TCC Final

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Centro de Artes Bacharelado em Música Trabalho de Conclusão de Curso ABORDAGENS E PRÁTICAS DE PREPARAÇÃO PARA A PERFORMANCE MUSICAL PÚBLICA: perspectivas da neurociência e da psicologia Júlio Warken Zabaleta Pelotas 2014

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

    Centro de Artes

    Bacharelado em Msica

    Trabalho de Concluso de Curso

    ABORDAGENS E PRTICAS DE PREPARAO PARA A PERFORMANCE MUSICAL PBLICA: perspectivas da neurocincia e da

    psicologia

    Jlio Warken Zabaleta

    Pelotas

    2014

  • Jlio Warken Zabaleta

    ABORDAGENS E PRTICAS DE PREPARAO PARA A

    PERFORMANCE MUSICAL PBLICA: perspectivas da neurocincia e da psicologia

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Centro de Artes da Universidade Federal de Pelotas, como requisito parcial obteno do ttulo de Bacharel em Msica - Habilitao Flauta Transversal.

    Orientador: Prof. Dr. Raul Costa d'Avila

    Pelotas, 2014

  • Jlio Warken Zabaleta

    ABORDAGENS E PRTICAS DE PREPARAO PARA A

    PERFORMANCE MUSICAL PBLICA: perspectivas da neurocincia e da psicologia

    Trabalho de Concluso de Curso aprovado, como requisito parcial, para obteno do grau de Bacharel em Msica - Habilitao Flauta Transversal, Centro de Artes, Universidade Federal de Pelotas.

    Data da Defesa: 11 de dezembro de 2014 Banca Examinadora:

    Prof. Dr. Raul Costa d'Avila Doutor em Msica pela Universidade Federal da Bahia

    Prof. Dra. Joana Holanda Doutora em Msica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    Prof. Dr. Rogrio Constante

    Doutor em Msica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

  • Agradecimentos

    Aos meus familiares pelo apoio e incentivo, especialmente a minha

    me Nelsi Warken e pai Joo Pedro Zabaleta, assim como grande amiga Ariana

    Ferrugem.

    Ao meu mestre da msica e da flauta transversal, professor Raul Costa

    d'Avila, que me fez enxergar a vida atravs de uma perspectiva musical.

    Aos meus colegas e professores, pelo entusiasmo e generosidade com

    que se dispuseram a ensinar e compartilhar conhecimentos.

    Aos amigos, por terem me ajudado a desfrutar desse perodo to

    proveitoso.

    Obrigado.

  • "O sbio no o homem que fornece as verdadeiras

    respostas; o que formula as verdadeiras perguntas."

    Claude Lvi-Strauss

  • Resumo

    Este trabalho tem como objetivo oferecer diferentes abordagens e prticas de preparao mental, voltadas performance musical pblica. Para tanto foi realizado uma reviso da literatura acerca da performance, contemplando no somente a perspectiva da performance musical, mas tambm das reas de psicologia do esporte e da neurocincia. Alm disso, uma srie de exerccios mentais foram destacados como prticas teis de preparao para performances pblicas. Como ltima etapa, foi aplicado um questionrio, que ao ser respondido por reconhecidos performers e pesquisadores, ofereceu uma contextualizao pragmtica das abordagens previamente apresentadas.

    Palavras-chave: performance musical; abordagens; prticas de preparao; habilidades mentais; visualizao; ensaio mental.

  • Abstract

    The present work aims to offer different approaches and practices on mental preparation for public musical performances. In this work, a review of the current literature on musical performance is presented, along with the conceptions offered by the fields of sport psychology and neuroscience. Furthermore, a series of mental exercises is proposed as helpful preparation practices for public performances. Lastly, a questionnaire was produced and applied to renowned musical professor and performers, which made possible a pragmatic contextualization of the approaches previously presented.

    Key words: musical performance; approaches; preparation practices; mental skills; visualization; mental rehearsal.

  • Lista de Figuras

    Figura 1. Fisiologia da Performance .......................................................................... 14

    Figura 2. Lei de Yerkes-Dodson (1908) ..................................................................... 17

    Figura 3. Hormnios de Ativao e Relaxamento ..................................................... 19

    Figura 4. Hormnios associados Emoes ............................................................ 20

    Figura 5. Modelo Integrado da Performance ............................................................. 21

    Figura 6. Medidor de Humor (Mood Meter) ............................................................... 23

    Figura7. Quadrantes da Concentrao ..................................................................... 26

  • Sumrio

    1. Introduo ....................................................................................... 10

    2. Objetivos e Metodologia ................................................................ 13

    3. Fundamentao Terica ................................................................ 13 3.1 A Fisiologia da Performance ................................................... 14 3.2 A relao entre Emoo, Energia e Desempenho ................. 16 3.3 As Habilidades Mentais ........................................................... 24 3.4 Concentrao ............................................................................ 25 3.5 Os Egos de Gallwey ................................................................. 27 3.6 O Treinamento de Habilidades Mentais ................................. 28 3.7 Ensaio Mental e a Visualizao ............................................... 29

    4. Prticas e Estratgias .................................................................... 32 4.1 Sobre a respirao e o relaxamento ....................................... 32 4.2 Orientaes Gerais ................................................................... 34 4.3 Exercitando habilidades mentais de visualizao ................ 35

    4.3.1 Desenvolvendo os diferentes sentidos ................................ 35

    4.3.2 Desenvolvendo a habilidade de visualizao associada e

    dissociada ...................................................................................... 37

    4.3.3 Exerccio de Trnsito da Ateno ........................................ 37

    4.4 Programas de Visualizao ..................................................... 39 4.4.1 Exerccio para consolidao de habilidade tcnica especfica

    ..................................................................................................... 39

    4.4.2 Exerccio de Ensaio Mental da Performance Ideal .............. 41

    4.4.3 Adaptando a Performance Ideal .......................................... 42

    5. Aplicao de Questionrio ............................................................ 44 5.1 Anlise das Respostas ............................................................ 44

    6. Concluso ....................................................................................... 51

    7. Referncias ..................................................................................... 53

    8. Anexos ............................................................................................ 55 8.1 Questionrio ............................................................................. 55 8.2. Termo de Autorizao para Publicao de Resposta .......... 56

  • 10

    1. Introduo

    Atravs de minha prtica diria como msico, ao longo dos anos do

    meu curso de bacharelado, tenho constatado que o meu desempenho obtido em

    performances1 pblicas2, assim como de meus colegas, geralmente inferior do que

    o obtido durante a fase de preparao de uma pea musical. A partir da necessidade

    de entender quais eram os fatores que influenciavam tal reduo do nvel de

    qualidade, busquei estudos voltados performance musical, assim como da

    performance em outras reas, que proporcionassem uma perspectiva dos diferentes

    processos envolvidos em uma performance. As exigncias encontradas por msicos

    profissionais so bastante altas, e requerem no somente o desenvolvimento e

    manuteno de um domnio tcnico-musical e uso consciente do corpo, mas

    tambm o desenvolvimento de diversas e complexas habilidades mentais. Dessa

    forma, conclu que necessrio incluir, durante a fase de preparao de uma

    performance pblica, abordagens e prticas de treinamento mental, para que o nvel

    de qualidade dessa performance pudesse ser efetivamente beneficiada.

    H mais de 25 anos, estudos indicam que a ansiedade da

    performance, entre estudantes universitrios de msica, bastante frequente, nos

    seus diversos graus de ocorrncia (Wesner et al, 1990). Outro estudo realizado na

    Holanda, com membros de orquestras profissionais, tambm relataram altas

    incidncias de ansiedade nas semanas anteriores performances pblicas

    importantes (Van Kemanade et al, 1995).

    Recentes pesquisas brasileiras tem produzido resultados similares,

    apontando que existe uma demanda por prticas de preparao de performance

    1Performance: substantivo feminino com origem na lngua inglesa, que significa realizao, feito, faanha ou desempenho. A palavra performance vem do verbo em ingls to perform que significa realizar, completar, executar ou efetivar. Em muitas ocasies usada no contexto de exibies em pblico, ou quando algum desempenha algum papel no mbito artstico, como um ator, por exemplo. Performance tambm pode ser o conjunto dos resultados obtidos em um determinado teste por uma pessoa. No contexto esportivo a performance de um atleta ou de uma equipe est relacionada com a sua prestao ou com uma proeza esportiva (SIGNIFICADOS, 2014). 2Performance pblica refere-se execuo de obras musicais em pblico, como por exemplo, concertos, recitais e apresentaes realizadas por um msico ou grupo musical frente a um pblico ouvinte.

  • 11

    musical que considere a influncia significativa de diversos fatores, tal como a

    ansiedade da performance. Neste sentido, Sinico (2013) afirma que:

    [...] possvel concluir que a ansiedade uma emoo inerente

    profisso do msico enquanto performer e se faz necessrio conhecer as causas e sintomas da ansiedade na performance musical com o objetivo de integrar em sua prtica musical um repertrio de estratgias para lidar com as diversas consequncias da ansiedade, quer seja antes ou durante a execuo. (SINICO, 2013, p. 94)

    Durante sua pesquisa, Sinico (2013) observou que a ansiedade

    frequentemente relatada como consequncia de uma preparao insuficiente para

    uma performance. Alm da necessidade de maior dedicao no processo de

    consolidao tcnico-interpretativo de uma msica, muitas vezes a ansiedade

    observada resultante no somente da falta de estudo ou do desconforto com o

    repertrio escolhido, mas decorrente tambm da percepo da situao de

    apresentao pblica e da possibilidade de avaliao. A pesquisa demonstrou ainda

    que grande parte da ansiedade era gerada no somente por fatores pessoais, como

    traos de personalidade, ou por fatores relacionados tarefa como as dificuldades

    tcnicas presentes na pea mas acima de tudo, relacionada situao da

    performance, ou seja, a sensao de estar sendo avaliado, relacionadas ao carter

    da avaliao pblica e exposio social.

    Aps apresentados os dados desses estudos, pode-se deduzir que a

    ansiedade no uma dificuldade exclusiva aos amadores ou estudantes de msica,

    mas est presente em todos os nveis de formao do msico-performer. Da mesma

    forma, esses estudos sinalizam que h uma lacuna no que diz respeito a preparao

    psicolgica de msicos, assim como revelam a existncia de fragilidades no

    processo de construo de uma performance musical pblica.

    Recentemente a relao entre habilidades fsicas e mentais tem

    recebido bastante ateno, na tentativa de atender a demanda pela excelncia e alto

    desempenho. Nas ltimas dcadas, profissionais de diversas reas msicos,

    atletas de elite, e at mesmo executivos tm investigado a influncia de fatores

    psicolgicos e fisiolgicos no desempenho de suas atividades. Nutrindo-se dos

    conhecimentos gerados pelos campos da psicologia e neurocincia, vrios autores

  • 12

    tm desenvolvido tcnicas e prticas decorrentes da investigao dos diferentes

    processos mentais3 que buscam maximizar a qualidade de uma performance.

    Neste trabalho sero apresentados diferentes treinamentos de

    habilidades mentais, tambm descrito como treinamentos cognitivo-

    comportamentais, que buscam suprir a necessidade de uma prtica que integre

    tanto aspectos psicolgicos, quanto os mentais, imprescindveis para o

    desenvolvimento de uma atividade de alto desempenho.

    Para a fundamentao terica do trabalho sero utilizados referenciais

    de diversas reas que investigam a performance, sendo grande parte composto por

    autores especificamente dedicados performance musical, como Buswell, Rink,

    Williamon & Connolly, Parncutt & McPherson; e tambm de alguns destacados

    profissionais que investigam performance ligada diferentes reas, entre elas o

    esporte, como Gallwey, e medicina e administrao, como Watkins.

    3 Segundo o Dicionrio Online de Psicologia, processo mental, assim como funo mental, um termo genrico usado para descrever qualquer processo, seja ele fisiolgico ou psicolgico, que ocorre na mente. O termo tambm descrito pelo dicionrio Thesaurus como uma atividade cognitiva, uma operao que afeta os componentes mentais, como por exemplo, o processo de pensar e recordar. Dessa forma pode-se entender os processos mentais como o resultado das interaes dos componentes mentais, resultando nos processos cognitivos de percepo, criatividade, imaginao, emoo, entre outros.

  • 13

    2. Objetivos e Metodologia O presente trabalho tem como objetivo buscar prticas e estratgias de

    preparao que possam favorecer a qualidade de uma performance musical pblica.

    A partir de uma identificao de fatores que influenciam o desempenho de

    performers, tais como ansiedade e falta de prticas eficientes de preparao, foi

    realizado um levantamento da literatura existente acerca da performance. Embora

    tenham-se encontrado estudos, artigos, dissertaes, teses e livros pertencentes a

    diferentes reas do conhecimento (como performance no esporte, msica,

    administrao, entre outras), foi possvel identificar uma coerncia entre os

    discursos dos autores.

    Para evidenciar tal coerncia, explorando a perspectiva particular de

    cada rea e tambm destacando as similaridades entre estas, foram utilizados

    referenciais das reas de neurocincia, psicologia do esporte, e do recente tema da

    inteligncia emocional. Tal literatura possibilitou: identificar fatores e processos

    mentais que influenciam a performance; de que forma estes fatores interagem e

    como esto relacionados; e quais prticas e estratgias mentais, aplicveis

    performance musical, podem oferecer benefcios para o msico que pretende

    preparar uma performance musical pblica.

    Como metodologia, o presente trabalho buscou primeiramente um

    levantamento da literatura acerca da performance, psicologia e neurocincia,

    possibilitando uma fundamentao terica quanto aos fatores que influenciam uma

    performance musical pblica. Posteriormente foram destacadas prticas e tcnicas

    que so utilizadas por reconhecidos pesquisadores e profissionais da performance

    musical. Para que fosse possvel uma contextualizao pragmtica dos

    conhecimentos e prticas apresentados neste trabalho, foi elaborado e aplicado um

    questionrio, buscando evidenciar as prticas mentais de preparao utilizadas por

    instrumentistas e pesquisadores4 com vasta experincia no tema da performance

    musical pblica. Quanto traduo de textos em ingls, elaborao do questionrio

    e anlise de contedo, foram seguidas diretrizes apresentadas nos diversos

    captulos do livro editado Bauer & Gaskell (2002), referente s prticas da pesquisa

    qualitativa. 4 Contei com a colaborao de: Profa. Dra. Diana Santiago (UFBA), Profa. Dra. Joana Cunha de Holanda (UFPel), Prof. Dr. Lucas Robatto (UFBA), Prof, Ms. Thiago Colombo (UFPel).

  • 14

    3. Fundamentao Terica

    3.1 A Fisiologia da Performance Durante o processo de formao de um msico profissional e boa parte

    de sua carreira, muitas horas de estudo so dedicadas ao desenvolvimento da

    tcnica e da adequada utilizao do corpo para a execuo musical. Porm, mesmo

    aps adquirido um alto grau tcnico e artstico, inmeros msicos relatam no obter

    a mesma qualidade de performance em um concerto pblico. Isto evidencia uma

    fragilidade no processo de construo de uma performance, sinalizando que h uma

    lacuna no que diz respeito preparao fsica, mental e psicolgica dos msicos.

    Segundo o mdico e pesquisador Alan Watkins (2014), necessrio

    entender os resultados de uma performance no somente a partir dos

    comportamentos que os produzem, mas tambm a partir dos fatores psicolgicos e

    fisiolgicos que influenciaram tal comportamento. Watkins prope um modelo

    integrado da performance, onde a fisiologia a base dos processos que envolvem a

    emoo, o sentimento, o pensamento e o comportamento, assim como demonstrado

    na figura a seguir:

    Figura 1. Fisiologia da Performance

    Fonte: Watkins, 2014, posio 262.

  • 15

    Dessa forma pode-se encarar uma performance como produto

    resultante do encadeamento dinmico de fatores biolgicos e psicolgicos. Watkins

    (2014) ainda adverte que no basta transformar apenas os pensamentos para

    alterar comportamentos e seus consequentes resultados, afinal, o pensamento

    humano est sujeito a uma fora ainda maior que so os sentimentos e emoes.

    Segundo o neurocientista Antnio Damsio:

    [...] uma emoo um conjunto de reaes corporais a certos estmulos.

    Quando temos medo, o ritmo cardaco se acelera, a boca seca, a pele empalidece e os msculos se contraem - reaes automticas e inconscientes. Os sentimentos, por sua vez, surgem quando tomamos conscincia destas "emoes" corporais, no momento em que estas so transferidas para certas zonas do crebro onde so codificadas sob a forma de uma atividade neuronal. Para prosseguir com o exemplo, as modificaes fisiolgicas fazem com que experimentemos um sentimento de medo. (DAMASIO, 2004).

    So esses fatores que levam indivduos a engajar em determinados

    comportamentos, mesmo que estes sejam reconhecidos como irracionais. Da

    mesma forma, quando um indivduo sofre de ansiedade antes de uma performance,

    aconselh-lo a no ficar ansioso ou ainda a ficar calmo, "relaxado" no oferece

    resultado satisfatrio, uma vez que a contribuio do pensamento no processo da

    performance limitada e superficial, frente aos sentimentos e emoes que os

    geram. A ansiedade deve ser tratada previamente performance, pois no momento

    em que esta detectada pelo msico, a energia fisiolgica capaz de ger-la j est

    em trnsito no corpo. Pode-se entender, portanto, que, considerado estveis os

    elementos relativos tcnica instrumental e interpretao, os resultados de uma

    performance so consequncias de uma interao entre processos, que encontram

    sua base na fisiologia do corpo humano.

    Dentro desse contexto, fisiologia corresponde a todos os processos

    que ocorrem dentro do organismo, responsveis para a execuo de uma atividade.

    Quando, por exemplo, o msico est lendo uma partitura, milhes de processos

    bioqumicos e fsicos so gerados e recebidos no corpo humano, tais como sinais

    eltricos, sinais eletromagnticos, sinais qumicos, assim como ondas de presso,

    de calor e de som. Uma analogia oferecida por Watkins de que estes impulsos

    fisiolgicos corresponderiam a uma sequncia de notas musicais, enquanto a

    emoo seria equivalente a integrao destas notas em uma melodia. Sentimentos,

    seriam, ainda nessa analogia, a percepo dessas melodias no corpo. Portanto,

  • 16

    identificar a relao entre os diferentes fatores fisiolgicos e seus impactos em uma

    resultante performance, nos leva a buscar informaes de como estes fatores de

    fato influenciam-se, e de que forma possvel utilizar deste mecanismo natural para

    desenvolver uma prtica eficiente de preparao para uma performance pblica.

    3.2 A relao entre Emoo, Energia5 e Desempenho

    Vrios estudos, alm de vasto conhecimento emprico, vm confirmando que

    o nvel de excitao, ou seja, de energia em trnsito no corpo, est estreitamente

    relacionado qualidade de uma performance. J em 1908, pesquisadores que

    investigavam a psicologia do medo criaram a lei Yerkes-Dodson, que consolidou-se

    em estudos posteriores, apontando relao entre energia de ativao/estresse e o

    desempenho obtido em uma performance.

    Atravs dessa lei podemos entender que um certo grau de energia, ou

    excitao, necessrio para a obteno de uma performance de qualidade

    satisfatria, como tambm indica Gellrich (1991). De fato, o desempenho mximo

    apresentado pela lei se d quando o nvel de estresse est equilibrado, gerando um

    estado estvel de alto desempenho. Quando o nvel de estresse excessivo, esta

    energia transforma-se em ansiedade e gera um processo de diminuio de

    qualidade de uma performance, como demonstrado na seguinte figura:

    5 Na lei de Yerkes-Dodson, utilizado o termo arousal, que significa uma energia de ativao. Em estudos relacionados, pode-se tambm observar a utilizao do termo stress. Ambos termos so utilizados nesse trabalho no sentido de liberao de energia no corpo.

  • 17

    Figura 2. Lei de Yerkes-Dodson (1908)

    Fonte: Yerkes & Dodson (1908)

    Pode-se tambm entender a relao entre excitao e desempenho,

    sob a perspectiva dos instintos humanos e dos mecanismos fsico-qumicos que os

    desencadeiam, como demonstrado por Gray (1988). De fato existe uma forte

    correlao entre nvel de energia, ou estresse, e a qualidade de um desempenho.

    Wilson (2002) props um desdobramento da lei de Yerkes-Dodson, agrupando as

    fontes de estresse em trs fatores:

    1. Traos de personalidade: caractersticas pessoais, inatas ou

    aprendidas, que mediam a susceptibilidade ao estresse.

    2. Estresse situacional: presses contextuais, tais como de uma

    performance pblica, audio, competio ou concurso.

    3. Domnio da tarefa: de acordo com o preparo tcnico e experincia

    com o material, desde peas simples e bem ensaiadas, at obras complexas e mal

    preparadas.

    De acordo com Wilson & Roland (2002), a ansiedade deriva de uma

    interao entre estes trs fatores; j o estresse necessrio para uma performance

    satisfatria tambm conhecido por energia pode variar de acordo com as

    caractersticas do performer. Um instrumentista ansioso, por exemplo, tem

  • 18

    probabilidade de melhor desempenho com peas dominadas e um contexto mais

    descontrado, enquanto indivduos com baixos nveis de energia podem apresentar

    melhor desempenho quando desafiados por uma plateia mais exigente.

    Daniel Goleman, ao utilizar o termo inteligncia emocional, buscou

    explicar determinadas emoes e comportamentos atravs de processos biolgicos:

    de que forma essa quantidade de energia gerada no corpo, como ela est ligada

    emoo e de que forma influencia o desempenho de diversas atividades. Segundo

    Goleman (2012), a inteligncia emocional seria a habilidade de identificar e lidar com

    emoes; o autor defende que essa inteligncia poderia afetar significativamente o

    desempenho de indivduos a longo prazo. Ainda conforme o autor, embora tenha-se

    constatado que o Quociente de Inteligncia (QI) pode ser um fator associado ao

    sucesso profissional, a inteligncia emocional um fator ainda mais significativo,

    que influencia o desempenho das tarefas envolvidas nas atividades profissionais, e

    apresenta maior correlao com sucesso profissional.

    Em seu livro sobre inteligncia emocional, Goleman introduz o conceito

    do "sequestro da amgdala", o qual se refere a uma resposta emocional instintiva,

    imediata e avassaladora frente a uma situao de perigo. A amgdala a parte do

    crebro responsvel pela identificao de uma ameaa ou situao de perigo, e

    quando ativada, estimula a produo de hormnios de estresse, alm de alterar a

    maneira como priorizamos o processo de informao6. Esse imenso disparo de

    sinais e hormnios faz com que ocorra um bloqueio no processamento de

    informaes pela parte do crebro responsvel pelo pensamento lgico e raciocnio

    (neocrtex), gerando portanto trs rpidas e imediatas reaes: a fuga, a luta ou a paralisia7.

    Embora possamos identificar a energia necessria para fugir ou lutar

    como similares, elas derivam de processos qumicos diferentes. Quando o 6 Diversos autores que investigam as repostas instintivas frente situaes ameaadoras, identificaram que o crebro funciona em um modo simplificado, aumentando a rapidez no processamento e anlise de informaes. Tal simplificao favorece uma rpida resposta frente situao de perigo, aumentando as chances estatsticas de sobrevivncia, porm prejudica uma anlise mais profunda e complexa do contexto, gerando uma tomada de deciso superficial. Recentemente pesquisadores tm elaborado diferentes modelos que buscam explicar o processo de tomada de deciso dentro de diferentes nveis de complexidade. Para maiores informaes, ver publicaes de Dave Snowden a respeito de Cynefin Framework. 7 Em ingls, os termos utilizados so fight, flight e freeze. As reaes de fight (luta, combate) e flight (fuga, escape) foram originalmente cunhadas por Gray em 1988 quando investigando a psicologia do medo. Recentemente o termo freeze (paralisia) foi adicionado por pesquisadores, ao observar a reao de animais que respondem a uma situao de perigo permanecendo estticos, congelados.

  • 19

    mecanismo de fuga acionado, o corpo libera um hormnio chamado adrenalina,

    tambm conhecida por epinefrina. Por outro lado, quando a reao de luta posta

    em ao, a noradrenalina composto qumico da qual a adrenalina derivada

    disparada pelo corpo, conforme aponta Watkins (2014).

    Nos ltimos anos, pesquisadores adicionaram a outra possvel reao

    instintiva do corpo humano quando deparado a uma situao de perigo: a paralisia.

    Neste caso, o hormnio responsvel por esta resposta de paralisia sbita que

    pode at induzir ao desmaio o composto qumico chamado acetilcolina. Assim,

    de uma forma geral, podemos identificar neurotransmissores que desencadeiam um

    maior grau de excitao no corpo: a adrenalina e a noradrenalina, e o

    neurotransmissor que responsvel pela diminuio do nvel de excitao do corpo,

    o "fludo do freio", que a acetilcolina.

    Figura 3. Hormnios de Ativao e Relaxamento

    Fonte: Watkins, 2014, posio 335.

    Professores frequentemente aconselham msicos em fase de

    preparao de uma performance a aceitar o nervosismo, ou ainda o seu oposto:

    argumentam que necessrio aprender a relaxar sob presso para obter bons

    resultados. Watkins (2014) afirma que embora o nvel energtico influencie o

    desempenho de atividades, estamos lidando com o espectro errado, j que existe

    um outro parmetro muito mais significativo.

    Fuga Adrenalina

    Luta Noradrenalina

    Relaxamento Fingir-se de morto/Desmaio

    Acetilcolina

  • 20

    De acordo com o autor, o sistema que realmente influencia a qualidade

    de uma performance o sistema neuroendcrino, ainda que o sistema nervoso

    autnomo8 tambm influencie, em menor proporo. No sistema neuroendcrino

    observamos a influncia de hormnios que esto relacionados s nossas emoes,

    como por exemplo, o cortisol. O cortisol um hormnio que apresenta forte

    correlao com a depresso, e considerado o principal hormnio associado ao

    estresse. Pessoas que sofreram um tumor cerebral tendem produo excessiva de

    cortisol, e frequentemente relatam depresso. Portanto, existe uma relao direta

    entre o nvel de cortisol no fludo cerebral e emoes negativas. Obter uma

    performance satisfatria em um estado emocional negativo bastante difcil, e a

    insatisfao com a performance leva a um aumento do nvel de cortisol e,

    consequentemente, mais emoes negativas, criando um crculo vicioso.

    Entretanto, existem tambm hormnios no sistema neuroendcrino que

    promovem um estado anablico9. Estes hormnios, como a desidroepiandrosterona

    (DHEA), tambm conhecido como hormnio da vitalidade, geralmente associado

    emoes positivas e um antdoto natural do cortisol, como demonstrado na figura a

    seguir:

    Figura 4. Hormnios associados Emoes

    Fonte: Watkins, 2014, posio 345.

    Segundo o mdico, este seria o hormnio mais significativo para uma

    performance, j que est associado emoes positivas, e cria um crculo virtuoso

    altamente benfico para qualquer tipo de performance. De fato, o DHEA est to

    associado uma capacidade de melhora de desempenho de uma performance, que 8 Sistema que determina, de forma geral, o grau de excitao do corpo. 9 o estado em que o corpo constri tecido muscular. Quando voc descansa, seu corpo comea a reparar o tecido muscular danificado. Dessa forma, durante o repouso, e no no exerccio, que seu corpo desenvolve a massa muscular. O oposto, ou seja, quando ocorre o processo de degenerao do tecido muscular, trata-se do estado catablico.

    Emoo Positiva DHEA

    'Estado Anablico'

    Emoo Negativa Cortisol

    'Estado Catablico'

  • 21

    uma das substncias proibidas pela Agncia Mundial Anti-doping (WADA)10. Ainda

    segundo Watkins, preciso que se busque um equilbrio no eixo horizontal,

    regulando no somente o nvel de energia necessrio para a realizao de uma

    tarefa, mas principalmente, elevando o estado emocional para a execuo de uma

    tarefa, associado ao hormnio DHEA. Assim, ao unir os dois eixos dos sistemas

    neuroendcrino e nervoso autnomo, podemos chegar a um sistema integrado, que

    considera no somente o nvel de energia, mas tambm a qualidade das emoes

    na realizao de uma performance.

    Figura 5. Modelo Integrado da Performance

    Fonte: Watkins, 2014, posio 366.

    Deste modo, podemos deduzir que no suficiente uma alterao no

    nvel de energia para que se obtenha melhor desempenho, mas principalmente

    deve-se atentar ao eixo horizontal, ou seja, qualidade das emoes envolvidas em

    uma performance. Frequentemente, msicos so tambm orientados a buscar um 10 Ainda que o DHEA esteja associado emoes positivas e a uma melhora geral no nvel de desempenho em uma performance, a WADA probe seu uso porque esse estimula a produo de testosterona, hormnio que afeta substancialmente a condio fsica do atleta e tambm proibido pela agncia.

    Ativao

    Relaxamento

    Emoo Positiva DHEA

    'Estado Anablico' Emoo Negativa

    Cortisol 'Estado Catablico'

    Luta Noradrenalina

    Fuga Adrenalina

    Fingir-se de morto/Desmaio Acetilcolina

    bravo frustrado ansioso

    apatia desatento distante

    entusiasmado engajado motivado

    contente receptivo

    interessado

  • 22

    maior relaxamento, porm, da mesma forma que existe um tipo positivo de

    relaxamento (quadrante direito embaixo - estado receptivo), existe um relaxamento

    improdutivo (quadrante esquerdo embaixo - estado aptico). O estado relaxado pode

    ser entendido como o estado resultante de um baixo nvel de energia que transita no

    corpo. Dessa forma, o relaxamento pode ser utilizado no como uma prtica que

    busca afetar diretamente a qualidade de uma performance j que observamos que

    as emoes influenciam de maneira mais significativa o desempenho de uma

    atividade mas sim como uma estratgia vlida para induzir um estado energtico

    que favorea o desempenho antes e durante uma performance. O relaxamento

    tambm pode ser utilizado como estratgia para induzir um estado energtico

    apropriado para a realizao de exerccios mentais, tais como os apresentados

    posteriormente nesse trabalho (p. 32).

    Um centro de estudos de inteligncia emocional, formado na

    Universidade de Yale h mais de 25 anos, vm investigando a influncia das

    emoes nos processos de tomada de deciso, no comportamento e no

    desempenho de diversas atividades. Um esquema semelhante ao apresentado

    acima deduzido da teoria de inteligncia emocional, apresentada primeiramente

    atravs de artigo de Mayer & Salovey (1990). O esquema contempla as variveis de

    energia e aprazibilidade11, organizados da seguinte maneira (Brackett et al, 2013):

    11 Referido originalmente em ingls como pleasantness, ou seja, decorrentes do sensao de emoes positivas.

  • 23

    Figura 6. Medidor de Humor (Mood Meter)

    Fonte: Brackett & Rivers, 2013, p. 14

    Ao analisarmos as abordagens de pesquisadores de diferentes reas,

    podemos observar uma coerncia quanto aos mecanismos que influenciam uma

    performance. As diferentes abordagens, embora utilizem diferentes termos e

    associaes, apresentam tambm similares perspectivas quanto aos processos de

    identificao de uma situao como ameaadora, a observao de uma

    consequente resposta emocional, alm de desencadeamento de um processo

    fisiolgico que resulta em comportamentos e influencia um desempenho. Esse

    entendimento de quanto o desempenho de atividades, como uma performance

    musical pblica, afetado por nossas emoes e processos mentais, suscita o

    msico performer a buscar prticas e estratgias que lidem com esses fatores

    durante a fase de preparao de uma performance, de maneira a reduzir

    interferncias indesejadas, como por exemplo a ansiedade, e que proporcionem

    como resultado uma melhora na qualidade de performances. O grfico acima (fig. 6),

    que relaciona o nvel energtico qualidade das emoes (satisfao) envolvidas no

    desempenho de uma atividade, buscam demonstrar que os sentimentos que

    constatamos cotidianamente derivam da interao entre esses dois fatores. Brackett

    Ener

    gia

    Aprazibilidade

    surpreso

    satisfeito

    assustado

    incomodado

    cansado

    triste

    entusiasmado

    sereno

    contente

    xtase

    entediado

    melancolia

  • 24

    partindo do pressuposto que necessrio entender os fatores que regem essas

    sensaes, identific-las e posteriormente transform-las desenvolveu uma

    metodologia bastante completa, que atualmente utilizada por escolas norte-

    americanas, conhecida como abordagem RULER.12

    Quanto ao medidor de humor demonstrado na figura acima, Brackett

    afirma que o quadrante amarelo seria onde se encontram os melhores

    desempenhos, pois onde existe um equilbrio entre energia corporal e emoes

    positivas. Portanto, durante a prtica diria e situaes de performance, deve-se

    almejar inserir-se no estado descrito pelo quadrante amarelo, que tambm pode ser

    alcanado atravs da aplicao das prticas e estratgias posteriormente

    apresentadas.

    3.3 As Habilidades Mentais

    Diversos autores reconhecem a importncia e o impacto das

    habilidades mentais em uma performance. Segundo modelo terico proposto por

    Buswell (2006), o sucesso de uma performance poderia ser determinado pelos

    seguintes fatores:

    Sucesso da Performance

    (Habilidades Tcnicas + Sade Fsica) X Habilidades Mentais

    Dessa forma, identificamos mais uma vez que estabelecido o domnio

    tcnico de uma obra musical e o estado de sade de um performer, as habilidades

    mentais que influem em maior grau para um melhor desempenho. Habilidades

    tcnicas e forma fsica (ou sade) so os pilares de uma performance, porm

    somente sero desenvolvidos e apresentados favoravelmente em uma performance

    se habilidades mentais estiverem tambm envolvidas.

    12 RULER corresponde um acrnimo das palavras Recognizing (reconhecendo), Understanding (entendendo), Labeling (Classificando), Expressing (expressando) e Regulating (regulando) emoes. Para maiores informaes acessar: http://ei.yale.edu/ruler/

  • 25

    Segundo o modelo, so trs as habilidades mentais mais relevantes:

    equilbrio emocional, volio13 e concentrao. Equilbrio emocional seria o estado ideal de energia, um equilbrio entre tenso e relaxamento, permitindo uma

    experincia relaxada porm confiante, natural e fluida, positiva e agradvel. Volio

    seria a habilidade de direcionar a energia do corpo para os processos mentais

    necessrios para a execuo de uma atividade. Assim, conforme Assagioli, a funo

    da volio seria:

    [...] similar de um timoneiro, a qual direciona um barco apesar das

    interferncias da corrente e vento. O timoneiro apenas aplica uma pequena fora para girar o timo, j que utiliza-se das propulso exercida pelos motores, presso dos ventos na vela ou esforo dos remadores. (ASSAGIOLI, 1990, p.10 apud BUSWELL, 2006, p. 28, traduo minha)14

    Portanto, no somente necessrio utilizar a apropriada quantidade de

    energia, mas tambm empregar de forma ordenada e equilibrada essa energia nos

    processos mentais. Concentrao, segundo o modelo, seria a habilidade de

    direcionar a ateno ou as faculdades mentais a um determinado objeto, lidando

    com as distraes internas e externas, e focando-se no presente momento.

    3.4 Concentrao

    Em situaes de performance sob grande presso, comum que

    msicos observem uma dificuldade em manter um nvel satisfatrio de

    concentrao. Conforme Williamon & Connolly (2004, p. 233) outra habilidade

    mental importante para um alto desempenho a capacidade de concentrao e a

    habilidade de alternar o foco da ateno.

    Durante uma performance, exigido do msico a habilidade de estar

    atento si mesmo, assim como ao contexto externo, fazendo que com a ateno se

    restrinja a algum fator em detrimento dos outros. A habilidade de focar a ateno em 13 O termo originalmente utilizado por O'Connor will, que pode ser traduzido para o portugus como vontade. A traduo livre realizada utilizou-se do termo volio que est associado esforo deliberado, e ao processo de formao de hbitos, ou seja de um processo de controle de ao que torna-se automatizada. 14 "... similar to that performed by the helmsman of a ship. He knows what the ship's course should be, and keeps her steadily on it, despite the drifts caused by wind and current. But the power he needs to turn the wheel is altogether different from that required to propel the ship through the water, wheter it be generated by engines, the pressure of the winds on the sail or the efforts of rowers.

  • 26

    um objeto e de alternar as dimenses de concentrao deve ser praticada para que

    padres de pensamento indesejado e comportamento improdutivos sejam

    superados (Williamon & Connolly, 2004). Um modelo proposto por Robert Nideffer

    em 1976, decorrente de sua experincia no treinamento de atletas, identifica duas

    variveis, ou dimenses, da concentrao: direo (interna ou externa) e amplitude

    (amplo ou focado)15. Quatro so os quadrantes resultantes desse modelo da

    concentrao, como mostrado na figura:

    Figura 7.Quadrantes da Concentrao

    Fonte: Nideffer, 1976 apud Williamon & Connolly, 2004, pg. 234.

    Embora seja evidente que o performer deva estar concentrado durante

    toda a performance, existem momentos que demandam maior ou menor atividade.

    Estes diferentes momentos requerem a habilidade de alternncia da direo,

    amplitude e intensidade da concentrao. Se o performer observa que existem

    muitas interferncias de pensamentos improdutivos e que sua ateno 15 O modelo, apresentado originalmente em lngua inglesa, utiliza na dimenso width (amplitude/foco), os campos broad e narrow, os quais foram traduzidos de forma livre para "amplo" e "focado" neste trabalho.

    Amplo/Externo Voc est escutando um grande nmero de pessoas, coisas e eventos externos (por exemplo, ouvindo qo que a orquestra est produzindo e observando o que a platia est fazendo). Focado/Externo Voc est canalizando sua ateno em poucos eventos externos (por exemplo: ouvindo o som que o seu instrumento est produzindo em um determinado momento, ou focando sua ateno na batuta do maestro.)

    Amplo/Interno Voc est prestando ateno a uma g rande gama de s ensaes , pensamentos, imagens e sons dentro de s i mesmo (por exemplo : repassando a prxima msica em sua mente, pensando em eventos a l h e i o s a p e r f o rman c e , o u preocupando-se sobre o que poderia dar errado em sua performance).

    Focado/Interno Voc est focando em sensaes especMicas, pensamentos, imagens e sons dentro de si mesmo (por exemplo: ensaiando em sua mente o som especM ico que quer produzir, ou focando na tenso de seu corpo).

  • 27

    frequentemente est dispersa e/ou voltada para um objeto irrelevante para a

    realizao musical durante a performance, os exerccios seguintes prope um

    desenvolvimento destas habilidades referentes concentrao. importante

    ressaltar que o msico deve estar atento ao seu comportamento, identificando

    distraes e a capacidade de focar ou voltar ao foco de um determinado objeto.16

    3.5 Os Egos de Gallwey De maneira similar a Buswell (2006), Tim Gallwey (1996), de forma

    mais pragmtica e sinttica, reduz o desempenho em uma performance ao seguinte

    axioma:

    Performance = Potencial menos interferncia

    Segundo a concepo de Gallwey, o sucesso de uma performance

    determinado pela habilidade do performer em lidar com as interferncias internas e

    externas, deixando que o corpo reproduza a habilidade tcnica j automatizada. Em

    seu livro, Gallwey (1996) afirma que dois processos mentais ocorrem em paralelo

    durante uma performance, ou execuo de uma tarefa. O primeiro processo o

    realizador insconsciente (ego I) seria responsvel pela ativao dos movimentos

    mecnicos do corpo e pela realizao de determinadas aes fsicas, enquanto o

    segundo - o instrutor consciente (ego II) seria responsvel por comandar as aes

    do primeiro processo e tambm pela avaliao dos resultados gerados por essas

    aes. No caso de um performer musical, pode-se imaginar que o primeiro processo

    corresponde execuo dos movimentos necessrios para emisso de um som,

    como a digitao instrumental, por exemplo. O segundo seria responsvel por

    avaliar como esse som est sendo produzido e o por ordenar as aes necessrias

    de acordo com o contexto musical, como por exemplo, diminuir o andamento ao

    observar que os outros msicos o esto sinalizando. Segundo Gallwey, o que

    frequentemente ocorre que o processo instrutor est to ativamente envolvido com

    questes de ansiedade quanto avaliao pblica ou da incapacidade e

    fragilidade da performance que acaba por interferir na eficiente realizao do 16 Para exerccio mental referente s diferentes dimenses de concentrao, ver pg. 37 (exerccio de trnsito de ateno).

  • 28

    processo realizador, onde seria realizados movimentos j consolidados pelo estudo

    e preparao. 3.6 O Treinamento de Habilidades Mentais Partindo deste pressuposto que mente, corpo e emoes esto

    fortemente conectados, surgiu, na rea da psicologia do esporte, o termo

    Treinamento de Habilidades Mentais (THM). Esta prtica pode ser entendida como

    uma tentativa de construir resilincia mental17, proporcionando uma estabilidade

    psicolgica e, consequentemente, melhor desempenho (BUSWELL, 2006). Atravs

    de estratgias que minimizam os pensamentos e sentimentos negativos, a tcnica

    objetiva (re)programar os processos mentais, almejando o mais alto desempenho.

    Um dos fundamentos desta tcnica que o crebro tem dificuldade em

    distinguir eventos reais de imaginados, dessa forma, ao proporcionar experincias

    imaginadas e sugestionar o inconsciente, possvel alterar o desempenho em uma

    situao real. Os trs pilares do THM so: respirao, a visualizao e o ensaio mental. Atravs da aplicao de tais prticas possvel transformar o modo como pensamos e sentimos frente a uma performance. Para desenvolver estas

    habilidades mentais til ter como referncia o estado ideal de uma performance.

    Resultante da conceituao de diversos autores18, o Estado Ideal de Performance, conforme Williamon & Connolly (2004, pg. 237), tem as seguintes caractersticas:

    energizado, porm relaxado;

    confiante (com uma expectativa de sucesso, lapsos na

    performance no abalam a autoconfiana);

    focado (absorto no momento, focado somente na atividade

    sendo realizada);

    sensao de pouco esforo e de automao (corpo e mente

    trabalham em unssono, poucos ou nenhum pensamento consciente 17 Resilincia um termo utilizado pela fsica para designar a propriedade de alguns materiais de acumular energia quando exigidos ou submetidos a estresse, sem que ocorram rupturas. Atualmente o termo tem sido utilizado pela psicologia para se referir capacidade de o indivduo lidar com problemas, superar obstculos ou resistir presso de situaes adversas, como o estresse por exemplo, sem que seja desencadeado um surto psicolgico. 18 Para maiores discusses, so citados por Williamon & Connolly (2004), na pg. 237, os autores Csikszentmihalyi 1990, 1998 e Syer & Connolly 1991, 1998.

  • 29

    envolvido; instintos e intuio fazem com que a performance "simplesmente

    acontea");

    prazer (sensao agradvel de fruio da performance);

    controle (completo controle da situao, no importando o que

    acontea).

    Atravs da aplicao de exerccios de treinamento mental, possvel

    associar performances imaginadas sensaes positivas, buscando um estado

    ideal para uma performance e objetivando uma sensao de bem estar e prontido,

    assim como as caractersticas acima descritas por Williamon e Connolly.

    3.7 Ensaio Mental e a Visualizao

    O conceito de visualizao e ensaio mental surgiram de prticas

    voltadas ao imaginrio guiado (guided imagery) desenvolvido entre os anos 1930-40

    por Hans Happich. Segundo os pesquisadores:

    Ensaio mental o ensaio cognitivo ou imaginrio de uma habilidade

    musical, sem utilizao do movimento muscular. a ideia bsica de que os sentidos predominantemente aural, visual, e sinestsico para o msico devem ser usados para criar ou recriar uma experincia que similar de um determinado evento. (traduo minha) (Williamon & Connolly, 2004, p. 224)19

    Embora o sistema nervoso central seja um mecanismo altamente

    complexo e eficiente, ele tem dificuldade em diferenciar experincias reais de

    imaginadas. Exemplos so os sonhos, que as vezes podem parecer reais, ou a

    sensao de esquecer todas as informaes estudadas para uma prova, ou ainda

    de que a pea musical que ser apresentada foi totalmente esquecida. Estas so

    situaes imaginadas que so entendidas pelo corpo como reais, e que de acordo

    com os processos j previamente apresentados, reage de forma instintiva e

    programada.

    O ensaio mental utiliza-se dessa caracterstica do nosso funcionamento

    mental em benefcio prprio. Ao imaginar uma situao de performance, criam-se 19 Mental Rehearsal is the cognitive or imaginary rehearsal of a physical skill without overt muscular movement. The basic idea is that the senses predominantly aural, visual, and knesthetic for the musician should be used to create or recreate an experience that is similar to a given physical event.

  • 30

    conexes entre a mente e o corpo que resultam em um movimentos fsicos precisos

    na situao da performance. Alm disso, estudos indicam quando imaginamos um

    movimento produzimos uma atividade muscular semelhante aquela que seria

    realizada pelo movimento real (Freymuth, 1993 apud Williamon & Connolly, 2004, p.

    225). Estudos tambm indicam que o treinamento mental de habilidades motoras

    resulta em um desenvolvimento das reas cerebrais responsvel por estes

    movimentos, procedendo tambm de melhora no desempenho (Slagter et al, 2011).

    Um estudo realizado com pianistas, por exemplo, revela que um grupo que aplicou

    treinamento mental de exerccios de dedilhado de 5 dedos durante duas horas

    demonstrou uma reorganizao do crtex motor similar quela obtida pelo grupo que

    praticou fisicamente o exerccio. A literatura ainda aponta, atravs de exames

    eletroencefalogrficos, que performers mais experientes apresentaram uma maior

    recorrncia da utilizao de processos mentais especficos, durante o ensaio mental,

    similares queles envolvidos durante a performance real. (Williamon & Connolly,

    2004, p. 225)

    Embora diversos estudos tenham obtido resultados contraditrios

    quanto ao impacto real das tcnicas de ensaio mental no desempenho de uma

    performance, como argumentam Williamon e Connoly (2004), isso deve-se:

    disparidade de mtodos utilizados nas pesquisas, heterogeneidade da experincia

    dos msicos recrutados, aos diferentes procedimentos de aplicao da tcnica,

    entre outros fatores. Porm, consenso de que necessrio que algum tipo de

    atividade mental ou cognitiva esteja aliado prtica motora para que um alto nvel

    de musicalidade seja obtido. Podemos traar um paralelo aos atletas de salto

    ornamental, que frequentemente visualizam por 2 ou 3 segundos um salto perfeito,

    para depois realiz-lo. Atravs desta analogia podemos notar a necessidade do

    domnio tcnico e adequado uso do corpo, j que por melhor que fosse a

    visualizao de um leigo, seria impossvel obter um salto prximo ao satisfatrio.

    Portanto, o ensaio mental mostra-se uma prtica complementar benfica, mas no

    substitui a prtica do estudo motor/fsico e do desenvolvimento tcnico. Outro ponto

    ressaltado pelos autores que somente atravs de uma determinao e esforo

    pessoais, o msico pode expandir e explorar ao mximo o potencial de seu

    repertrio de estratgias mentais.

    Entre os benefcios oferecidos pela tcnica de ensaio mental, podem

    ser destacados o desenvolvimento da memria, o aumento de eficcia do estudo, a

  • 31

    superao de dificuldades tcnicas, a habilidade de retornar o foco durante uma

    performance, o aumento da resilincia mental no palco, o aumento de controle das

    emoes negativas, um aprofundamento da conexo com o pblico, e

    consequentemente a obteno de uma performance de alta qualidade (Williamon & Connolly, 2004).

  • 32

    4. Prticas e Estratgias20

    Neste captulo sero apresentadas diferentes prticas que lidam com

    os processos mentais envolvidos em uma situao de performance musical pblica.

    Estas prticas oferecem diversos exerccios de preparao, utilizando estratgias

    comportamentais, cognitivas ou at mesmo cognitivo-comportamentais. Tais

    estratgias tm demonstrado resultados positivos, proporcionando uma melhora

    geral no desempenho de msicos em apresentaes pblicas (Slagter et al, 2011).

    Para este trabalho foram investigadas diferentes perspectivas, desde estratgias

    utilizadas por instrumentistas, por esportistas e atletas de elite. Embora as tcnicas

    possam advir de perspectivas e experincias de diferentes reas, pode-se identificar

    uma coeso quando examinadas atravs das informaes apresentadas na

    fundamentao terica deste trabalho, que evidenciam relaes entre emoes,

    fisiologia e suas influncias no desempenho do performer.

    4.1 Sobre a respirao e o relaxamento

    A maioria das prticas de treinamento e ensaio mental, relaxamento e

    visualizao, utilizam-se da respirao consciente, ou seja, de exerccios de

    respirao que induzem um estado energtico estvel. A associao entre

    respirao e ansiedade to evidente, que alguns autores apontam que:

    Ansiedade = Energia (Estresse) - Respirao21

    Respirao o processo pelo qual o corpo equilibra o nvel de oxignio

    e dixido de carbono no corpo. Quando um indivduo encontra-se sob estresse, a

    respirao tende a ser mais superficial e curta, fazendo com que o corpo receba

    uma alta quantidade de energia, destinada reao frente situao ameaadora,

    segundo os processos previamente abordados no "sequestro de amgdala"22. Isto

    gera uma hiperventilao, ou seja, um desequilbrio entre os nveis de oxignio e 20 Os programas propostos neste captulo foram retirados dos livros de Buswell (2006) e Williamon & Connolly (2004). 21 Buswell (2006), pg. 46. 22 Ver pgina 18.

  • 33

    dixido de carbono, que podem resultar em: formigamento de face, mos e pernas,

    tremores musculares e cimbras, tontura e problemas visuais, falta de flego,

    exausto e fatiga, dores no peito e estmago (Buswell, 2006). A causa fundamental

    desses sintomas no a respirao, j que esta uma resposta do corpo frente

    percepo de uma situao de perigo, porm pode ser compreendida como uma

    ao resultante do corpo, frente a uma necessidade entendida. Tais sintomas ao

    serem percebidos pelo indivduo acabam por gerar ainda maior ansiedade,

    causando um crculo vicioso de ansiedade e excitao corporal.

    O termo relaxamento frequentemente utilizado para indicar diferentes

    sentidos. Algumas pessoas relacionam o ato de relaxar ao ato de assistir televiso

    ou descansar aps um dia intenso de trabalho, enquanto outros referem-se a ir a

    festas, encontros sociais, ou at mesmo brincar com os filhos. Como apresentado

    anteriormente por Watkins, o termo relaxamento est associado a um estado

    energtico especfico no corpo. Assim, dentro de um espectro energtico de um

    extremo estresse a um repouso absoluto busca-se um estado de equilbrio

    energtico que favorea o desempenho das atividades do performer. O termo

    relaxamento utilizado nesse trabalho, portanto, objetivando este estado de

    equilbrio, onde percebe-se uma sensao de bem estar e prontido.

    Os exerccios a seguir, buscam atingir um determinado padro

    respiratrio, que resulta em um equilbrio dos nveis de oxignio e dixido de

    carbono. Este padro, por sua vez, induz um estado de relaxamento, que o estado

    energtico ideal para a aplicao das demais tcnicas apresentadas. Existem

    diversos exerccios de relaxamento, porm grande parte utilizam-se da inspirao e

    expirao, da seguinte maneira:

    1. Deite-se ou com as costas apoiadas no cho, de maneira

    relaxada;

    2. Posicione uma mo no peito, logo abaixo do msculo

    pectoral, e a outra na regio do estmago, entre umbigo e costelas.

    Inspire e espire.

    3. Observe a elevao e abaixamento das mos durante a

    respirao. Ao inspirar, o estmago deve se elevar, e ao espirar, deve

    se abaixar.

  • 34

    4. Inicie uma contagem em aproximadamente 60/70

    batimentos por minuto at 4 na inspirao; segurando por 2;

    expirando em 6.

    5. Repita 6 vezes.

    A respirao um mecanismo natural do corpo, portanto se deve

    conscientemente explorar e desenvolver seu funcionamento orgnico. Se for

    constatada dor ou grave desconforto, deve-se interromper imediatamente o

    exerccio. Esse exerccio pode tambm ser utilizado nas prticas de estudo, ensaio,

    ou qualquer outra atividade que necessite de um estado energtico estvel de

    relaxamento do corpo. Alguns autores (como Williamon & Connolly, 2004) adicionam

    outras etapas no exerccio acima: prestar ateno s pernas e a qualquer tenso

    existente, e imaginar a tenso sendo drenada do corpo em direo ao cho,

    resultando numa sensao de calma, relaxamento e prontido.

    Assim como os exerccios previamente apresentados, existem outras

    prticas que buscam um estado energtico ideal atravs do relaxamento, e que so

    igualmente benficas. Entre as diferentes prticas, tm-se: a Terapia Autognica, o

    Mtodo Feldenkrais, a Tcnica de Alexander, o Relaxamento DIY, o Relaxamento

    Muscular Progressivo, o Relaxamento Condicionado (Cued Relaxation), a Auto-

    hipnose, entre outras (BUSWELL, 2006).

    4.2 Orientaes Gerais Algumas orientaes, decorrentes de anos de experincia na aplicao

    da tcnica, podem aumentar a eficcia do ensaio mental (BUSWELL, 2006), como:

    Pratique regularmente, especialmente pela manh.

    Sesses regulares e curtas (5 a 10 minutos) apresentam melhor

    resultado que sesses longas e infrequentes.

    Comece com relaxamento, assim sua mente e corpo atingem um

    estado que favorece o desempenho dos processos mentais.

    Ensaie mentalmente habilidades especficas ou qualidades que

    desejam ser trabalhadas em seu treinamento tcnico, acima e prximo ao

    seu atual nvel de performance.

  • 35

    Seja positivo(a), direcione seu ensaio mental aos objetivos que

    voc deseja abordar e livre-se de aspectos que no contribuem para o

    desenvolvimento de sua performance, como por exemplo "quero tocar isto

    mais piano" ao invs de "no quero tocar isto to forte.

    Use todos os seus sentidos, buscando o maior detalhamento

    possvel, de forma que voc acredite que est executando a habilidade na

    situao. Continue trabalhando para aumentar a claridade e a nitidez das

    imagens mentais, inclua emoes e sentimentos.

    Primeiro utilize a tcnica de visualizao de maneira dissociada

    (externamente); depois que a imagem parecer "real", a visualize de

    maneira associada (internamente).

    Observe como voc visualiza. Voc se observa em uma

    performance como se estivesse em uma tela (externamente) ou voc v,

    ouve e sente a partir de seu corpo (internamente)? Ambas estratgias

    podem ser teis. Geralmente quando voc est corrigindo habilidades,

    til observar externamente, at que a habilidade seja corrigida; feito isso,

    procure sentir a partir de uma perspectiva interna, prestando ateno s

    sensaes fsicas e quelas associadas com a habilidade.

    4.3 Exercitando habilidades mentais de visualizao A seguir sero propostos exerccios que buscam treinar as habilidades mentais necessrias para uma eficiente visualizao, tais como o uso dos sentidos,

    a capacidade de associar (visualizao interna) e dissociar (visualizao externa), e

    a habilidade de alternar o modo de concentrao. 4.3.1 Desenvolvendo os diferentes sentidos Para despertar os diferentes sentidos, inicie realizando o exerccio do

    relaxamento, buscando um estado equilibrado de calma e prontido/acuidade, tanto

    fisicamente quanto mentalmente. Posteriormente, atente aos seus sentidos,

    utilizando estas sugestes que podero lhe proporcionar uma sensao positiva.

    Vale ressaltar que podem-se criar imagens mentais, e sendo bem definidas e

  • 36

    detalhadas tambm podem proporcionar resultados positivos. Assim, conforme

    exerccio elaborado por Buswell (2006), pratique os seguintes sentidos:

    Visual: veja um pr do sol acima do oceano, ou nuvens no cu;

    Auditivo: oua o som de um trovo, de sinos soando distncia,

    o aplauso de uma plateia ao final de um concerto, do vento passando pelas

    folhas de uma rvore, ou de um prego sendo martelado em um pedao de

    madeira;

    Sinestsico: sinta suas mo sendo aquecidas pelo calor de uma

    labareda ou de neve caindo sob sua face;

    Olfativo: sinta o aroma de caf ou de po assado fresco;

    Gustativo: sinta o sabor de uma laranja ou de outra fruta.

    Observe quais sentidos so despertados com maior facilidade e no

    desista de aprimorar os restantes. Embora possa parecer desafiador inicialmente,

    busque uma melhor definio das imagens e sensaes, pois dessa forma o impacto

    gerado por elas ser maior em sua mente. Para desenvolver os sentidos de maneira

    mais aguada, realize o seguinte programa:

    1. Feche seus olhos;

    2. Realize o exerccio de respirao para obter o estado equilibrado

    do relaxamento;

    3. Abra seus olhos e veja um objeto prximo a voc;

    4. Gradualmente feche seus olhos e imagine o objeto a sua frente;

    5. Veja as cores com a melhor definio e nitidez possveis;

    6. Imagine o objeto menor, mais distante, e depois maior e mais

    prximo. Aproxime-o; afaste-o dele;

    7. Imagine-se flutuando at o teto e olhe para baixo para o objeto;

    8. Imagine-se virando o objeto de cabea para baixo;

    9. Veja-o por trs, pela frente, e at por dentro;

    10. Abra seus olhos.

  • 37

    4.3.2 Desenvolvendo a habilidade de visualizao associada e dissociada Uma habilidade importante a ser exercitada pela tcnica de ensaio

    mental a capacidade de observar uma situao externamente, ou seja, de forma

    dissociada, como se fosse projetada em uma tela. Quando deseja-se integrar uma

    performance de maneira mais realista, voc pode associar a experincia imaginada

    atravs de uma perspectiva interna, ou seja, imaginando a performance atravs do

    seu corpo, como se estivesse dentro do corpo visualizado/imaginado, enxergando,

    ouvindo e experimentando as sensaes atravs de seus sentidos.

    O exerccio proposto a seguir, pode proporcionar o desenvolvimento da

    habilidade de alternar a perspectiva imaginada nas formas associadas e

    dissociadas:

    1. Feche seus olhos;

    2. Comece com o exerccio de respirao/relaxamento inicialmente

    proposto;

    3. Imagine-se sentando em um cinema;

    4. Veja sua imagem na tela, tocando seu instrumento (dissociado);

    5. Realize um zoom lentamente, e torne a imagem mais clara,

    definida e com volume mais alto;

    6. Torne a imagem em preto e branco, e ento de volta cor.

    7. Lentamente afaste-se e torne a imagem mais distante, suave,

    menos focada e mais silenciosa;

    8. Imagine-se flutuando para fora de seu corpo e entrando na

    imagem da tela (associao). Veja agora atravs do seu corpo, sentindo a

    partir do corpo que est tocando;

    9. Abra seus olhos.

    4.3.3 Exerccio de Trnsito da Ateno23 Este exerccio visa desenvolver a capacidade de concentrao do

    performer, evitando que o msico adentre "zona do meio". Essa zona descreve

    quando o msico est fisicamente realizando uma ao (como tocando um 23 Originalmente referido por Williamon & Connolly (2004) como exerccio de Shuttling, aqui traduzido de forma livre.

  • 38

    movimento de uma pea), enquanto mentalmente realizando outra (por exemplo,

    pensando como ser executado o trecho difcil do prximo movimento). Atravs

    deste exerccio possvel desenvolver a habilidade de controlar e alternar as

    dimenses de concentrao de maneira ordenada e intencional.

    Pode-se fazer um paralelo dessa perspectiva proposta anteriormente

    por Gallwey (1996)24, a qual aborda os processos mentais e menciona que

    frequentemente o ego II impossibilita a realizao do ego I, ou seja, a realizao dos

    processos mentais necessrios aos movimentos mecnicos j programados. Este

    exerccio um desdobramento do entendimento Niedefer (1976) sobre as

    dimenses da concentrao, onde direciona-se voluntariamente e conscientemente

    a ateno s dimenses desejadas.

    O exerccio de trnsito de ateno originalmente proposto por

    Williamon & Connolly (2004) para ser realizado em dupla, da seguinte maneira:

    1. Feche os olhos, concentre-se em uma sensao, pensamento,

    som, ou imagem interior e diga "agora estou ciente de ... "Por exemplo:

    agora estou ciente da minha respirao", ou "agora estou ciente da minha

    dor na perna", etc.

    2. Abra seus olhos e diga "agora estou ciente de ...", adicionando

    algo do exterior, como "agora estou ciente da luz do sol" ou "agora estou

    ciente de seus olhos".

    3. Repita o processo, focando sua ateno para dentro e para fora;

    primeiro com uma observao interior e aps com uma observao

    exterior, por alguns minutos.

    4. Deixe que seu parceiro realize as etapas acima.

    5. Agora, tente realizar o mesmo exerccio, desta vez com seus

    olhos sempre abertos.

    Possveis reflexes tambm podem ser benficas, identificando, por

    exemplo, quais foram as dificuldades e facilidades, sempre na tentativa de

    desenvolver as habilidades que ainda no so consideradas completamente

    satisfatrias. 24 Sobre ego I e ego II, ver pg. 27, tpico 3.5: Os Egos de Gallwey.

  • 39

    importante ressaltar que diferentes momentos ou partes da

    performance requerem os diferentes tipos (ou dimenses, como mencionado na fig.

    7) de ateno; a partir da conscincia das diferentes necessidades, pode-se

    desenvolver a concentrao, construda a partir das necessidades da msica

    praticada. Portanto importante identificar e criar uma estratgia de quais tipos de

    ateno sero utilizadas nos diferentes momentos da performance, que podero ser

    exercitados atravs dos diversos exerccios propostos nesse trabalho.

    4.4 Programas de Visualizao A seguir, sero apresentados alguns exerccios e programas de

    visualizao, os quais visam desenvolver habilidades tcnicas especficas e simular

    a situao de performance musical pblica.

    4.4.1 Exerccio para consolidao de habilidade tcnica especfica Desenvolvidas as habilidades mentais necessrias para a visualizao,

    possvel aplic-los de maneira mais especfica s habilidades tcnicas que se

    pretende desenvolver, segundo o programa de visualizao abaixo proposto Buswell

    (2006):

    1. Feche seus olhos, respire e relaxe;

    2. Veja-se de forma dissociada em um lugar ideal de estudo, crie

    tantos detalhes quanto possveis, adicione amigos ou colegas que o

    apoiem, se assim o desejar;

    3. Veja-se aproximando do seu instrumento;

    4. Comece a tocar/cantar utilizando a tcnica ou a pea musical

    que deseja aprimorar. Veja-se realizando-a perfeitamente (ou use um

    outro msico como modelo). Preste ateno ao que voc v, escuta e

    sente enquanto se auto-observa. Como voc sente seus braos, cabea?

    Como o seu corpo est posicionado? Como voc usa suas pernas e ps?

    5. Quando esta imagem for perfeita, respire profundamente e

    observe a cena de outro lugar: mais perto, mais longe, de frente, pelos

    lados, etc.

  • 40

    6. Apenas quando est imagem estiver perfeita em cada detalhe e

    voc estiva realizando a tcnica ou pea musical perfeitamente, faa a

    transio para a forma associada.

    7. Pratique mentalmente a habilidade que voc est trabalhando.

    Aproveite a sensao de estar tocando perfeitamente.

    8. Se voc no est completamente satisfeito com a imagem, volte

    para o estado dissociado at que esteja normalmente satisfeito e s ento

    associe novamente.

    9. Repita a imagem associada ao menos 5 vezes - isto vai tornar-

    se mais fcil a medida que voc praticar.

    Esses exerccios, acima propostos, visam desenvolver as habilidades

    mentais necessrias para a execuo de trechos ou peas musicais especficas,

    porm possvel tambm realizar um treinamento que prepare adequadamente a

    execuo destas peas em uma situao de performance.

    Para obter melhor proveito do exerccio proposto a seguir,

    recomendado que as habilidades mentais estejam satisfatoriamente desenvolvidas,

    assim como a tcnica instrumental e musical necessrias para execuo da pea,

    para que seja possvel simular de forma positiva a execuo das obras musicais

    desejadas em um contexto de performance.

    Durante o perodo que apliquei tais exerccios em minha prtica diria,

    pude identificar que o estado ideal e a execuo "perfeita", frequentemente evocada

    nos exerccios, no so fceis de serem atingidos. Sempre foi possvel sentir algum

    grau de tenso ou identificar algo na execuo imaginada que poderia ser ainda

    melhor. De qualquer forma, estes exerccios no propem somente facilitar um

    desenvolvimento tcnico, mas prioritariamente, permitir que a tcnica e as

    habilidades j desenvolvidas durante o estudo sejam consolidadas e possam ser

    apresentadas durante a performance musical pblica. Observei tambm que os

    exerccios de visualizao demandam um alto grau de concentrao; exercitar a

    habilidade de focar na msica e nas habilidades necessrias para sua execuo j

    oferece grande benefcio, pois facilita a memorizao e o planejamento do que

    necessrio para viabilizar a melhor performance.

  • 41

    O exerccio a seguir utiliza o ensaio mental para que seja possvel

    (re)experimentar estados ideais de performance, aplicados s situaes reais da

    planejada performance.

    4.4.2 Exerccio de Ensaio Mental da Performance Ideal25

    Relaxe atravs dos exerccios de respirao/relaxamento

    anteriormente propostos buscando um estado equilibrado e de

    prontido.

    Imagine-se caminhando em direo a uma sala grande, onde

    voc encontra a sua frente uma cadeira e uma tela grande. Sente-se e

    veja o filme da sua melhor performance. Observe o que voc est fazendo

    para preparar-se, e ao comear a tocar, oua como a msica soa. Note

    como voc est expressando-se, o posicionamento do seu corpo e sua

    expresso facial. Ao final da performance, observe como voc soa e

    aparenta.

    Aps assistir sua performance, qual a sua reao? O que est

    sentindo?

    Volte ao incio da performance mas desta vez escolha um

    ngulo diferente, talvez por cima ou por trs e assista-a novamente. O

    que voc ouve e v? Qual a diferena oferecida pela nova perspectiva?

    Ao trmino da performance, note o que est sentindo.

    Prepare-se para a performance novamente, mas desta vez,

    imagine-se levantando da cadeira e adentrando o filme. Voc est prestes

    a tocar atravs do seu corpo, vendo atravs de seus olhos.

    Toque a pea em sua melhor performance, utilizando todo o seu

    potencial. Observe onde est a sua ateno e como a msica soa, preste

    ateno a sensao fsica de estar tocando. Quais so os fatores centrais

    da sua performance? Finalize a performance e note como voc est se

    sentindo.

    Mais uma vez realize a performance de forma associada,

    focando nos aspectos centrais da sua performance e quais so as 25 Exerccio originalmente proposto por Williamon & Connolly 2004, neste captulo adaptado, atravs do exerccio de relaxamento/respirao anteriormente apresentados (Buswell, 2006).

  • 42

    sensaes de estar tocando o seu melhor. Finalize a performance e

    retorne cadeira, onde voc pode visualizar a sua performance mais uma

    vez.

    Reveja sua performance ideal mais uma vez, e note a sua

    reao. Ao final da performance, observe como est se sentindo e traga

    esta sensao de volta ao seu ambiente presente.

    Algumas reflexes, realizadas aps este exerccio, podem facilitar a

    evocao do estado ideal de performance, pois codificam a complexidade da

    experincia em smbolos e sensaes, tornando-a acessvel mais rapidamente.

    O que voc notou quando assistiu e ouviu sua performance

    externamente (de forma dissociada)?

    Quais sensaes voc associou sua melhor performance?

    O que voc pode fazer previamente s performances futuras

    para evocar este estado em voc?

    4.4.3 Adaptando a Performance Ideal Aps desenvolvidas as diversas habilidades mentais e adaptadas s

    diferentes necessidades de cada pea musical, extremamente benfico simular a

    performance, adicionando ainda maiores detalhes do contexto real, como, por

    exemplo, o local onde a performance ser realizada. O exerccio a seguir prope a

    aplicao da tcnica de visualizao, adaptada aos detalhes de uma performance

    especfica, voltada preparao para um evento, como por exemplo, um recital de

    formatura.

    1. Observe os detalhes da sala em que ser realizada a

    performance, assim como sua acstica.

    2. Relaxe da forma usual (proposta anteriormente) e lembre-se de

    um momento em sua carreira musical que voc sentiu que estava "no local

    certo, no momento certo" apenas uma lembrana, a primeira que lhe

    ocorrer. Este o momento que sua performance foi aparentemente

    impecvel, quando voc parecia saber de antemo o que aconteceria.

  • 43

    3. Note o que voc est fazendo; quem voc e com quem voc

    est. Acima de tudo, note suas sensaes fsicas e qual a sensao de

    estar realizando a performance desta forma. Toque mais uma ou duas

    vezes, focando nas sensaes fsicas e mentais.

    4. Mantenha essas sensaes e imagine que voc chegou ao local

    da performance que ir ocorrer. Encontre um local onde voc pode

    momentaneamente guardar seus equipamentos e sinta-se em casa.

    Caminhe em direo sala na qual ir tocar e note o que voc ouve e v

    enquanto caminha pela sala. Talvez v at o fundo da sala e veja como

    a perspectiva da plateia. Agora caminhe em direo ao palco, olhe a sua

    volta e oua cuidadosamente o som da sala. Sinta-se vontade.

    5. Imagine agora que voc realizou sua rotina de aquecimento, e

    quando voc estiver pronto, dirija-se para o local da performance. A

    medida que caminha, traga a experincia e a sensao de estar no local

    certo, no momento certo. Note como voc se sente ao preparar-se para

    tocar. Observe a plateia com a qual est se comunicando e o local que

    voc est neste momento. Agora toque.

    6. Note o que voc v e ouve enquanto toca, e atente s

    sensaes fsicas e sentimentos. Toque perfeitamente. Por um momento,

    dissocie-se do seu corpo e veja atravs da perspectiva da plateia. Note

    como voc reage como membro da plateia. Agora, volte a associar-se

    para terminar sua performance. Ao terminar, observe o que voc sente e

    leve esta sensao para o seu ambiente atual.

    As mesmas reflexes propostas anteriormente podem facilitar a

    consolidao da performance ideal e facilitar o acesso sensaes fsicas que

    contribuem para uma performance positiva e satisfatria.

  • 44

    5. Aplicao de Questionrio

    Para que fosse possvel contextualizar a teoria apresentada neste

    trabalho com a prtica de performers, desenvolvidas atravs de suas experincias

    prprias, foi elaborado e aplicado um questionrio26. Esse questionrio foi

    desenvolvido tendo em vista os fatores mentais, buscando evidenciar os processos

    de preparao mais relevantes e utilizados por performers experientes em suas

    prticas profissionais. importante ressaltar que as informaes fornecidas pelas

    respostas desse questionrio complementam esta pesquisa, dando subsdio

    fundamentao terica, e demonstrando que os exerccios de habilidades mentais

    apresentadas neste trabalho esto em consonncia com as prticas realizadas por

    msicos profissionais. Dessa forma, estas informaes integram este trabalho pois

    apresentam uma maior diversidade de perspectivas e proporcionam interessante

    discusso acerca da preparao da performance pblica.

    5.1. Anlise das Respostas A seguir, aponto trechos destacados das respostas enviadas que

    oferecem informaes bastante relevantes e que evidenciam o entendimento destes

    performers acerca da performance pblica, dos fatores que a influenciam, alm das

    suas prticas de preparao. Deve-se ressaltar que a publicao das respostas foi

    devidamente autorizada pelos respondentes, mediante a um termo de autorizao27.

    Colaboradora I. Diana Santiago

    Diana Santiago Professora Adjunta de Piano da Escola de Msica da

    Universidade Federal da Bahia. Doutora em Execuo Musical (Piano UFBA),

    Mestre em Execuo e Literatura Pianstica e Mestre em Educao Musical pela

    Eastman School of Music, da Universidade de Rochester (Nova York). Tem ativa

    carreira como performer, j apresentando-se individualmente aos sete anos e aos

    dez anos como solista de orquestra. Tem experincia na rea de Artes/Msica, com

    nfase em Execuo Musical e Educao Musical, atuando principalmente nos 26 Questionrio em anexo na pg. 55. 27 Termo de Autorizao apresentado em anexo na pg. 56.

  • 45

    seguintes temas: performance musical, psicologia da msica, piano, msica e

    cognio, anlise musical, currculo em msica e desenvolvimento musical humano.

    Em suas respostas, Diana ressalta o impacto negativo que os

    instrumentos musicais de m qualidade, salas de concerto inadequadas e

    sobrecarga de trabalho exercem no desempenho de performers. Essa perspectiva

    talvez seja mais evidente na prtica de pianistas, os quais constantemente tocam

    em diferentes instrumentos, muitas vezes sem a oportunidade de experiment-los e

    de adaptar-se a eles.

    A musicista afirma tambm que pratica de forma bastante focada as

    peas a serem executadas em uma performance, frequentemente as tocando

    mentalmente, ou seja, sem o uso do instrumento. Alm de relatar a prtica mental, a

    pianista recomenda ao seus alunos que realizem visualizaes prvias do momento

    do concerto. Neste sentido suas respostas revelam a importncia da prtica de

    visualizaes e de ensaio mental, que segundo sua experincia podem influenciar

    positivamente na preparao de uma performance.

    Alm de enfatizar a importncia de um estudo intenso e deliberado,

    Diana atribui, em parte, seu sucesso como performer a sua experincia de palco,

    afirmando que "tocar vrias vezes nos ensina a tocar, portanto, considero-me

    afortunada de ter podido tocar bastante desde cedo, o palco ficou algo natural para

    mim."

    Esta sensao de estar vontade, ou de sentir-se pertencente ao

    ambiente da performance um importante elemento dos exerccios de visualizao

    previamente apresentados neste trabalho, que estimulam o performer a sentir-se

    confortvel para apresentar sua melhor performance. Diana tambm utiliza a

    frequente expresso de que deve-se estar "150% preparado para na hora sair 100%

    certo", dessa forma evidenciando que sempre existe a possibilidade de alguma

    reduo na qualidade da performance, mesmo que a preparao seja extremamente

    eficiente.

    Outras estratgias interessantes so abordadas pela pianista, que

    tambm recomenda "ensaiar no local usando a roupa e os sapatos que ir vestir

    (dress rehearsal) o sapato importante para o pianista, pois os pedais de alguns

    pianos podem ser traioeiros".

    Portanto, ao observar as respostas da colaboradora, pode-se destacar

    que embora cada performer desenvolva suas estratgias pessoais adaptadas as

  • 46

    prprias caractersticas e s particularidades de seu instrumento existem prticas,

    tais como a visualizao e o ensaio mental, que podem ser utilizados tanto na

    atividade da performance, como tambm podem compor a prtica pedaggica,

    assim como demonstra a professora.

    Colaborador II. Lucas Robatto

    Lucas Robatto professor adjunto da Escola de Msica da

    Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduou-se na Escola Estatal Superior de

    Msica de Karlsruhe (Alemanha) na classe da professora Renate Greiss-Armin e em

    1992 completou Curso de Aperfeioamento Artstico (equivalente ao Master of

    Music). Em 2001 completou o Doutorado em Flauta da Universidade de Washington,

    Seattle (Estados Unidos), com o professor Felix Skowronek. Atuou como msico de

    orquestra e solista em diversas orquestras brasileiras e frequentemente participa de

    festivais internacionais como artista convidado.

    Ao responder o questionrio, Lucas afirmou, assim como Diana, que

    questes como a qualidade do instrumento, a acstica da sala e tambm a

    qualidade dos msicos na qual se compartilha uma performance, podem influenciar

    a qualidade de uma apresentao pblica. Porm Lucas ressalta que,

    frequentemente, o nervosismo e a inibio com a exposio pblica so decorrentes

    da insegurana quanto prpria capacidade tcnica e musical. A esse respeito, o

    flautista recomenda que fundamental a preparao tcnica e musical, alm de

    constante observao e conscincia dos fatores impactantes na qualidade de uma

    performance. Quanto ao nervosismo e ansiedade, decorrente da situao de

    performance pblica, Lucas afirma que se considera razoavelmente ansioso assim

    como a grande maioria dos msicos profissionais que conhece porm este um

    fator que tambm pode ser positivo. Segundo o professor,

    os problemas de ansiedade me preocupam quando se refletem no

    domnio tcnico do instrumento. Quando isto no ocorre hoje em dia na maioria dos casos considero a ansiedade (ou "nervosismo") desejvel. Aqui importante diferenciar ansiedade enquanto descontrole (negativa, indesejvel), de ansiedade enquanto expectativa (positiva, desejvel).

    Esta perspectiva a respeito do nervosismo, ou ansiedade, reflete o

    entendimento proporcionado pela Lei de Yerkes e Dodson apresentada neste

  • 47

    trabalho28, onde necessrio um certo nvel de energia (ou estresse) para que o

    indivduo atinja o seu nvel de melhor desempenho. Ao referir-se por ansiedade

    negativa (ou indesejvel), este depoimento se relaciona com as perspectivas

    oferecidas na fundamentao terica, evidenciando que a ansiedade (e a energia

    corporal em trnsito) em si no prejudicial, porm quando se encontra em altos

    nveis e desencadea um processo descontrolado, pode certamente prejudicar a

    qualidade da performance.

    Ainda relatado pelo performer que no possvel dissociar corpo e

    mente ao analisar o processo da performance musical, j que ambos interagem e

    influenciam-se mutuamente. Robatto esclarece que muitas vezes a ansiedade

    causada pela dissociao do comportamento do corpo e da mente, quando estes

    acontecem de maneira "independente". A sensao de insegurana e desconforto,

    dessa forma, podem ser decorrentes de uma "extrema racionalizao ou extrema

    dependncia nos mecanismos inconscientes (mecnicos ou corporais)". Nesse

    ponto, Robatto aproxima-se da perspectiva proposta por Gallwey (1996), a qual

    revela a existncia de dois nveis de processos mentais que atuam em paralelo e

    que devem estar equilibrados, e em "simbiose", para que seja possvel obter um

    desempenho satisfatrio na performance.

    Quanto preparao para uma performance pblica, o instrumentista

    entende que os elementos mais importantes so a preparao tcnica e musical,

    assim como estar bem disposto fsica e mentalmente. Porm Robatto afirma que

    no acredita que a preparao mental possa ser dissociada da corporal (prtica

    motora), e que o nico meio realmente eficaz de preparao a prtica constante de

    performance pblica; alm de tambm reconhecer que participaes frequentes em

    situaes de estresse (como concursos e avaliaes) possam contribuir para uma

    melhora no desempenho.

    O depoimento de Robatto, portanto, bastante coerente com a teoria

    apresentada neste trabalho, ainda que o instrumentista discorde que a prtica

    mental dissociada da prtica motora possa ter um impacto significativo na

    preparao de uma performance pblica. A perspectiva da dependncia da mente e

    corpo trazida pelo professor se assemelha proposta por Gallwey (1996) em seu

    modelo de performance, que afirma que quando ocorre uma incoerncia ou 28 Para maiores detalhes, ver figura 2, pg. 17.

  • 48

    predominncia de um ego em detrimento do outro, o desempenho fortemente

    afetado.

    Colaboradora III. Joana Holanda

    Joana Holanda professora ajunta da Universidade Federal de Pelotas

    e integra o NuMC Ncleo de Msica Contempornea da mesma instituio. Possui

    graduao em Msica pela Universidade Estadual de Campinas (1997), mestrado

    em Artes University of Iowa (2000), nos Estados Unidos e doutorado em Msica

    pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2006). Estudou com Ney Fialkow,

    Ksenia Nosikova, Christian Tarla, Flvia Escobar e Jorge Gomes. Atua como

    pianista e camerista no Brasil e no exterior, tendo apresentado recitais-palestra em

    congressos em Buenos Aires (Argentina) e Aveiro (Portugal), e recentemente

    lanado o cd Piano Presente.

    Em suas respostas, a pianista Joana Holanda destacou a importncia

    da prtica da atividade fsica, j que esta responsvel por um bem estar do corpo e

    est diretamente ligado ao desempenho em uma performance. A concentrao foi

    outro fator bastante mencionado nas respostas, e a pianista relatou buscar, logo

    antes da performance, resguardar-se, o que geralmente tem um impacto positivo na

    concentrao durante a performance. Assim como os outros colaboradores, Holanda

    ressalta que a frequncia da atividade da performance pblica traz experincia e

    amadurecimento, e faz com que o performer desenvolva mtodos prprios para lidar

    com as diversas demandas da situao da performance. Uma estratgia

    interessante destacada pela pianista a de simular performances, ou seja,

    apresentar-se para grupo de amigos, colegas ou familiares. Holanda relata ainda

    que construiu um mtodo de estratgias e exerccios prprios, de acordo com a

    experincia trazida pelas diversas performances. O contato com outros performers e

    com a literatura na rea da performance musical foi um importante aliado para a

    pianista durante sua carreira, proporcionando um entendimento mais aprofundando

    da atividade, e revelando exerccios e estratgias teis29. Holanda elencou que a

    experincia negativa proporcionada por algumas apresentaes pblicas de peas 29 Joana Holanda destacou a relevncia do livro Practicing perfection: Memory and piano performance de Roger Chaffin, o qual influenciou sua prtica como performer durante sua formao profissional.

  • 49

    mal preparadas pode impactar o performer e influenciar no sucesso de

    performances posteriores. Somado a este fator, foram citados o cansao (desgaste

    mental e fsico anterior a performance), o nervosismo e a falta de concentrao. A

    professora