Sistemas Astronômicos - USP · astrônomo e matemático grego Cláudio Ptolomeu (100-168), que por...
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Sistemas AstronômicosVersão Preliminar
(02/11/19)
Clayton Dantas de Sáwww.plantaofisica.blogspot.com.br
1-Introdução
As antigas sociedades humanas tinham uma real necessidade de entender o movimento dos
astros e dos planetas, essa necessidade podia estar ligada à elaboração de melhores calendários para
prever a época de plantio, da colheita, das chuvas e outras atividades cíclicas da natureza, ou podia estar
ligada às suas demandas espirituais, com a comemoração de datas festivas ou a elaboração de
horóscopos, esta necessidade levou o homem a elaborar modelos de funcionamento do universo ao seu
redor, tentando entender e prever as posições do Sol, da Lua, das estrelas e dos planetas.
Mas o que era o universo para estes povos? Algo muito menor e mais simples do que
conhecemos hoje. O universo se limitada ao que era observado a olho nu, não se conheciam os
planetas Urano e Netuno, nem os asteroides entre Marte e Júpiter. As distâncias entre os corpos
celestes eram desconhecidas e a própria natureza dos planetas e das estrelas eram ignoradas.
Desta forma, descrever o “universo” (assim, entre aspas) era descrever o movimento das
estrelas, do Sol, da Lua e dos planetas, e isto já foi um trabalho complexo o suficiente para ocupar
algumas das maiores mentes produzidas pela humanidade por vários de séculos. A história completa
destas descobertas daria todo um livro, que trataria não só das descobertas em si, mas da matemática,
religião, filosofia e tradições culturais de diversos povos espalhados pelo mundo.
Neste texto vamos nos focar apenas na tradição cultural ocidental e apresentar os dois modelos
de mundo cujo desenvolvimento forneceu a base do surgimento da ciência moderna: o modelo
geocêntrico e o modelo heliocêntrico.
2-O modelo geocêntrico
O termo geocêntrico pode ser traduzido como “A Terra no centro” (geo=Terra; centrico=no
centro). Este modelo, em suas inúmeras variações, considerava que a Terra seria o centro do universo e
que as estrelas, os planetas, a Lua e o Sol girariam em torno de nosso planeta, que permaneceria estático
no céu (por isso o modelo também seria geostático).
Este modelo foi desenvolvido ao longo de vários anos, começando alguns séculos antes da era
cristã e progredindo até a idade média. Suas principais ideias foram compiladas e ampliadas pelo
astrônomo e matemático grego Cláudio Ptolomeu (100-168), que por volta do ano 150 d.C., escreveu
uma obra que mais tarde foi chamada de Almagesto (um termo árabe que significa “A obra maior”).
Neste trabalho Ptolomeu imaginou que os planetas estariam ligados a um intrincado sistema de círculos
ligados a outros círculos que, ao se moverem, conseguiam explicar o movimento dos planetas.
Como vemos na Figura 1, o deferente não girava exatamente em torno da Terra (talvez o termo
geocêntrico seja um pouco exagerado) mas em torno de um ponto próximo, marcado como “centro do
excêntrico” na figura. Todos estes círculos eram necessários porque Ptolomeu (Figura 2) estava preso a
uma ideia vinda de Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) segundo a qual todos os movimentos celestes tinham
que ser movimentos perfeitos, isto é, movimentos circulares com
velocidades constantes. A criação do equante foi neste sentido: era
necessário que a velocidade do epiciclo fosse constante em relação a
algum referencial, a solução foi inventar este ponto imaginário para
manter todo o sistema coerente.
Apesar de parecer bastante artificial para os dias de hoje, o
sistema ptolomaico era eficiente em sua função: podia prever com
bastante precisão os fenômenos astronômicos. Aliado à sua eficiência
o sistema foi posteriormente adotado pela Igreja Católica, por
concordar com a interpretação teológica da época, e tornou-se, até
meados do século XVI, o sistema hegemônico do mundo ocidental.
Figura 1: Na figura podemos ver oplaneta ligado a um circulo menor(epiciclo) que por sua vez está ligado aum circulo maior (deferente). Odeferente não gira em torno da Terra,mas em torno de um ponto próximo.
Figura 2: Cláudio Ptolomeu em uma gravura do século XVI
Mas, com o passar dos anos, as medidas astronômicas cada vez mais precisas forçaram os
astrônomos a realizar constantes correções no modelo (como a adoção de mais círculos ligados aos
epiciclos), estas constantes correções começaram a minar lentamente o sistema geocêntrico. Por fim o
lento enfraquecimento do poder da Igreja permitiu que um outro modelo do “universo” começasse a
surgir.
3-Modelo Heliocêntrico
Hélio é o nome do deus Sol da mitologia grega, identificado mais tarde como Apolo, e irmão da
deusa Selene (a Lua), também é o nome do segundo elemento da tabela periódica, um gás nobre que foi
identificado primeiramente no Sol, e só depois descoberto pelos químicos da Terra.
O modelo heliocêntrico é o modelo de “universo” que afirma que o centro dos movimentos
celestes seria o Sol, com os planetas girando em sua órbita e a Lua, e apenas ela, girando em torno da
Terra, estas ideias são tão antigas quanto as ideias geocêntricas, sendo seu principal partidário no
mundo antigo o astrônomo grego Aristarco de Samos (320 a .C. - 250 a. C). Porém o sistema proposto
por Aristarco apresentava problemas complexos demais para o conhecimento da época, por exemplo:
1-Se a Terra se move, por que não sentimos este movimento?
2-Por que não percebemos uma mudança na posição aparente das estrelas devido ao
movimento da Terra (fenômeno conhecido como paralaxe).
A resposta à primeira pergunta foi dada quase 18 séculos depois pelo matemático e físico inglês
Isaac Newton (1643-1727) ao formular suas leis sobre o movimento. A segunda pergunta foi
respondida pelo astrônomo Friedrich Wilhelm Bessel (1784-1846) que mediu a paralaxe da estrela 61
Cygni na constelação de Cisne, mas sem estas preciosas respostas o modelo heliocêntrico foi
abandonado por séculos, e Aristarco foi acusado de perturbar o repouso dos deuses com suas ideias.
O ressurgimento do heliocentrismo se deve principalmente ao astrônomo polonês Nicolau
Copérnico (1473-1543) que publicou duas obras sobre o tema. A primeira obra criticava certos aspectos
filosóficos da obra de Ptolomeu (como o equante) e a segunda obra (póstuma) apresentava seu sistema
heliocêntrico.
Este modelo copernicano tem muitas diferenças em relação ao modelo atual. Por ainda estar
preso aos movimentos circulares perfeitos de Aristóteles, Copérnico (Figura 3) continuou a fazer uso
de epiciclos para explicar o movimento dos planetas, sendo o resultado final quase tão complexo
quanto do de Ptolomeu, porém o sistema apresentava algumas das ideias que foram fundamentais para
o desenvolvimento do sistema:
1-O centro do “universo” era perto do Sol.
2-A Lua girava em torno da Terra.
3-É a Terra que gira em torno do seu eixo a cada 24 h, e não as estrelas que giram em
torno do planeta.
4-A distância entre o Sol e as estrelas é muito maior que a distância entre a Terra e o
Sol.
O modelo de Copérnico permitia explicar o movimento dos
planetas, a variação de sua luminosidade e colocar os planetas na
ordem correta (Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter e Saturno),
porém mudar séculos de história não é simples. O sistema não foi
imediatamente aceito pelos acadêmicos da época, ou pela igreja.
Um dos grandes opositores deste sistema foi o dinamarquês
Tycho Brahe (1546-1601), um astrônomo que coletou por mais de
uma década os mais precisos dados astronômicos de sua época, tendo
como um dos objetivos de seu trabalho o de demostrar o erro de
Copérnico. O próprio Brahe propôs um sistema híbrido, com os
demais planetas girando em torno do Sol e este girando em torno da
Terra. Acontece que Brahe não possuía o talento matemático para
transformar seus dados em um modelo de mundo, e assim convidou o matemático e astrônomo alemão
Johannes Kepler (1571-1630) para ajudar nesta tarefa.
Após a morte prematura de Brahe, Kepler utilizou seus dados para explicar o movimento real
dos planetas em torno do Sol, abandonando o ideal Aristotélico de movimento circular e adotando
órbitas elípticas para os planetas. As famosas Leis de Kepler, que veremos futuramente, fortaleceram o
modelo de Copérnico, explicando com notável simplicidade o movimento aparente dos planetas.
Porém uma das descobertas mais importantes para o estabelecimento do sistema heliocêntrico é
a descoberta das luas de Júpiter por Galileu Galilei (1564-1642). Em 1609 Galileu soube de uma
invenção holandesa capaz de aumentar o tamanho aparente de um objeto, e sem nunca ter visto tal
invenção construiu sua própria versão do aparelho, chamada mais tarde de telescópio (ou luneta nos
dias atuais) e o usou para olhar para as estrelas. Entre as muitas descobertas realizadas através do
telescópio Galileu percebeu que Júpiter possuía quatro “pequenas estrelas” que o orbitavam, e
interpretou corretamente estas “estrelas” como satélites naturais de Júpiter. Estas luas (Ganimedes,
Europa, Io e Calisto) mostravam que nem tudo precisava girar em torno da Terra, e que o sistema
Figura 3: Nicolau Copérnico
geocêntrico falhava em uma de suas premissas básicas: nem todos os corpos celestes giravam em torno
da Terra.
A partir deste momento a evolução do sistema heliocêntrico, e sua aceitação pela comunidade
científica não pode ser impedida. Os trabalhos de Newton deram uma explicação física do motivo das a
Leis de Kepler funcionarem, sua Lei da Gravitação Universal forneceu a primeira explicação científica
sobre o funcionamento do sistema solar e do movimento dos corpos celestes. O próprio trabalho de
Newton foi ampliado e aperfeiçoado nos séculos seguintes por diversos cientistas, o aperfeiçoamento
dos telescópios e demais instrumentos de medida tornaram as observações astronômicas cadas vez
mais precisas, fornecendo dados que refinaram cada vez mais o modelo original.
A descoberta que o Sol é apenas mais uma estrela em um universo imenso mudou a ideia de
que ele era o centro do mundo, e passou a ser apenas o objeto dominante do nosso sistema solar.
Recentemente a descoberta de exoplanetas (planetas orbitando outras estrelas) ampliaram ainda mais
nossa compreensão sobre o funcionamento do universo, ampliando não só os horizontes da ciência
mas também os da consciência humana.
Biografia básica.
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Fíguras
Figura 1: http://astro.if.ufrgs.br/p1/p1.htm
Figura 2: Wikipédia
Figura 3: Wikipédia