SEMINÁRIO DOENÇA DE CHAGAS
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE MEDICINA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM MEDICINA
DOENÇA DE CHAGAS
ALEXANDRE TREVISAN
BRUNA KULEVICZ AMARAL
DENISE FERREIRA FRANÇA
GIOVANNA PEREIRA TARDIN
LETÍCIA DE SOUZA OLIVEIRA
MARIANA GOMES FRANCO
PAULO TEODORO BUENO LOPES
RODOLFO BARREIRA NOVAES
VICTOR HUGO DA VEIGA JARDIM
CUIABÁ-MT
2011
ALEXANDRE TREVISAN
BRUNA KULEVICZ AMARAL
DENISE FERREIRA FRANÇA
GIOVANNA PEREIRA TARDIN
LETÍCIA DE SOUZA OLIVEIRA
MARIANA GOMES FRANCO
PAULO TEODORO BUENO LOPES
RODOLFO BARREIRA NOVAES
VICTOR HUGO DA VEIGA JARDIM
DOENÇA DE CHAGAS
Orientador: Prof. Dr. Clovis
Botelho
Trabalho apresentado para
avaliação na disciplina de Saúde
do Adulto III, do curso de
Medicina, da Universidade Federal
de Mato Grosso.
CUIABÁ-MT
2011
RESUMO
Este trabalho foi confeccionado para elucidar alguns pontos sobre a Doença de
Chagas. Sabe-se que foi endêmica em estados como Goiás e Minas Gerais. O
controle do vetor diminui a prevalência dessa doença nesses estados. Porem a
transmissão por via oral ganhou destaque em 2005 com surtos de Doença de
Chagas Aguda em Santa Catarina após a ingesta de açaí. A Doença de Chagas
na sua forma crônica deixa várias sequelas, entre elas o megacolon, o
megaesôfago e cardiomegalia, debilitando o doente, tendo ele que se aposentar
antes do tempo devido, aumentando os gastos do Estado.
Palavras Chave: Doença de Chagas, T. cruzi, Triatoma infestans, cardiomegalia
ABSTRACT:
This work was made to elucidate some points on Chagas Disease. It is known
that was endemic in states such as Goias and Minas Gerais. The vector control
reduces the prevalence of this disease in these states. However, the oral
transmission gained prominence in 2005 with outbreaks of Acute Chagas
Disease in Santa Catarina after the intake of acai. The Chagas Disease in its
chronic form leaves several sequels, including megacolon, megaesophagus and
cardiomegaly, weaking the patient, taking him to retire befero due time,
increasing the State spending.
Keywords: Chagas Disease, Tripanossoma cruzi, Triatoma infestans,
cariomegaly
LISTA DE SIGLAS
CCC – Cardiopatia Chagásica Crônica
DCA – doença de chagas aguda
DNA – Deoxyribonucleic acid (Ácido Desorribonucléico)
ELISA – Enzyme Linked Immunossorbent Assay (Ensaio imunoenzimático)
EUA – Estados Unidos da América
HBV - Hepatite B Vírus
HBC - Hepatite C Vírus
HIV – Human Immunodeficiency virus (Vírus da Imunodeficiência Humana)
HLA – Human leukocyte antigen (Antigeno Leucocitário Humano)
IFN-α – Interferon alfa
IL-4 – interleucina 4
IL-12 – interleucina 12
IND – Indeterminada
MS – Ministério da Saúde
OMS – Organização Mundial de Saúde
PCR – Proteina C Reativa
RIFI- Reação de imunofluorescencia indireta
RIPA – Radioimmune Precipitation Assay (Ensaio radioimuneprecipitação)
SMF – Sistema Mononuclear Fagocitário
SVS – Secretaria de Vigilância em Saúde
TNF-α – Tumor Necrosis Factor alfa (fator de necrose tumoral alfa)
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Banco de sangue - triagem Sorológica ..............................................................................12
Quadro 2: Casos de Doença de Chagas Aguda. Brasil, Grandes regiões e Unidades Federadas, para os
anos de 2007 a 2010 ..........................................................................................................................12
Quadro 3: Exames laboratoriais e auxiliares no diagnóstico e manejo da doença de Chagas ...............31
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Casos de Doença de Chagas aguda por município. Brasil, 2000 a 2010 ...............................11
Figura 2: Trypanosoma cruzi: 1, 2 e 3, formas tripomastigotas largas, encontradas no sangue
circulante; 4, 5 e 6, formas tripomastigotas delgadas, encontradas no sangue circulante; 7 e 8, formas
epimastlgotas encontras em dejetos de triatomineos e meios de cultura ..............................................13
Figura 3: Ciclo evolutivo do Tripanossoma cruzi ..............................................................................15
Figura 4: Foto de um Triatoma infestans ...........................................................................................18
Figura 5: Criança com chagoma característico no olho direito e edema da pálpebra: o sinal de Romaña
.........................................................................................................................................................27
Figura 6: foto de Trypanossoma cruzi ...............................................................................................30
Figura 7: ECG com taquicardia atrial; extrassístoles supraventriculares e ventriculares; bloqueio de
ramo direito e bloqueio de ramo anterossuperior esquerdo .................................................................33
Figura 8: Radiografia de tórax em posição póstero-anterior demonstrado cardiomegalia global .........34
Sumário
1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 9
2. EPIDEMIOLOGIA ....................................................................................................... 10
3. CICLO EVOLUTIVO................................................................................................... 13
4. TRANSMISSÃO .......................................................................................................... 17
4.1 TRANSMISSÃO VETORIAL ............................................................................... 17
4.2 TRANSMISSÃO TRANSFUSIONAL................................................................... 18
4.3 TRANSMISSÃO CONGÊNITA ............................................................................ 19
4.4 TRANSMISSÃO POR ACIDENTES LABORATORIAIS .................................... 20
4.5 TRANSMISSÃO POR VIA ORAL ....................................................................... 20
4.6 TRANSMISSÃO POR LEITE MATERNO ........................................................... 21
4.7 TRANSMISSÃO POR COITO .............................................................................. 21
4.8 TRANSMISSÃO POR TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS ....................................... 21
5. PATOGÊNESE ............................................................................................................ 23
6. EVOLUÇÃO DA DOENÇA ......................................................................................... 27
7. DIAGNÓSTICO ........................................................................................................... 28
7.1 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL NA FASE AGUDA ..................................... 28
7.2 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL NA FASE CRÔNICA .................................. 29
7.3 MÉTODOS DE DIAGNÓSTICO LABORATORIAIS .......................................... 29
7.3.1 Parasitológicos diretos ....................................................................................... 29
7.3.2 Parasitológicos indiretos .................................................................................... 30
7.3.3 Histopatologia ................................................................................................... 31
7.4 DIAGNÓSTICO GRÁFICO POR ELETROCARDIOGRAFIA CONVENCIONAL
....................................................................................................................................32
7.5 RADIOGRAFIA DE TÓRAX ............................................................................... 33
8. TRATAMENTO ........................................................................................................... 35
9. PREVENÇÃO .............................................................................................................. 36
10. CONCLUSÃO .......................................................................................................... 37
11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 38
9
1. INTRODUÇÃO
A Doença de Chagas, ou tripanossomíase americana, é uma doença infecciosa causada
pelo protozoário Trypanosoma cruzi. A doença ficou assim conhecida por ter sido descoberta
por Carlos Chagas, um pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz, em 1909. Não só descobriu a
doença, mas como o agente causador e o agente transmissor. Isso constitui um marco decisivo
na história da ciência e da saúde brasileiras (FIOCRUZ, 2011).
A doença tem uma fase aguda e outra crônica. A aguda ocorre no momento da
infecção e é caracterizada por leve estado febril. Depois ela se torna crônica pelo resto da
vida, sendo marcada por uma parasitemia latente e anticorpos anti- T. cruzi detectáveis e
ausência de sintomas. Em alguns poucos pacientes crônicos pode haver lesões cardíacas e
gastrointestinais, o que pode resultar em morbidade grave e até mesmo morte
(BRAUNWALD, 2008).
10
2. EPIDEMIOLOGIA
A doença de Chagas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), constitui uma
das principais causas de morte súbita que pode ocorrer com frequência na fase mais produtiva
do cidadão. Além do mais, o chagásico é um indivíduo marginalizado na sociedade, sendo
que muitas vezes não é fornecida possibilidade de emprego, mesmo que adequado à sua
condição clínica, que quase sempre não é devidamente analisada. Sendo assim, tal doença
constitui um grande problema social e uma sobrecarga para os órgãos de previdência social,
com um montante de aposentadorias precoces nem sempre necessárias (NEVES, 2005).
A Doença de Chagas é ainda hoje, no Brasil e em diversos países da América Latina,
um problema médico-social grave. A distribuição da doença se faz exclusivamente no
continente americano, estendendo-se do sul dos Estados Unidos até o sul da Argentina e do
Chile. Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai, Uruguai e Venezuela são os países
considerados como os de maior prevalência da doença (LOPES, 2009).
No Brasil, a endemia chegou a atingir cerca de 36 % do território nacional, afetando
mais de 2450 municípios, do Maranhão ao Rio Grande do Sul, calculando-se uma prevalência
de aproximadamente cinco milhões de indivíduos infectados na década de 1970. Os estados
com maior números de enfermos são: Minas Gerais, Goiás, São Paulo, Bahia e Rio Grande do
Sul. Ações sistematizadas de controle químico foram instituídas a partir de 1975 e, mantidas
em caráter regular desde então, levaram a uma expressiva redução da presença de T. infestans
e, simultaneamente, da transmissão do T. cruzi ao homem. Em reconhecimento, o Brasil
recebeu em 2006 a certificação internacional de interrupção da transmissão da doença pelo T.
infestans, concedida pela Organização Panamericana da Saúde e Organização Mundial da
Saúde (BRASIL, 2011).
Atualmente predominam os casos crônicos da doença decorrentes de infecções
adquiridas no passado, com aproximadamente 3 milhões de indivíduos infectados. No
entanto, nos últimos anos, a ocorrência de Doença de Chagas Aguda (DCA) tem sido
observada nos estados da Amazônia Legal, com ocorrência de casos isolados em outros
estados.
11
Figura 1: Casos de Doença de Chagas aguda por município. Brasil, 2000 a 20101
Com esse novo cenário, com a ocorrência de casos e surtos na Amazônia Legal por
transmissão oral e vetorial (sem colonização e extradomiciliar), podem-se evidenciar duas
áreas geográficas onde os padrões de transmissão são diferenciados: uma região originalmente
de risco para a transmissão vetorial, onde ações de vigilância epidemiológica, entomológica e
ambiental devem ser concentradas, com vistas à manutenção e sustentabilidade da interrupção
da transmissão da doença pelo T. infestans e por outros vetores passíveis de domiciliação e
outra, que concentra a região da Amazônia Legal, onde a doença de Chagas não era
reconhecida como problema de saúde pública, as ações de vigilância devem ser estruturadas e
executadas de forma extensiva e regular na região por meio de: detecção de casos febris,
apoiada na vigilância da malária; identificação e mapeamento de marcadores ambientais, a
partir do reconhecimento dos ecótopos preferenciais das diferentes espécies de vetores
prevalentes e na investigação de situações em que há evidências ou suspeita de domiciliação
de alguns vetores. Surtos de DCA relacionados à ingestão de alimentos contaminados (caldo
de cana, açaí, bacaba, entre outros) e casos isolados por transmissão vetorial extradomiciliar
vem ocorrendo especialmente na Amazônia Legal. No período de 2000 a 2010, foram
registrados no Brasil 1.086 casos de doença de Chagas aguda. Destes, 70% (765/1.086) foram
por transmissão oral, 7% por transmissão vetorial (80/1.086), em 22% (234/1.086) não foi
identificada a forma de transmissão (BRASIL, 2011).
1 Fonte: Ministério da Saúde, 2011.
12
Quadro 1: Banco de sangue - triagem Sorológica2
Quadro 2: Casos de Doença de Chagas Aguda. Brasil, Grandes regiões e
Unidades Federadas, para os anos de 2007 a 20103
2 Fonte: <http://www.fiocruz.br/chagas/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=130> Acesso: 13/11/2011. 3 Fonte: Ministério da Saúde, 2011.
13
3. CICLO EVOLUTIVO
O T. cruzi possui em seu ciclo biológico várias formas evolutivas, tanto no hospedeiro
vertebrado quanto nos invertebrados. Nos hospedeiros vertebrados são encontradas as formas
amastigotas intracelularmente e as formas tripomastígotas extracelularmente, presentes no
sangue circulante. Ambas as formas são infectantes para células in vitro e para vertebrados.
Em todas as formas evolutivas pode ser observado o cinetoplasto, que constitui uma
mitocôndria modificada, rica em DNA; a análise do mesmo é um dos parâmetros utilizados na
análise bioquímica de diferentes amostras de T. cruzi. Os tripomastígotas sanguíneos
apresentam ainda variações morfológicas as quais são denominadas polimorfismo que
conferem algumas características fisiológicas do parasito (NEVES, 2005).
Figura 2: Trypanosoma cruzi: 1, 2 e 3, formas tripomastigotas largas, encontradas no sangue circulante; 4, 5 e 6, formas tripomastigotas delgadas, encontradas no sangue circulante; 7 e 8, formas
epimastlgotas encontras em dejetos de triatomíneos e meios de cultura4
Já nos hospedeiros invertebrados, são encontradas inicialmente as formas
arredondadas com flagelo circundando o corpo, denominadas esferomastígotas, presentes no
4 NEVES, D.P; MELO, A.L.; LINARDI, P.M.; VITOR, R.W.A. Parasitologia Humana. São Paulo:
Atheneu, 2005.
14
estômago e intestino do triatomíneo, formas epimastígotas em todo o intestino e
tripomastígotas presentes no reto. O tripomastígota metacíclico constitui a forma mais natural
de infecção para o hospedeiro vertebrado (NEVES, 2005).
O Trypanosoma cruzi infecta em condições naturais mais de 100 espécies de
mamíferos de diferentes ordens. O parasito na natureza existe em diferentes populações de
hospedeiros vertebrados tais como seres humanos, animais silvestres e animais domésticos, e
os invertebrados, a exemplo dos insetos vetores. T. cruzi possui variações morfológicas e
funcionais, alternando entre estágios que sofrem divisão binária e as formas não replicativas e
infectantes (FIOCRUZ, 2011).
O ciclo biológico do T. cruzi é do tipo heteroxênico, passando por uma fase de
multiplicação intracelular no hospedeiro vertebrado e uma extracelular no inseto vetor. No
hospedeiro vertebrado, amastigotas, epimastígotas e tripomastígotas interagem com células do
hospedeiro vertebrado e apenas as epimastígotas não são capazes de nelas se desenvolver e
multiplicar. Considerando o mecanismo natural de infecção pelo parasito, os tripomastígotas
metacíclicos eliminados nas fezes e urina do vetor, durante ou logo após o repasto sanguíneo,
penetram pelo local da picada e interagem com células do Sistema Mononuclear Fagocitário
(SMF) da pele ou mucosas. Neste local, ocorre a transformação dos tripomastígotas em
amastígotas, que aí se multiplicam por divisão binária simples. A seguir, ocorre a
diferenciação dos amastígotas em tripomastígotas, que são liberados da célula hospedeira
caindo no interstício. Estes tripomastígotas caem na corrente circulatória, atingem outras
células de qualquer tecido ou órgão para cumprir novo ciclo celular ou são destruídos por
mecanismos imunológicos do hospedeiro. Podem ainda ser ingeridos por triatomíneos, onde
cumprirão seu ciclo extracelular. No início da infecção do vertebrado (fase aguda), a
parasitemia é mais elevada, podendo ocorrer morte do hospedeiro. Na espécie humana, a
mortalidade nesta fase da infecção ocorre principalmente em crianças. Quando o hospedeiro
desenvolve resposta imune eficaz, diminui a parasitemia e a infecção tende a se tornar
crônica. Na fase crônica, o número de parasitas é pequeno na circulação, só sendo detectados
por métodos especiais. A evolução e o desenvolvimento das diferentes formas clínicas da fase
crônica da doença de Chagas ocorrem lentamente, após 10 a 15 anos de infecção ou mais.
Estudos mostraram que o mecanismo de interação do parasito com o hospedeiro denomina-se
endocitose, ocorrendo em três fases sucessivas: adesão celular, interiorização e por fim,
fenômenos intracelulares. (NEVES, 2005).
15
Já durante a fase no hospedeiro invertebrado, o T. cruzi se transforma em
epimastígotas e então, no intestino posterior, diferenciam em tripomastígotas metacíclicos
(um processo conhecido como metaciclogênese) os quais, eliminados pelas fezes e urina do
inseto vetor, são capazes de infectar o hospedeiro vertebrado. O parasita não penetra a pele
intacta, somente infectando o hospedeiro via mucosa ou ferimentos na pele. Nos mamíferos,
os parasitos se desenvolvem no interior das células sendo liberados no sangue circulante após
as células do hospedeiro se romper. Inúmeros fatores podem influenciar o desenvolvimento
de T. cruzi no inseto vetor. Durante a alimentação do inseto, as formas tripomastígotas que se
encontram no sangue do hospedeiro vertebrado infectado, são ingeridas pelos insetos. Alguns
dias após a alimentação do inseto, os parasitas se transformam em epimastígotas e
esferomastígotas. Uma vez a infecção seja estabelecida no estômago do inseto vetor, as
formas epimastígotas do parasito se dividem repetidamente por divisão binária e podem aderir
às membranas perimicrovilares das células intestinais. Em grande número, os epimastígotas se
ligam à cutícula retal, se diferenciam em tripomastígotas metacíclicos podendo assim ambas
as formas, diferenciadas ou não, serem eliminadas pelas fezes e urina.
Figura 3: Ciclo evolutivo do Tripanossoma cruzi5
5 Fonte: <http://miriamsalles.info/wp/?tag=doenca-de-chagas>Acesso em: 13/11/2011.
16
Resumindo tal figura, o ciclo inicia-se com a infecção de inseto vetor por formas
tripomastígotas presentes no sangue periférico do homem ou animal parasitado, durante o
repasto sanguíneo. No tubo digestivo do triatomíneo ocorre a transformação das formas
tripomastígotas em epimastígotas, que passam a multiplicar-se por sucessivas divisões
binárias, as quais perpetuam a infecção no inseto; no intestino posterior, as formas
epimastígotas evoluem para as formas infectantes, que passam a ser denominadas de
tripomastígotas metacíclico, eliminadas na dejeção do inseto no momento da hematofagia, os
quais apresentam intensa motilidade quando depositados na superfície cutânea ou mucosa,
penetrando ativamente pela mucosa, seja pele íntegra ou com solução de continuidade, como
escoriações de coçadura. Tais formas penetram em células locais, perdendo seu flagelo e
transformando em amastigotas, que fazem divisões binárias sucessivas, dando origem a
pseducistos. Após um período de aproximadamente 5 dias, evoluem para epimastígotas e em
seguida para tripomastígotas. Por ação mecânica e intensa atividade das mesmas sobre a
membrana, rompe-se a célula parasitada, fazendo com que os tripomastígotas liberados
invadam células subjacentes e as correntes linfática e sanguínea, e ao atingirem o tecido,
alojam em novas células, reassumindo a forma amastigota, fechando assim o ciclo, com a
forma amastigota perpetuando a infecção do ser parasitado (LOPES, 2009)
17
4. TRANSMISSÃO
As formas habituais de transmissão da doença de Chagas humana reconhecidas são
aquelas ligadas diretamente ao vetor, à transfusão de sangue, à via congênita, e mais
recentemente, as que ocorrem via oral, pela ingestão de alimentos contaminados. Mecanismos
menos comuns envolvem acidentes de laboratório, manejo de animais infectados, transplante
de órgãos e pelo leite materno. Uma via teoricamente possível, mas extremamente rara é a
transmissão sexual.
4.1 TRANSMISSÃO VETORIAL
A doença de Chagas, inicialmente uma enzootia, passou a se constituir em problema
de saúde pública, após a domiciliação dos vetores, provocada pela desagregação ambiental.
Deve ser considerado o mecanismo primário de difusão da doença, pois dele dependem as
outras formas de transmissão. Entre as mais de 120 espécies de insetos vetores, todas da
subfamília triatominae, há consenso de que cerca de doze espécies são as que importam para a
infecção humana, pela sua capacidade de invadirem e procriarem dentro das casas. Dentre
elas, o Triatoma infestans ao sul e o Rhodnius prolixus e Triatoma dimidiata, ao norte da
linha do Equador (BRASIL, 2011).
A infecção ocorre pela penetração de tripomastígotas metacíclicos (eliminados nas
fezes ou na urina de triatomíneos, durante o hematofagismo) em solução de continuidade da
pele ou mucosa íntegra, sendo essa a forma de transmissão com maior importância
epidemiológica (NEVES, 2005).
Hoje, a doença encontra-se sobre controle com a adoção de estratégia de
monitoramento entomológico para identificar a presença do vetor e desencadear as ações de
combate. A utilização de inseticidas específicos, assim como a melhoria habitacional
realizada nas áreas endêmicas, são algumas das medidas preventivas que estão sendo
praticadas, para evitar o triatomismo domiciliar, sobretudo nos bolsões de pobreza e nas
regiões politicamente menos representativas. Não há dúvida de que as estratégias de controle
18
da doença de Chagas no Brasil têm obtido excelentes resultados nos últimos anos. O
consolidado dos inquéritos sorológicos para a Doença de Chagas confirma a redução dos
casos, tendo sido encontrada prevalência de 0,13% entre as 244.770 amostras colhidas em
escolares (7-14 anos de idade) de todos os estados endêmicos, no período de 1989 a 1999.
(BRASIL, 2011).
Figura 4: Foto de um Triatoma infestans6
4.2 TRANSMISSÃO TRANSFUSIONAL
A transmissão transfusional da doença de Chagas foi confirmada, em 1952, por
Pedreira de Freitas ao publicar os dois primeiros casos de pacientes infectados por esta via.
Tornou-se, então, a segunda via mais importante de propagação nos centros urbanos, sendo
considerada a principal forma de transmissão em países não endêmicos (Canadá, Espanha,
EUA) e em países latino-americanos que estejam em processo de erradicação do vetor. Sete
casos associados à transmissão transfusional foram documentados nos últimos 20 anos no
Canadá e Estados Unidos, todos ocorrendo em receptores imunodeprimidos (BRASIL, 2011).
O Brasil, que nos anos 80 apresentava prevalência média de 7,03% em candidatos à
doação de sangue, teve este coeficiente diminuído para 3,18% na década de noventa e
atualmente para 0,6% na hemorrede pública e de 0,7% na rede privada. O risco de
6Fonte: <http://departamentovigilanciaemsaude.blogspot.com/2011_06_01_archive.html> Acesso em:
13/11/2011.
19
transmissão transfusional da infecção chagásica no Brasil é 10-15 vezes aquela estimada para
a infecção pelo HIV, Hepatite B Virus (HBV) ou Hepatite C Virus (HCV), dependendo da
região. Esses índices refletem a efetividade dos programas de combate ao vetor e maior
controle do sangue e hemoderivados, através de uma rigorosa triagem clínica e da doação
voluntária de sangue. Também a atuação mais efetiva da vigilância sanitária sobre os serviços
de hemoterapia públicos e privados tem contribuído para o aumento da segurança
transfusional e, consequentemente, para a eliminação da transmissão sanguínea dessa
protozoonose (BRASIL, 2011).
4.3 TRANSMISSÃO CONGÊNITA
A transmissão ocorre quando existem ninhos de amastígotas na placenta, que
liberariam tripomastígotas que chegariam à circulação fetal. O diagnóstico diferencial é feito
pelo encontro do T. cruzi na placenta ou pesquisa de anticorpos IgM anti-l T. cruzi no soro do
recém-nascido pela RIFI ou ELISA (NEVES, 2005).
A prevalência da infecção por T. cruzi em gestantes, principal fator de risco para a
infecção congênita, varia de 5 a 40% dependendo da área geográfica. No Brasil, esta
prevalência varia entre 0,3 e 33%. A infecção congênita pelo T. cruzi continuará como um
problema de saúde pública, nos países latino-americanos, pelo menos nos próximos 30 anos,
quando se espera que o número de mulheres infectadas em idade fértil deverá reduzir
significativamente (BRASIL, 2011).
A principal via da transmissão vertical é a transplacentária e pode ocorrer em qualquer
fase da doença materna: aguda, indeterminada ou crônica. A transmissão também pode se dar
em qualquer época da gestação, sendo mais provável no último trimestre, ou ocorrer na
passagem no canal do parto, pelo contato das mucosas do feto com o sangue da mãe
infectada. A infecção materna pelo T. cruzi pode afetar o crescimento e a maturidade dos fetos
infectados, podendo causar aborto, prematuridade, crescimento intrauterino retardado e
malformações fetais. Não há um perfil clínico único da doença de Chagas congênita,
indicando que os sinais clínicos não são bons marcadores da infecção, reforçando a
necessidade do diagnóstico laboratorial. Os recém-nascidos infectados podem apresentar um
espectro clínico que varia desde ausência de sintomas (50-90% dos casos) até quadros graves.
Uma pequena parte das crianças infectadas pode apresentar um quadro clínico comum a
20
outras infecções congênitas, sendo mais frequentemente encontrados: hepatoesplenomegalia
(18%), sepse (7%), miocardite (4%), hepatite (4%), meningoencefalite (3%), edema (1,4%),
febre, anemia e icterícia. Mais raramente ocorrem pneumonite, coriorretinite e opacificação
do corpo vítreo (BRASIL, 2011).
4.4 TRANSMISSÃO POR ACIDENTES LABORATORIAIS
Pode ocorrer entre pesquisadores e técnicos que trabalham com o parasito, sejam no
sangue de animais, pessoas infectadas, meios de cultura ou vetor. A contaminação pode se dar
por contato do parasito com a pele lesada, mucosa oral ou por auto inoculação (NEVES,
2005).
4.5 TRANSMISSÃO POR VIA ORAL
A transmissão oral, comum entre animais no ciclo silvestre, é esporádica e
circunstancial em humanos e ocorre pela ingestão de alimentos contendo triatomíneos ou suas
dejeções. Os surtos aparecem de forma súbita, atingindo um número pequeno de
pessoas. Geralmente coincidem com épocas de calor, de maior atividade dos triatomíneos
(maior mobilidade de vetores, maior hematofagismo, maior contaminação do ambiente com
fezes infectadas, maior produção de casos agudos por via vetorial clássica). A via oral ganhou
maior destaque em 2005, devido ao surto em Santa Catarina. Nesse episódio, segundo Nota
Técnica do Ministério da Saúde, foram identificados 45 casos suspeitos de Doença de Chagas
Aguda relacionados à ingestão de caldo de cana, 31 com confirmação laboratorial, sendo que
cinco pacientes evoluíram para óbito. Entre os alimentos, podem-se incluir sopas, caldos,
sucos de cana ou açaí, comida caseira, leite, carne de caça semicrua. O Trypanosoma cruzi
permanece vivo por algumas horas ou dias dependendo da temperatura, umidade e
dessecamento. Em baixas temperaturas, sua viabilidade pode ser até de semanas. Sabe-se que
o cozimento superficial dos alimentos não elimina o agente, mas que procedimentos como
pasteurização, cocção acima de 45°C e liofilização o fazem (BRASIL, 2011).
Entre janeiro de 2005 a agosto de 2007 a SVS/MS (Secretaria de Vigilância em
Saúde/Ministério da Saúde) recebeu a notificação de 22 surtos de doença aguda em vários
21
estados. Na maioria dos eventos, pôde-se comprovar a associação da ocorrência de casos com
o consumo de alimentos in natura, como caldo de cana (Santa Catarina - 2005 e Bahia -
2006), bacaba (Maranhão, Pará - 2006) e especialmente do açaí (Pará – 2006 e 2007,
Amazonas - 2007). Um total de 170 casos e 10 óbitos (letalidade de 6,5%) foi identificado
(BRASIL, 2011).
4.6 TRANSMISSÃO POR LEITE MATERNO
A transmissão pelo leite materno apesar de em 1936, e por Dias, 2006, somente foi
suspeitada em poucos casos descritos na literatura, sugerindo reduzida importância no
contexto da endemia e certamente não constitui empecilho para recomendar o aleitamento
pela mãe infectada. Em dois casos suspeitos havia relato de fissura mamilar seguida de
sangramento, durante o aleitamento, não podendo, a rigor, excluir a transmissão pelo sangue e
nos dois casos descritos não foi possível descartar a transmissão transplacentária (BRASIL,
2011).
4.7 TRANSMISSÃO POR COITO
Este mecanismo de transmissão nunca foi comprovado na espécie humana. Há apenas
relato de encontro de tripomastígotas em sangue de menstruação de mulheres chagásicas e no
esperma de cobaias infectadas. Experimentalmente, já se conseguiu demonstrar infecção após
depositar o T.cruzi em vagina de ratas (NEVES, 2005).
4.8 TRANSMISSÃO POR TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS
Nas duas últimas décadas, com o aumento do número de transplantes, essa via de
transmissão tem adquirido relevância. A maior experiência é em transplante renal que
apresenta índice de transmissão de 35%. Mas já está bem documentada em transplantes
hepáticos, cardíacos e de medula óssea ou sangue de cordão (BRASIL, 2011).
22
A doença de Chagas aguda que ocorre após esse mecanismo de transmissão apresenta-
se mais grave, uma vez que os receptores estão imunocomprometidos. O ideal é realizar o
tratamento profilático, quando já se sabe que o doador é portador da infecção chagásica. No
Brasil, já se relatou que em seis casos de transplante hepático com doadores sabidamente
infectados, o uso profilático de Benzonidazol, por 60 dias como recomendado pelo Consenso
Brasileiro de Doença de Chagas, foi capaz de prevenir a infecção, sugerindo que transplante
de órgãos de doadores infectados, acompanhado por tratamento tripanomicida do receptor,
pode ser uma boa alternativa para casos urgentes (BRASIL, 2011).
23
5. PATOGÊNESE
O T. cruzi tem em sua superfície um homólogo da proteína regulatória do
complemento humano, o fator de aceleração de deposição (FAD). Após a invasão no corpo
humano tal parasita é ancorado por meio de uma ligação glicosil-fosfatidilinositol, liga-se a
C3b e inibe a formação de: C3 e a ativação da via alternativa do complemento (ROBBINS,
2000).
O parasita necessita de um contato com toxinas lisossômicas ácidas para o estimulo
ao desenvolvimento de sua forma amastigota, estágio intracelular do parasita. Para isso
quando capturado pelas células do sistema fagocitário, promove o aumento da concentração
de cálcio intracelular, promovendo a fusão dos fagossomos e lisossomos. Assim o pH baixo
estimula o dos amastigotas e ativa as hemolisinas, que rompem a membrana lisossômica,
liberando o parasita para o citoplasma (ROBBINS, 2000).
No citoplasma das células hospedeiras, os parasitas se reproduzem como amastigotas
arredondados, e desenvolvem flagelos arrebentando as células hospedeiras e entrando na
corrente sanguínea. Após cair na corrente sanguínea os parasitas infestam células da
musculatura lisa, esquelética e cardíaca, ou infectam insetos que se alimentam deste sangue
(ROBBINS, 2000).
Os mecanismos que levam ao desenvolvimento da Cardiopatia Chagásica Crônica
(CCC) ainda são assunto de intenso debate. São ainda desconhecidos os fatores de
suscetibilidade que levam apenas 30% dos indivíduos a desenvolverem a CCC após a
infecção por T. cruzi, enquanto que os restantes 70% não apresentam problemas cardíacos. A
principal característica do tecido cardíaco na CCC é uma miocardite difusa, incluindo a
destruição das fibras cardíacas e substituição por fibrose cicatricial, associada a um
considerável infiltrado inflamatório difuso, composto por linfócitos T e macrófagos
(CUNHA-NETO, 1995).
Essas células inflamatórias têm sido consideradas como as efetivas destruidoras do
tecido cardíaco, na aparente ausência do T. cruzi. Já no coração de pacientes da forma
indeterminada (IND), sem sintomas cardíacos, identifica-se uma inflamação bem menos
intensa, chamada miocardite focal, que pode estar associada com restos parcialmente
destruídos do parasita. Utilizando-se técnicas ultrassensíveis, como o PCR e a
24
imunohistoquímica, encontram-se indícios da presença do T. cruzi no coração de pacientes
com CCC; entretanto, tais indícios também são encontrados no coração de chagásicos da
forma indeterminada, sem alterações cardíacas. Além disso, outros órgãos, como os rins, são
parasitados pelo T. cruzi de forma análoga ao coração, sem apresentarem sinais de destruição
ou dano funcional. Em conjunto, esses dados sugerem que a simples presença do T. cruzi não
é suficiente para a indução da miocardite difusa e da destruição do tecido cardíaco. Há
algumas décadas, foi postulada a hipótese autoimune da patogênese da CCC, que procurava
explicar a agressão ao tecido cardíaco na CCC na ausência do T. cruzi in situ como um
fenômeno secundário a uma resposta imunológica contra algum antígeno do T. cruzi, que
apresentasse semelhanças antigênicas, ou mimetismo molecular, com um componente
cardíaco (CUNHA-NETO 1995).
Esse mecanismo reage com um antígeno semelhante, porém distinto daquele que
gerou a resposta imune chama-se reação cruzada imunológica. Tanto as respostas imunes ao
T. cruzi quanto a autoimunidade a componentes cardíacos já foram responsabilizadas como
desencadeadores do infiltrado inflamatório e da destruição tecidual na CCC. Informações
obtidas com modelos animais frequentemente apontam para uma direção que pode ser
confirmada por estudos com doentes. Linfócitos T CD4+, ou auxiliadores, de camundongos
cronicamente infectados com T. cruzi podem transferir a inflamação cardíaca para
camundongos não infectados. Também foi observado que tanto anticorpos do soro quanto
linfócitos T CD4+ de camundongos infectados reconhecem a miosina cardíaca, a proteína
mais abundante do coração. Anticorpos antimiosina cardíaca purificados por afinidade a partir
de soros de pacientes CCC reconheceram especificamente um antígeno de T. cruzi em um
imunoblot com proteínas dos parasitas, apresentando-se como duas bandas de 140 e 116 kDa.
Identificou-se esse antígeno como a proteína recombinante B13 de T. cruzi (CUNHA-NETO,
1995).
Anticorpos de reação cruzada estavam presentes em 100% dos soros de CCC, mas
somente 14% dos soros IND os apresentavam. Uma vez que são os linfócitos T e não os
anticorpos os principais envolvidos na destruição ao coração, testou-se clones de linfócitos T
obtidos por clonagem in vitro e expandidos a partir de um fragmento de biópsia do coração de
um paciente portador de CCC. Foram identificados clones de linfócitos T CD4+ obtidos de
biópsia endomiocárdica de portador de CCC que reconheciam de forma cruzada a miosina
cardíaca (a principal proteína do coração) e a proteína B13 de T. cruzi. Curiosamente, nenhum
clone de célula T reagiu a qualquer outro antígeno de T. cruzi, o que poderia indicar que, pelo
25
menos nas áreas estudadas, o desencadeador do infiltrado inflamatório era o reconhecimento
cruzado da miosina cardíaca e não a presença do T. cruzi (CUNHA-NETO, 1995).
Estudos da produção de citocinas (mediadores solúveis secretados por linfócitos
modular à inflamação) por linfócitos T presentes no coração de pacientes CCC. Revelaram
que quando submetidos a estímulo com a fitoemaglutinina, potente ativador de linfócitos,
essas células produzem quantidades significativas de IFN-γ e TNF-α, (citocinas inflamatórias,
do tipo T1), mas não IL-4 (citocina anti-inflamatória, do tipo T2). Em conjunto, esses dados
indicam a presença, no infiltrado inflamatório do coração de cardiopatas chagásicos, de
linfócitos T reagindo cruzadamente com componentes do coração e capazes de produzir
citocinas inflamatórias, capazes de estabelecer uma inflamação do tipo hipersensibilidade
tardia, justamente a observada na CCC (CUNHA-NETO, 1995).
Após a definição das características principais dos linfócitos T presentes no coração de
cardiopatas chagásicos, é possível comparar tais características em linfócitos do sangue
periférico de pacientes CCC e IND, um material mais facilmente disponível que biópsias
cardíacas. Embora os linfócitos periféricos não tenham apresentado resposta contra a miosina
cardíaca, a imunização in vitro de linfócitos com a proteína B13 leva à geração de clones de
linfócitos T com reação cruzada com a miosina 13. Isso sugere que, ao longo da infecção por
T. cruzi, a sensibilização pela proteína B13 in vivo possa levar à quebra da tolerância para a
miosina cardíaca. A resposta de linfócitos T do sangue periférico à proteína B13 foi muito
semelhante entre pacientes CCC e IND (CUNHA-NETO, 1995).
Os linfócitos T reconhecem B13 de forma restrita ao Anticorpo Leucocitário Humano
(HLA), isto é, apenas indivíduos com certas características genéticas (portadores de
determinados alelos dos genes da região HLA) podem apresentar resposta, embora estas
características estejam presentes em até 85% da população. Entre os chagásicos, a resposta de
citocinas a B13 é caracterizada por grande produção de Interferon gama, uma citocina pró-
inflamatória, do tipo T1, e produção quase nula de Interleucina 4, uma citocina anti-
inflamatória, do tipo T2. A resposta de citocinas a estímulo com fitoemaglutinina foi
semelhante ao da B13 e oposta à encontrada em controles normais. Esses resultados
indicaram a existência, nos pacientes chagásicos, de um desvio sistêmico e generalizado para
a produção de citocinas do tipo T1 (IFN-γ e pro-inflamatória), com supressão de produção das
citocinas do perfil T2 (IL-4) 14 (CUNHA-NETO, 1995).
26
Esse desvio do perfil das citocinas provavelmente está relacionado com a capacidade
do T. cruzi de induzir a produção da Interleucina 12 (IL-12) por monócitos e macrófagos, que,
reconhecidamente, estimula a produção de citocinas do tipo T1 e suprime o perfil T2.
Acredita- se que a infecção pelo T. cruzi estimule a formação de linfócitos T potencialmente
patogênicos, como postulado para outros agentes infecciosos em doenças autoimunes
(CUNHA-NETO, 1995).
A infecção gera linfócitos T maduros, que reconhecem a proteína B13 e produzem
IFN-γ, que são potencialmente capazes de migrar para o coração. Entretanto, a identificação
de linfócitos T anti-B13 capazes de produzir citocinas tipo T1 tanto em pacientes CCC como
em IND, que não apresentam destruição do tecido cardíaco, indica que a sua presença não é
suficiente para causar inflamação e destruição no coração. Assim, deve haver um ponto
chave, um fenômeno imunológico adicional, ocorrendo apenas em pacientes CCC, que leve
ao acúmulo e ativação de tais células no miocárdio levando à lesão (TEIXIERA, 1990).
27
6. EVOLUÇÃO DA DOENÇA
Doença de Chagas Aguda é branda na maioria dos indivíduos, tendo início
aproximadamente uma semana após a infecção, o dano cardíaco resulta de invasão direta de
células miocárdicas pelos organismos e das alterações inflamatórias consequentes. Nessa fase
são comuns achados como linfadenopatia generalizada, chagoma, Sinal de Romaña e
hepatoesplenomegalia. Em uma frequência menor pode-se encontrar parasitemia alta, febre ou
dilatação e insuficiência cardíaca progressiva (BRAUNWALD, 2008).
Já a doença de chagas em sua fase crônica é referida por muitos autores como doença
dos megas. Nesta fase estima-se que 20% dos pacientes 5 a 10 anos após a infecção inicial
apresentam alterações do trato cardíaco e digestivo. O parasita ataca tanto o sistema elétrico
do coração como esôfago e cólon, levando esses órgãos a apresentar disfunções e alterações
estruturais causando a cardiomegalia, esofagomealia, e megacolon (BRAUNWALD, 2008).
Figura 5: Criança com chagoma característico no olho direito e edema da pálpebra: o sinal de
Romaña
28
7. DIAGNÓSTICO
O diagnóstico da doença de Chagas, ou seja, da infecção pelo Trypanossoma cruzi
com ocorrência clínica, é baseado em três pontos principais: as manifestações clínicas; os
antecedentes epidemiológicos, ambos permitem que o clínico realize levantamento da
suspeita; e os métodos de diagnóstico, sobretudo os achados laboratoriais que possibilitam a
confirmação ou exclusão da suspeita. Há ainda muitas alterações cardíacas reveladas pelo
eletrocardiograma, além de anormalidades no coração, esôfago e cólon observadas pelo Raio-
X. É importante destacar o papel dos métodos diagnósticos uma vez que mais da metade dos
infectados pelo parasita não desenvolvem cardiopatia, megacolon ou megaesôfago que são
manifestações bastante caracterizadoras da doença, nessas situações a associação dos
antecedentes epidemiológicos com os achados laboratoriais definem o diagnóstico
(FIOCRUZ, 2011).
A doença se apresenta em duas fases, aguda e crônica, e o diagnóstico é diferenciado
durante as respectivas fases. Na primeira, a parasitemia encontra-se elevada e a pesquisa
parasitológica, direta do Trypanossoma cruzi no sangue periférico é o exame solicitado. Na
fase crônica que em geral a parasitemia é baixa e assintomática o diagnóstico laboratorial é
baseado na pesquisa indireta de sinais infecciosos, ou seja, a busca por anticorpos contra o
Trypanossoma cruzi (FIOCRUZ, 2011).
De maneira geral os métodos de diagnóstico para pesquisa do parasito compreendem o
esfregaço sanguíneo corado pelo Giesma; métodos de concentração; xenodiagnóstico e
hemocultura. Já entre os sorológicos é importante ressaltar a reação de precipitação; RIFI;
reação de fixação do complemento; reação de hematoaglutinação indireta; ELISA; lise
mediada pelo complemento; PCR e anticorpos monoclonais (FIOCRUZ, 2011).
7.1 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL NA FASE AGUDA
Os critérios parasitológicos são determinados pela presença de parasitos circulantes
demonstráveis no exame direto do sangue periférico. Dentre os sorológicos muito embora
alguns autores os definam como pouco relevantes para o diagnóstico destaca-se o achado de
29
anticorpos anti-Trypanossoma cruzi da classe IgM no sangue periférico quando associada a
indicadores epidemiológicos e manifestações clínicas (BRASIL, 2005).
A visualização pode ser feita pelo exame microscópico de sangue a fresco
anticoagulado ou creme leucocitário, em esfregaços finos e espessos de sangue corado por
Giesma, tubos de microematócrito contendo acridina laranja, PCR ou hemocultura
(BRAUNWALD, 2009).
7.2 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL NA FASE CRÔNICA
Na fase crônica os critérios parasitológicos estão relacionados com a baixa
parasitemia, os testes convencionais são de reduzida sensibilidade e isso implica em pouco
valor diagnóstico e condição de desnecessários para o manejo clínico dos pacientes. Já os
critérios sorológicos são caracterizados pela presença de anticorpos anti-Trypanossoma cruzi
da classe IgG detectados por no mínimo dois testes sorológicos de princípios distintos ou com
diferentes preparados antigênicos (BRASIL, 2005).
Na América Latina há uma grande diversidade de ensaios que possibilitam o teste por
meio de antígenos recombinantes, aproximadamente 20 tipos. E é importante ressaltar o uso
de método confirmatório para a detecção de anticorpo contra o parasito, há no mercado um
altamente sensível e específico baseado na radioimunoprecipitação, RIPA (Radio immune
Precipitation Assay) de Chagas (BRAUNWALD, 2009).
7.3 MÉTODOS DE DIAGNÓSTICO LABORATORIAIS
7.3.1 Parasitológicos diretos
É feito através da microscopia direta sobre gota fresca de sangue. É positivo quando se
encontra o Trypanossoma cruzi, alongado, com considerável cinetoplasto e flagelo, além
disso, com mobilidade ativa e serpenteante entre os eritrócitos e leucócitos (BRASIL, 2004).
Conforme Figura 6.
30
Figura 6: foto de Trypanossoma cruzi7
Caso o primeiro teste forneça um resultado negativo indicam-se três ou quatro
repetições ao dia, durante vários dias, que eleva a possibilidade de identificar o parasita. A
gota espessa corada como dito anteriormente também pode ser uma escolha muito embora
seja menos sensível que o exame a fresco. As técnicas de micro hematócrito e técnicas
moleculares modernas para detectar frações do DNA do parasito também são amplamente
empregadas e são procedimentos enriquecedores para o diagnóstico (BRASIL, 2005).
7.3.2 Parasitológicos indiretos
Essas são técnicas que se encontram reservadas principalmente a centros de referência
e órgãos de pesquisa e consistem na amplificação do número de parasitos dos materiais
colhidos, em xenodiagnóstico, hemoculturas ou sub inoculação em animais sensíveis de
laboratório. Essa amplificação visa à otimização do tempo de incubação do parasito
(BRASIL, 2004).
7Disponível em: <http://fernandosantiago.com.br/> Acesso em 14/11/2011.
31
7.3.3 Histopatologia
São pouco realizados para o diagnóstico e tratam da detecção do agente etiológico em
biópsias que são feitas em lesões dermatológicas ou linfonodos. Quando são positivas
representam a forma amastigota no interior de células do sistema fagocitário mononuclear,
com a ocorrência de infiltrado linfo-monocitário (BRASIL, 2004).
Outros exames laboratoriais que podem auxiliar no diagnóstico da doença de Chagas,
bem como na exclusão dos diagnósticos diferencias estão representados no quadro 3 abaixo.
Quadro 3: Exames laboratoriais e auxiliares no diagnóstico e manejo da doença de Chagas8
8 Disponível em: < http://www.fiocruz.br> Acesso em 14/11/2011
32
Os outros exames complementares que podem auxiliar no diagnóstico da doença
chagásica compreendem o eletrocardiograma convencional; eletrocardiograma dinâmico;
estudos eletrofisiológicos; teste ergométrico; ecocardiograma; técnicas radioisotópicas;
cineangiografia; coronariografia e radiografia de tórax. Para fins práticos abordaremos os
exames triviais na avaliação do clínico, são eles o eletrocardiograma convencional e a
radiografia de tórax (KUMAR, 2004).
7.4 DIAGNÓSTICO GRÁFICO POR ELETROCARDIOGRAFIA
CONVENCIONAL
Quase todas as anormalidades eletrocardiográficas existentes podem ser encontradas,
com predominância das anormalidades da formação e condução do ritmo cardíaco. A ausência
de alterações eletrocardiográficas não indica a ausência de acometimento cardíaco. Quando
existem patologias cardíacas de outra causa, as alterações no eletrocardiograma características
dessas manifestações podem sobrepor as da cardiopatia chagásica. (FIOCRUZ, 2011)
O problema mais comum de condução na doença de Chagas é a ocorrência de um
bloqueio do ramo direito do feixe de His, completo ou incompleto, sendo encontrado em 10 a
50% dos pacientes. É bastante frequente o bloqueio associado do fascículo anterossuperior do
ramo esquerdo do feixe de His, combinação característica do chagásico cardiopata. Outras
vezes, se associa ao bloqueio ínfero-posterior esquerdo, a bloqueios atrioventriculares
incompletos, as extrassístoles ventriculares ou a outras alterações menos frequentes. Por
motivos não completamente esclarecidos, o bloqueio de ramo esquerdo é pelo menos 10 vezes
menos frequente do que o bloqueio de ramo direito na doença de Chagas (BRASIL, 2005).
A fibrilação atrial é a arritmia supraventricular mais comum nesses pacientes e é
encontrada em 4 a 12% dos traçados eletrocardiográficos. Outros achados que tem
significância na cardiopatia de Chagas são as zonas que se encontram eletricamente inativas
em uma espécie de infarto agudo do miocárdio, baixa voltagem periferia e alterações
primárias de onda T (BRASIL, 2005).
33
Figura 7: ECG com taquicardia atrial; extrassístoles supraventriculares e ventriculares;
bloqueio de ramo direito e bloqueio de ramo anterossuperior esquerdo9
7.5 RADIOGRAFIA DE TÓRAX
Ocorre em geral um aumento da área cardíaca que varia dentro de limites que são
amplos. Em muitos casos não ocorre aumento da área, em outros o aumento pode ser
considerável e é indicativo de um grau mais avançado de acometimento cardíaco. Os
aumentos maiores acontecem em situações de insuficiência cardíaca congestiva ou bloqueio
atrioventricular total. Observa-se geralmente o predomínio do diâmetro longitudinal em
relação ao diâmetro transverso. A sombra aórtica não sofre alterações na doença chagásica. A
cardiomegalia pode ser observada na Figura 8 (PONDÉ, 1948).
9 Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0066-782X2007000500018. Acesso
14 de nov. 2011.
34
Figura 8: Radiografia de tórax em posição póstero-anterior demonstrado
cardiomegalia global10
10
Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0066782X2003001400009&script=sci_artt > Acessado
em 14/11/2011
35
8. TRATAMENTO
Nifurtimox e Benzonidazol foram introduzidos clinicamente entre as décadas de 60 e
70, mas atualmente não se encontram disponíveis comercialmente no Brasil. No entanto,
nenhum deles é o ideal já que: (1) não são ativos durante a fase crônica da doença e
apresentam sérios efeitos colaterais, (2) requerem administração por longos períodos de
tempo sob supervisão médica, (3) há grande variação na susceptibilidade de isolados do
parasito a ação destas drogas, (4) populações de parasitos resistentes aos dois compostos têm
sido relatadas, (5) apresentam alto custo, e (6) não há formulações pediátricas. Esses
medicamentos têm sido principalmente utilizados no tratamento de pacientes agudos e
crônicos recentes, nos quais se observam resultados positivos, principalmente em crianças, no
tratamento de infecções congênitas, transplantes de órgãos de doadores infectados, quadros de
re-agudizacão de paciente imunossuprimidos. E apesar da maioria dos estudos revelarem uma
baixa eficiência destes fármacos durante a terapia de pacientes crônicos, avaliações recentes
têm sugerido o tratamento de modo a retardar ou mesmo evitar a evolução da doença crônica
(FIOCRUZ, 2011; BRAUNWALD, 2008).
Devido ao alto custo dos investimentos e a falta de um mercado potencial e seguro
nos países em desenvolvimento, a produção de novas drogas para o tratamento da doença de
Chagas não são do interesse de indústrias farmacêuticas. Com isso, mesmo com a notável
redução na incidência da transmissão, ainda há dois problemas críticos: (1) tratamento de
pacientes na fase crônica, e (2) ocorrência de novos casos agudos em algumas regiões da
América Latina. Em geral, o desenvolvimento de uma quimioterapia antiparasitária ocorre
pelo estabelecimento de princípios ativos de plantas utilizadas na medicina popular, pela
investigação de drogas já aprovadas para o tratamento de outras doenças, ou por meia da
determinação de alvos específicos identificados em vias metabólicas chave para o parasito.
Estudos recentes têm permitido a identificação de alvos potenciais em T. cruzi e que incluem
o metabolismo de esteróis, o DNA e diferentes enzimas (FIOCRUZ, 2011).
36
9. PREVENÇÃO
Já que o tratamento medicamentoso não é satisfatório e não há vacinas, a prevenção se
dá por meio do controle/redução dos vetores domiciliares através borrifação de inseticidas,
melhoria das moradias e educação nos países endêmicos. É importante ainda o uso de
mosquiteiros e repelentes. Devem-se evitar as casas de pau-a-pique, substituindo-as por
alvenaria.
Há ainda as medidas, como questionários, para se identificar e rejeitar os doadores de
sangue com alto risco de infecções por T. cruzi. Além disso, os profissionais de laboratórios
que trabalhem com o T. cruzi devem usar luvas e proteção ocular.
37
10. CONCLUSÃO
A Doença de Chagas ainda é uma entidade bastante comum no nosso meio. É uma
doença sem cura, que evolui na maior parte dos casos para megacolon, cardiomegalia e
megaesôfago. Nas afecções aguda pode evoluir para morte do paciente.
A principal causa de infecção é a vetorial, através do hematófago Triatoma infestans
ou outro triatomíneo. Porém, as infecções agudas que aconteceram alguns anos em alguns
estados brasileiros (Bahia, Santa Catarina, Amazônia Legal) ocorreram através da forma oral,
onde alguns triatomíneos foram moídos juntamente com cana, ou congelados com açaí e
depois foram ingeridos pelos doentes.
Como não existe cura, principal forma de prevenção da doença é o controle do vetor
através de vigilância entomológica.
As manifestações clinicas da doença dependem diretamente em qual estágio da
infecção o doente se encontra, variando de chagoma, febre, linfadenomegalia, Sinal de
Romaña (forma aguda), a cardiomegalia, megacolon e megaesôfago (forma crônica).
Com esse trabalho explanamos os pontos principais da epidemiologia, patogênese,
transmissão, evolução da doença, diagnóstico, tratamento e prevenção.
38
11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. BRAUNWALD, E. et al. Harrison Medicina Interna. 17ª Edição. São Paulo:
McGrawHill, 2009.
2. BRASIL, MINSTÉRIO DA SÁUDE. Consenso Brasileiro em Doença de Chagas.
Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. v.38, supl. III, 2005.
3. BRASIL, MINISTÉRIO DA SÁUDE. BRASIL, 2004.
4. CUNHA-NETO, E. et al. J. Clin. Invest. 1996; 98:1709
5. FIOCRUZ. Disponível em: <www.fiocruz.br>. Acesso em 12 de nov. de 2011
6. KUMAR, V.; ABBAS, A. K; FAUSTO, N. Robbins & Cotran: Patologia -Bases
Patológicas das Doenças. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004
7. LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. Obra Completa. Rio de
Janeiro: Roca. 1ª edição, 2006.
8. NEVES, D.P; MELO, A.L.; LINARDI, P.M.; VITOR, R.W.A. Parasitologia
Humana. São Paulo: Atheneu, 2005.
9. PONDÉ, A. A cardiopatia crônica da doença de Carlos Chagas. Arquivos
Brasileiro Cardiologia. 1948; 35:27-70.
10. ROBBINS, S. L.; COTRAN, R. S. & KUMAR, V. Patologia estrutural e
funcional. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000
11. TEIXEIRA, A.R.L. et al. J. Infect. Dis. 162:1420, 1990