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1 UNIVERSIDADE PAULISTA CURSO DE ENGENHARIA CIÊNCIAS SOCIAIS Prof.: Alberto Boaventura TEXTOS COMPLMENTARES

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UNIVERSIDADE PAULISTACURSO DE ENGENHARIA

CIÊNCIAS SOCIAISProf.: Alberto Boaventura

TEXTOS COMPLMENTARES

2011

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Sumário

Texto 1 - Sociologia

Texto 2 – O pensamento de Marx

Texto 3 - Alienação

Texto 4 – Desigualdade social

Texto 5 – Marx - alienação

Texto 6 - Revolução social

Texto 7 – O pensamento de Auguste Comte

Texto 8 - O pensamento de Max Weber

Texto 9 – O iluminismo

Texto 10 - Rousseau

Texto 11 – Aristóteles: a cidade e a política

Texto 12 - Aspectos subjetivos da ética

Texto 13 – O ser humano é uma busca constante

Texto 14 – A revolução industrial

Texto 15 – A globalização

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TEXTOS COMPLEMENTARES

Alberto Ribeiro Boaventura

Texto 1 - Sociologia

A Sociologia é uma das ciências humanas que estuda as unidades que formam a sociedade, ou seja, estuda o comportamento humano em função do meio e os processos que interligam os indivíduos em associações, grupos e instituições. Enquanto o indivíduo na sua singularidade é estudado pela psicologia, a Sociologia tem uma base teórico-metodológica, que serve para estudar os fenômenos sociais, tentando explicá-los, analisando os homens em suas relações de interdependência. Compreender as diferentes sociedades e culturas é um dos objetivos da sociologia.

Os resultados da pesquisa sociológica não são de interesse apenas de sociólogos. Cobrindo todas as áreas do convívio humano — desde as relações na família até a organização das grandes empresas, o papel da política na sociedade ou o comportamento religioso —, a Sociologia pode vir a interessar, em diferentes graus de intensidade, a diversas outras áreas do saber. Entretanto, o maior interessado na produção e sistematização do conhecimento sociológico atualmente é o Estado, normalmente o principal financiador da pesquisa desta disciplina científica.

Assim como toda ciência, a Sociologia pretende explicar a totalidade do seu universo de pesquisa. Ainda que esta tarefa não seja objetivamente alcançável, é tarefa da Sociologia transformar as malhas da rede com a qual a ela capta a realidade social cada vez mais estreitas. Por essa razão, o conhecimento sociológico, através dos seus conceitos, teorias e métodos, pode constituir para as pessoas um excelente instrumento de compreensão das situações com que se defrontam na vida cotidiana, das suas múltiplas relações sociais e, consequentemente, de si mesmas como seres inevitavelmente sociais.

A Sociologia ocupa-se, ao mesmo tempo, das observações do que é repetitivo nas relações sociais para daí formular generalizações teóricas; e também se interessa por eventos únicos sujeitos à inferência sociológica (como, por exemplo, o surgimento do capitalismo ou a gênese do Estado Moderno), procurando explicá-los no seu significado e importância singulares.

A Sociologia surgiu como uma disciplina no século XVIII, na forma de resposta acadêmica para um desafio de modernidade: se o mundo está ficando mais integrado, a experiência de pessoas do mundo é crescentemente atomizada e dispersada. Sociólogos não só esperavam entender o que unia os grupos sociais, mas também desenvolver um "antídoto" para a desintegração social.

Hoje os sociólogos pesquisam macroestruturas inerentes à organização da sociedade, como raça ou etnicidade, classe e gênero, além de instituições como a família; processos sociais que representam divergência, ou desarranjos, nestas estruturas, inclusive crime e divórcio. E pesquisam os microprocessos como relações interpessoais.

Sociólogos fazem uso frequente de técnicas quantitativas de pesquisa social (como a estatística) para descrever padrões generalizados nas relações sociais. Isto ajuda a desenvolver modelos que possam entender mudanças sociais e como os indivíduos responderão a essas mudanças. Em alguns campos de estudo da Sociologia, as técnicas qualitativas — como entrevistas dirigidas, discussões

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em grupo e métodos etnográficos — permitem um melhor entendimento dos processos sociais de acordo com o objetivo explicativo.

Os cursos de técnicas quantitativas/qualitativas servem, normalmente, a objetivos explicativos distintos ou dependem da natureza do objeto explicado por certa pesquisa sociológica: o uso das técnicas quantitativas é associado às pesquisas macro-sociológicas; as qualitativas, às pesquisas micro-sociológicas. Entretanto, o uso de ambas as técnicas de coleta de dados pode ser complementar, uma vez que os estudos micro-sociológicos podem estar associados ou ajudarem no melhor entendimento de problemas macro-sociológicos.

História

A Sociologia é uma área de interesse muito recente, mas foi a primeira ciência social a se institucionalizar. Antes, portanto, da Ciência Política e da Antropologia.

Em que pese o termo Sociologie tenha sido criado por Auguste Comte (em 1838), que esperava unificar todos os estudos relativos ao homem — inclusive a História, a Psicologia e a Economia. Montesquieu também pode ser encarado como um dos fundadores da Sociologia - talvez como o último pensador clássico ou o primeiro pensador moderno.

Em Comte, seu esquema sociológico era tipicamente positivista, (corrente que teve grande força no século XIX), e ele acreditava que toda a vida humana tinha atravessado as mesmas fases históricas distintas e que, se a pessoa pudesse compreender este progresso, poderia prescrever os "remédios" para os problemas de ordem social.

As transformações econômicas, políticas e culturais ocorridas no século XVIII, como as Revoluções Industrial e Francesa, colocaram em destaque mudanças significativas da vida em sociedade com relação a suas formas passadas, baseadas principalmente nas tradições.

A Sociologia surge no século XIX como forma de entender essas mudanças e explicá-las. No entanto, é necessário frisar, de forma muito clara, que a Sociologia é datada historicamente e que o seu surgimento está vinculado à consolidação do capitalismo moderno.

Esta disciplina marca uma mudança na maneira de se pensar a realidade social, desvinculando-se das preocupações especulativas e metafísicas e diferenciando-se progressivamente enquanto forma racional e sistemática de compreensão da mesma.

Assim é que a Revolução Industrial significou, para o pensamento social, algo mais do que a introdução da máquina a vapor. Ela representou a racionalização da produção da materialidade da vida social.

O triunfo da indústria capitalista foi pouco a pouco concentrando as máquinas, as terras e as ferramentas sob o controle de um grupo social, convertendo grandes massas camponesas em trabalhadores industriais. Neste momento, se consolida a sociedade capitalista, que divide de modo central a sociedade entre burgueses (donos dos meios de produção) e proletários (possuidores apenas de sua força de trabalho). Há paralelamente um aumento do funcionalismo do Estado que representa um aumento da burocratização de suas funções e que está ligado majoritariamente aos estratos médios da população.

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O desaparecimento dos proprietários rurais, dos artesãos independentes, a imposição de prolongadas horas de trabalho, e etc., tiveram um efeito traumático sobre milhões de seres humanos ao modificar radicalmente suas formas tradicionais de vida.

Não demorou para que as manifestações de revolta dos trabalhadores se iniciassem. Máquinas foram destruídas, atos de sabotagem e exploração de algumas oficinas, roubos e crimes, evoluindo para a criação de associações livres, formação de sindicatos e movimentos revolucionários.

Este fato é importante para o surgimento da Sociologia, pois colocava a sociedade num plano de análise relevante, como objeto que deveria ser investigado tanto por seus novos problemas intrínsecos, como por seu novo protagonismo político já que junto a estas transformações de ordem econômica pôde-se perceber o papel ativo da sociedade e seus diversos componentes na produção e reprodução da vida social, o que se distingue da percepção de que este papel seja privilégio de um Estado que se sobrepõe ao seu povo.

O surgimento da Sociologia prende-se em parte aos desenvolvimentos oriundos da Revolução Industrial, pelas novas condições de existência por ela criada. Mas uma outra circunstância concorreria também para a sua formação. Trata-se das modificações que vinham ocorrendo nas formas de pensamento, originada pelo Iluminismo. As transformações econômicas, que se achavam em curso no ocidente europeu desde o século XVI, não poderiam deixar de provocar modificações na forma de conhecer a natureza e a cultura.

Correntes sociológicas

Porém, a Sociologia não é uma ciência de apenas uma orientação teórico-metodológica dominante. Ela traz diferentes estudos e diferentes caminhos para a explicação da realidade social. Assim, pode-se claramente observar que a Sociologia tem ao menos três linhas mestras explicativas, fundadas pelos seus autores clássicos, das quais podem se citar, não necessariamente em ordem de importância: (1) a positivista-funcionalista, tendo como fundador Auguste Comte e seu principal expoente clássico em Émile Durkheim, de fundamentação analítica; (2) a sociologia compreensiva iniciada por Max Weber, de matriz teórico-metodológica hermenêutico-compreensiva; e (3) a linha de explicação sociológica dialética, iniciada por Karl Marx, que mesmo não sendo um sociólogo e sequer se pretendendo a tal, deu início a uma profícua linha de explicação sociológica.

Estas três matrizes explicativas, originadas pelos seus três principais autores clássicos, originaram quase todos os posteriores desenvolvimentos da Sociologia, levando à sua consolidação como disciplina acadêmica já no início do século XX. É interessante notar que a Sociologia não se desenvolve apenas no contexto europeu. Ainda que seja relativamente mais tardio seu aparecimento nos Estados Unidos, ele se dá, em grande medida, por motivações diferentes que as da velha Europa (mas certamente influenciada pelos europeus, especialmente pela sociologia britânica e positivista de Herbert Spencer). Nos EUA a Sociologia esteve de certo modo "engajada" na resolução dos "problemas sociais", algo bem diverso da perspectiva acadêmica europeia, especialmente a teuto-francesa. Entre os principais nomes do estágio inicial da sociologia norte-americana, podem ser citados: William I. Thomas, Robert E. Park, Martin Bulmer e Roscoe C. Hinkle.

A Sociologia, assim, vai debruçar-se sobre todos os aspectos da vida social. Desde o funcionamento de estruturas macro-sociológicas como o Estado, a classe social ou longos processos históricos de

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transformação social ao comportamento dos indivíduo num nível micro-sociológico, sem jamais esquecer-se que o homem só pode existir na sociedade e que esta, inevitavelmente, lhe será uma "jaula" que o transcenderá e lhe determinará a identidade.

Para compreender o surgimento da sociologia como ciência do século XIX, é importante perceber que, nesse contexto histórico social, as ciências teóricas e experimentais desenvolvidas nos séculos XVII, XVIII e XIX inspiraram os pensadores a analisar as questões sociais, econômicas, políticas, educacionais, psicológicas, com enfoque científico.

O sociólogo dentro da organização intervem diretamente sobre os resultados da empresa, contribuindo com os lucros e resultados da organização. quando a organização é observada e estudada podem se verificar as falhas assim alterar seu sistema de funcionamento e gerar lucro.

A sociologia como ciência da sociedade

Ainda que a Sociologia tenha emergido em grande parte da convicção de Comte de que ela eventualmente suprimiria todas as outras áreas do conhecimento científico, hoje ela é mais uma entre as ciências.

Atualmente, ela estuda organizações humanas, instituições sociais e suas interações sociais, aplicando mormente o método comparativo. Esta disciplina tem se concentrado particularmente em organizações complexas de sociedades industriais.

Ao contrário das explicações filosóficas das relações sociais, as explicações da Sociologia não partem simplesmente da especulação de gabinete, baseada, quando muito, na observação casual de alguns fatos. Muitos dos teóricos que almejavam conferir à sociologia o estatuto de ciência, buscaram nas ciências naturais as bases de sua metodologia já mais avançada, e as discussões epistemológicas mais desenvolvidas. Dessa forma foram empregados métodos estatísticos, a observação empírica, e um ceticismo metodológico a fim de extirpar os elementos "incontroláveis" e "dóxicos" recorrentes numa ciência ainda muito nova e dada a grandes elucubrações. Uma das primeiras e grandes preocupações para com a sociologia foi eliminar juízos de valor feitos em seu nome. Diferentemente da ética, que visa discernir entre bem e mal, a ciência se presta à explicação e à compreensão dos fenômenos, sejam estes naturais ou sociais.

Como ciência, a Sociologia tem de obedecer aos mesmos princípios gerais válidos para todos os ramos de conhecimento científico, apesar das peculiaridades dos fenômenos sociais quando comparados com os fenômenos de natureza e, consequentemente, da abordagem científica da sociedade. Tais peculiaridades, no entanto, foram e continuam sendo o foco de muitas discussões, ora tentando aproximar as ciências, ora afastando-as e, até mesmo, negando às humanas tal estatuto com base na inviabilidade de qualquer controle dos dados tipicamente humanos, considerados por muitos, imprevisíveis e impassíveis de uma análise objetiva.

Comparação com outras ciências sociais

No começo do século XX, sociólogos e antropólogos que conduziam estudos sobre sociedades não-industrializadas ofereceram contribuições à Antropologia. Deve ser notado, entretanto, que mesmo a Antropologia faz pesquisa em sociedades industrializadas; a diferença entre Sociologia e Antropologia tem mais a ver com os problemas teóricos colocados e os métodos de pesquisa do

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que com os objetos de estudo.Quanto a Psicologia social, além de se interessar mais pelos comportamentos do que pelas estruturas sociais, ela se preocupa também com as motivações exteriores que levam o indivíduo a agir de uma forma ou de outra. Já o enfoque da Sociologia é na ação dos grupos, na ação geral.

Já a Economia diferencia-se da Sociologia por estudar apenas um aspecto das relações sociais, aquele que se refere a produção e troca de mercadorias. Nesse aspecto, como mostrado por Karl Marx e outros, a pesquisa em Economia é frequentemente influenciada por teorias sociológicas.

Por fim, a Filosofia social intenta criar uma teoria ou "teorias" da sociedade, objetivando explicar as variâncias no comportamento social em suas ordens moral, estética e históricas. Esforços nesse sentido são visíveis nas obras de modernos teóricos sociais, reunindo um arcabouço de conhecimento que entrelaça a filosofia hegeliana, kantiana, a teoria social de Marx e, ao mesmo tempo, Max Weber, utilizando-se de os valores morais e políticos do iluminismo liberal mesclados com os ideais socialistas. À primeira vista, talvez, seja complexo apreender tal abordagem. Entretanto, as obras de Max Horkheimer, Theodor Adorno, Jürgen Habermas, entre outros, representam uma das mais profícuas vertentes da filosofia social, representada por aquilo que ficou conhecido como Teoria Crítica ou, como mais popularmente se diz, Escola de Frankfurt.

Sociologia da Ordem e Sociologia da Crítica da Ordem

A Sociologia, em vista do tipo de conhecimento que produz, pode servir a diferentes tipos de interesses.

A produção sociológica pode estar voltada para engendrar uma forma de conhecimento comprometida com emancipação humana. Ela pode ser um tipo de conhecimento orientado no sentido de promover um melhor entendimento dos homens acerca de si mesmos, para alcançarem maiores patamares de liberdades políticas e de bem-estar social.

Por outro lado, a Sociologia pode ser orientada como uma 'ciência da ordem', isto é, seus resultados podem ser utilizados com vistas à melhoria dos mecanismos de dominação por parte do Estado ou de grupos minoritários, sejam eles empresas privadas ou Centrais de Inteligência, à revelia dos interesses e valores da comunidade democrática com vistas a manter o status quo.

As formas como a Sociologia pode ser uma 'ciência da ordem' são diversas. Ela pode partir desde a perspectiva do sociólogo individual, submetendo a produção do conhecimento não ao progresso da ciência por si ou da sociedade, mas aos seus interesses materiais imediatos. Há, porém, o meio indireto, no qual o Estado, como principal ente financiador de pesquisas nas áreas da sociologia escolhe financiar aquelas pesquisas que lhe renderam algum tipo de resultado ou orientação estratégicas claras: pode ser tanto como melhor controlar o fluxo de pessoas dentro de um território, como na orientação de políticas públicas promovidas nem sempre de acordo com o interesse das maiorias ou no respeito às minorias. Nesse sentido, o uso do conhecimento sociológico é potencialmente perigoso, podendo mesmo servir à finalidades antidemocráticas, autoritárias e arbitrárias.

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A evolução da Sociologia como disciplina

A sociologia no mundo foi-se mostrando presente em várias datas importantes desde as grandes revoluções, desde lá cada vez mais foi de fundamental participação para a sociedade mundial e também brasileira.

Desde o início a sociologia vem-se preocupando com a sociedade no seu interior, isto diz respeito, por exemplo, aos conflitos entre as classes sociais. Na América Latina, por exemplo, a sociologia sofreu influencias americanas e europeias, na medida em que as suas preocupações passam a ser o subdesenvolvimento, ela vai sofrer influências das teorias marxistas.

No Brasil nas décadas de 20 e 30 a sociologia estava num estudo sobre a formação da sociedade brasileira, e analisando temas como abolição da escravatura, êxodos, e estudos sobre índios e negros

Nas décadas seguintes de 40 e 50 a sociologia voltou para as classes trabalhistas tais como salários e jornadas de trabalho, e também comunidades rurais. Na década de 60 a sociologia se preocupou com o processo de industrialização do país, nas questões de reforma agrária e movimentos sociais na cidade e no campo e a partir de 1964 o trabalho dos sociólogos se voltou para os problemas sócio políticos e econômicos originados pela tensão de se viver em um país cuja forma de poder é o regime militar.

Na década de 80 a sociologia finalmente volta a ser disciplina no ensino médio,e também ocorreu a profissionalização da sociologia. Além da preocupação com a economia política e mudanças sociais apropriadas com a instalação da nova república, voltam também em relação ao estudo da mulher, ao trabalhador rural, e outros assuntos culminantes.

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Texto 2 - O Pensamento de Marx

Durante a vida de Marx, suas ideias receberam pouca atenção de outros estudiosos. Talvez o maior interesse tenha se verificado na Rússia, onde, em 1872, foi publicada a primeira tradução do Tomo I d'O Capital. Na Alemanha, a teoria de Marx foi ignorada durante bastante tempo, até que em 1879 um alemão estudioso da Economia Política, Adolph Wagner, comentou o trabalho de Marx ao longo de uma obra intitulada Allgemeine oder theoretische Volkswirthschaftslehre. A partir de então, os escritos de Marx começaram a atrair cada vez mais atenção.

Nos primeiros anos após a morte de Marx, sua teoria obteve crescente influência intelectual e política sobre os movimentos operários (ao final do século XIX, o principal locus de debate da teoria era o Partido Social-Democrata alemão) e, em menor proporção, sobre os círculos acadêmicos ligados às ciências humanas – notadamente na Universidade de Viena e na Universidade de Roma, primeiras instituições acadêmicas a oferecerem cursos voltados para o estudo de Marx.

Marx foi herdeiro da filosofia alemã, considerado ao lado de Kant e Hegel um de seus grandes representantes. Foi um dos maiores (para muitos, o maior) pensadores de todos os tempos, tendo uma produção teórica com a extensão e densidade de um Aristóteles, de quem era um admirador. Como filósofo, se posiciona muito mais numa supra-filosofia, em que "realizar" a filosofia é antes "aboli-la", ou ao realizá-la, ela e a realidade se transformam na práxis, a união entre teoria e prática.

A teoria marxista é, substancialmente, uma crítica radical das sociedades capitalistas. Mas é uma crítica que não se limita a teoria em si. Marx, aliás, se posiciona contra qualquer separação drástica entre teoria e prática, entre pensamento e realidade, porque essas dimensões são abstrações mentais (categorias analíticas) que, no plano concreto, real, integram uma mesma totalidade complexa.

O marxismo constitui-se como a concepção materialista da História, longe de qualquer tipo de determinismo, mas compreendendo a predominância da materialidade sobre a ideia, sendo esta possível somente com o desenvolvimento daquela, e a compreensão das coisas em seu movimento, em sua inter-determinação, que é a dialética. Portanto, não é possível entender os conceitos marxianos como forças produtivas, capital, entre outros, sem levar em conta o processo histórico, pois não são conceitos abstratos e sim uma abstração do real, tendo como pressuposto que o real é movimento.

Karl Marx compreende o trabalho como atividade fundante da humanidade. E o trabalho, sendo a centralidade da atividade humana, se desenvolve socialmente, sendo o homem um ser social. Sendo os homens seres sociais, a História, isto é, suas relações de produção e suas relações sociais fundam todo processo de formação da humanidade. Esta compreensão e concepção do homem é radicalmente revolucionária em todos os sentidos, pois é a partir dela que Marx irá identificar a alienação do trabalho como a alienação fundante das demais. E com esta base filosófica é que Marx compreende todas as demais ciências, tendo sua compreensão do real influenciado cada dia mais a ciência por sua consistência

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Influências

Algumas das principais leituras e estudos feitos por Marx são:]

A doutrina de Hegel; O materialismo de Feuerbach; O socialismo utópico francês (representado por Saint-Simon, Louis Blanc e Proudhon); E a economia política clássica britânica (representada por Adam Smith e David Ricardo).

Ele estudou profundamente todas essas concepções ao mesmo tempo em que as questionou e desenvolveu novos temas, de modo a produzir uma profunda reorientação no debate intelectual europeu.

Influência da doutrina de Hegel

Hegel foi professor da Universidade de Iena, a mesma instituição onde Marx cursou o doutorado. E, em Berlim, Marx teve contato prolongado com as ideias dos Jovens Hegelianos (também referidos como Hegelianos de Esquerda). Os dois principais aspectos do sistema de Hegel que influenciaram Marx foram sua filosofia da história e sua concepção dialética.

Para Hegel, nada no mundo é estático, tudo está em constante processo (vir-a-ser); tudo é histórico, portanto. O sujeito desse mundo em movimento é o Espírito do Mundo (ou Superalma; ou Consciência Absoluta), que representa a consciência humana geral, comum a todos indivíduos e manifesta na ideia de Deus. A historicidade é concebida enquanto história do progresso da consciência da liberdade. As formas concretas de organização social correspondem a imperativos ditados pela consciência humana, ou seja, a realidade é determinada pelas ideias dos homens, que concebem novas ideias de como deve ser a vida social em função do conflito entre as ideias de liberdade e as ideias de coerção ligadas a condição natural ("selvagem") do homem. O homem se liberta progressivamente de sua condição de existência natural através de um processo de "espiritualização" – reflexão filosófica (ao nível do pensamento, portanto) que conduz o homem a perceber quem é o real sujeito da história.

Marx considerou-se um hegeliano de esquerda durante certo tempo, mas rompeu com o grupo e efetuou uma revisão bastante crítica dos conceitos de Hegel após tomar contato com as concepções de Feuerbach. Manteve o entendimento da história enquanto progressão dialética (ou seja, o mundo está em processo graças ao choque permanente entre os opostos; não é estático), mas eliminou o Espírito do Mundo enquanto sujeito ou essência, porque passou a compreender que a origem da realidade social não reside nas ideias, na consciência que os homens têm dela, mas sim na ação concreta (material, portanto) dos homens, portanto no trabalho humano. A existência material precede qualquer pensamento; inexiste possibilidade de pensamento sem existência concreta. Marx inverte, então, a dialética hegeliana, porque coloca a materialidade – e não as ideias – na gênese do movimento histórico que constitui o mundo. Elabora, assim, a dialética materialista (conceito não desenvolvido por Marx, que também costuma ser referida por materialismo dialético).

“A mistificação por que passa a dialética nas mãos de Hegel não o impede de ser o

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primeiro a apresentar suas formas gerais de movimento, de maneira ampla e consciente. Em Hegel, a dialética está de cabeça para baixo. É necessária pô-la de cabeça para cima, a fim de descobrir a substância racional dentro do invólucro místico. ”

A respeito da influência de Hegel sobre Marx, escreveu Lenin que

“ (…) é completamente impossível entender O Capital de Marx, e, em especial, seu primeiro capítulo, sem haver estudado e compreendido a fundo toda a lógica de Hegel. ”

Influência do materialismo de Feuerbach

Ludwig Feuerbach foi um filósofo materialista que atraiu muita atenção de intelectuais de sua época. Publicou, em 1841, uma obra (Das Wesen des Christentums – A essência do cristianismo) que teve influência importante sobre Marx, Engels e os Jovens Hegelianos. Nela, Feuerbach criticou duramente Hegel, e afirmou que a religião consiste numa projeção dos desejos humanos e numa forma de alienação. É de Feuerbach a concepção de que em Hegel a lógica dialética está "de cabeça para baixo", porque apresenta o homem como um atributo do pensamento ao invés do pensamento como um atributo do homem. Sem dúvida, o contato de Marx com as ideias feuerbachianas foi determinante para a formulação de sua crítica radical da religião e das "concepções invertidas" de Hegel.

Influência do socialismo utópico francês

Por socialismo utópico costumava-se designar, à época de Marx, um conjunto de doutrinas diversas (e até antagônicas entre si) que tinham em comum, entretanto, duas características básicas: todas entendiam que a base determinante do comportamento humano residia na esfera moral/ideológica e que o desenvolvimento das civilizações ocidentais estava a permitir uma nova era onde iria imperar a harmonia social. Marx criticou sagazmente as ideias dos socialistas utópicos (principalmente dos franceses, com os quais mais polemizou), acusando-os de muito romantismo ingênuo e pouca (ou nenhuma) dedicação ao estudo rigoroso da conjuntura social, pois os socialistas utópicos muito diziam sobre como deveria ser a sociedade harmônica ideal, mas nada indicavam sobre como seria possível alcançá-la plenamente. Por outro lado, pode-se dizer que, de certa forma, Marx adotou – explícita ou implicitamente – algumas noções contidas nas ideias de alguns dos socialistas utópicos (como, por exemplo, a noção de que o aumento da capacidade de produção decorrente da revolução industrial permite condições materiais mais confortáveis à vida humana, ou ainda a noção de que a crenças ideológicas do sujeito lhe determinam o comportamento).

Influência da economia política clássica britânica

Marx empreendeu um minucioso estudo de grande parte da teoria econômica ocidental, desde escritos da Grécia antiga até obras que lhe eram contemporâneas. As contribuições que julgou mais fecundas foram as elaboradas por dois economistas políticos britânicos, Adam Smith e David Ricardo (tendo predileção especial por Ricardo, a quem referia como "o maior dos economistas

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clássicos"). Na obra deste último, Marx encontrou conceitos – então bastante utilizados no debate britânico – que, após fecunda revisão e re-elaboração, adotou em definitivo (tais como os de valor, divisão social do trabalho, acumulação primitiva e mais-valia, por exemplo). A avaliação do grau de influência da obra de Ricardo sobre Marx é bastante desigual. Estudiosos pertencentes à tradição neo-ricardiana tendem a considerar que existem poucas diferenças cruciais entre o pensamento econômico de um e outro; já estudiosos ligados à tradição marxista tendem a delimitar diferenças fundamentais entre eles.

Crítica da religião

Para Marx a crítica da religião é fundamental à crítica da exploração, pois crê que as concepções religiosas tendem a desresponsabilizar os homens pelas consequências de seus atos.] Marx tornou-se reconhecido como crítico sagaz da religião devido a sentença que profere em um escrito intitulado Crítica da filosofia do direito de Hegel: “A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, assim como é o espírito de uma situação carente de espírito. É o ópio do povo.” Em verdade, Marx se ocupou muito pouco em criticar sistematicamente a atividade religiosa. Nesse quesito ele basicamente seguiu as opiniões de Ludwig Feuerbach, para quem a religião não expressa a vontade de nenhum Deus ou outro ser metafísico: é criada pela fabulação dos homens.

Revolução

Apesar de alguns leitores de Marx adjetivarem-no de “teórico da revolução”, inexiste em suas obras qualquer definição conceitual explicítica e específica do termo revolução.[26] O que Marx oferece são descrições e projeções históricas inspiradas nos estudos que fez acerca das revoluções francesa, inglesa e norte-americana.[17] Um exemplo de prognóstico histórico desse tipo encontra-se em Contribuição para a crítica da Economia Política:

“Numa certa etapa do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é apenas uma expressão jurídica delas, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham até aí movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se em grilhões das mesmas. Ocorre então uma época de revolução social. ”

Em geral, Marx considerava que toda revolução é necessariamente violenta, ainda que isso dependa, em maior ou menor grau, da constrição ou abertura do Estado. A necessidade de violência se justifica porque o Estado tenderia sempre a empregar a coerção para salvaguardar a manutenção da ordem sobre a qual repousa seu poder político, logo, a insurreição não tem outra possibilidade de se realizar senão atuando também violentamente. Diferente do apregoado pelos pensadores contratualistas, para Marx o poder político do Estado não imana de algum consenso geral, é antes o poder particular de uma classe particular que se afirma em detrimento das demais.

Importante notar que Marx não entende revolução enquanto algo como reconstruir a sociedade a partir de um zero absoluto. Na Crítica ao Programa de Gotha, por exemplo, indica claramente que a instauração de um novo regime só é possível mediada pelas instituições do regime anterior. O novo

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é sempre gestado tendo o velho por ponto de partida. A revolução proletária, que instauraria um novo regime sem classes, só obteria sucesso pleno após a conclusão de um período de transição que Marx denominou socialismo.

Crítica ao Anarquismo

Criticou o anarquismo por sua visão tida como ingênua do fim do Estado onde se objetiva acabar com o Estado "por decreto", ao invés de acabar com as condições sociais que fazem do Estado uma necessidade e realidade. Na obra Miséria da Filosofia elabora suas críticas ao pensamento do anarquista Proudhon. Ainda, criticou o blanquismo com sua visão elitista de partido, por ter uma tendência autoritária e superada. Posicionou-se a favor do liberalismo, não como solução para o proletariado, mas como premissa para maturação das forças produtivas (produtividade do trabalho) das condições positivas e negativas da emancipação proletária, como a da homogeneização da condição proletária internacional gerado pela "globalização" do capital. Sua visão política era profundamente marcada pelas condições que o desenvolvimento econômico ofereceria para a emancipação proletária, tanto em sentido negativo (desemprego), como em sentido positivo (em que o próprio capital centralizaria a economia, exemplo: multinacionais

A práxis

Na lógica da concepção materialista da História não é a realidade que move a si mesma, mas comove os atores, se trata sempre de um "drama histórico" (termo que Marx usa em O 18 Brumário de Luís Bonaparte) e não de um "determinismo histórico" que cairia num materialismo mecânico (positivismo), oposto ao materialismo dialético de Marx. O materialismo dialético, histórico, poderia também ser definido como uma "dialética realidade-idealidade evolutiva". Ou seja, as relações entre a realidade e as ideias se fundem na práxis, e a práxis é o grande fundamento do pensamento de Marx. Pois sendo a história uma produção humana, e sendo as ideias produto das circunstâncias em que tais ideais brotaram, fazer história racionalmente é a grande meta. E o próprio fazer da história que criará suas condições objetivas e subjetivas adjacentes, já que a objetividade histórica é produto da humanidade (dos homens associados, luta política, etc). E assim, Marx finaliza as Teses sobre Feuerbach, não se trata de interpretar diferentemente o mundo, mas de transformá-lo. Pois a própria interpretação está condicionada ao mundo posto, só a ação revolucionária produz a transcendência do mundo vigente.]

O Capital

A grande obra de Marx é O Capital, na qual trata de fazer uma extensa análise da sociedade capitalista. É predominantemente um livro de Economia Política, mas não só. Nesta obra monumental, Marx discorre desde a economia, até a sociedade, cultura, política, filosofia. É uma obra analítica, sintética, crítica, descritiva, científica, filosófica, etc. Uma obra de difícil leitura, ainda que suas categorias não tenha a ambiguidade especulativa própria da obra de Hegel, no entanto, uma linguagem pouco atraente e nem um pouco fácil. O Capital não é apenas uma grande obra por ser a obra que Marx se dedicou com mais profundidade e extensão. Dentro da estrutura do pensamento de Marx, só uma obra como O Capital é o principal conhecimento, tanto para a humanidade em geral, quanto para o proletariado em particular, já que através de uma análise radical da realidade que está submetido, só assim poderá se desviar da ideologia dominante ("a ideologia dominante" é sempre da "classe dominante"), como poderá obter uma base concreta

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para sua luta política. Sobre o caráter da abordagem econômica das formações societárias humanas, afirmou A. de Walhens: "O marxismo é um esforço para ler, por trás da pseudo-imediaticidade do mundo econômico reificado as relações inter-humanas que o edificaram e se dissumularam por trás de sua obra."[30] Cabe lembrar que O Capital é uma obra incompleta, tendo sido publicado apenas o primeiro volume com Marx vivo. Os demais volumes foram organizados por Engels e publicados posteriormente

A mais-valia

O conceito de Mais-valia foi empregado por Karl Marx para explicar a obtenção dos lucros no sistema capitalista. Para Marx o trabalho gera a riqueza, portanto, a mais-valia seria o valor extra da mercadoria. A diferença entre o que o empregado produz e o que ele recebe. Os operários em determinada produção produzem bens (ex: 100 carros num mês), se dividirmos o valor dos carros pelo trabalho realizado dos operários teremos o valor do trabalho de cada operário. Entretanto os carros são vendidos por um preço maior, esta diferença é o lucro do proprietário da fábrica, a esta diferença Marx chama de valor excedente ou maior, ou mais-valor.(Singer, Paul. Marx – Economia in: Coleção Grandes Cientistas Sociais; Vol 31.)

A Ideologia Alemã

Na obra Ideologia Alemã, Marx apresenta cuidadosamente os pressupostos de seu novo pensamento. No Manifesto Comunista apresenta sua tese política básica. Na Questão Judaica apresenta sua crítica religiosa, que diz que não se deve apresentar questões humanas como teológicas, mas as teológicas como questões humanas. E que afirmar ou negar a existência de Deus, são ambas teologia. O ponto de vista deve ser sempre o de ver as religiões como reflexões humanas fantasiosas de si mesmo, mas que representa a condição humana real a que está submetido. Na Crítica ao Programa de Gotha, Marx faz a mais extensa e sistemática apresentação do que seria uma sociedade socialista, ainda que sempre tente desviar desse tipo de "futurologia", por não ser rigorosamente científica. Em A Guerra Civil na França, Marx supera todas as suas tendencias jacobinas de antes, e defende claramente que só com o fim do Estado o proletariado oferece a si mesmo as condições de manter o próprio poder recém conquistado, e o fim do Estado é literalmente o "povo em armas", ou seja, o fim da "monopólio da violência" que o Estado representa. Em O 18 Brumário de Luís Bonaparte, já está uma profunda análise sobre o terror da "burocracia" e como esta representa a camada camponesa, que por sua propria condição (como ele explica) tem tendências autoritárias.

Colaboração de Engels

Engels exerceu significativa influência sobre as reflexões intelectuais de Marx, principalmente no início da associação entre ambos, período em que Engels dirigiu a atenção de Marx para a Economia Política e a história econômica da Europa. Após a morte deste, Engels tornou-se não só o organizador dos muitos manuscritos incompletos e/ou inéditos legados, mas também o primeiro intérprete e sistematizador das ideias de Marx. Engels igualmente se ocupou, desde bem antes do falecimento de seu amigo, de redigir exposições em termos populares das ideias de Marx visando facilitar sua difusão.

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Críticas

A crítica ao pensamento de Marx iniciou-se desde a publicação de suas primeiras obras e prossegue - principalmente entre seus seguidores e intelectuais preocupados em conhecer, desenvolver e discutir a atualidade de suas ideias.

Em Miséria do historicismo (1935, 1944), Karl Popper discorda de Marx quanto à história ser regida por leis que, se compreendidas, podem servir para se antecipar o futuro. Segundo Popper, a história não pode obedecer a leis e a ideia de "lei histórica" é uma contradição em si mesma. Já em A sociedade aberta e seus inimigos (1945), Popper afirma que o historicismo conduz necessariamente a uma sociedade "tribal" e "fechada", com total desprezo pelas liberdades individuais.

Todavia há dúvidas se Marx teria realmente baseado sua teoria em um "historicismo", nos termos colocados por Popper. Argumenta-se que Marx, seguindo uma tradição inaugurada por Maquiavel e Hobbes, busca nos interesses e necessidades concretas dos indivíduos, ao longo da História, a causa fundamental das ações humanas - em oposição às ideias políticas e morais abstratas. Ele não parece supor que esta busca de realização de interesses tenha consequências predeterminadas. Tal interpretação, provavelmente influenciada pelo evolucionismo darwinista, na exegese póstuma do pensamento marxiano, é creditada ao "papa" da Social-Democracia alemã, Karl Kautsky, no final do século XIX. A interpretação kautskista seria contestada, de várias formas, por Bernstein, Rosa Luxemburgo, Lenin, Trotsky e Gramsci, entre outros.

Popper considera Marx como "não-científico" também porque sua teoria não é passível de contestação. Uma teoria científica tem que ser falseável - caso contrário, é incluída no campo das crenças ou ideologias. Resta saber, é claro, se afirmações sobre fatos históricos, necessariamente únicos, podem ser, nos termos de Popper, falsificáveis. (A crítica de Popper não tem esse sentido, ela faz referência ao fato de Marx afirmar que as críticas ao Comunismo são feitas por burgueses com interesses contrários, ou seja, qualquer crítica ao Comunismo tem uma explicação: é feita por um burguês. Dessa forma a teoria não é falseável, ninguém pode dizer que é falsa porque quem diz o faz por interesse burguês.)

Ludwig von Mises, em Ação Humana – um tratado de Economia (1949), demonstrou a impossibilidade de se organizar uma economia nos moldes socialistas, pela ausência do sistema de preços, que funciona como sinalizador aos empreendedores acerca das necessidades dos consumidores. Mises também refinou argumentos formulados por Eugen von Böhm-Bawerk na obra Marxism Unmasked: From Delusion to Destruction.

Raymond Aron, em O ópio dos intelectuais de (1955) criticou de forma agressiva os intelectuais seguidores de Marx e condenou a teoria da revolução e o determinismo histórico.

Eric Voegelin talvez seja um dos críticos mais severos de Karl Marx. No seu livro Reflexões Autobiográficas relata que, induzido pela onda de interesse sobre a Revolução Russa de 1917, estudou O Capital de Marx e foi marxista entre agosto e dezembro de 1919. Porém, durante seu curso universitário, ao estudar disciplinas de teoria econômica e história da teoria econômica aprendera o que estava errado em Marx.

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Voegelin afirma que Marx comete uma grave distorção ao escrever sobre Hegel. Como prova de sua afirmação cita os editores dos Frühschiften [Escritos de Juventude] de Karl Marx (Kröner, 1955), especialmente Siegfried Landshut, que dizem o seguinte sobre o estudo feito por Marx da Filosofia do Direito de Hegel:

"Ao equivocar-se deliberadamente sobre Hegel, se nos é dado falar desta maneira, Marx transforma todos os conceitos que Hegel concebeu como predicados da ideia em anunciados sobre fatos".

Para Voegelin, ao equivocar-se deliberadamente sobre Hegel, Marx pretendia sustentar uma ideologia que lhe permitisse apoiar a violência contra seres humanos afetando indignação moral e, por isso, Voegelin considera Karl Marx um mistificador deliberado. Afirma que o charlatanismo de Marx reside também na terminante recusa de dialogar com o argumento etiológico de Aristóteles. Argumenta que, embora tenha recebido uma excelente formação filosófica, Marx sabia que o problema da etiologia na existência humana era central para uma filosofia do homem e que, se quisesse destruir a humanidade do homem fazendo dele um "homem socialista", Marx precisava repelir a todo custo o argumento etiológico.

Segundo Voegelin, Marx e Engels enunciam um disparate ao iniciarem o Manifesto Comunista com a afirmação categórica de que toda a história social até o presente foi a história da luta de classes. Eles sabiam, desde o colégio, que outras lutas existiram na história, como as Guerras Médicas, as conquistas de Alexandre, a Guerra do Peloponeso, as Guerras Púnicas e a expansão do Império Romano, as quais decididamente nada tiveram de luta de classes.

Voegelin diz que Marx levanta questões que são impossíveis de serem resolvidas pelo "homem socialista". Também alega que Marx conduz a uma realidade alternativa, a qual não tem necessariamente nenhum vínculo com a realidade objetiva do sujeito. Segundo Voegelin, quando a realidade entra em conflito com Marx, ele descarta a realidade.

Finalmente, uma questão de ordem prática, iniciada décadas atrás, foi suscitada pelo stalinismo, notadamente os expurgos, os gulags e o genocídio na antiga União Soviética, que tiveram grande repercussão sobre o pensamento marxista europeu e os partidos comunistas ocidentais. Discutia-se até que ponto Marx poderia ser responsabilizado pelas diferentes "leituras" de sua obra (e respectivos efeitos colaterais) ou se tais práticas seriam resultantes de uma visão deturpada das ideias marxianas. Com o final da guerra fria, o debate tornou-se menos polarizado. Todavia a discussão acerca do futuro do capitalismo - ou da Humanidade - prossegue.

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Texto 3 - Alienação

A palavra alienação tem várias definições: cessão de bens, transferência de domínio de algo, perturbação mental, na qual se registra uma anulação da personalidade individual, arrombamento de espírito, loucura. A partir desses significados traçam algumas diretrizes para melhor analisar o que é a alienação, e assim buscar alguns motivos por quais as pessoas se alienam. Ainda assim, os processos alienantes da vida humana foram tratados de maneira atemporal, defraudada, abstraído de processos sócio-econômicos concreto.

A alienação trata-se do mistério de ser ou não ser, pois uma pessoa alienada carece de si mesmo, tornando-se sua própria negação.

Alienação refere-se à diminuição da capacidade dos indivíduos em pensar em agir por si próprios.

A sobrevivência do homem implica uma transformação da natureza e do outro à sua imagem e semelhança, o que impõe uma transformação de si mesmo à imagem e semelhança do mundo e do outro. Viver para o homem é objetivar-se, ser fora de si.

História

O conceito de alienação é histórico,tendo o uma aplicação analítica numa ligação recíproca entre sujeito, objeto e condições concretas específicas. Logo, a história afirma que o homem evoluiu de acordo com seu trabalho. Portanto, a diferença do homem está na sua criatividade de procurar soluções para seus problemas, então com a prática do trabalho desenvolve seu raciocínio e sempre aprende uma “nova lição”.

Karl Marx, filósofo alemão, se preocupava muito com a questão da alienação do homem, principalmente em duas de suas obras, “Os “Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844” e “Elementos para a Crítica da Economia Política” (1857-58)”. Procuravam demonstrar a injustiça social que havia no capitalismo, afirmando que se tratava de um regime econômico de exploração, sendo a mais-valia uma grande arma do sistema. Assim, a alienação se manifesta a partir do momento que o objeto fabricado se torna alheio ao sujeito criador, ou seja, ao criar algo fora de si, o funcionário se nega no objeto criado. As indústrias utilizam de força de trabalho, sendo que os funcionários não necessitam ter o conhecimento do funcionamento da indústria inteira, a produção é totalmente coletivizada, necessitando de vários funcionários na obtenção de um produto, mas nenhum deles dominando todo o processo - individualização.

Por isso, a alienação no trabalho é gerada na sociedade devido à mercadoria, que são os produtos confeccionados pelos trabalhadores explorados, e o lucro, que vem a ser a usurpação do trabalhador para que mais mercadorias sejam produzidas e vendidas acima do preço investido no trabalhador, assim rompendo o homem de si mesmo. "A atividade produtiva é, portanto, a fonte da consciência, e a ‘consciência alienada’ é o reflexo da atividade alienada ou da alienação da atividade, isto é, da auto-alienação do trabalho." Mészaros (1981, p.76).

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Texto 4 - Desigualdade social

Por Gabriela Cabral

A desigualdade social acontece quando a distribuição de renda é feita de forma diferente sendo que a maior parte fica nas mãos de poucos. No Brasil a desigualdade social é uma das maiores do mundo. Por esses acontecimentos existem jovens vulneráveis hoje principalmente na classe de baixa renda, pois a exclusão social os torna cada vez mais supérfluos e incapazes de ter uma vida digna. Muitos jovens de baixa renda crescem sem ter estrutura na família devido a uma série de conseqüências causadas pela falta de dinheiro sendo: briga entre pais, discussões diárias, falta de estudo, ambiente familiar precário, educação precária, más instalações, alimentação ruim, entre outros.

A desigualdade social tem causado o crescimento de crianças e jovens sem preparação para a vida e muitos deles não conseguem oportunidades e acabam se tornando marginais ou desocupados, às vezes não porque querem, mas sim por não sobrarem alternativas. Outro fator que agrava essa situação é a violência que cresce a cada dia.

Podemos perceber que o ódio que faz com que uma pessoa se torne violenta sempre tem razões anteriores. Na maioria das vezes que vemos depoimentos de pessoas envolvidas com violência, as mesmas tiveram na infância situações onde o pai era ausente ou se presente espancava a mãe, a miséria fazia com que os pais vendessem drogas por um prato de comida, pais entregavam filhos para adoção ou até mesmo abandonavam os filhos ao invés de tentar reverter à situação. Alguns casos, as pessoas hoje violentas foram vítimas de abuso sexual quando mais jovens e essa série de situações trazem uma ira e desejo de vingança não só dos mal-feitores, mas também das autoridades que sabem de todos esses possíveis acontecimentos e não tomam posição.

Hoje traficantes têm tomado o poder de algumas grandes cidades brasileiras e prejudicado cidadãos de bem com o intuito de atingir as autoridades. A cada dia que passa pessoas são mortas, espancadas e abusadas para que alguém excluído do mundo mostre que alguma coisa ele sabe fazer, mesmo que isso seja ruim.

O fato é que, as autoridades são as principais causadoras desse processo de desigualdade que causa exclusão e que gera violência. É preciso que pessoas de alto escalão projetem uma vida mais digna e com oportunidades de conhecimento para pessoas com baixa renda para que possam trabalhar e ter o sustento do lar entre outros.

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Texto 5 - Marx e Alienação

Do Espírito Absoluto de Hegel à realidade concreta José Renato Salatiel

"Esses jovens de hoje, tão alienados...". Esta expressão, que a maioria de nós já ouviu alguma vez na vida, provavelmente foi entendida como se referindo ao fato de que, na juventude, não temos muita responsabilidade, queremos mais é curtir a vida. Mas, afinal de contas, será que somos alienados? O que é, então, alienação?

O termo entrou no vocabulário contemporâneo graças a Karl Marx, que, assim como no caso do conceito de dialética, retirou a idéia de alienação de suas leituras de Hegel, mas o revestiu de um caráter inovador e, como em tudo em Marx, muito crítico.

Tanto em Marx quanto em Hegel, alienação está ligada ao trabalho. Para Hegel, o trabalho é a essência do homem, quer dizer, é somente por meio de seu trabalho que o homem pode realizar plenamente suas habilidades em produções materiais.

Mas quando o pensamento puro se torna pensamento sensível, visando uma realização material na forma de trabalho, nos alienamos, isto é, nos separamos da essência pura e abrimos caminho para uma separação entre ideal e real, que de novo irão se unir ao que Hegel chama de Espírito Absoluto.

Muito abstrato? Marx também achou, mas viu nestas idéias algo interessante, que poderia explicar as relações sociais no capitalismo e, mais do que isso, desvendar um dispositivo fundamental da máquina capitalista.

Para isso, voltou-se para a realidade concreta, em que os trabalhadores eram explorados em fábricas e deixavam seus patrões cada vez mais ricos, enquanto eles e suas famílias ficavam cada vez mais pobres. Como poderiam aceitar tal coisa?

Trabalho alienado

Alienação, para Marx, tem um sentido negativo (em Hegel, é algo positivo) em que o trabalho, ao invés de realizar o homem, o escraviza; ao invés de humanizá-lo, o desumaniza. O homem troca o verbo SER pelo TER: sua vida passa a medir-se pelo que ele possui não pelo que ele é. Isso parece familiar? Pois é, vamos ver os detalhes.

O filósofo alemão concebeu diferentes formas de alienação, como a religião ou o Estado, em que o homem, longe de tornar-se livre, cada vez mais se aprisionaria. Mas uma alienação é básica, segundo Marx: a alienação econômica.

A alienação econômica pode ser descrita de duas formas: o trabalho como (a) atividade fragmentada e como (b) produto apropriado por outros.

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Tempos modernos

No primeiro caso, a separação do trabalho, em todas as suas instâncias, aliena o trabalhador, que não se reconhece mais em uma atividade - porque ele faz apenas uma peça de um carro em uma escala produtiva e não tem a visão do conjunto, por exemplo - e porque acaba desenvolvendo apenas uma de suas habilidades, seja braçal ou intelectual, provocando, com isso também, uma divisão social.

Essa divisão do trabalho foi fundamental para a organização da sociedade capitalista. Não seria possível sequer usar tênis se não existissem trabalhadores que os produzissem em larga escala em fábricas, onde cada um é responsável por uma etapa na produção.

O melhor exemplo de como funciona este processo e suas conseqüências sociais pode ser visto no filme "Tempos Modernos" (1936), dirigido e estrelado por Charles Chaplin, que mostra, de forma bem humorada, a vida de um operário sendo controlada pela máquina na linha de montagem de uma fábrica.

Exploração

No segundo caso, o trabalhador tem a riqueza gerada pelo seu trabalho tomada pelos proprietários dos meios de produção. Ele é levado a gerar acumulação de capital e lucro para uma minoria, enquanto vive na pobreza.

Um empregado de uma fábrica de TV de LCD, por exemplo, em oito horas diárias de trabalho produz, ao final do mês, um número considerável de aparelhos, mas recebe apenas uma pequena parcela disso em forma de salário. O que recebe não permite sequer adquirir aquilo que ele produz - uma TV de R$ 5 mil - e o modo de vida de sua família é muito diferente daqueles que consomem seu produto.

O trabalhador não reconhece mais o produto de seu trabalho e não se dá conta da exploração a que é submetido. O que se exterioriza não é sua essência, mas algo estranho a ele.

Diz Marx: "A alienação aparece tanto no fato de que meu meio de vida é de outro, que meu desejo é a posse inacessível de outro, como no caso de que cada coisa é outra que ela mesma, que minha atividade é outra coisa e que, finalmente (e isto é válido também para o capitalista), domina em geral o poder desumano".

Divisão do trabalho e acumulação de capital, que, juntos, formam a base de uma sociedade capitalista, são também as fontes de alienação moderna, segundo Marx, por meio das quais se constitui um sistema de dominação.

ComunismoQual a solução? Se o trabalho, no sistema capitalista, é fonte de alienação, e se o capital é, basicamente, propriedade privada, isto é, a posse e o acúmulo de objetos, a superação do homem alienado só virá, para Marx, com a sociedade comunista.

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Segundo Marx, somente com o comunismo as pessoas deixariam de ser alienadas, pois tudo seria de todos e não haveria necessidade de divisão ou expropriação do trabalho alheio. "A superação da propriedade privada é, por isso, a emancipação total de todos os sentidos e qualidades humanas", diz Marx.

Marx, provavelmente, ficaria muito aborrecido em ver que, na prática, os ideais do comunismo, na forma de dogmas, somente trouxeram mais alienação. Sua crítica, no entanto, parece atual diante de uma juventude destituída de ideais políticos que se contenta com prazeres imediatos proporcionados pelo consumo. É o celular da moda, o tênis de marca e o carro de luxo que definem sua essência?

O que ler

O texto-base para entender a teoria da alienação de Marx é Manuscritos Econômico-filosóficos (Boitempo Editorial). Trata-se de uma obra de juventude, em que Marx antecipa boa parte das teses que desenvolveria em O Capital, além de demonstrar como suas teorias são incompatíveis com as ditaduras comunistas dos séculos 20 e 21.

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Texto 6 - A Revolução Social

Alberto Ribeiro Boaventura1

O mundo, no século XX experimentou grandes mudanças em todos os aspectos, tanto

sociais quanto industriais, vivendo e sofrendo uma transformação, mais sensacional, rápida e

universal na história humana que entrou na consciência das mentes pensadoras que a viveram, de

forma tão rápida quanto universal. É verdade que estas transformações se processaram de forma

diferenciada em todo mundo, dependendo do estágio de desenvolvimento tecnológico em que se

encontrava antes desse período. Para eles, a revolução da sociedade global significou uma

aceleração ou intensificação de movimento a que já se achava acostumada em princípio.

Em muitos aspectos, os que viveram de fato essas transformações na hora não captaram

toda a sua extensão, pois as experimentaram paulatinamente, ou como mudanças nas vidas dos

indivíduos que, por mais dramáticas que sejam não são concebidas como revoluções permanentes.

Por decisão da população rural de procurar trabalho na cidade implicaria, na mente deles, uma

transformação mais duradoura e com efeitos a serem medidos e sentidos alongo prazo.

Mas a rapidez da mudança foi de tal forma que o tempo histórico podia ser medido em

intervalos ainda menores que dez anos que mesmo assim não puderam ser comparadas com outras

já experimentadas.

A mudança social mais importante e de mais longo alcance da segunda metade deste

século, e que nos isola para sempre do mundo do passado, é a morte do campesinato, pois, deste o

começo da humanidade, a maioria dos seres humanos vivia da terra de seu gado ou se recorria à

pesca.

Com efeito, se a previsão de Marx de que a industrialização eliminaria o campesinato esta

estava se concretizando em países de rápida industrialização, o fato realmente extraordinário foi o

declínio da população agrícola em todo o mundo.

O estranho nesse maciço e silencioso êxodo do campo na maior parte da massa de terra

do mundo, e mais ainda de suas ilhas, é que só parcialmente se deveu ao progresso agrícola, pelo

menos nas antigas áreas camponesas.

Alguns países mais desenvolvidos também se transformaram em grandes produtores

agrícolas e desta forma reduziram pouco a sua população rural, devido à grande necessidade de

produtividade de alimentos e com a aquisição de máquinas, necessitaram de operadores e 1 Alberto Ribeiro Boaventura, é filósofo diplomado pela Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Goiás.

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mudanças nos seus sistemas de produção, requalificando a sua mão de obra, mantendo desta

maneira o homem vinculado à terra.

Quando o campo se esvazia, as cidades se enchem. O mundo da segunda metade do

século XX se viu com problemas de urbanização como nunca ocorrera, necessitando de grandes

recursos dos municípios para a solução das necessidades básicas dos novos ocupantes, criando

sérios colapsos de saneamento básico, abastecimento, segurança saúde moradia e todo o tipo de

infra-estrutura.

De forma tão dramática quanto o declínio e queda do campesinato, e muito mais

universal, foi o crescimento de ocupações que exigiam educação secundária e superior. A educação

primária universal, isto é, a alfabetização básica, era na verdade a aspiração de todos os governos,

obrigando estes a grandes investimentos e mecanismos, problema que até hoje existe na maioria

dos países de todo o mundo.

A explosão de números de estudantes foi particularmente dramática na educação

universitária, até tão incomum que chagava a ser omitida em vários países, mas por volta de 1980,

representava apenas 1% do total da população, aumentando de forma assustadora em todo o

mundo, e com isto os problemas que este novo contingente causava.

Tudo isso era não apenas novo, mas bastante súbito. Somente na década de 1960 se

tornou inegável que os estudantes tinha se constituído, social e politicamente, uma força muito

mais importante do que jamais haviam sido, pois em 1968 as explosões de radicalismo estudantil

em todo o mundo falaram mais alto que as estatísticas, mas também se tornaram impossíveis de

ignorar.

Era óbvio que com esta explosão do número de estudantes, a moderna economia exigia

mais dos administradores, professores especialistas técnicos que no passado, que eles tinham de

ser formados em alguma parte e, as universidades ou instituições semelhantes de educação

superior vinham, por tradição, funcionando em grande parte como escolas de formação para o

serviço público e as profissões especializadas.

Essa imensa massa de jovens estudantes e seus professores concentrados nas cidades

universitárias, muitas vezes isoladas, constituía um novo fator na cultura e na política. Eram

transacionais, movimentando-se e comunicando idéias e experiências através de fronteiras com

facilidade e rapidez, e provavelmente estavam mais à vontade com a tecnologia das comunicações

que os governos, causando desta maneira certo desconforto para estes.

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Com o aumento da população estudantil aconteceu uma inevitável tensão entre essa

massa, em sua maioria de primeira geração, despejada nas universidades e instituições que não

estavam física, organizacional e intelectualmente preparadas para tal influxo. Além disso, à medida

que uma crescente proporção de população em idade escolar tinha de estudar, ir para a

universidade deixou de ser um privilégio especial que já constituía uma recompensa em si, e as

limitações que isso impunha a jovens adultos (geralmente sem dinheiro) deixavam-nos mais

ressentidos.

O ressentimento contra um tipo de autoridade, a universidade, ampliava-se facilmente

para o desafio contra qualquer autoridade e, portanto, inclinava os estudantes para a esquerda,

fazendo com que a década de 1960 tenha se tornado a década da agitação estudantil.

Mas, paradoxalmente, o fato de que o ímpeto para o novo radicalismo vinha de grupos

não afetados pela insatisfação econômica estimulou os grupos acostumados a mobilizar-se em base

econômica e a descobrir que, afinal, podiam pedir mais da nova sociedade do que tinham

imaginado. O efeito mais imediato da rebelião estudantil foi uma onda de greves operárias por

maiores salários e melhores condições de trabalho.

Ao contrário das populações do campo e universitárias, as classes operárias não sofreram

grandes mudanças em suas estruturas sociais até que em meados de 1980, começara a declinar de

forma assustadora. Isso é surpreendente devido às grandes transformações técnicas da produção,

afastando ou eliminando a mão-de-obra humana, dando uma idéia clara de que a velha classe

operária estava morrendo, tornando-se vítimas das novas tecnologias; sobretudo os homens e

mulheres não qualificados das linhas de produção em massa, que podiam ser mais facilmente

substituídos por maquinário automatizado, onde a prosperidade e a privatização destruíram o que

a pobreza e a coletividade na vida pública haviam construído.

Outra grande mudança que afetou a classe operária, e também a maioria de outros

setores das sociedades desenvolvidas foi o papel impressionante maior nela desempenhado pelas

mulheres casadas. Foi uma mudança em que estas entraram no mercado de trabalho onde

determinadas ocupações tornaram-se uma ampla maioria de mulheres no trabalho, em todos os

setores de atividade.

A entrada em multidão de mulheres casadas, ou seja, em grande parte mães no mercado

de trabalho e a sensacional expansão da educação superior formaram o pano de fundo, para o

surgimento dos movimentos feministas com a amplitude da nova consciência de, sobretudo na

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esquerda, onde o declínio da consciência operária privava os partidos de parte de seu antigo

eleitorado, voltando agora para as mulheres que adquiriram o direito ao voto.

De qualquer modo, o que mudou na revolução social não foi apenas a natureza das

atividades da mulher na sociedade, mas também os papéis desempenhados por elas ou as

expectativas convencionais do que devem ser esses papéis, e em particular as suposições sobre os

papéis e cargos públicos das mulheres, e sua proeminência pública.

Se havia um incentivo para as mulheres casadas saíssem de casa nesses círculos, era a

demanda de liberdade e autonomia; a mulher casada passou a ser uma pessoa por si, e não um

apêndice do marido e da casa, alguém visto de uma espécie (“apenas esposa e mãe”). A renda

entrava nisso não porque fosse necessária, mas porque era algo que a mulher podia gastar ou

poupar sem pedir primeiro para o marido. Na verdade, à medida que a educação superior para os

filhos da classe média se tornava universal, e os pais tinham de dar contribuições financeiras a seus

filhos houve a necessidade de equilibrar o orçamento, contando assim com o trabalho da mulher.

As mulheres foram cruciais nessa revolução cultural, que girou em torno das mudanças na

família tradicional e nas atividades domésticas e nelas encontram a expressão de que a

contribuição para tais mudanças tenha sido o elemento central.

Desta forma, o século XX foi marcado por grandes mudanças sociais, políticas e

econômicas notadamente no meio rural e nos grandes centros devido ao fato que o meio rural se

viu esvaziado por todos aqueles que formavam a grande população de trabalhadores rurais

aumentando o contingente de desempregados nos grandes centros, para onde foram empurrados,

em busca de novos recursos e melhorias de condição de vida.

Estas novas conquistas causaram um desequilíbrio social levando as populações a

conviverem com problemas até então nunca vivenciados tais como superpopulação das cidades,

desemprego, más condições de vida.

Par suprir parte das dificuldades, as mulheres se viram na necessidade de trabalhar e

conquistar um novo rumo em suas vidas, compartilhando de todos os problemas relativos ao

trabalho e mudando de forma radical o seu papel na sociedade.

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Texto 7 - O pensamento de Auguste Comte

Teorias

A filosofia positiva

A filosofia positiva de Comte nega que a explicação dos fenômenos naturais, assim como sociais, provenha de um só princípio. A visão positiva dos fatos abandona a consideração das causas dos fenômenos (Deus ou natureza) e pesquisa suas leis, vistas como relações abstratas e constantes entre fenômenos observáveis.

Adotando os critérios histórico e sistemático, outras ciências abstratas antes da Sociologia, segundo Comte, atingiram a positividade: a Matemática, a Astronomia, a Física, a Química e a Biologia. Assim como nessas ciências, em sua nova ciência inicialmente chamada de física social e posteriormente Sociologia, Comte usaria a observação, a experimentação, da comparação e a classificação como métodos - resumidas na filiação histórica - para a compreensão (isto é, para conhecimento) da realidade social. Comte afirmou que os fenômenos sociais podem e devem ser percebidos como os outros fenômenos da natureza, ou seja, como obedecendo a leis gerais; entretanto, sempre insistiu e argumentou que isso não equivale a reduzir os fenômenos sociais a outros fenômenos naturais (isso seria cometer o erro teórico e epistemológico do materialismo): a fundação da Sociologia implica que os fenômenos sociais são um tipo específico de realidade teórica e que devem ser explicados em termos sociais.

Em 1852 Comte instituiu uma sétima ciência, a Moral, cujo âmbito de pesquisa é a constituição psicológica do indivíduo e suas interações sociais.

Pode-se dizer que o conhecimento positivo busca "ver para prever, a fim de prover" - ou seja: conhecer a realidade para saber o que acontecerá a partir de nossas ações, para que o ser humano possa melhorar sua realidade. Dessa forma, a previsão científica caracteriza o pensamento positivo.

O espírito positivo, segundo Comte, tem a ciência como investigação do real. No social e no político, o espírito positivo passaria o poder espiritual para o controle dos "filósofos positivos", cujo poder é, nos termos comtianos, exclusivamente baseado nas opiniões e no aconselhamento, constituindo a sociedade civil e afastando-se a ação política prática desse poder espiritual - o que afasta o risco de tecnocracia (chamada, nos termos comtianos, de "pedantocracia").

O método positivo, em termos gerais, caracteriza-se pela observação. Entretanto, deve-se perceber que cada ciência, ou melhor, cada tipo de fenômeno tem suas particularidades, de modo que o método específico de observação para cada fenômeno será diferente. Além disso, a observação conjuga-se com a imaginação: ambas fazem parte da compreensão da realidade e são igualmente importantes, mas a relação entre ambas muda quando se passa da teologia para a positividade.

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Assim, para Comte, não é possível fazer ciência (ou arte, ou ações práticas, ou até mesmo amar!) sem a imaginação, isto é, sem uma ativa participação da subjetividade individual e por assim dizer coletiva: o importante é que essa subjetividade seja a todo instante confrontada com a realidade, isto é, com a objetividade.

Dessa forma, para Comte há um método geral para a ciência (observação subordinando a imaginação), mas não um método único para todas as ciências; além disso, a compreensão da realidade lida sempre com uma relação contínua entre o abstrato e o concreto, entre o objetivo e o subjetivo. As conclusões epistemológicas a que Comte chega, segundo ele, só são possíveis com o estudo da Humanidade como um todo, o que implica a fundação da Sociologia, que, para ele, é necessariamente histórica.

Além da realidade, outros princípios caracterizam o Positivismo: o relativismo, o espírito de conjunto (hoje em dia também chamado de "holismo") e a preocupação com o bem público (coletivo e individual). Na verdade, na obra "Apelo aos conservadores", Comte apresenta sete definições para o termo "positivo": real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático.

A lei dos três Estados

O alicerce fundamental da obra comtiana é, indiscutivelmente, a "Lei dos Três Estados", tendo como precursores nessa idéia seminal os pensadores Condorcet e, antes dele, Turgot.

Segundo o marquês de Condorcet, a humanidade avança de uma época bárbara e mística para outra civilizada e esclarecida, em melhoramentos contínuos e, em princípio, infindáveis - sendo essa marcha o que explicaria a marcha da história.

A partir da percepção do progresso humano, Comte formulou a Lei dos Três Estados. Observando a evolução das concepções intelectuais da humanidade, Comte percebeu que essa evolução passa por três estados teóricos diferentes: o estado 'teológico' ou 'fictício', o estado 'metafísico' ou 'abstrato' e o estado 'científico' ou 'positivo', em que:

No primeiro, os fatos observados são explicados pelo sobrenatural, por entidades cuja vontade arbitrária comanda a realidade. Assim, busca-se o absoluto e as causas primeiras e finais ("de onde vim? Para onde vou?"). A fase teológica tem várias subfases: o fetichismo, o politeísmo, o monoteísmo.

No segundo, já se passa a pesquisar diretamente a realidade, mas ainda há a presença do sobrenatural, de modo que a metafísica é uma transição entre a teologia e a positividade. O que a caracteriza são as abstrações personificadas, de caráter ainda absoluto: "a Natureza", "o éter", "o Povo", "o Capital".

No terceiro, ocorre o apogeu do que os dois anteriores prepararam progressivamente. Neste, os fatos são explicados segundo leis gerais abstratas, de ordem inteiramente positiva, em que se deixa de lado o absoluto (que é inacessível) e busca-se o relativo.

A par disso, atividade pacífica e industrial torna-se preponderante, com as diversas nações colaborando entre si.

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É importante notar que cada um desses estágios representa fases necessárias da evolução humana, em que a forma de compreender a realidade conjuga-se com a estrutura social de cada sociedade e contribuindo para o desenvolvimento do ser humano e de cada sociedade.

Dessa forma, cada uma dessas fases tem suas abstrações, suas observações e sua imaginação; o que muda é a forma como cada um desses elementos conjuga-se com os demais. Da mesma forma, como cada um dos estágios é uma forma totalizante de compreender o ser humano e a realidade, cada uma delas consiste em uma forma de filosofar, isto é, todas elas engendram filosofias.

Como é possível perceber, há uma profunda discussão ao mesmo tempo sociológica, filosófica e epistemológica subjacente à lei dos três estados - discussão que não é possível resumir no curto espaço deste artigo.

A Religião da Humanidade

Os anseios de reforma intelectual e social de Comte desenvolveram-se por meio de sua Religião da Humanidade. Para Comte, "religião" e "teologia" não são termos sinônimos: a religião refere-se ao estado de unidade humana (psicológica, espiritual e social), enquanto a teologia refere-se à crença em entidades sobrenaturais. Considerando o caráter histórico e a necessidade de unidade do ser humano, a Religião da Humanidade incorpora nela a teologia e a metafísica - respeitando, reconhecendo e celebrando o papel histórico desempenhado por esses estágios provisórios, absorvendo o que eles têm de positivo (isto é, de real e de útil).

A Religião da Humanidade encontrou em Pierre Laffitte seu principal dirigente na França após a morte de Comte, especialmente na III República francesa. No Brasil, o Positivismo religioso encontrou grande aceitação no século XIX; embora com menor intensidade no século XX, o Positivismo religioso brasileiro teve grande importância: por exemplo, durante a campanha "O petróleo é nosso!", cujo vice-Presidente era o positivista Alfredo de Moraes Filho, e durante o processo de impeachment do ex-Presidente Fernando Collor de Mello, em que o Centro Positivista do Paraná também solicitou, assim como a Ordem dos Advogados do Brasil e Associação Brasileira de Imprensa, o afastamento do Presidente da República.

A Igreja Positivista do Brasil, fundada por Miguel Lemos e Teixeira Mendes em 1881, em cujos quadros estiveram Benjamin Constant Botelho de Magalhães, o Marechal Rondon e o diplomata Paulo Carneiro, continua ativa no Rio de Janeiro.

Obras

Opúsculos de Filosofia Social (1816-1828) (republicados em conjunto, em 1854, como apêndice ao volume IV do Sistema de política positiva)

Curso de filosofia positiva, em 6 volumes (1830-1842) (em 1848 foi renomeado para Sistema de filosofia positiva)

Discurso sobre o espírito positivo (1848) Discurso sobre o conjunto do Positivismo (1851) (Introdução geral ao Sistema de política

positiva) Sistema de política positiva, em 4 volumes (1851-1854) Catecismo positivista (1852)

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Apelo aos conservadores (1855) Síntese subjetiva (1856) Correspondência, em 8 volumes (1816-1857

Texto 8 - O Pensamento de Max Weber

Maximillian Weber (Erfurt, 21 de Abril de 1864 — Munique, 14 de Junho de 1920) foi um intelectual alemão, jurista, economista e considerado um dos fundadores da Sociologia. Seu irmão foi o também famoso sociólogo e economista Alfred Weber. A esposa de Max Weber, Marianne Weber, era socióloga e historiadora do Direito.

É considerado um dos fundadores do estudo moderno da sociologia e administração pública. Começou sua carreira acadêmica na Universidade Humboldt, em Berlim e, posteriormente, trabalhou na Universidade Albert Ludwigs, de Freiburg, na Universidade de Heidelberg, na Universidade de Viena e na Universidade de Mônaco. Personagem influente na política alemã da época, foi consultor dos negociadores alemães no Tratado de Versalhes (1919) e da Comissão encarregada de redigir a Constituição de Weimar.

Grande parte de seu trabalho como pensador e estudioso foi reservado para a racionalização no âmbito da sociologia, da religião e da sociologia política. Mas seus estudos também deram contribuição importante para a economia. Sua obra mais famosa é o ensaio A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, com o qual começou suas reflexões sobre a sociologia da religião. Weber argumentou que a religião era uma das razões não-exclusivas do porque as culturas do Ocidente e do Oriente se desenvolveram de formas diversas, e salientou a importância de algumas características específicas do protestantismo ascético, que levou ao nascimento do capitalismo, a burocracia e do estado racional e legal nos países ocidentais. Em outro trabalho importante, Política como vocação, Weber definiu o Estado como "uma entidade que reivindica o monopólio do uso legítimo da força física", uma definição que se tornou central no estudo da moderna ciência política no Ocidente. Em suas contribuições mais conhecidas são muitas vezes referidas como a “Tese de Weber".

A ética protestante e o espírito do capitalismo, 1. ed., 1904

A obra de Weber, complexa e profunda, constitui um momento da compreensão dos fenômenos históricos e sociais e, ao mesmo tempo, da reflexão sobre o método das ciências histórico-sociais. Historiador, sociólogo, economista e político, Weber trata dos problemas metodológicos com a consciência das dificuldades que emergem do trabalho efetivo do historiador e do sociólogo, sobretudo com a competência do historiador, do sociólogo, e do economista. Crítico da "escola historicista" da economia (Roscher, Knies e Hildebrandt), Weber reivindica contra ela, a autonomia lógica e teórica da ciência, que não pode se submeter a entidades metafísicas como o "espírito do povo" que Savigny, nas pegadas de Hegel, concebia como criador do direito, dos sistemas econômicos, da linguagem e assim por diante. Para Weber, o "espírito do povo" é produto de inumeráveis variáveis culturais e não o fundamento real de todos os fenômenos culturais de um povo.

Em outra visão, o pensamento de Weber caracteriza-se pela crítica ao materialismo histórico, que dogmatiza e petrifica as relações entre as formas de produção e de trabalho (a chamada

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"estrutura") e as outras manifestações culturais da sociedade (a chamada "superestrutura"), quando na verdade se trata de uma relação que, a cada vez, deve ser esclarecida segundo a sua efetiva configuração. E, para Weber, isso significa que o cientista social deve estar pronto para o reconhecimento da influência que as formas culturais, como a religião, por exemplo, podem ter sobre a própria estrutura econômica.

Dentre as influências que sua obra manifesta, podemos enxergar também seu diálogo com filósofos como Immanuel Kant e Friedrich Nietzsche e com alguns dos principais sociólogos de seu tempo, como Ferdinand Tönnies, Georg Simmel e Werner Sombart, entre outros.

Os escritos de Weber foram organizados e publicados por Marianne Weber e foram organizados da seguinte forma:

Gesammelte Aufsätze zur Religionsoziologie (3 vols.) - Ensaios Reunidos de Sociologia da Religião, 1920-1921;

Gesammelte Politische Schriften, 1921 - Escritos Políticos; Wirtschaft und Gesellchaft, 1922 - Economia e Sociedade ; Gesammelte Aufsätze zur Wissenchaftleren, - 1922 - Ensaios Reunidos de Metodologia; Gesammelte Aufsätze zur Sozial und Wirtschaftgeschichte, 1924 - Ensaios Reunidos de

História Econômica ; Gesammelte Aufsätze zur Soziologie und Sozialpolitik, 1924 - Escritos de Sociologia e Política

Social; Jugendbriefe, 1936 - Cartas de juventude.

Dentre seus escritos mais conhecidos destacam-se "A ética protestante e o espírito do capitalismo" (1904), a obra póstuma "Economia e Sociedade" (1920), "A ciência como vocação" (1917) e "A política como vocação" (1919).

Sociologia

Os principais conceitos sociológicos de Weber foram desenvolvidos em um amplo escrito denominado Economia e Sociedade, cuja publicação póstuma coube a sua esposa, Marianne Weber, em 1920 (e em várias edições posteriores). Um dos conceitos-chaves da obra e da teoria sociológica de Weber é a ação. A ação é um comportamento humano no qual os indivíduos se relacionam de maneira subjetiva e a ação social, característica por ser uma ação que possui um sentido visado e é determinado pelo comportamento alheio. A análise da teoria weberiana como ciência tem como ponto de partida a distinção entre quatro tipos de ação (que são sociais):

A ação racional com relação a um objetivo é determinada por expectativas no comportamento tanto de objetos do mundo exterior como de outros homens e utiliza essas expectativas como condições ou meios para alcance de fins próprios racionalmente avaliados e perseguidos. É uma ação concreta que tem um fim especifico, por exemplo: o engenheiro que constrói uma ponte.

A ação racional com relação a um valor é aquela definida pela crença consciente no valor - interpretável como ético, estético, religioso ou qualquer outra forma - absoluto de uma determinada conduta. O ator age racionalmente aceitando todos os riscos, não para obter

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um resultado exterior, mas para permanecer fiel a sua honra, qual seja, à sua crença consciente no valor, por exemplo, um capitão que afunda com o seu navio.

A ação afetiva é aquela ditada pelo estado de consciência ou humor do sujeito, é definida por uma reação emocional do ator em determinadas circunstâncias e não em relação a um objetivo ou a um sistema de valor, por exemplo, a mãe quando bate em seu filho por se comportar mal.

A ação tradicional é aquela ditada pelos hábitos, costumes, crenças transformadas numa segunda natureza, para agir conforme a tradição o ator não precisa conceber um objeto, ou um valor nem ser impelido por uma emoção, obedece a reflexos adquiridos pela prática.

Tanto a ação afetiva quanto a tradicional produzem relação entre pessoas (relações pessoais), são coletivas, comunitárias, nos dão noção de comunhão e conceito de comunidade.

Observe-se que na concepção de Durkheim, a comunidade é anterior a sociedade, ou melhor, a comunidade se transforma em sociedade. Já para Weber comunidade e sociedade coexistem. A comunidade existe no interior da sociedade, como por exemplo, a família (comunidade) que existe dentro da sociedade.

Ação social é um comportamento humano, ou seja, uma atitude interior ou exterior voltada para ação ou abstenção. Esse comportamento só é ação social quando o ator atribui a sua conduta um significado ou sentido próprio, e esse sentido se relaciona com o comportamento de outras pessoas.

Para Weber a Sociologia é uma ciência que procura compreender a ação social. Por isso, considerava o indivíduo e suas ações como ponto chave da investigação evidenciando o que para ele era o ponto de partida para a Sociologia, a compreensão e a percepção do sentido que a pessoa atribui à sua conduta.

O principal objetivo de Weber é compreender o sentido que cada pessoa dá a sua conduta e perceber assim a sua estrutura inteligível e não a análise das instituições sociais como dizia Durkheim. Aquele propõe que se deve compreender, interpretar e explicar respectivamente, o significado, a organização e o sentido e evidenciar regularidade das condutas. Ou seja, cabe a sociologia entender como acontecem e se estabilizam as relações sociais, os grupos organizados e as estruturas coletivas da vida social.

Com este pensamento, não possuía a ideia de negar a existência ou a importância dos fenômenos sociais globais, dando importância à necessidade de entender as intenções e motivações dos indivíduos que vivenciam essas situações sociais. Ou seja, a sua ideia é que a sociedade como totalidade social é o resultado das formas de relação entre seus sujeitos constituintes. Tomando como ponto de partida da compreensão da vida social o papel do sujeito, a teoria de Max Weber é denominada de individualismo metodológico.

Sociologia da Religião

Religião também foi um tema que esteve presente nos trabalhos de Weber. "A ética protestante e o espírito do capitalismo" foi a sua grande obra sobre esse assunto. Nesse seu trabalho ele tinha a

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intenção de examinar as implicações das orientações religiosas na conduta econômica dos homens, procurando avaliar a contribuição da ética protestante, em especial o calvinismo, na promoção do moderno sistema econômico.

Weber concebia que, no desenvolvimento do capitalismo, dois fatores deveriam ser apreciados: a forma (em particular, a moderna organização racional do trabalho e da empresa) e o espírito do capitalismo (que ele exemplicou através do exemplo das máximas de }Benjamin Franklin, como "tempo é dinheiro", "crédito é dinheiro", "o dinheiro é prolífico por natureza", etc.) Era este segundo aspecto que sua obra procurava destacar. Os pioneiros do capitalismo pertenciam às seitas puritanas e em função disso levavam a vida pessoal e familiar com bastante rigidez. As convicções religiosas desses puritanos os levavam a crer que o êxito econômico era como uma bênção de Deus. Estas motivações religiosas são examinadas por Weber desde a concepção de vocação de Martinho Lutero, passando pelas análise dos grupos religiosos do puritanismo, como os calvninistas, pietistas e seitas anabatistas. É a partir do caráter racional conferido ao trabalho e a busca da riqueza a partir destas crenças que o modo de vida capitalista se propagou e generalizou. Segundo a expressão weberiana, haveria uma afinidade eletiva entre a ética protestante o espírito do capitalismo. Atualmente, a motivação religiosa da busca disciplinada da riqueza mediante o trabalho ordenado foi sendo substituída por motivações puramente mundanas - e pelas figuras racionais e seculares do empresário e do capitalista - lógica que Weber entendeu conduzirem o mundo moderno a uma "jaula de ferro". Esta visão crítica do capitalismo encorajou certos pensadores marxistas (como Georg Lukács,Karl Löwith,Michael Löwy a ressaltarem algumas afinidades do seu pensamento com a visão marxista, corrente que, sem menosprezar as sensíveis diferenças entre as duas formas de pensamento, foi sendo denominada de webero-marxismo.

Em período posterior, Max Weber ampliou seu estudo sobre as religiões e destacou a íntima relação entre as idéias religiosas e os interesses materiais dos grupos sociais. Além de visar entender porque as demais religiões inibiram o desenvolvimento do capitalismo em outras partes do mundo, ele mostrou como as diferentes visões religiosas implicavam em formas diferenciadas de racionalização da visão de mundo e da conduta. Mas, foi somente no Ocidente que se desenvolveu um amplo e completo processo de desencantamento do mundo que passa pelo judaísmo antigo e se consolida no protestantismo ascético.

Nos escritos dedicados a este tema, Weber descreve as seguintes religiões mundiais:

O Judaísmo Antigo As religiões da Ìndia: hinduísmo e budismo As religiões da China: confucionismo e taoísmo

Em toda sua obra, Weber faz ainda considerações sobre o cristianismo primitivo, o catolicismo medieval, o islamismo e outros tipos de religiões. Nesta direção, Weber (junto com Émile Durkheim) é um dos fundadores da sociologia da religião, área de estudos sociológicos que estuda o caráter social e cultural dos comportamentos religiosos. Do ponto de vista analítico também é famosa a distinção weberiana entre igreja e seita e outras noções teóricas, como ascetismo, misticismo, religião ou sua análise dos atores religiosos, como os mágicos, sacerdotes e profetas.

Sociologia Política

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Weber também é conhecido pelo seu estudo da burocratização da sociedade. No seu trabalho, Weber delineia a famosa descrição da burocratização como uma mudança da organização baseada em valores e acção (a chamada autoridade tradicional) para uma organização orientada para os objectivos e acção (chamada legal-racional). O resultado segundo Weber é uma "noite polar de frio glacial" na qual a crescente burocratização da vida humana a coloca numa gaiola de metal de regras e de controle racional. Seus estudos sobre a burocracia da sociedade tiveram grande importância no estudo da Teoria da Burocracia, dentro do campo de estudo da administração de empresas.

Dominação é a possibilidade de um determinado grupo se submeter a um determinado mandato. Isso pode acontecer por motivos diversos, como costumes e tradição. Weber define três tipos de dominação que podem ser consideradas legítimas. São elas: legal, tradicional e carismática.

DOMINAÇÃO LEGAL: É baseada principalmente na promulgação e é mais bem representada pela burocracia. A idéia principal da dominação legal é que deve existir um estatuto que pode ou criar ou modificar normas, desde que esse processo seja legal e de forma previamente estabelecido. Nessa forma de dominação, o dominado obedece à regra, e não à pessoa em si, independente do pessoal, ele obedece ao dominante que possui tal autoridade devido a uma regra que lhe deu legitimidade para ocupar este posto, ou seja, ele só pode exercer a dominação dentro dos limites pré-estabelecidos. Assim o poder é totalmente impessoal, onde se obedece à regra estatuída e não à administração pessoal, o administrador deve proceder de forma que seus motivos pessoais ou sentimentais não atrapalhem suas decisões, o que ainda é muito importante nos dias de hoje. Como exemplo do uso da dominação legal podemos citar o Estado Moderno, o município, uma empresa capitalista privada e qualquer outra união que haja uma hierarquia organizada e regulamentada. O ingresso de um funcionário em uma empresa é livre, e assim, a partir de seu ingresso, ele deve ser submetido às regras da empresa, ele terá sua submissão regulamentada em um contrato, mas sua renúncia é igualmente livre.A forma mais pura de dominação legal é a burocracia, mas nenhuma estrutura de autoridade é puramente burocrática, já que não tem como uma empresa ser constituída apenas de funcionários contratados, sempre tem de ter os dignitários, ou seja, aqueles que ocupam o cargo mais alto.

DOMINAÇÃO TRADICIONAL: Se dá pela crença na santidade de quem dá a ordem e de suas ordenações, sua ordem mais pura se dá pela autoridade patriarcal onde o senhor ordena e os súditos obedecem e na forma administrativa isso se dá pela forma dos servidores. O ordenamento é fixado pela tradição e sua violação seria um afronto á legitimidade da autoridade. Nos dias de hoje, pode-se observar a dominação tradicional quando, por exemplo, um pai emprega seu filho em uma empresa pelo simples fato de ser seu filho e não por suas qualificações profissionais. Os servidores são totalmente dependentes do senhor e ganham seus cargos seja por privilégios ou concessões feitas pelo senhor, não há um estatuto e o senhor pode agir com livre arbítrio.

DOMINAÇÃO CARISMÁTICA: caracteriza-se pela submissão a uma pessoa devido a seus elementos sobrenaturais. Geralmente detentor de grande poder intelectual, combinado com o dom da oratória temos uma autoridade carismática. A sociedade confia em alguém que é visto como um herói, demagogo ou profeta, onde o poder é pessoal, ou seja, obedece às regras da pessoa e a suas qualidades pessoais.Seu quadro administrativo é baseado na irracionalidade, não havendo portanto regras estatuídas ou tradicionais, como na dominação legal e tradicional. Como exemplo nos dias de hoje temos o Dalai Lama, que é encontrado por técnicas místicas e assim é indicado como líder.

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A dominação carismática é muito frágil e a devoção ao líder só é mantida enquanto o carisma subsistir.

Além de uma rigorosa e sistemática sociologia política - alicerçada em seus tipos de dominação - Max Weber foi um dos mais argutos analistas da política alemã, que analisou durante o Segundo Império Alemão e durante os anos iniciais da República de Weimar. Crítico da política de Bismarck, líder que, ao monopolizar o poder, deixou a nação sem qualquer nível de sofisticação política, Weber sempre apontou a necessidade de reconstrução da liderança política. No escrito "O Estado Nacional e a Política Econômica", de 1895, ele já mostrava como as diferentes classes sociais não se mostravam aptar a dirigir a nação, seja pela sua decadência social (caso dos Junkers), seja pela sua imaturidade política (caso da burguesia e do proletariado). No final de sua vida, Weber debateu com intensidade os problemas da vida política alemã e apoiou a democratização plena da Alemanha. Ele julgou que o parlamento (veja o escrito "Parlamento e Governo na Alemanha Reordenada", de 1917) poderia ser uma grande escola de líderes, desde que praticasse uma política positiva, com maior responsabilidade sobre o governo. Nos anos seguintes, ele apostou na meta de uma democracia plebiscitária, acreditando que um líder popular eleito diretamente pelo povo poderia encarnar a força necessária para vencer a dominação da burocracia na condução do Estado. Apesar do compromisso de Weber com a autonomia, a democracia e os princípios liberais, alguns analistas (como Jean Paul Mayer e Wolfgang Mommsen) criticaram sua visão, alegando que o liberalismo de Weber era limitado por preocupações nacionalistas. Outros intérpretes, contudo, concordam que Weber tinha uma preocupação muito aguda com os fenômenos da burocratização e que sua contribuição consistia em pensar quais os espaços possíveis de liberdade diante das transformações do capitalismo contemporâneo.

A visão que Weber tinha do papel do líder político na sociedade contemporânea pode ser apreciada em um de seus escritos mais famosos: Politik als Beruf (A política como vocação). Após relembrar seus conceitos centrais (política, poder, Estado e os tipos de dominação), Weber discorre sobre o processo de formação do Estado Moderno (resultado da monopolização dos meios de gestão da violência), destacando como ele foi acompanhado com o surgimento de uma figura muito peculiar no Ocidente: o político profissional. Segundo o autor, a vocação política exigia certas qualidades, entre as quais ele destacou a paixão por uma causa, o senso de proporção e a responsabilidade. Longe de mover-se apenas na esfera crua da luta do poder pelo poder (Realpolitik), ele achava que a classe política poderia seguir parâmetros éticos de dois tipos: a ética da convicção ou a ética da responsabilidade. Assim, longe de aderir a uma política sem ética (realpolitik), mas sem aderir a uma visão idealista da mesma (ética da convicção), a ética da responsabilidade que deveria orientar a ação política.

Dentre seus herdeiros diretos, podemos mencionar autores do campo jurídico e político, como Hans Kelsen e Carl Schmitt, que carregam muitas idéais da visão weberiana da democracia, do Estado e do Direito. A teoria democrática de Weber também foi desenvolvida por autores como Joseph Schumpeter e, mais tarde, encontra ecos em Robert Dahl: esta visão teórica da democracia passou a ser intitulada "elitismo democrático" ou, ainda, "pluralismo democrático". Dentre os estudiosos mais importantes da sociologia política weberiana destacam-se os nomes de Wolfgang Mommsen, Richard Bellamy, David Beetham e Anthony Giddens.

A ciência como vocação

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Além do papel da política, as análises de Weber também contemplam o papel do conhecimento científico no mundo moderno. Na famosa conferência "Wissenschaft als Beruf" (A ciência como vocação), o pensador entendeu que a ciência era um dos fatores fundamentais do processo de desencantamento do mundo. Através da visão científica, a realidade era expurgada de seus elementos mágicos e o sentido último da realidade é retirado do mundo, ficando a cargo das religiões ou da própria consciência do indivíduo. Muitos autores apontam neste escrito os ecos da tese da "morte de Deus", apresentada pelo filósofo Friedrich Nietzsche. Para Weber, a modernidade achava-se dilacerada por um conflito de valores - na linguagem de Weber, pela guerra dos deuses - e a escolha do sentido último da vida era uma responsabilidadae pessoal que não poderia ser credita à ciência. Ao saber científico cabe a explicação dos mecanismos de funcionamento do mundo, e não a determinação do ser verdadeiro, da verdadeira arte, da verdadeira natureza, do verdadeiro Deus ou mesmo da verdadeira felicidade. Na visão de Weber, cada indivíduo deve encontrar um sentido para sua existência e, neste caso, a própria vocação científica constituía um exemplo: dentre as qualidades de um cientista, ele destacou a necessidade de especialização, mas também de inspiração e, acima de tudo, paixão.

Influência Posterior

Max Weber é provavelmente o autor mais influente e conhecido no âmbito das ciências sociais. Não apenas a sociologia e a ciência política moderna o têm como autor central e referência constante, mas também o direito, a economia, a administração de empresas e até a filosofia mobilizam várias de suas interpretações e ideias.

Influenciado na mocidade pelo filósofo Wilhelm Dilthey, que foi um filósofo, psicólogo e pedagogo alemão. Mas foram Marx e Nietzsche, reconhecidos pelo próprio Weber como os pensadores decisivos de seu tempo, aqueles que segundo alguns biógrafos tiveram maior impacto sobre a obra do sociólogo alemão.

A influência de Marx evidencia-se no fato de ambos terem compartilhado o grande tema - o capitalismo ocidental – e dedicado a ele boa parte de suas energias intelectuais, estudando-o da perspectiva histórica, econômica, ideológica, e sociológica. Weber propôs-se a verificar a capacidade que teria o materialismo histórico de encontrar explicações adequadas à história social, especialmente sobre as relações entre a estrutura e a superestrutura. Em suma, procurou compreender como as ideias, quanto os fatores de ordem material, cobravam força na explicação sociológica sem deixar de criticar o monismo casual que caracteriza o materialismo marxista nas suas forças vulgares.

Weber também é herdeiro da percepção de Friedrich Nietzsche (1844/1900) segundo a qual a vontade de poder, expressa na luta entre valores antagônicos, é que torna a realidade social, política e econômica compreensível. Isso refletia preocupações correntes de historiadores, sociólogos e psicólogos alemães, interessados pelo caráter conflituoso implícito no pluralismo democrático.

Ele inspirou por ter captado a "ambiguidade construtiva" do racionalismo singular do Ocidente, os dois diagnósticos mais importantes para a auto-compreensão do ocidente até os dias de hoje: uma concepção liberal, afirmativa e triunfalista do racionalismo ocidental; e uma concepção crítica desse mesmo racionalismo, que procura mostrar sua uni dimensionalidade e superficialidade.

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Nos Estados Unidos, algumas obras de Weber foram traduzidas já na década de 30, pelo eminente sociólogo Talcott Parsons. Este pensador também incorporou algumas idéias weberianas em sua "teoria voluntarista da ação" (desenvolvida em 1937). Nas décadas posteriores, contudo, a leitura parsoniana de Weber foi sendo fortemente criticada, com destaque para a coletânea de textos existentes em From Max Weber (1946), organizada por Charles Wright Mills e Hans Gerth. Na França, o pensamento weberiano foi difundido por Raymond Aron e Julien Freund e, mais recentemente, uma estudiosa destacada é Catherine Colliot-Thélene.Na Alemanha, Jürgen Habermas concede a Weber um papel fundamental em sua "Teoria da ação comunicativa", descrevendo a sociologia weberiana da racionalização. Outro comentador especializado e com muitas obras dedicadas ao tema é Wolfgang Schluchter.

Referências

WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. São Paulo: Ed. Atlas, 1979. WEBER, Max. Metodologia das Ciências Sociais. São Paulo: Cortez e Editora UNICAMP,

1992. (2 volumes) WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução

de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa; revisão técnica de Gabriel Cohn, 3ª edição, Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília, 1994.

WEBER, Max. Ciência e Política : duas vocações. São Paulo: Ed.Cultrix, 2000. WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Martin Claret,

2003. WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Martin Claret, 2003. WEBER, Max. A ética protestante e o espírito capitalista. São Paulo: Companhia das Letras,

2004.

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Texto 9 - O Iluminismo

No século XVIII, uma nova corrente de pensamento começou a tomar conta da Europa defendendo novas formas de conceber o mundo, a sociedade e as instituições. O chamado movimento iluminista aparece nesse período como um desdobramento de concepções desenvolvidas desde o período renascentista, quando os princípios de individualidade e razão ganharam espaço nos séculos iniciais da Idade Moderna.

No século XVII o francês René Descartes concebeu um modelo de verdade incontestável. Segundo este autor, a verdade poderia ser alcançada através de duas habilidades inerentes ao homem: duvidar e refletir. Nesse mesmo período surgiram proeminentes estudos no campo das ciências da natureza que também irão influenciar profundamente o pensamento iluminista.

Entre outros estudos destacamos a obra do inglês Isaac Newton. Por meio de seus experimentos e observações, Newton conseguiu elaborar uma série de leis naturais que regiam o mundo material. Tais descobertas acabaram colocando à mostra um tipo de explicação aos fenômenos naturais independente das concepções de fundo religioso. Dessa maneira, a dúvida, o experimento e a observação seriam instrumentos do intelecto capazes de decifrar as “normas” que organizam o mundo.

Tal maneira de relacionar-se com o mundo, não só contribuiu para o desenvolvimento dos saberes no campo da Física, da Matemática, da Biologia e da Química. O método utilizado inicialmente por Newton acabou influenciando outros pensadores que também acreditavam que, por meio da razão, poderiam estabelecer as leis que naturalmente regiam as relações sociais, a História, a Política e a Economia.

Um dos primeiros pensadores influenciados por esse conjunto de idéias foi o britânico John Locke. Segundo a sua obra Segundo Tratado sobre o Governo Civil, o homem teria alguns direitos naturais como a vida, a liberdade e a propriedade. No entanto, os interesses de um indivíduo perante o seu próximo poderiam acabar ameaçando a garantia de tais direitos. Foi a partir de então que o Estado surgiria como uma instituição social coletivamente aceita na garantia de tais direitos.

Essa concepção lançada por Locke incitou uma dura crítica aos governos de sua época, pautados pelos chamados princípios absolutistas. No absolutismo a autoridade máxima do rei contava com poderes ilimitados para conduzir os destinos de uma determinada nação. O poder político concentrado nas mãos da autoridade real seria legitimado por uma justificativa religiosa onde o monarca seria visto como um representante divino. Entretanto, para os iluministas a fé não poderia interferir ou legitimar os governos.

No ano de 1748, a obra “Do espírito das leis”, o filósofo Montesquieu defende um governo onde os poderes fossem divididos. O equilíbrio entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário poderia conceber um Estado onde as leis não seriam desrespeitadas em favor de um único grupo. A independência desses poderes era contrária a do governo absolutista, onde o rei tinha completa liberdade de interferir, criar e descumprir as leis.

Essa supremacia do poder real foi fortemente atacada pelo francês Voltaire (1694 – 1778). Segundo

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esse pensador, a interferência religiosa nos assuntos políticos estabelecia a criação de governos injustos e legitimadores do interesse de uma parcela restrita da sociedade. Sem defender o radical fim das monarquias de sua época, acreditava que os governos deveriam se inspirar pela razão tomando um tom mais racional e progressista.

Um outro importante pensador do movimento iluminista foi Jean-Jaques Rousseau, que criticava a civilização ao apontar que ela expropria a bondade inerente ao homem. Para ele, a simplicidade e a comunhão entre os homens deveriam ser valorizadas como itens essenciais na construção de uma sociedade mais justa. Entretanto, esse modelo de vida ideal só poderia ser alcançado quando a propriedade privada fosse sistematicamente combatida.

Esses primeiros pensadores causaram grande impacto na Europa de seu tempo. No entanto, é de suma importância destacar como a ação difusora dos filósofos Diderot e D’Alembert foi fundamental para que os valores iluministas ganhassem tamanha popularidade. Em esforço conjunto, e contando com a participação de outros iluministas, esse dois pensadores criaram uma extensa compilação de textos da época reunidos na obra “Enciclopédia”.

A difusão do iluminismo acabou abrindo portas para novas interpretações da economia e do governo. A fisiocracia defendia que as produções das riquezas dependiam fundamentalmente da terra. As demais atividades econômicas era apenas um simples desdobramento da riqueza produzida em terra. Além disso, a economia não poderia sofrer a intervenção do Estado, pois teria formas naturais de se organizar e equilibrar.

Ao mesmo tempo, o iluminismo influenciou as monarquias nacionais que viam com bons olhos os princípios racionalistas defendidos pelo iluminismo. Essa adoção dos princípios iluministas por parte das monarquias empreendeu uma modernização do aparelho administrativo com o objetivo de atender os interesses dos nobres e da burguesia nacional.

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Texto 10 - Rousseau

Trechos e frases de suas obras "O homem nasce livre, e em toda parte é posto a ferros . Quem se julga o senhor dos outros não deixa de ser tão escravo quanto eles."

"A maioria de nossos males é obra nossa e os evitaríamos, quase todos, conservando uma forma de viver simples, uniforme e solitária que nos era prescrita pela natureza"

"O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer 'isto é meu' e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: 'Defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém'"

"E quais poderiam ser as correntes da dependência entre homens que nada possuem? Se me expulsam de uma árvore, sou livre para ir a uma outra"

"A meditação em locais retirados, o estudo da natureza e a contemplação do universo forçam um solitário a procurar a finalidade de tudo o que vê e a causa de tudo o que sente"

"A única instituição que ainda se constitui natural é a Família " "O escravo não é propriedade do outro, mas não deixa de ser homem ". "O homem é bom por natureza. É a sociedade que o corrompe." "Mesmo quando cada um de nós pudesse alienar-se não poderia alienar a seus filhos: eles

nascem homens e livres, sua liberdade lhes pertence e ninguém, senão eles, pode dispor dela. Antes de chegar à idade da razão, o pai pode, em seu nome, estipular as condições de sua conservação, do seu bem-estar, porém, não dá-los irrevogável e incondicionalmente porque um dom semelhante contraria os fins da natureza e sobrepuja os limites da finalidade paternal. Seria, pois, preciso para que um governo arbitrário fosse legítimo, que, em cada geração o povo fosse dono de aceitá-lo ou de rejeitá-lo; porém, então o governo não seria arbitrário."

Sobre o governo, que para Rousseau é "Um corpo intermediário entre os súditos e o soberano, para sua mútua correspondência, encarregado da execução das leis e da conservação da liberdade, tanto civil como política.", e a submissão do povo aos chefes [governantes] diz: "É somente um incumbência, um cargo, pelo nome o poder de que os faz depositários, e que ele pode limitar, modificar e reivindicar quando lhe aprouver."

"Se houvesse um povo de deuses, ele seria governado democraticamente. Um governo tão perfeito não convém aos homens.

Os grandes princípios da filosofia rousseauniana

O estado de natureza humano

O estado de natureza, tal como concebido por Rousseau, está descrito principalmente em seu livro Discurso sobre a Origem e Fundamentos da Desigualdade Entre Homens.

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A definição da natureza humana é um equilíbrio perfeito entre o que se quer e o que se tem. O homem natural é um ser de sensações, somente. O homem no estado de natureza deseja somente aquilo que o rodeia, porque ele não pensa e, portanto, é desprovido da imaginação necessária para desenvolver um desejo que ele não percebe. Estas são as únicas coisas que ele poderia "representar". Então, os desejos do homem no estado de natureza são os desejos de seu corpo. "Seus desejos não passam de suas necessidades físicas, os únicos bens que ele conhece no universo são a alimentação, uma fêmea e o repouso".

Além disso, o homem natural não pode prever o futuro ou imaginar coisas além do presente. Em outras palavras, a natureza de si corresponde perfeitamente ao exterior. No Ensaio, Rousseau sugere que o homem natural não é sequer capaz de se distinguir de outro ser humano. Essa distinção requer a habilidade de abstração que lhe falta. O homem natural também ignora o que é comum entre ele e um outro ser humano. Para o homem natural, a humanidade para no pequeno círculo de pessoas com quem ele está no momento. "Eles tiveram a ideia de um pai, filho, irmão, e não de um homem. A cabine continha todos os seus companheiros … Fora eles e suas famílias, não havia mais nada no universo. " (Ensaio, IX) A compaixão não poderia ser relevante fora do pequeno círculo, mas também essa ignorância não permitia a guerra, como os homens não se encontravam com praticamente ninguém. Homens, se quisessem, atacavam em seus encontros, mas estes raramente aconteciam.

Até então, Rousseau toma posição contra a teoria do estado de natureza hobbesiano. O homem natural de Rousseau não é um "lobo" para seus companheiros. Mas ele não está inclinado a se juntar a eles em uma relação duradoura e a formar uma sociedade com eles. Ele não sente o desejo. Seus desejos são satisfeitos pela natureza, e a sua inteligência, reduzida apenas às sensações, não pode sequer ter uma ideia do que seria tal associação. O homem tem o instinto natural, e seu instinto é suficiente. Esse instinto é individualista, ele não induz a qualquer vida social. Para viver em sociedade, é preciso a razão ao homem natural. A razão, para Rousseau, é o instrumento que enquadra o homem, nu, ao ambiente social, vestido. Assim como o instinto é o instrumento de adaptação humana à natureza, a razão é o instrumento de adaptação humana a um meio social e jurídico.

É justamente a falta de razão que possibilita o homem a viver naturalmente: a razão, ou a imaginação que o permite considerar outro homem como seu alter-ego (ou seja, como um ser humano também), a linguagem e a sociedade, tudo isso constitui a cultura, e não são faculdades do estado de natureza. Mesmo assim, o homem natural já possui todas essas características; ele é anti-social, mas é associável: "não é hostil à sociedade, mas não é inclinável a ela. Foram os germes que se desenvolveram, e podem se tornar as virtudes sociais, tendências sociais, mas eles são apenas potenciais."(Segundo Discurso, Parte I). O homem é sociável, antes mesmo de socializar. Possui um potencial de sociabilidade que somente o contato com algumas forças hostis podem expor.

Amor e ódio

Não há dúvida de que Rousseau fez soprar um vento revolucionário sobre as ideias de amor e ódio: ele debate a sexualidade como uma experiência fundamental na vida do ser humano, a tomada de consciência da importância dos sentimentos de amor e ódio na construção da sociedade humana e no seu desenvolvimento pessoal, e enfim, essa abertura para o debate moderno sobre a divisão do amor entre amor conjugal e amor passional. Pode-se atribuir a Rousseau a tentativa de estabelecer,

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na sociedade do século XVIII, uma nova noção: a de que a personalidade do indivíduo, que concerne o tratamento que ele dá aos outros e a sua própria sexualidade, é formada na infância.

O Contrato Social

A obra Do Contrato Social, publicada em 1762, propõe que todos os homens façam um novo contrato social onde se defenda a liberdade do homem baseado na experiência política das antigas civilizações onde predomina o consenso e dessa forma se garantam os direitos de todos os cidadãos, e se desdobra em quatro livros.

No primeiro livro “Onde se indaga como passa o homem do estado natural ao civil e quais são as condições essenciais desse pacto”, composto de nove capítulos, mostra como acontece a passagem do homem natural ao civil e coloca os principais pontos essenciais para que exista esse contrato. Primeiramente se aborda a liberdade natural, nata, do ser humano, como ele a havia perdido, e como ele haveria de a recuperar. Dessa forma, já no quarto capítulo, Rousseau condena a escravidão, como algo paradoxal ao direito. A conclusão é que, se recuperando a liberdade, o povo é quem escolhe seus representantes e a melhor forma de governo se faz por meio de uma convenção. Essa convenção é formada pelos homens como uma forma de defesa contra aqueles que fazem o mau. É a ocorrência do pacto social. Feito o pacto, pode-se discutir o papel do “soberano”, e como este deveria agir para que a soberania verdadeira, que pertence ao povo, não seja prejudicada. Além de uma forma de defesa, na verdade o principal motivo que leva à passagem do estado natural para o civil é a necessidade de uma liberdade moral, que garante o sentimento de autonomia do homem.

No segundo livro “Onde se trata da legislação”, o autor aborda os aspectos jurídicos do Estado Civil, em doze capítulos. As principais ideias são desenvolvidas a partir de um princípio central, a soberania do povo, que é indivisível. O povo, então, tem interesses, que são nomeados como “vontade geral”, que é o que mais beneficia a sociedade. Evidentemente, o “soberano” tem que agir de acordo com essa vontade, o que representa o limite do poder de tal governante: ele não pode ultrapassar a soberania do povo ou a vontade geral. Mais a frente no livro, a corrupção dos governantes quanto à vontade geral é criticada, garantindo-se o direito de tirar do poder tal governante corrupto. Assim, se esse é o limite, o povo é submisso à lei, porque em última análise, foi ele quem a criou; sendo a lei a condição essencial para a associação civil.

A terceira análise rousseauniana, corresponde ao livro terceiro, se refere às possíveis formas de governo, que são a democracia, a aristocracia e a monarquia, e suas características e princípios. A principal conclusão desse livro é a partir do oitavo capítulo, em que tipo de Estado, que forma de governo funciona melhor – para Rousseau, a democracia é boa em cidades pequenas, a aristocracia em Estados médios e a monarquia em Estados grandes. Em contrapartida a essas adequações, no capítulo décimo, o autor mostra como o abuso dos governos pode degenerar o Estado. Ainda, é destacado no capítulo nono que o principal objetivo de uma sociedade política é a conservação da propriedade de seus membros.

Observando as ideias contidas no livro O Contrato Social, não é difícil entender porque certas pessoas chamam a obra de “a Bíblia da Revolução Francesa”. Foi grande a influência política de suas ideias na França. A inspiração causadora das revoluções se baseiam principalmente no

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conceito da soberania do povo, mudando o direito da vontade singular do príncipe para a vontade geral do povo.

Liberdade natural

Para Rousseau, a liberdade natural caracteriza-se por ações tomadas pelo indivíduo com o objetivo de satisfazer seus instintos, isto é, com o objetivo de satisfazer suas necessidades. O homem neste estado de natureza desconsidera as consequências de suas ações para com os demais, ou seja, não tem a vontade e nem a obrigação de manter o vínculo das relações sociais. Outra característica é a sua total liberdade, desde que tenha forças para colocá-la em prática, obtendo as satisfações de suas necessidades, moldando a natureza. “O homem realmente livre faz tudo que lhe agrada e convém, basta apenas deter os meios e adquirir força suficiente para realizar os seus desejos.”(SAHD,2005, p. 101)

Ao perder uma disputa com outros indivíduos o sujeito não consegue exercer a sua liberdade, uma vez que a liberdade nesse estágio se estabelece a partir da correlação de forças entre os indivíduos. Não há regras, instituições ou costumes que se sobrepõem às vontades individuais para a manutenção do “bem coletivo”. Contudo, na concepção de Rousseau, o homem selvagem viveria isolado e por isso, não faz sentido pensar em um bem coletivo. Também não haveria tendência ao conflito entre os indivíduos isolados quando se encontrassem, pois seus simples desejos (necessidades) seriam satisfeitas com pouco esforço, devido à relação de comunhão com a natureza. O isolamento entre os indivíduos só era quebrado para fins de reprodução, pois sendo auto-suficientes não tinham outra necessidade para viverem em agrupamentos humanos. Foi a partir do isolamento que o homem adquiriu qualidades como amor de si mesmo e a piedade.

Vale ressaltar que, para Rousseau, o homem se completa com a natureza , portanto não é um estado a ser superado, como Locke e Hobbes acreditavam. Rousseau em o Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens, afirma que “a maioria de nossos males é obra nossa e (…) os teríamos evitado quase todos conservando a maneira de viver simples, uniforme e solitária que nos era prescrita pela natureza” (ROUSSEAU apud LEOPOLDI , 2002, p. 160 )

A consciência no estado selvagem não estabelece distinção entre bem ou mal, uma vez que tal distinção é característica do indivíduo da sociedade civil. Para Rousseau, o que faz o indivíduo em estado de natureza parecer bom é, justamente, o fato de conseguir satisfazer suas necessidades sem estabelecer conflitos com outros indivíduos, sem escravizar e não sentindo vontade de impor a sua força a outros para sobreviver e ser feliz.

Transição do estado natureza para o estado civil

A transição do estado de natureza para a ordem civil transforma a liberdade do sujeito, ocorrendo durante um período de “guerra de todos contra todos” que se iniciou com o estabelecimento da propriedade privada e da ausência de instituições políticas e de regras que impedissem a exploração entre as pessoas. Não havia cidadania neste período pré-social (esse período, existente antes do contrato social, se caracterizava por uma vida comum de disputas pela propriedade e pela riqueza). Para evitar as desigualdades, advindas da propriedade privada e do poder que devido a

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ela as pessoas (ricos proprietários) passam a exercer sobre outras pessoas (pequenos proprietários e despossuídos), é firmado o contrato social.

Na transição para a vida em sociedade Rousseau é claro em escrever que: “O que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto aventura e pode alcançar. O que com ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui.” (ROUSSEAU, 1978, p. 36)

Esta perda representa não apenas o desenvolvimento de faculdades racionais e emocionais do indivíduo como também abre os precedentes para toda a violação da liberdade, da segurança e da igualdade entre os sujeitos em coletividade.

As principais decorrências do estabelecimento da vida comunitária, segundo Rousseau, se dão tanto no desenvolvimento (da consciência, da afetividade e dos desejos) de cada indivíduo quanto nas novas organizações e ações que se impõem aos sujeitos com advento da vida em sociedade. No que tange ao indivíduo a sua forma de viver é alterada quando a vida coletiva potencializa as suas capacidades intelectuais. Para Rousseau, isso ocorre tanto como causa quanto como efeito do contrato social; os indivíduos têm de ter uma consciência e um amor não apenas de si, como outrora, como também devem pensar nas consequências de seus atos em relação a outros indivíduos e reconhecer a necessidade da convivência com estes outros indivíduos. Em suma o que aparece no Contrato Social como pensamento racional-moral diz respeito às capacidades de compreensão (sensorial e lógica), de formulação racional, de ação (individual e coletiva) e de comunicação dos sujeitos que exercem tais faculdades nas suas relações dentro da ordem civil. A própria ordem civil seria inviável se os sujeitos não possuíssem tais capacidades cognitivas e afetivas e, assim não haveria como estabelecer o contrato social se os indivíduos permanecessem apenas centrados no amor próprio e agindo de forma irrestrita na satisfação de suas necessidades . Se bem que neste ponto o argumento rousseauniano não é totalmente claro quanto às causas e aos efeitos, pois ao mesmo tempo em que é preciso que o homem abandone alguns de seus instintos naturais e aprenda a limitar a sua liberdade em função da sua necessidade do outro, somente a vida em sociedade permite o desenvolvimento de tais capacidades.

Liberdade civil

Na resolução do estágio de conflito generalizado é estabelecido o contrato social. Tal contrato é para Rousseau o que forma um povo enquanto tal, sendo precedente a formação do Estado e do governo. Esses são decorrentes da organização e do acordo vigentes na constituição do povo. Aqui Rousseau estabelece um princípio de organização das instituições políticas, no qual a organização de um povo em relação à propriedade, aos direitos e aos deveres de cada indivíduo são estipulados na lei, a partir do contrato social que orienta a constituição do Estado e da legislação. Um dos aspectos normativos do projeto rousseauniano é o de querer demonstrar a lógica dos princípios políticos do Estado e, simultaneamente, medidas utilitárias para a ação política dos indivíduos e do Estado, por exemplo, estipular que a igualdade se dê juridicamente mesmo reconhecendo que o princípio da desigualdade decorrente da propriedade privada ainda se mantém na ordem civil. Assim estipula uma reformulação nas instituições políticas que não dá conta do problema econômico-político, delineado pelo próprio Rousseau, da desigualdade de recursos e de propriedades.

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Referindo-se a lei, Rousseau não considera as leis vigentes satisfatórias (leis instituídas na monarquia, na aristocracia). Sua intenção é estabelecer um padrão das leis (que seria uma forma de superar as oposições entre indivíduo e Estado), baseado na igualdade, sendo esse critério indispensável para o contrato social. Portanto, a justiça estabelecida na lei deve ter reciprocidade entre os indivíduos, cada um tendo seus direitos e deveres, tanto o soberano quanto os súditos. Por isso, as leis devem representar toda a sociedade, sendo consideradas como vontade geral (não no sentido de uma união das vontades individuais e sim da vontade do corpo político ). Porém, Rousseau não descarta a possibilidade de “guias” para a tomada de decisões, isto é, um Legislador que possua uma “inteligência superior ”. Tal legislador teria uma das tarefas mais exigentes na sociedade: estipular regras e normas que limitam a liberdade de cada indivíduo em nome do bem desses. Para tanto deve ser capaz de exercer tal poder sem beneficiar-se, o legislador não deve tornar-se um governante autoritário afastado do corpo político. “The laws, it seems, have to be made, as well as be executed, by representatives.”(HARRISON, 1995, p. 61).

Portanto, as leis estabelecidas no contrato social asseguram a liberdade civil através dos direitos e deveres de cada cidadão no corpo político da sociedade. Mas para isso, cada cidadão deve “doar-se” completamente, submetendo-se ao padrão coletivo.

Vale ressaltar que o fator limitante da liberdade civil é a vontade geral, uma vez que ela visa à igualdade (o que torna os indivíduos realmente livres), pois a liberdade no estado civil não se dá apenas pelos interesses particulares, mas também pelos interesses do corpo político. Assim, o contrato social não apenas iguala todos os cidadãos, como também fortalece a liberdade de cada indivíduo, a partir de seus interesses particulares. Uma vez que um dos principais objetivos do contrato social é garantir a segurança e a liberdade de cada indivíduo, ainda que a última seja limitada por normas.

“Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes. Esse, o problema fundamental cuja solução o contrato social oferece”. (ROUSSEAU, 1978, p. 32)

Contudo o contrato de Rousseau oferece outra solução: a separação nominal jurídica do público e do privado . Tal separação é o que garante a igualdade política a cada pessoa que passa a ser um cidadão de direitos e deveres na esfera pública e com liberdade comercial e livre expressão de ideias, uma vez que é um indivíduo único. Tal princípio de separação, além de ser uma tentativa lógica de equacionar o problema – liberdade e igualdade – é um pesado ataque a ordem política feudal, na qual os laços de sangue e de parentesco determinavam o tratamento político diferenciado e limitavam a participação política de cada cidadão.

O Estado, tal como é proposto por Rousseau no Contrato Social, assegura a liberdade de cada cidadão através da independência individual privada e da livre participação política. Sendo que para Robert Nisbet: “Esta predominância do Estado na vida do indivíduo não constitui, entretanto, despotismo; constitui a base necessária da verdadeira liberdade individual.” (NISBET, 1982, p. 158).

Bibliografia

45

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Texto 11 - ARISTÓTELES: A CIDADE E A POLÍTICA

Alberto Ribeiro Boaventura (*)

Está claro que existe uma ciência à qual cabe indagar qual deve ser a melhor constituição: qual a

mais apta a satisfazer nossos ideais sempre que não haja impedimentos externos; e qual a que se

adapta às diversas condições em que possa ser posta em prática”.1

Quando Aristóteles nos diz que o homem é um “animal político”, a definição deve ser

interpretada em dois sentidos. De acordo com o primeiro, o homem é político, ou social, por ser o

animal dotado de logos, isto é, da razão e da palavra. Palavra que implica o outro, o interlocutor, sem

o qual não teria sentido. Conforme o segundo significado, o homem é político porque só se pode

realizar plenamente na cidade, entendida não apenas como realidade ética2 e política, mas também

como realidade física, material, construção humana que pode e deve ser , em tese, obra de arte.

Preocupado não só com os aspectos éticos e políticos da cidade, mas também com seu

aspecto demográfico e material. Aristóteles observa, por exemplo, que, sendo a lei certa ordem e “a

boa legislação necessariamente uma boa ordem”, uma população que “atinge uma cifra por demais

elevada não se pode prestar a uma ordem”.

A cidade principal cuja população não deve crescer indefinidamente, sob pena de tornar-se

ingovernável, deve ser localizada em “situação favorável, quer em relação ao mar, quer em relação à

terra”.

Assim, Aristóteles propõe, por assim dizer, um plano geral da cidade, que deve estar em

comunicação, “com o interior das terras, com o mar e com a totalidade do seu território, na medida

do possível”, tendo em vista a saúde dos habitantes, a atividade política e os trabalhos destes”. Deve

esta cidade, dotada de uma praça que deverá ser excluído todo tráfico, ou comércio, também se

poderiam instalar os “ginásios dos cidadãos adultos”, pois é bom que os adultos fiquem junto dos

1 ABBAGNANO, Nicola, Política de Aristóteles

2 (Ética a Nic.,I,7) Aristóteles determina o propósito da conduta humana(a felicidade), a partir da natureza do homem.

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magistrados, sendo esta aproximação a melhor maneira de inspirar a modéstia e a reverência aos

deuses, conveniente aos homens livres”.

O essencial, porém, é salientar que a estrutura da cidade, a sua causa formal, em linguagem

aristotélica, está em função de sua razão de ser, de sua causa final. O telos da cidade, ou a

comunidade política, é a felicidade humana, a eudaimonia, que se alcança pelo exercício da virtude.

A cidade existe, consequentemente, para tornar possível o exercício da virtude e a

realização da felicidade. E por isso, porque existe para permitir a realização desse fim, não pode ter

qualquer forma, ou qualquer estrutura, mas a forma, ou estrutura que, determinada pelo próprio

fim, torne possível a sua realização.

Com efeito, escreve Aristóteles, a cidade (pólis) é uma espécie de comunidade (koinomia)

feita com uma finalidade precisa: permitir a vida boa, justa e feliz, que só é possível para os que são

livres ou independentes. Ora, por natureza, os homens são seres livres e destinados à vida política

“porque somente ele(s) tem o dom da palavra”, o logos, que lhes permite distinguir entre o bem e

mal, o justo e o injusto e todos os valores.

A cidade é um todo e, logicamente, o todo é anterior às partes, sendo por isso anterior aos

indivíduos e às instituições como a família. A anterioridade lógica da política em face da família faz

com que esta dependa daquela, não podendo, portanto, ditar-lhe normas, regras leis3, mas, ao

contrário, dela recebendo os valores.

Nessa perspectiva, o déspota é rigorosamente um usurpador, uma vez que deseja fazer valer

mais a parte do que o todo, donde a arbitrariedade que necessariamente caracteriza seu governo. Em

outras palavras, o que é legítimo no espaço privado — a autoridade despótica — torna-se ilegítimo

para o espaço público — a autoridade das leis livremente constituídas pelos cidadãos, a partir de sua

natureza enquanto “animais políticos”.

Antes de Aristóteles, Platão, ao imaginar a sua República ideal, cuja razão de ser era permitir

a realização da virtude, ou da justiça, também se preocupou com os aspectos materiais da polis,

traduzindo, aliás, a preocupação para os quais a cidade, longe de ser apenas o mercado, a praça o

comércio, era principalmente, o templo e a ágora, a Praça da Liberdade, suprema instância cultural,

pedagógica e política. Porque educar-se, adquirir as virtudes, tanto teoréticas quanto práticas, não é

apenas conviver com a família e freqüentar o ginásio, a Academia ou o Liceu, mas viver na cidade.

3 JAEGER, Paidéia, I, cap.6; pp.212)A noção de lei como razão, surgiu com Anaximandro, com a transposição para o mundo natural do conceito de justiça ou de ordem que havia sido elaborado para o mundo humano.

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Para Aristóteles, a educação, é um processo que coincide com a própria vida humana na

cidade. E, se educar-se é humanizar-se, segue-se que o ser humano só poderá educar-se ou realizar

plenamente sua humanidade na pólis. Desta forma, não é possível, pois, separar o problema político

do problema é ético e o ético do pedagógico. E, como o ser humano vive na cidade, entendida

também como realidade física ou material, não é possível separar o problema político do problema da

cidade.

Verifica-se, assim, que há uma correspondência, entre a estrutura econômica, social e

política da cidade e sua estrutura física, urbanística e arquitetônica. Os fins, cuja consecução a cidade

deve propiciar, estão implícitos nessa estrutura material, na forma física da cidade, que é esta e não

outra, porque aqueles que a construíram pretendiam, por meio da cidade, tornar possível, ao ser

humano, alcançar determinados fins e não outros.

Desse modo, o objetivo de todos os cidadãos, não importa o quanto dessemelhantes possam

ser, é a segurança e bem estar da comunidade, isto é, a constituição da qual são cidadãos. Uma cidade

compõe-se de partes diferentes. Assim como a criatura animada consiste de corpo e mente, e a mente

consiste de raciocínio e desejo, então uma cidade constitui de todas essas coisas e muitas outras

diferentes. As virtudes de todos os cidadãos não podem, portanto, ser uma, não mais que, as virtudes

do líder e dos que estão a seu lado são uma.

Para que haja uma boa convivência é bom aprender a obedecer, tanto quanto comandar,

pois, a virtude do cidadão é esta: saber bem como governar e como ser governado. Se, então,

dissermos que a virtude do governante é ser bom em governar, e que a virtude do cidadão é ser bom

tanto em governar como em obedecer, as duas virtudes não podem ser do mesmo nível.

Está claro que uma cidade não pode ser definida simplesmente como uma comunidade que

vive num mesmo lugar e protege seus membros dos invasores e malfeitores e promove a troca de

bens e serviços. Tudo isso deve estar presente numa cidade, mas ela de fato, existe para capacitar

todos, famílias associações, irmandades, a viver bem, ou seja, a ter uma vida plena e satisfatória.

Todas essas atividades são expressões de afeto, pois é nosso amor pelos demais que nos leva

a preferir uma vida em sociedade; e todas elas contribuem para a vida digna, que é o propósito da

cidade.( Pode-se construir a pólis a partir de uma associação de clãs e aldeias, desde que o objetivo

seja uma vida plena e satisfatória). E isso, sustentamos, significa viver com alegria e dignidade.

Assim, podemos estabelecer que a associação política que chamamos cidade existe não

simplesmente com o objetivo da vida em comum, mas por causa de atos nobres. Os que são capazes

de praticá-los, portanto, contribuem para a qualidade da associação política, e os quais mais

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contribuem têm direito a uma participação, em relação àqueles que, embora sejam superiores no

berço livre e na família, são inferiores em ações nobres e, assim, na virtude essencial da polis.

De maneira igual, têm os capazes de atos nobres direito a participar mais do que os que

aqueles que são superiores em riqueza, mas inferiores em virtudes. Tudo isso torna ainda mais claro

que os que falam em justiça, relacionando-se às várias espécies de constituição, usam o termo num

sentido limitado e relativo.

Para Aristóteles, com efeito, a ciência ou a filosofia natural é estritamente especulativa

(teorética), ela se limita a conhecer o seu objeto, sem preocupação de utilidade ou de proveito para as

artes as técnicas, como a medicina, por exemplo. Em compensação, as reflexões de filósofo sobre as

questões humanas estão atentas para ajuda que podem oferecer.

Embora estejam igualmente num nível de generalidade especulativa, essas reflexões

filosóficas visam, exatamente nesse sentido, iluminar os responsáveis pelas questões humanas em sua

ação e, especialmente, o legislador que, para Aristóteles, encarna, em seu grau mais soberano, a

ciência executiva (“prática”), ditando as regras do bem. Dessa forma, as questões morais das quais

trata o filósofo, bem como as questões constitucionais, estão principalmente dirigidas aos políticos,

encarregadas de regular a vida das cidades.

Ele expõe as condições prévias e o sistema educativo para um regime perfeito que o

legislador, nessas condições, poderia instituir. Essa exposição parece, em primeiro lugar, ter

acompanhado uma série de reflexões sobre o cidadão, a classificação sobre os diversos tipos de

regimes constitucionais e os méritos relativos às diferentes formas de realeza.

São principalmente dedicados às outras formas de regimes políticos, oligárquicos ou

democráticos que a História, segundo Aristóteles, tornou inevitáveis e entre quais se devem

considerar a melhor possível. É nesse ponto que o realismo aristotélico afirma-se mais claramente. Ele

se inclina a favor da classe “média”, cujo poder, quando existe, protege dos excessos perigosos.

É igualmente nesse ponto que se pode medir melhor a inspiração empírica do filósofo,

especialmente no longo estudo que dedica às causas de revoluções, para indicar o meio de evitá-las

em todos os regimes, inclusive na tirania! Logo, as palavras que Aristóteles endereça aos legisladores

são, por fim, essencialmente críticas, de natureza a favorecer seu julgamento e preveni-los acima de

tudo contra as seduções de um bem aparente.

É instrutivo, nesse sentido, o livro II, totalmente voltado para a crítica das constituições de

maior reputação, como as de Esparta ou de Cartago. E dos projetos utópicos de teóricos, como os de

Platão.

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Dois gêneros de estudos acompanham essas palavras. Um deles é relativo às bases

econômicas da Cidade, fornecidas pelas células familiares das quais é oriunda. Para Aristóteles,

inspirado na analogia com o mundo vivo, as famílias participam na Cidade como as partes num sistema

orgânico. Cada uma delas permite que o sistema viva e reúna tipicamente, sob a autoridade do dono

da casa, uma domesticidade de escravos, segundo os laços que a filósofo considera naturais no início.

Esse estudo corresponde a Política I.

O outro gênero de estudos concerne ao fim último da Cidade, que não é nada mais, para o

filósofo, do que a felicidade daqueles que a compõem. Ela reúne todas as questões ditas “morais”

que os legisladores se colocam. A série dessas questões está conservada, em outros livros (A ética a

Nicômaco e a Eudemo), que tratam mais ou menos dos mesmos assuntos, numa ordem semelhante, a

começar da natureza da felicidade identificada ao bem supremo.

Aristóteles recusa, nesse ponto, a existência e a utilidade de uma idéia transcendente do

bem, cujo conhecimento era atribuído ao verdadeiro político pelos platônicos. Aos políticos,

Aristóteles propõe o reconhecimento de um bem humano, ao alcance de todos, na forma de uma

atividade da alma, regulada a partir da excelência (virtude). Essa idéia leva o filósofo a explicitarem

que consiste, em geral, a excelência que a ação humana confere à alma: um estado habitual,

relacionado com a decisão e que ocupa um ponto central entre o excesso e a falta.

Cada elemento dessa definição acarreta, por sua vez, precisões sobre a escolha voluntária,

em particular, e sobre o que é matéria de excesso ou de falta (as paixões). Isto nos vale uma longa

análise das diferentes “virtudes morais” reconhecidas pela sociedade, como outros tantos pontos de

equilíbrio.

Essa análise, que se chamou de “fenomenológica” por antecipação, está no centro das Éticas. Ela

traduz um realismo propriamente aristotélico, muito diferente, do rigorismo dos estóicos, que

advogam a erradicação das paixões. A esse núcleo duro encontra-se ligada, de forma um pouco

artificial, uma análise ainda mais demorada das diferentes formas de amizade e dos laços que unem

os homens entre si, desta vez sem referência à idéia de um ponto de equilíbrio.

BILBILOGRAFIA

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REALE, Giovanni,(1990), História da filosofia. vol. II, 2ed. São Paulo: Paulus.SENNET, Richard, (1988), O declínio do homem público. Trad. Lígia Araújo Watanabe, São

Paulo: Companhia das letras.VAZ, Henrique C. de Lima.(1988). Escritos de Filosofia II São Paulo: Edições Loyola.

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Texto 12- ASPECTOS SUBJETIVOS DA ÉTICA

Alberto Ribeiro Boaventura

De acordo com o tema que me foi sugerido, deverei estudar a Ética enquanto atividade do sujeito. Limitar-me-ei, pois, a esse ângulo, por sinal, de importância fundamental. Quem diz Ética, faz referência a um determinado tipo de ação humana. O atuar dos animais irracionais não possui essa conotação. Em assinalando a característica da eticidade logo se verá ser ela algo especificamente humano.

Vem dos gregos o destaque lhe foi dado no conjunto agir, assim como muitas aquisições de nossa cultura racional deles nos provêm. Werner Jaeger pergunta: “Como houvera sido possível a aspiração do indivíduo ao mais alto valor e seu reconhecimento pelos tempos modernos sem o sentimento grego da dignidade humana? Todo povo produziu o seu código legal. Os gregos, porém, buscaram a lei que atua nas próprias coisas e trataram de reger por ela a vida e a atividade do homem” 4

Eles utilizavam duas palavras parcialmente homógrafas, diferenciadas pela inicial, para designá-la. Havia o termo ethos, com eta e com inicial epsilon. No primeiro caso, designava a morada do homem, um lugar natural, adaptado pelo indivíduo para circunscrevê-lo e estabilizá-lo. No segundo, a inclinação natural e voltada à deliberação para construir um envoltório específico, um lugar para o homem. O latim empregou uma só palavra, mos, de onde deriva a nossa expressão moral, abrangente dos dois significados distintos, mas conexos. 5

Como se pode depreender, ethos oferece um aspecto predominantemente objetivo, aquilo que é construído como os dados oferecidos ao agente, e outro predominantemente subjetivo, aquilo que é realizado pelo agir, em decorrência de certa disposição do agente.

Para este último sentido, volta-se o presente estudo, consciente, porém, de que não poderá entender a ação do agente, sem situá-la no mundo em que ele está necessariamente posto.

Todos os seres enquanto existem estão em ato. Mas de diferentes maneiras. Estas abrangem tanto o ato puro, como o ato mesclado de potência, isto é, o incompleto, deficiente, aberto a ser outro e inclusive em deslocamento, passando a ser outro aquilo que se designa propriamente como ação. Esta que perpassa em todos os seres deficientes, inclusos neste mundo, admite diferentes graduações e tipos. O que, porém, interessa aqui é o agir humano.

Pode-se examiná-lo em sua forma e em sua natureza. Quanto à primeira, a ação pode ser transitiva ou imanente, ou seja, aquela que passa a um sujeito ativo e aquela que se completa no próprio sujeito ativo, simultaneamente agente e paciente, em verdade paciente enquanto agente. No primeiro caso, encontram-se todas as ações que compõem a teia do universo dos corpos. No segundo, as ações não materiais do pensar e do querer6.

Pela ação transitiva, os seres comunicam-se; restabelecem parcialmente a exigência de unidade que está inserida pelo dinamismo do ato de ser, dirigido á plenitude. A ação do agente completa-se no paciente. Ambos encontram nela um momento de mais perfeição, embora, em alguns casos pela transformação do outro ente. Isso não impede que entre os dois seres, haja ações mútuas, sob aspectos diferentes, em que se troquem as posições de agente e paciente. A 4 JAEGER, Werner, Paidéia, V.I. Fundo de Cultura Econômica, México, 2ª ed., pgs. 7,8.5 LIMA VAZ, Henrique Cláudio, Escritos de Filosofia II, Eds. Loyola, Belo Horizonte, 1993, pgs 12-14; Santo Tomaz de Aquino, Suma Teológica. 1-2, q.58, a,1, Biblioteca de Autores Cristiano, Madrid, t. V. pg.2336 MARITAIN, Jacques, Action et Contemplation, in Questions de Conscience, 2 ª ed., Declée de Brower, Paris, 1938, pgs 96-98

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comunicação humana é feita dessa mutabilidade de posições enriquecedora e criativa, assento do mundo da cultura.

Já a ação imanente subjaz ao dito processo e manifesta-se por meio dele. Não se pensa sem palavras, embora estas não sejam o pensamento, tão somente os seus sinais. Em si, os atos do pensamento são interiores uns aos outros e considerados externamente podem parecer um só ato.

Por isso, na operação humana os dois tipos de atividade não se separam; embora distintos, interpenetram-se em cada momento.

Pelo visto, a ação moral, que mobiliza a pessoa em sua totalidade, situa-se principalmente no plano da imanência, se bem que necessariamente infundindo-se no plano da transitividade, pois, ao contrário não se inscreveria na exterioridade do relacionamento, na presença mútua dos homens entre si.

“Todo agente age para um fim”, diz o adágio.A ação moral, como qualquer outra ação, visa a determinado fim. Se assim não fora, a

ação não teria sentido. Não decolaria de seu ponto inicial. Toda ação de algo é passagem da potência para o ato. Toda potência, isto é, toda capacidade de ser é capacidade de ser algo. A ação do agente é precisamente a passagem a este algo, que constitui seu fim7. Por isso, é preciso supor, no agente, uma tendência, uma intentio, para o fim que lhe corresponde. Não é uma qualidade misteriosa. As composições de suas partes e as dinâmicas inerentes ao conjunto estão assinaladas por esta tendência, que resulta da natureza do agente, em deslocamento para sua realização existencial.

Com muito maior razão, pode-se dizer do agente humano, que conhece a direção de sua tendência e dispõe de suas ações, racionalmente deliberadas, para alcançar o fim.

Não é esse algo simplesmente separado e distante do sujeito, mas se insere no âmago do agente, como intentio, permitindo-lhe participar do fim, quer potencialmente, quer atualmente, à medida que o realiza.

Esse papel do fim tem sido reconhecido pelas ciências da cultura e da conduta como forma de compreensão das ações humanas. Deve-se grande parte, à contribuição de homens com Dilthey e Max Weber, no campo da Sociologia, e Spranger, no campo da Psicologia. Fazem exceção aqueles modelos científicos elaborados pelas correntes positivistas e reflexologista e consequentemente pelas demais delas provenientes ou com elas conexas.

Em se considerando a finalidade genérica do agir humano e, portanto, sua natureza específica, pode-se distinguir três tipos, já assinalados por Aristóteles.

1º - O homem fabrica as coisas. Defrontado pelos materiais da natureza, em sua mente e imaginação, ele descobre novas utilidades a obter deles, recompõe objetos, imita outros, inventa coisas novas e chega a fazê-las possuidora de dons de encanto e de beleza. Pela razão e a imaginação criadora, espiritualiza a natureza e a integra na natureza humana. É o homo faber. Respeitando as leis próprias da natureza das coisas, pelo esforço e pelos recursos da razão e da sensibilidade depurada, outras coisas surgem como correlatas à vida especificamente humana.

2º - O homem age no sentido de que modifica sua conduta e seus sentimentos, submetendo-os às regras da razão e, sobre sua natural animalidade e também por meio dela, cria um novo homem, realizador de valores transcendentes. É o agir moral. Este tem duas faces: uma íntima e fundamental, é a do agir imanente, em que o próprio sujeito mora se transforma a si mesmo, adquire qualidades novas. A outra é externa, por meio de ações transitavas o sujeito agente atua sobre relações sociais e culturais, para tentar imprimir-lhes as qualidades constituídas

7 Sto Tomaz de Aquino, ob.cit.,1-2, q.1, a. 3; Garrigou Lagrange O.P, El Realismo del Princípio de Finalidad, Ed. Desclée de Brouwer,Buenos Aires, 1947, págs. 88-95

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por seu agir moral. Essa ganha assim aspecto e significado coletivos. Está claro não descrevo aqui o agir como algo concluso, mas em estado de tensão e de realização.

3º - Finalmente o agente abre-se à visão luminosa e clarificadora dos valores e de sua raiz ontológica, à contemplação. Esta não é passividade e inércia, embora o pareça, porque todas as forças do espírito fazem figura de aquietar-se numa atitude de radical imanência. Somente se reconhece a plenitude desse gesto, quando se percebe a lucidez que resulta dele para a vida moral, para as atividades intelectuais, e a disposição de realizar no plano da cultura e das relações humanas os valores éticos8.

Esses três níveis de ação estão intimamente conectados. Não deve ser confundido com estados de vida, alguém poderá viver como artista, político ou apóstolo, ou ainda como contemplativo. alguém poderá viver como artista, político ou apóstolo, ou ainda como contemplativo. Entretanto, cada um terá praticado atos relacionados aos três níveis, que juntos constituem a trama da vida propriamente humana, dos actus humani, distintos dos actus humanis, isto é, dos atos especificamente humanos, diferentes dos atos de homem, comum aos outros animais, que todos somos compelidos a praticar9.

Como se viu até aqui, todo humano é definido pelo seu fim que lhe é inerente como ato. Na linguagem dos homens, o que é apetecido como necessidade de natureza ou como desejo da vontade, leva o nome de bem.

Qual será o bem correlativo ao agir moral? Este se caracteriza por mobilizar o homem na totalidade de seu ser, em relação a si mesmo, em relação aos outros e em relação a sim mesmo. Somente assim será verdadeiramente costume, ethos, elaboração de um contexto de vida. Realizará o homem em todas as suas possíveis perspectivas. Tal desideratum é por ele buscado sobretudo no plano da inteligência racional, pelas quais o que lhe falta e se esforça por alcançá-lo. Isso importa em atingir a perfeição do agir, meta infinita, nunca alcançada, porém sempre desejada. Nas atividades do viver temporal o homem não encontra a perfeição em si, mas pode encontrar momento de perfeição relativa, de plenitude circunscrita a situações singulares. Atraída radicalmente pela perfeição em si, pelo bem em si, a vontade amorosa somente se depara com bens portadores de valores, ma que não são o Valor em si. Porém, possuem valores e a estes viver é começar a percorrer a estrada do Valor e da Perfeição. Esta nunca é adequadamente apreendida e compreendida e realizada. Seu absolutismo, sua infinitude fazem dela algo indeterminado e inapreensível em si para a precária experiência humana. Por isso, René Lê Senne prefere usar o termo de desígnio ao de finalidade10, termo carregado fortemente da subjetiva expectativa da volente. Mas passo a passo, é apreendida e saboreada nos bens particulares contidos nos atos, que se constituem, de um lado, em fins secundários, e de outro nos atos valiosos, que se constituem, de um lado, em fins secundários, e de outro, em meios a nos aproximarem do supremo11.

É justamente nessa aporia prática entre bens dotados potencialmente de plenitude, que por isso, atraem, e em ato despojados dela como todo, mas postulando dialeticamente sua indispensável presença, que se joga o destino moral do homem e que tem lugar a drama da liberdade.

O que é liberdade? É o homem livre?Sem liberdade, não se pode falar em eticidade no sentido de costumes praticados

deliberadamente e conscientemente como refém dos atos humanos. Ela se reduziria a um conjunto de práticas tomadas fenomenicamente e relativas à convivência das pessoas e das instituições. Em 8 BLONDEL, Maurice, L’Action, V.I. Lib. Felix Alcan, Paris, 1936, pgs. 79-93; Aristóteles, Ética a Nicômacos, 2ª ed., Edunb, Brasília, 1993, VI, 4-7, 1110ª-1141a.9 MARITAIN, Jacques, Sto. Agostinho, La Ciudad de Dios, V. II, Ed. A. Poblet, Buenos Ayres, 1945. pgs. 483-48410 LE SENNE, René, Traité de Morale Génerérale, 3ª ed. Presses Universitaires de France, Paris, 1949, pgs. 630-632.11 HILDEBRAND, Dietrich Von, Ética, Encuentro Ediciones, Madrid, 1983, os. 277

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rigor, todos os conceitos que são empregados para qualificar essa forma de relacionamento humano seriam falsos e vazios de sentido, como por exemplo, responsabilidade, culpa, mérito, virtude, vício, etc. o vício, verbia gratia, seria uma modalidade de doença, mal da conduta, distinto do mal corporal, porém possivelmente relacionado com ele. Nada mais. Os valores morais resultariam de disposições psico-orgânicas projetadas ideativamente e as ações que os formulariam e tenderiam a sua realização, assim como a censura e a repressão, não passariam de instrumentos de pressão para conformar os indivíduos aos padrões sociais. Dessa maneira, por um reducionismo injustificado, erguido à base do preconceito, todo esse amplo setor da experiência humana, e seu mais nobre setor, seria despejado da consideração cientifica e filosófica, restando apenas como capítulo das ciências positivas do homem12. Na opção ética, poder-se-ia pensar que ela se faz como uma justificação racional das tendências afetivas e instintivas. E isso ocorre frequentemente. Mas também pode resultar do influxo da inteligência racional que é também uma componente da alma. Ora a vontade inteligente opera segundo a lei da finalidade e não da causalidade eficiente.

A liberdade do agir depende da liberdade do querer. Entende-se por querer a faculdade de praticar um ato ou outro ou ainda a de efetuar algum determinado ato ou de não fazê-lo

Num primeiro momento, para que a decisão seja livre, faz-se mister que ela tenha por princípio, por ponto de partida, o próprio sujeito querente. Isso, porém, não é suficiente. Esse princípio, embora sob forma de impulso, afeto ou paixão está em muitas espécies de animais e também concorre no homem. Igualmente é preciso que o querente conheça o objeto de sua decisão e se sinta atraído por ele, o que também acontece às espécies animais e, de certo modo, às espécies vegetais. Para querer moralmente e com domínio pleno de seus atos, é requerido que se saiba porque age e para que age. Daí a feliz consideração de Santo Anselmo: “Toda vontade que quer alguma coisa é também por causa de alguma coisa. É preciso considerar o que é querido e também porque o quer... Eis a razão porque toda vontade tem não somente um objeto, mas também uma razão” 13.

Ora, a inteligência racional tem o poder de conhecer explicativamente os objetos do ponto de vista dos universais. Ela está capacitada a apreender o fundamento necessário dos seres, a sua verdade. Assim também destes enquanto bens, referindo-os ao desejo. Do mesmo modo, a vontade esclarecida pela razão. Ela necessariamente quer o bem ou a perfeição indefectível das ações. Porém diante dos bens particulares e deficientes, ela pode, ou não, ser atraída, a depender do juízo da razão, que igualmente, nesse caso, não é infalível. Ambas, razão e vontade estão convocadas a decidir sem imperativo necessário. Estão sujeitas a fatores condicionantes externos e internos. Por isso, pode o ato não ser livre. Aí está a educação, os preconceitos, a cultura do ambiente social, as paixões, as pressões do inconsciente, a lucidez da inteligência, como resultado dos hábitos intelectuais do agente, multidão de fatores que periclitante o exercício da liberdade.

Afastados esses obstáculos, o ato será livre. Em o sendo estará em jogo a responsabilidade do agente. Aqui nos deparamos com o mistério da opção pelo bem ou pelo mal. Esse difícil e trágico ou glorioso momento está na essência da preferência moral. Nisso se distingue o simples ato voluntário do ato moral. A escolha é feita entre um bem, carregado de valor positivo ou negativo e outro contrário, ou seja, um bem que seja meio para a perfeição diz respeito ao agir humano, que é agir imanente e não transigente, isto é, o seu alvo deverá estar precontido em potência no passo inicial, a qualidade do ato está a depender precipuamente da intenção do agente: se ela é reta, isto é, se está dirigida ao fim próprio do querer racional, embora obstacularizado pela ignorância ou pelo erro, e por fatores outros adversários de sua correção, e se 12 HÖSLEI, Vittorio, Sobre a impossibilidade de uma Fundamentação Naturalista da Ética, in dialética e Liberdade, Editora da Universidade, Porto Alegre, 1993, pgs.602-606, Durkhein Émile, Sociologia, Pragmatismo e Filosofia, Res-Ed.,Porto ;s/d.pgs.214-235.13 Santo Anselme, de Veritate, Ouevres Philosophiques de Saint Anselme, Aubier, Paris, 1947, pg.251

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comandada por uma autêntica vontade do fim inerente ao agir, é parcialmente livre e adequada à base do bem.

Aqui cabe perguntar qual o papel efetivo que desempenham a razão e a vontade do ato livre? Essa tem por função mover a inteligência racional na busca do bem e aquela identificarem qual o bem adequado aqui e agora ao progresso da vida moral. Tarefas difíceis. De um lado, a tensão permanente da vontade para não se deixar embevecer pelos prazeres veementes e ruidosos, ou pelo atrativo insidioso da auto-estima, que desviam a pessoa de sua autêntica perfeição e felicidade. De outro, o rigor do intelecto, sua advertência e flexibilidade, para descobrir nos bens particulares aqueles que afastam ou que aproximam o ente da desejada plenitude14.

Esse modo de expor corre o risco de sugerir serem duas forças paralelas e interrelacionadas a completarem-se. Nada disso. A vontade não é mais que o apetite intelectual. Compenetrada de racionalidade e ao mesmo tempo é o poder ativo e operante do intelecto. São faculdades da mesma inteléquia. Na decisão moral, a vontade é a causa eficiente e o intelecto, a causa formal, ou seja, a vontade é quem produz a decisão, porém não há decisão possível, nem movimento da vontade, sem a luz da racionalidade, se o objeto não está construído no interior do espírito. Não há transição ente dois pólos separados, pois ambos são dois aspectos da mesma atividade imanente.

O que acontecerá se a vontade vier a comprazer-se num bem particular enquanto tal, recusando-se a seguir seu indicativo de universalidade no bem, tomando-o como auto-valioso? O homem fica amarrado ao que não lhe pode realizar a tendência profunda de sua natureza, prisioneiro de seu próprio ato de liberdade. Mais livre será quanto mais realizar em sua vida, pela própria opção, os valores mais altos, que estão como poder ser, vinculados a sua própria natureza, embora abertos ao enriquecimento de sua existência como homem. O significado da liberdade de opção está em permitir a liberdade de autonomia. Sem ela, não há autonomia moral. Sem esta, há apenas uma liberdade frustrada e capenga.

Como o bem é a perspectiva do ser visto como desejável e necessário, somente a participação crescente no ser pela ação, como integrante desta, cumpre os votos de perfectibilidade do apetite moral.

Aqui surge uma dificuldade.Poderá o agir atingir a plenitude do bem, que é a sua própria plenitude, pois se trata do

autor de um agente finito? Está claro que não. Eis aí um beco sem saída, um anteparo intransponível a dar tom de tragédia a todas as nobres aspirações humanas. O exame racional das responsabilidades de eficácia do agir humano não dá qualquer resposta e abre caminho para o desespero. Viver racionalmente estaria embebido de inutilidade e de loucura. Para evitar esta conclusão, é necessário admitir que a caminhada ética do homem até seu cume somente lhe será permitida pela participação no ser pleno, no ato Puro, que poderá constituí-la acima de si mesma, à super-humanidade, alvo de sua aspiração mais recôndita.

O ser supremo não o deve aos homens, pois se dotados de certa natureza, somente lhes resta desenvolver suas possibilidades. Mas, donde lhes vem essa insatisfação? Essa pretensão de infinitude? Estará o existir entitativo deles, como espírito, de tal modo assemelhado ao divino que forceje por rebentar as grades de sua própria natureza? Porém, não cabe ao filósofo desvendar os segredos divinos. Somente poderá consegui-lo, se o Ele o quiser, pela oração e pela revelação. Se abandonar sua pele de filósofo, para, num ato de religião, abrir-se a Deus.

Ainda assim, várias outras questões ficariam sem resposta. Como pensar essa participação? Que seria feito da natureza humana tal como a conhecemos hoje? Por que não age

14 ARISTÓTELES, Ética, Edunb, 1992, VI, 1139ª e b, pgs. 114-115; St. Tomaz, ob. Cit., 1-2, q. 6,a. 1,6,7,8,a 1, 3,;q.13 a 1,2,3; q.13 a 13 a 1,3,6,q.19 a 1.

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sempre racionalmente no que se refere a sua vida moral? Por que os tumultos da vida interior, as paixões exacerbadas, a força prevalente dos instintos, a violência irracional, o apetite desmedido de mando e de independência em relação à ordem moral? A observação, a experiência e reflexão averiguam esses fatos, porém não os explicam. Por isso, a ciência moral deixa sem respostas as interrogações mais angustiosas e dramáticas relativas à vida moral.

Há muito tempo, esse problema das relações entre fé e razão a fé vem preocupando os pensadores cristãos. Para todos os problemas filosóficos fundamentais, santo Agostinho admitia a contemplação dinâmica de ambas quando dizia: “embora ninguém possa crer em Deus, se antes não entende algo, contudo, essa mesma fé cura o homem para que entenda coisas maiores. Uma coisa não pode crer sem entendê-las e outras podemos entender sem crê-las... Nosso entendimento vai adiante para entender o que há crer e a fé se adianta para crer que o entendimento há de entender15”.assim a filosofia sozinha seria útil para afirmar os prolegômenos da fé , porém não se projetaria como verdadeira sabedoria sem os dados da fé. Não se cuidava de distinguir e classificar ciências, mas de delinear as etapas de um caminho para a verdade plena. Sem a fé, a filosofia como todo apenas balbuciaria.

Já o tomismo vê a filosofia como ciência autônoma e relativamente a seu objeto próprio como suficientemente dotada dos meios para explicá-lo. Entretanto, Jaques Maritain faz exceção no que tange à filosofia moral, argüindo precisamente a impotência da razão e da experiência pra descrever o fim supremo do agir e as condições para dele usufruir. A filosofia moral, pois, para cumprir satisfatoriamente seu status scientiae, precisa das luzes e dos auxílios da teologia e, por conseguinte, da fé. É o que ele chama de “fhilosofhie morale adéquatement prise”. É bem filosofia porque seu objeto é algo por essencial natural, o agir humano, porém como lhe está exigido pelas condições de seu estado existencial algo que vai além da natureza, uma referência efetiva do Ato Puro, derivada deste, fora das potencialidades da natureza específica, a matéria desses agir sobe-elevado escapa à filosofia e se inclui no campo da teologia e da revelação16.

Pelo exposto, vê-se que a razão filosófica se encontra num impasse. Sozinha não está apta a aprender o conteúdo essência de seu objeto em sua integridade, a realização do fim último e suficiente do agir. Maritain nos propõe completá-la com a fé revelada. Para o cristão, não consideradas as exigências próprias do saber científico, mas a exigência pessoal de luzes que clareiam em todo trajeto, - muito bem. Mas, a solução válida para os cristãos, não o é para os adeptos de outras religiões, os livres pensadores e os ateus, porque o fundamento subjetivo da filosofia moral adequadamente considerada não apenas a razão instrumenta universalmente válido para o conhecimento humano, mas também a fé, compatível com a razão, porém não exigida apodicamente pela mesma.

É preciso, pois, concluir que a Ética como ciência tão somente prepara o discernimento quanto aos requisitos do agir, mas desemboca num apelo ao discernimento prudente, à intuição e ao sagrado núcleo do sujeito optante, embora historicamente condicionado.

Devido à dificuldade da ética do bem no fundamentar incondicionalmente a obrigação moral apenas na natureza do agir humano, em si mesmo considerado, Kant, além disso, prevenido, por sua teoria do conhecimento, contra aceitar a objetividade do real em si, salvo como construção das formas a priori do entendimento e, por causa disso mesmo, considerando que a ética do bem implica numa moral heterônoma, derivada do objeto e não do sujeito, com ofensa à liberdade do eu pensante, ou seja, a sua autonomia, ele recusava tal ética e pretendia refaze-la à base das exigências inerentes a razão pura enquanto fundamenta as diretrizes da aça do sujeito. Ademais

15 Sto. Agostinho, In Psalmos, 118, s.18,3 Przywara S. J. Erich, San Agustín, Revista de Occidente Argentina, Buenos Ayres 1949,pgs 142-143.16 MARITAIN, Jacques, De la Philosphie Chrétienne. Atlântica Ed. Rio de Janeiro, 1945, pgs. 82-129

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entendia que fundamentar a ética na posse do bem importava precipuamente em valorizar o eu empírico, numa forma de egoísmo, num querer o bem párea si, num retorno do bem do objeto fenomênico ao bem do sujeito empírico. Segundo sua concepção, isso importaria em esvaziar conduta de toda forma universal, enfim de toda eticidade. Substituía assim a relação sujeito-objeto da ética tradicional pela pura interioridade do sujeito transcendental, isto é, do sujeito-razão em si, como atividade estruturadora do universo moral. Não que Kant negasse o papel dos conceitos de bem e mal na conduta ética, mas que fossem a causa de sua eticidade, pois a determinação dessas resulta do preceito formalmente racional, necessariamente dotado, ou não de universalidade17.

Como resultado, não é o valor que fundamenta a lei, o dever, mas estes que determinam o valor. Por sua vez, não é o dever que subordina a vontade, mas é esta que prescreve o dever. Claro que não se trata da vontade empírica, dobrável pelas paixões, pelo egoísmo, mas da vontade dotada das características da racionalidade pura, de universalidade, de ausência de conteúdo concreto, como pressuposto transcendental do querer concreto. Em virtude dessa posição, Nicolai Hartmnn formula algumas críticas, a saber:

Se a vontade moral está ancorada no livre arbítrio, como pode ela ser legisladora desse livre arbítrio? Kant preocupa-se com a autonomia. Mas essa vontade que de sua autonomia tira alei que lhe é inerente, poderá transgredi-la, no uso dessa autonomia? Se não é ela, se não goza do livre arbítrio, também não é autônoma. Ou melhor, é tão livre quanto a natureza, que se dá sua própria lei. A segunda crítica é bem mais complexa, pois envolve toda gnosiologia Kantiana, como também a do próprio Hartmann, em virtude de sua formação filosófica, somente havia, de um lado, o dado sensível, de outro, a função racional. Esta, a partir de sua estrutura, assimilava o dado sensível, organizando-o como conhecimento da natureza. No plano da conduta humana, tudo que significasse objeto deveria ser caracterizado pela razão como algo válido, em virtude das normas práticas do sujeito (transcendental) pensante, isto é, como decorrência do querer racional tomado em si mesmo, em sua atividade universalizante. Hartmann contesta essa disjuntiva, que considera falsa, pois é possível admitir que o dado sensível enquanto conhecimento intencional esteja aberto à apreensão, ao juízo e à purificação universalizadora da atividade conceitual, que o faria em decorrência da constituição da consciência racional, organizadora da apreensão cognoscitiva segundo suas formas próprias, antecedentes ao elemento empírico, mas que mediante elas, se elevaria ao nível da racionalidade. Esses conceitos a priori da inteligência prática, seriam os valores de algum modo (intencional) subjacentes às situações empíricas18.

Por fim, o pressuposto Kantiano de que o amor do bem e da felicidade, decorrente de sua posse, seria em última análise, amor de si mesmo, incide num equívoco. É verdade que isso possa ocorrer frequentemente na vida moral distorcida das pessoas. Mas, quem ama o bem como tal, esquece-se de si mesmo. Quer o bem por si mesmo e não para si próprio. Se assim não fosse ele não seria o bem universal, mas o seu próprio, particular.

Ademais, o apetite do bem e sua realização não configuram propriamente dependência do sujeito ao objeto querido, numa situação de heteronomia. O termo bem indica a relação do apetite racional, ou não, o de ser presente nas coisas, desejado, procurado ou possuído. Para o agir ético, o bem consiste na perfeição do próprio agir, em que a sensibilidade moral se deixa dirigir ou conter pela razão e é chamada a identificar-se com sues ditames. Tal bem não é algo estranho ao agir, como um alimento, uma veste ou outra qualquer coisa exterior ao sujeito. É o desenvolvimento do próprio sujeito em busca de sua plenitude, de inscrever na existência as notas ressoantes de sua

17 KANT, Immanuel, Crítica de la Razon Pratica, Lib, Perlado, Buenos Ayres, 1939,pgs 23-65;Maritaim, Jacques, A Filosofia Moral, agir Ed., rio de Janeiro,1964, pgs 119-12918 HARTMANN, Nicolai, ética, VI Guida Editori, Napoli,1969, pgs. 137-146.

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quididade. Esse bem está precontido no agente como potencialidade, ou no que se refere à infinitude, como carência atroz. Quando atualizado, é o próprio sujeito que o arranca de suas entranhas e o projeta no mundo das coisas efetivas como ato dele próprio. Enquanto participação no Ato Puro, não há nenhum exteriorizar, pelo motivo já dito: não há ação transigente do ato Puro à criatura; nem pode haver. O auxílio divino é como uma faísca que emerge no seio do agir do sujeito. Nessa perspectiva, não há lugar falar-se de heteronomia. O ato moral é essencialmente autônomo. Caso contrário, não seria moral.

A relação entre a natureza absoluta do Ato Puro e a precariedade ôntica do ato humano não implica em sujeição deste àquele, o que suprimiria a liberdade de autonomia e de decisão. O termo relação é transposto da linguagem expressa da condição dos entes finitos para a destes como Ato Absoluto. Deixaria de ser autônomo por direito próprio, o finito não é um pedaço integrante do infinito, como ser. Não é número parcial do infinito, mas algo determinado e uno, em sua limitação e incompletude, que em virtude da universalidade de sua visão intelectiva sofre da falta de ser, ao mesmo tempo em que recebe do Deus criador sua plenitude.

A felicidade, tal como a concebem Aristóteles, Santo Tomaz e sues seguidores, consiste na própria plenitude do ato. O que houver de prazer e sentimento é acidental, pois viver é agir; agir com perfeição é uma alegria, que se manifesta como a face subjetiva do agir bem. Mas as paixões apontam para valores negativos ou positivos. Na primeira hipótese podem servir de obstáculo à ação moralmente boa. Se conseqüentes, fazem o ato mais perfeito e mais integralmente humano19, se de acordo com a reta razão. Caso contrário caracteriza o triunfo da irracionalidade e a desagregação do agir humano.

Há ainda a deleitação resultante da contemplação dos mais altos valores positivos. Enquanto intelectual, ela se apresenta à consciência como a certeza do bem realizado. Mas é também sentimento e prazer, pois o intelecto e a vontade são apenas faculdades d alma, parte enteléquia do corpo, isto é, ato participante da corporeidade, que a ultrapassa enquanto inteligência e amor do universal. A unidade intimativa do homem não lhe permite ficar indiferente como sensibilidade ante a fruição mais completa do bem, representado pelos valores espirituais. O homem não vive seu ato de consciência sem afetividade e mesmo passional idade. Os fenomenologistas contemporâneos, como Max Scheler e até mesmo Heidegger têm razão, sob esse aspecto. A gênese da opção inicia-se na sensibilidade já carregada de intencionalidade para os valores do espírito ou caso contrário, voltada para o gozo do próprio eu empírico, rebentando com a ordem natural do agir20.

A vivência consoante dos diferentes estratos da vida pessoal nunca é harmônica e pacífica. É uma vivência dialética, feita de dilaceramentos, muitas vezes levam à desintegração da personalidade ou à resistência moral deficiente, bloqueada e até mesmo estiolada pelo predomínio da esfera intelectiva quando não atua como estimuladora dos afetos conformes com a reta razão, mas repressora da esfera afetiva, gerando na vida real secura ou rigidez esterilizante. Santo Agostinho descreve, em termos dramáticos, o conflito dessas duas leis que atormentam o ser humano21.

Essa divisão profunda da intimidade humana, que o cristianismo explica como resultado da culpa original é o tropeço da vida ética diária dos homens, mas também o desafio para que, amparados pela graça participante do Ato Puro, possam viver uma existência heróica e digna de ingressar na dimensão daquele Ato infinitamente maior que a condição humana. Apesar das contradições, dos desfalecimentos, importa observar, na continuidade do agir ético, embora 19 Sto. Tomaz de Aquino, ob.cit., 1-2, q.24, a.1, 1.2,1.3r,3,a3,a,3r,1 IV, pgs 658,659,661,662.20 Ibidem, 1-2, q26, a.1, a.3, pgs, 687,691; Hildebrand, Dietrich von ob, cit. 203-20421 São Paulo, Epístola Aos Romanos, VII, 14-25: Sto. Agostinho, Confesiones, Ed. Poblet, Buenos Ayres, 1941, 3ª ed. pg. 134-137,142

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afetado por ocasionais interrupções, a fidelidade inscrita no coração solicitante e carente do homem, como Blondel ensina22.

Devido à condição corpórea espiritual e, sobretudo à deficiência do agir, composto também de potência, pode-se crescer ou decair no exercício do bem. Todo ato bom carrega a possibilidade e a tendência à prática subseqüente de atos melhores, assim como, em sentido inverso, os atos maus. Por outro lado, cada ato carrega, em seu exercício, a força efetivadora do que ele é como seu dinamismo intrínseco, volta-se reproduzir-se com mais perfeição ou intensidade. Nisso consistem os hábitos, chamados virtudes ou vícios, meios de reforço da qualidade dos atos, de estabilização e de expansão. A vida moral contínua supõe a prática das virtudes, canais de força ativa e enriquecedora, embora sempre ameaçados de bloqueio e deterioração pelas opções irracionais possíveis do livre querer.

Já Aristóteles considerava sua ética a Nicômaco como introdução à política, pelas seguintes razões: “Ainda que a finalidade seja a mesma para um homem isoladamente e para uma cidade (o bem), a finalidade da cidade parece de qualquer modo algo maior e mais completo, seja para atingirmos, seja a perseguirmos, embora seja desejável atingir a finalidade apenas para um homem, é mais nobilitante e mais divino atingi-la para uma nação ou para as cidades” 23. Aristóteles não justifica claramente sua preferência, embora nos quadros da cultura grega se pode bem perscrutar as razões implícitas. Mas, para nós, desta civilização, não há dúvida. O bem principal a alcançar é o indivíduo. Por isso reabre-se a questão: como situar os dois bens terminais em face um do outro? E, atualmente, que relações há entre o eu de cada um e a coletividade? Como realizar simultaneamente o bem próprio e o bem da comunidade?

É fato comprovado até pela experiência comum que o indivíduo nunca poderia desenvolver suas faculdades propriamente humanas e mesmo sobreviver sem a cooperação dos demais homens. A necessidade de estar com os outros já foram demonstrados por Aristóteles e Santo Tomaz. Ademais da insuficiência do indivíduo isolado para prover as suas necessidades básicas e, com maior razão, a de bem estar e de progresso no campo do conhecimento e da felicidade especificamente humana, o instrumento fundamental para isso é a palavra, que permite a comunicação de todo o poder do homem sobre as coisas externas e sobre si mesmo, assim como das técnicas necessária à operação. Pois bem, fora da sociedade não haveria aquisição da linguagem e esta não se obtém sem a educação, na fase de maturação adequada, o que grandemente afeiçoa o indivíduo a seu ambiente humano. Pela linguagem e pelos gestos transmitem-se os pensamentos e os afetos, recebidos pelos outros, cada um a sua maneira, mas destarte participados por todos, estabelecendo-se uma parcial comunhão entre os membros da sociedade, maior ou menor. Esse entrosamento vital não se processa apenas por meio da espontânea transmissão e aceitação, mas também pela coação exercida pelos indivíduos agrupados em instituições, de que todos participam, muitas vezes necessariamente.

O fundamento ontológico dessa situação é a nota transcendental do ser, de unidade, devido a sua simplicidade. Se na aspiração as unidades aproximam-se os contrários, que quer dizer dos semelhantes? Por isso, a vida ética individual não se perfaz sem a social. A tendência ao bem agir não se satisfaz, nem encontra condições de plena realização se não está voltada para integrar-se e estender-se à vivência comum.

22 BLONDEL, Maurice, ob. cit. V. II, 1937, pg.,134-137, 14223 ARISTÓTELES, ob. Cit. I, 1094b, pg. 18.

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Texto 13 - O SER HUMANO É UMA BUSCA CONSTANTE

Alberto Ribeiro Boaventura

Os homens nasceram em um mundo que contém muitas coisas, naturais e artificiais, vivas

e mortas, transitórias e sempiternas. Desde os primórdios, o ser humano não parou de interrogar-

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se sobre a sua própria sorte. A origem da vida, o destino, a doença e a morte sem explicações, a

necessidade da dor e o impulso à felicidade, as energias e as forças que transcendem a inteligência

e a vontade, o bem e o mal: os homens têm procurado respostas a estes questionamentos, estas

“experiências do limite”. As respostas deram vida a sistemas, visões, concepções do mundo,

normalmente apoiadas sobre um único princípio fundador, na tentativa de reunir e ordenar

conhecimentos, normas e valores.

Diferentemente dos animais, o ser humano é o único que consegue, separa-se da natureza

para encontrar respostas para suas perguntas. É nesse eterno intercâmbio de perguntas e respostas

que ele se humaniza. Nada poderia aparecer – a palavra “aparência” não faria sentido – se não

existissem receptores de aparências: criaturas vivas capazes de conhecer, reconhecer e reagir – em

imaginação ou desejo, aprovação ou reprovação, culpa ou prazer – não apenas ao que está aqui,

mas ao que para elas aparece e que é destinado à percepção. Neste mundo em que chegamos e

aparecemos vindos de lugar nenhum, e do qual desaparecemos em lugar nenhum, Ser e Aparecer

coincidem.

De todas as questões que o homem, levanta três se destacam e exigem dele uma

resposta. São elas: De onde venho? Quem sou? Para onde vou? Estas perguntas são consideradas

fundamentais, pois, o modo de vida e a ralação do homem com outros seres serão de acordo com

as suas respostas.

Para estas indagações surgiram muitas respostas ao longo dos tempos, e entre elas a

tradição religiosa surge como a mais duradoura delas, pois, ao se interrogar, o homem abre a

possibilidade para que ocorra a revelação, a manifestação do transcendente. Esta revelação surge

condicionada pelo tempo, pelo lugar, ou seja, pelo grau de entendimento que o homem individual

e social tem.

É por causa destes fatores que surgiram as várias religiões que conhecemos. Muitas delas

surgiram causadas por divisões e separações diversas, como por exemplo, questões políticas,

teológicas, econômicas etc.

A pergunta, “quem sou?” Ou “quem é o homem?”, nos desafia contentemente, a uma

busca de solução, não se esgotando nos infinitos caminhos às permanentes inquietações e

questões existenciais.

O ser humano possui a dupla dimensão que lhe é fundamental: o Corpo e o Espírito. Para

esta dupla dimensão também se deram duplas respostas. Chegando-se em determinado momento

da história ao desprezo ou à supervalorização (como nos dias de hoje), acontece a exclusividade do

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corpo em detrimento do espírito. O certo é que não podemos supervalorizar mais uma dimensão

em detrimento da outra, sendo ele corpo e espírito e só pode ser o que é porque é uma unidade

em duas dimensões, como numa folha de papel não se pode admitir uma face sem a outra, assim o

homem é de duas faces.

Para que serve a vida? É interessante pensar: quando vamos a algum lugar sempre

sabemos o que pretendemos fazer, ou o que tencionamos de imediato. Todavia, não temos

nenhuma certeza quanto à nossa finalidade de existir. Para quê, por que, de que serve nossa

capacidade de construir coisas e de transformar, se não podemos romper a barreira que somos nós

mesmos? Há muito permanece a regra que diz que o homem tem de compreender a si próprio, o

que é óbvio na realidade em que vivemos.

Se não conseguimos nos entender, como pode a existência estar contida em seres cuja

capacidade utilizou de maneira aleatória? Talvez correto seja o curso natural das coisas, e quando

tivermos de mudar algo, mudemos a nós mesmos, deixando a nossa lógica e razão seguirem ao

acaso da natureza.

Talvez ela não exista talvez a razão seja apenas inventada enquanto existimos. Já que

estamos aqui, é para nós um fato sem precedentes que o mínimo que podemos fazer por nós é

procurar estar simplesmente, sem querer cobrar muito de nossa sorte ou azar. Porque tudo que

realizamos aqui é transcrito, com nossas próprias mãos, num livro cujos capítulos são indefinidos.

Mas com a vantagem de que você pode determinar qual tipo de visão que se deve ter da história

que está sendo seguida.

O ser humano sempre verá sua vida confusa e duvidosa, mas isso porque ele próprio é

assim. Alguns já constataram (e outros farão o mesmo mais tarde), que é possível fazer uma

mentira vir a ser verdade ou uma verdade tornar-se mentira. Muitos de nós ainda temos muito a

constatar, para finalmente descobrir uma imagem quase real, correspondente à nossa

compreensão. Bem, estamos aqui. O que fizemos ou não fizemos não fará diferença, em relação ao

que ocorrerá em seguida. Eu acredito que o ser humano, ou melhor, que a própria existência é a

um tempo feito de dentro para fora de cada um de nós e de fora para dentro: o que fazemos com a

natureza é o que deixamos de fazer com o nosso sentimento.

Acho que se começar a construir mais em nós, retirando coisas da parte do universo

externo, procurando alcançar sempre um ponto de equilíbrio, talvez consigamos a relação e a

ligação entre o universo físico e o nosso universo-sentimento. Há muito para vermos em nós e há

muito para trazermos em nosso “eu”. Existe muito pouco a merecer demasiada importância e

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existe muita importância a ser descoberta. Os que não sabemos aqui, agora, daqui a pouco

acabaram descobrindo inevitavelmente. Nossos ganhos e perdas dependem de uma constante

busca, mesmo que o que buscamos venha parecer ilógico. Existir é uma constante busca de um

ponto de apoio, sendo mais difícil alguém se sentir só quando em sua vida há constantes

realizações. Vivemos a explorar o nosso medo, até encontrar a fonte de nossa coragem.

A covardia é composta de toda a ausência de definições e atitudes por parte dos seres

humanos. Talvez nossa vida não nos venha mostrar só o certo e o errado existentes; talvez ela

também esteja nos capacitando a mudar até algo de que fazemos parte.

Conclusão é alguma coisa que não existe para nós, no entanto, vivemos em meio a

conclusões. Nascemos, e existir é a seqüência natural desse fato. No momento em que

atravessamos e que vivemos todos os problemas e situações, de um jeito ou de outro estamos

crescendo ou fazendo alguém crescer. Aprendemos a viver a todo o momento, embora isso não

seja eterno. O mais importante, porém, é aprender a conviver com o inevitável que colocamos em

nossa vida. Apenas um sim ou um não para que consigamos estar bem onde estamos, ou partir

para além do que sabemos agora. Para que nossa ausência de atitudes não nos faça sofrer, só há

uma coisa de que podemos nos orgulhar, por conseguir alcançá-la de verdade: é o nosso total

entendimento e compreensão de outras pessoas.

Continuaremos existindo em um mundo considerado desagradável até o momento em

que conseguimos aceitar e compreender esta idéia, que parece impossível, talvez porque existir

consista em estar sempre nos transformando. Em meio às diversas transformações temos a chance

de descobrir porque nós e as outras pessoas proporcionamos, às vezes, uma busca constante para

existir e, em conseqüência, viver de verdade. Até onde tudo o que fazemos e almejamos tem

significado?

Se não podemos, de momento, alterar determinadas situações, o mínimo que podemos

fazer por nós mesmos, é fixar nossas idéias em um só objetivo e deixar que o resto passe por nós.

Acredito que a verdade não é única, qualquer que seja o campo em que a buscamos. Mas nenhum

de nós tem o direito de tomá-la para si.

Eis então a nobre tarefa da Teologia: demonstrar de forma racional e existencial as razões

pela quais podemos crer, naquele que certamente fundamenta nossa existência e nossa esperança,

sem o qual não haveria nem mesmo a dúvida para ser questionada. Entendemos que o

transcendente não é um ser material de forma que se possa estudá-lo cientifica, filosófica ou

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religiosamente, no entanto procuraremos, ou melhor, ainda tentaremos compreendê-lo de forma

sintética, sendo fiel à verdade acerca da realidade divina.

Texto 14 - A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

Introdução

A Revolução Industrial teve início no século XVIII, na Inglaterra, com a mecanização dos sistemas de produção. Enquanto na Idade Média o artesanato era a forma de produzir mais utilizada, na Idade Moderna tudo mudou. A burguesia industrial, ávida por maiores lucros, menores custos e produção acelerada, buscou alternativas para melhorar a produção de mercadorias. Também podemos apontar o crescimento populacional, que trouxe maior demanda de produtos e mercadorias.

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Pioneirismo Inglês

Foi a Inglaterra o país que saiu na frente no processo de Revolução Industrial do século XVIII. Este fato pode ser explicado por diversos fatores. A Inglaterra possuía grandes reservas de carvão mineral em seu subsolo, ou seja, a principal fonte de energia para movimentar as máquinas e as locomotivas à vapor. Além da fonte de energia, os ingleses possuíam grandes reservas de minério de ferro, a principal matéria-prima utilizada neste período. A mão-de-obra disponível em abundância (desde a Lei dos Cercamentos de Terras ), também favoreceu a Inglaterra, pois havia uma massa de trabalhadores procurando emprego nas cidades inglesas do século XVIII. A burguesia inglesa tinha capital suficiente para financiar as fábricas, comprar matéria-prima e máquinas e contratar empregados. O mercado consumidor inglês também pode ser destacado como importante fator que contribuiu para o pioneirismo inglês.

Avanços da tecnologia

O século XVIII foi marcado pelo grande salto tecnológico nos transportes e máquinas. As máquinas à vapor, principalmente os gigantes teares, revolucionou o modo de produzir. Se por um lado a máquina substituiu o homem, gerando milhares de desempregados, por outro baixou o preço de mercadorias e acelerou o ritmo de produção.

Locomotiva: importante avanço nos meios de transporte

Na área de transportes, podemos destacar a invenção das locomotivas à vapor (maria fumaça) e os trens à vapor. Com estes meios de transportes, foi possível transportar mais mercadorias e pessoas, num tempo mais curto e com custos mais baixos.

AFábrica

As fábricas do início da Revolução Industrial não apresentavam o melhor dos ambientes de trabalho. As condições das fábricas eram precárias. Eram ambientes com péssima iluminação, abafados e sujos. Os salários recebidos pelos trabalhadores eram muito baixos e chegava-se a empregar o trabalho infantil e feminino. Os empregados chegavam a trabalhar até 18 horas por dia e estavam sujeitos a castigos físicos dos patrões. Não havia direitos trabalhistas como, por exemplo, férias, décimo terceiro salário, auxílio doença, descanso semanal remunerado ou qualquer outro benefício. Quando desempregados, ficavam sem nenhum tipo de auxílio e passavam por situações de precariedade.

Reação dos trabalhadores

Em muitas regiões da Europa, os trabalhadores se organizaram para lutar por melhores condições de trabalho. Os empregados das fábricas formaram as trade unions (espécie de sindicatos) com o objetivo de melhorar as condições de trabalho dos empregados. Houve também movimentos mais

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violentos como, por exemplo, o ludismo. Também conhecidos como "quebradores de máquinas", os ludistas invadiam fábricas e destruíam seus equipamentos numa forma de protesto e revolta com relação a vida dos empregados. O cartismo foi mais brando na forma de atuação, pois optou pela via política, conquistando diversos direitos políticos para os trabalhadores.

Conclusão

A Revolução tornou os métodos de produção mais eficientes. Os produtos passaram a ser produzidos mais rapidamente, barateando o preço e estimulando o consumo. Por outro lado, aumentou também o número de desempregados. As máquinas foram substituindo, aos poucos, a mão-de-obra humana. A poluição ambiental, o aumento da poluição sonora, o êxodo rural e o crescimento desordenado das cidades também foram conseqüências nocivas para a sociedade.

Até os dias de hoje, o desemprego é um dos grandes problemas nos países em desenvolvimento. Gerar empregos tem se tornado um dos maiores desafios de governos no mundo todo. Os empregos repetitivos e pouco qualificados foram substituídos por máquinas e robôs. As empresas procuram profissionais bem qualificados para ocuparem empregos que exigem cada vez mais criatividade e múltiplas capacidades. Mesmo nos países desenvolvidos tem faltado empregos para a população.

Revolução Industrial

A substituição das ferramentas pelas máquinas, da energia humana pela energia motriz e do modo de produção doméstico pelo sistema fabril constituiu a Revolução Industrial; revolução, em função do enorme impacto sobre a estrutura da sociedade, num processo de transformação acompanhado por notável evolução tecnológica.

A Revolução Industrial aconteceu na Inglaterra na segunda metade do século XVIII e encerrou a transição entre feudalismo e capitalismo, a fase de acumulação primitiva de capitais e de preponderância do capital mercantil sobre a produção. Completou ainda o movimento da revolução burguesa iniciada na Inglaterra no século XVII.

Etapas da industrialização

Podem-se distinguir três períodos no processo de industrialização em escala mundial:

1760 a 1850 – A Revolução se restringe à Inglaterra, a "oficina do mundo". Preponderam a produção de bens de consumo, especialmente têxteis, e a energia a vapor.

1850 a 1900 – A Revolução espalha-se por Europa, América e Ásia: Bélgica, França, Ale¬manha, Estados Unidos, Itália, Japão, Rússia. Cresce a concorrência, a indústria de bens de produção se desenvolve, as ferrovias se expandem; surgem novas formas de energia, como a hidrelétrica e a derivada do petróleo. O trans¬porte também se revoluciona, com a invenção da locomotiva e do barco a vapor.

1900 até hoje – Surgem conglomerados industriais e multinacionais. A produção se automatiza; surge a produção em série; e explode a sociedade de consumo de massas, com a expansão dos meios de comunicação. Avançam a indústria química e eletrônica, a engenharia genética, a robótica

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Artesanato, manufatura e maquinofatura

O artesanato, primeira forma de produção industrial, surgiu no fim da Idade Média com o renascimento comercial e urbano e definia-se pela produção independente; o produtor possuía os meios de produção: instalações, ferramentas e matéria-prima. Em casa, sozinho ou com a família, o artesão realizava todas as etapas da produção.

A manufatura resultou da ampliação do consumo, que levou o artesão a aumentar a produção e o comerciante a dedicar-se à produção industrial. O manufatureiro distribuía a matéria-prima e o arte¬são trabalhava em casa, recebendo pagamento combinado. Esse comerciante passou a produzir. Primeiro, contratou artesãos para dar acabamento aos tecidos; depois, tingir; e tecer; e finalmente fiar. Surgiram fábricas, com assalariados, sem controle sobre o produto de seu trabalho. A produtividade aumentou por causa da divisão social, isto é, cada trabalhador realizava uma etapa da produção.

Na maquinofatura, o trabalhador estava sub¬metido ao regime de funcionamento da máquina e à gerência direta do empresário. Foi nesta etapa que se consolidou a Revolução Industrial.

O pioneirismo inglês

Quatro elementos essenciais concorreram para a industrialização: capital, recursos naturais, mercado, transformação agrária.

Na base do processo, está a Revolução Inglesa do século XVII. Depois de vencer a monarquia, a burguesia conquistou os merca¬dos mundiais e transformou a estrutura agrária. Os ingleses avançaram sobre esses mercados por meios pacíficos ou militares. A hegemonia naval lhes dava o controle dos mares. Era o mercado que comandava o ritmo da produção, ao contrário do que aconteceria depois, nos países já industrializados, quando a produção criaria seu próprio mercado.

Até a segunda metade do século XVIII, a grande indústria inglesa era a tecelagem de lã. Mas a primeira a mecanizar-se foi a do algodão, feito com matéria-prima colonial (Estados Uni¬dos, Índia e Brasil). Tecido leve ajustava-se aos mercados tropicais; 90% da produção ia para o exterior e isto representava metade de toda a exportação inglesa, portanto é possível perceber o papel determinante do mercado externo, principalmente colonial, na arrancada industrial da Inglaterra. As colônias contribuíam com matéria-prima, capitais e consumo.

Os capitais também vinham do tráfico de escravos e do comércio com metrópoles colonialistas, como Portugal. Provavelmente, metade do ouro brasileiro acabou no Banco da Inglaterra e financiou estradas, portos, canais. A disponibilidade de capital, associada a um sistema bancário eficiente, com mais de quatrocentos bancos em 1790, explica a baixa taxa de juros; isto é, havia dinheiro barato para os empresários.

Depois de capital, recursos naturais e merca¬do, vamos ao quarto elemento essencial à industrialização, a transformação na estrutura agrária após a Revolução Inglesa. Com a gentry no poder, dispararam os cercamentos, autorizados pelo Parlamento. A divisão das terras coletivas beneficiou os grandes proprietários. As terras dos camponeses, os yeomen, foram reunidas num só lugar e eram tão poucas que não lhes garantiam a sobrevivência: eles se transforma¬ram em proletários rurais; deixaram de ser ao mesmo tempo agricultores e artesãos.

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Duas conseqüências se destacam: 1) diminuiu a oferta de trabalhadores na indústria doméstica rural, no momento em que ganhava impulso 0 mercado, tornando-se indispensável adotar nova forma de produção capaz de satisfazê-lo; 2) a proletarização abriu espaço para o investimento de capital na agricultura, do que resultaram a especialização da produção, o avanço técnico e o crescimento da produtividade.

A população cresceu o mercado consumidor também; e sobrou mão-de-obra para os centros industriais.

Mecanização da Produção

As invenções não resultam de atos individuais ou do acaso, mas de problemas concretos coloca¬dos para homens práticos. O invento atende à necessidade social de um momento; do contrário, nasce morto. Da Vinci imaginou a máquina a vapor no século XVI, mas ela só teve aplicação no ,século XVIII.

Para alguns historiadores, a Revolução Industrial começa em 1733 com a invenção da lançadeira volante, por John Kay. O instrumento, adaptado aos teares manuais, aumentou a capacidade de tecer; até ali, o tecelão só podia fazer um tecido da largura de seus braços. A invenção provocou desequilíbrio, pois começa¬ram a faltar fios, produzidos na roca. Em 1767, James Hargreaves inventou a spinning jenny, que permitia ao artesão fiar de uma só vez até oitenta fios, mas eram finos e quebradiços. A water frame de Richard Arkwright, movida a água, era econômica mas produzia fios grossos. Em 1779, S Samuel Crompton combinou as duas máquinas numa só, a mule, conseguindo fios finos e resistentes. Mas agora sobravam fios, desequilíbrio corrigido em 1785, quando Edmond Cartwright inventou o tear mecânico.

Cada problema surgido exigia nova invenção. Para mover o tear mecânico, era necessária uma energia motriz mais constante que a hidráulica, à base de rodas d’água. James Watt, aperfeiçoando a máquina a vapor, chegou à máquina de movi¬mento duplo, com biela e manivela, que transformava o movimento linear do pistão em movimento circular, adaptando-se ao tear.

Para aumentar a resistência das máquinas, a madeira das peças foi substituída por metal, o que estimulou o avanço da siderurgia. Nos Esta¬dos Unidos, Eli Whitney inventou o descaroça-dor de algodão.

Revolução Social

A Revolução Industrial concentrou os trabalhadores em fábricas. O aspecto mais importante, que trouxe radical transformação no caráter do trabalho, foi esta separação: de um lado, capital e meios de produção (instalações, máquinas, matéria-prima); de outro, o trabalho. Os operários passaram os assalariados dos capitalistas (donos do capital).

Uma das primeiras manifestações da Revolução foi o desenvolvimento urbano. Londres chegou ao milhão de habitantes em 1800. O progresso deslocou-se para o norte; centros como Manchester abrigavam massas de trabalhadores, em condições miseráveis. Os artesãos, acostumados a controlar o ritmo de seu trabalho, agora tinham de submeter-se à disciplina da fábrica. Passaram a sofrer a concorrência de mulheres e crianças. Na indústria têxtil do algodão, as mulheres formavam

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mais de metade da massa trabalhadora. Crianças começavam a trabalhar aos 6 anos de idade. Não havia garantia contra acidente nem indenização ou pagamento de dias para¬dos neste caso.

A mecanização desqualificava o trabalho, o que tendia a reduzir o salário. Havia freqüentes paradas da produção, provocando desemprego. Nas novas condições, caíam os rendimentos, contribuindo para reduzir a média de vida. Uns se entregavam ao alcoolismo. Outros se rebelavam contra as máquinas e as fábricas, destruídas em Lancaster (1769) e em Lancashire (1779). Proprietários e governo organizaram uma defesa militar para proteger as empresas.

A situação difícil dos camponeses e artesãos, ainda por cima estimulados por idéias vindas da Revolução Francesa, levou as classes dominantes a criar a Lei Speenhamland, que garantia subsistência mínima ao homem incapaz de se sustentar por não ter trabalho. Um imposto pago por toda a comunidade custeava tais despesas.

Havia mais organização entre os trabalhadores especializados, como os penteadores de lã. Inicialmente, eles se cotizavam para pagar o enterro de associados; a associação passou a ter caráter reivindicatório. Assim surgiram as tradeunions, os sindicatos. Gradativamente, conquistou a proibição do trabalho infantil, a limitação do trabalho feminino, o direito de greve.

Bibliografia:

American Capitalism

Meyer Weinberg

História Geral - Aquino, Denize e Oscar - Ed. Ao Livro Técnico

Toda a História - José Jobson Arruda - Ed. Ática

História - Luiz Koshiba - Ed. Atual

Revolução Industrial

A substituição das ferramentas pelas máquinas, da energia humana pela energia motriz e do modo de produção doméstico pelo sistema fabril constituiu a Revolução Industrial; revolução, em função do enorme impacto sobre a estrutura da sociedade, num processo de transformação acompanhado por notável evolução tecnológica.

A Revolução Industrial aconteceu na Inglaterra na segunda metade do século XVIII e encerrou a transição entre feudalismo e capitalismo, a fase de acumulação primitiva de capitais e de preponderância do capital mercantil sobre a produção. Completou ainda o movimento da revolução burguesa iniciada na Inglaterra no século XVII.

Etapas da industrialização

Podem-se distinguir três períodos no processo de industrialização em escala mundial:

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1760 a 1850 – A Revolução se restringe à Inglaterra, a "oficina do mundo". Preponderam a produção de bens de consumo, especialmente têxteis, e a energia a vapor.

1850 a 1900 – A Revolução espalha-se por Europa, América e Ásia: Bélgica, França, Ale-manha, Estados Unidos, Itália, Japão, Rússia. Cresce a concorrência, a indústria de bens de produção se desenvolve, as ferrovias se expandem; surgem novas formas de energia, como a hidrelétrica e a derivada do petróleo. O trans¬porte também se revoluciona, com a invenção da locomotiva e do barco a vapor.

1900 até hoje – Surgem conglomerados industriais e multinacionais. A produção se automatiza; surge a produção em série; e explode a sociedade de consumo de massas, com a expansão dos meios de comunicação. Avançam a indústria química e eletrônica, a engenharia genética, a robótica

Artesanato, manufatura e maquinofatura

O artesanato, primeira forma de produção industrial, surgiu no fim da Idade Média com o renascimento comercial e urbano e definia-se pela produção independente; o produtor possuía os meios de produção: instalações, ferramentas e matéria-prima. Em casa, sozinho ou com a família, o artesão realizava todas as etapas da produção.

A manufatura resultou da ampliação do consumo, que levou o artesão a aumentar a produção e o comerciante a dedicar-se à produção industrial. O manufatureiro distribuía a matéria-prima e o arte¬são trabalhava em casa, recebendo pagamento combinado. Esse comerciante passou a produzir. Primeiro, contratou artesãos para dar acabamento aos tecidos; depois, tingir; e tecer; e finalmente fiar. Surgiram fábricas, com assalariados, sem controle sobre o produto de seu trabalho. A produtividade aumentou por causa da divisão social, isto é, cada trabalhador realizava uma etapa da produção.

Na maquinofatura, o trabalhador estava sub¬metido ao regime de funcionamento da máquina e à gerência direta do empresário. Foi nesta etapa que se consolidou a Revolução Industrial.

O pioneirismo inglês

Quatro elementos essenciais concorreram para a industrialização: capital, recursos naturais, mercado, transformação agrária.

Na base do processo, está a Revolução Inglesa do século XVII. Depois de vencer a monarquia, a burguesia conquistou os merca¬dos mundiais e transformou a estrutura agrária. Os ingleses avançaram sobre esses mercados por meios pacíficos ou militares. A hegemonia naval lhes dava o controle dos mares. Era o mercado que comandava o ritmo da produção, ao contrário do que aconteceria depois, nos países já industrializados, quando a produção criaria seu próprio mercado.

Até a segunda metade do século XVIII, a grande indústria inglesa era a tecelagem de lã. Mas a primeira a mecanizar-se foi a do algodão, feito com matéria-prima colonial (Estados Uni¬dos, Índia e Brasil). Tecido leve, ajustava-se aos mercados tropicais; 90% da produção ia para o exterior e isto representava metade de toda a exportação inglesa, portanto é possível perceber o papel determinante do mercado externo, principalmente colonial, na arrancada industrial da Inglaterra. As colônias contribuíam com matéria-prima, capitais e consumo.

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Os capitais também vinham do tráfico de escravos e do comércio com metrópoles colonialistas, como Portugal. Provavelmente, metade do ouro brasileiro acabou no Banco da Inglaterra e financiou estradas, portos, canais. A disponibilidade de capital, associada a um sistema bancário eficiente, com mais de quatrocentos bancos em 1790, explica a baixa taxa de juros; isto é, havia dinheiro barato para os empresários.

Depois de capital, recursos naturais e merca¬do, vamos ao quarto elemento essencial à industrialização, a transformação na estrutura agrária após a Revolução Inglesa. Com a gentry no poder, dispararam os cercamentos, autorizados pelo Parlamento. A divisão das terras coletivas beneficiou os grandes proprietários. As terras dos camponeses, os yeomen, foram reunidas num só lugar e eram tão poucas que não lhes garantiam a sobrevivência: eles se transforma¬ram em proletários rurais; deixaram de ser ao mesmo tempo agricultores e artesãos.

Duas conseqüências se destacam: 1) diminuiu a oferta de trabalhadores na indústria doméstica rural, no momento em que ganhava impulso 0 mercado, tornando-se indispensável adotar nova forma de produção capaz de satisfazê-lo; 2) a proletarização abriu espaço para o investimento de capital na agricultura, do que resultaram a especialização da produção, o avanço técnico e o crescimento da produtividade.

A população cresceu o mercado consumidor também; e sobrou mão-de-obra para os centros industriais.

Mecanização da Produção

As invenções não resultam de atos individuais ou do acaso, mas de problemas concretos coloca¬dos para homens práticos. O invento atende à necessidade social de um momento; do contrário, nasce morto. Da Vinci imaginou a máquina a vapor no século XVI, mas ela só teve aplicação no ,século XVIII.

Para alguns historiadores, a Revolução Industrial começa em 1733 com a invenção da lançadeira volante, por John Kay. O instrumento, adaptado aos teares manuais, aumentou a capacidade de tecer; até ali, o tecelão só podia fazer um tecido da largura de seus braços. A invenção provocou desequilíbrio, pois começa¬ram a faltar fios, produzidos na roca. Em 1767, James Hargreaves inventou a spinning jenny, que permitia ao artesão fiar de uma só vez até oitenta fios, mas eram finos e quebradiços. A water frame de Richard Arkwright, movida a água, era econômica mas produzia fios grossos. Em 1779, S Samuel Crompton combinou as duas máquinas numa só, a mule, conseguindo fios finos e resistentes. Mas agora sobravam fios, desequilíbrio corrigido em 1785, quando Edmond Cartwright inventou o tear mecânico.

Cada problema surgido exigia nova invenção. Para mover o tear mecânico, era necessária uma energia motriz mais constante que a hidráulica, à base de rodas d’água. James Watt, aperfeiçoando a máquina a vapor, chegou à máquina de movi¬mento duplo, com biela e manivela, que transformava o movimento linear do pistão em movimento circular, adaptando-se ao tear.

Para aumentar a resistência das máquinas, a madeira das peças foi substituída por metal, o que estimulou o avanço da siderurgia. Nos Esta¬dos Unidos, Eli Whitney inventou o descaroça¬dor de algodão.

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Revolução Social

A Revolução Industrial concentrou os trabalhadores em fábricas. O aspecto mais importante, que trouxe radical transformação no caráter do trabalho, foi esta separação: de um lado, capital e meios de produção (instalações, máquinas, matéria-prima); de outro, o trabalho. Os operários passaram a assalariados dos capitalistas (donos do capital).

Uma das primeiras manifestações da Revolução foi o desenvolvimento urbano. Londres chegou ao milhão de habitantes em 1800. O progresso deslocou-se para o norte; centros como Manchester abrigavam massas de trabalhadores, em condições miseráveis. Os artesãos acostumados a controlar o ritmo de seu trabalho, agora tinham de submeter-se à disciplina da fábrica. Passaram a sofrer a concorrência de mulheres e crianças. Na indústria têxtil do algodão, as mulheres formavam mais de metade da massa trabalhadora. Crianças começavam a trabalhar aos 6 anos de idade. Não havia garantia contra acidente nem indenização ou pagamento de dias para¬dos neste caso.

A mecanização desqualificava o trabalho, o que tendia a reduzir o salário. Havia freqüentes paradas da produção, provocando desemprego. Nas novas condições, caíam os rendimentos, contribuindo para reduzir a média de vida. Uns se entregavam ao alcoolismo. Outros se rebelavam contra as máquinas e as fábricas, destruídas em Lancaster (1769) e em Lancashire (1779). Proprietários e governo organizaram uma defesa militar para proteger as empresas.

A situação difícil dos camponeses e artesãos, ainda por cima estimulados por idéias vindas da Revolução Francesa, levou as classes dominantes a criar a Lei Speenhamland, que garantia subsistência mínima ao homem incapaz de se sustentar por não ter trabalho. Um imposto pago por toda a comunidade custeava tais despesas.

Havia mais organização entre os trabalhadores especializados, como os penteadores de lã. Inicialmente, eles se cotizavam para pagar o enterro de associados; a associação passou a ter caráter reivindicatório. Assim surgiram as tradeunions, os sindicatos. Gradativamente, conquistaram a proibição do trabalho infantil, a limitação do trabalho feminino, o direito de greve.

Bibliografia:

American Capitalism

Meyer Weinberg

História Geral - Aquino, Denize e Oscar - Ed. Ao Livro Técnico

Toda a História - José Jobson Arruda - Ed. Ática

História - Luiz Koshiba - Ed. Atual

Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo

Autor: Hobsbawm, Eric J

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Editora: Forense Universitária

A Revolução Industrial - Coleção Discutindo a História

Autor: Canedo, Leticia Bicalho

Editora: Atual

A Revolução Industrial - Coleção Núcleo de Bolso

Autor: Silva, Rogério Forastieri da

Editora: Núcleo

Revolução Industrial - Coleção O Cotidiano da História

Autor: Teixeira, Franscisco M. P.

Editora: Ática

Arquitetura e Tecnologias de Informação - Da Revolução Industrial À Revolução Digital

Autor: Duarte, Fabio

Editora: Annablume

A Revolução Industrial Da Idade Media

Autor: GIMPEL, JEAN M.

Editora: Saber

Revolução Industrial e Crescimento Econômico

Autor: Beauchamp, Chantal

Editora: Edições 70

A Nova Revolução Industrial

Autor: Silveira Jr, Luiz Carlos

Editora: Sagra-Luzzato

Revolução Industrial

Autor: Arruda, José Jobson de Andrade

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Editora: Ática

Revolução Industrial na Europa do Século XIX

Autor: Kemp, Tom

Editora: Edições 70

Revolução Industrial (Coleção Tudo é História)

Autor: Iglesias, Francisco

Editora: Brasiliense

Da Revolução Industrial ao Movimento Operário

Autor: Coggiola, Osvaldo

Editora: Pradense

Máquinas Humanas - a Revolução Industrial e Seus Impactos Socioambientais

Autor: Linhares, Francisco

Editora: Prazer de Ler

Texto 15. GLOBALIZAÇÃO

A globalização teve sua origem na Revolução Industrial. Com a produção em massa de bens de consumo, devido às indústrias que trabalhavam a todo vapor, as nações mais desenvolvidas tiveram a necessidade de expandir seus negócios, assim como os países em desenvolvimento, de abrir seus mercados para produtos de outros países, crescendo assim a ideologia econômica do liberalismo, o que trouxe como consequência o acelerado desenvolvimento tecnológico e cultural. Os grandes beneficiários desse processo são sem dúvida os países emergentes, com economias voltadas para exportação, á citar, Brasil, Rússia, Índia, e China, que a exemplo de outros países fizeram uso da globalização para obter rápido crescimento, a fim de alcançar status de primeiro mundo, como os tigres asiáticos, na década de 1980, e Japão na década de 1970. O efeito globalização de hoje será a causa de constantes transformações na esfera mundial, afetando todas as áreas das sociedades nos aspectos econômicos, social, político, cultural, e meios de comunicação.

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Na economia podemos notar a presença de marcas mundiais, que vão de simples tênis a automóveis, negociados por pequenos comerciantes, como os camelôs, como também por grandes empresas nacionais e multinacionais. Nas comunicações a globalização tem sua face mais visível na internet, que aproxima pessoas, e viabiliza negócios, além de trazer até a residência dos usuários os fatos ocorridos em qualquer, parte do mundo, imediatamente ao ocorrido, através da rede mundial de computadores. Uma pessoa que antes estava limitada a imprensa local, agora pode se tornar parte da imprensa e observar as tendências do mundo inteiro, tendo como único fator de limitação a barreira lingüística. A universalização do acesso aos meios de comunicação é possível graças ao barateamento dos aparelhos, como celulares e as infra- estruturas para as operadoras, como também as redes de TVs e imprensa multimídia em geral, conectados as emissoras do mundo inteiro através de TV por assinatura ou satélite. No seu anglo mais político, a globalização é capaz de produzir uma revolução mundial nos planos de produção, produtividade e riqueza, impondo aos países e seus governantes uma realidade á qual devem se ajustar. O papel do estado é um dos aspectos mais discutidos da globalização, não há uma receita pronta o estado ideal, orientando-se cada realidade por sua cultura nacional. No mundo globalizado a cultura constitui-se ainda no elemento mais importante de afirmação da identidade nacional. É ela o aspecto fundamental que diferencia um país de outro.