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O “STATUS” DOS ANIMAIS NÃO HUMANOS DIANTE DE UMA
SOCIEDADE GLOBAL DE RISCOS
THE "STATUS” OF NON-HUMAN ANIMALS FACE OF A
GLOBAL SOCIETY OF RISKS
FABIANE MARISA SALVAJOLI GUILHERME
Especialista em Bioética pela Universidade de São Paulo (USP), Mestranda em Direito
Agroambiental pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Coordenadora e
Docente do Curso de Direito da Universidade de Cuiabá (UNIC) – Campus de Primavera do
Leste/MT; Membro da Comissão do Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil –
Subseção de Primavera do Leste/MT; Advogada.
HELLEN CAROLINE ORDONES NERY BUCAIR
Especialista em Direito Público Material pela Universidade Gama Filho (UGF), Mestranda
em Direito Agroambiental pela Universidade Federal do Estado de Mato Grosso (UFMT),
Professora de Direito do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato
Grosso (IFMT), Técnica da Área Instrumental do Governo do Estado de Mato Grosso,
Advogada.
RESUMO
A questão da sustentabilidade levantada nos principais encontros ambientais
envolve a manutenção da qualidade ambiental para as gerações presentes e
futuras. O desafio é estabelecer o convívio harmônico entre o homem, o meio
ambiente e os demais seres nele viventes, considerando as dificuldades presentes
em uma sociedade global de riscos. A preocupação com a situação do animal não
humano é antiga e bastante difundida entre os estudiosos. Há vários
posicionamentos, dentre eles, aqueles que defendam que eles seriam “coisas” e
como tal não possuiriam direitos e os que analisam a questão sob o enfoque
biocêntrico, situando o animal e a própria natureza como integrantes de uma
comunidade moral, sendo considerados sujeitos de uma vida e, por consequência,
sujeitos de direitos. Outra grande discussão que se apresenta é a extensão da
dignidade para além da vida humana. Dentro desta perspectiva é que o presente
artigo se desenvolve.
230
PALAVRAS CHAVE: Sustentabilidade; Sociedade Global de riscos; Animais não
humanos; Comunidade Moral; Sujeitos de uma vida; Sujeitos de direitos; Dignidade
ABSTRACT
The sustainability issue raised in major environmental meetings involves the
maintenance of environmental quality for present and future generations. The
challenge is to establish the harmonious coexistence between man, the environment
and other living beings, considering the difficulties present in a global society of risks.
The concern with the situation of non-human animal is old and widespread among
scholars. There are several positions, among them, those who argue that the non-
human animals would be "things" and, thus, they would not possess rights, and also
those ones who analyze the issue under the biocentric approach, latter placing the
animal and its own nature as members of a moral community, being considered as
subjects of a life and, therefore, subjects of rights. Another great discussion that
presents is the extent of the dignity of human life beyond. Within this perspective is
that this article develops.
KEYWORDS: Sustainability; Global Society of Risks; Non-human animals; Moral
Community; Subjects of a life; Subjects of rights; Dignity
1. INTRODUÇÃO
Inegável afirmar que a globalização culminada pela era capitalista
desencadeou progressos e em contrário sensu, problemas à humanidade. O
desenvolvimento técnico-econômico-científico-capitalista vivenciado pós Revolução
Industrial impôs à sociedade mundial voltar seu “olhar” para as questões que
permeiam o meio ambiente no sentido mais lato da palavra.
A velocidade dos acontecimentos não é equivalente à evolução do direito no
intuito de permitir ou coibir condutas humanas que envolvam riscos de existência
para toda a humanidade.
Em meio a esta nova realidade, várias têm sido as discussões sobre o meio
ambiente, estando atualmente em voga a ideologia da “sustentabilidade”, em meio a
uma sociedade global de riscos, que deve ser pensada além da preservação da
natureza para as presentes e futuras gerações, como foi apontada pelo relatório
231
Bundtland, mas como uma reflexão sobre a maneira de como homem e meio
ambiente podem conviver harmonicamente e sobre as posturas que o ser humano
deve tomar diante da crise ecológica.
Essa preocupação deve abranger o conceito de comunidade moral, em que
todos os seres que habitam nosso planeta precisam ser protegidos e considerados
dignos de respeito e proteção.
Nesse momento, apresenta-se a esta análise o papel do animal não humano
diante dos demais seres, em especial, diante do ser humano.
Alguns questionamentos vêm à tona neste momento acerca da posição da
natureza diante de tantas atrocidades que o homem comete em face dela e dos
seres nela viventes e de que modo podemos trabalhar para que as legislações
brasileiras, a começar pela Constituição Federal e também os diplomas mundiais
tornem-se mais “verdes” e sustentáveis.
O grande desafio e talvez uma alternativa para a atenuação destes riscos é
entender como as leis podem ser mais efetivas na solução dos problemas
apresentados diante de uma sociedade global de riscos, apontada por Ulrich Beck1,
em que o homem se apresenta capaz de criar e destruir, de que modo catástrofes
ambientais e acidentes provocados pela intervenção humana possam ser evitados.
A ideia da compensação ambiental é muito vaga e muito óbvia. É cômodo
resolver os problemas das degradações cometidas entendendo como única saída a
indenização, mesmo sabendo que isso não devolve à natureza o status anterior e
mesmo compreendendo que isso não contribui na manutenção da qualidade
ambiental.
No contexto dos animais não humanos, propõe-se uma reflexão da
necessidade em se evitar a extinção das espécies, a sua utilização desregrada para
pesquisa, divertimento e tantas outras formas; enquanto estes problemas não
puderem ser evitados e não simplesmente “compensados” ou “indenizados” não
conseguiremos manter um meio ambiente ecologicamente equilibrado e adequado
para a vida.
1 BECK, Ulrich. Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. 1 ed. São Paulo: Editora 34,
2010.
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A Constituição Federal resguarda o meio ambiente ecologicamente como
direito fundamental, de forma a garantir às futuras gerações, no mínimo, o que as
presentes possuem nos dias atuais. Nesta concepção, é preciso refletir sobre a ideia
de preservação e a proteção do meio onde vivemos, não só como um direito, mas
também como um dever fundamental.
2. DA PRESERVAÇÃO AMBIENTAL À PREOCUPAÇÃO COM O ANIMAL
Em um breve histórico da proteção ambiental, faz-se necessário trazer os
principais encontros sobre o meio ambiente e os pensamentos iniciais sobre a
sustentabilidade.
Apontada como marco internacional, a Conferência de Estocolmo, realizada
em 1972, trouxe reflexões no sentido de um desenvolvimento capaz de atender às
necessidades atuais sem abandonar as gerações vindouras. Neste momento, é
possível visualizar um pensamento voltado para os direitos ambientais e sua
associação aos direitos humanos, mais adiante trabalhados também no aspecto não
humano.
Interessante lembrar o importante papel exercido pelo relatório Bruntland,
também denominado “Nosso Futuro Comum”, que, em 1987, definiu os pilares do
desenvolvimento sustentável, sendo eles, ambiente, economia e sociedade.
Merece destaque o fato de que tais pilares vêm sendo questionados
atualmente, haja vista serem entendidos como componentes de um conceito fraco,
vulnerável de sustentabilidade, em que a preocupação central estaria nas
necessidades humanas, ainda que para isso fosse necessário o sacrifício do meio
ambiente. Sob a ótica dos recursos naturais, o conceito mais adequado, portanto,
estaria baseado em dois pilares, sendo eles, economia e sociedade. A diferença
básica é que, no último conceito, o fundamento está acima dos pilares.
A ECO 92 ou RIO 92, assim conhecida por ter sido realizada no Rio de
Janeiro, consolidou os conceitos de sustentabilidade, apontando como os países
desenvolvidos como grandes responsáveis pelo desinteresse na preservação
associada ao desenvolvimento.
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A Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável que ocorreu na África
do Sul, em Johanesburgo, em 2002, também chamada de RIO + 10, por ter
acontecido dez anos após a RIO 92, destinou-se a estipular planos para que os
princípios anteriormente estabelecidos fossem cumpridos.
Recentemente, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável, denominada RIO + 20, realizada em 2012 no Rio de Janeiro, buscou
renovar o compromisso com o desenvolvimento sustentável.
Nesta esteira, diante da latente preocupação com o meio ambiente, surge
também o pensamento voltado à crise ecológica, provocada pelas atitudes humanas
diante da natureza e dos seres que nela habitam.
Diante disto, assevera o professor Ingo Wolfgang e Tiago Fensterseifer2 que a
dignidade e a própria existência humanas estão ameaçadas pela crise ambiental e o
mais impressionante é que o principal culpado é o próprio homem, considerado
como a espécie que mais ameaça e degrada. O homem necessita dos outros seres
e se mostra incapaz de protegê-los para que não lhe faltem no futuro.
3. CONCEPÇÕES SOBRE ANIMAIS NÃO HUMANOS
3.1. Evolução e aspectos filosóficos
Nos registros mais remotos, mais precisamente antes de Cristo (Velho
Testamento), já visualizamos sinais de proteção aos animais quando, no dilúvio, Noé
teria salvado em sua arca um casal de cada espécie animal, demonstrando
preocupação com a vida animal. Buda também já teria se manifestado contra a
morte de qualquer semelhante, afirmando que o homem pede que Deus tenha
misericórdia de sua vida, mas não tem demonstrado capacidade de ser piedoso com
as vidas de outros seres.
Em relação aos filósofos, Aristóteles teria sido considerado o precursor da
zoologia, tendo classificado os animais em espécies. Ele destacou a animalidade
2 FENSTERSEIFER, Tiago; SARLET, Ingo Wolfgang. Direito Constitucional Ambiental: Estudos
sobre a Constituição, os direitos fundamentais e a proteção do ambiente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
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humana como algo valioso, a capacidade de raciocínio e a justiça, sendo esta última
considerada como o bem do outro3.
Pitágoras também se preocupou com essa proteção e, segundo ele, os
animais não humanos e o homem tinham em comum a alma e pensava ser terrível
que um ser vivesse da morte de outro, sendo, por isso, vegetariano4.
René Descartes tinha a concepção de animal-máquina; equiparando os
animais a máquinas móveis ou autômatos e, de modo diverso em relação a
Pitágoras, entendia que os não humanos eram diferentes do homem por não
possuírem alma, somente corpo. Para ele, os animais não possuem valor intrínseco,
havendo uma separação entre o homem e a natureza. Tal separação poderia ser
responsável pelo estágio de degradação ambiental que viveríamos atualmente5.
Acompanhando a evolução do entendimento da posição dos animais não
humanos como coisa/sujeito de direitos, após a revolução Francesa, a natureza era
tida como coisa, ou seja, era algo a ser utilizado, destruído, estava a serviço da
pessoa humana. Os animais não humanos seriam vistos como elementos do
patrimônio (recursos mineráveis).
Atualmente, existe a preocupação de “descoisificar” a natureza procurando
atribuir a ela e a seus componentes determinados direitos.
Não há que se espantar com o comportamento do ser humano perante os
animais, posto que, há bem pouco tempo, o próprio homem deixou de ser tratado
como não humano por integrantes de sua própria espécie, como aponta Heron José
de Santana, comparando o comportamento do homem diante do animal não humano
como o mesmo dispensado aos seres humanos nos tempos de escravatura. Neste
3 BALDIN, Mateus de Campos. Animalidade e os limites da justiça em Aristóteles: Um estudo
sobre a possibilidade de uma teoria aristotélica da justiça para com animais não-humanos. Dissertação de mestrado. Programa de pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Porto Alegre, março de 2008. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/14067/000659249.pdf?sequence=1>. Acesso em 26 ago.2013. 4 LAÊRTIOS, D. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. 2ª ed. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 2008. 5 FENSTERSEIFER, Tiago. SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas notas sobre a dimensão ecológica da
dignidade da pessoa humana e sobre a dignidade da vida em geral. In: MOLINARO, Carlos Alberto; MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de; SARLET, Ingo Wolfgang. FENSTERSEIFER, Tiago (Org.). A dignidade da vida e os direitos fundamentais para além dos humanos: uma discussão necessária. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 175-205. ISBN 978-85-7700-120-0.
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sentido, aponta o Autor que se encontra próximo o momento em que o homem
reconhecerá os demais seres como integrantes da comunidade moral.
Segundo Heron Santana6:
Ainda hoje, no entanto, milhões de animais sencientes, nascidos livres, são roubados, capturados, mutilados, vendidos como mercadoria, espoliados na realização de trabalhos forçados, ou simplesmente mortos e devorados, sem qualquer direito a defesa, e poucos de nós se compadece com o sofrimento desses seres, muitos deles tão próximos de nós na cadeia evolutiva. Será mesmo que nós temos o direito de tratar assim as demais espécies?
Filósofo da atualidade, Peter Singer, conhecido por ter sido pioneiro no
movimento de libertação animal, vegetariano e adepto à teoria utilitária, pensada
pelos filósofos Jeremy Bentham and John Stuart Mill, entende não ser plausível
submeter animais a sofrimento, em razão do costume de comer carne. Admite que
em determinadas circunstâncias esse sofrimento se justifique, afirmando que o
problema encontra-se no fato de não buscarem outros meios antes de expor o
animal ao desgaste físico.
Entende Singer7:
Eu não seria necessariamente contra se usar animais para pesquisa de remédios e tratamentos, caso essa fosse a única alternativa para salvar muitas vidas humanas. Mas eu teria de ter certeza de que essa é a única alternativa. E, muito frequentemente, não é. Às vezes, é simplesmente a forma com que os cientistas se acostumaram a trabalhar. Eles não buscam alternativas.
Outro filósofo que se destaca no pensamento sobre os direitos dos animais é
Tom Regan; afirma serem os animais não humanos “sujeitos de uma vida”,
condenando o comportamento humano de decidir sobre os destinos dos demais
seres.
Nessa esteira, entende Regan8 que os animais não possuem os mesmos
direitos que o homem, nem mesmo os homens possuem os mesmos direitos entre si
6GORDILHO, Heron José de Santana. Abolicionismo animal. Disponível em:
<http://abolicionismoanimal.org.br/artigos/abolicionismoanimal.pdf>. Acesso em 26 ago. 2013; GORDILHO, Heron José de Santana. Abolicionismo animal. Salvador: Editora Evolução, 2008. 7 SINGER, Peter. Entrevista com o filósofo Peter Singer à revista Época. Disponível em:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDR74453-5856,00.html. Acesso em 29 ago. 2013. 8 REGAN, Tom apud ARGÔLO, Tainá Cima. Animais não humanos encarados como sujeitos de
direitos diante do ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em: http://www.svb.org.br/curitiba/artigos/animais.pdf. Acesso em: 11 jun. 2013.
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e exemplifica que determinados portadores de deficiências mentais graves não
possuem acesso ao ensino superior, concluindo, com isso, que humanos e os
demais animais compartilham um direito moral básico, ou seja, o direito de terem
suas vidas respeitadas e protegidas.
3.2. Teorias
Na atual prática processual, os animais não humanos são tratados como
meros objetos de direitos, haja vista a ausência de capacidade para ser parte em
uma lide; destarte, ao longo da história da humanidade, diversos são os relatos que
nos mostram que tal acepção era diversa, eis que animais eram processados e
julgados, da mesma forma que os humanos.
Entre os séculos XI a XVI o julgamento de demandas envolvendo animais era
de competência de duas Cortes: as Eclesiásticas e as Seculares. Aquelas se
incumbiam de analisar os casos em que causassem danos patrimoniais, ou seja, os
animais, insetos eram julgados por atos praticados contra o patrimônio do homem;
enquanto as Cortes seculares possuíam competência para processar e julgar os
casos em que houvesse atentado à integridade física ou à vida dos seres humanos9.
Relatos demonstram que em 1713, no Brasil, aconteceu em uma pequena
cidade do interior Maranhense, um julgamento envolvendo insetos, mais
precisamente os cupins. Estes invadiram um mosteiro franciscano culminando sérios
danos de ordem patrimonial. Neste caso, a decisão deu-se no sentido que a ordem
religiosa deveria ceder um pedaço de terra para aqueles que pudessem viver
livremente, denotando, pois, que o animal não humano seria detentor de direitos.
Na época supra citada, os besouros, gafanhotos, cupins, mulas, cães, bois,
porcos, gatos, galinhas eram tratados de idêntica forma aos humanos, nos casos de
uma eventual responsabilização civil ou penal; porém, à esses era nomeado pelo
Estado um defensor, demonstrando tratamento equivalente às pessoas, sendo as
execuções penais realizadas em locais públicos e os animais eram travestidos com
roupas dos seres humanos.
9 LOURENÇO, Daniel Braga. Direito dos Animais – Fundamentação e Novas Perspectivas. Sergio
Antônio Fabris Editor: Porto Alegre, 2008.
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Estes relatos soam-nos, em um primeiro momento, como uma fábula ou algo
sarcástico, todavia, configura uma realidade que perdura até os dias atuais em
alguns países do mundo.
Ante ao passado e à nova realidade, Medeiros10, questiona:
Quando alguém age de maneira nobre, com compaixão, amor, fraternidade, solidariamente, rapidamente fala-se que se trata de uma ação humana. Contrario sensu, quando outro alguém age cruelmente, friamente, violentamente, sem dúvida nenhuma que se trata de um comportamento animalesco. Por quê?
Cientistas descobriram que várias espécies de animais não humanos
estabelecem comunicação, laços culturais, aproximando-se dos humanos, levando-
se, portanto, a concluir que estes animais possuem comportamento humanitário,
sendo merecedores de proteção.
Com base nessa ideologia foram suscitadas, por alguns estudiosos, teorias
acerca da proteção aos animais não humanos.
Conforme já citado, Peter Singer utilizou-se da Teoria do Bem Estar Animal
para pugnar pela regulamentação da exploração destes, desde que fosse conduzida
com humanidade. Levando-se em consideração que os animais são seres morais,
porém, ignorando tal posicionamento quando o contrário os beneficiar. Por
derradeiro, críticas a esta formulação surgiram, com o fundamento de que os
animais não são propriedade ou recursos naturais.
Também já mencionado, Tom Regan defende a Teoria dos Direitos dos
Animais, propondo a abolição do uso dos animais para qualquer benefício humano,
por entender que estes seres possuem valor inerente, o qual deve ser respeitado,
eis que são sujeitos de uma vida. Denota-se uma visão antropocêntrica alargada, na
qual, animais não são vistos como “coisa”, “propriedade”, os interesses destes
devem ser protegidos por “direitos”. Visão idêntica também é a do Advogado
americano e grande defensor dos direitos dos animais, Steven M. Weise.11
Outra teoria mais recente é a Ética Ambiental ou Ambientalismo, a qual
contesta os critérios adotados por Regan e Singer, pregando e defendo o “estar
10
MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 140. 11
WISE, Steven M. 2002 apud LOURENÇO, Daniel Braga, 2008. p.442.
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vivo”, sustentando um sistema de agregação, considerando o ecossistema como um
todo.
No Brasil, Heron Santana12 através da Teoria do Abolicionismo Animal
entende que os animais são sujeitos de direito, portanto, dignos de proteção.
É grande o equívoco daqueles que se opõem ao abolicionismo animal imaginar que se trata de um movimento contra a humanidade, e que, portanto, os homens e animais devem ser tratados de uma forma igual. Em verdade, não se pode negar o estágio de moralidade em que significativa parte da humanidade se encontra é uma característica exclusiva da espécie humana. Mas é justamente por isso, é porque não deixamos de reconhecer dignidade moral ou status jurídico mesmo aos membros da nossa própria espécie destituídos de atributos intelectuais, como os deficientes mentais, a pessoas fictícias ou entes jurídicos Os animais serão assistidos em juízo pelos representantes despersonalizados, que devemos elevar ainda mais essa moralidade, e nela incluir esses seres que nos são ascendentes na escala evolutiva.
Diante da ilustração das teorias suscitadas acerca da temática, nota-se que
todas encontram-se enraizadas a uma teoria de dever fundamental, baseada no
princípio da dignidade para além da vida humana, como bem assevera Fernanda de
Medeiros.
4. A DIGNIDADE SOB O ASPECTO HUMANO E NÃO HUMANO
A dignidade passa pelo entendimento de ser ou não o animal não humano
sujeito de direitos.
Por meio de visões antropocêntricas diferentes, a doutrina militante na
temática discute acerca de uma tutela específica em interesse ao animal não
humano, como possuidor de valoração moral e jurídica.
Para chegar-se a esta tutela almejada, foram suscitadas algumas teorias, tais
como a personificação dos animais, equiparando-se aos incapazes; e a teoria dos
entes despersonalizados, o qual defende a tese dos animais serem “sujeitos” de
direito; há também quem situe os animais como um ente intermediário entre “coisas”
e “pessoas”.
12
GORDILHO, 2008, pdf.
239
4.1. Direito moral
Há muita discussão sobre a titularidade dos direitos humanos para além dos
humanos, destacando-se o posicionamento de Ingo Sarlet13 que entende que se não
houver possibilidade de estender tais direitos a outros seres, a atitude básica a se
tomar seria protegê-los.
Para Anamaria Feijó14, o termo “dignidade” lembraria “pessoa humana” e
direitos humanos.
Kant15 entende que a dignidade seria atributo apenas do ser humano racional,
não deixando de lado o tratamento humanitário para com os animais não-humanos.
A crítica ao pensamento de Kant está justamente no fato de nos perguntarmos para
que o ser humano sentiria compaixão de um animal ou piedade, se eles fossem
apenas coisas.
Em contrapartida, Tom Regan afirma que admitir um direito moral a um
animal não humano não significa atribuir a ele os mesmos direitos dos seres
humanos e nem imaginar que os demais seres teriam direitos absolutos. Os direitos
humanos seriam espécies de direitos morais e, nesta vertente, só conseguiríamos
compreender se os animais não humanos seriam titulares de direitos, analisando se
eles seriam ou não sujeitos de uma vida.
De acordo com a análise do comportamento e da vida dos animais não
humanos, verifica-se que a linguagem utilizada por eles com seus sons e gestos,
pode ser compreendida por nós, além disso, há neles muitas características
semelhantes aos humanos, como os sentidos e os órgãos. Diante disto e do
pressuposto de que os homens são sujeitos de uma vida, Regan entende que os
animais não humanos também são sujeitos de uma vida, merecendo respeito e
consideração, concluindo, por isso que a ninguém é dado o poder de decidir sobre o
destino de outrem. Desta forma, sendo considerados direitos de uma vida, seria
necessário também atribuir aos animais direitos, tornando-os, sujeitos de direitos.
13
SARLET, 2008, p. 105. 14
FEIJÓ, Anamaria Gonçalves dos Santos. A dignidade e o animal não-humano. In: MOLINARO, Carlos Alberto; MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de; SARLET, Ingo Wolfgang. FENSTERSEIFER, Tiago (Org.). A dignidade da vida e os direitos fundamentais para além dos humanos: uma discussão necessária. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 127-143. ISBN 978-85-7700-120-0. 15
KANT, Immanuel. apud FEIJÓ, Anamaria Gonçalves dos Santos, 2008.
240
A Declaração Universal dos direitos dos animais16 traz o termo “dignidade
animal” e aponta como incompatíveis com esta dignidade os espetáculos que
expõem esses seres ao público.
Peter Singer afirma que em relação aos animais sensíveis, eles têm, no
mínimo, o interesse de não sentir dor. Para ele, o critério da sensibilidade insere os
animais em uma comunidade moral e os torna dignos de respeito. A dignidade do
animal não humano seria intrínseca a ele pela capacidade de sentir.
Tom Regan é totalmente contrário à utilização dos animais não humanos
pelos humanos. Para ele, só possuem direitos os titulares de uma vida, sendo assim
considerados os seres portadores de consciência do mundo. Para o filósofo, os
animais não humanos não devem possuir os mesmos direitos que o homem, mas
sim os direitos básicos: vida, liberdade, integridade corporal e outros, enfatizando
que é digno de respeito quem possui tais atributos.
Para Tiago Fensterseifer, o fundamento não deve ser a dignidade ou
compaixão humana, mas a própria dignidade inerente à existência dos animais não
humanos. Entende-se que o animal é digno pelo simples fato de existir, estando esta
dignidade fundamentada no valor intrínseco de não ter o seu interesse agredido e na
representação da vida.
4.2. Comunidade moral
A filosofia entende que a dignidade é um valor intrínseco à moral, e que esta
consiste em conjunto de valores, de normas e de noções do que é certo ou errado,
proibido e permitido, dentro de uma determinada sociedade, de uma cultura. Esta é
importante para que possamos viver em sociedade, e consequentemente garante a
solidariedade social, visto que considerar o outro ou o próximo é um aspecto
fundamental à moralidade.
Chamamos de comunidade moral o conjunto de seres e indivíduos que
julgamos dignos de condição moral. Embora este conceito esteja enraizado à
16
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS ANIMAIS. Adotada e proclamada em Bruxelas (Bélgica), em 27 de janeiro de 1978. Disponível em: > <http://www.urca.br/ceua/arquivos/Os%20direitos%20dosanimais%20UNESCO.pdf>. Acesso em: 07 set.2013.
241
concepção darwiniana, inegável afirmar que existem animais com níveis elevados de
senciência que até mesmo reconhecem sua imagem defronte ao espelho.
A noção de comunidade moral tem importância crucial em qualquer discussão
ética relacionada aos tipos de relação e de exploração dos animais pelos humanos.
É possível afirmar que na sociedade atual, animais são vistos apenas como
uma finalidade humana que buscamos para nossa alimentação vestuário,
divertimento e para fins de pesquisa científica, ou seja, são mortos sem qualquer
direito de defesa, eis que são considerados seres “amorais” pelos que criticam os
direitos dos animais, consoante assevera Trajano17.
Afirma Sônia T. Felipe18 que:
A história humana prova que não evoluímos moralmente a não ser quando damos um passo no sentido de ampliar o círculo da moralidade no qual admitimos que seres diferentes de nós são dignos de nossa consideração e apreço morais. Foi assim com os estrangeiros, as mulheres, os negros, as crianças, os deficientes. O desafio, hoje, é ampliar o círculo para admitir o ingresso nele de seres não humanos, animais e ecossistemas, que, embora não sejam capazes de agir racionalmente, vivem à mercê das ações de sujeitos capazes de agirem racionalmente. O que se espera de quem é capaz de agir racionalmente é que amplie o horizonte de seus fins, incluindo o bem próprio de outros seres vivos como alvo das decisões e ações empreendidas. Racionalidade tem a ver com expansividade, não com enrugamento, dobras, pregas e pequenez.
Diante destas ponderações, Medeiros19 indaga, considerando que os animais
compõem as comunidades morais, se estes assumirão deveres diretos para com os
animais ou somente indiretos, derivando de deveres para com os humanos?
O enfrentamento da questão levanta dimensões antropocêntricas diferentes,
pois uma comunidade moral engloba todos os indivíduos que merecem uma
consideração moral direta e é embasado nesta afirmação que se conclui que o
resguardo da dignidade deve ser estendido para além da vida humana.
Wise20 propõe a autonomia prática como critério de definição ético-jurídica da
distinção dos seres vivos, exemplificando através de características como
17
SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Animais em Juízo. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/10744/1/Tagore.pdf> Acesso em 24.ago.2013. 18
FELIPE, Sônia T. Comunidade Moral. Disponível em: <http://www.anda.jor.br/29/12/2009/comunidade-moral>. Acesso em 24 ago.2013. 19
MEDEIROS, 2013, p.174. 20
WISE, Steven M.,2002 apud FEIJÓ, Anamaria Gonçalves dos Santos, 2008.
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sensibilidade, percepção de si, desejo e intenção como indícios ou evidências de
que certos animais têm autonomia prática.
Inegável afirmar que animais conscientes, que possuem capacidade de fazer
escolhas estão próximos ao homem razão pela qual, são dignos de proteção, sendo
esta proporcional à sua capacidade de coordenar as suas próprias ações.
Felipe21, em seus estudos acerca da proteção dos animais não humanos
vistos como membros de uma comunidade moral, conclui:
Tal conclusão, racional, compromete o agente moral a não causar dor e sofrimento a qualquer ser senciente, por uma questão de simples coerência. Que isso lhe causa desconforto, é quase certo. Mas, racionalidade moral não tem acordos com a comodidade. Maltratar seres sencientes, para tirar deles benefícios que só deveriam ser buscados com empenho próprio, é algo que a razão humana, quando não se encontra talhada para instrumentalizar os outros, reconhece como injustificável.
Para Regan, o conceito de ser humano ou de pessoa não serviria para definir
todos os seres em uma categoria universal, propondo então a conceituação de
sujeitos de uma vida, pois visto sob esta ótica, todos somos moralmente idênticos,
todos somos iguais.
Se os animais não humanos são sujeitos de uma vida, há de reconhecer aos
mesmos, direitos morais e jurídicos, desta forma alcançaremos o devido respeito a
todos os seres capazes de sentir dor e de sofrer.
5. POSSIBILIDADE DE TITULARIZAR DIREITOS EM AÇÕES JUDICIAIS
Após o entendimento de que os animais não humanos são sujeitos de uma
vida, sendo, por isso, portadores de direitos básicos e pertencentes a uma
comunidade moral, sendo, por essa razão, considerados dignos de respeito, surge o
questionamento acerca da titularidade de direitos diante de uma demanda judicial.
Atualmente, na maioria das legislações do mundo, os homens são partes
legítimas para defender os animais em juízo. Mas os estudiosos já consideram a
possibilidade dos próprios animais terem legitimidade. Apontam esta possibilidade,
fundamentados no fato de que, em determinado momento, o homem poderá não ter
21
FELIPE, 2009, pfd.
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sofrido qualquer dano que justifique um ingresso em juízo em nome de um animal.
Isso deixa de ser visto com espanto quando analisamos a situação das pessoas
jurídicas, como por exemplo, o espólio e a massa falida, que já podem demandar em
juízo, no Brasil.
Um caso famoso aconteceu na República da Alemanha22, quando focas,
lobos e leões marinhos propuseram ação contra o governo alemão, objetivando que
fosse proibida a “marinha de resíduos venenosos”, ou seja, o transporte de dejetos
para alto-mar e a consequente poluição decorrente desta prática, que levava à morte
diária diversas espécies marinhas. Neste pleito, o Tribunal recusou a ação, inclusive
tendo determinado o pagamento de custas para os lobos marinhos, justificando a
decisão, dentre outros motivos: a) na incompetência do juízo, pois, habitando os
lobos em alto-mar, estariam fora do território da República da Alemanha, estando,
portanto, fora de sua jurisdição; b) na ilegitimidade, por faltar subjetividade ou
capacidade jurídica por serem animais e, c) na falta de mandato processual para os
advogados, por não poderem outorgar já que não são pessoas, e sim, coisas, não
possuindo personalidade jurídica e direitos próprios.
Outro conhecido fatídico que promoveu a discussão da legitimidade para
estar em juízo foi o do Chimpanzé Jimmy23, no Brasil, em que diversas entidades
defensoras do meio ambiente, dentre elas, Heron José Santana Gordilho, membro
do Ministério Público da Bahia, um dos pioneiros na defesa animal no país,
impetraram habeas corpus em favor do paciente Jimmy, que vivia enjaulado no
zoológico de Niterói. Neste caso, o juiz da 5ª Vara de Niterói não conheceu do
habeas corpus com o argumento de que a CF previu tal remédio constitucional
quando “alguém” sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua
liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, dizendo que apenas
pessoas físicas ou jurídicas são consideradas sujeitos de direito na ordem civil e que
22
PAUL, WOLF. A irresponsabilidade organizada? Comentários sobre a função simbólica do Direito Ambiental. In: OLIVEIRA JÚNIOR, José Alcebíades de (Org.). O novo em Direito e Política. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 177-184. 23
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (Segunda Câmara criminal). Habeas Corpus n.º 0002637-70.2010.8.19.0000. Impetrantes: 1. Dr. Heron José de Santana Gordilho e outros. Paciente: Jimmy. Autoridade coatora: Juízo de Direito da 5ª Vara Criminal de Niterói. Relator: Desembargador José Muiños Piñeiro Filho. Rio de Janeiro, 05 de novembro de 2010. Disponível em:<http://www4.tjrj.jus.br/ejud/ConsultaProcesso.aspx?N=201005900611>. Acesso em: 16 jun. 2013.
244
os animais são caracterizados como bens móveis. Em segunda instância, foi
indeferida a tutela antecipada requerida, sob o argumento de que “à exceção do
homem, na sua condição de humano, nenhum outro ser vivo pode ser beneficiado
ou sujeito do habeas corpus”. No mérito, não foi conhecido o recurso.
A discussão tende a continuar latente, tendendo para a mudança de
paradigmas, principalmente fundamentada na corrente que reconhece a dignidade
para além da vida humana.
6. SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL E AS TENDÊNCIAS DOS TRIBUNAIS
BRASILEIROS
A Alemanha, pioneira na proteção constitucional dos animais, previu a
“pequena solução” e estabeleceu uma proibição de retrocesso neste aspecto. Inseriu
a expressão “bases naturais da vida” ao invés de “vida humana”.
Na Constituição da Suíça, foi reconhecida a dignidade da criatura, onde o seu
idealizador Peter Saladin apontou três princípios éticos: solidariedade, respeito
humano pelo ambiente não humano e responsabilidade para com as futuras
gerações.
A Constituição Federal Brasileira, ao prever, em seu artigo 225, §1º, VII, que é
dever do Poder Público a proteção da fauna e a flora, sendo proibidas, as práticas
que coloquem em risco a sua função ecológica, levem à extinção espécies animais e
naturais e submetam os animais à crueldade, abandona as origens antropocêntricas
e volta o olhar para o aspecto biocêntrico.
Ingo24 defende que quando as legislações infraconstitucionais, como por
exemplo, a lei dos crimes ambientais (Lei 9605/98) criminaliza o ato humano contra
a vida e o bem-estar animal, reconhece um valor próprio à vida animal,
independente da utilidade ao ser humano.
Em relação à aplicação do princípio da precaução, Ayala25 entende que,
embora a Constituição Federal não o traga expressamente, ela incentiva a sua
aplicação quando proíbe a crueldade com animais. Aponta ainda que o elemento
24
SARLET, 2008. p. 140. 25
AYALA, Patryck de Araújo. O Princípio da Precaução e a Proteção Jurídica da Fauna na Constituição Brasileira. Revista do Direito Ambiental 39: ano 10.jul/set.2005.
245
cultural coloca empecilhos para a aplicação da precaução, pois lida com situação de
risco não comprovado cientificamente. O STF, ao reconhecer a crueldade nas
práticas tidas como “culturais”, como, por exemplo, “farra do boi” e “rinha de galo”,
reconheceu que a Constituição Federal protege não apenas o homem, mas também
o animal não humano.
Não há que se discutir que a legislação brasileira é escassa no que concerne
à proteção do animal não humano, conforme assevera Medeiros26; seja por lacuna
de proteção em alguns pontos, seja por regulamentação de duvidosa qualidade para
se obter uma efetiva proteção dos animais não humanos.
Como já demonstrado, a Constituição Federal tratou de dar proteção aos
animais não humanos, embora não expressamente.
Importante ilustrar como os Tribunais Brasileiros têm enfrentado questões tão
recorrentes como estas, eis que já são inúmeros os casos onde os direitos dos
animais são colocados em discussão.
O Superior Tribunal de Justiça já tem se mostrado “aberto” à determinação de
um estatuto jurídico aos animais, devendo, pois, ser analisado qual o alcance
atribuído a essa proteção pela ordem constitucional vigente, porém, em consulta às
suas jurisprudências, verifica-se que o mesmo têm tendido a situar os animais não
humanos a perspectivas diferentes; sendo numa primeira como “bens”, dentro de
uma visão/proteção privada, patrimonial, vinculada aos interesses e utilidades dos
seres humanos; e numa segunda perspectiva situa os animais, tais como, cães,
gatos, não como “coisas”, mas sim seres dotados de afetividade, vida biológica e
psicológica, razão pela qual os “atos de crueldade” contra estes, devem ser banidos,
impondo-se ao poder estatal o dever de impedir práticas cruéis aos animais não
humanos.
Recente caso, baseado nesta segunda perspectiva, foi fomentado pela mídia
quando um Prefeito de uma cidade do interior do Pará distribuiu dinheiro para
pessoas que capturassem animais abandonados pelas ruas da cidade, como
medida de saneamento. Segundo esta autoridade, tais animais deixavam o
ambiente sujo e suscetível a doenças, razão pela qual os mesmos foram levados
26
MEDEIROS, 2013, p.252.
246
para a zona rural, sendo que muitos deles morreram por maus tratos e lançados do
rio que permeia a cidade.
Casou choque à sociedade o fato de que estes animais não se encontravam
doentes, portanto, não colocavam em risco a saúde daquela coletividade, ou seja,
não justificariam uma eutanásia, tendo sido tal ato realizado por puro desrespeito
aos direitos dos animais.
Como anteriormente dito, o caso é recente e certamente será levado em
apreço ao Tribunal de Justiça do Pará, contudo, é sabido que a tendência dos
Tribunais Brasileiros é proteger os animais não humanos contra os atos de
crueldade praticados pelos humanos.
Tornam-se ainda mais dificultosas as decisões onde envolvem colisões de
direitos fundamentais, tal como acontece nos casos em que animais são sacrificados
por humanos por convicção religiosa. Em juízo de ponderação, apresentam-se à
análise dos julgadores dois direitos fundamentais liberdade de crença (já que em
algumas religiões não se consegue exercer livremente o culto sem o sacrifício dos
animais) e direito à vida sob todas as formas.
Apesar dos Tribunais Brasileiros estarem caminhando no sentido de dar
proteção aos animais, resta aguardar os eventuais casos concretos para que se
consiga observar a direção dos posicionamentos judiciais.
7. CONCLUSÕES
O estudo e as discussões que envolvem os direitos dos animais não humanos
devem ser vistos como uma necessidade premente no direito brasileiro, bem como
perante a toda comunidade internacional, eis que diante de um contexto de riscos
em que estamos suscetíveis a catástrofes e transformações globais, o mínimo que
se pode exigir é a proteção enquanto natureza dos seres que nela habitam de
maneira concreta, enquanto esses seres ainda existem e se permitem proteger.
É necessária a reflexão acerca do futuro da humanidade, sabendo que
vivemos em uma sociedade coroada por incertezas.
247
Basta pensar: se em situações normais não conseguimos trabalhar com tais
dificuldades, desrespeitando a vida de outros seres, em especial, do animal não
humano, pouco provável será a manutenção de uma qualidade ambiental capaz de
estender benefícios a uma geração posterior.
Concordando com os pensamentos de Trajano, chegamos à conclusão de
que o mundo atual não aceita mais um ordenamento que protege poucos em
detrimento de muitos, sendo necessárias mudanças para que caminhemos a um
rumo de vida sustentável.
É imprescindível para que ocorra esta evolução que não desconsideremos do
âmbito da comunidade moral os seres que não raciocinam logicamente, nos termos
considerados louváveis pelos humanos, pois se assim o for, excluiremos muitos
homens do círculo dos seres dignos de respeito moral e manteremos forçosamente,
fora desse círculo, todos os seres vivos não humanos.
Insta-nos concluir que é urgente e necessária a transformação de
perspectivas em relação ao tratamento dos animais não humanos, com a certeza de
que não são simples objetos a serviço do homem, devendo ser considerados dentro
de uma conjuntura de respeito pela vida.
Os seres não humanos não podem mais ser considerados de qualquer modo,
os pensamentos evoluíram e a consciência também precisa caminhar nesse sentido.
Da mesma maneira que deixamos de destratar seres da nossa própria espécie,
como fazíamos nos tempos da escravatura, precisamos valorar os demais seres e
incluí-los dentro do conceito de comunidade moral, com a certeza de que esta não
abriga apenas seres humanos, mas a natureza, em geral, que também merece
tratamento digno.
Portanto, o livre arbítrio do ser humano não pode ser usado de maneira que
prejudique a vida, em qualquer de suas formas, caso contrário, haverá um abuso da
liberdade que lhe foi concedida, enquanto ser complexo e racional, e uma
contradição em relação a estas características, pois, se assim continuar procedendo,
a tendência é que o homem submeta a si próprio e aos que restarem a um ambiente
insuportável de sobrevivência.
248
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