DIREITO ADMINISTRATIVO - ISS-BH - Teoria e Exercícios - AULA 00 de 5 - Resp Civil do Estado
Sistema Móvel de Resp Civil
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A IDEIA DE UM SISTEMA MÓVEL, EM ESPECIAL NO DOMÍNIO RES-
PONSABILIDADE CIVIL. APRESENTAÇÃO DA TRADUÇÃO DO TEXTO
DE WALTER WILBURG «DESENVOLVIMENTO DE UM SISTEMA
MÓVEL NO DIREITO CIVIL»
[Publicado em DJ, XIV, 2000, Tomo 3]
Raul Guichard
O texto que aqui se analisa (e a seguir se traduz) constitui, assim
se lhe pode chamar, o «manifesto» do pensamento metodológico
de WALTER WILBURG. Nele, em extrema concisão e com ajuda de
alguns exemplos mais representativos retirados do direito dos con-
tratos e do direito delitual, o insigne jurista dá-nos uma súmula do
método designado como «sistema móvel», cuja primeira explana-
ção já sugira nos Elementen des Schadensrecht (1941).
Sabe-se que WILBURG chegou ao fundamental da sua «descoberta»
metodológica através do direito comparado, partindo da constata-
ção dos diferentes fundamentos ou critérios que, em diversas
ordens jurídicas, subjazem ao direito da responsabilidade extracon-
tratual. Na base do seu método estiveram concretas indagações (de
índole «dogmático-prática») sobre o ilícito civil e o enriquecimento
sem causa. No plano propriamente metodológico, o próprio Autor
não deixou de assinalar algumas afinidades do seu pensamento
com a «jurisprudência dos interesses». Mas o que ressalta é sobre-
tudo a preocupação de traçar uma «terceira via» entre a Freirechts-
lehre (em distanciação também de uma orientação pela equidade;
não é por acaso, como é notado, que WILBURG designa a sua con-
cepção por «sistema») e o acrítico e ilusório convencimento da vin-
culação do juiz a um sistema legal «pleno» e «fechado» (mas, cer-
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tamente, não dará conta da concepção do Autor a simples e, por-
ventura, trivial indicação da «abertura» do sistema).
O essencial do «sistema móvel» reside em que os «elementos» ou
«forças» que o compõem tem um peso distinto e são, de algum
modo, «fungíveis» ou permutáveis. Mais precisamente, os funda-
mentos de determinado efeito jurídico assumirão, entre si, diversa
ponderação ou peso (no limite, a particular acuidade de um poderia
levar a prescindir da verificação de outro) e interferirão também
com a medida da consequência (logo ocorrerá, a este propósito, a
fórmula da glosa: quia eadem est ratio vel major, ergo idem ius).
Particular ênfase pôs WILBURG na necessidade de, em tal procedi-
mento, exaurir (mas ao mesmo tempo circunscrever) todos os fun-
damentos valorativos capazes de justificar certa consequência legal
ou que contra esta deponham.
E também distinguiu claramente, quanto ao domínio de aplicação,
por um lado, o plano da conformação das normas pelo legislador
(e, eventualmente, da sua desenvolução pela doutrina e jurispru-
dência), da legística – uma «questão de técnica legislativa» e de
«temperamento jurídico» –, e, por outro, o plano da aplicação do
direito (constituído) – em que o método ganhará «significado dog-
mático». Quanto ao primeiro, acentua WILBURG a possibilidade de o
legislador expressar, «exemplarmente», a valoração dos diferentes
elementos ou «forças» através de (grupos de) casos típicos ou
representativos. Aliás, de um modo mais geral, e posteriormente,
aparecerá sugerida a aplicação da ideia de «sistema móvel» e de
«jogo de diferentes elementos» no âmbito das «tipologias» ou do
«discorrer mediante tipos». No que respeita ao segundo plano refe-
rido, ocorre constatar, circunstância, aliás, de que WILBURG estava
seguramente consciente, que muitas normas legais não consentem,
enquanto numa estrutura (rígida) estabelecem bem determinados
pressupostos como condição necessária de certa consequência ou
efeito, que se trabalhe com um sistema móvel. O que, de resto, se
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há-de admitir mesmo quando estejam em causa princípios jurídicos
e a sua compatibilização ou «composição»: assim sucede se tais
princípios já se encontram concretizados pelo legislador numa
determinada regulamentação ou em normas imediatamente aplicá-
veis, das quais resulta o respectivo alcance.
Em termos gerais, é mais que intuitivo que o Direito, nas socieda-
des hodiernas, por razões de vária ordem (mormente, jurídico-
constitucionais, «funcionais»), que aqui omitimos enunciar, não
pode, pelo menos em áreas significativas, prescindir de um sistema
«rígido» ou «fixo» de normas estruturadas segundo a implicação
hipótese-estatuição, as quais permitem ao aplicador seguir um pro-
cedimento subsuntivo. E esse constitui um limite para o sistema
móvel. Mas, mesmo aí, perante normas estritas, este será suscep-
tível de preencher uma função de controlo (racional) do resultado
obtido. Tem também sido aventado que, em casos-limite, quando
uma situação concreta caia no «halo conceitual», estando o aplica-
dor remetido para a sua valoração ou juízo pessoal quanto ao
preenchimento de um dos pressupostos da hipótese, seria legítimo
recorrer a uma «apreciação móvel», designadamente haveria que
levar em conta a eventual particular «intensidade» que assumis-
sem, no caso, os demais pressupostos normativos.
Por outro lado, conforme é frequentemente notado, mesmo em
«domínios de predilecção» do «método móvel», seja o preenchi-
mento de cláusulas gerais ou conceitos indeterminados, seja, em
geral, a concretização de «conceitos valorativos» e de «conceitos
comparativos», o aplicador não pode deixar de se munir previa-
mente de uma «base de valoração» (ou de comparação), a qual
deve extrair (indutivamente) do direito vigente.
Não obstante as restrições assinaladas, o método concebido por
WILBURG conheceu notório sucesso. O que, se releva algumas vezes
de um «latente sincretismo metodológico» (o próprio pensamento
«tópico» o incluiu nas suas fileiras, embora WILBURG seguramente
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defendesse uma circunscrição dos critérios ou elementos de decisão
e se opusesse ao seu alargamento ad hoc; e tão-pouco o «pensa-
mento tipológico» e a elaboração, tout court, da categoria e das
especificidades dos «conceitos comparativos» se devem identificar
com a concepção de WILBURG), é sobretudo expressão de uma
grande proficuidade. Incitando, nodalmente, e em bases renova-
das, a repensar a relação, na realização do Direito, entre a dogmá-
tica, a decisão jurisdicional e a lei.
A sua utilização alcançou aliás domínios muito diversos. A título
meramente exemplificativo: a explicitação dos elementos da Ideia
de Direito; o procedimento analógico; a concretização de cláusulas
gerais (v.g., os «bons costumes»); a relação entre os elementos da
interpretação da lei; a «combinação» ou «harmonização» de princí-
pios jurídicos; os «elementos» subjacentes ao princípio da confian-
ça; o exercício da discricionariedade administrativa; a relacionação
das diferentes finalidades das penas; a concretização da moldura
penal; os «elementos» do princípio da autonomia privada; o institu-
to do enriquecimento sem causa; o «conceito» de dano; a pondera-
ção da conculpabilidade do lesado; a figura do negócio usurário e
os seus pressupostos.
Igualmente na doutrina portuguesa, não passaram desapercebidas
as virtualidades do método móvel. Dele se reclama expressamente
MENEZES CORDEIRO (na esteira de CANARIS) para a compreensão
(«redução») dogmática da boa fé e do sistema de protecção da
confiança (quanto aos respectivos elementos ou pressupostos).
Mais recentemente, também MENEZES LEITÃO invoca a ideia de sis-
tema móvel a fim de proceder à «construção dogmática» do institu-
to do enriquecimento sem causa, mais concretamente, enquanto
«quadro» para aplicação da cláusula geral do art. 473.º, n.º 1. E,
seja-nos permitida a observação, algumas indicações e fórmulas
utilizadas no conhecido estudo de MANUEL DE ANDRADE sobre a inter-
pretação das leis, nomeadamente no que toca à «hierarquização» e
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«conciliação» dos critérios de interpretação, tocam de perto o
método do sistema móvel.
Possa de alguma maneira esta tradução contribuir para um maior
divulgação entre nós da obra de WILBURG (sobretudo no domínio do
direito civil – «escola do pensamento jurídico» lhe chamou o nosso
Autor)… e porventura, sirva para reverenciar um homem que, além
de ter sido um investigador exímio e um habilíssimo docente, deu
provas de coragem e de virtudes cívicas quando quase todos se
deixaram envolver pelas «trevas emergentes».
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TRADUÇÃO DO ALEMÃO PARA PORTUGUÊS DO TEXTO DE WALTER WIL-
BURG «ENTWICKLUNG EINES BEWEGLICHEN SYSTEMS IM BÜRGERLI-
CHEN RECHT»
DESENVOLVIMENTO DE UM SISTEMA MÓVEL NO DIREITO CIVIL
Oração inaugural proferido na investidura como Rector magnificus da
Universidade Karl-Franzens de Graz, a 22 de Novembro de 1950, pelo
Prof. Dr. Walter Wilburg
O antigo costume de o novo reitor, na sua tomada de posse, abor-
dar um tema da sua especialidade significa, conforme eu o enten-
do, que ao orador será consentido explanar perante o elevado audi-
tório algumas ideias que, no âmbito do seu trabalho científico, se
lhe afiguram particularmente significativas. Neste sentido, seja-me
permitido dar aqui expressão a uma convicção pessoal concernente
à estrutura fundamental do direito civil. Todavia, tenho inteira
consciência, a este respeito, que cada um, ainda que almeje «apa-
nhar as estrelas do céu», no melhor dos casos apenas encontrará
um pequeno «grão de verdade», devendo dar-se por feliz se de
novo não o perder na «poeira do caos».
No decurso de mais de 2 mil anos, o direito civil construiu laborio-
samente um edifício de conceitos reconhecido por toda a ciência
jurídica como «escola» do pensamento jurídico. Porém, a crise na
qual a jurisprudência se encontra actualmente parece pôr também
em causa tal construção. Não faltam vozes que pretendem substi-
tuir uma actividade jurisdicional orientada por regras gerais pela
Traduzido do original alemão por DORA MOREIRA SOUSA e RAUL GUICHARD.
Agradece-se penhoradamente à Senhora GRETE WILBURG por ter autorizado a publi-
cação. E ainda ao Prof. Doutor WILLIBALD POSCH pelo posfácio, que muito amavel-
mente se dispôs a escrever e a cuja tradução também se procedeu.
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livre decisão de juízes juridicamente desvinculados.
Este propósito deve ser entendido como reacção à incompletude do
ordenamento vigente, o qual – não pode ser negado – em muitos
casos não satisfaz as necessidades da vida e da sensibilidade jurídi-
ca. À tensão assim existente subjaz, em primeira linha, a «mutação
dos tempos» que, na (r)evolução técnica e social que lhe é própria,
coloca a ciência jurídica constantemente perante novos problemas.
Uma maré cheia de leis, em permanente compita com a realidade,
procura vãmente superá-la.
Tal «inflação legislativa» desencadeou justificadas críticas, enquan-
to produziu leis que, sem uma conexão orgânica com o sistema
fundamental do direito civil, só muito insuficientemente resolvem
os problemas suscitados pela complexidade da sua matéria. Cada
uma destas leis, comportando um número assustador de artigos,
seria contudo susceptível de ser reduzida a uma bem menor
dimensão, houvesse uma organização conveniente das ideias.
Uma parcela da culpa neste insucesso deve todavia ser atribuído ao
próprio sistema tradicional do direito civil, cuja estrutura propicia
muito poucas conexões a uma desenvolução ulterior. A deficiência
radica, porém, mais fundo. O sistema actual, mesmo no seu domí-
nio originário, não está em condições de solucionar total e comple-
tamente relevantes hipóteses, desde há muito objecto de discus-
são.
A antítese entre o sistema tradicional e a tendência para a livre
aplicação do direito constitui um profundo e sério problema. À ciên-
cia jurídica compete, na minha opinião, a tarefa de a superar por
via de uma conformação mais móvel ou flexível do direito, e de
desenvolver, sempre que o tráfico jurídico não exija regras ou pre-
ceitos formais – como acontece no direito registal e no direito cam-
bial –, normas mais elásticas do que as existentes. Mostra-se, pois,
necessário libertar a estrutura do direito civil, em muitas das suas
áreas, de uma certa rigidez.
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A teoria do direito privado, partindo de concretas hipóteses e deci-
sões, desenvolveu conceitos gerais, os quais, segundo a concepção
da «escola histórica», constituem verdadeiros «entes» jurídicos.
RUDOLF VON IHERING atribui-lhes mesmo existência e qualidade de
«corpos naturais» 1. Nesses moldes, foram, por exemplo, encara-
dos o direito de propriedade ou os direitos de crédito. Imagem esta
que, se pode descrever de modo sugestivo a constituição, extinção
e muitas características dos direitos, facilmente induz a conclusões
erróneas.
Assim, afigura-se natural que aquele que utiliza uma coisa alheia
para seu próprio proveito, ainda que sem culpa, seja obrigado a
compensar o proprietário. Porém, já que o direito de propriedade
se extingue com o perecimento da coisa ou com a sua alienação a
um adquirente de boa fé, a doutrina não descortinou qualquer fun-
damento para semelhante dever e, com isso, acabou, ocasional-
mente, por o pôr em dúvida. A rigidez do conceito de propriedade
obstou aqui à simples constatação de que o dever indemnizatório,
enquanto «prolongamento» ou efeito ulterior do direito de proprie-
dade, deriva afinal do próprio escopo deste2.
Diferentemente, no espírito de uma conformação móvel, conside-
rar-se-ão as entidades jurídicas não como «corpos» mas como
resultado da actuação de distintas forças – comparação que dá con-
ta da mutabilidade do jogo ou articulação conjunta das forças e da
relatividade do seu efeito.
A impostação metodológica referida está, aliás, próxima de uma
nova e reputada corrente3 que se denomina «jurisprudência dos
1 IHERING, Geist des römisches Rechts, II, págs. 359 e ss. 2 Cfr. o meu trabalho «Die Lehre von der ungerechtfertigten Bereicherung», págs.
27 e ss.; e ainda, especialmente, Ernst Rabel, Z. AuslPrR., 1936, pág. 424. 3 Os mais proeminentes representantes desta corrente são MAX RÜMELIN, MÜLLER-
ERZBACH, PHILIPP HECK e HEINRICH STOLL. No direito austríaco, está próximo desta cor-
rente ARMIN EHRENZWIEG, que no «System» combate a «jurisprudência dos concei-
tos»; cfr, especialmente, HECK, Gesetzauslegung und Interessenjurisprudenz, Arch-
ZivPr. 1914, págs. 11 e ss., e do mesmo autor, Begriffsbildung und Interessenjuris-
prudenz, 1932.
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interesses». Procura esta investigar e aperfeiçoar o direito, num
método de cunho sociológico, partindo dos motivos que foram
determinantes para o legislador. A concepção por mim apresenta-
da, pretendendo conformar o direito com base nas «forças cau-
sais», toca de perto na sua raiz a teoria referida; mas diferencia-se
dela fundamentalmente porque não trata as forças móveis apenas
como causas pré-jurídicas, «deslocando-as» antes para «dentro»
das próprias normas e hipóteses legais.
A ciência jurídica não se poupou a esforços para apreender as
ideias basilares nas quais assentam as normas ou preceitos jurídi-
cos. A este propósito, especialmente os filósofos jusnaturalistas
protagonizaram acérrimas controvérsias sobre os princípios do
direito. A incerteza daí resultante prejudicou a própria imagem do
direito natural. Mas não há qualquer dúvida que o confronto de
ideias naquela altura constituiu de vários modos o começo de um
novo desenvolvimento.
São, contudo, muito diversas as ideias surgidas na doutrina jurídi-
ca. De algumas delas se dirá que avançam pelo campo de batalha
fora como verdadeiras tropas de combate, cada uma munida das
suas armas. Exemplos disso são o «princípio da fidelidade ao con-
trato» ou o «princípio de que ninguém se deve enriquecer com o
dano de outrem». Sobre tais princípios discutiu-se longa e viva-
mente. A maior parte das vezes, partidários e adversários separa-
ram-se irreconciliados e sem aclararem a situação.
O ABGB (Código Civil Austríaco) manteve-se habilmente distancia-
do de tais extremos. Os seus redactores tomaram como princípio
orientador a ideia de justiça. Esta, não sendo – é certo – facilmente
apreensível no seu conteúdo, aponta claramente para uma decisão
que analise segundo parâmetros gerais o «merecimento de protec-
ção» das partes num litígio jurídico.
A justiça é, nessa medida, um princípio superior, constituindo para
a lei e para o juiz um arrimo psicológico na ponderação dos interes-
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ses. Ela conduziu os redactores do ABGB a soluções de fina sensibi-
lidade e equilíbrio. E o seu respeito e cuidado representam hoje,
semelhantemente, enquanto base da formação do direito, uma exi-
gência imperiosa.
Também a ideia de equidade contribuiu valiosamente para o
desenvolvimento do direito. Amiúde permitiu «romper» formas rigi-
dificadas. Todavia, seria perigoso institui-la como princípio geral
válido para o julgador, já que carece de «fundamentalidade». O seu
conteúdo permite, no máximo, reconhecer razões de natureza
social; para além disso, implicaria um passo no sentido da «livre
descoberta» do direito.
Igualmente perigoso seria, ao invés, o desenvolvimento de princí-
pios com conteúdo fixo, os quais, cristalizados em falsas generali-
zações, adquiririam um domínio incontrolado e seriam tomados
como axiomas.
Assim, desde há séculos, no direito falimentar vigora o princípio de
que todos os credores comuns ou quirografários devem ser trata-
dos igualmente, os seus créditos ser satisfeitos com uma quota
igual (scl., proporcionalmente). O «princípio da igualdade» (par
conditio creditorum) desenvolveu-se para contrariar a «livre com-
petição» entre os credores, a qual remeteria a decisão para a habi-
lidade destes, para o «favor» do devedor ou mesmo para o mero
acaso.
Nesta disputa, a ideia da igualdade entre os credores preencheu
uma função legítima. Porém, no fundamental, tem carácter negati-
vo, representa um princípio de recurso surgido da falta de outros
pontos de vista, permanecendo por demonstrar, de todo o modo, a
sua pretensão a vigorar incondicionalmente.
Ao «princípio da igualdade» pode sobretudo contrapor-se a ideia da
«persecução de valor». A qual tentei, numa prelecção perante a
sociedade de juristas de Viena, expor da seguinte forma: um cre-
dor, de quem o devedor obteve um valor ainda presente no patri-
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mónio deste, deve ter o direito de se satisfazer por esse valor pre-
ferentemente aos demais credores4.
Um exemplo pode ilustrar esta ideia: um ladrão compra um anel
com dinheiro furtado. Se o ladrão é declarado falido, o anel integra-
rá a massa insolvente e assim aproveitará aos outros credores,
ainda que estes, provavelmente, tenham emprestado durante anos
a fio dinheiro ao ladrão, dinheiro esse que, desde há muito, se per-
deu numa actividade ou num empreendimento gorado.
A reacção dos juristas perante casos semelhantes é muito diversa.
Em parte, admitem que, com os meios de que dispõe, o sistema
vigente não está em condições de oferecer uma solução satisfató-
ria. Muitos, porém, de modo algum consideram o resultado aludido
insatisfatório, parecendo sugestionados pelo sempre repetido mote
da «igualdade».
Na minha opinião, constitui um imperativo da sensibilidade jurídica
que o anel proveniente do dinheiro furtado, apenas seja atribuído à
vítima do furto, com exclusão dos restantes credores. O que, por
regra, parecerá óbvio a quem aprecie a questão desprovido de pre-
conceitos e de conhecimentos jurídicos, não deixando de lhe susci-
tar admiração que aqui possa surgir qualquer dúvida ou dificuldade.
A resistência oferecida pelo sistema vigente a esta «decisão natu-
ral» é tanto maior quanto por detrás do princípio da igualdade está
um outro princípio, igualmente antigo e enraizado: o de que o direi-
to de um credor enquanto «direito pessoal» apenas obriga o deve-
dor e não possui qualquer eficácia perante terceiros. Este princípio
obsta ainda a que se acolha a ideia de que a especificidade de um
crédito, no caso de concurso com outros credores, possa conceder
preferência em face destes.
Na realidade, contudo, também os «direitos pessoais» tendem a
ganhar eficácia, em maior ou menor escala, perante um terceiro
(que não mereça tutela). A impugnação pauliana é disso um exem-
4 Gläubigerordnung und Wertverfolgung, Juristische Blätter, 1949, págs. 29 e ss.
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plo representativo. Na minha opinião, vai também no sentido desta
evolução introduzir no processo de falência o «privilégio da perse-
cução do valor» acima referido. A sua adopção e delimitação são
todavia possíveis em graus diversos.
Por sua vez, para os credores impossibilitados de invocar a «perse-
cução do valor» haverá que ponderar outros critérios de repartição.
Assim, por exemplo, a circunstância de um credor ter concedido de
modo incauto crédito para um empreendimento arriscado ou preju-
dicial poderá ser tomada em conta para que aquele, no caso da
perda do dinheiro emprestado, receba menos do remanescente
património do devedor do que os restantes credores5.
Todavia, no direito da falência, paralelamente a este ponto de vista
da «concessão prejudicial de crédito», deveria igualmente encon-
trar mais atenção do que até agora a ideia – de «cariz social» – de
privilegiar os pequenos credores. No conjunto, a repartição deveria
ser conformada mais elasticamente com base na actuação concor-
rente das diversas razões que justificam a tutela. É minha convic-
ção que o princípio da igualdade não satisfaz a ideia de justiça e as
necessidades de circulação do crédito.
Um outro princípio, que alcançou uma influência quase mística,
diz-nos que a ninguém deve ser permitido invocar o seu próprio
ilícito – no brocardo romano: nemo turpitudinem suam allegans
auditor. Esta regra encerra em si forças distintas: podendo actuar
de maneira benéfica, já acarretou consequências nefastas. Benéfica
será, no aludido princípio, a ideia político-jurídica de que ninguém
deve beneficiar com uma sua actuação ilícita. Tal ideia, que tam-
bém no direito penal assume relevância, poderia todavia ser con-
cretizada muito para além do que até agora aconteceu6.
5 Se um credor piora consciente ou negligentemente a solvabilidade do devedor em
prejuízo dos demais credores, então deverá perder também as garantias com que
previdentemente se muniu. Para o que se recorrerá às normas da responsabilidade
civil ou da impugnação pauliana. Cfr. RGZ. 136, pág. 253. 6 Semelhante a esta ideia é a exigência político-jurídica de que o possuidor de má
fé não seja colocado em melhor posição do que o possuidor de boa fé; cfr. EHRENZ-
13
Porém, a proibição de invocar o seu próprio ilícito é, em primeira
linha, de tal modo concebida que a justiça não concede qualquer
protecção a quem actuou ilicitamente, nem em face dos cúmplices,
nem em face de qualquer terceiro, e fecha os seus olhos perante o
comportamento censurável daquele. Esta tese, demasiado primiti-
va, não se mostra adequada quando se trata de regular em termos
correctos as complicadas questões sobre que incide.
A aplicação mais conhecida deste princípio é a regra de que ao sol-
vens não se veda repetir aquilo que prestou se, ao efectuar a sua
prestação, actuou de modo reprovável. Os romanos estabeleceram
tal regra tendo em vista aqueles casos em que alguém paga a
outrem incitando-o, desse modo, a praticar um acto proibido ou
ilícito, como, por exemplo, no «assassínio encomendado» ou no
suborno de testemunhas.
Em conformidade, e prudentemente, o § 1174 ABGB apenas excluiu
o direito de repetição no que respeita à «recompensa» paga para a
realização de uma actuação ilícita. Mas, mesmo neste âmbito restri-
to, os resultados suscitam dúvidas. A proibição da condictio leva a
que o accipiens, inclusive quando se comportou censuravelmente,
possa reter a «recompensa» e, desse modo, lucrar com a punição
do solvens.
A prática recente tende a estender a exclusão do direito de repeti-
ção igualmente ao pagamento resultante do jogo ilícito7. À primeira
vista, isto pode até parecer satisfatório. Contudo, uma análise mais
detalhada altera essa impressão. Na minha opinião, revela-se sim-
plesmente inaceitável que quem ganhou se enriqueça com base no
jogo ilícito, pois a proibição de jogos de sorte e azar pretende jus-
tamente impedir uma semelhante (desaprovada) deslocação patri-
monial. Donde, ao vedar-se a repetição do que foi pago, perverter-
WEIG, NotZ., 1910, pág. 99. Para uma ampla exposição dos princípios associados ao
preceito de que a ninguém deve ser permitido invocar o seu próprio ilícito, KLANG,
Komm. zum ABGB, Neueauflage, § 1174. 7 Cfr. Sz. XIX, 184.
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se o fim da lei, o qual, ao invés, por esse modo se deveria servir.
Se o legislador decide punir o solvens com a perda daquilo que ele
reprovavelmente prestou, então, nos casos enunciados, a única
solução correcta consiste em atribuir o que foi pago ao «Estado», à
«Caixa de Beneficência» ou a uma pessoa afectada pela actuação
ilícita para seu ressarcimento8.
Já o § 817 II do BGB (Código Civil Alemão) elevou a princípio geral,
em concordância com a doutrina do direito comum, a proibição da
condictio quando a prestação violou a lei ou os bons costumes. As
consequências que daí advêm são, contudo, grotescas. Segundo tal
regra, deveria ser retirado, em qualquer caso, ao usurário o direito
de pedir a restituição do capital emprestado. O que representa uma
sanção totalmente desproporcionada.
De resto, os tribunais alemães apenas em casos pontuais se decidi-
ram a extrair tal consequência. A verdade é que a jurisprudência e
a doutrina dominantes souberam contorná-la através de hábeis
estratagemas dialécticos9.
A «legislação teresiana» aplicava inclusivamente contra a vítima da
usura a norma de que ninguém pode invocar o seu próprio ilícito.
Tratava, pois, tal pessoa como participante do delito do qual tinha
sido vítima e dispunha que, não apenas a soma emprestada, tam-
bém os juros usurários pagos não podiam ser repetidos. As objec-
8 Assim decidia o «Código Teresiano» 3, XX, 24. O ABGB remete apenas para even-
tuais normas de caducidade; as quais, contudo, não existem na maior parte dos
casos; ver, porém, § 1031 ABGB. 9 HECK, num bem estruturado estudo, ArchZiv.Prax., 124, págs. 1 e ss., tentou
alcançar um resultado adequado restringindo a aplicação do § 817/2 aos casos em
que a repetição se sustenta na reprovabilidade do comportamento do accipiens. A
exclusão da repetição pela reprovabilidade do solvens não se fundamentaria no
intuito de o sancionar, mas na ideia de que a condictio, concebida como sanção
para o accipiens, não se aplica precisamente porque, no caso de igualdade de «tur-
pitude», o possuidor se encontra em situação privilegiada. Contudo, não se vê que
a sancionabilidade do accipiens, considerada por HECK como fundamento da condic-
tio, fique eliminada pelo facto de também o solvens agir de modo reprovável. HECK
deveria, mais coerentemente, ter chegado ao resultado de considerar irrepetível
tudo quanto tivesse sido indevidamente recebido.
Na realidade, a condictio ob turpem causam não se baseia no ponto de vista da
sanção, mas apenas é explicável atendendo à necessidade de protecção do solvens.
Em pormenor, sobre isto, cfr. H. KLANG, Kommentar, § 1174.
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ções levantadas a tal disposição foram postas de lado pela comis-
são de redacção da lei com a mera observação de que a proibição
de invocar o seu próprio ilícito não consente qualquer excepção10.
Este último princípio constitui mais um exemplo de quão fácil é as
normas jurídicas «escaparem de uma mão razoável» e, então,
como os utensílios e instrumentos nos contos e lendas, animados
de vida própria, prosseguirem um curso maléfico. Muitas ideias,
alteadas pelos seus partidários até às nuvens, revertem à realidade
em queda livre.
O centro nevrálgico do direito privado encontra-se no instituto da
responsabilidade civil. O qual apresenta, contudo, uma imagem
confusa, tendo-se tornado palco de renhido debate de ideias. O
direito natural descobriu o princípio da culpa, ainda hoje aceite de
modo geral: um dano deverá ser ressarcido por aquele cuja culpa o
fez surgir. Porém, tal princípio mostra-se, por si só, insuficiente.
Daí a doutrina ter-se esforçado por estabelecer, em numerosas e
doutas obras, outros princípios que haveriam de valer paralelamen-
te ou em vez da regra da culpa.
A ideia que mais longe foi pretende que a causação de um dano
obriga à sua reparação por quem o originou. Este «princípio da
causação» foi objecto de uma acérrima controvérsia na doutrina do
direito natural. Nesse contexto, avultou principalmente a questão
de saber se os inimputáveis devem responder por danos por eles
causados.
Os redactores do ABGB decidiram-se, a este último propósito, por
uma posição de compromisso. O § 1310 ABGB remete para a pru-
dente apreciação do juiz a fixação do dever de indemnizar, aten-
dendo nomeadamente à situação patrimonial do autor do dano e à
do lesado. Em geral, contudo, a lei evitou tomar uma posição defi-
nida e inequívoca sobre o «princípio da causação». O § 1311
determina que um dano fortuito recaia sobre aquele em cuja pes-
10 Ver Harrasowky, Cod. Ther., III, pág. 339, anotação 4.
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soa ou património se verificou.
Equivocadamente, o redactor principal do ABGB julgava introduzir
com essa disposição o «princípio da causação». Porém, hoje em
dia, a doutrina dominante interpreta-a no sentido de que ninguém
é responsável por um dano surgido fortuitamente. E, nessa medida,
decide-se pelo «princípio da culpa».
Na doutrina mais recente aparece sobretudo defendido o «princípio
do risco» como fundamento para um dever de indemnizar indepen-
dentemente da culpa. Segundo aquele, «actividades perigosas»,
por força da sua perigosidade intrínseca, responsabilizam por danos
ocasionados no seu exercício. Este princípio pretende, em primeira
linha, esclarecer as regras estritas que vigoram para o dever de
indemnização respeitante aos meios de transporte básicos – cami-
nhos-de-ferro, automóveis e aeronaves.
Todos os princípios enunciados têm um sentido útil e razoável. A
sua falha consiste, no entanto, no facto de aspirarem a um domínio
exclusivo e reclamarem uma vigência irrestrita. As antinomias, que
daí surgiram, acabaram por conduzir à resignação da doutrina e à
renúncia a uma solução de princípio.
A maior parte das legislações – o direito russo constitui uma excep-
ção – partem da regra da culpa. Contudo, esta é quebrada por
numerosos desvios plasmados em complicadas normas previstas
para áreas específicas.
Ao invés, eu tentei encontrar uma «ordem interna» para o direito
da responsabilidade civil pressupondo que tal instituto não se deixa
reconduzir a uma ideia unitária, mas antes resulta de um jogo de
pontos de vista, que podem ser apreendidos científica e legalmente
como elementos ou, como doravante o quero formular, como forças
móveis11.
Esses pontos de vista são os seguintes:
11 Cfr. o meu trabalho «Die Elementen des Schadenrechtes», especialmente págs.
26 e ss. e págs. 283 e ss.; ainda KLANG, JBl., 1946, pág. 330, e ESSER in Deutsche
17
1. Uma deficiência causal para a ocorrência do dano, residindo na
esfera do responsável. Esta deficiência tem diferentes pesos, con-
soante tenha resultado de culpa do responsável ou dos seus auxi-
liares ou ocorrido, de todo, independentemente de culpa (como,
por exemplo, por um irreconhecível defeito material de uma
máquina).
2. O perigo originado pelo lesante através de uma actividade ou da
posse de uma coisa e que tenha conduzido à ocorrência do dano.
3. O grau de proximidade do nexo causal existente entre o evento
que deu lugar à responsabilidade e o dano ocorrido.
4. A ponderação social da situação patrimonial do lesado e da do
lesante.
De acordo com os pontos de vista ou critérios enunciados, cada
caso assume uma configuração especial resultante do correspon-
dente encontro das várias forças e da respectiva intensidade. Estas
últimas não constituem grandezas absolutas e constantes, sendo,
sim, decisivo o efeito conjunto da sua articulação variável.
Quando um elemento assume uma especial intensidade, pode
suceder que seja só por si suficiente para justificar a responsabili-
dade pelo dano. Assim, por exemplo, a utilização de um avião, ao
qual se atribui uma perigosidade excepcional, implica uma respon-
sabilidade por acidentes, sem que haja que atender a se estes
resultaram de um defeito ou falha ou se são reconduzíveis a um
caso de força maior.
Diferentemente, um veículo automóvel, demonstrando uma menor
perigosidade, apenas fundamentará uma responsabilidade por um
dano causado quando o seu detentor não prove que nem um defei-
to nem uma falha concorreram para o surgimento do dano.
Sendo a perigosidade de uma actividade ainda menor, não será
adequada uma responsabilidade por uma deficiência de funciona-
mento não culposa, mas já o será se tiver por base a culpa dos
Rechtswissenschaft, 1942, págs. 65 e ss.
18
auxiliares. Parece equitativo que, por exemplo, o dono da obra res-
ponda quando os seus trabalhadores causem negligentemente
danos a um transeunte.
Deste modo, a controvertida questão da responsabilidade por actos
dos auxiliares, que nos vários sistemas jurídicos ora é recusada ora
aceite em termos gerais, é susceptível de ser resolvida sem o
recurso a fórmulas rígidas e de um modo que se enquadra por si
próprio no jogo dos diversos pontos de vista.
Na actuação conjunta dos elementos ocorrerá que algumas das for-
ças se dirijam contra o lesado onerando-o. Assim, a culpa ou uma
qualquer deficiência na sua esfera e, em casos de dúvida, uma
situação patrimonial comparativamente favorável deporão, even-
tualmente, contra a pretensão de indemnização.
Como resultado global, pode o juiz determinar que a responsabili-
dade está total, parcialmente fundamentada, ou deve mesmo ser
excluída.
Semelhante sistema consegue compreender todos os casos possí-
veis nas respectivas especificidades. E, ao contrário dos princípios
anteriores, revela-se elástico, não se estilhaçando como um objecto
de vidro quando se altera, ao longo do tempo, o juízo de valor
sobre a força dos vários elementos, designadamente, sobre a peri-
gosidade duma actividade. Simultaneamente, propicia-se o surgi-
mento de novos pontos de vista e forças. E os elementos que
assumem relevância no direito da responsabilidade civil podem
também operar noutros domínios e aí constituírem o fiel da balan-
ça.
Por exemplo, um acérrimo confronto de opiniões tem lugar, na dou-
trina do enriquecimento sem causa, quanto à situação em que
alguém, de boa fé e sem olhar a despesas, despende totalmente
numa viagem de recreio uma soma em dinheiro que lhe foi paga
por engano, como contrapartida, suponha-se, de um serviço na
realidade não executado por ele, ou, porventura, por virtude de um
19
legado inválido. Segundo uma das teses em discussão, não existe
por parte do enriquecido um dever de restituição porque o seu
enriquecimento entretanto desapareceu. Segundo outra tese,
inversamente, o desaparecimento do enriquecimento não afecta o
dever de restituição.
A controvérsia chegou, porém, a um ponto morto, por falta de vias
de entendimento. A decisão está no fio da navalha. Em minha opi-
nião, há-de aqui recorrer-se, como meios auxiliares, aos critérios
da responsabilidade civil12. Assim, a solução dependerá do modo
como surgiu o erro, da atribuição da culpa ou, tão só, da imputação
da deficiência de comportamento não culposa a um dos sujeitos.
Em casos duvidosos, deverá também atender-se ao património de
ambos e ponderar uma redução do dever de restituição.
Uma outra hipótese, que tão-pouco encontrou solução satisfatória
na doutrina e na jurisprudência, é a de alguém executar uma obra,
por exemplo, o trabalho de construção de uma casa, por incumbên-
cia de um terceiro e, porque este se mostra insolvente, vir depois a
demandar o proprietário.
Aqui opõem-se duas ideias fundamentais: por um lado, o proprietá-
rio parece estar obrigado, pelo ponto de vista do enriquecimento, à
restituição do valor recebido proveniente de bens alheios, isto é, do
material e do trabalho do empreiteiro; por outro lado, ninguém tem
o direito de impor a outrem prestações onerosas, e o empreiteiro
que realizou a obra deverá ater-se àquele de quem recebeu a
incumbência.
Esta última concepção deve, em princípio, prevalecer. Quando, por
exemplo, um carpinteiro, a quem o arrendatário encarregou da
remodelação de uma casa particular, pretenda fazer valer os seus
direitos perante o proprietário, terá de acautelar-se celebrando
previamente um contrato com este. Se não o faz, actua por sua
12 Cfr. Die Lehre von der ungerechtfertigten Bereicherung, págs. 141 e ss., espe-
cialmente pág. 154, e Komm. zum ABGB, Neuauflage, §§ 1431 a 1437, págs. 480 e
20
conta e risco, assumindo que eventualmente nada receberá do
arrendatário insolvente. Existem, contudo, casos nos quais as cir-
cunstâncias são diferentes; e, repetidamente, os tribunais esfor-
çam-se por ir em auxílio do empreiteiro lesado, quando o trabalho
realizado se revele útil ao proprietário da casa.
Uma sentença justa apenas se pode obter sopesando todas as cir-
cunstâncias do caso. Importa saber, por um lado, em que medida o
empreiteiro agiu sem autorização do dono da casa ou até conscien-
temente o ignorou e, por outro, em que medida se pode dizer ter
sido negligente na apreciação da situação económica da pessoa que
o incumbiu da obra. Mas, também o comportamento do proprietário
é de levar em conta. Se este conhecia a insolvência do arrendatá-
rio, esperar-se-á dele que não ignore a obra, avisando o empreitei-
ro e prevenindo-o de que não pretende tolerar o referido trabalho
ou de que, pelo menos, não o quer pagar.
Antes do mais, é de ponderar se a obra realizada corresponde às
condições e planos do proprietário e se, segundo a sua situação
patrimonial, lhe seria exigível uma despesa para o efeito.
Todos estes pontos de vista conjugados concedem a cada caso o
seu cunho específico e podem decidir se se justifica ou não uma
obrigação de indemnização total ou parcial.
Uma questão actual é a das empreitadas atribuídas na última guer-
ra pelas «repartições públicas» para reparação dos danos provoca-
dos por bombas. Estas «repartições públicas» já não existem e, por
isso, o empreiteiro procura obter o pagamento do proprietário da
casa. O qual, porém, invoca que não encomendou os trabalhos e
que não está contratualmente vinculado com o empreiteiro.
Neste caso, ocorreu uma alteração das circunstâncias com cujas
consequências o empreiteiro não contava ou em face das quais não
se poderia ter protegido. Com frequência, a execução do trabalho
foi-lhe ordenada sem que ele tivesse tido a possibilidade de a recu-
ss.
21
sar. Seria injusto afastar liminarmente uma eventual pretensão a
uma compensação face ao proprietário.
Na minha opinião, também aqui, tudo depende da conformação em
concreto do caso na perspectiva do já exposto efeito conjunto dos
diversos pontos de vista. Neste contexto, mostra-se relevante a
circunstância de se ao empreiteiro teria sido possível fazer-se pagar
atempadamente pelo seu trabalho por quem o incumbiu da tarefa.
Mas, em primeira linha, é decisivo saber em que medida a utilidade
da execução da obra corresponde à situação patrimonial e aos
desideratos do proprietário da casa e até que ponto lhe é exigível
uma alienação ou oneração do edifício cujo valor objectivo foi
aumentado.
A ideia do jogo ou articulação de diversas forças, possuindo todas
intensidades diferentes, poderá também contribuir para desenvol-
ver mais livre e de modo mais perfeito o direito dos contratos.
A doutrina tradicional parte do «princípio da fidelidade ao contra-
to», de acordo com o qual aquele que conclui um contrato a ele fica
vinculado. Este princípio comporta, porém, tantas excepções que
muitos e ilustres jusnaturalistas, como LEIBNIZ e FICHTE13, puseram
em dúvida a sua vigência (jurídica).
Um contrato pode ser inválido se, aquando da sua conclusão, existe
um erro, medo ou dolo, se uma das partes se revela negocialmente
incapaz, se depois da sua conclusão as circunstâncias se alteraram
radicalmente, ou se o seu conteúdo viola os bons costumes, desig-
nadamente, apresentando uma desproporção usurária.
Todos estas causas de invalidade foram inseridas em categorias
fixas, tratadas de modo isolado umas das outras. Daí resultou uma
rigidez que toma insuficientemente em conta a articulação dos
vários pontos de vista.
O «princípio da vinculação ao contrato» constitui uma «força jurídi-
13 Cfr. STEINWENTER, Vertragstreue im bürgerlichen Recht, Juristische Blätter, 1950,
pág. 198.
22
ca» que, conformes as circunstâncias, desenvolve diferentes
«energias de actuação». Se valesse incondicionalmente, poderia
tornar-se uma base para o pior abuso – pense-se, por exemplo, em
Schylock no «Mercador de Veneza». Na maior parte dos ordena-
mentos, a doutrina exige, para um contrato ser válido, que se sus-
tente num fundamento jurídico suficiente.
Contra a validade do contrato deporá, sobretudo, a existência de
uma situação de facto atinente a uma das partes que a haja impe-
dido de prosseguir adequadamente os seus interesses por ocasião
da conclusão. Um tal «impedimento» ocorre, por exemplo, quando
falta a capacidade negocial, ou quando existe uma fraqueza de
entendimento, inexperiência, erro ou uma situação de necessidade
da parte de quem pretende impugnar o contrato.
Estas forças revelam-se eficazes, opondo-se à validade do contrato,
na medida da necessidade de tutela que determinam. Porém, ape-
nas quando surgem no maior grau da sua força podem sobrepor-
se, por si só, ao princípio da vinculação ao contrato – princípio que
«serve» a segurança do tráfico jurídico.
Uma outra força conducente à anulabilidade residirá no facto de um
dos contraentes dele retirar vantagens, de modo injusto, à custa da
outra parte. Aqui intervém o famoso princípio de que ninguém se
deve locupletar com um dano alheio. Com um valor supremo para
os defensores do direito natural, este princípio perdeu hoje o seu
«prestígio jurídico», já que a sua vigência incondicional restringiria
em demasia o tráfico negocial.
Também na discussão sobre estes princípios, ao pensar-se a partir
de posições extremas, obstruiu-se o reconhecimento de que, pelo
menos conjugado com outras forças, o enriquecimento assume
relevância para se julgar o contrato anulável. Não actuando, é cer-
to, como uma força absoluta, mas conjuntamente com outros pon-
tos de vista, segundo as circunstâncias do caso.
23
Um outro elemento de anulabilidade pode consistir no comporta-
mento das partes na altura da conclusão do contrato, sobretudo
numa actuação culposo. Actuou, por exemplo, de modo negligente
aquele que incorreu em erro, então isso deporá no sentido de que o
contrato permaneça válido ou, se a anulabilidade mesmo assim se
impuser, que seja indemnizado o dano sofrido pelo outro contraen-
te por ver defraudada a sua confiança. Ao invés, um comportamen-
to deficiente, especialmente a culpa da contraparte, constitui uma
força que favorece a anulabilidade.
Estes pontos de vista actuam em combinações distintas que em
parte já encontraram expressão no ABGB. Assim, por exemplo, o
dolo e o medo apenas darão lugar à anulabilidade se existir culpa
da contraparte. Esta é uma solução que associa a «ideia» de vício
da vontade com o «elemento» do ilícito.
O erro mereceu à lei um tratamento diferenciado segundo a sua
modalidade. Um erro sobre os motivos, exterior ao negócio, apenas
será tomado em conta no caso do dolo ou tratando-se de negócios
gratuitos. A necessidade de segurança e de vinculação incondicional
à palavra dada é, aos olhos da lei, menor nas doações do que nos
negócios onerosos.
Mais terminantemente se impõe o erro na declaração. Ele pode
também compreender, segundo o § 871, os negócios gratuitos
quando amparado por outras forças ancilares. Nomeadamente,
conduz à invalidade do contrato se a contraparte o causou de
maneira culposa, quando, mesmo sem culpa, o deveria ter reco-
nhecido ou dele tenha sido atempadamente avisado. Aqui a lei atri-
bui, de modo digno de nota, valor a diferentes forças, o que lhe
valeu então a dura crítica de um partidário da jurisprudência dos
conceitos14.
De modo especialmente claro se revela a diversidade das forças
que se conjugam na hipótese da usura. Esta pressupõe, por um
24
lado, uma manifesta desproporção das prestações, portanto, um
enriquecimento excessivo, por outro, uma situação de necessidade
ou fraqueza de entendimento, inexperiência, leviandade por parte
do explorado, e, finalmente, uma culpa grosseira da contraparte.
Não existe consenso na ciência jurídica quanto a saber se a invali-
dade também abrange um contrato em que estão reunidos vários,
mas não todos, os pressupostos do negócio usurário. É possível
chegar aqui a uma solução recorrendo à ideia da relatividade das
forças, segundo a qual, por exemplo, uma culpa (ainda que leve)
daquele que lucrou com o negócio é suficiente quando a situação
de necessidade do lesado se mostra especialmente grave e a des-
proporção das prestações apresenta um grau particularmente
excessivo.
Se uma das partes não recebe por força do contrato sequer a
metade do valor daquilo que prestou à contraparte (laesio enor-
mis), então o § 934 ABGB concede-lhe uma possibilidade aparen-
temente autónoma de anulação. O direito de anulação desaparece,
porém, quando ela conhecia o verdadeiro valor das prestações e,
portanto, inexiste um erro da sua parte como causa coadjuvante da
anulabilidade.
Também outras ideias afins podem contribuir para uma solução.
Existem acordos que encerram em si, segundo a própria natureza,
o perigo de precipitação. Essa é a razão para que, por exemplo,
cláusulas penais convencionadas para o caso de não cumprimento
de um contrato possam ser reduzidas pelo juiz. Na compra e venda
a prestações, a qual se revela especialmente perigosa para os
compradores, são proibidas de todo tais cláusulas.
Partindo do mesmo ponto de vista, preceitos de direito estrito pro-
tegem o devedor, que haja constituído um penhor, contra a even-
tualidade de o credor obter, em caso de não cumprimento, uma
vantagem injustificada.
14 UNGER, System des österreichischen allgemeinen Privatrechts, II, pág. 125
25
Especial influência assumiram no direito contratual a ideia de pro-
tecção social e a regulamentação económica, global, das prestações
e dos preços. Também nesta matéria terá a «arte jurídica» de pon-
derar todos os pontos de vista de um justo equilíbrio e harmonizá-
los com as exigências económicas. Uma das questões mais melin-
drosas do direito contratual surge quando as circunstâncias pressu-
postas no momento da conclusão se alteram posteriormente. Este
problema – a cláusula rebus sic stantibus – reveste igualmente um
papel importante no direito internacional público.
A doutrina dominante encara a resolução do contrato por alteração
das circunstâncias como excepcional, apenas admissível em casos
especiais e desde que tal seja exigível à contraparte. O que aponta
para uma ponderação abrangente dos interesses, de forma que
também aqui a actuação conjunta das forças é decisiva.
A ocorrência imprevista de uma nova situação é análoga à hipótese
de um erro na conclusão do contrato. Tudo depende de saber em
que medida a alteração excede o risco normalmente associado ao
contrato. Acresce, como outra força de anulabilidade, o maior ou
menor dano que quem pretende impugnar o negócio sofreria, e
ainda a circunstância de que a contraparte possivelmente se locu-
pletaria com esse dano.
Algumas leis surgidas no contexto da última guerra ponderaram,
em vez da resolução do contrato, uma modificação adequada deste
e, além disso, um ressarcimento do «dano da confiança» surgido
para a contraparte. Esta constitui uma solução razoável e elástica.
Os elementos, que segundo o exposto valem para a anulabilidade
de um contrato, podem também sustentar as acções de restituição
de uma prestação realizada por erro.
Até hoje, a ciência jurídica esforçou-se debalde por construir tais
acções (de restituição) com base em fórmulas sem conteúdo,
amparando-as em «muletas». Diz-se que a repetição de uma pres-
26
tação será admissível quando esta carece de uma causa jurídica15.
Por outro lado, veda-se o direito de repetição – e com razão –
àquele que realizou uma prestação consciente da inexistência de
uma correspondente causa. Mas, desse modo, quebra-se o princí-
pio.
O direito de repetição resulta, na minha opinião, da articulação da
ideia de enriquecimento com o erro, medo e dolo e outras forças
semelhantes.
O âmbito do meu discurso não permite desenvolver esta ideia mais
detalhadamente. Sirvam as referidas áreas, até agora expostas,
como começo de prova do que representaria o trabalho de uma
vida e cuja consecução apenas constitui uma esperança. Eu vejo a
deficiência da doutrina dominante no facto de ela pensar demasia-
do segundo princípios absolutos e «atar» as forças referidas a
determinados contextos históricos. Ela assemelha-se a um general
que não dispõe de uma forma soberana e ágil dos seus meios
estratégicos.
O método aqui proposto destina-se a conformar o sistema do direi-
to privado de tal modo que, sem perda da sua consistência interna,
adquira a aptidão de receber em si mesmo as múltiplas forças da
vida16. Isto tem, antes de mais, um significado dogmático. A sua
utilização para o direito positivo é uma questão de «técnica legisla-
tiva» e, na medida em que a doutrina e a praxis contribuem para o
desenvolvimento do direito, uma questão de «temperamento jurídi-
co».
O legislador poderia, por exemplo, configurar no sentido exposto o
direito da responsabilidade civil, resultando a responsabilidade do
lesante do «quadro conjunto» de determinados elementos cuja
valoração seria expressa de modo exemplar mediante casos típicos.
15 Ver Komm. zum ABGB, Neuauflage, §§ 1431 a 1437, págs. 480 e ss. 16 Para cada uma das forças, por exemplo para o ponto de vista da consideração
social, surgem aspectos novos e ulteriores da ideia da sua aplicação móvel. Daqui
27
Nestes termos, o juiz seria chamado a tomar livremente a sua deci-
são segundo uma «discricionariedade orientada», mas não, como
KLANG17 objectou, de modo livre. É este justamente o sentido da
minha proposta: evitar que o tribunal seja remetido apenas para a
equidade, para o respectivo sentimento jurídico, para os bons cos-
tumes ou para conceitos semelhantes desprovidos de conteúdo.
Uma lei definindo elasticamente os pontos de vista decisivos pode
mesmo constituir um suporte mais forte, tal como um «ligame
elástico» muitas vezes se mantém melhor do que uma estrutura
rígida que não possui a capacidade de acompanhar os movimentos.
A conformação móvel parece, todavia, aumentar a responsabilidade
do juiz. A posição deste é, porém, muito mais difícil quando tem de
aplicar princípios que conduzem a consequências inaceitáveis. Em
tal caso, a lei revela-se, não só desprovida de valor, mas até um
obstáculo que lhe dificulta a decisão. Repetidamente haverá que
lançar mão a artifícios de interpretação, os quais representam, afi-
nal, uma «velada» correcção à lei, ou a outros «meios forçados» no
apuramento da situação de facto. Amiúde, o tribunal não se inibe
de aceitar como provada uma culpa leve porque sente como dema-
siado severa a imposição de um dever de indemnizar a totalidade
do dano, mas não lhe é concedida pela lei a faculdade de decidir
por uma indemnização parcial.
As leis que prescrevem um dever de indemnização, independente-
mente da culpa, para determinadas actividades ou coisas têm,
porém, em si mesmas um carácter lacunoso. Elas introduziram, por
exemplo, uma responsabilidade pelo resultado (objectiva) para os
veículos automóveis, mas não para os veículos puxados por cava-
los. Isto é, em termos gerais, compreensível. Porém, quem anda
pelas ruas com um cavalo de corrida não actua de modo menos
perigoso que um automobilista.
resulta uma análise compreensiva, conquanto diferenciada para os distintos contex-
tos, desses pontos de vista.
28
De forma bastante generosa, o ABGB18 concedeu ao juiz, numa
disposição que se tornou modelo para legislações estrangeiras, o
poder de resolver casos, que o legislador não tomou em considera-
ção, com o recurso à analogia e segundo os «princípios gerais
(comuns) do direito». A ciência jurídica pode, neste domínio, con-
formar livremente as forças e ideias sem que sejam necessárias
novas leis. Uma evolução móvel corresponde ao espírito da lei, à
qual, de modo algum, é estranha a concepção de um jogo de for-
ças.
Seja-me permitido terminar com uma imagem. A ciência jurídica é
uma «arte» cuja tarefa é captar as manifestações da vida em
comunidade dos homens e conformá-las. Ela há-de ser clara, mas
também rica em pensamentos, como a luz solar o é em cores. E
deve, consequentemente, aspirar a identificar todas as cores e
tonalidades sob pena de permanecer alheada da realidade.
17 KLANG, JBl., 1946, pág. 330. 18 ABGB § 7.
29
WALTER WILBURG E A SUA CONCEPÇAO DE UM «SISTEMA
MDVEL» NO DIREITO PRIVADO
WALTER WILBURG (1905-1991), originário de Graz e tendo ensinado
até à sua jubilação na Universidade Karl-Franzens, é hoje conheci-
do entre os juristas muito para além das fronteiras do espaço lin-
guístico alemão sobretudo em razão dos seus significativos contri-
butos para o desenvolvimento do direito das obrigações (no domí-
nio das relações obrigacionais de origem legal). Ainda apenas com
a idade de vinte e sete anos publicou o Autor explanações essen-
ciais «[s]obre a teoria da compensação dos lucros com os danos»
(«Zur Lehre der Vorteilausgleichung»). Surgido em 1934, o seu
estudo «[s]obre a teoria do enriquecimento sem causa segundo o
direito austríaco e alemão» («Zur Lehre von der ungerechtfertigten
Bereicherung nach österreichischem und deutschem Recht»), no
qual definiu em moldes originais a relação entre a «acção baseada
num enriquecimento sem prestação» (scl., dirigida à restituição
das vantagens resultantes do uso e fruição de um bem alheio –
«Verwendungsklage») e casos de «incumprimento» (em sentido
lato, «Leistungsstörungen), teve influência persistente na teoria e
na praxis, influência que perdura até hoje.
Publicada em 1941, em Leipzig, a sua obra sobre os «[e]lementos
da responsabilidade civil» («Elemente des Schadensrecht») não
pôde então alcançar a atenção que realmente merecia devido às
adversas circunstâncias políticas ao tempo dominantes. O mesmo
ocorreu com a prelecção reitoral de Granz, proferida em 1950, logo
depois do fim da guerra, de que se imprimiu um número reduzido
de exemplares (e da qual já existe também uma tradução, ao cui-
dado de HAUSMANINGER, em língua inglesa). Neste estudo, numa
exposição concisa e com ajuda de exemplos seleccionados em
sequência metodológica, WILBURG desenvolve o por ele designado
30
«sistema móvel» – que subjaz à sua concepção do direito da res-
ponsabilidade civil – enquanto esquema de pensamento e ordena-
ção do direito privado.
Como elementos do direito da responsabilidade civil, que num jogo
variável, segundo o concreto grau da sua intensidade, poderiam
num determinado caso servir como fundamento de uma indemniza-
ção total ou parcial, WILBURG (já em 1941) tinha destacado: a «uti-
lização de esfera jurídica alheia através de intromissão ou exposi-
ção ao perigo»; a «causação da ocorrência do dano através de cir-
cunstâncias da esfera do responsável»; a «censura de um defeito
na esfera do responsável»; «a força ou o poderio económico do
responsável ou a exigibilidade de este celebrar um contrato de
seguro incluindo os eventuais danos».
No desenvolvimento e, simultaneamente, superação da jurispru-
dência dos interesses, WILBURG generalizou então na sua prelecção
reitoral a ideia de que as consequências jurídicas resultam de um
jogo de «elementos móveis»: situando (ou deslocando) as «forças
móveis» identificadas como decisivas nas hipóteses das normas e,
atendendo ao respectivo peso, propôs «soluções elásticas» dirigidas
às especificidades de cada caso. No que apresentou sucintamente
as consequências do seu ponto de partida através de uma série de
exemplos retirados não só do direito delitual mas também, como a
hipótese do negócio usurário, do direito contratual. Desde modo, foi
reconhecido o significado normativo dos enunciados ou proposições
comparativas no direito e abriu-se a possibilidade de substituir os
rígidos enunciados «regra/excepção» por flexíveis e abertas rela-
ções «quanto mais/mais».
Em tempos de uma cada vez mais deplorada avalancha legislativa,
este acesso metodológico para a superação de complexas questões
jurídicas, é – agora como antes, e em alto grau – actual, pois mos-
tra um caminho para «evitar a inevitável casuística» de normas
31
rígidas conformadas segundo o esquema da conexão entre hipótese
e consequência.