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Sessão “Mãos limpas e Lava Jato, relações de força e limites”
Mediadora: Denise Frossard
Senhoras e senhores boa tarde, boa tarde aos palestrantes, vou fazer apenas um
introito aqui para que nós possamos analisar bem o que vai dito aqui. Há exatos 24 anos
atrás, quase o período sacro de bodas de prata, começava na Itália a operação mãos
limpas, e no Brasil o Ministério Público, numa atitude inédita no Rio de Janeiro,
conseguiu denunciar quatorze criminosos, por estarem associados para o cometimento
de crimes. Na verdade, era uma associação criminosa, era um crime organizado do tipo
mafioso. Os quatorze acabaram condenados, recorreram, foram presos, cumpriram as
penas. E seja como for, após isto, a sociedade ficou perplexa diante das ligações, que
estes senhores tinham com os políticos. Quase toda a classe política do Rio de Janeiro.
Além de segmentos mais cultos da sociedade, por incrível que pareça. E também
transformaram seu principal predador em aliado, que era a polícia. Por isso, é que não se
conseguia investigar. Mas, foram presos, condenados, cumpriram a pena e ai se
verificou que não dispúnhamos de qualquer arsenal legislativo para enfrentar aquela
novidade para nós. Novidade que a Itália enfrentava ao mesmo tempo. Este foi o lado
bom, porque como não tínhamos nenhum arsenal, eles foram condenados pelo vetusto
artigo de quadrilho bam, lá de 1940. Era a única coisa que se tinha, associaram-se mais
de 3 pessoas para o cometimento de crimes. Era só isso que tinha. Não tinha meios e
modos se investigar nada! Era um deserto.
E ai é que surge a boa nova, porque as boas leis elas sempre se originam dos
maus hábitos. E por isso segmentos da sociedade do Brasil inteiro, juristas, professores,
juízes, promotores, todos se uniram e conseguiram formar o arsenal legislativo, que eu
diria, de primeira linha no Brasil. Conseguiram acordos de muito assistencial com
outros países, que tinham os mesmos problemas. Foi um avanço fantástico. Durante
esses 22 anos, pelo menos, isso ficou hibernando. E as leis começaram a crescer, você
via a polícia federal tomando um novo corpo, os juízes criminais, Ministério Público, as
polícias estaduais, todos cresceram. Mas só veio assim a investigar novamente agora
com a Lava Jato, que dispõe de todo esse arsenal, que foi construído ao longo de 24
anos. É isso que vamos discutir aqui. O exemplo da Itália, que sofreu o revés na sua
legislação, o mesmo que eles querem impor aqui ao Brasil agora.
Esta é a importância desta discussão e, para isso, temos aqui, eu diria os mais
importantes autoridades neste assunto. A começar pelo Jornalista Gianni Barbacetto, da
Itália, que escreve para Il Fatto Cotidiano. É diretor do Omicron, o observatório
milanês sobre a criminalidade organizada no Norte da Itália. Tem passagem por
diversos veículos de comunicação; entre outras obras, escreveu Milano degli scandali,
Tutte Le carte Del Presidente, Il guastafeste, Entrevista com Antônio Di Pietro, Ponte
alle Grazie e Operação Mãos Limpas em português. O embaixador André Amado diz
que será lançado aqui às 17h15 o livro do Barbacetto, com prefácio do Sergio Moro.
Temos, a seguir, Marcelo Muscogliati, que apesar do nome é brasileiro.
Subprocurador geral da república, coordenador da câmara de combate à corrupção do
Ministério Público federal, é autor de vários artigos em várias revistas estrangeiras,
revistas de lei. Entre seus livros, destacam-se Demanda e Oferta de decisões
judiciais, Liberdade de expressão e violência. E Pensadores da liberdade volume I.
Oscar Vilhena Vieira, que me dá o prazer de reencontrar, é Pós-Doutor pela
Universidade de Oxford, Doutor e Mestre em Ciência Política pela USP; Mestre em
Direito pela Universidade de Columbia; Graduado em Direito pela PUC São Paulo; e
Diretor da FGV DIREITO SP, onde leciona nas áreas de Direito Constitucional,
Direitos Humanos e Direito e Desenvolvimento. Foi Procurador do Estado em São
Paulo, Diretor Executivo do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para
Prevenção do Crime (ILANUD), e fundador e Diretor da organização Conectas Direitos
Humanos. É colunista do jornal Folha de São Paulo e membro de diversos conselhos de
organizações da sociedade civil, entre os quais Instituto Para os Bono e Open Society
Foundations (OSF).
Rodrigo Chemim, doutor em Direito do estado, é professor em Direito
Processual Penal no Centro Universitário Curitiba. Rodrigo é da Republica de Curitiba.
E no Centro Universitário Franciscano em Pitiba, Procurador do Ministério Público do
Paraná há 24 anos. Atuou por mais de 15 anos na investigação de crimes do Colarinho
Branco. E é também autor da obra Mãos Limpas e Lava-Jato.
Com a palavra nosso convidado Gianni Barbacetto.
Gianni Babacetto
Muito obrigado pelo convite, muito obrigado por sua gentil introdução. Eu
gostaria de pedir desculpas por não falar o Português, há a tradução simultânea, mas
mesmo assim, obrigado por tentar me manter dentro dos 15 minutos que me foram
dados.
Há 25 anos, com a Operação Mãos Limpas, muito se falou a respeito do que vem
acontecendo no Brasil. A Operação Mãos Limpas é uma coisa do passado, mas nos traz
algumas memorias daqueles dias, quando vemos o que está acontecendo hoje aqui no
Brasil. Há momentos na historia de todo país onde há um boom de transformação
radical. Algo aconteceu em 1992 com a Operação Mãos Limpas e seus efeitos podem
ser vistos aqui no Brasil. Vocês chamam de Operação Lava Jato. Eu vou fazer alguns
comentários a respeito da experiência italiana e aí vocês verão o que poderá ser aplicado
também ao Brasil para entender bem o que está acontecendo por aqui.
O que aconteceu na Itália naquela época? Em alguns meses, o sistema judiciário
descobriu um esquema de corrupção que permearia toda a sociedade italiana. Partidos
políticos estavam sendo financiados por meio da cobrança de propinas. Todo tipo, toda
licitação tinha recursos de financiamento ilegal conectado. Entre 1992 e 93, o sistema
político por inteiro desmoronou, cinco partidos desapareceram em questão de meses,
alguns desses partidos tinham mais de cem anos de idade, simplesmente sumiram,
desapareceram. Os Cristãos Socialistas, o Social Democratas, o Partido Republicano e o
Partido Liberal, partidos muito tradicionais que desapareceram em questão de meses. A
primeira república chega assim ao fim e agora o que nós achamos, o que nós chamamos
de Segunda República, passa a ser estabelecido na Itália. Mas porque vemos tantas
mudanças repentinas na Itália? Há algumas variáveis: geopolíticas, econômicas,
judiciais, políticas e culturais. Todas implicações desse tipo aconteceram.
Nós não temos muito tempo, mas eu vou tentar ser breve. Temos um novo
cenário geopolítico, a Itália está bem ali na borda do Leste e do Oeste, então tivemos a
experiência em primeira mão de uma Guerra Fria, temos a democracia cristã e os cinco
partidos que formaram uma aliança liderado pelos socialistas. Estes cinco partidos, não
havia alternativas a esses cinco partidos. O partido de oposição era o Partido Comunista,
o maior partido comunista no Ocidente. Ele não podia formar parte do governo, não
teria sido tolerado no equilíbrio geopolítico nem na arena internacional.
Houve investigações nos anos de 1970 e 80 que foram os primeiros sinais que
indicaram que havia corrupção naqueles partidos, mas aquelas investigações foram
interrompidas. Na época, o sistema não pôde se aprofundar nessas investigações.
Depois da queda do Muro de Berlim, a situação não é mais a mesma, o judiciário, na
Itália, agora é livre para realizar mais investigações mais aprofundadas. Os partidos
estão enfraquecidos e as investigações que tinham sido, digamos, congeladas, agora
estão sendo retomadas. Há também um novo cenário econômico. Um de nossos juízes
diz que acabou o dinheiro, não havia base econômica para manter um sistema tão caro.
Eu vou tentar explicar: os partidos eram muito poderosos na nossa primeira república, o
Estado controlava a indústria do petróleo, o setor químico, o setor siderúrgico,
construção civil, os partidos controlavam não só a política, mas também uma parte
muito importante da economia e havia recursos econômicos, nós não tínhamos o Euro.
A Itália pôde se envolver sem limites em despesas públicas, portanto, essas condições
permitiram um esquema de corrupção muito aprofundada e os partidos políticos se
aproveitaram plenamente dessa situação. O poder estava centralizado, era centralizado
naqueles partidos, por isso, a corrupção corria solta, sem problemas.
Toda licitação era acompanhada por uma parte da verba que era enviada para
financiar os partidos políticos, inclusive os de oposição. Não tinha a necessidade de
negociar propina cada vez, o sistema era livremente esquematizado, é um sistema muito
científico. Por exemplo, o metrô, em Milão é muito bom hoje. Mas durante a sua
construção, as propinas eram alocadas X liras de propina iam pra tal partido, Social
Democratas recebiam tanto, o outro tanto, tanto e assim por diante, não havia
necessidade de acordos, era um sistema já automatizado e ouso dizer, era bem científico
e o Partido Comunista de oposição também entrou na roda. O Partido Comunista
participou também, compartilhou as propinas para construir o metrô de Milão, assim
como qualquer outro partido, assim como os ladrões de Pisa. Eles lutam de manhã e à
noite vão lá e participam os lucros. Geopolítica, economia e agora o pilar judicial.
Temos agora um novo Código Penal que dá aos procuradores ou a Procuradoria,
o Ministério Público agora tem mais autonomia porque antes disso era muito pouco
provável que essas investigações fossem levadas adiante para descobrirem qualquer tipo
de transgressão uma vez que a polícia judiciária é parte do Ministério Público e
independente da política, dos partidos, ficou mais fácil descobrir todos esses crimes. Ao
mesmo tempo, a sociedade estava mais crítica e reclamou, reclamava muito dos
superpoderes atribuídos aos partidos políticos estavam em todos os lugares e até certo
ponto, havia piadas, socialistas que haviam sido descobertos em escândalos de
corrupção. Foi algo que todo mundo começou a perceber. Os esquemas de corrupção,
claro, começaram a causar danos na economia e na política.
Eu vou lhes dar alguns exemplos de quanto tempo levaria para construir
qualquer coisa e quanto custaria: 192 bilhões de liras ou 45 bilhões seria o preço do
sistema de metrô era o preço do sistema de metrô em Hamburgo. O estádio de futebol, a
expansão ocorreu em dois anos a um custo de 180 bilhões de liras. Em Barcelona, um
projeto semelhante custava 45 bilhões. Esses são, portanto, custos muitos altos.
Portanto, vemos que isso era praticamente um caso de falência, 60% era a diferença
entre o PIB e o orçamento, 97% naquela época.
Em 1992, isso foi de 118%, então ficou insustentável, a Itália simplesmente
ficou sem dinheiro ficou falida, houve consequências políticas e houve também
consequências para as empresas, não havia livre mercado, não havia mais concorrências
entre as empresas, mas sim, os quarteis, quartéis estavam sendo formados para que eles
fossem ganhar todas as licitações. As empresas tentaram se proteger do livre mercado,
era muito mais confortável continuar fazendo os negócios como sempre sem tentar
inovar. Quando chegou a concorrência estrangeira, eles terminaram por tomar tudo,
dominar tudo. Houve efeitos políticos, aqueles que não faziam parte do esquema, não
poderiam entrar à esfera política, era muito caro administrar uma campanha porque eles
tinham acesso a recursos intermináveis de dinheiro. Os líderes políticos eram escolhidos
de acordo com sua capacidade de angariar fundos, de captar fundos, aqueles que
conseguiam subornos e propinas de empresas. Sob estas circunstâncias, a Operação
Mãos Limpas começou. Novos partidos foram criados, os cinco partidos tradicionais
simplesmente sumiram, o Lebanon Fisrt Italia e o EID são os novos partidos que
criaram nesse novo sistema político. Em 1994 esse novo sistema foi consolidado depois
da vitória de Silvio Berlusconi, a vitória de Berlusconi foi um paradoxo, ele derrotou a
oposição dizendo “eu sou um novo empresário, não tenho nada a ver com a velha
política, não sou ladrão e eu sou bom”. Ele era o homem mais rico e ele apoiava o
Bettino Craxi, que era o principal defensor da Operação Mãos Limpas.
É a mesma coisa comparado com o que está acontecendo aqui hoje? Sim, até um
certo ponto. Os partidos políticos têm muito poder e o desejo de renovar, rejuvenescer a
política, os brasileiros e os italianos são muito apaixonados por futebol e política, é
claro que há diferenças e aqueles que vão falar depois de mim sabem mais, claro, sobre
a Operação Lava Jato e conseguirão detectar as semelhanças e diferenças. Na Itália,
mesmo no início, nos primeiros meses da Operação Mãos Limpas, tanto à direita quanto
à esquerda juntaram forças nas ruas para darem apoio aos juízes da Operação Mãos
Limpas. Eu acho que no Brasil há uma distinção muito clara, quem apoia a Lava Jato e
aqueles que acreditam que seja um golpe. Houve uma divisão política na Itália depois
sim, mas não no início. Viva Di Pietro e haviam aqueles que pensavam que as pessoas
estavam implementando um golpe de Estado através do Judiciário.
Eu acho que outra diferença é que as mudanças lá foram muito rápidas. Na
Itália, tudo aconteceu mais ou menos em dois anos. Foi quando começamos a ter um
novo sistema político. No Brasil, me parece que esse fenômeno vai durar por mais
tempo. Agora, se vocês quiserem descobrir como tudo se sucedeu na Itália, eu vou falar
muito rapidamente, porque meu tempo está quase acabando. Os partidos antigos
desapareceram, muitos dos antigos políticos voltaram para nós através de novos
partidos, esse é o primeiro ponto. Agora, o segundo ponto: a corrupção não acabou e
talvez passássemos a ter mais corrupção do que antes, talvez hoje não vejamos mais
essa termologia científica de suborno e corrupção, mas isso não acabou, não temos um
sistema único.
Atualmente, se você conseguir o mercado livre da corrupção, você consegue
construir pequenos sistemas, pequenos círculos, é assim que há corrupção. Então, não
temos menos corrução, mas temos um sistema corrupto mais amplo. Na Itália também,
nós tínhamos política sobre a economia, agora no segundo ciclo, temos a economia
mandando na política. Eu não tenho tempo suficiente para explicar isso, mas na
Primeira República, nós dizíamos que nós roubávamos pra fazer política, atualmente, na
Itália, dizemos que fazemos política e entramos na política para roubar. Então as coisas
meio que se inverteram e vocês conhecem a situação brasileira, claro, o cenário todo no
Brasil. Nós temos a meta de trabalhar isso e a nossa meta é sairmos melhor do que na
Itália. Muito obrigado.
Marcelo Muscogliati
Obrigado pelo convite, obrigado pela oportunidade de estar aqui e falar com os
senhores. Cumprimento André Amado pela organização e os congressistas que
prestigiam este evento, o senador Buarque, o senador José Aníbal, o deputado Freire, o
deputado Rubens Bueno. E, por favor, me desculpem se por um acaso eu deixei de citar
algum congressista aqui presente. Mas, sempre que participo de algum evento onde
encontro congressistas, faço questão de registrar que o Legislativo é o meu Poder
preferido. Não é o Judiciário, onde eu trabalho, e muito menos o Executivo. Isso porque
entendo que o Legislativo traz soluções perenes para os grandes problemas que temos. E
é lá no Legislativo onde se “parla” muito e se forma um consenso para as soluções
dos nossos problemas.
Além de agradecer, também devo fazer um disclaimer. Aqui, comigo ninguém
gastou dinheiro. Não vou receber qualquer remuneração por estar aqui e não gerei
despesa para ninguém. Nem para o Ministério Público.
Quanto à nossa conversa, nossa primeira grande pergunta é: por que
combater a corrupção?
Essa é uma grande questão posta a todos nós. A respeito, inclusive, um dos meus
ex-colegas, na mídia e, quando teve oportunidade de ser ministro da justiça, questionou:
Até onde combater a corrupção?
Em todos os lugares e a qualquer tempo. Porque a corrupção gera distorção na
locação eficiente dos recursos dentro da economia, facilita a formação de cartéis e o
enriquecimento indevido de agentes que não competem, combinam. O corruptor e o
corrupto são muito inteligentes e não podem ser menosprezados.
Aqui, enquanto falamos, enquanto trabalhamos combatendo a corrupção,
discutindo corrupção, não tenho a menor dúvida que a corrupção
prossegue acontecendo no Brasil. Os fatos denunciados pelo Procurador-Geral da
República contra o Presidente, contra congressistas, contra um membro do
MPF, aconteceram no curso deste mesmo ano. Não ocorreram no ano passado nem no
ano anterior. Com isto, quero relembrar que, quando os fatos do escândalo
do Mensalão foram julgados no âmbito do Supremo Tribunal Federal aqui no Brasil,
nós do Ministério Público acreditamos que as coisas tinham melhorado. Porém, ao
mesmo tempo em que o Mensalão punha na prisão autoridades e dirigentes partidários
de alto calibre, empresários, presidente de banco, como por exemplo, Kátia Rebello do
Banco Rural de Minas, ou mesmo um grande publicitário como Marcos Valério;
ficamos com a percepção, diante dos fatos que sabemos hoje, que este esforço
institucional não serviu de mensagem.
Porque ao mesmo tempo em que o Mensalão condenava e
punia, o Petrolão, o Eletrolão e outros desvios em Fundos de Pensões de empresas
estatais, por exemplo, aconteciam em paralelo. E não pararam. Com isso, o que se
observa é que há uma série de desafios postos na nossa realidade. Parece que, neste país,
se decidiu fazer uma corrida para o fundo do poço, para o fundo do buraco.
Pois o Ministério Público não faz parte desta corrida. No Ministério Público, só
fazemos nosso trabalho. E um dia desses, questionado por um congressista sobre
quando o Ministério Público vai parar, eu lhe respondi de forma muito simples e
singela: nós não vamos parar, quem tem que parar são vocês.
Eu não compreendo, eu tenho que confessar que para mim é muito difícil
entender como é possível, depois de tanta coisa acontecendo neste país para combater a
corrupção, com resultados como o Mensalão, o Petrolão, o Eletrolão, a CPI dos Fundos
de Pensão das estatais, tudo nestes últimos 10 anos, ainda temos casos recentes com
a apreensão de milhões de reais em malas, em dinheiro, no domicilio de
pessoas politicamente expostas e com depósitos indevidos, recursos desviados
e problemas relacionados à corrupção.
Esta semana o Petros – fundo de pensão, informou que os petroleiros vão
recolher 14 bilhões durante o período de 12 anos para cobrir um furo na sua gestão.
Uma gestão que, de fato, deixou sem respostas questões a respeito
da sua competência administrativa, mas também envolveu questões relacionadas
ao desvio de recursos por corrupção.
Estes problemas da vida real, são desafios para nossa sociedade
e nosso Parlamento. É no Parlamento que se tem que dar a resposta para isso. Fazemos
nossa parte, mas cabe ao Parlamento encontrar, debater e formular soluções para a
redução da corrupção no Brasil. E quando se fala que o Ministério Público quer resolver
tudo, entendo esta afirmação como maldade, porque o papel do Ministério Público em
qualquer sociedade é muito pequeno, é restrito e, para exemplificar, eu quero citar uma
frase de um colega procurador da Coroa britânica.
Quando ele esteve no Brasil, em 2013, para discutir segurança na Copa do
Mundo, num grupo de trabalho especial sobre segurança em grandes eventos, ele me fez
uma série de perguntas a respeito da segurança no Brasil e a respeito de notícias que
começavam a surgir sobre um escândalo na Petrobras. Eu lhe disse que naquele ano o
Ministério Público tinha trabalhado com sucesso no Mensalão e que poderíamos ter
grande repercussão no caso da Petrobras, mas que eu tinha esperança em uma redução
da corrupção como resultado das condenações. Ele me disse de uma forma muito
clara: You won’t prosecute your way out of this problem.
Hoje, concordo plenamente com ele. Nós fazemos nossa parte, para combater e
colocar corruptos e corruptores na prisão, para recuperar ativos e obter
reparações. Fazemos nossa parte, como se espera em sociedades democráticas.
Mas nossa parte é pequena. O Ministério Público não tem uma resposta objetiva
para isso, para explicar o motivo pelo qual, no Brasil, mesmo combatendo fortemente e
com sucesso a corrupção, ela prossegue em altos escalões. Cumprimos nosso papel. A
Constituição e a Lei nos obrigam a processar, investigar, dar respostas e apresentar as
provas perante o Judiciário. O Judiciário, num processo dialético, vai condenar ou
absolver e vai estabelecer os limites no caso concreto.
Mas, para a corrida ao fundo do poço, para explicá-la e lhe colocar um fim? Só
os políticos e, dentre eles, principalmente, os parlamentares podem apontar o caminho;
a solução.
O que devemos fazer a mais para evitar a corrida para o fundo do poço? Uma
campanha e sugestões legislativas foram apresentadas: As 10 Medidas Contra a
Corrupção. Como representante do PGR, tive oportunidade de falar sobre isso no
Congresso Nacional. Obviamente, elas eram insuficientes ao problema, mas
constituíram uma tentativa de discussão parlamentar a respeito dos mecanismos
disponíveis e seu aprimoramento. Muitas outras medidas tinham de ser discutidas.
Dentro do Congresso, sempre que fui chamado, apontei algumas outras medidas,
além das 10. Por exemplo, diminuir o tamanho e o número de nossas estatais é uma
grande medida anticorrupção no Brasil.
Há alguma experiência registrada neste pais a respeito da corrupção dentro das
estatais, dos contratos fraudados, dos cartéis, dos desvios? Até quando vamos
esperar que o mundo ideal se compatibilize com o mundo real, para que as estatais
funcionem de forma eficiente e sem corrupção?
Ou não será mais inteligente, diante da nossa experiência, desistirmos deste
modelo de negócio e começarmos a tratá-las, as estatais, como empresas que são e que
devem ser eficientes, lucrativas, pagar impostos? Que tal dar resposta clara à realidade
no sentido de que uma empresa corrupta vai à falência? Para ela não há salvamento. E,
em casos de corrupção diagnosticados, com transparência, o mercado vai, sim, penalizá-
las e dizer o que elas têm de fazer para sobreviver. Mas não o Tesouro.
Há empresas estatais que, por corrupção neste pais, se fossem abertas em Bolsa e
sem o aval do Tesouro, já teriam ido à quebra, já estariam em processo de falência. Elas
não estão, não foram e não irão à falência, porque o Tesouro é o garantidor final. E
quem é o Tesouro? Nada mais é do que o próprio Contribuinte. É o resultado da
contribuição do trabalho de todos nós. Eu acredito que devemos pensar muito a respeito
disto quando tratamos do combate à corrupção.
A privatização de empresas e negócios estatais é uma grande medida anti-
corrupção anunciada por este governo nos últimos dias. Agora, é preciso saber qual será
a extensão da privatização das estatais e como é que isso irá acontecer.
Porque a privatização pode se dar por dois caminhos. Um público, aberto e
claramente discutido e precificado. O outro, também já conhecido no Brasil, pode ser
restrito, sem publicidade, com cartéis e máfias fatiando os negócios e desviando os
recursos e os resultados esperados.
Num outro ponto para este debate, é dever lembrar que 1992 foi um ano terrível
na Itália, quando se compara a operação Mãos Limpas e a Lava Jato no Brasil. Isso
porque, em 1992, antes das notícias das Mãos Limpas, dois magistrados do Ministério
Público, Falcone e Borsellino, foram assassinados pela Máfia na Itália. Como resultado
destes atentados, uma grande operação, com mais de 9 mil policiais foi enviada para a
Sicília. Depois, por alguns anos, aproximadamente 150 mil oficiais foram envolvidos
numa grande investigação antimáfia na Itália. Neste cenário, no norte da
Itália teve início a Operação Mãos Limpas.
Já no Brasil, o que aconteceu em 1992?
Quando comparamos a Lava-jato com a Operação Mãos Limpas, não podemos
esquecer que 1992 foi um ano muito importante no Brasil e, também, terrível.
Isso porque, em 1992, tivemos o início do escândalo e do processo
de impeachment do presidente Collor. Tivemos processos criminais de grande monta
para combater a corrupção, como por exemplo: o caso dos Anões do Orçamento; o
financiamento das campanhas na Operação Pau Brasil; as Importações de Israel. Na
época, foram grandes casos e envolveram altos escalões do governo. Mas, hoje, quando
comparamos valores e desvios em dinheiro, estes casos significam muito pouco
Diante do montante de dinheiro já recuperado nos últimos anos, só pela Lava
Jato. Por exemplo: de 1992 para cá, a corrupção aumentou, cresceu muito no Brasil; já
na Itália, nem tanto.
Em 1992, o Brasil tinha suas operações anticorrupção, tinha seus esforços
anticorrupção naquele momento da sua história. Eu trabalho no Ministério Público
desde 1989, trabalho com processo anticorrupção há quase 3 décadas. E
minha experiência me revela que o combate está, sempre, em processo de evolução.
Portanto, uma outra pergunta ainda aguarda resposta: considerando os estágios
em que estavam em 1992, o ano terrível para o Brasil e para a Itália, como evoluíram os
sistemas de combate à corrupção nos dois países até hoje?
Evidentemente, o Brasil evoluiu pouco em 25 anos, porque chegamos em 2017
combatendo e tornando evidentes os maiores escândalos de corrupção da nossa história,
se não do planeta. A Lava Jato ganhou mídia, ganhou expressão pela eficiência dos
resultados obtidos num outro momento distinto de 1992, mas não é um ponto isolado.
Ela é o resultado da evolução de um longo processo de esforço institucional, dentro do
Ministério Público, do Judiciário, da Polícia e do Parlamento para reduzir os níveis de
corrupção que identificamos, que vivemos e com os quais não concordamos. Como um
dos resultados da CPI dos Fundos de Pensão no Congresso, uma operação muito maior
do que a Lava Jato está em curso, a que investiga e processa os desvios dos Fundos de
Pensão.
Tudo para tentarmos baixar os custos de transação dos negócios, para
melhorarmos a distribuição da riqueza e para tentarmos afetar, de alguma forma, a nossa
taxa de homicídios.
Neste ponto, faço uma pausa para os homicídios no Brasil. Se alguém me
perguntar qual é seu preço? Sou muito claro: quero que o Brasil tenha só 5 mil
homicídios por ano; porque o Brasil tem, hoje, aproximadamente 60 mil homicídios por
ano. É um escândalo! Mesmo com o controle de armamentos e munições, ainda assim,
nós temos aproximadamente 60 mil homicídios por ano neste pais. Há alguma coisa
errada no Brasil e sugiro que dividam 60.000 por dias e horas; vocês vão ver que a cada
hora mais de 5 brasileiros são assassinados. Não estamos falando de acidente de
trânsito ou de homicídio culposo. Estamos falando de homicídio, onde um ser humano
decidiu dolosamente matar o outro. Isto tem que ser pensado, estudado, trabalhado, isto
é uma questão institucional, isto é um problema de política pública.
Mas, voltando ao nosso tema, o que há de novo nestes últimos anos?
Depois do Mensalão há novidade no sistema jurídico. O Mensalão foi um
processo de grande repercussão na comunidade. Ele durou aproximadamente 7 anos,
desde a investigação até o final do julgamento no Supremo Tribunal Federal em 2012.
No início de 2013, no mesmo tribunal, foram decididas questões a respeito do início da
execução das penas ou não. Isto tudo acontece entre fevereiro e março de 2013.
Já em junho de 2013 acontecem as grandes manifestações de rua. Elas pegaram
todos de surpresa. O que foi aquilo? Até hoje não sabemos ao certo. Mas, a verdade é
que, como ressonância, em agosto e setembro de 2013, o Congresso aprovou e a
Presidência sancionou a legislação que regula a Delação Premiada e a Leniência. Além
disso, também é daquele período a rejeição à PEC 137 pela qual se vedaria ao
Ministério Público a investigação de crimes e infrações. No conjunto, isto
configurou uma resposta às ruas e foi o Congresso quem elaborou esta resposta.
Foi um enorme avanço institucional que abriu oportunidade a novos
instrumentos de investigação para o sistema jurídico composto pelo Ministério
Público, Judiciário Advogados, para aprofundar as investigações. O resultado deste
avanço é o que assistimos hoje nos processos públicos, especialmente a partir
da liberação de dados e informações no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
Outra novidade sistêmica também ocorreu quando incrementamos a
cooperação internacional para combater a criminalidade, sendo o terrorismo uma faceta
dela. Não é o Brasil quem faz isso. É o planeta. Todas as grandes
democracias, hoje, colaboram com seus sistemas jurídicos, com seus Ministérios
Públicos, com suas Polícias, para tentar reduzir a criminalidade organizada. E crime
organizado nada mais é do que “máfia”. O apelido famoso de crime organizado é este.
Estamos falando de máfia e máfias dentro do governo e é nisso que
devemos pensar. Diante dos fatos revelados nas grandes operações em curso perante o
Judiciário e diante dos elementos que apontam para uma grande criminalidade
organizada, estruturada, tanto na iniciativa privada quanto no governo, torna-se uma
realidade observar uma “máfia” ou várias, em atuação coordenada. Este é um dado de
realidade.
Ainda sobre 1992 no Brasil e na Itália, é importante lembrar que, como já
ressaltou a Dra. Denise Frossard, não tínhamos os instrumentos que temos hoje.
Por exemplo, em 1992, fiz um pedido judicial para uma escuta telefônica.
A Telesp existia e não tinha sido privatizada. O Juiz Federal Criminal, aqui na Praça da
República em São Paulo, deferiu meu pedido, confirmando a necessidade da prova a
respeito de uma fraude em concurso público da receita federal no Porto de Santos.
A máfia em Santos tinha decidido que ia fraudar um concurso público para colocar seus
fiscais no Porto de Santos. E precisávamos de escuta telefônica para comprovar os fatos,
cuja investigação inicial tínhamos deflagrado. Pois bem, o Juiz expediu a ordem, peguei
os mandados e apresentei para a Telesp. A escuta não foi feita. A Telesp nos disse o
seguinte: nós não fazemos escutas, nós não temos escutas e nem equipamentos de
escuta para cumprir essa ordem judicial. Isto era 1992 no Brasil.
Mas o que também é interessante no Brasil de 1992 é que nós não tínhamos
equipamentos ou possibilidade de fazer escutas, mas naquele mesmo período um
procurador da república foi gravado ilegalmente, durante 3 meses, e as fitas com as
conversas que ele teve com a mulher, com o filho, com o juiz, com o presidente do
tribunal, todas elas foram mandadas pelo correio para o superintendente da polícia
federal, para o juiz federal com quem ele trabalhava, o Dr. João Carlos da Rocha
Mattos, famoso em São Paulo, para o Presidente TRF3, etc. Porém, em 1992,
legalmente, não conseguimos fazer a escuta telefônica para investigar a máfia de
Santos, mas outros conseguiram fazer isso de forma criminosa contra um investigador.
O cenário de 1992 era muito difícil. 1992 tanto na Itália quanto no Brasil, é um ano
muito importante.
Tivemos grandes avanços em 1992. Eu me lembro que vivíamos sob
hiperinflação, com governo frágil e investigado. Naquele momento da história, tivemos
o final do governo Sarney, a metade do governo Collor e seu planos econômicos, um
Congresso com anões do orçamento, etc. O Brasil estava em ebulição, vivendo a
hiperinflação, a economia estava estagnada e desafiada, sem perspectiva de futuro para
uma geração. A única coisa boa daquele período ocorreu em 1994, quando nós
ganhamos a Copa do Mundo nos Estados Unidos. E parece mais que foi por “default”,
vocês se lembram disso?
Acho que foi um momento muito mais difícil do que o que vivemos hoje.
Hoje, temos muito mais informação. E ao notarmos isto, é certo afirmar que o
tempo passou para alguns políticos. Isto precisa ficar claro na nossa sociedade. Na
política, há novidade e, se as pessoas ainda não entenderam o que
significatwitter, facebook, whatsapp, telegram, e o fato de que todo telefone é um
microcomputador que possibilita a documentação de todo tipo de conversa e imagem,
que todo compartilhamento disso é muito fácil com acesso a dados e informações. Se o
político não entendeu o significado disto tudo para a vida democrática e honesta, é hora
de ir embora; é hora de parar.
Um exemplo: hoje o dinheiro é digital e deixa registros contábeis eletrônicos
por onde passa. Portanto, quando se encontram alguns milhões de reais dentro de malas,
isto é totalmente anormal. Não é normal gente! Eu não tenho mil reais guardados em
casa e, agora, eu tenho 250 reais no bolso. Todo o restante do meu dinheiro é
constituído por dado digital no banco e rastreá-lo nessa realidade digital é muito fácil.
Ainda quando se comparam as operações Lava Jato e Mãos Limpas, nós
devemos considerar alguns dados e informações muito relevantes para, num exercício
de imaginação, tentar pensar o que seriam as Mãos Limpas na Itália de hoje, com todo
esse instrumental investigatório disponível no mundo digital e com a cooperação
internacional avançada e em tempo real, com toda esta capacidade de investigação,
interlocução e interação.
Um exemplo, hoje em dia, se as autoridades brasileiras, num processo
formal, perguntarem a um banco suíço sobre operações financeiras de um brasileiro sob
investigação, o banco suíço responderá e, além de responder, se encontrar uma conta
corrente, poderá mandar cópia do passaporte que foi usado para abrir a referida conta.
Em 1992, quando a Operação Mãos Limpas era muito ativa na Itália, se a
partir do Brasil qualquer autoridade perguntasse a qualquer banqueiro suíço, a qualquer
autoridade suíça, a respeito de contas de um investigado, nem a resposta negativa vinha;
não havia cooperação ou preocupação com isso.
Em conclusão, quero rememorar que o ano da Operação Mãos Limpas na Itália,
o grande e longo ano de 1992 fu un anno drammatico. E foi um ano dramático no Brasil
também, como já registrei acima. E se em 1992 a Itália era melhor e mais eficiente do
que o Brasil, assim prossegue em 2017, melhor e mais eficiente do que o Brasil, onde
ainda imperam a máfia e a corrupção em escala “nunca antes” vista no mundo.
O mundo mudou de 1992 para cá. Por exemplo, tivemos processos contra
vários bancos suíços em Nova Iorque, por conta das vítimas do nazismo, tivemos o
incremento da cooperação internacional para combater as máfias e o terrorismo, tivemos
muitas convenções internacionais para o combate à corrupção. Como exemplo a
convenção da OCDE para o combate da corrupção de autoridade estrangeira.
Admirável Mundo Novo!
E neste Admirável Mundo Novo que devemos reconhecer que o nosso dia-a-dia
confirma que a Democracia brasileira está em pé e bem. Temos um presidente
processado que governa, temos um Congresso aberto, com deputados e senadores que
trabalham, debatem e produzem legislação. As pessoas viajam e falam o que pensam,
não há restrição à liberdade. O cidadão paga os seus impostos, faz negócios e, por
exemplo, neste momento, a Bolsa de Valores de São Paulo bate um novo recorde ao
passar dos 75 mil pontos.
O que é isso? Democracia em ação.
Eu penso que isto é um grande ganho geracional, um fato pelo qual todos nós
lutamos e, agora, vivemos: este pais é uma Democracia!
Eu nasci em 1964, me graduei em Direito em 1985, sou do Ministério Público
desde 1989 e continuo trabalhando, com perseverança. Estou Coordenador da
Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal até o próximo
domingo, quando serei exonerado a pedido, para sair juntamente com o Rodrigo Janot.
Na segunda-feira, prosseguirei somente com os meus processos criminais no STJ, na
minha rotina e com a minha experiência criminal no Brasil.
Oscar Vilhena Vieira.
Enorme prazer estar aqui. Convite muito gentil que me foi feito. E a única
dificuldade é que depois do André, todos os planos que eu tinha feito, fui tentando
escapar, mas ele já falou quase tudo, e em grande medida eu concordo com ele. Então
eu vou me permitir talvez tomar menos tempo de vocês do que eu tinha previamente
imaginado. É um prazer estar aqui com todos os colegas, querida doutora Denise
Frossard, a quem eu tanto admiro.
Bom, a primeira coisa que eu gostaria de dizer, também concordando com o
Marcelo, não vou falar isso muitas vezes para não aborrecer vocês ou deixá-los
constrangido. É o seguinte, a Operação Lava-jato, como muitas pessoas às vezes acham,
ela não é fruto de um grupo de jovens heroicos, não é fruto de um grupo de pessoas que
transcendem a coragem moral, que normalmente se tem. Muito embora devam ser muito
corajosos, não os conheço pessoalmente. E ela também não é um Tsunami, não é um
acidente da natureza, não é fruto do acaso. A Lava-jato é uma consequência de um
processo de aperfeiçoamento institucional que começou em 1988. E que foi sendo
qualificado ao longo dessas duas décadas. Eu acho que a Doutora Denise Frossard já
mencionou isso. E que foi profundamente impactado, como também o Marcelo já disse
por 2013.
Aí eu vou entrar um pouco no detalhe de 2013. Então de um lado a operação
ocorre porque nós tivemos esse conjunto, seja de escolhas institucionais que permitiram
as agências de aplicação da lei, Ministério Público, Poder Judiciário, Polícia, um grau
de autonomia que nós não tínhamos experimentado no Brasil.
A pergunta é: porque será que esse grau de autonomia que foi adquirido em
1988, não reverteram necessariamente, imediatamente, fora algumas exceções, numa
percepção sistêmica de corrupção que já havia no sistema público brasileiro. É
evidente que há um aprendizado cultural, um aprendizado institucional, me perdoem.
Evidente que há uma mudança geracional, não é simples que um juiz tivesse 60 anos,
sentado no novo STJ ou no Supremo Tribunal Federal, pudesse olhar com a lente nova
que a constituição de 1988 dava. Que um procurador da República, que ate então era
uma figura de um advogado da União, às vezes, advogado privado e procurador da
república compreendesse que o seu papel tinha sido absolutamente transformado. Que
os procuradores de justiça, os promotores estaduais tinham uma trajetória de ser um
braço do executivo, onde seu chefe era escolhido arbitrariamente, vamos dizer assim,
discricionariamente, e que a promoção, a manutenção numa determinada comarca,
dependiam exclusivamente da força do governador. Que, de repente, eles se
transformassem em El defensor do poder, como nós imaginávamos.
Isso tudo tomou muito tempo e isso tudo é fruto de um aprendizado
institucional, que certamente essa geração que é mais nova do que a nossa, que
chegamos talvez ao mesmo tempo na vida pública, pelo que eu vi da sua entrada no
Ministério Público, que eles aprendessem com os erros que nós fizemos, com as paredes
que nós encontramos e fossem superando. Então é uma nova geração que tem uma
qualificação e uma cultura institucional e que sem dúvida nenhuma, muitos que estão
sentados aqui nessa sala, ajudaram a contribuir. Mas nós não fomos formados nessa
mesma cultura.
Então é da associação entre a garantia da autonomia, da estabilidade
institucional, do fortalecimento, inclusive de qualificação dessa instituição e de uma
nova cultura que esses jovens passam a processar, a pertencer. É que você tem a
possibilidade de uma operação Lava-jato, de um lado, ou seja, desenho institucional
provocando um comportamento virtuoso, esse é um lado. Independentemente da virtude
daqueles que lá estão, de modo como às instituições são desenhadas para que a ambição,
a vaidade, qualquer que sejam as qualidades das pessoas que lá estão; elas canalizam
essa energia para que eles gerem algum tipo de bem público, isso de um lado. Agora de
um outro lado se a constituição contribuir enormemente para que nós tivéssemos os
resultados positivos do lado das agências de aplicação da lei, nós também temos
escolhas muito desafortunadas do ponto de vista do modo como organizamos nosso
sistema representativo. Então infelizmente também a corrupção que se tornou cada vez
mais visível e sistêmica, ela também é resultado de escolhas institucionais. Eu também
não acho que pelo fato, e aqui não falo só porque estou na presença de várias pessoas
que eu admiro e confio, pelo fato de você estar no parlamento lhe é moralmente
negativo contrário.
Mas o fato é que um sistema proporcional sem limitação de construção de
partidos, o contrário onde uma série de escolhas foram feitas através do fundo
partidário, através do fundo de televisão, através de um erro, um equívoco da pior
decisão do Supremo Tribunal Federal ao longo desses 30 anos de não permitir que a
cláusula de barreira que havia sido desenhada gerasse seus efeitos. Evidente que nós
criamos um sistema político, onde a criação de partidos passou a ser um negócio. Onde
a política passou a ser um meio para a corrupção. E nós temos então uma competição.
Inclusive aqueles partidos que não estavam nesse jogo passam a perceber que se não
entrarem nesse jogo, também serão derrotados. Então perverte os que não eram do
espaço para aqueles que vão usar a política como meio de corrupção.
Eu não tenho nenhum complexo de vira-lata, eu acho que isso é inerente ao
brasileiro que nascemos nesse ponto do mundo etc., mas por um conjunto de escolhas
institucionais nós temos um sistema político que tem, que gera, que leva, que induz a
corrupção partidária do sistema político. Evidente que isso pode ser minorado, majorado
em face da petição com o modelo econômico. Então se você se propõe a um capitalismo
de estado onde a capacidade de intervenção, ou seja, nos empréstimos públicos, na
redução de juros, juros subsidiados, isenções fiscais e contratação pública em grande
escala. Então você associa a esse presidencialismo de colisão que nós criamos um
enorme incentivo para corrupção.
Eu acho que nós temos um problema de natureza institucional, e em alguma
medida alguma solução que surgiu também a partir do resultado de um modelo
institucional. O Marcelo mencionou e eu acho que ele tem toda razão, que esse sistema
ele vinha encontrando um certo equilíbrio, ainda que tenha sido um jogo extremamente
perverso, havia um certo equilíbrio, o que se pode chamar de lulopetismo, onde em face
dos ganhos conquistados também por aqueles que são os mais excluídos e assegurado
um certo equilíbrio ao sistema político, resultado do sistema político. Mas em 2013 esse
equilíbrio começa a entrar, vamos dizer, em crise. E veja, também não vou fazer uma
análise aqui de 2013. Cada um certamente terá melhor que a minha para fazer, mas
2013 é uma espécie de revolução tuquibiliana. Como diz a minha querida amiga Maria
Hermínia Tavares de Almeida Tuquibiliana: aquela garotada inicial ela estava ali para
reivindicar determinados direitos que lhe haviam sido prometidos, que eles tinham
experimentado e que eles percebiam não mais a frustação das expectativas que haviam
sido criadas, e experimentadas, estavam no horizonte. Então eu brinco sempre que era
um movimento até muito conservador, queremos escola boa, queremos saúde de
qualidade, padrão Fifa. Ninguém falou quero acabar com o capitalismo, era uma
bobagem assim era a garotada pedindo olha quero ônibus direito para ir para escola.
Você pode concordar ou não concordar com os termos, mas eles exigiam os direitos que
a democracia lhe havia prometido. E em alguma medida começado a conceder, e que
eles viam que a crise fiscal começava a colocar em risco esses direitos.
Mas as outras duas vertentes, que são as que eu vou falar aqui,
ininteligível(1h3min) ninguém sabia o que era aquilo, mas a garotada levava o cartaz,
ou seja, eles exigiam que o sistema jurídico não capitulasse e que não houvesse uma
possibilidade de restrição, desse avanço institucional, que era a capacidade do sistema
jurídico, autônomo, de enquadrar as condutas que fossem desconfortantes com a lei.
Isso tá muito claro, se vocês forem pegar em todo o processo de 2013. Por fim há uma
alegação ao sistema político e isto é evidente, os partidos mais à esquerda, que nunca se
corromperam, até porque não tiveram oportunidade, eram tão pequenininhos. Mesmo
esse pessoal só não conseguia entrar. Então há também um ato profundamente anti-
político, mas que exige toqueverianamente que o cuidado com a coisa pública se dê
maneira íntegra. São movimentos por direitos, pelo estado direito e uma democracia
republicana.
Veja a consequência à resposta que a presidenta Dilma da e o parlamento da,
então vamos dar algumas coisas. Quer dizer é natural que se faça isso, e nessas coisas
você tem um fortalecimento de mecanismos penais de combate à corrupção, que não
haviam sido experimentados no Brasil. Quando eu brinco também com um colega meu
do Ministério Público, nós tínhamos autonomia, bom salário, e uma série de coisas que
são boas também, privilégios coorporativos e etc., foi à delação premiada que fez a
diferença. Ou seja, evidente que a delação premiada sem autonomia não é nada. Você
tem que ter as duas coisas, mas ela é um mecanismo de combate ao crime organizado,
que nenhum outro oferece. Quer dizer o velo Direito Penal que a senhora teve que lidar
ele é insuficiente porque a corrupção tem uma natureza muito específica, que o
corruptor e o corrupto, ambos estão em conúbio, quer dizer a vítima está em conúbio, a
vítima entre aspas está em conúbio com o autor. Não há como pegá-lo a não ser por
algumas ferramentas mais novas. Então a introdução disso no sistema jurídico
brasileiro, associado a algumas outras coisas como a lei de acesso à formação, a própria
tecnologia que gerou uma capacidade de os investigadores capturarem informação
inimagináveis no passado.
Uma terceira coisa que parece absolutamente relevante foi é a adoção da
legislação sobre corrupção empresarial. Que também permitiu que as empresas não mais
se escondessem através do chamado véu coorporativo entregando eventualmente um
executivo para salvar a empresa. A empresa passou a sentir que ela podia ser punida,
nada mais comum na Justiça do Trabalho, pegava um caso de corrupção, manda embora
o executivo e reseta aquele executivo. Mas aquilo com a política da empresa, isso acaba.
Então pelo menos esses 3 elementos e muitos outros – a cooperação internacional –
fizeram com o que o velho sistema político do presidencialismo equalizasse e sua
cultura patrimonialista, e tudo que nós podemos usar, todos os jargões que a teoria
social brasileira para descrevera vida política brasileira. Eles entraram em choque num
novo modelo de comportamento das instituições de aplicações de direito, que tem suas
deficiências, mas que se modernizaram num padrão que o sistema político não foi capaz
de perceber. Ainda que ele tenha permitido todas as reformas, que levaram a essa
mudança.
O que me choca muito é a incapacidade de o sistema político perceber que tinha
terminado em pouco tempo aquele tipo de conduta. O choque desaguou na chamada
operação Lava-Jato.
Gostaria de terminar dizendo duas coisas. Em primeiro lugar, é absolutamente
natural e esperado que a reação à operação Lava-Jato seja muito forte. E, na medida em
que a operação Lava-Jato esteve na sua fase onde se atribuía a ela a noção de seletiva,
de escolher apenas o PT, todos os partidos de centro a direita ajudaram a empurrar,
baterão palma ao Moro. Viam-no como o cara mais formidável do mundo. Quando a
operação avançou sobre esses mesmos partidos, ela passa a ser objeto de execração
pública. É natural, é compreensivo. E evidentemente isso coloca em risco, sem dúvida
nenhuma, não só a operação, como os seus frutos.
Se nós pegarmos, na experiência comparada países onde o judiciário ousou esse
tipo de movimento como no Brasil, a Itália é um exemplo clássico do Brasil, mas eu
diria, na Rússia, onde simplesmente o judiciário foi destroçado. Na África do Sul o
judiciário está sendo destroçado. A Colômbia onde o judiciário foi sem dúvida nenhuma
reprimido. Os Estados Unidos onde as operações, especialmente dos promotores, dos
juízes federais da polícia federal da Sec*, que hoje tem um belo artigo da Crhistina
Hernandes falando disso. mas há um artigo também esplendoroso de um membro do
Ministério público Federal dizendo de que forma, a partir da operação de 2008 a
henroway's*, você começou a desmontar e reduzir também a capacidade do judiciário
norte-americano de combater a corrupção. Então não é um acidente que, na última crise,
ninguém tenha sido preso.
Vamos sofrer isso, e é um braço de ferro, que nós não sabemos onde ele vai dar.
É obvio que capitular não é a solução. Capitular vai fazer, mesmo para aqueles que
dizem ah é muito importante à governabilidade do sistema econômica etc. etc... , isso
vai nos lançar na talvez espiral, não sei se é isso que vocês chamam de fundo do poço,
mas eu entendo como espiral, o fracasso eterno quanto nação.
Nós temos a possibilidade de um salto civilizatório, podemos não dar e cair
nesse buraco. Ou dar e tem um custo em dar, mas certamente os benefícios em termos
de desenvolvimento da democracia, estado de direito e da própria economia, haverão de
ser muito frutíferos.
Por fim me calo para esse braço de ferro, que esta sendo travado entre
o velho patrimonialismo e o novo patrimonialismo, novo populismo e a corrupção, que
perpassa todos eles. E esse futuro é a necessidade... o que me surpreende é a ausência de
uma espécie de concertação entre aqueles que, dentro do sistema político e fora dele,
não se conformam com essa realidade. Isso é o que surpreende, que, em momentos
dramáticos, não só da nossa história, mas de outros países, as pessoas não sejam capazes
de articular ou propor uma alternativa. E infelizmente não surgiu ainda no Brasil. Urge
que pessoas como os senhores, como nós, como todos que estamos aqui, tenhamos
capacidade de construir uma solução que supere as deficiências desse sistema político.
Obrigado.
Rodrigo Chemim
Boa tarde, eu queria agradecer o gentil convite do embaixador, em nome de
quem eu saúdo a todos os integrantes aqui da sala, essa bancada, os ilustres senadores,
deputados, as demais autoridades presentes. Para mim é uma satisfação poder participar
de um debate como esse, na presença de pessoas com a capacidade do conhecimento
que tem. E eu tentar trazer de novo um paralelo entre as Mãos Limpas italiana e a Lava
Jato brasileira.
Iniciando por explicar porque me interessei por estudar esse assunto. Coisa de
um ano atrás, eu encontrei pela primeira vez o Gianni Barbacetto, e uma das perguntas
que ele me fez, não sei ele recorda, porque você resolveu estudar a Mãos Limpas. Essa
pergunta pode ser respondida de várias formas, mas uma das questões que me tocou,
enfim que me motivou a aprofundar o estudo foi o fato de que, como sou professor de
direito e participo de alguns encontros que discutem questões jurídicas – em alguns
desses encontros ao longo da Lava Jato, do inicio da Lava Jato primeiro ano ainda –
ouvi muitos discursos, de certa forma alarmistas, no sentido de que nós tivemos uma
Operação parecida com a Lava Jato há 25 anos atrás, na Itália, chamada Operação Mãos
Limpas, e aquilo era vendido por quem falava do sistema, e eu estava na plateia
assistindo, era vendido como olha nós tivemos esse exemplo e foi um fracasso na Itália,
foi um fracasso só produziu mortes, suicídios.
Sempre se pega o lado negativo do que os italianos viveram. E se vendia a
plateia à ideia de que talvez fosse melhor que a Lava Jato não tivesse acontecido. E
aquilo me incomodava de forma, significativa. Como assim fosse melhor que não
tivesse acontecido? Como assim seria melhor que não se soubesse, não se desvelasse
toda a mecânica corrupta que envolve financiamento político partidário, enfim que não
soubéssemos tudo que sabemos hoje como as coisas funcionam? Aquilo me motivou a
estudar, a ir atrás e me aprofundar na análise.
Hoje posso dizer que eu sei por que não deu certo, porque que é vendida a ideia,
não deu certo, não é exatamente a expressão, mas porque é vendida a ideia de que a
operação Mãos Limpas na Itália teria sido um fracasso. E eu diria o contrário. Eu diria
que primeiro não foi um fracasso. Em termos de investigação, de capacidade
investigativa foi um grande sucesso, foram mais de 4.500 pessoas investigadas em 3
anos. Se nós compararmos com a Lava Jato aqui não chegamos a 300 pessoas em 3
anos.
Acontece que o que desencadeou certa neutralização do sucesso dos efeitos da
investigação na Itália foi reação da classe política que promoveu uma série de alterações
legislativas, que fizeram com que, aos poucos, fosse se apagando e se neutralizando
tudo aquilo que havia produzido em termos de alcance jurídico e punitivo dos desvios
de comportamento. E, ao aprofundar o estudo, eu me deparei com inúmeras situações de
similitude entre o que os italianos viveram há 25 anos atrás, e o que nós estamos
vivendo aqui hoje. E aí por conta disso eu cheguei a escrever primeiro um artigo e
depois fui convidado por uma editora para aprofundar e escrever um livro, identificando
esse paralelismo, o que realmente e extremamente preocupante justamente porque é
muito, muito parecido com o que eles viveram lá e o que nós estamos vivendo aqui.
A iniciar pela origem do dinheiro desviado, em parte ele provinha da
Internacional de Hidrocarbonetos, a Petrobrás Italiana, desviado para partir dos
políticos. Em outra parte, provinha de grandes empreiteiras em superfaturamento de
obras públicas, com o pagamento de propinas para conseguir contratos. A Itália
celebrou a Copa do Mundo em 1990, e o Gianni referiu aqui que os a construção e a
reforma dos estádios foram superfaturadas, além do estádio de San Siro, que chama
também Estádio de Turin, que foi construído para 60, 70 mil pessoas. Depois de 5
jogos, o Estádio foi demolido e, em seu lugar, construído o estádio de eventos. E o
estado Italiano continua pagando a dívida do primeiro estádio.
O cenário é muito parecido com o nosso aqui, quer dizer, o dinheiro nosso aqui
também vem dos mesmos mecanismos, das mesmas fontes, e a coisa também é muito
parecida com nossos estádios, na Copa do mundo de 2014. Foram superfaturados de
maneira assim assustadora, a ponto de custarem o dobro do preço inicial. Foram
construídos estádios em lugares absolutamente inóspitos, sem a menor tradição de
futebol, no meio da Amazônia, nenhum demérito ao povo que lá reside, mas ao custo
muito elevado para a manutenção, sem qualquer sentido de referência futebolística. Há
também grande similitude nas reações que não foram apenas iguais no campo político,
mas também no jurídico. As teses que os advogados sustentaram lá na Itália em 1992
em diante são exatamente as mesmas teses que os advogados sustentam aqui: excesso
de prisão preventiva, abuso da prisão preventiva para forçar acordo de colaboração
premiada. O que os italianos rebatiam lá do mesmo jeito que os procuradores da
república rebatem aqui, dizendo isto não é verdade, tanto não é verdade que, em mais
de 80% dos acordos de colaboração, o réu continuava solto.
Construíram-se muitas narrativas de reação que é natural, mas são reações
exatamente idênticas àquelas que foram concluídas na Itália: reações políticas num
primeiro momento, antes de falar do plano legislativo, elas se deram no sentido de dizer
que se estaria vivendo um momento, lá na Itália, de criminalização da política. Essa
expressão, usada na Itália, é exatamente a mesma expressão que se usa aqui, até de parte
de um ministro da Suprema Corte.
Se falava lá na Itália que enfim os investigadores estavam atuando por uma
motivação política. Os juízes, quem não eram juízes, eram colaboradores da República,
quem lá na Itália pertence à magistratura, por isso muitas vezes se fala Juízes das Mãos
Limpas, mas o que seria para nós aqui o equivalente a Procuradores da República. O
Ministério italiano integra a magistratura. Se falava lá que os magistrados, os
procuradores da república, seriam magistrados de rosso toga, em italiano significa togas
vermelhas, dando a entender que agiam pautados por uma ideologia esquerda, porque
quem dominava a cena política era um partido mais à direita do que a esquerda. Aqui é
exatamente o mesmo discurso só que às avessas. Enquanto no começo a investigação
olhava para o PT, o partido que estava no poder, ela foi quem construiu aquela situação
toda. Diziam que prevalecia uma ideologia de direita e tal. Quando as investigações
alcançaram os outros partidos, a narrativa passou a ser da criminalização da política.
Em discurso famoso no Parlamento, Bettino Craxi, então o primeiro-ministro
Italiano, anuncia a todos ali presente que se faziam as mesmas coisas de que estava
sendo acusado. Ninguém o desmentiu, o silencio geral aceitou se todos fazemos assim,
quem sabe nos damos à mão para achar uma solução política para resolver essa
questão?
Foi o mesmo cenário que prevaleceu não apenas na Lava- Jato mas na época do
Mensalão, Em uma famosa entrevista a uma televisão francesa, Lula ele disse que isso
que não é só o PT que faz, mas que todos fazem. O discurso de que todos fazem é um
decurso muito forte e mais até, ele é vendido no sentido que inclusive a própria
população faz assim. Diz-se muito que os políticos são apenas o reflexo do que é a
população. Esse é um discurso que interessa há muito, porque se todos somos assim
então qual é o problema? vamos tocando o barco desse jeito. A coisa vai se
desenvolvendo assim e escolhemos o menos pior. Se vende isso para que se tenha a
ideia de que o menos pior então seria uma solução, quanto na realidade não é por esse
caminho que nós devemos trilhar uma solução para melhoria das condições políticas do
país.
Bom, tivemos além dessas técnicas, que esse tipo de criminalidade usa e a
criminologia explica, são técnicas de neutralização dos próprios comportamentos, que
resignificam os conceitos, visível na declaração do ex-ministro Palocci, recentemente no
seu interrogatório. Disse ao juiz Sergio Moro que, desculpe, eu estou há 30 anos sendo
treinado a mudar o significado dos comportamentos e dos atos, na verdade era de
propina, de que se tratava, não era uma mera colaboração ou auxilio, então agora eu
uso a palavra correta. É muito próprio de quem trabalha de nesses nichos de
criminalidade mais elitizada fazer uma ressignificação até para poder se auto- anistiar,
em termos de conseguir viver com aquilo que realiza.
O discurso do golpe também foi usado na Itália. Quando Craxi percebe que as
investigações vão enfim alcançá-lo e que ele perderá a imunidade parlamentar e poderá
ser preso, foge para Tunísia, e fica na cidade de Hammamet, de onde escreveu duas
famosas cartas. Nelas, ele procura construir, a partir do seu olhar, uma justifica para
tudo aquilo que lhe estava acontecendo. Lerei apenas um trechinho, para que os
senhores possam verificar a semelhança com alguns discursos proferidos no Brasil.
Dizia o então ex-primeiro ministro italiano Bettino Craxi, (golpe pós-moderno,
que, aliás ainda está em curso, não é somente o trabalho da seita de juízes, de seus
apoiadores mediáticos e políticos internos e internacionais, o golpe pós-moderno
agrediu, em seu caminho, os valores democráticos os direitos dos cidadãos, princípios
constitucionais que foram ao fundo do poço. O golpe pressupõe a existência dos
golpistas que são e foram de vários tipos, categorias e natureza). Só para ilustrar, se eu
lesse esse mesmo discurso, e dissesse que esse discurso não era do Bettino Craxi e sim
uma outra personalidade brasileira, os senhores diriam, sim, é verdade. Porque é
exatamente o mesmo discurso, as mesmas palavras que se encaixam.
Por tão parecido me é que me assusta. Porque nós ainda não neutralizamos os
efeitos da investigação da Lava-Jato, ela ainda está em curso. Os italianos neutralizaram
esses efeitos, não de uma única vez, não numa única tacada, mas através de uma
sucessão de mudanças legislativas, que praticamente inviabilizaram o combate à
corrupção na Itália. Vou rapidamente pontuar, o que eles fizeram:
- Já em 1993 foi editado decreto chamado decreto de Cous* que
descriminalizava o financiamento ilícito dos partidos. O que era crime deixou de sê-lo,
reintroduzia-se o sigilo nas investigações, pois na era de Silvio Berlusconi, talvez o
grande patrono desse modelo de desmantelamento de resultados das investigações, o
decreto Biond* conhecido na Itália como Salapadre*, acho que nem precisa traduzir.
Detalhe curioso esse decreto foi publicado no dia 13 de julho de 1994, essa era a data
em que a Itália julgava com a Bulgária a semifinal da Copa do mundo dos Estados
Unidos, e sabia que já jogaria a final aqui com o Brasil. O que os italianos estavam
fazendo nesse momento? O mesmo que nós estaríamos fazendo se o Brasil tivesse
jogando a semifinal, estavam em frente da televisão. Os italianos são tão fanáticos
quanto nós, senão mais até por futebol. Esse decreto proibiu a prisão preventiva para
crimes contra a administração pública e o sistema financeiro. Na ocasião 2.764 pessoas
que estavam presas por crimes dessa natureza foram colocadas em liberdade, das quais
350 delas eram da Operação Mãos Limpas.
- Depois, em 1995, reformou-se a prisão cautelar suspendeu-se o processo por
delito de falso testemunho, que havia sido uma conquista decorrente de Antonio Di
Pietro, conquista que lograra para permitir prisão em flagrante de falso testemunho,
outros crimes de máfia. Essa lei havia sido aprovada em razão disso e ela deixou de
valer no curso da investigação da Mãos Limpas de 95.
- Em 97, há a pretensão de subornar o Ministério Público por poder político, mas
esse é um tema que ainda não encerrou na Itália, e em inúmeras ocasiões, os italianos
tentaram tirar o ministério público de dentro da estrutura do poder judiciário, onde ele lá
na Itália ele se encontra. Não para dar a autonomia que o ministério público brasileiro
tem, porque ele é desvinculado do poder judiciário, mas porque somos uma instituição
autônoma. Mas para subordiná-lo ao chefe do poder executivo, como era o ministério
público brasileiro, antes da constituição de 88. Para algo equivalente a aprovação da
PEC 37, que foi referida aqui também. Se tivesse sido aprovada a PEC-37 como era o
que se desenhava no congresso nacional, eu participei de vários debates na ocasião, com
inúmeros deputados federais tive a oportunidade de conversar muito, eu disse, olha o
clima no congresso é de aprovação da PEC 37, vai ser aprovada. Só não foi por uma
conjunção de astros que fez com que a população que foi a rua, naquelas manifestações
de junho de 2013 e que não tinha uma bandeira muito definida, ela iniciou como uma
discussão por 0,20 (centavos) entendeu-se que se passasse a PEC 37 aqui, o ministério
público não poderia mais investigar, só a polícia poderia investigar. E qual seria o
reflexo direto disso, a polícia ela é subordinada no Brasil ao chefe do poder executivo,
ela não é subordinada ao ministério público do Brasil. E sendo subordinada ao chefe do
poder executivo, por melhor que seja o delegado, por mais bem- intencionado que seja,
e a grande maioria deles estão bem intencionados, faria com que ele não conseguisse
investigar a que detém poder, porque eu não consigo investigar chefe. Então o
significado da não aprovação da PEC 37 no Brasil equivale a não aprovação das
tentativas inúmeras na Itália de subordinar o ministério público ao poder executivo.
Coisa que ainda não encerrou lá na Itália como discurso.
- Em 1997, atenuou-se o crime de abuso de officcio, crime de prevaricação que
foi muito usado para criminalizar as condutas na Itália. Acrescentaram mais um
elemento para caracterização do delito, e, com isso também reduziram a pena, proibiram
a prisão preventiva, por tabela, porque diminuíram a pena não cabia mais a prisão
preventiva. E não permitiram mais adoção de provas obtidas mediante intercepção de
comunicação telefônica. Além disso, ainda diminuíram o prazo prescricional, que é o
tempo que o estado tem para punir, que era de 15 anos caiu para 7 anos e meio.
Resultado prático, muitos crimes prescreveram. Depois alteraram regras de prescrição
da prova, as provas eram feitas de um jeito, passou-se a exigir que fossem feitas de
outro jeito. E a nova regra, dizia tem que ser repetida em juízo e não dá tempo de repetir
sem que ocorra a prescrição, ah!, que pena, não deu tempo.
- Em 1988-99, novas leis ampliaram a possibilidade de colaboração, porque os
processos estavam encerrando já nessa época. Alguns réus condenados não tinham feito
acordo de colaboração, e a lei italiana não permitia que o acordo fosse feito depois da
condenação. Então para salvar estes que foram condenados, eles mudaram as leis. Eram
leis de encomenda para ajustar as situações.
- Em 2001, fizeram o reingresso, repatriação de dinheiro italiano escondido no
exterior, coisa que nós já fizemos aqui também.
- Depois em 2001 descriminalizaram algumas condutas, diminuíram penas de
outras, de novo proibiram a prisão preventiva, proibiram a obtenção de prova e
interceptação e convocação telefônica obtida de políticos de forma indireta. É o que
aconteceu com a Dilma e com o Lula. A Dilma foi gravada na sua conversa com o Lula
sem querer entre aspas, no sentido de que o Lula está com os telefones judicialmente
interceptado, de forma legal. E conversando com a Dilma ela então é gravada numa
situação fortuita, não haveria telefone dela sendo gravado. Se isto ocorresse de novo de
acordo com essa lei que foi aprovada na Itália, esta prova não poderia ser usada porque
foi obtida de forma fortuita.
- Anularam as provas obtidas no exterior por cartas legatórias de 2001. Todo
esse trabalho enfim de trânsito internacional de provas, obtenção de provas, na Itália, foi
repactuado pela legislação porque faltava um carimbo, literalmente. O documento sem
um carimbo não vale mais, antes valia e agora não vale mais. Depois os tribunais até
consideraram que isso não era correto e essa lei perdeu força. Mas a ideia era anular
todas as provas.
- Em 2005, criaram uma lei para punir abusos de juízes e promotores,
que persigam fins diversos daqueles de justiça. Sabe-se lá o que seja isso, é a lei de
abuso de autoridade.
- Em 2005, diminuíram prazos prescricionais por uma lei que ficou conhecida
como Salva Corrotta, salva corruptos. De novo caiu à prescrição pela metade, resultado
imediato dessa lei. Em 2005, cem mil processos prescreveram na Itália. E, em 2006, 135
mil processos foram jogados no lixo pela prescrição.
Em 2006, proibiram o ministério público de recorrer decisões de absolvição, a
lei era tão escancaradamente inconstitucional, que a corte italiana considerou
inconstitucional. Mas aqui no Brasil tem vários doutrinadores que sustentam essa ideia,
de forma absolutamente equivocada, claro. Piercamillo Davigo foi um dos
investigadores na Itália. Teve aqui também no Brasil o ano passado, também tive a
oportunidade de participar do debate com ele aqui em São Paulo. Ele conta um episódio
em que, na Itália, depois da mudança do código do processo penal italiano em 89, uns
procuradores e juízes americanos foram participar de um evento na Itália. E estavam
então discutindo o novo código, o Piercamillo Davigo fez uma palestra, e disse, olha
nós tivemos um problema com leis de anistia e tal. Ai como os senhores estão assistindo
aqui o magistrado norte-americano levanta a mão e diz, desculpe eu interrompi a fala,
mas é que a tradução simultânea traduziu acho que está errado, e eu não queria perder
isso, porque eu acho muito importante entender isso daqui, então, desculpe mais essa
interromperão, mas eu gostaria que o tradutor pudesse repetir a tradução para
compreender bem. E o intérprete traduziu exatamente o que ele dissera, que houve a lei
de anistia. Os americanos se entreolham na plateia e dizem... começaram a dar risadas.
Porque só podia ser uma piada, não era possível que os italianos aprovassem leis para
anistiar aqueles que desviaram dinheiro dos cofres públicos. Isso para os americanos
soava como uma piada, para os italianos não, e para nós não? Já tivemos no Brasil leis
de anistia de senadores para senadores, naquele episódio da impressão de santinhos para
propaganda política eleitoral, quando o tribunal superior eleitoral condenou vários
integrantes do senado. E foi feita uma lei de anistia para anistiar aqueles que usaram a
gráfica do senado para imprimir santinhos.
E por aí vai. Em 2007, foi a vez da lei da mordaça, proibição de noticiar
intercepções de comunicação telefônica, reforma judiciaria que hierarquizou o
ministério público e italiano, tirando da autonomia inclusive de alguns membros do
ministério público italiano.
- Em 2009, nova lei de repatriação de bens que suspende por 6 meses, renovável
por mais 6 meses, ao sabor da vontade do réu – e Berlusconi, era primeiro-ministro à
época e potencial réu - o tramite dos processos. O réu tem o poder de suspender o
processo.
- Em 2012, altera-se a lei anticorrupção que resulta em diminuição do prazo
prescricional que beneficia várias autoridades.
- Em 2014, despenaliza-se o crime de sonegação.
Enfim o cenário é esse. Que caminhos nós vamos trilhar aqui no Brasil? Estamos
vivendo exatamente o ponto de divisão de momento, para lá ou para cá. São senhores
senadores, deputados, em quem o povo brasileiro confia, quem vai decidir que caminho
o Brasil vai trilhar. Que país nós seremos daqui a 25 anos. Que país seremos daqui a 25
anos, porque os italianos, hoje passados 25 anos, têm índice de corrupção tão elevados
quanto lá trás. Nós daqui a 25 anos olharemos para trás e diremos o quê? Nós, daqui a
25 anos, diremos o que a nossos filhos e nossos netos? Pai, avô, o que você fez lá em
2017, porque que você não contribuiu para que não ocorresse isso que ocorreu, ou Pai
que bom que você estava lá no congresso e impediu que o Brasil continuasse nessa sina
de ser um eterno país de terceira categoria.
Precisamos investir em educação, para que nossas crianças construam valores
cívicos morais, não no sentido da moralidade torta, mas uma moral cívica de
compreender que o trato da coisa pública tem que ser feito, e observado, de forma
diferenciada do que vimos fazendo historicamente em 500 anos. E temos também que
ter o cuidado de não apenas não aprovar leis dessa natureza, que descaracterizam a
possibilidade de se responsabilizar a quem desvia, quem destrata a coisa pública, mas,
ao contrário, criar leis que melhorem o sistema de punição brasileiro. Temos hoje um
sistema de impunidade no Brasil inclusive, em grande medida, com baixas penas e
lapsos prescricionais curtos. Prescrição retroativa, que é uma coisa que só existe no
Brasil, a Jabuticaba. Este cenário está na mão dos senhores congressistas, em quem a
nação brasileira deposita todas as esperanças.
Encerro deixando uma mensagem, se queremos um mundo melhor para nossos
filhos, também precisamos saber que filhos vamos deixar para o nosso mundo. É uma
via de mão dupla, congresso nacional e educação, são os caminhos para que a gente sai
desse atoleiro. E para que possamos ser “Outro país daqui a 25 anos”, obrigado.
Mediadora: Muito obrigada Rodrigo Chemim. Segundo o embaixador Amado,
não haverá intervalo. Podemos, então, começar com as perguntas. De início, vamos
receber três.
(Elizabeth)- Vou dirigir minha primeira pergunta a Marcelo. Sonho em um dia
encontrar, talvez até em Brasília, um equipamento no modelo que tem aqui,
impostômetro com um corruptômetro. Acho que falta isso, até para dar transparência à
somatória daquilo que muita gente não tem noção. Sei que ainda está longe de nós
termos esse mecanismo, mas seria muito interessante. A pergunta ao ao senhor é a
seguinte: como vamos pensar numa solução e num encaminhamento dando
transparência, agilidade e eficiência à restituição dos valores desviados?
(Elvis)- Gostaria de perguntar: a Lava Jato pegou o legislativo, pegou o
executivo, ela vai avançar para o judiciário?
(Marcelo)- obrigado pela pergunta Elvis. Primeiro é preciso ter clareza que nem
todo dinheiro desviado fruto de corrupção vai ser recuperado na íntegra. O dinheiro que
vem fácil vai embora fácil, muita coisa desviada, muito custo é utilizado na lavagem, no
processo de lavagem. Há um grande esforço de recuperação do máximo possível de
recursos, extensivo, registrado e divulgado nos relatórios anuais da procuradoria geral
da república. Lava Jato tem um site que aponta os valores já recuperados. O mesmo
ocorre com o combate a fraudes decorrentes em fundos de pensões, operação greenfield.
E a força tarefa dos fundos de pensões que fez a mesma coisa, os acordos de leniência
foram homologados pela 5ª câmara, porém estão à disposição, são todos públicos. E a
forma em mecanismo de recuperação e devolução de recursos também estão
disponíveis. Tudo isso em meio eletrônico. A possibilidade de acesso acredito que
precisamos fazer é só tornar essa informação mais palatável, porque os valores e o
volume muitas vezes é inacreditável, são inacreditáveis. O que são dez bilhões de reais,
eu fiz essa conta outro dia, numa aula eu tive que explicar o que são dez bilhões de
reais. Alguém sabe? É um milhão e quatrocentos mil reais por hora durante um ano sem
sábado, domingo e feriado. É isso! São cifras que desafiam a inteligência e a
compreensão. Quando se diz que o sistema brasileiro de fundo de pensão das estatais
deu desvio e prejuízos na ordem de 77 bilhões de reais, o que se está dizendo é que a
operação de Fundo de Pensão, que está no início, é maior que Lava Jato em termos
financeiros e em termos de escândalo. Atravessa várias obras e estruturas que vai de
óleo, gás, energia, construção, transporte, trem de alta velocidade que nem chegou a
existir, refinaria do Maranhão que só ficou na terraplanagem e por ai afora. São valores
e cifras estrondosos, é assustador. É material de pesquisa para economista, cientistas
políticos e curiosos em geral. Agora isso vai resultar daqui a 50 anos em grandes livros
de história e muita matéria, muito material de pesquisa. Com relação ao processo contra
juízes e contra membros do legislativo e executivo, não há um direcionamento
especifico com relação a uma categoria de profissionais ou pessoas. Lembro a vocês que
a operação desse ano implicou a prisão de um dos meus colegas que atuava na força
tarefa de fundos de pensão. Ele era membro da força tarefa que eu ajudei a criar na 5ª
câmara, e os fatos que resultaram na prisão do Ângelo ocorreram de 7 de março deste
ano a 18 de maio. Não há seletividade com relação a quem quer que seja. O que estamos
fazendo é buscando provas e apresentando-as ao judiciário, tentando evoluir na
repressão ou desencorajar as pessoas a prosseguirem com a corrupção. E lembro para
vocês que como o estudo é um processo em evolução, combate a corrupção é um
caminhar. Eu não vejo fim, eu não vejo chegada, vejo um caminho longo, constante,
perseverante, contínuo. Aqui em São Paulo, de 2000 a 2005, o tribunal regional federal
da 3ª região atua em processos criminais contra juízes, afastou um por ano em processos
criminais, por abuso de autoridade e processos criminais por corrupção. E o que nós
percebemos naquele período de 2000 a 2005 foi que, se o juiz manda prender outro juiz,
ele manda prender qualquer um. Isso é uma realidade temos processo em curso contra
subprocurador geral da república no STJ, temos processos em cursos contra ministros
do STJ. Não é contra membros de tribunais de contas. Não é essa atividade, porque às
vezes não chama atenção das pessoas é que são dados e informações publicados a partir
das decisões dos tribunais que fica difícil você ter um quadro completo da situação. É
essa a grande complexidade dessa situação toda em que vivemos. Mas não há nenhum
obstáculo, nenhum tipo de preferência para investigar fulano, beltrano, cicrano, a única
coisa que tem nos pautado é prova robusta, de possível sustentação perante o tribunal. É
possível obter do juiz uma medida em que o tribunal acredite naquilo que lhe é
apresentado e possa resultar tecnicamente em uma decisão compreensível e justa ou
compatível com a corte constituição do sistema legal brasileiro? Essa é a nossa grande
preocupação, é um compromisso com a democracia.
(Luiz)- eu tenho uma pergunta que é uma provocação para o Marcelo. Você
citou, Marcelo, que no caso das estatais, até quando a gente vai esperar por um mundo
ideal? E sugerindo que a estrutura das estatais é uma questão que favorece a corrupção
e, portanto vejo como solução eliminar as estatais e tratar ai essas empresas como
empresas como as outras, de modo que o mercado, de certa forma, consegue regular
isso? Eu projeto essa mesma reflexão para a questão da estrutura democrática. A gente
que tem uma estrutura hoje que ela é totalmente favorável à corrupção, as pessoas
escolhem aqueles candidatos que são oferecidos a ela. Mas, por trás disso, até o
candidato chegar lá como candidato existe um processo que favorece, que é o
financiamento das campanhas, que é muito alto. Na política, as coisas funcionam muito
em termos de trocas de favores, é o modelo que existe, e é muito favorável à corrupção,
e o interesse pelo poder é muito mais que o interesse ideológico, ele é muito interesse
dos benefícios pessoais, o que gera distorções. Não seria uma questão a gente começar a
estudar uma reformulação da estrutura ao invés de ficar apenas tentando combater a
corrupção dentro de uma estrutura que já favorece ela por si só?
(Marcelo)- Eu não fico feliz quando vejo um processo de corrupção na minha
frente, Atuo na operação Zelotes perante o STJ, Operação Recomeço das questões do
Rio de Janeiro, Lava Jato do Rio de Janeiro, no Meu Prato* perante o STJ, eu não tenho
alegria nenhuma em trabalhar nesses casos, porque você vê uma destruição de riqueza e
valores muito grande em todos eles. Muita mentira, muitos desvios. O que observo
concretamente na prática é a realidade da operação Lava Jato, da greenfield, da do
Fundo de Pensão. Um conterrâneo meu do Paraná, Belmiro Castor, escreveu um livro,
cujo o título é O Brasil não é para Amadores. Tratou de vários aspectos éticos e de
comportamento com relação à realidade. Uma das coisas com que me identifico no
livro, publicado em 2002, é justamente a dificuldade de abandonar o formalismo, a
aparência da realidade, como se formalmente estivesse tudo bem. Na realidade, você
tem um subterrâneo de destruição de riquezas e valores sem precedentes. Vou dar um
exemplo, citado pelo Dallagnol. Quando ele começa na Lava Jato (final de 2013, início
de 2014), vai até a Petrobrás no Rio de Janeiro como parte do time de Curitiba, senta
com alguns dos diretores e conversa com o corpo técnico da Petrobrás. A grande
pergunta é, Estamos encontrando estes problemas que foram delatados pelo Alberto
Youssef, sua contadora e seu advogado, e parece que tem tudo a ver aqui com a estatal.
A resposta que os técnicos dão foi pedir aquele material, passar alguns dias, algumas
semanas, estudando-o e, numa segunda reunião, dizerem: Está tudo dentro do padrão,
dentro da conformidade, isso daqui é padrão de mercado, é o que seguimos. Não
estamos identificando nenhum sobrepreço, a estatal não sofreu prejuízo, não
conseguimos identificar nada de errado. Ele pega aquele material, agradece e continua
investigando. Na sequência vem a delação premiada de Paulo Roberto Costa, uma
bomba atômica dentro da Petrobrás. Porque mostrou exatamente onde estavam todos os
problemas relacionados com aqueles contratos, que a estatal formalmente reconhecia
como atividades normais e comuns do mercado sem prejuízo a seus negócios. Isso está
presente em todos os casos de contratos investigados. Só que o subterrâneo, o
subterfujo, o que não é aparente, é justamente o negócio escuso, e, cá entre nós, talvez
até seja uma intuição pessoal, não sei se isso se sustenta, mas uma coisa que eu
observei: os casos de corrupção em que a 5ª Câmara atua, a corrupção só se propaga em
meios onde há grande confiança entre corruptores e corrompidos. Há um pressuposto
reacional muito grande. Só há corrupção quando os envolvidos na corrupção confiam
uns nos outros. E uma coisa que aconteceu aqui no Brasil é que muitas das pessoas
envolvidas em processo de corrupção ficaram assustadas com o tamanho do volume de
recursos, e se sentiram, quando investigadas, enganadas, tapeadas. Eu confiei nesse
sujeito ele me disse que recebeu um milhão e na conta dele tem 70, como isso é
possível. Em todas nossas cláusulas de acordo de leniência, há a possibilidade de que as
empresas que assinam leniência, e dos réus que assinam colaboração premiada,
complementarem a qualquer tempo dados e informações que descobrirem. O que
aconteceu com uma das grandes empresas que assinaram acordo de leniência com o
ministério público federal foi que eles, empresários, descobriram que eram vítimas da
sua própria estrutura. Não era raro encontrar um gerente um administrador de uma
empresa que fazia contratos com a administração pública, dizendo que tinha que pagar
X para o administrador público e, desse X, teria desconto de 50% que ia para lá, e o
resto ficava com o intermediário. Que também é outra surpresa, então talvez eles não
consigam avançar e chega a um consenso, a respeito de qual é o próximo passo, porque
entre eles há muita mágoa, desconfiança, e aquilo que gerou o ambiente de corrupção
estável desapareceu. Que é aquela confiança típica entre corruptos e corruptores, talvez.
Não sei se você se lembra que, em volta de 97/98, quebrou o banco inglês chamado
Barings. Levou um prejuízo, uma fraude gigante na Inglaterra, um bilhão de dólares
naquele período. Aqui houve uma operação de resgate do Banco do Brasil 7 bilhões de
dólares, a Cacique quase quebrou o fundo de pensão do Banco do Brasil quase foi para
os espaços em 1997/98. Operação Salva Vidas. Vivíamos processo de hiperinflação. O
Banco do Brasil hoje tem todas as suas ações ordinárias do estado em bolsas. Acho que
se o mercado ajudar, a iniciativa privada ajudar, se ficar mais transparente, se os
mecanismos ficarem mais simples, se o custo de transação empresarial diminuir, se a
competência aumentar, se a eficiência econômica brasileira crescer, vai melhorar para
todo mundo, e egoisticamente falando vai melhorar para mim também, vai diminuir
meu trabalho.
(Eduardo)- boa tarde, a minha pergunta vou dirigir ao Marcelo para
complementar aquilo que ele acaba de responder. A sensação que fica é de que a Lava
Jato vai continuar por muito tempo ainda mudando de nome, porque agora vamos ter os
fundos de pensão, e na investigação vai se descobrir outras áreas outras coisas e tal. E
para combater essa sensação não seria o caso de, por exemplo, descer a investigação a,
por exemplo, mecanismos de controle que existem. Existem nos tribunais de contas,
existem as auditorias internas nas empresas, nos órgãos estatais, as auditorias externas,
os conselhos da administração. E como o senhor mencionou, houve um técnico que
disse, isso tá legal, bom! Aí descobriu que não estava. E o que aconteceu com esse
técnico?, ele teve má fé, não teve, ele participa do conluio. Porque a sensação que dá é
que os leões e os tigres estão sendo capturados, mas as hienas, e o pessoal que tá ali
embaixo, que pode ser que seja por falha técnica ou por má fé, estejam usufruindo de
todo esse lamaçal de corrupção. Não seria o caso também de se mudarem as leis de
como são feitos esses controles. Hoje se fala em melhorarem as licitações, por exemplo,
para evitar fraude. Se fala em mudar a lei 8666, mas há muitos anos se fala isso, mas
não se faz nada. Não tem um exemplo, não tem um conselheiro do tribunal de contas
sendo pego e sendo punido, ou um contador de uma empresa sendo pego e e
exemplarmente sendo punido. Dá uma certa sensação de que está faltando ainda chegar
nesse nível também, até para levar que quem trabalha nessa área pensar duas vezes
antes de compactuar com uma falcatrua. Obrigado
(Marcelo)- Obrigado pela pergunta, isso é economia, teoria dos incentivos.
Vamos imaginar o seguinte, o ser humano faz cálculo de custo benefício, se ele for
minimamente inteligente antes de cometer uma infração. Se você torna o custo viável,
você incentiva. Na nossa realidade, apesar de tudo que aconteceu no Mensalão e tudo o
que aconteceu com Lava Jato e Fundo de Pensão, os incentivos ainda permanecem
porque há novas operações surgindo para fazer. Com relação ao combate à corrupção,
lembre-se que o Mensalão teve começo meio e fim, Lava Jato começo, meio e terá fim.
Fundos de pensão começo, meio e terão fim também. Todas elas terão fim. Porque
processo não existe para ficar em modo contínuo e indefinido na realidade, até porque
manda uma mensagem, as pessoas mudam o comportamento. O que a gente observa é
que, do jeito que caminhamos, a tendência é uma sofisticação nos mecanismos de
corrupção. Uma reconfiguração nesses mecanismos se tornando mais complexos, ou
mais transparentes ou quem sabe até com valores mais baixos. Sem ser uma corrida para
o fundo do poço, os valores em que vimos eles são... é claro a nossa realidade hoje.
Com relação a escala e fiscalização, o que o Belmiro Castor coloca é muito interessante,
que é o seguinte: um observador da realidade brasileira se ele não estiver totalmente
confuso, só significa que está mal informado. Porque o que temos formalmente em
ordem, não significa honestidade, não significa clareza, não significa transparência, não
significa estabilidade ou eficiência. Toda fiscalização é feita por amostragem, a Receita
Federal não olha imposto de renda de todo mundo, porque não tem gente suficiente para
isso. Usa mecanismos de informática, computação avanço etc., mas é por amostragem.
A representação criminal também é por amostragem, não são todos os crimes que são
punidos ou que são investigados. Nenhuma sociedade no planeta tem recursos
suficientes para resolver esses problemas só com fiscalização e controle, seja ele pré ou
pós. O que você tem é uma atuação eficiente mandando mensagens elevando custos
para criminalidade. Se temos os números de homicídios que temos no Brasil, 60 mil por
ano é que, como mamíferos, todos nós temos que compreender que há incentivo à
violência homicida neste país. Porque somos únicos nas 3 Américas com os nossos
números de homicídios. Isso vale para homicídio, isso vale para corrupção, isso vale
para estupro, isso vale para abuso, isso vale para o estelionato e vários outros crimes.
Alguma coisa está errada aqui dentro e tem a ver com nós brasileiros. É isso. Se
investirmos só em mecanismos de prevenção ou mecanismos de repressão para
fiscalização, esquecendo do custo disso tudo, nós vamos ter ou podemos chegar a ter
alguma forma de conforto formal incompatível com a realidade. É mais ou menos como
a mãe que finge que o filho não fuma para ver se ele fuma menos. Ela sente o cheiro
quando lava a roupa, quando abraça e dá beijinho, mas faz de conta que aquilo não
existe, quem sabe ele fuma menos dentro de casa e perto dela pelo menos não vai fumar.
Muitas vezes na nossa realidade fazemos de conta que somos surpreendidos quando
topamos com grandes escândalos de corrupção. Eu fiz uma listinha para vocês para falar
de corrupção, é o seguinte: essa minha experiência quando eu entrei no Ministério
público e vim para cá em São Paulo assumir a procuradoria da república em fevereiro
de 91. Trabalhei no caso das importações de Israel, no caso pau Brasil, ajudei no caso
Collor/PC, por sinal o PC fugiu para Tailândia e ninguém sabia onde ele estava. Mas a
situação atual é a seguinte, quando um réu brasileiro contra ele dá uma ordem de prisão,
e ele está no exterior, por incrível que pareça ele volta para cá, salvo algumas pequenas
exceções. Não é mais possível se esconder no mundo. O sujeito tem que ir para Coreia
do Norte, ele pode ir para Venezuela, ele escolhe algum outro lugar legal, um lugar
mentalmente mais simples, com menos energia, com menos conforto, mas aí tem a
natureza. Porque onde há democracia e desenvolvimento econômico, não está dando
mais certo se esconder. Tivemos casos de ordens já expedida no Brasil para prender um
réu. O réu foi monitorado em Nova Iorque, o FBI avisou, vocês querem que prenda ele
aqui ou querem que a gente só acompanhe, ele vai entrar no avião, a hora que girar a
porta do avião a gente avisa e vocês pegam no Rio de Janeiro, beleza! Mais simples. É o
que foi feito. Hoje quando um juiz brasileiro expede uma ordem de prisão contra
alguém, com quem o Brasil tem cooperação, a tendência desse sujeito e voltar para casa.
Vocês se lembram do juiz Nicolau, fugiu se escondeu, vocês lembram do PC Farias que
fugiu e se escondeu, e toda aquela dificuldade daquele período. Fora isso além do caso
Nicolau, juiz do TRT, os Anões do orçamento, o caso das Gautama construtoras do Rio
de Janeiro, Castelo de Areia que começa de uma forma muito curiosa, o Mensalão é
outro caso que começa de forma curiosa, Lava Jato começa com uma forma muito
simples para investigar lavagem de dinheiro proveniente de drogas e deu no que deu. E
o greenfield, fundo de pensão, os beneficiários de fundo de pensão começam a reclamar
identificando que a gestão dos fundos que está errada. E, nesse caso dos fundos de
pensão, é fundamental a CPI feita dentro congresso nacional nos fundos de pensão, a
CPI colhe as informações que é a principal parceira para operação greenfield. Uma CPI
que já se encerrou e dá resultados concretos e efetivos, muitas vezes, dentro do
congresso as pessoas esquecem que uma CPI de Fundo Pensão foi feita com resultados
fenomenais. Obrigado.