SUCESSÃO GERACIONAL NAS FAMÍLIAS DO PROJETO...
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João Pessoa - PB, 26 a 29 de julho de 2015
SOBER - Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
SUCESSÃO GERACIONAL NAS FAMÍLIAS DO PROJETO REDES DE
REFERÊNCIAS PARA A AGRICULTURA FAMILIAR
Norma Kiyota1; Miguel Angelo Perondi
2; Cid Renan Jacques Menezes
3
1. Instituto Agronômico do Paraná – IAPAR; 2. Universidade Tecnológica Federal do
Paraná UTFPR; 3. Instituto Agronômico do Paraná – IAPAR.
1. [email protected]; 2. [email protected]; 3. [email protected]
Grupo de Trabalho 7: Agricultura Familiar e Ruralidade
Resumo
Este estudo busca compreender os fatores que condicionam a sucessão geracional nas famílias
que compõem o Projeto Redes de Referências para a Agricultura Familiar no Território
Sudoeste do Paraná. Para tanto, utilizou-se os dados coletados mensalmente no decorrer do
período analisado e entrevistas com os pais e filhos das famílias que compõe o projeto.
Percebeu-se nos depoimentos que houve melhoria nas condições de vida rural, que os jovens
rurais estão adquirindo maior nível de escolaridade e acesso a informações, bem como, que
existe hoje uma maior empregabilidade dos jovens e melhores possibilidades que no passado.
Também foi possível perceber que o estabelecimento rural pode ser local de moradia ou
trabalho ou ambas. E tanto os pais, quanto os jovens, apontam muitas vantagens na residência
rural, mas, também, apontam algumas dificuldades que podem criar obstáculos para uma
possível sucessão geracional.
Palavras-chave: sucessão geracional, agricultura familiar, juventude rural
Abstract
This study seeks to understand the factors that influence the generational succession in
families that compose the Reference Network for Family Farm Project in the Territory of
Southwest of Paraná. For this purpose, the data collected monthly during the analysis period
and interviews with parents and children of families that make up the project. It was noticed
in the statements that there was an improvement in the conditions of rural life, rural youth are
acquiring higher levels of education and access to information, as well, there is now a greater
employability and better chances than in the past. It was also possible to see that the family
farm can be place of residence or work or both. And both parents, as young people, show
many advantages in a rural residence, but also point out some difficulties that may create
obstacles for a possible generational succession.
Key words: generational succession, family farm, rural youth
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1. Introdução
Antonio Candido em entrevista recente publicada por Martins (2014, p. 28) disse:
“[…] Minha geração viveu os cinquenta anos mais momentosos da história
do Ocidente, Estava lhe dizendo que quando era menino, o veículo ainda era
o cavalo: meus tios, minhas tias, quando vinham para a cidade, vinham a
cavalo. Os trastes vinham em carro de boi. Eu tinha 4 anos quando puseram
telégrafo nessa cidade. Telefone interurbano não tinha. A cidade do interior
era uma cidade do interior. A coisa mais formidável do nosso tempo é a
coalescência. Hoje, a cidade onde fui criado tem 17 mil habitantes; os
costumes são os mesmos do Rio de Janeiro. Naquele tempo não era assim,
não. Eram dois universos separados. […] Hoje em dia, a homogeneização é
impressionante Só isto já demonstra que o mundo virou completamente. A
pessoa que morava no interior morava segregada, não sabia de nada. [...]
Hoje o mundo mudou...”.
Neste cenário de “homogeneização”, em que a população rural tem costumes e acessos
muito semelhantes à urbana, as famílias rurais, especialmente os jovens rurais passam por um
período ímpar e isso se reflete no processo de sucessão geracional na agricultura familiar.
No momento em que os jovens rurais têm acesso a bens de consumo, tecnologia,
meios de comunicação e transporte, educação, etc. de uma forma muito semelhante ao jovem
urbano, há uma preocupação muito grande com a continuidade das unidades de produção
familiar, pois há famílias que não tem um jovem para assumir a propriedade da família dando
sequência à trajetória de agricultores dos pais. Esta preocupação consta em vários estudos
realizados, principalmente no sul do Brasil1, como Abramovay et al (1998); Camarano e
Abramovay (1999) Brumer (2007), Brumer e Spanevello (2008), Stropasolas (2011); Sacco
dos Anjos, Caldas e Pollnow (2014), Kiyota e Perondi (2014), entre outros.
Como a família dos agricultores é o centro do trabalho com enfoque sistêmico, o tema
da sucessão geracional na agricultura familiar tem suscitado inúmeros debates entre os atores
que atuam na pesquisa, na extensão e nas próprias organizações dos agricultores familiares e
no acompanhamento das famílias que compõem o Projeto Redes de Referências para a
Agricultura Familiar no Território Sudoeste do Paraná, pois perceberam que a perspectiva de
ter ou não um sucessor condiciona diretamente o projeto das famílias em relação às suas
unidades de produção.
O Projeto Redes de Referências para a Agricultura Familiar foi iniciado em 1998, a
partir da Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento do Paraná através do
1 No estudo apresentado por França, Del Grossi e Marques (2009, p. 22), de todas as regiões
brasileiras, a Região Sul foi a única que apresentou uma diminuição na participação da agricultura
familiar em número de estabelecimentos, área e valor bruto da produção (VBP) em relação ao total de
estabelecimentos entre o Censo Agropecuário de 1995/96 e o último realizado em 2006.
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Instituto Agronômico do Paraná - IAPAR e Instituto Paranaense de Assistência Técnica e
Extensão Rural – EMATER. A proposta é baseada no enfoque sistêmico, que considera um
conjunto de fatores e atividades compondo um sistema complexo, com constante integração
entre seus componentes internos e o ambiente externo. Isto permite a percepção da
complexidade de uma unidade de produção familiar a partir de ferramentas que possibilitam a
análise desta realidade, pois estudos parciais de atividades específicas não permitiriam o
entendimento de uma unidade de produção familiar (MIRANDA et al, 2001).
O Projeto Redes de Referências para a Agricultura Familiar parte do pressuposto de
que a família de agricultores toma decisões para o gerenciamento de suas atividades a partir
do conhecimento e da análise de determinados fatores. Assim, o entendimento da inter-
relação desses fatores poderá auxiliar a pesquisa e a extensão a compreender os conceitos e
procedimentos capazes de assegurar a geração e a adequação de tecnologias apropriadas às
circunstâncias das famílias rurais e à realidade de uma dada região (IAPAR,1985).
Assim, a metodologia de pesquisa adaptativa (através da validação) e de construção
coletiva de tecnologias é apoiada em uma rede de unidades de produção familiar
acompanhadas, que após o diagnóstico e as intervenções para seu aperfeiçoamento, servem
para o fornecimento de referências técnicas, econômicas, sociais e ambientais. Esta estratégia
de pesquisa e desenvolvimento foi idealizada no Institut de l’Élevage na França, estando
atualmente em fase de adaptação/utilização nas regiões Sudoeste, Oeste, Centro, Centro-Sul,
Noroeste e Norte do Paraná.
Assim, este estudo busca compreender os fatores que estão condicionando as
perspectivas de sucessão geracional nas famílias que compõem o Projeto Redes de
Referências para a Agricultura Familiar no Território Sudoeste do Paraná. Para alcançar esse
objetivo serão utilizadas as informações coletadas no decorrer do período de
acompanhamento das famílias complementado com as entrevistas realizadas com os membros
das famílias sobre o tema deste estudo.
As entrevistas foram realizadas com as seis famílias que compõem o Projeto Redes de
Referências para a Agricultura Familiar no Território Sudoeste do Paraná. Os entrevistados
foram os pais e filhos (com idade superior a dez anos que ainda moram nas unidades de
produção), totalizando treze entrevistados. Destes apenas três eram filhos, sendo dois homens
e uma jovem mulher.
Para a realização das entrevistas foram utilizados roteiros específicos para os pais e os
filhos. Estas foram gravadas e transcritas, para posterior sistematização. Conforme acordado
com os entrevistados, estes serão identificados apenas pela condição de pais ou filhos, sexo,
estado civil e idade.
2. As famílias, as unidades de produção e o processo de sucessão geracional
As seis famílias estão em diferentes estágios referentes ao processo de sucessão
geracional, algumas ainda têm filhos crianças, outras com filhos jovens ainda estão definindo
como será a sucessão e outras já têm o processo definido. A seguir, serão caracterizadas as
famílias estudadas.
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2.1 Família 1: casal entre 35 a 40 anos e dois filhos com menos de onze anos.
A unidade de produção desta família apresenta 23 hectares, topografia com forte
declividade e localiza-se a nove quilômetros da sede do município, com estrada com cascalho.
A força de trabalho disponível no estabelecimento é composta pelo jovem casal com idade
entre 35 e 40 anos, pela filha de onze e filho de dez anos. Em outra casa mora a mãe do
agricultor, viúva e aposentada de 65 anos. O sistema de produção se caracteriza pela produção
de leite e grãos. A filha já auxilia o casal nas atividades de ordenha e com os cuidados da
casa, mas o filho ainda não assume a responsabilidade por atividades específicas. Ambos os
filhos estão estudando em escolas localizadas na sede da comunidade.
Os pais ainda não sabem se os filhos irão permanecer na unidade de produção, pois
estes ainda são muito jovens, mas, mesmo deixando claro que a opção será deles, não
escondem o desejo de que pelo menos um dos filhos continue como agricultor: “Eu quero que
os filhos permaneçam na propriedade, eu fiquei e quero que alguém fique” (agricultor,
casado, 36 anos).
O pai afirma que quer que o filho estude, mas dê continuidade às atividades no
estabelecimento: “Ele pode até fazer faculdade, mas quero que ele fique! Vale a pena comprar
terra e os filhos não ficarem juntos? Dando continuidade, não é verdade?” (agricultor, casado,
36 anos).
O desejo de que os filhos permaneçam na unidade de produção também é explicado
pela melhoria nas condições de vida percebida nos últimos anos:
Essa geração de agora eu acho que fica mais gente. Eu acho que tá melhor
do jovem ficar. Esta um pouco mais fácil. Na minha época eu não saí para
trabalhar fora por teimoso mesmo. Da minha geração, se for ver da nossa
comunidade, sobrou quatro ou cinco, o resto estão tudo fora trabalhando.
[...] Tá melhor porque tem mais oportunidade. Agora tem bastante coisa
gerando dinheiro no mês. Na minha época, a gente queria sair para passear,
mas não tinha como sair, não tinha dinheiro. Agora tem uma oportunidade
de renda mensal ou anual (pai, casado, 36 anos).
Essa melhoria na qualidade de vida está relacionada às políticas públicas,
principalmente aquelas relacionadas ao crédito, tanto de custeio, como para investimentos.
Nós tivemos mais oportunidade de ter as coisas, antes não tínhamos nada,
antes nos trabalhávamos sempre a “muque”, sempre com boi. Agora
melhorou um pouco, temos trator, foi melhorando, ficou melhor de
trabalhar, antes era complicado, tudo a “muque”. A vida era mais sofrida do
que agora. Tivemos mais oportunidade de financiamento, de entrar em
banco, antes não tinha muito, o finado pai não tinha isso. Ia plantar lavoura,
não tinha financiamento, tinha que pegar tudo em troca, aí chegava na hora
de pagar, colhia e ia tudo. Não sobrava nada e ai no outro ano de novo.
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Tivemos até que sair trabalhar fora de empregado, só não vendemos a terra
porque nós tínhamos algumas criações em cima para pagar as contas e
saímos trabalhar, senão tínhamos vendido a terra. Aí de uns dez anos para cá
que deu uma melhorada (pai, casado, 36 anos).
Mas, também tem a ver com tranquilidade do meio rural e com a autonomia em
relação aos horários e a ausência de empregadores.
Aqui tem mais qualidade de vida (mãe, casada, 40 anos).
Aqui estamos mais sossegados, não tem aquele barulhão da cidade. A
maioria, às vezes acha que na lavoura é ruim, mas todos os lugares são
ruins. Na cidade você tem horário para cumprir. Aqui eu sou patrão. Essa é
a vantagem. Se estou meio indisposto, na cidade tem que ir e nós aqui,
damos um jeito e vamos levando (pai, casado, 36 anos).
Entretanto, os pais reconhecem que antes tinham mais oportunidades de lazer e a vida
social era mais movimentada:
Lazer para a juventude na minha época era melhor, hoje tá mais
complicado. Na minha época tinha mais gente. Tinha grupo de jovem mais
unido. Hoje não tem mais (pai, casado, 36 anos).
Sinto falta de mais diversão, se reunir. A gente só vai uma vez por mês no
clube das mães tomar chimarrão. [...] No fim de semana fico em casa, às
vezes vem visita, às vezes, vamos no vizinho (mãe, casada, 40 anos)
A filha já percebe as diferenças entre o meio rural e urbano e afirma que moraria na
propriedade, mas, não gostaria de trabalhar na agricultura, como pode ser observado por
alguns trechos de sua entrevista:
Lá na cidade, eles podem sair mais. Eles podem sair com os amigos dele,
porque é mais perto. Só que aqui é melhor, porque tem mais espaço para
brincar, jogar bola. [...] Na cidade tem aquele barulho, ninguém consegue
dormir direito. Aqui pode ter cobra, pode ter um monte de bicho. [...] Na
cidade, o que tem de bom é que tudo é perto, fica mais fácil. Mas, aqui o pai
e a mãe não precisam trabalhar direto, assim dá prá sair, ficar o dia fora,
passear (filha, 11 anos).
Eu posso ficar aqui, mas eu quero estudar. Se eu pudesse trabalhar como
médica aqui, eu moraria aqui. [...] Eu gosto de morar aqui (filha, 11 anos).
Entretanto, mesmo com a preferência pela vida no meio rural, os pais sabem que a
decisão final de permanecer ou não será dos filhos.
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Os filhos a gente não sabe se vão querer ficar, nós queremos que eles
fiquem, mas tem que ver o que eles vão querer (pai, casado, 36 anos).
A gente tem um sonho, mas o sonho da gente não é o mesmo deles não
adianta né. Minha filha não pode sonhar o sonho que eu tenho, ela tem que
sonhar o sonho dela (mãe, casada, 40 anos).
Assim, já buscam alternativas que possam favorecer a proposta de permanência: “A
hora que ele começar me ajudar mais, ele vai ter uma porcentagem para ganhar alguma coisa,
senão ele não fica” (pai, casado, 36 anos).
2.2 Família 2: casal entre 25 e quarenta anos e filho com seis anos.
A unidade de produção apresenta 14 hectares, topografia com forte declividade.
Localizada a dez quilômetros da sede do município, através de estrada cascalhada. Os pais do
agricultor também moram no estabelecimento, mas estes estão aposentados e o pai auxilia
apenas no manejo da cultura da uva. O restante da área de fruticultura com pêssego e maçã é
de total responsabilidade do casal, assim, como as atividades com a bovinocultura de leite.
Para garantir a rotação de culturas em suas áreas, a família também produz um pouco de
grãos, principalmente soja. O único filho do casal ainda não participa das atividades da
unidade de produção e estuda na escola da comunidade.
O filho é muito jovem para definir se haverá sucessão ou não nesta família e os pais
encontram se divididos: o pai gostaria que o filho continuasse na unidade de produção e a mãe
prefere que o filho estude e vá morar e trabalhar na cidade.
Eu queria que o filho ficasse na propriedade. Do jeito que vai indo as coisas,
do tipo que tá a agricultura, hoje a juventude ninguém tá ficando. Talvez, lá
no futuro seja valioso, porque o alimento sai da agricultura e alguém vai ter
que produzir (pai, casado, 42 anos).
Eu não gostaria que ele ficasse, porque é muito sofrido. Eu queria que ele
pegasse estudo e fosse alguém na vida, um agrônomo, um veterinário.
Agricultor é alguém na vida, mas não, não. Meu filho eu não gostaria que
ficasse na agricultura (mãe, casada, 27 anos).
A argumentação do pai sobre a sua preferência de que o filho permanecesse na
unidade de produção é baseada nas características do espaço rural.
Eu gostaria que ele ficasse, sei lá, é um lugar mais tranquilo de viver.
Principalmente em grandes cidades, a violência é muito grande e a
tendência é piorar, então, para viver uma vida mais tranquila eu acho que é a
agricultura. Claro, na parte financeira nem comparando. Aqui é para viver e
não para, digamos, ficar folgado (pai, casado, 42 anos).
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Por outro lado, a argumentação da mãe aponta as dificuldades do trabalho na unidade
de produção.
Eu acho na cidade melhor os horários, chegou às seis horas você não
trabalha mais. E tem fim de semana, tem férias e consegue sair. E as vacas
de leite não tem como pegar férias, esta questão que acho melhor. E chega o
final do mês o salário está lá e nós aqui, depende muito (mãe, casada, 27
anos).
Compreendendo as diferenças dos argumentos e buscando uma proposta que concilie
as duas preocupações, o próprio agricultor propõe:
Tem muita gente que mora na agricultura, mas trabalha na cidade. Assim, se
livra do aluguel, se livra de muitas coisas e ainda pode produzir algumas
coisas. Hoje você não precisa estar na cidade para ter as coisas, tem
condições de ter tudo na agricultura. Na verdade o trabalho é como ela fala,
é diferente, principalmente para quem trabalha com o leite. O leite não
existe feriado, fim de semana não existe nada, então é uma atividade bem
complicada. [...] Mas, em momentos de dificuldade é melhor estar no
interior (pai, casado, 42 anos).
Entretanto, os pais sabem que futuramente o filho que decidirá onde ele irá morar e
trabalhar. “É difícil falar o que ele vai querer ser lá na frente. Isso é ele que vai decidir, não
sou eu” (pai, casado, 42 anos).
2.3 Família 3: casal entre 40 e 50 anos.
O estabelecimento da família tem 12,1 hectares, com aproximadamente dez hectares
divididos em áreas de lavouras e pastagem. Localizada a dezessete quilômetros da sede do
município, com apenas dois quilômetros de estrada cascalhada e o restante de asfalto. A
propriedade possui duas casas: uma para o casal e a outra para a mãe da esposa. As atividades
produtivas na propriedade dividem-se em bovinocultura de leite, grãos e alface.
O casal tem duas filhas. A primeira a sair de casa foi a filha mais nova (20 anos), que
apesar de gostar de passar os finais de semana na casa dos pais, prefere morar e trabalhar na
cidade. Como diz a sua mãe: “Ela até gosta de cuidar de bezerras, mas ela gosta mais de
cabelo2 e gosta mais da cidade. Gosta do conforto de lá, diz que aqui tudo é longe e muito
difícil” (mãe, casada, 43 anos).
Os pais acreditavam que a filha mais velha (23 anos) pudesse permanecer. Esta fez
curso de Agroecologia e a família investiu numa estufa para produção de morangos orgânicos.
Entretanto, a filha casou e foi morar na sede do município de outra cidade. Apesar da filha
2 A jovem trabalha como cabeleireira.
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ainda não estar trabalhando, como o genro é funcionário publico municipal, os pais não
acreditam que a filha retorne.
Pra mim, na cabeça delas passa assim: “meu pai tem cinco alqueires de
terra, nós somos em duas, cada uma vai ficar com 2,5 alqueire. Adianta
trabalhar com 2,5 alqueire longe da cidade?” Se tivesse mais terra, acho que
ficava (pai, casado, 48 anos).
Entretanto, os pais reconhecem que poderiam ter criado mais incentivos para a
permanência das filhas através da divisão da gestão e renda da unidade de produção.
Inicialmente eles tinham criado a expectativa de que a renda do morango seria da filha,
quando isso não teve continuidade, ela desistiu do projeto.
“Enquanto ela recebia renda aqui na propriedade, ela estava animada,
quando parei, ela desanimou” (pai, casado, 48 anos).
Um pouco foi falta de cabeça nossa, se tivéssemos dado, o aqui é teu, cuide,
se vire e faz. Elas teriam ficado (mãe, casada, 43 anos).
A perspectiva de não haver sucessores já está fazendo com que a família repense as
suas atividades produtivas e estão até mudando o seu sistema de produção, assim, a estufa
construída para o cultivo de morango, já está sendo utilizada para a produção de alface.
O morango foi um projeto porque a filha estava estudando e isso ajudava
ela. Agora o plantio da alface foi para aproveitar, já que a estufa estava
pronta. E o pouco que da já ajuda, ainda mais com a fase da baixa do leite.
Para nós, cem reais limpo é um grande dinheiro e usa pouca mão de obra.
Estamos pensando se o mercado da alface estiver bom, como está indo
queremos colocar mais uma ou duas estufa, e cuidar das vacas só nos dois
com um plantel reduzido e com mais qualidade (pai, casado, 48 anos).
Outra questão que o agricultor apresenta é o conflito em relação à produção de leite,
pois apesar desta atividade ter se tornado uma boa opção para o agricultor familiar da região3,
a necessidade de trato dos animais e das duas ordenha realizadas diariamente, inclusive nos
finais de semana e feriados faz com que esta atividade seja vista como um fardo pelos jovens.
Pelo o que eu estou vendo, tá todo mundo querendo sair do interior. Saí
dessa rotina de tirar leite, que é a única alternativa de sobrevivência que o
3 O leite se tornou uma boa alternativa para a agricultura familiar por apresentar rendimentos por área superiores
que a produção de grãos e, além disso, garantir uma renda mensal. Além disso, no Território Sudoeste do Paraná,
as condições ambientais de solo e clima permitem a produção de leite à pasto, isto é, “tendo a pastagem como
base para a alimentação animal, o que resulta em médias mais modestas de produtividade, mas que são
compensadas pelo menor custo de produção” (KIYOTA; VIEIRA, 2011, p. 14).
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pequeno tem, é o leite. Na nossa comunidade eu vejo isso, quando saio em
outros municípios eu vejo isso, eles se sentem preso na atividade. Os jovens
querem sair, não é por causa do leite e sim pela obrigação de ter que estar ali
de manhã e de tarde, não tem domingo, não tem feriado, não tem férias e
não tem um dia de descanso (pai, casado, 48 anos).
Assim, o casal percebe que a percepção que eles têm de qualidade de vida é muito
diferente da visão das filhas.
Na cidade, o acesso às coisas é tudo mais fácil, mas, para mim, isso não é
qualidade de vida. Pra mim, qualidade de vida é a vida que eu tenho.
Sossego, paz, alimentos saudáveis e fazê o que gosta (mãe, casada, 43 anos).
Ficamos quatro anos e meio em Curitiba. A experiência de estar lá ajudou a
gente dar valor ao campo. Não quero me aposentar tirando leite de vaca,
mas também não quero me aposentar e ir para a cidade. Já nossas filhas não
pensam igual a nós, totalmente ao contrário (pai, casado, 48 anos).
Para eles, essa diferença de percepção sobre a qualidade de vida é um fator importante
que pode explicar a opção do jovem de morar e trabalhar na cidade.
2.4 Família 4: Casal entre 60 e 65 anos, filho, nora e neto de um ano e filha e neto de 15
anos.
A propriedade apresenta 9,6 hectares, com topografia com forte declividade e está
localizada dentro da área urbana da sede do município. Esta localização permite que a filha
(administradora) e a nora (professora de educação infantil) trabalhem e os netos estudem na
sede do município e o filho preste serviços a um escritório de planejamento agrícola,
atendendo seus clientes em casa. Assim, o estabelecimento comporta três moradias. Na
primeira, moram os pais aposentados, na segunda mora o casal, a filha e o neto e na terceira
casa moram o filho casado, nora e neto de um ano. As atividades agrícolas são centralizadas
na bovinocultura de leite, no qual parte da produção é pasteurizada e comercializada como
leite e nata. O restante do leite é entregue a outro laticínio.
O casal está ciente que os filhos não vão dar continuidade às atividades produtivas da
unidade de produção, pois uma das filhas é casada e já mora em outro município. A segunda
filha vai casar e também vai morar no município vizinho, mesmo continuando a trabalhar no
município atual e o filho deve continuar morando no estabelecimento com sua família, mas
continuando na mesma atividade no escritório de planejamento agrícola.
Eu acho que até que nós tocamos o leite vai ter, quando nós parar, vai parar.
Os filhos não vão continuar. Porque a roça é boa, mas pra quem que nem
nós, começamos do nada, dá. Não que a gente tá passando necessidade, mas
é uma coisa que dá bem menos que o emprego. Prá você ter uma ideia,
nossos filhos que têm estudo, eles estão muito melhor que nós. Então o que
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acontece, eles não vão ficar tirando leite. Inclusive o meu neto disse que isso
foi a última coisa que passou pela cabeça dele e o filho também, ele tá super
bem, ele não vai ficar, na minha opinião. Só se eu estiver enganada. Até que
nós tocar, vai ter vaca, mas depois... (mãe, casada, 64 anos).
O pai afirma que gostaria que os filhos continuassem como agricultores, mas estes não
querem assumir atividades tão exigentes em tempo e esforço físico, como as atividades
agrícolas.
Nós levantamos às cinco e trinta da manhã e ontem a noite eu terminei o
meu serviço era oito e meia. E aí vai cansando, e aí os filhos vão olhando,
“puxa meu pai ainda não entrou dentro de casa”. Minha filha me ligou e
perguntou: “onde que o pai tava”, eu disse “tava na estrebaria”. “Essa hora
pai?” Então eles já vêm notando, não tem uma técnica que diga assim “você
só vai trabalhar oito horas”. E depois? E o resto? (pai, casado, 63 anos).
Os agricultores apontam a falta de incentivos para a geração de tecnologias adaptadas
para a pequena produção e para a diversificação de culturas, buscando, além da produtividade,
menor penosidade no trabalho agrícola.
Eu acho assim que o governo na verdade se preocupa na produção. Só se
ouve falar na produção. O Paraná vai produzir não sei quantas toneladas de
grãos! Não é assim, não se pensou na banana, não pensou nos outros
produtos importante para a pessoa humana. Não, só pensa em grão (pai,
casado, 63 anos).
O que eu trabalhei prá fazer que um filho ficasse na roça, o próprio governo
que não deixou. Porque me diz, qual é a propriedade que tem
diversificação? [...] Por que não funcionou? Uma parte é a parte técnica que
vem empurrando goela abaixo todas as coisas e qual é o objetivo? Produzir,
mas o objetivo não é só produzir, é você ter qualidade de vida (pai, casado,
63 anos).
Além disso, o agricultor reconhece que nas gerações anteriores havia a cultura de ter
apenas um herdeiro para as terras, mas, atualmente, isso é inaceitável. Além disso, com o
fechamento das fronteiras agrícolas, o preço da área de terra e a politica de crédito fundiário
são impeditivas para a compra de novas áreas.
Antes passar a propriedade para um filho era normal. Hoje, a terra
encareceu muito, você não tem terra. Por exemplo, eu tenho três filhos, vou
dar um alqueire prá cada um? O meu pai me deu três, entendeu. Eu vou dar
um alqueire prá cada um, porque todos merecem. Os três são meus filhos,
então todos merecem. Então o que precisaria prá eles ficarem aqui na roça?
Não esse tipo de financiamento de terra que existe hoje! Isso é uma
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vergonha! Pro meu filho comprar uma terra precisa uma garantia a mais que
o valor da terra. [...] Na época do pai, nós compramos sete alqueires de terra
e o pai deu estes sete alqueires de terra pra um vizinho, por uma junta de boi
e uma vaca! (pai, casado, 63 anos).
O casal está buscando formas para que o estabelecimento permaneça nas mãos de seus
filhos, pois apesar de não haver a continuidade das atividades atuais, eles esperam que os
filhos continuem a história do espaço da família.
Eu quero que essa terra, essa propriedade, essa casa não seja vendida, seja
prá eles um lazer. É pouco, o filho vai ficar aqui e as duas vão sair, mas
podem vir prá cá. (pai, casado, 63 anos).
O filho cuida, e as meninas vêm almoçar, fazer festa, podem fazer alguma
coisa. Queremos fazer um testamento prá ficar de pai prá filho, de filho prá
neto. Lá em Porto Alegre tem um negócio de família assim. Nunca vai
separar. (mãe, casada, 64 anos).
Isso mostra que a relação dos agricultores familiares com o seu estabelecimento não é
estritamente econômico, este não é visto apenas como um espaço para produção, mas como
algo que está entrelaçado com a própria identidade da família.
2.5 Família 5: Mãe viúva com 46 anos e filho com 22 anos.
A unidade de produção tem 16,5 hectares, localizada a 6,4 quilômetros da sede do
município, sendo destes, cinco quilômetros de estrada com calçamento de pedras irregulares e
1,4 quilômetro com cascalho. A mãe e filho assumiram todas as atividades do
estabelecimento, após a morte do pai ocorrida há dois anos. O sistema de produção consiste
em bovinocultura de leite e grãos, sendo que a gestão da unidade de produção e as atividades
com a bovinocultura de leite são divididas entre os dois, os grãos e a prestação de serviços
com o trator e equipamentos são responsabilidade do filho e a mãe assume as atividades
referentes à casa, horta e pomar.
Esta é a única família com o processo de sucessão definida. Os dois irmãos mais
velhos já saíram do estabelecimento, um mora na sede do município e o outro mora na capital
do estado. A unidade de produção vai ficar com o filho mais novo, que permaneceu junto aos
pais para ajudar a mãe, enquanto o pai encontrava-se enfermo. O pai faleceu há dois anos e
mesmo antes disso, o jovem já vinha assumindo a gestão da unidade.
Por causa da doença do pai dele, ele já começou a tocar bem cedo a
propriedade. Aí ele já foi criando intimidade e foi indo. Era a única pessoa
que sobrou, porque o pai estava doente e eu estava mais em função dele. De
cinco, seis anos pra cá, ele já vinha tocando (mãe, viúva, 48 anos).
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A família é uma das sócias de um laticínio iniciado por vinte famílias de agricultores,
construído com o apoio dos governos estadual e municipal. Apesar deste já ser uma empresa
de médio porte, com serviço de inspeção federal e com mercado em vários estados do país, as
famílias ainda não recebem os rendimentos, pois este está sendo reinvestido na expansão do
laticínio. Apenas são favorecidos com um preço por litro de leite entregue superior aos outros
agricultores não sócios4. Assim, a agricultora planeja deixar a sua cota na sociedade do
laticínio para os outros dois filhos.
O filho sucessor afirma que resolveu ficar para dar continuidade às atividades da
família e acredita que, caso os irmãos tivessem tido a mesma oportunidade antes deles
começarem a trabalhar e constituir família, eles também teriam optado por permanecer.
Resolvi ficar porque se não fosse ficar tudo isso ia se acabar. E aqui esta
tudo instalado, tudo pronto é só continuar. [...] Mas meus irmãos não
ficaram por falta de incentivo, de oportunidade, por isso foram embora
senão também tinham ficado. Até fiquei na duvida em ficar, mas tinha que
fazer (filho, solteiro, 22 anos).
Além disso, devido à necessidade de assumir as atividades da unidade de produção
com a doença do pai, este não teve condições de continuar os estudos após o ensino médio,
assim, tem ciência de que as oportunidades de trabalho seriam mais restritas: “Se sair da
propriedade, você tem que fazer no mínimo uma faculdade, senão não ganha nada” (filho,
solteiro, 22 anos).
A gestão é realizada por mãe e filho juntos e os rendimentos são reinvestidos ou
divididos entre os dois.
Para decidir as coisas sentamos juntos e vemos se o dinheiro que temos, dá,
se vamos ter que fazer prestação, se vale a pena. Se vemos que dá, fazemos,
se não, esperamos. Dividimos os lucros de tudo, só não dividimos o que ele
ganha nos serviços prestados fora. [...] Eu tenho que abrir oportunidades
para ele também, né (mãe, viúva, 48 anos).
Assim, o filho consegue planejar os seus investimentos e está guardando sua parte para
construir uma casa para ele morar futuramente.
A quantidade de área do estabelecimento não comportava a compra de trator e
equipamentos novos para uso exclusivo neste. Entretanto, como o jovem gosta de exercer
atividades com estes implementos, a família aproveitou o incentivo dado por programas do
governo federal para a compra de um trator e alguns equipamentos, assim, além das
atividades no próprio estabelecimento, o jovem também presta serviços a outros agricultores
da região.
Comecei a mexer com máquinas por que fazia falta para nós, a gente
dependia muito dos outros. E aí eles falavam “hoje eu não posso porque 4 O caso deste laticínio consta no estudo de Kiyota e Perondi (2010).
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tenho que fazer isso e amanhã eu não posso...” Além disso, às vezes ficava
mal feito. Ai, compramos as máquinas (filho, solteiro, 22 anos).
No passado não tinha máquinas, ia ser difícil eu ter ficado na propriedade.
Comecei com um tratorzinho velho, ai ajudou comprar um trator melhor. O
serviço prestado fora não atrapalha o andamento da propriedade, pois se não
posso ir, eu não vou. Aqui na comunidade quase todo mundo presta serviços
com máquinas para fora. [...] Eu gosto de sair prestar serviços fora por que
saio da rotina (filho, solteiro, 22 anos).
Outra diferença desta família é que a sua comunidade é uma das mais unidas e
organizadas do município, inclusive sediando festas municipais. Assim, tanto a mãe, como o
filho participam de grupos que atuam nas atividades da comunidade e, também, programam
muitas atividades sociais, culturais e de lazer fora desta.
2.6 Família 6: Casal entre 40 e 45 anos e filho com 15 anos.
O estabelecimento tem 4,8 hectares, localizada a sete quilômetros da sede do
município, dividida em quatro de estrada com cascalho e o restante com asfalto. O marido e o
filho trabalham em um moinho de trigo, auxiliando nas atividades apenas no final da tarde e
nos finais de semana. As atividades com hortaliças são centralizadas na esposa. O marido está
trabalhando para conseguir se aposentar em dez anos e o filho está trabalhando enquanto não
consegue acessar um curso de graduação de sua escolha em municípios vizinhos.
Esta família morava e trabalhava na sede do município, até que decidiu vender a casa e
comprar uma propriedade rural. Começaram a produzir hortaliças e hoje entregam produtos
diretamente nas residências, nos Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e Programa
Nacional de Alimentação Escolar – PNAE e em alguns pontos comerciais. Ainda não tem
certificação de produção orgânica, mas seguem as exigências deste tipo de tecnologia.
A agricultora está muito satisfeita trabalhando e morando no estabelecimento rural e
lembra com pesar o período em que morava e trabalhava na cidade.
Conheço a vida da cidade exatamente, eu não troco por nada, a minha vida
hoje. Tratá as criação de baixo de chuva, eu me molhar, minhas unhas
cheias de terra, pra mim não incomoda, pra mim é uma satisfação. [...] na
cidade, eu me via num Carandiru, isso que morava Itapejara, que você é
livre pra tudo, nossa é interior, mas eu me via no Carandiru. Até então que
eu não posso ver paredes, eu não posso ver paredes, eu tenho que ser livre
(mãe, casada, 44 anos).
Como a agricultora trabalhava na área de produção de um frigorífico de aves, a
comparação entre os dois momentos de sua vida resulta numa avaliação bastante favorável
para a moradia e o trabalho rural.
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Eu não quero ter horário de comer, ir no banheiro na hora que tem vontade,
comer na hora que eu quero. Seis anos de frigorifico, para mim foi uma
experiência enorme, meu Deus do céu! [...] Eu acho assim, você vive no
sitio, no interior você vive. Talvez, eu ainda tenho essa vantagem de que
hoje me sobra muito mais dinheiro do que quando eu trabalhava no
frigorifico (mãe, casada, 44 anos).
A experiência que nós temos na cidade é que no sitio é melhor de viver. É
uma vida, meu Deus do Céu, totalmente diferente. Se fosse para mim vender
o sitio, pra mim ir para a cidade, eu não vendia nunca. Agora se eu tivesse
na cidade para vir pro sítio, eu venderia de novo, eu venderia três vezes
(mãe, casada, 44 anos).
Mesmo o marido trabalhando fora, a família tem convicção que fez a opção certa ao
mudar para um estabelecimento rural e os pais querem que o filho continue morando na
unidade de produção após a aposentadoria deles. Mas quando se trata do trabalho, a opinião
dos pais se divide, a mãe quer que o filho trabalhe na unidade de produção e o pai prefere que
o filho estude e trabalhe na empresa em que ele está empregado atualmente.
Eu acho que o filho continua. Eu quero pelo menos, né. Estou sempre
batendo nessa tecla. Ele diz “eu posso até morar no sitio”, mas tipo assim,
ele quer a segurança de um ganho. Aí, eu falo assim “meu filho é só você
trabalhar a tua ideia aqui no sitio, que aqui você tem a sua segurança de
ganho. É só você trabalhar suas ideais, pôr em prática e ir em frente que
você tem segurança de ganho. Você pode fazer o planejamento de alguma
coisa que você tem, você pode ter segurança” (mãe, casada, 44 anos).
No meu ponto de vista, se ele quiser montar qualquer coisa, vamos ajudar
ele, deixando nós só no cantinho da horta, ele pode fazer o que quiser. Na
minha opinião, ele fica no sitio, ele gosta mais da vida no sitio do que na
cidade. Acho que ele tá lá mais por causa da influência do pai dele, que era
prá ele entrar lá e fazer técnico de alimentos e crescer na empresa (mãe,
casada, 44 anos).
O filho está tentando a seleção para alguns cursos para dar continuidade aos seus
estudos e ainda não definiu o seu destino após a conclusão deste. Por enquanto, ele está
trabalhando para ter uma renda própria, pois os rendimentos da produção de hortaliças são
utilizados para reinvestir no estabelecimento rural e para a manutenção da família, mas o
salário do filho não é socializado com a família, ficando para o jovem.
Essa questão do jovem querer ter o seu próprio rendimento é tão importante, que a
agricultora tem a preocupação de que ele não queira deixar de trabalhar para continuar os
estudos.
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Se o filho não passar em um curso, acho que ele não vai parar de trabalhar
tão fácil, por isso que quero colocar ele num curso. Lógico vai sugar mais,
mas a gente tá disposto a abrir mão do conforto (mãe, casada, 44 anos).
Desta forma, ainda há muitas questões a serem respondidas para definir o processo de
sucessão desta família, assim, como as outras que compõem o Projeto Redes de Referências
para a Agricultura Familiar no Território Sudoeste do Paraná.
3. Sucessão familiar frente ao novo contexto
A seleção dessas famílias para participar do Projeto Redes de Referências para a
Agricultura Familiar ocorreu em 2009, com exceção da família 6, inserida tardiamente em
2013. Um importante critério para a família ser selecionada era - naquele momento -
apresentar bons indicativos de que haveria continuidade das atividades através dos atuais
gestores e, posteriormente, através dos filhos. Apesar disso, as famílias 3 e 4 já assumem que
não têm perspectivas de que os filhos deem continuidade à unidade de produção, as famílias
1, 2 e 6 ainda não tem a definição por conta dos filhos serem muito jovens, assim, somente a
família 5 confirmou ser possível haver um processo de sucessão.
Neste sentido, é importante analisar o contexto a partir dos próprios agricultores
entrevistados. Nos últimos anos houve uma melhora significativa na qualidade de vida dos
agricultores. Inicialmente, as políticas de acesso ao crédito de custeio promoveram a melhora
da produtividade e da qualidade do produto agrícola. Posteriormente, com a inserção do
seguro agrícola e dos programas de garantia de preço e de compra da produção, os
agricultores ficaram menos expostos aos riscos de produção e mercado. Finalmente, ainda no
âmbito do crédito, foram disponibilizados vários acessos a recursos de investimento que
permitiu a aquisição de máquinas e equipamentos que, além de aumentar a produtividade de
trabalho e diminuir sua penosidade, possibilitou que muitos agricultores prestassem serviços
aos outros.
Além disso, os bens de consumo se tornaram mais acessíveis aos agricultores, assim,
muitos adquiriram carro, moto, telefone celular, computador, eletrodomésticos e internet. Isso
possibilitou uma relação mais estreita com o mundo, tanto para fins produtivos, quanto para
educação, lazer, prestação de serviços ou empregos em tempo parcial.
A questão é que abaixou o custo dos bens de consumo e a commodities
agrícolas subiram, em comparação a isso. Então, antes você precisava de
cem sacas de soja prá comprar uma TV e hoje com cem sacas de soja você
compra bem mais que uma TV. Seis mil reais dá bem mais que uma TV. O
cara precisa prá comprar uma TV, uns 1500 reais que é 15, 20 sacas de soja,
que é o lucro de um alqueire. Antes você não comprava uma TV com um
alqueire de soja (filho, casado, 37 anos).
Considerando os aspectos anteriores e que o maior número de carros, motos e
máquinas exigiu uma melhoria nas condições de tráfego das estradas rurais, o índice de
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criminalidade no campo ainda é bem menor que na sede dos municípios, a poluição sonora e
ambiental é reduzida, a alimentação é muito mais saudável e obtida com baixo custo, os
agricultores têm maior autonomia no trabalho e os vizinhos ainda são solidários, a maioria
dos pais considera que o ambiente rural pode dar uma melhor qualidade de vida aos filhos em
comparação ao seu próprio passado.
Entretanto, as entrevistas deixam claro que a percepção de qualidade de vida dos pais
é diferente dos jovens, sendo assim, os jovens apontam que no meio rural “tudo é mais
distante”, ficam longe da escola, longe dos amigos, longe do comércio, etc. Não têm que
cumprir horário de entrada e saída no trabalho, mas tem que ordenhar as vacas de leite duas
vezes ao dia, inclusive nos finais de semana, feriados e férias.
O acesso a máquinas e equipamentos melhorou, entretanto estas são projetadas para
escala maiores, há poucas alternativas de equipamentos que reduzam o tempo e a penosidade
do trabalho em escala menores, sendo assim, o trabalho rural ainda exige mais força física e é
mais penoso que as atividades da maioria dos trabalhos urbanos.
Outro fato levantado é que as alternativas de vida social e lazer para os jovens nas
comunidades rurais reduziram muito nos últimos anos, pois há muitos menos jovens, com
isso, as relações de vizinhança e comunitárias e o sentimento de pertencimento, já destacado
em estudos sobre o mundo rural, estão se diluindo.
Além da busca pela melhor qualidade de vida, também, há outros fatores que
dificultam a continuidade de um filho na unidade de produção. Como explica um dos filhos
entrevistados, os pais não podem selecionar um filho e doar o estabelecimento da família para
este sem a autorização dos outros, pois todos os filhos têm direito a partes iguais na herança.
Isso demanda que o filho que queira dar continuidade à unidade de produção da família tenha
que comprar as partes do estabelecimento destinadas aos irmãos, entretanto, o preço elevado
das terras da região e a dificuldade de acesso ao crédito fundiário são obstáculos significativos
para a efetivação desta compra.
Antigamente, eu acho que até no cartório na hora de fazer a divisão não
precisava nem os irmãos assinar, hoje já não, se o pai vai passar para um
filho os outros tem que abrir mão, tem que concordar. E o valor da terra
hoje, a pessoa não se permite perder esse valor. Então, prá quem fica, por
exemplo, de quatro, vai ficar só prá um. É praticamente impossível o cara
comprar dos outros três, a não ser se os três derem de graça. Senão não tem
como, porque você demora, num cálculo bem otimista, uns vinte anos para
pagar (filho, casado, 37 anos).
Outro fator que dificulta a sucessão dos pais pelos filhos é a falta de planejamento para
este processo. Os pais não buscam a participação gradativa dos filhos na tomada de decisão
em relação às atividades da unidade de produção e/ou introdução de atividades desejadas
pelos filhos e, também, não percebem a importância dos jovens terem uma renda própria. Isto
faz com que o jovem procure se estabelecer como profissional fora da unidade de produção.
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O pai deixava muita pouca chance para os filhos. Se ele tivesse vivo, o filho
teria estudado mais e teria saído. Tinha muita dificuldade de acerto com o
pai (mãe, viúva, 47 anos).
Segundo Brandth e Overrein (2013), os agricultores das gerações anteriores criavam
os filhos em seu ambiente de trabalho, assim, estes acompanhavam todas as atividades
realizadas no estabelecimento da família desde a infância. Hoje, com a busca constante pelo
aumento da produtividade, os pais alegam não ter condições de cuidar dos filhos enquanto
trabalham, assim, estes são afastados do cotidiano da unidade de produção e acabam não
adquirindo o conhecimento tácito da atividade e nem compreendendo as referências utilizadas
pelos pais na gestão desta.
Complementar a isso, os jovens têm acesso a níveis de escolaridade, informações e à
vida do jovem urbano, ampliando a distância entre os projetos de pais e filhos em relação à
unidade de produção da família e ampliando as possibilidades dos jovens em atividades não
agrícolas. Isso explica o crescimento do número de membros das famílias rurais com atuação
em atividades não agrícolas, como foi verificado no estudo de Laurenti (2014) realizado a
partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD relativos ao
período 2001-2009.
No Estado do Paraná, a parcela agrícola ainda prevalece na população
economicamente ativa - PEA rural ocupada em atividade comercial. Porém,
tal domínio tende a se exaurir no curto prazo, dada a consistente redução da
participação relativa do rendimento do trabalho principal do pessoal
ocupado na agricultura e o aumento, também consistente, desse tipo de
rendimento no grupo das pessoas com ocupação em atividade comercial não
agrícola (LAURENTI, 2014, p. 149).
Assim, além da continuidade nas atividades agrícolas na unidade de produção familiar
ou migração rural-urbana, os jovens têm outras opções. O estabelecimento rural pode ser local
de moradia e de trabalho ou pode ser apenas local de moradia. A alternativa da unidade de
produção se tornar apenas local de moradia para todos os membros da família ou pelo menos
para parte desta é uma das opções dos jovens, pois conciliam as condições de moradia com
alguns custos reduzidos (como água e energia elétrica), a disponibilidade de alimentos mais
saudáveis e a tranquilidade e segurança do ambiente com o acesso aos meios de comunicação
e de transporte que permitem ao jovem optar pelo trabalho nos centros urbano. Isso é
perceptível nas entrevistas, pois, tanto os pais, quanto os jovens, apontam muitas vantagens na
moradia na unidade de produção, mas, também, as dificuldades encontradas na atividade
agrícola.
4. Considerações finais
Não foi objetivo deste estudo e nem do Projeto Redes de Referências para a
Agricultura Familiar assumir que os jovens devem permanecer em seus estabelecimentos ou
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que estes deveriam ter o compromisso de garantir o processo de sucessão na unidade de
produção da família, muito pelo contrário, como todos os pais entrevistados deixaram claro,
os jovens é que irão definir qual é o melhor projeto de vida para o seu futuro. Desta forma, o
estudo buscou compreender quais os fatores que podem ter influência nesta definição.
Neste sentido, percebe-se que paralelo à melhora nas condições de vida rural via o
acesso às comodidades, antes somente possíveis no meio urbano, os jovens rurais estão
adquirindo níveis de escolaridade e acesso a informações que os tornam tão competitivos
quanto os jovens urbanos no mercado de trabalho. Esta melhoria do nível de empregabilidade
dos jovens e a conjuntura de disponibilidade de postos de trabalho na região fazem com que
os jovens rurais tenham a possibilidade de escolhas que não eram tão amplas no passado.
Assim, o jovem rural vive um momento em que o seu portfólio de escolhas é muito
superior àquele da geração anterior, permitindo com que muitos escolham não dar
continuidade à trajetória familiar na agricultura. Esta é uma realidade que precisa ser
encarada, pois só há uma forma de se garantir a sucessão geracional na agricultura familiar:
tornar a opção de permanecer na unidade de produção tão, ou mais, desejável quanto migrar
para o meio urbano, pois, como disse Antônio Candido em sua entrevista (MARTINS, 2014,
p. 29): “De repente, mudou tudo. É muito fantástico. Não é ruim, mas é diferente”. Sendo
assim, é preciso aprender a conviver e criar novas estratégias para este novo contexto.
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