que me motiva até hoje, que é fascinante você poder, você sentir que você consegue se comunicar com pessoas de outros países. EXEMPLO 76 GN1 N13M ING O recente advento da internet levou-me à leitura constante, e aprimoramento. Realizei diversos negócios via internet através de troca de e-mails e consegui ser compreendido, o que já me satisfaz de certa forma.
57 Na aprendizagem em regime tandem, como mostramos no capítulo 2, há uma parceria didática prévia entre os interagentes, os quais se comprometem a colaborar com a aprendizagem do outro. No entanto as narrativas aqui analisadas relatam experiências de comunicação em que não há esse contrato didático entre os aprendizes.
200
Os exemplos acima apontam para a evidência de que a integração comunicativa
mediada por TDIC apresenta implicações significativas na motivação dos aprendizes,
uma vez que, ao experimentarem processos de cooperação marcados pela ausência de
competição e pelo espírito de reciprocidade, esses sujeitos avançam em autoestima e
sentem-se encorajados a seguir integrando-se comunicativamente (exemplos 75 e 76).
Nesse sentido é frequente, nas narrativas analisadas, a referência ao contentamento dos
narradores ao conseguirem compreender e ser compreendidos. Nesse caso vemos os
reflexos da integração na motivação dos aprendizes.
Esse processo de integração, conforme mostram as NA, pressupõe uma
diversidade de fatores dos mais variados tipos, tais como: conhecimento linguístico que
permita ao aprendiz minimamente interagir com seus interlocutores (exemplo 62 ); uma
abertura ao seu interagente, permitindo que este o corrija (exemplo 53); a solidariedade
dos interagentes, que eventualmente podem mudar suas intervenções para favorecer a
compreensão do interlocutor (exemplo 69) ; a habilidade de saber observar as interações
para posteriormente integrar-se a elas (exemplo 62 ); estabelecimento de laços afetivos
entre os interlocutores (exemplo 70); o acesso às tecnologias que permitam a interação
(exemplo 64); habilidade de fornecer feedback imediato (exemplo 67); entre tantos
outros agentes inerentes ou alheios à atuação dos aprendizes.
Muitos desses fatores, como vemos, são alheios à atuação dos aprendizes,
sobretudo os fatores relacionados à disposição dos seus interagentes. Desse modo,
devemos compreender que a autonomia, como processo de integração comunicativa,
não deve ser confundida com independência, uma vez que um aprendiz mais autônomo
do ponto de vista sociointeracional é aquele que consegue integrar-se aos processos de
comunicação, conseguindo entender e ser entendido mediante a cooperação e a
negociação de sentido, processos que exigem, inevitavelmente, a atuação do outro, sua
disponibilidade, sua solidariedade, sua reciprocidade, tudo isso sem um contrato
didático preestabelecido. Desse modo, quanto mais integrado comunicativamente,
mais o aprendiz depende do outro.
Á luz dessa multiplicidade de fatores, o processo de integração comunicativa
caracteriza-se por sua natureza complexa, uma vez que envolve uma multiplicidade de
agentes em interação aleatória (o outro, o conhecimento linguístico, a motivação, a
utilização de estratégias, as tecnologias, entre outros), o que implica que a autonomia,
201 como integração comunicativa, é um processo dinâmico que se realiza apenas
parcialmente, de modo que um aprendiz integrado em determinado contexto
comunicativo pode não integrar-se em outro, basta que para isso mudem os fatores que
condicionam sua atuação. Dessa maneira, os aprendizes avançam em graus de
integração, não havendo, portanto, um grau pleno de autonomia, uma vez que em cada
interação eles terão que usar estratégias que garantam sua integração aos processos de
comunicação.
Destarte, a autonomia, como processo de integração comunicativa, caracteriza-se
por sua natureza paradoxal, já que, quanto mais integrado comunicativamente encontra-
se o aprendiz, mais dependente ele é dos outros, dos interagentes aos quais se integra,
pois a integração é dinâmica e se dá em cada processo particular de comunicação. Desse
modo, a cada evento particular de interação os aprendizes precisam (re)integrar-se de
modo a garantir sua participação efetiva, o que não significa que esses sujeitos não
acumulem experiências de um processo a outro. Assim, o processo de integração é,
portanto, permanente e não linear, de modo que nada garante, por exemplo, que um
aprendiz bem integrado comunicativamente em uma determinada situação comunicativa
consiga integrar-se a qualquer outra situação.
Em suma, retomando uma das questões iniciais deste estudo, que indagava a
respeito da relação entre estratégias emergentes e autonomia dos aprendizes,
concluímos que essa relação fica evidenciada nas NA analisadas, uma vez que ao
utilizarem estratégias de sociointeração, baseadas na cooperação e na negociação de
sentido com usuários da língua alvo, os aprendizes integram-se comunicativamente,
avançando em níveis de autonomia comunicativa, a qual dever ser compreendida
sempre numa perspectiva dinâmica e variável.
Finalizamos este capítulo invocando a epígrafe que o introduziu, a partir da qual
compreendemos que a autonomia, enquanto sistema complexo, constitui-se
efetivamente de um amplo tecido de ações, pensamentos, habilidades, interações,
motivações, privações, retroações e tantos outros processos que integram a atuação dos
aprendizes ao aprenderem e ao usarem a língua alvo. Desse modo, só podemos falar de
aprendizes mais ou menos autônomos e nunca plenamente autônomos, uma vez que os
fatores que favorecem sua integração são os mesmos que a restringem.
202
CAPÍTULO 6
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma
como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na História.
(FREIRE, 1996, p.136)
Iniciamos este estudo com uma epígrafe que consistia no reconhecimento da
abertura como traço constitutivo dos sujeitos em relação ao seu meio e com relação aos
outros sujeitos. Assim, ao finalizarmos esta pesquisa, queremos retomar e ratificar esse
posicionamento, que nos acompanhou durante todo esse percurso teórico, metodológico
e analítico, e sem o qual os resultados decorrentes das análises aqui realizadas não
responderiam às questões inicialmente propostas. De início, entretanto, cabe-nos reiterar
que abertura não é traço constitutivo apenas dos sujeitos com relação aos fenômenos
que os rodeiam, mas também dos próprios fenômenos, os quais se abrem aos sujeitos e
aos demais fenômenos, com os quais interagem dinamicamente aninhados.
É nessa direção que tecemos nossas considerações finais a respeito da relação
entre o uso de EA pelos aprendizes de SL e a autonomia desses sujeitos no âmbito dos
usos das tecnologias digitais. De imediato, faz-se necessário reiterar a natureza
complexa dos fenômenos da ASL e da autonomia dos aprendizes, fenômenos que se
caracterizam por sua abertura dinâmica ao aprendiz e ao seu protagonismo estratégico.
É, portanto, no horizonte da complexidade que o fenômeno da autonomia se faz ver com
maior nitidez e ponderação, sem que seja reduzido a uma expressão vazia e atraente.
O primeiro fator que decorre da compreensão da autonomia sob a ótica da
complexidade é o reconhecimento de sua natureza multidimensional e dinâmica. Sua
multidimensionalidade refere-se ao fato de que a autonomia se consolida em diferentes
dimensões, entre as quais reconhecemos a metacognitiva, relativa ao gerenciamento da
aprendizagem, e a sociointeracional, relativa ao processo de integração comunicativa
203 dos aprendizes. Quanto à dinamicidade, esta relaciona-se à natureza instável da
autonomia, em decorrência da interação entre os diversos fatores que atuam sobre ela.
À luz dessa complexidade, a autonomia é competência e integração. Ela é
competência em sua dimensão metacognitiva, em que o grau de autonomia é
proporcional ao nível de competência dos aprendizes em gerenciar o processo de
aprendizagem, mediante mecanismos de planejamento, avaliação, gratificação e
controle da ansiedade. Ela é processo de integração comunicativa em sua dimensão
sociointeracional, em que o grau de autonomia é proporcional ao nível de engajamento
dos aprendizes no uso da língua alvo para a cooperação e a negociação de sentido com
outros aprendizes ou com usuários dessa língua, nativos ou não.
Assim, no que concerne à questão central deste estudo, que indagava a respeito
da relação entre as EA no âmbito dos usos das TDIC e a autonomia dos aprendizes, os
dados quantitativos e qualitativos apresentados no capítulo anterior são eloquentes no
sentido de reconhecer a estreita relação entre as estratégias sociointeracionais
emergentes no âmbito dos usos das tecnologias digitais e a dimensão sociointeracional
da autonomia. Nesse sentido, ao usarem as TDIC para envolverem-se em processos
significativos de comunicação, os aprendizes avançam no processo de integração
comunicativa, a qual constitui a dimensão sociointeracional da autonomia.
No que tange à dimensão metacognitiva da autonomia, não encontramos nas
narrativas indícios da relação entre os usos das tecnologias digitais e a emergência da
competência de aprendizagem. De modo que não é possível afirmar, com base nas NA
analisadas, que o uso dessas tecnologias interfira no processo de gerenciamento da
aprendizagem. No entanto, em um sentido amplo, é possível estabelecermos um nexo
entre os usos das TDIC e a metacognição, uma vez que, ao reconhecerem a importância
dos usos significativos da língua alvo para cooperar e negociar significados e ao
envolverem-se ativamente nesses usos, os aprendizes engajam-se efetivamente no
gerenciamento da aprendizagem.
Como vemos, o estudo sobre a autonomia dos aprendizes a partir das narrativas
de aprendizagem desses sujeitos mostrou-se uma escolha metodológica produtiva, já
que nos possibilitou uma visão ampla do processo de utilização de estratégias no âmbito
específico dos usos das tecnologias digitais, contexto que nos interessava
particularmente. Assim, a pesquisa com base em narrativas mostrou-se um instrumento
204 profícuo à compreensão da complexidade constitutiva do processo de aprendizagem,
uma vez que esses artefatos proporcionam uma visão privilegiada da trajetória dos
aprendizes, revelando as interações dinâmicas que determinam o percurso
idiossincrático de cada sujeito, de modo que, em cada percurso particular, os
aprendentes apresentam-se como protagonistas de sua aprendizagem, responsáveis por
driblarem os obstáculos, gerenciando sua trajetória de aprendizagem e integrando-se aos
usos efetivos da língua alvo.
Esse protagonismo dos aprendizes ficou evidente nas diferentes etapas de
análise. Assim, ao expormos evidências de que a ASL caracteriza-se como SAC, nos
deparamos com a atuação decisiva desses sujeitos, quer adaptando-se às conjunturas do
processo de ASL, quer integrando aprendizagem e afinidades, quer agregando as
tecnologias de seu contexto ao processo de aprendizagem. Do mesmo modo, ao
descrevermos a atuação estratégica dos aprendizes, esses indivíduos manifestaram fortes
evidências de seu papel determinante na superação dos obstáculos impostos pelo
contexto exolíngue de aprendizagem, mediante o uso de uma pluralidade de estratégias,
sobretudo EA de compensação. Por fim, ao tratarmos da emergência de estratégias, nos
deparamos com a atuação categórica desses sujeitos na utilização de estratégias de
sociointeração, processos que exigem engajamento, cooperação, negociação e exposição
dos aprendizes em processos significativos de comunicação.
Em função disso, os aprendizes revelam-se, em suas narrativas, atores
determinantes no SAC ASL, o que pode ser observado na atuação desses sujeitos na
auto-organização do sistema, quando este, por exemplo, se expande para fora das
rotinas instrucionais e se instala no cotidiano, mediante a utilização de estratégias de
compensação, processo amplamente exemplificado nas análises. Ou ainda, quando esses
sujeitos buscam compensar as limitações contextuais no que tange às possibilidades de
usos significativos da língua alvo em seu cotidiano, quer por meio do manuseio criativo
do input disponível (Conversando consigo diante do espelho, traduzindo tudo para a
língua alvo, etc), quer interagindo por meio das tecnologias digitais, que possibilitam
romper o distanciamento dos aprendizes com relação aos usos significativos dessa
língua. Nessa perspectiva, os aprendizes, em seu protagonismo estratégico, atuam como
vetores da auto-organização, da emergência e da adaptabilidade do SAC ASL.
205
A atuação dos aprendentes como protagonistas, no entanto, não deve ser
confundida com uma independência plena desses sujeitos com relação às suas condições
materiais, culturais, instrucionais, cognitivas e sociais, uma vez que o aprendiz vivencia
o paradoxo do protagonismo e do assujeitamento, da driblagem e da submissão, da
independência e da subordinação, do isolamento e da integração, da ordem e do caos, da
abertura e do fechamento, de modo que, só assumindo esse lugar paradoxal os
aprendentes podem constituir-se como sujeitos do processo de aprendizagem. Desse
modo, como protagonistas, os aprendizes refletem a complexidade do sistema ASL,
pois ao utilizarem estratégias eles se abrem ao contexto e se adaptam às conjunturas, ao
mesmo tempo que buscam superar as imposições de seu contexto e driblar as
conjunturas que se lhes impõem.
É nessa perspectiva dialética que a autonomia se apresenta nas narrativas, ora
como competência do aprendiz em gerenciar os recursos materiais e cognitivos em prol
da aprendizagem, ora como (auto)integração aos processos de comunicação. Nesse
sentido, a noção de autonomia experimenta o mesmo paradoxo vivenciado pelo sujeito,
uma vez que ela só pode ser concebida como incompletude, em graus ou em níveis,
nunca em sentido pleno. Em função disso, ela só existe enquanto horizonte utópico, que
se materializa em níveis variáveis de competência e de integração dos sujeitos. Desse
modo, se quisermos compreender de autonomia no âmbito da ASL, devemos voltar-nos
necessariamente à atuação idiossincrática de cada aprendiz, pois é ali, na atuação
estratégica desses sujeitos, que ela se materializa sempre de forma dinâmica e variável.
Em suma, considerando o objetivo principal deste estudo, que consiste em
analisar a relação entre as EA no âmbito dos usos das TDIC e a autonomia dos
aprendizes, e considerando os resultados expostos no capítulo anterior, concluímos que
os usos das tecnologias digitais, particularmente da internet, no processo de
aprendizagem de uma segunda língua relaciona-se com a emergência de estratégias de
natureza sociointeracional. Essas estratégias, baseadas na cooperação e na negociação
de sentido, relacionam-se com a dimensão sociointeracional da autonomia, em que esta
se caracteriza como processo de integração comunicativa dos aprendizes aos processos
de comunicação significativa na língua alvo. Assim, consideramos que no âmbito da
ASL os usos das tecnologias digitais apontam para a sociointeração como atuação
estratégica emergente.
206
Dessa maneira, as tecnologias digitais mostram-se instrumentos que
potencializam a autonomia dos aprendizes, à medida que permitem que sesses sujeitos
se engajem efetivamente em processos significativos de comunicação, permitindo um
intenso intercâmbio cultural e linguístico, um vigoroso processo de produção de insumo
decorrente das interações e um ativo processo de negociação de sentido. Todos esses
aspectos, como mostram as narrativas, representam implicações importantes do ponto
de vista afetivo, uma vez que afetam a autoestima e a motivação dos aprendizes, os
quais passam e reconhecer-se como comunicadores na língua alvo, avançando no
processo de integração comunicativa e progredindo em autonomia.
Limitações deste estudo e recomendações para futuras pesquisas
Para finalizar, apresentamos o que consideramos ser alguns limites do alcance
desta pesquisa, bem como algumas recomendações para futuras pesquisas voltadas para
a autonomia no âmbito da ASL e para o uso de tecnologias digitais na aprendizagem de
línguas.
A primeira limitação que apontamos refere-se ao fato de não termos acesso aos
aprendizes que produziram as narrativas. O conhecimento da realidade desses
aprendizes ou o acompanhamento dos mesmos em seus ambientes de aprendizagem
poderia proporcionar uma compreensão mais fundamentada das estratégias de
aprendizagem por eles utilizadas. Consequentemente teríamos mais dados que poderiam
favorecer a compreensão mais aprofundada dos diversos fatores envolvidos no processo
de integração comunicativa dos aprendizes no âmbito dos usos das tecnologias digitais.
Ao compreender essa limitação, no entanto, não deixamos de reconhecer o valor das
narrativas de aprendizagem como importantes fontes de estudo sobre o processo de
aprendizagem de segunda língua.
Com base nessa limitação, recomendamos que futuras pesquisas passem a
considerar de forma mais contundente, na medida do possível, outras fontes de dados
que possam servir de contraponto às narrativas de aprendizagem, tais como, protocolos
verbais, entrevistas, observação, gravação, entre outros. Porquanto acreditamos que, ao
cruzar dados provenientes de diferentes mecanismos de coleta, o pesquisador terá mais
possibilidades de compreender a complexidade do processo de ASL.
207 A segunda limitação refere-se ao fato de que as narrativas analisadas foram
produzidas até 2007, o que não possibilita que tenhamos uma visão mais aprofundada
das implicações das TDIC no processo de ASL na atualidade, considerando que as
mídias digitais evoluem de forma rápida e que essa evolução representa impactos nas
interações comunicativas. Um reflexo da defasagem das narrativas analisadas no que
tange aos usos das tecnologias digitais é a ausência de referências, por exemplo, às
redes sociais da internet, as quais apresentam, a nosso ver, um elevado potencial de
interação no âmbito da ASL. Nesse sentido, sugerimos que se investigue a emergência
de estratégias de ASL no âmbito dos usos das redes sociais.
208
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ANEXOS ______________________________________________________
ANEXO 1: NARRATIVAS DO GN1 CÓDIGO: GN1 – N01F ING Idade: 19 Escolaridade: Universitário Tempo de aprendizagem: 10 anos Narrativa coletada por Rafaela Oliveira Começei a ter inglês na 3ª série do fundamental.Depois fiz um curso do fisk de 6 anos e ainda tenho inglês na faculdade. O que faço para melhorar meu inglês: ouvir muita música em inglês, e tentar pegar as letras de cabeça, sem precisar procurar, e quando surgem dúvidas de vocabulário sempre procuro no dicionário, aqueles inglês/inglês. E cantar também porque ajuda muito na pronúncia, não preciso ter alguém conversando direto comigo. Vejo filmes legendados e quando dá, tento assistir sem legendas. Ver noticiários em inglês e seguindo as mesmas coisas que faço com as músicas. A internet também ajuda muito porque leio revistas inglesas/americanas e sempre que dá entro em chats e teclo com pessoas de fora para atualizar um pouco o vocabulário e também para não esquecer o que já aprendi.
CÓDIGO: GN1– N02F ING Idade: 22 Escolaridade: superior incompleto - Letras Tempo de aprendizagem: 11 anos Narrativa coletada por Rafaela Oliveira
Comecei a estudar inglês com a minha avó, seguindo o método de L G Alexander. sempre estudei e ainda estudo com ela nesse método (há 11 anos.) hoje, além deste curso, estudo também no Britain, me preparando para o CAE. Sempre fiz o dever de casa q, no caso do método do Alexander, é enorrrme. muita escrita, mesmo. além disso eu gosto de pegar as letras das músicas e traduzir, cantar junto (hehe). assim eu treino ouvido e pronúncia. Gosto também de praticar meu inglês via internet, com estrangeiros. escrevo muito e sempre. no começo eu usava muito o dicionário, mas hoje eu evito.
CÓDIGO: GN1 – N03F ING Idade: 17 Escolaridade: 2º grau incompleto
223 Tempo de aprendizagem: 2 anos Narrativa coletada por Rafaela Oliveira Quando comecei a querer aprender inglês procurei, primeiramente, livros de ensino elementar, que davam coordenadas básicas para o aprendizado da língua, e a medida que ia aprendendo evoluia o nível dos livros. assim que consegui me comunicar em ingles integralmente, passei para a prática: leio revistas, periodicos e jornais de outros países da lingua inglesa pela internet, mantenho amizades com pessoas de diversos países (nativas ou nao da lingua) e procuro fazer exercicios em sites, livros ou cds que fornecem cursos ou ajuda básica para quem se interessa em aprender.
CÓDIGO: GN1 – N04M ING Idade: 16 Escolaridade: ensino médio incompleto Tempo de aprendizagem: 3 anos e meio Narrativa coletada por Rafaela Oliveira Faço curso de inglês, e além disso vejo filme, escuto música. Estou começando a ver filme sem legenda agora, antes só via com legenda. Falo na internet com o povo, escrevendo. Faço o curso todo sábado duas horas, tem um livro, a professora dá música, ela passa filme também, passa exercício, explica a matéria, tem aula de informática com computador, jogos em inglês e tudo...
CÓDIGO: GN1 – N05F ING Idade: 18 anos Escolaridade: ensino médio completo Tempo de aprendizagem: 5 anos Narrativa coletada por Rafaela Oliveira Com o curso aprendi a entender o que as musicas diziam, entendo também uma conversa, mas a minha dificuldade é em falar. Pretendo fazer aula de conversação pra ter mais facilidade. Em casa eu continuo lendo livros, vendo filmes, ouvindo musicas e escrevendo em inglês. As vezes até arrisco uma palavra com meu irmão, sabe! A gente até consegue levar um papo rápido, mas é só isso. -como você aprende sozinha? Fico ouvindo música, vendo filme com legenda em inglês, converso na internet, icq.
CÓDIGO: GN1 – N06F ING Idade: 20 anos Escolaridade: 3o grau incompleto – USF/Itatiba-SP (6o semestre / Curso Letras / Hab. em Inglês) Tempo de aprendizagem da LE: 5 anos (Inglês) Data da coleta: 20/11/2004 Interesse na produção/no olhar da narrativa pela pesquisadora: abordagens de ensino/aprendizagem de LE Narrativa coletada por Elaine Ferreira do Vale Borges
224 Meu aprendizado de Língua Inglesa iniciou-se no último ano do ensino fundamental que foi quando mudou a professora de Inglês do meu colégio (Sesi 242) e comecei a me interessar pela língua. No ano seguinte iniciei meus estudos com uma professora particular, que havia vivido no Texas durante 12 anos, mas depois de um ano parei, pois não estava tendo o retorno esperado. Voltei no ano seguinte a estudar, só que desta vez em uma escola Wizard, onde consegui aprender muito mais, e acredito que minha dedicação era melhor, estava em um momento bom, e odoro músicas então traduzia todas, foi também quando comecei a usar a internet e usar bate-papos para aprimorar meu inglês. Estudei lá dois anos seguidos, depois saí, pois achei que estava muito repetitivo, fiquei parada, ou melhor, sem professora ou escola de inglês por uns seis meses, mas continuei com meus estudos através de filmes e internet. Então achei outro teacher, que eu adoro, ela é minha amiga, mas quando estamos estudando era descontraído e muito válido. Estudei com ela desde o inicio da faculdade, ou seja, 2001 até o 1o semestre de 2004 quando parei, pois estava cansada, mas pretendo retornar em 2005 para continuar aprimorando a conversação. Na faculdade pouco posso falar sobre as aulas de Inglês, foram poucas as que fiz, pois eliminei quase todas, das que fiz não tive muito proveito. durante todo o tempo que estudei, sempre utilizei recursos extra classe: filmes, revistas, internet e livros para manter atualizado.
CÓDIGO: GN1 – N07F ING Idade: 29 Escolaridade: Superior completo - Matemática Tempo de aprendizagem: 2 ANOS Narrativa coletada por Rafaela Oliveira Comecei uma disciplina isolada no mestrado de Educação e Tecnologia no CEFET-MG e fiquei sabendo que eu deveria saber "muito" ingles pois eu pretendia fazer a prova na Federal tambem. Não sabia quase NADA de ingles. O professor Heitor, numa de suas aulas, mandou que nos cadastrassemos na internet para conseguir um contato internacional... Ai me vi numa situação que nao dava mais para "fugir do ingles". em quatro meses eu conseguia comunicar-me tranquilamente. Claro, estudei muito, fiz FISK Basic I,II e III em quatro meses, eu fazia as provas e a professora me acompanhava. Uma coisa que me ajudou muito foi o ICQ. Conversar em tempo real, nos exige resposta rápida e isso me forçou a aprender rápido. Fui muito bem na prova de ingles, mas nao passei no teste do CEFET. Fiz o intermediario I no Fisk e parei no II por falta de dinheiro. Aprendi que a vida ficou muiiiiiiiito mais fácil com o ingles, mesmo o pouco que sei. Acho que as mensagens instantaneas na internet ajudam muito, por exemplo um dia um amigo ao falar sobre a temperatura lá, usou a expressão crispytemperature... como eu não sabia o que era, corri para o translator e achei: crocante.... Logo eu disse para o Timo: Desculpe me mas eu nao entendi o que significa crispytemperature. Então ele me explicou que eu imaginasse um crack sound e a neve a -30º C era como se "pedras" de gelo batessem na vidraça. Coisas assim faz com que o ingles online seja mais "real" apesar que virtual.
CÓDIGO: GN1 – N08M ING
225 Idade: 22 Escolaridade: superior incompleto Tempo de aprendizagem: 10 anos Narrativa coletada por Rafaela Oliveira Comecei a ter aula de inglês no Pitágoras com 12 anos. Com 13 anos entrei no MAI. Tirei FCE no final de 1999 e CAE no final de 2001. Agora faço CPE no Cultura Inglesa. Leio livros de RPG, revistas em quadrinho, livros para faculdade, literatura americana e inglesa. Leio cada vez mais e mais. Converso e escrevo e-mails em inglês. Consulto dicionários. O fato de eu gostar da língua já ajuda bastante, pois eu gosto de aprender vocabulário, etc. CÓDIGO: GN1 – N09M ING Idade: 20 anos Escolaridade: superior incompleto - Letras Tempo de aprendizagem: 5 anos Narrativa coletada por Rafaela Oliveira Bom, eu gosto de inglês desde que eu estava na oitava do fundamental. Eu estudava lá como disciplina do ensino fundamental. Passei pro ensino médio e tive uma experiência muito ruim, os métodos eram tão antiquados, a professora mandava fazer etiquetas no canto de cada página com seu nome e número pra poder checar. Era muito antiquado, e mandava a gente decorar listas de verbos. Então eu pensei que eu deveria estudar sozinho pra poder aprender. Já me interessava quando eu era menor quando eu entrei e tive uma experiência dessas eu pensei 'vou ter de estudar sozinho pra eu aprender'. Aí eu comecei. Como eu já era fã de bandas tipo Oásis, Pearl Jam eu comecei a estudar letras dessas músicas, das musicas das bandas. Eu comecei a ouvir e pegar a letra. Já pegava a letra pronta, estudava a letra, traduzia a letra. Depois eu comecei a prestar atenção pra ver se eu conseguia pegar algum som, pra conhecer sons. Eu ouvia um som assim na letra eu pensava que era uma palavra. Eu pensava 'bom, deve ser tal palavra' aí eu tentava ver se eu conseguia achar escrito da maneira que eu pensei que pudesse ser no dicionário. Aí quando eu achava no dicionário essa tal palavra eu ficava muito feliz, aí eu já aprendia uma palavra a mais. Mesmo que não fosse aquela. Eu tentava sempre ficar pensando em inglês. Sempre que eu pudesse eu lembrava assim 'eu to pensando nisso, vou tentar pensar em inglês'. Eu discutia comigo mesmo meus problemas em inglês. Isso me ajudou muito também. E sempre que eu tinha oportunidade, eu não tinha computador, eu ia pra casa do meu sobrinho, que lá tinha computador, e ficava conversando no SITE do ICQ. Eu entrava no SITE DO ICQ Inglaterra, e conversava nas salas da Inglaterra, e começava a conversar com o pessoal. Geralmente eu ficava seis horas por domingo, lá na frente conversando, tentando usar o que eu aprendi com as músicas e entrevistas que eu via, sempre prestando atenção ao que eles estavam falando e lendo as legendas também. Eu acho que o que me ajudou muito é que eu estou num ambiente em que se fala só em inglês. Pelo menos dentro da sala de aula. Eu faço muitas matérias em inglês. Literatura inglesa, fonologia. Então eu acho que me ajudou muito porque lá eu estou falando só em inglês. E também eu encontrei muita gente, porque antes eram poucos os que eu conhecia que falavam inglês. Então agora eu conheço muita gente falando em inglês, então estou sempre tentando praticar com os amigos. Sempre tem estrangeiro, tem brasileiro que falam inglês então eu estou sempre tentando conversar na língua que estou aprendendo. Por exemplo, italiano. Estou aprendendo italiano também e quando eu acho um amigo que fala italiano eu estou sempre praticando. CÓDIGO: GN1 - N10F ING
226 Idade: 17 Escolaridade: 2º grau incompleto Tempo de aprendizagem: 8 anos Narrativa coletada por Rafaela Oliveira Assisto filmes sem legenda ou com a legenda em inglês leio livros (romances) PESQUISO SOBRE MÚSICA (MEU HOBBIE) NA INTERNET tiro letras de músicas de ouvido escrevo as letras das músicas da minha banda (em inglês) estou sempre fazendo testes como o TOEIC para verificar meu nível e me preparar para testes como o CAE Cursos de férias. É assim que faço para aprender e continuar aprendendo inglês. CÓDIGO: GN1 – N11F ING Idade: 20 anos Escolaridade: superior incompleto Tempo de aprendizagem: desde 1999 Narrativa coletada por Rafaela Oliveira Para aprender inglês costumo: •Ouvir músicas, depois procurar a letra e traduzir as palavras que não conheço; •Ouvir fitas de cursos de inglês. •Pegar livros no cenex de nível básico ou intermediário para ler e traduzir as palavras que não conheço; •Ler livros de contos infantis como por exemplo: Alice no país das maravilhas, e depois ouvir a fita cassete referente ao livro; •Ler artigos científicos da área de biblioteconomia e procurar as terminologias específicas desta área em dicionários de inglês especializados em biblioteconomia; •corresponder com estrangeiros em inglês por e-mail ou por carta; •acessar sites da internet de revistas ou jornais em inglês. Ex: seventeen, rolling stones, the sun, helo, etc. •Acessar sites de minhas bandas internacionais favoritas e ler as notícias; •Navegar na internet em sites em inglês; •Assistir filmes em inglês e tentar não ficar lendo a legenda e prestar atenção nas falas; •Uso o dicionário da Larousse. CÓDIGO: GN1 – N12 M ING Idade: 25 Escolaridade: Superior completo Tempo de aprendizagem: desde os 12 anos Narrativa coletada por Rafaela Oliveira Bom, comecei tendo aulas de inglês lá no Colégio Marconi onde estudei, mas nunca levei aquilo à sério não. Só descobri que eu conseguia traduzir as coisas quando eu tava no segundo ano do segundo grau. Depois que entrei na UFMG, fiz um semestre num curso lá do ICEx, que não valeu de nada e não estudei mais inglês. Acabei aprendendo lendo artigos científicos, ouvindo muita música, vendo filmes e acessando a internet, ou seja, a coisa aconteceu naturalmente, eu nunca fiz nada com o objetivo exclusivo de aprender ou melhorar meu inglês. Como eu disse, usar a internet, ver filmes e ouvir música ajudou bastante. Além da necessidade (bibliografia em inglês). Fico vendo filmes sem ler a legenda, tento entender as letras das músicas, falo inglês quando posso.
227 Depois que entrei nessa de internet, a coisa foi mais rápida. Eu sempre me forcei a entender o que estava escrito em determinado lugar e tal... Na marra mesmo. Eu sempre procuro entender o significado de expressões e palavras que não conheço através do contexto, evito ao máximo o uso de dicionário. Acho que isso ajuda. CÓDIGO: GN1 – N13M ING Idade: 23 Escolaridade: 3º grau incompleto (Engenharia Civil) Tempo de aprendizagem: 8 anos Narrativa coletada por Rafaela Oliveira Minha aprendizagem começou do meu contato direto coma cultura dos EUA, principalmente os quadrinhos e o cinema. Por livre associação de cognatos e muitasprocuras ao dicionário, aprendia algumas palavras e expressões. Depois, o uso freqüente de videogames forçou-me a aprender mais para conseguir jogá-los adequadamente. Quando comecei a aprender inglês no colégio público,a disponibilidade de um professor e de um livro didático levou-me ao estudo autônomo, reforçado por livros de linguagens simples, filmes legendados (costumava fechar os olhos para escutar as palavras) e revistas em quadrinhos. Entretanto, quando comecei a jogar RPG é que eu tive que aprender de verdade, pois a grande maioria dos livros na época (1997, 1998) era em inglês. Prossegui na leitura e em todos os outros métodos rudimentares, porém eficientes, de aprendizado. Já com 18 anos lia livros normalmente e traduzia trabalhos técnicos para minha irmã, que fazia faculdade na época. Quando me dei conta, já entendia filmes e desenhos sem legenda e escrevia com bom rendimento. O recente advento da internet levou-me à leitura constante, e aprimoramento. Realizei diversos negócios via internet através de troca de e-mails e consegui ser compreendido, o que já me satisfaz de certa forma. Julgo que até hoje estou aprendendo e percebo que devo seguir um passo à frente, com algum tipo de curso, autônomo ou não, para conseguir falar e escrever fluentemente. *Você se limitou a seguir instruções de seus professores ou utilizou estratégias próprias? Audição de músicas com letra original em mãos; Filmes sem legendas, depois com legendas; livros didáticos; videogames; qualquer tipo de leitura não-coloquial, até mesmo certos sites de internet. TV a cabo. Livros técnicos e artigos técnicos. Em resumo, aprendo por inércia, lenta e gradualmente. CÓDIGO: GN1 – N14F ING Idade: 19 anos Escolaridade: superior incompleto Tempo de aprendizagem da língua: 10 anos Narrativa coletada por Rafaela Oliveira em março/2004 Bom, desde criança sempre fui fascinada por inglês e comecei a aprender a língua aos 09 anos, em um cursinho próximo à minha casa. Aos 11, comecei a estudar no NumberOne e me adaptei
228 muito bem ao método da escola. Inicialmente, não tinha consciência de ferramentas que poderiam ser úteis para potencializar meu aprendizado. No entanto, sinto que meu contato direto e constante com a música me ajudou bastante, tanto na aquisição de vocabulário (queria entender a mensagem de cada música e por isso me interessava em buscar no dicionário o significado das palavras que não conhecia) como na pronúncia e "listening". Mais tarde comecei a me interessar por filmes, o que também foi muito importante. Depois de estudar no NumberOne por 7 anos fui convidada para ser professora da escola, o que sem dúvida constitui grande fonte de aprendizado. Como o Fabrício e a Gláucia, senti que meu inglês melhorou consideravelmente depois que entrei na faculdade, principalmente as minhas "writingskills". Não tenho contato com nenhum falante nativo, mas, como a gláucia, mantenho o hábito de assistir a filmes e ouvir música (com atenção e curiosidade) e freqüentemente visito sites em inglês na internet. CÓDIGO: GN1 – N15F ING Idade: 17 anos Escolaridade: ensino médio incompleto Tempo de aprendizagem: 4 anos Narrativa coletada por Rafaela Oliveira “Meu primeiro contato com a língua foi no ensino fundamental, na sétima e na oitava série. O ensino era insuficiente e muito deficitário e por isso eu procurei outros meios para aprender por causa do meu grande interesse pela língua. Comecei a estudar sozinha. Peguei livros elementares ia estudando até os avançados, fazendo os exercícios, até adquirir uma fluência básica, independente na escrita e na leitura. Depois procurei meios alternativos e diários, tipo música cantada em inglês, telejornais de outros países para me ajudar na escuta, revistas, e na internet leio periódicos e escrevo em inglês. E quando tudo isso exige de mim um vocabulário maior do que eu tenho procuro sempre me aprimorar para permanecer ligada e dar continuidade ao estudo.” CÓDIGO: GN1 – N16F ESP Idade: 21 anos Tempo de estudo da língua: 6 anos Narrativa coletada por Ana Paula Alves de Oliveira em março de 2006 Desde o meu primeiro contato com o espanhol eu sempre achei a língua muito interessante. Eu tinha uns treze anos quando eu assisti a algumas aulas de um curso que minha mãe fazia, no qual, havia o espanhol como língua estrangeira. Depois de dois anos, eu realmente entrei num curso particular, porque minha mãe achava importante falar um idioma estrangeiro e nesse caso eu escolhi o espanhol pela afinidade que eu já tinha tido antes. Então, nesse curso, as aulas eram muito boas, a professora nativa, então ela falava o tempo inteiro, desde a primeira aula, em espanhol com a gente. Evitava traduzir, usava a estratégia de explicar no idioma o que a gente queria saber. Tinha gramática mas as aulas eram bastante diversificadas, o curso tinha infra-estrutura boa... Tinha aparelho de som, a professora levava música, tinha livros que a gente podia ler, filmes, legendados em espanhol, por exemplo, e uma
229 vez a gente fez uma classe de cozinha e aí a gente fez uma receita típica....então tinha bastante aspecto cultural também envolvido nas aulas e era muito legal lá, nessa parte Quando eu comecei a aprender um pouquinho eu já.... eu gostava muito de participar, a interação era muito efetiva na aula e sempre tinha atividades em grupo pra gente falar... a oralidade foi desenvolvida. Aí quando eu comecei a aprender eu levava música, comecei a tentar traduzir música, levava expressões, perguntava a professora o que significava, e então amigas minhas que gostavam de música espanhola me pediam a tradução eu traduzia pra elas. Com isso eu comecei a pegar facilidade, eu tinha uma certa facilidade pra pegar gramática e falava bastante nas aulas, aproveitava o tempo das aulas pra estar em contato, pra usar o idioma, falava com o espelho, pensava “como deve-se falar isso em espanhol?”. E com isso, meu objetivo foi procurar nativos, pra conseguir falar espanhol, e comecei a treinar então com pessoas da INTERNET e procurar gente pra conversar, conheci muitos amigos na INTERNET, pedia que eles me corrigissem também, e isso me influenciou pra procurar o curso de Letras que eu sabia que era uma possibilidade de estar em contato com mais nativos, de aprender mais a língua. E essa interação é exatamente o que me motivava e o que me motiva até hoje, que é fascinante você poder, você sentir que você consegue se comunicar com pessoas de outros paises, viajar, e falar a língua daquelas pessoas, ter consciência lingüística da sua variante....isso tudo é o que me motiva com o espanhol até hoje. CÓDIGO: GN1 – N17F ESP Idade: 21 Tempo de estudo da Língua: 4 anos Narrativa coletada por Ana Paula Alves de Oliveira em abril de 2006 Eu estudo espanhol há quatro anos, a minha experiência... o que me despertou o interesse pela língua foi: eu tive uma professora no segundo grau, e ela era espanhola e ela tinha uma pronúncia toda especial e eu sempre gostei... ela trazia músicas, de bandas espanholas, coisas super diferentes, principalmente trabalhava a questão da cultura, a questão dos hábitos culturais diferentes e me interessou bastante. O que me ajudou a aprender a língua foram, o meu interesse mesmo... comecei a buscar na INTERNET, a ouvir música em língua espanhola, é uma coisa que eu adoro, ler textos literários, eu também gosto muito, e isso me ajudou a caminhar até ao nível que eu estou que é o espanhol IV. Atualmente minha estratégia de aprender a língua tem sido bem reduzida. Eu tenho ouvido muito pouca música. Atualmente eu tenho lido mais do que falado, ou mesmo escrito. CÓDIGO: GN1 – N18F ESP Idade: 23 anos Escolaridade: superior incompleto (último período - Letras) Tempo de aprendizagem da língua: 3 anos e meio Narrativa coletada por Rafaela Oliveira em março/2004 Conto agora sobre minha experiencia como estudante de espanhol. Meu ingresso na faculdade tem relação direta com minha aprendizagem da língua. Entrei na faculdade no primeiro semestre de 2000, pensando em fazer licenciatura em português. Comecei a fazer o português e algumas matérias em espanhol (pro G9). Só que comecei a gostar muito dessa língua e um ano depois resolvi mudar para o espanhol. Ótima idéia. Entrei na faculdade sem saber como se dizia "eu" em espanhol e por isso tive que me esforçar muito, pois alguns dos alunos já haviam feito cursos fora da faculdade e eu me sentia "atrasada" para quem queria dar aulas um dia. Quando eu fazia o segundo grau e cursinho pré-vestibular,
230 nunca estudava espanhol, só inglês. Meu primeiro contato com a língua se deu realmente só na faculdade (graduação). Vi que a concorrência no mercado seria grande mas não desanimei. Nesta época estava trabalhando como professora de português em escolas e cursinhos pré-vestibulares, de modo que não podia me dedicar como queria ao aprendizado da língua, mas sempre que podia gastava horas lendo e ouvindo canções em espanhol, além de conversar muito com nativos pela internet (nesse caso aprendi e desaprendi muito). Resolvi estudar "de qualquer jeito", pegava livros de todos os tipos na biblioteca, lia livros de literatura, para crianças, comecei a tentar traduzir as canções que conhecia para o português. Além disso, todas as páginas NA internet que eu consultava eu observava antes se podiam ser lidas em outros idiomas e os mudava para o espanhol, até mesmo meu E-MAIL, que até hoje é do "yahoo" da Espanha. Tentava traduzir até as embalagens de produtos que normalmente vem em português e espanhol, e também adesivos nas janelas dos ônibus. Creio que o que mais me ajudou foi esse aprendizado fora de clase, uma época em que eu "mergulhei" na língua de todas as maneiras. Alguns professores me auxiliaram muito. Inclusive, por serem eles de diferentes nacionalidades (Chile, Brasil, Argentina) e terem diferentes acentos, carrego hoje esse reflexo, e meu acento é uma mistura de tudo, foi muito influenciado por causa do acento dos meus professores. Eu tinha que fazer algo pra aprender "de mim mesma". Me matriculei no CENEX, mas ao terminar o nivel 1, começaram a "tirar" as bolsas dos alunos e eu infelizmente tive que parar. Continuei estudando "sozinha", muitos professores da graduação me ajudaram muito e então eu fiz o teste de nivelamento, me passaram para a redação e conversação, mas eu ainda não tinha dinheiro pra pagar... CÓDIGO: GN1 – N19F ESP Idade: 24 Tempo de estudo da língua: 6 anos Narrativa coletada por Ana Paula Alves de Oliveira em maio de 2006 _Eu comecei a estudar espanhol na faculdade. O que me motivou a estudar... a aprofundar meus conhecimentos foi que surgiu uma oportunidade de eu dar aula de língua espanhola e... as minhas técnicas de aprendizagem é ouvir músicas em espanhol....tanto latino americanas quanto da Espanha e... ver filmes... de vez em quando uma leitura de um livro, leitura de textos metodológicos... _E o que você continua fazendo pra aprender? _Bom, na verdade, ultimamente eu não disponibilizo muito de tempo e aí o que eu tento fazer é participar das aulas do Educonle, tento ouvir mais músicas, ver mais filmes em espanhol...e sempre que aparece um curso de atualização e que eu posso né... fazê-lo e que eu saiba que eu vou ter um bom rendimento, eu procuro fazê-lo. _Tem contato com nativo, ou usa alguma ferramenta? _Contato com nativo não... _Usa INTERNET... essas coisas? _Ah sim! Até de vez em quando eu visitava um CHAT peruano...mas assim...um pouco pela falta de tempo, ultimamente eu tenho deixado a desejar nessa parte de atualização, de cursos...
231 CÓDIGO: GN1 – N20M ESP Idade: 20 anos Escolaridade: Superior Incompleto - Relações Internacionais/ Direito Tempo de aprendizagem: 2 anos Narrativa coletada por Elisa Lioe em agosto/2004 Meu nome é XXX. Eu estudo espanhol atualmente, eu estudei inglês,e estudo espanhol porque eu preciso de estudar, e em casa, para aprender mesmo, eu leio geralmente livros mesmo que é o que eu uso, e costumo alugar filmes, gosto de escutar muita música em espanhol, essas coisas, para ver se eu pego um pouco de fluência, porque a gente aprende bastante a falar, escrever, mas ouvir, estou sentindo um pouco mais de dificuldade, até porque cada lugar tem um sotaque, essas coisas todas. E você faz alguma coisa em casa? Em casa, eu não estudo muito não porque não tenho muito tempo, o máximo que faço é assistir um filme, e à vezes quando estou mexendo na INTERNET, e tem página em inglês, espanhol, francês, eu procuro ler em espanhol, para ver se eu pego muito vocabulário, essas coisas, mas não costumo estudar muito.
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ANEXO 2 : NARRATIVAS DO GN2
CÓDIGO: GN2 N01 F ING Idade: 28 anos Escolaridade: superior incompleto - Letras Tempo de aprendizagem: 07 anos Narrativa coletada por Rafaela Oliveira
Comecei a estudar inglês com 13 anos de idade, em um curso livre de Belo H. (sem considerar a disciplina oferecida na escola, na 5a e 6a série do ensino fundamental, que não pareceu cumprir seu papel). A princípio, limitava-me em seguir as instruções da professora, até que comecei a assistir seriados de televisão (dos mais simples, com duração de 30 minutos e voltados para pré-adolescentes e adolescentes, como, por exemplo, "Small Wonder" e "Mysecretidentity") e desenhos animados no som original, sem legendas. É claro que não entendia tudo o que era dito, mas a idéia geral e grande parte das situações mais específicas eram bem compreendidas. Com 16/17 anos, comecei a ler livros de autores que já conhecia (através de traduções em português) e de quem gostava muito: preferi as versões originais (e não as reduzidas, didatizadas), ainda que pensando que não conseguiria ir até o final deles por falta de compreensão. Ao final do primeiro livro, em tempo razoavelmente curto e bastante satisfeito com meu entendimento, percebi que poderia continuar lendo os originais (é curioso lembrar que os professores, nessa época, não nos pediam ou indicavam livros de leitura, como atividades extra-classe). Tornou-se um costume, também, assistir, quando existentes, às adaptações cinematográficas desses livros (o que, entretanto, nunca me fez deixar os livros de lado, por melhor que fossem os filmes). Com o tempo, passei a ler livros de autores que ainda não conhecia e fiz também cursos onde deveríamos, como parte do programa, lê-los e discutí-los. Finalmente, habituei-me a tomar notas de estruturas e palavras novas e atrativas, para usá-las nos textos que tinha que escrever, e, ocasionalmente, quando adequadas, na linguagem oral.
CÓDIGO: GN2 N02 F ING Idade: 22 anos Escolaridade: superior incompleto - Biblioteconomia Tempo aprendizagem da língua: 4 - 5 anos Narrativa coletada por Rafaela Oliveira
Gosto muito de estudar inglês. Tento aprender muito com letras de música. Ultimamente tenho lido muito. Pego palavras que não sei e olho no dicionário, pego fita de cursos de livros para ficar ouvindo quando não tenho nada pra fazer. -Você já fez aula? Estou fazendo um curso. Eu também tenho contato com estrangeiros, hospedei um americano, conversava com ele. Também conversei com holandês que falava muito bem inglês. Acho que é muito importante para praticar. Acho que estar recebendo estrangeiros foi muito legal. Aprendi muita coisa que você não aprende na escola, a questão das gírias, como os jovens conversam, não é aquela coisa muito 'certinha'. Foi muito difícil no começo, mas depois é muito mais fácil perceber as coisas. -O que você quer fazer com o inglês agora? Ah, eu gosto de falar, para o meu curso vai ser bom. Eu tenho que saber ler muito bem, tenho que saber escrever. Pretendo fazer pós-graduação no exterior. Eu quero também viajar pelo mundo e acho que o inglês é básico.
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CÓDIGO : GN2 N03M ING Idade: 24 anos Escolaridade: superior incompleto - Artes Cênicas Tempo de aprendizagem: 1 ano Narrativa coletada por Rafaela Oliveira Bom, meu aprendizado do inglês é de uma forma mais autônoma, em casa mesmo, com música. Primeiro eu tento eliminar todos os ruídos externos, aí por isso eu uso fone de ouvido para ouvir música, com a letra, lendo a letra e depois procurando tradução para essas letras. Algumas palavras que eu não conheço eu olho no dicionário. E em vídeo, eu elimino, também em dvd, a legenda em português, assistindo o filme só em inglês pra ver se eu pego a pronuncia. Quando tudo começou eu não tinha interesse nenhum em inglês. Eu aprendi inglês na escola e colava em todas as matérias que eu fazia as provas. Mas eu senti muita falta do inglês quando entrei pra universidade. Senti muita falta de aprender outra língua. Nunca fiz curso de inglês. O aprendizado básico que eu tive foi em escola comum.
CÓDIGO: GN2 N04F ING Idade: 20 anos Escolaridade: superior incompleto - Letras Tempo de aprendizagem: aproximadamente dois anos Narrativa coletada por Rafaela Oliveira
Meu contato com a língua inglesa foi numa escola de idiomas e informática, Prodata, que fornecia as aulas duas vezes por semana. O método era seguir o livro que continha exercícios de conversação, listening, escritos. Na época eu me dedicava praticamente mesmo só no tempo de aula. Fora alguns exercícios que eu fazia em casa. -me fala sobre seu contato com a língua meu contato... Bom, sendo inglês uma língua que está inserida mesmo no contexto do nosso terceiro mundo, é uma língua que você está automaticamente em contato diariamente mesmo. Out door, as próprias palavras, os empréstimos lingüísticos e tudo. Então esse contato ele é muito com certeza. E o gosto também pelo rock, pela música. Isso tudo me fez ter essa vontade de aprender a língua e ter um contato mais profundo, traduzia letras de música.
CÓDIGO: GN2 N05F ING Idade: 23 anos Escolaridade: superior incompleto - Química Tempo de aprendizagem: 2 anos Narrativa coletada por Rafaela Oliveira Quando eu comecei a estudar, eu estudava mais sozinha, eu pegava música, ouvia, lia textos. A minha exigência maior é em leitura. Eu leio em inglês, mas eu não falo. Estou tentando aprender a falar. Agora estou aprendendo mais gramática.
234 Eu faço no curso no Cenex. Lá tem parte de comunicação, que ajuda um pouco, porque a gente tem que falar, e eu estou querendo mesmo aprender a falar, e um pouco de gramática também. Eu não tenho muito tempo pra estudar fora. Acaba que, quando eu tenho um tempinho pra estudar, eu estudo mais gramática. Não estou conseguindo ter uma estratégia atualmente não. O inglês aparece na minha vida em forma de músicas, cinema, a literatura da minha área. Eu faço Química e a literatura da minha área é em inglês. Muitos termos que usamos em laboratório são em inglês e a gente não traduz. Muito termo, muita palavra que a gente não traduz. A gente sabe o que é, a gente entende o conceito, entende como aplica, mas normalmente a gente ao consegue traduzir. É comum nas palestras da área.
CÓDIGO: GN2 N06F ING Idade: 17 anos Escolaridade: cursando ensino superior - Letras Tempo de aprendizagem da língua: 7 anos Narrativa coletada por Diógenes Lima em agosto/2004 Comecei a ter contato com a Língua inglesa na 5º série, mas a cada ano que passava sempre aprendíamos o verbo To Be, assim se deu até a 8º série.No Ensino – Médio houve um avanço, pois aprendíamos Inglês de uma forma divertida, fazíamos dinâmicas em grupo e líamos textos interessantíssimos, com assuntos atuais como a coca-cola, a Aids e as estrelas, tudo isso nos motivava. Atualmente estou na Faculdade meu curso é Letras com Inglês, mas com reforma da grade curricular, o curso será voltado para a língua Inglesa, e é por isso que eu estou buscando meios de aprimoramentos para que eu possa me abrir a esse novo aprendizado e valoriza-lo.
CÓDIGO: GN2 N07F ING Idade: 22 Escolaridade: superior em curso Tempo de aprendizagem da língua: 5 anos Narrativa coletada por Rafaela Oliveira em março/2004 Minha história com o aprendizado de inglês começou com o meu irmão, Vinícius. Ele era aluno do NumberOne, e acho que a primeira vez que me conscientizei sobre o aprendizado de língua estrangeira foi na formatura dele nesta escola. então ele foi para os EUA e foi aí que comecei a ter mais contato com a língua. Com o retorno do Vinícius comecei a estudar inglês no #1.Após quatro anos de estudo decidi cursar Letras. Além das duas aulas por semana sempre me interessei por outras coisas relacionadas à língua inglesa como:música, assistia filmes em inglês e colocava fita isolante na legenda para praticar a habilidade de 'listening'. Há 2 anos eu leciono no #1 e estou muito feliz com isso.
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CÓDIGO: GN2 N08M ING Idade: 22 anos Escolaridade: Superior incompleto Tempo de aprendizagem da língua: 7 anos Narrativa coletada por Rafaela Oliveira em março/2004 Bem, estudo inglês desde os 10 anos de idade, quando comecei a aprender esta língua na escola onde estudava. Porém, só comecei a falá-la melhor quando entrei para o CCAA, onde estudei por seis anos. Acho que o curso foi bom, embora fosse o método audio-lingual, com pouco espaço para comunicação. Sempre fui apaixonado pela língua e isso me ajudou bastante no aprendizado. O primeiro instrumento usado por mim neste processo foi o dicionário. Eu adorava e ainda adoro matar as minhas curiosidades nele. Com o passar do tempo, já com uma certa bagagem sintática e lexical, eu passei a prestar mais atenção em filmes e músicas e dessa forma aprimorei o meu "listening". Depois de entrar na faculdade eu tive bastante contato com a língua na sua forma escrita e isso melhorou o meu "reading" assim como o "writing". Sempre que tenho a oportunidade de conversar com um estrangeiro, o faço para tentar ganhar certa fluência no meu "speaking". Gosto muito de gramática e acho que ela me ajudou bastante nesse processo. Devo dizer que a memorização de palavras e de regras gramaticais foram essenciais para mim.
CÓDIGO: GN2 N09F ING Idade: 21 Escolaridade: 3º grau incompleto Tempo de aprendizagem da língua: cerca de 10 anos Narrativa coletada por Rafaela Oliveira em março/2004 Comecei estudando Inglês quando tinha uns 11 anos. No inicio, não foi por vontade própria era necessário, já que como sabemos, o inglês não somente é essencial no mercado de trabalho, mas também é a língua mundial. A minha primeira escola de inglês foi o ICBEU, onde estudei uns dois anos, sendo que depois me mudei para a Cultura Inglesa. Sempre gostei de ler muito, por isso gostava de pegar livros, revistas e até revistinhas em quadrinhos na biblioteca, e isso talvez foi uns dos fatores que me ajudou no inglês, uma vez que você adquire mais vocabulários, e no caso de revistas e revistinhas, aprende até algumas gírias. Quando estava com uns 15 anos, comecei a escutar músicas cantadas em inglês não só pelo ritmo, mas prestando atenção na letra, no que eles estavam cantando, e sei que isso me ajudou bastante a aprimorar o meu listening. Adoro o inglês, e foi por esse motivo que decidi prestar vestibular para Letras. Hoje em dia, tenho a oportunidade de estar sempre em contato com o inglês devido as aulas na Fale, e além de ler muitos livros e materiais em inglês, e de escutar muitas músicas, assisto muitos
236 programas em inglês, já que adoro quase todos os seriados que passam na tv a cabo (como os da Sony, Warner, Fox, dentre outros).
CÓDIGO: GN2 N10M ING Idade:26 anos Escolaridade:3 grau(incompleto) Tempo de aprendizagem da língua: sete anos Narrativa coletada por Rafaela Oliveira em março/2004 A língua estrangeira que estudo é o inglês. São muitos anos de estudos, que começaram nas escolas públicas com a velha prática do verbo TO BE, passando para exercícios que eu não compreendia muito bem e completando com as listas de verbos e vocabulário que tínhamos que decorar. E assim foi pela 5º, 6º, 7º e 8º séries. Uma repetição geral de tudo. Para mim aquilo em nada representava uma aula de inglês. Nada me fazia acreditar que eu estava aprendendo inglês. Os resultados eram muitos lentos e eu tinha pressa em aprender. Quando percebi o quanto ainda faltava para conseguir a falar fluentemente e que os métodos escolares eram ineficientes resolvi entrar em uma escola particular. No curso particular os métodos eram parcialmente diferentes, trabalhávamos com um programa de computador que detinha todas as tarefas do período. Os métodos de ensino eram livros, fitas cassetes, exercícios e provas. Foi muito difícil para eu me adaptar, pois o meu nível de inglês era baixo. Para aprender as estruturas básicas do inglês comecei a ler livros de fácil assimilação. Comecei a criar frases com os auxiliares e preposições. Os tempos verbais também foram uma grande dificuldade no estudo do inglês. Após terminar o curso intermediário, comecei a estudar com professores particulares para tentar os certificados de proficiência. E comecei a ter aulas na UFMG. Eu concluí as três habilidades de inglês, fiz uma literatura, uma matéria de prática de ensino e agora estou fazendo outra literatura. É claro que o meu conhecimento não era suficiente para dar conta de tudo, mas me esforcei ao máximo na leitura, o que era uma grande dificuldade. A leitura e a escrita ainda são problemas que devo corrigir. CÓDIGO: GN2 N11F ING Idade: 26 Escolaridade: Superior Incompleto (Letras) Tempo de aprendizagem da língua: 4 anos Narrativa coletada por Rafaela Oliveira em março/2004 Minha história de aprendizagem do idioma inglês tem seguido por vários caminhos. Comecei a estudar este idioma sem nenhuma motivação para o mesmo, uma vez que este estudo não partira inicialmente de meu interesse pessoal e sim de uma imposição familiar. Estudei desta forma por aproximadamente 02 anos alcançando resultados minoritários. Era muito desconfortável não conseguir acompanhar as aulas e principalmente, ver o desenvolvimento, às vezes, gritante dos outros alunos. Meu estudo se resumia a decorar as matérias próximo aos exames. Desta forma continuei até o meu vestibular onde fiz a escolha pelo curso de Letras. Minha família perguntava o motivo da minha escolha e eu afirmava: agora eu vou aprender Inglês de uma vez por todas! O fato é que, no decorrer da minha errante experiência comecei a sentir gosto pela sonoridade do idioma, sua praticidade comunicativa, sua atuação na sociedade globalizada. Inicie o curso com o pensamento em avançar no idioma inglês. Novamente, me deparei com situações onde o meu conhecimento se mostrava insuficiente, mas desta vez eu tinha o maior dos incentivos: a responsabilidade que é seu uma professora. Nesta minha segunda fase, dediquei a princípio a tentar superar o meu bloqueio de falar e para isso tive que me matricular em um curso de conversação particular, eu e o professor, com apenas um objetivo, falar correta ou erroneamente. Este foi um dos passos primordiais no meu aprendizado, pois aquela era uma situação que me obrigava a falar, e lentamente fui me tornando mais proficiente. Agora estou com meu foco direcionado para minha outro grande dificuldade: gramática. Eu consigo escrever
237 mas ainda apresento alguns erros que conscientemente precisam ser melhorados. Para isso estou pensando em tornar o meu curso particular mais direcionado para o estudo da sintaxe. Em resumo, não acredito que minha história de aprendizagem seja muito diferente da maioria dos estudantes que passam por um período mecânico, acompanhados de professores que apenas fazem o que está no livro sem nenhuma criatividade, provocando uma sucessão de fracassos, até o momento em que tornamos os responsáveis pelas nossas escolhas e passamos a desenvolver métodos particulares para resolver falhas muitas vezes antigas.
CÓDIGO: GN2 N12F ING Idade: 23 Tempo de aprendizagem de inglês: 7 anos Narrativa coletada por Luciana Silva Comecei a estudar inglês quando eu estava na 7ª série. Porém, não gostei da escola nem do idioma, e desisti no semestre seguinte. Quando entrei no 2º grau (técnico em administração de empresas) fui fazer estágio em um cursinho de idiomas, e em troca do trabalho ganhei direito a bolsa de estudo (100%) em inglês. Para mantê-la, eu tinha que manter rendimento igual ou superior a 90%. Com isso, comecei a estudar muito e por causa desta motivação extrínseca, comecei a ter destaque na sala de aula. Quando cheguei no nível intermediário (após 4 anos de estudo) um professor faltou e fui convidado para substitui–lo. Apesar do medo, tive bom desempenho e decidi ser professor. Uma coisa (atitude) que muito me ajudou foi as diversas anotações que sempre fiz nos livros. Não ouvia muita música mas adorava repetir as “conversations” do livro didático.
Sempre fiz o “homework” pois gostava de mostrar que eu acertava. Usei muita gramática, mas estudava sem muita motivação; quando passei a ensinar e carregar a responsabilidade de saber de um professor, passei a estudar com mais interesse. Outra atitude que contribuiu para o meu aprendizado foi as diversas redações que sempre gostei de escrever. Eu considero-me um estudante disciplinado e autônomo, pois nunca precisei por completo do professor. Quando surgiam dúvidas recorria ao dicionário e gramáticas, tentando solucioná-los. Outra coisa que me ajudou muito, acredito, foi a atitude de repetir as falas no mesmo momento que eram passadas no CD ou fita.
CÓDIGO: GN2 N13F ING Idade: 26 anos Tempo de aprendizagem de inglês: 13 anos Narrativa coletada por Vera Menezes em agosto/2004 Sempre tive um sonho de saber falar inglês. Achava bonito, fascinante. Portanto, pedia muito à minha mãe para entrar em um curso de inglês. Infelizmente só comecei o curso aos 13 anos. Minha mãe achava que era perda de tempo, que era precipitar.
238 Matriculei-me na “Broadway”, uma das pioneiras da região. Tive professores muito bons e fui sempre uma boa aluna: estava em constante contato com a língua fora da classe, pois ouvia e cantava muitas músicas em inglês. Achava o máximo! Paralelamente, dava aulas particulares em casa; mas não pensava em “virar” professor de inglês definitivamente. Queria fazer medicina, no entanto, quanto tinha mais ou menos dois anos e meio que já estava estudando, fui fazer a minha matrícula para o nível seguinte, quando a secretaria me convidou para “substituir” a professora que tinha passou mal. Fui com a cara e a coragem . E gostei ! Depois disso, a dona da escola me aplicou uns testes e comecei a dar aula regularmente. Formei-me nesta escola e recebi um convite de uma outra para trabalhar lá. Fui, e com eles, estou até hoje. Depois de mais ou menos 2 anos que já estava lá, a dona da escola comprou a franquia da “NumberOne”. Fiz uma “bateria” de testes e treinamentos. Hoje, ocupo o cargo de professora e coordenadora da escola. Estou muito feliz lá pois, venho acompanhando o progresso dos nossos alunos devido à eficácia do método. Falando um pouco do Curso de Letras, decidi entrar na faculdade porque era um curso que tinha mais haver comigo e com a profissão que eu tinha. Nunca tive a pretensão de fazer Letras só por fazer, vim para cá com muita vontade de aprender/aprofundar os meus conhecimentos na língua inglesa. Confesso que me sinto amargamente decepcionada. Não arrependida mas, sim decepcionada. O curso teve muito valor para mim pedagogicamente falando. Porém, a parte do “inglês deixa muito a desejar. Não é a toa que temos tantos maus professores de inglês e sim “sobre” a língua inglesa.
CÓDIGO: GN2 N14F ING Idade:21 anos Tempo de aprendizagem de inglês: 11 anos Narrativa coletada por Luciana Silva Meu primeiro contato com o inglês foi aos 9 anos, na 3ª série do Ensino Fundamental. A escola estava introduzindo a LI na grade curricular nesse nível. Desde que foi notificado de que iríamos aprender inglês, tive grande receptividade e curiosidade, e depois que comecei, aprender a gostar da nova língua, não me lembro do que era estudado, mas lembro que gostava. A partir da 5ª série o contato passou a ser como é na maioria das escolas, foco nas regras gramaticais, tradução de textos, listas de vocabulário, memorização de regras gramaticais e vocabulário . Foi assim até o 3º ano do científico. A avaliação deste período consistia em provas escritas, algumas vezes pedia-se para decorar textos dos livros para teste oral, e outros, pedia-se para apresentar músicas. Como já foi dito anteriormente, sempre gostei de estudar a língua, mas nunca tive oportunidade de fazer um cursinho. Então, procurava traduzir letras de música, fazia as tarefas direitinho, memorizava as regras e tinha preferência por filmes legendados, tentando prestar atenção nas falas. Entrei no curso de Letras depois de ter o científico concluído. Pouca coisa mudou. É claro que sempre há um contato com algo novo e desconhecido na língua, mas meu conhecimento evoluiu pouco até então. Não culpo os professores, mas a causa talvez no desenvolvimento da turma – eu via a maior parte do tempo, coisas que já sabia. E é claro que a pouca evolução se deve também a minha acomodação pelo estudo da LE e no pouco esforço para mudar isso.
CÓDIGO: GN2 N15F ING Idade: 29 anos
239 Escolaridade: Mestre Profissão: Professora Tempo de contato com o inglês: aproximadamente 11 anos Bem, como iniciar o relato desta trajetória? Acho que pela motivação inicial, sim, mas qual foi?... Minha mãe conta que desde pequena eu falava “coisas enroladas” e dizia falar inglês, mas, conscientemente, destaco dois episódios motivacionais: Primeiro, uma professora, claro, acredito que todos tenhamos tido um professor que fez a diferença em nossa vida. No meu caso, no meio do caminho havia uma professora de inglês. Cláudia. Ela era muito jovem, 16 anos e acabara de chegar dos Estados Unidos. Eu tinha 12 anos e fazia 6ª série. Logo nos tornamos amigas!! Nos víamos nos fins de semana e “falávamos” inglês enquanto brincávamos de Barbie... bons tempos!! Eu não falava efetivamente a língua, mas sim utilizava algumas poucas palavras em inglês no meio de frases em português, mas na minha imaginação não havia português em nossos encontros... Era tão bom. Pedi a minha mãe que me matriculasse em uma escola para “melhorar” meu inglês, mas não tínhamos condições financeiras para isso. Logo, Cláudia voltou aos Estados Unidos, um professor chato ocupou seu lugar na sala de aula e eu parei de “falar” inglês. Daí, me ocorreu uma idéia genial, colecionar letras de música em inglês. Assim, enquanto minhas amigas gastavam toda a mesada em papéis de carta, eu buscava revistas com letras de música para preencher minha coleção. Orgulhosamente ainda guardo meu troféu, são 426 letras de música e eu sabia muitas de cor!! Meu segundo momento decisivo em relação à aprendizagem do inglês veio aos 15 - 16 anos com um filme. Eu assisti a Hamlet e me apaixonei, não pelo Mel Gibson, como minhas amigas, mas pelo texto, pela trama, por Shakespeare. Eu tinha que ler aquilo no original e sorver aquelas idéias maravilhosas que me encantavam e, por que não, seduziam. Comprei um livro na ilusão de que entenderia algo... nem cheguei a abrir direito parei no onwards “que palavra louca – pensei –, nem tem no dicionário!” (Several references from 1589 onwards witness the existence of a play about Hamlet (...), mas não desisti, resolvi que iria ler e entender aquilo tudo. Isso! Meu novo objetivo era ler e entender Shakespeare no original!! Resolvi também que queria ser professora, como a minha querida Cláudia, escrevi-lhe uma carta compartilhando minha resolução. Ela ficou muito feliz e disse que um dia ainda iríamos trabalhar juntas. Passei no vestibular em 1993 e comecei a fazer o curso de Letras na UFG. Estava feliz por finalmente ter a oportunidade de aprender inglês sem pagar um curso, mas apreensiva, pois muitas pessoas falavam que era impossível aprender inglês na universidade. O plano de trabalhar com Cláudia continua on hold, mas o inglês foi aprendido e hoje leciono inglês em vários lugares. Infelizmente, a paixão inicial passou, com tantas atribulações, o inglês é hoje uma ferramenta e não mais o sonho, mas sempre que um tempinho, folheio minha pasta de músicas ou um livro de Shakespeare em busca de inspiração. Mas, afinal, vocês devem estar pensando, e “como foi que ela aprendeu inglês?!” Bem, uma vez dentro da UFG, senti que a responsabilidade de alcançar meu sonho era minha. Então aproveitei cada chance que me era dada em sala de aula ou fora dela para aprender a língua. No primeiro ano tive um professor excelente que nos motivava a falar inglês desde o início do curso. Eu achava que ele estava um pouco louco em começar por um livro difícil (Headway Pre Intermediate) , afinal muitos na turma não sabiam muita coisa da língua, mas ele era tão determinado e aplicado que decidi confiar nele. Fazia todas as tarefas, participava em todas as aulas (claro que metade das respostas que eu dava pertenciam a letras de música, e, logo meus colegas já começavam a rir e esperar pela música que eu mencionaria em seguida), perguntava tudo o que não entendo.
CÓDIGO: GN2 N16F ESP Idade: 21 anos Escolaridade: Superior Incompleto - Relações Internacionais
240 Tempo de aprendizagem: 3 anos Narrativa coletada por Elisa Lioe em agosto/2004 Meu nome é VRW. Eu estudo espanhol, e comecei a aprender espanhol depois que viajei, fui pra Espanha, aí me interessei pela língua. Comecei a fazer um curso aqui, fiz três anos de espanhol; e pra aprender, assim, fora do curso, eu procurava ler, pegava muito livro na biblioteca, gostava muito de ler em espanhol, e assistia jornal, noticiário em espanhol, porque o espanhol que eles falam no noticiário é o espanhol da Espanha, que era mais fácil de você entender, e que era o espanhol que eu estudava. E também tentei, sempre quando eu viajo, e encontro pessoas que falam o espanhol, eu tento falar o espanhol para treinar, que é uma língua que eu gosto muito, e que eu acho que eu tenho mais fluência na fala.
CÓDIGO: GN2 N17F ESP Idade: 23 anos Escolaridade: Superior Incompleto - Letras Tempo de aprendizagem: 2 anos Narrativa coletada por Elisa Lioe em novembro/2004 Eu comecei a estudar espanhol na graduação há dois anos, desde que eu entrei aqui. Nunca tinha tido contato com a língua, fiz prova de inglês. E desde então eu venho estudando. Hoje eu Já estou estudando as literaturas, estou fazendo o curso preparatório para o Dele superior, e também o curso de pronúncia do professor Cristiano, também no Cenex. Fora daqui da faculdade, eu tento ler, mesmo porque eu preciso para a Literatura, e para adquirir vocabulário. Com relação aos verbos, eu usava de repetição mesmo na escrita para aprender. Pronúncia, geralmente eu presto atenção na pronúncia de um falante; e escrita é com prática, com texto, com redação
CÓDIGO: GN2 N18F ESP Idade:21 anos Tempo de estudo: 4 anos Narrativa coletada por Ana Paula Alves de Oliveira em abril de 2006 Eu comecei a estudar espanhol em 2002 no cursinho pra fazer o vestibular. Porque pra mim era mais fácil eu tentar fazer uma prova de língua estrangeira em espanhol do que necessariamente de inglês que por exemplo eu não tinha a menor experiência, era aquela coisa de escola pública e tal, então de qualquer maneira eu tinha a ilusão de que o espanhol fosse mais fácil do que o inglês. Até que pra aquele momento serviu. O espanhol foi realmente mais fácil pra eu passar, tanto é que funcionou, né? Pra eu fazer a prova do vestibular. Aí como eu fiz dois anos de cursinho (...) foi uma experiência que eu gostei demais. Aí quando eu decidi fazer letras eu resolvi que ia fazer o espanhol como língua estrangeira apesar de não ser a minha habilitação. Como eu gosto muito da língua né, principalmente por isso, porque eu apanhei um gosto realmente pelo idioma... eu acho ele cantante, passa uma coisa mesmo latina, ele é mais vibrante, na minha opinião do que qualquer outra língua, talvez até mais do que o português (apesar de eu achar o português lindo). Pra eu aprender até que eu não sou muito disciplinada não, não tenho aquelas disciplinas rigorosas. Tanto é que quando você me perguntou que tipo de estratégias... eu te falei que eu me baseava na língua portuguesa. Isso me prejudicou bastante, porque quando você está aprendendo uma língua estrangeira você não deve pensar na sua língua natural pra responder na língua que você está aprendendo. Você tem que aprender a aprender a língua. E isso tem me
241 trazido muitos problemas, então eu sempre me baseei na língua portuguesa pra tentar assimilar melhor o espanhol. Agora que eu to conseguindo separar um pouco as coisas e eu tenho feito umas leituras, leio uns jornais, tem uns amigos meus que me mandam jornais, como eu moro na moradia tem muito contato com aluno estrangeiro, então eu acabo conversando bastante com alunos argentinos, uruguaios, alguns espanhóis até, então dá um contato mesmo com a língua. E tem também... que e faço muito é ouvir música... eu busco muito ouvir, apesar de não ter muito tempo, mas qualquer tempinho que eu tenho eu ouço bastante. Leitura e literatura ajudam bastante na aquisição de vocabulário.
CÓDIGO: GN2 N19M ESP Idade: 29 anos Tempo de Estudo da Língua: 5 anos Narrativa coletada por Ana Paula Alves de Oliveira em abril de 2006 Eu já comecei a aprender espanhol, justamente num seminário que eu estudei, que era num colégio interno, o padre já dava aula de espanhol lá e então eu já assisti muito interessado. E minha motivação maior foi justamente ter participado de um encontro latino americano em que se reuniam jovens de vários países da América do Sul, inclusive da própria América Latina e estava interagindo muito bem com eles ali e cada vez mais fui tomando gosto pela língua. A minha experiência com a língua tem sido muito boa porque eu to sempre querendo aprender cada vez mais, com os próprios nativos, os próprios falantes. Então eu tive experiências muito boas. Claro, às vezes cometia alguns erros mas cada dia mais ia me fortalecendo, me motivando cada vez mais a tomar gosto pelo idioma. Olha, estratégias de aprendizagem... eu usei várias estratégias, principalmente através de leitura, filmes também, eu assistia muitos filmes, tirava às vezes a legenda, ou as vezes colocava no áudio original, e através também de vários cassetes (...) desses cursos de idiomas, CD ROM’s também, artigos científicos, textos de monografia, revistas, livros, uma série de coisas. Estou sempre praticando, sempre praticando... às vezes falando sozinho, ou as vezes ouvindo o idioma original de uma novela por exemplo, mexicana, ou de uma novela espanhola, de um filme estrangeiro mas que tenha o áudio em espanhol.... e sempre falando, né... tentando falar, inclusive com minha amiga Ana Paula através do MSN, inclusive ela me ajuda muito e.... através de viárias formas, através de jornais, através de livros, então eu to sempre tendo essa preocupação em me aperfeiçoar.
CÓDIGO: GN2 N20F ESP Idade: 22 anos Tempo de estudo da língua: 2 anos Narrativa coletada por Ana Paula Alves de Oliveira em Abril de 2006 Bom, eu comecei a aprender espanhol aqui na faculdade, no segundo período, tem dois anos e a motivação foi porque eu não sabia nenhuma outra língua estrangeira. Eu tinha experiência com o inglês, de quatro anos, mas eu nunca fui bem... tinha trauma de inglês, não aprendia de jeito nenhum e eu resolvi partir pra outra língua. E o espanhol foi uma opção de começar do zero...eu
242 não sabia nada... Aí eu comecei e estratégias mesmo só na faculdade, comecei na faculdade mais por obrigação pra aprender uma outra língua, mas gostei muito e aí eu passei a prestar mais atenção em filmes e em outras coisas assim. E apesar de fazer português, eu continuo fazendo os outros cursos como optativa pra não deixar morrer o espanhol como aconteceu com o inglês. Porque se a gente não praticar não dá. Uma estratégia, a pesar de não praticar muito em casa, nos cursos, a pesar da timidez, quando eu tenho a oportunidade eu procuro sempre falar, pra não seguir o curso passando sempre e aprendendo só a teoria sem praticar.
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ANEXO 3: FORMULÁRIO PARA A PERMISSÃO DO USO DA NARRATIVA
AUTORIZAÇÃO Eu, ...................................................................................................., autorizo a utilização de minha narrativa sobre a aprendizagem de língua .................................................................... para pesquisa acadêmica, sem fins lucrativos, sob a responsabilidade de ....................................... ............................................................................................................................................................. Autorizo também sua publicação na WEB, ou por meio impresso. Estou ciente que não terei qualquer participação financeira em caso desu8ainserção em algum livro. Idade: ......... anos Tempo de estudo da(s) língua(s): ................................... ( ) autorizo o uso de meu nome verdadeiro ( ) prefiro o uso do pseudônimo ......................................... ( ) prefiro que me atribuam um número Data: ................. de ................................. de ................. Assinatura: ...............................................................................
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